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Sumário
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Epílogo
Contato
Biografia
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O futuro é para aqueles que sabem esperar.
P ROVÉRBIO RUSSO
São Petersburgo – Rússia, março de 2019.
voz dele me acorda e me põe em alerta. Meu coração acelera um pouco pelo
susto. Olhei para o rosto do homem parado a poucos metros de distância; seu
puxei o lençol e cobri o meu corpo. Minha mente recrimina o meu corpo
camisola de algodão grosso protege meu corpo contra o inverno russo, meias
de lã reforçam o cuidado contra o aquecimento precário do quarto. Ainda
Ele voltou. Depois de mais de um mês, ele voltou para casa. Não
para mim. Disso, eu sabia. Voltou para tudo que lhe pertencia. Para o
— Esta casa é minha! A única pessoa que dá ordens aqui sou eu.
Pensei que já tinha deixado isso claro em nossa última conversa. Pode me
explicar por que eu tive que vir buscar a minha esposa neste... sótão
vestindo apressadamente.
tentasse manter uma convivência harmoniosa com madame Olga e foi o que
aquilo sem demonstrar a mágoa que carregava em meu peito. Não queria
pensar sobre o quanto foi difícil ficar nesta casa sem ter mais ninguém com
uma criada como eles, por mais que fosse exatamente assim que eu me
sentisse. Nada em mim havia mudado, mas a etiqueta social determinava que
eles não podiam mais me tratar como antes. Deveriam me tratar com a
arrumadeira. Não sou mais a filha do mordomo que cresceu dentro daqueles
muros. Deixei de ser a Izzy e passei a ser Sra. Izolda, a esposa do patrão e
dono de toda a herança e todo o legado dos Orlov agora.
que...
tempo todo trancada em um quarto com lareira e, mesmo assim, não estaria
comigo.
— Minha saúde não é tão ruim quanto você faz soar — retruco um
pouco irritada. Talvez ele tivesse razão. Talvez minha asma fosse uma
Sibéria, mas ele não tinha nem ao menos considerado a opção ou tentado se
lei. — Eu sei que não é feliz. Sei que casar comigo foi uma obrigação, o
cumprimento de uma promessa, mas não precisamos permanecer casados. O
nosso casamento nunca foi... Ele nunca foi... Nós nunca o...
que quero ir embora realmente importasse. Mas a verdade é que ele assumiu
casado, e seria um escândalo para a família Orlov, uma das famílias mais
importantes do país, ter um casamento que durou tão pouco.
que iria fazer lá. Tratava-se de uma viagem de negócios. Escavar o gelo para
senhor não me quer por perto e, em até certo ponto, eu compreendo, porque
eu também não gostaria de estar casada com alguém que não amo. Além
disso, esse casamento não é tão ruim para o senhor, é? Pode viajar para onde
todos esses dias trabalhando, mal tive um segundo para ouvir meus próprios
pensamentos direito até alguns dias atrás. A última coisa na minha mente era
conseguir uma amante. Além disso, você sabe que viajar é uma parte
Quero gritar que qualquer coisa que ele tenha enfrentado, o frio
terrível, o excesso de trabalho, eu trocaria tudo isso pelo vazio de ter ficado
aqui. Ele fala de viajar como se fosse um fardo, quando tudo que eu quero é
Eu também tinha uma rotina e agora eu não tenho nada, absolutamente nada.
— E o que você queria fazer? Forrar as camas? Você não é mais uma
criada, Izolda.
palavra. Eu tinha planos antes desse casamento e eu... Eu quero ter uma vida.
como despejaria tudo isso em cima de mim assim que eu voltasse. Acha
mesmo que teria um futuro melhor do que aquele que pode ter sendo minha
esposa? O que realmente quer dizer com tudo isso? Fala como se estivesse
presa nesta casa, presa em uma armadilha, mas sabemos que não foi assim
que tudo aconteceu. Nós dois sabemos. Melhor dizendo, nós três sabemos.
Meu irmão, Mikhail, nunca assumiu compromisso com ninguém, e todos
sabem exatamente quem ele é. Você sabia. Mas eu prometi a seu pai e
honrarei a promessa que fiz quando ele morreu.
— Não fale como se você não tivesse orquestrado tudo isso. Você
acha que eu queria estar casado com uma mulher que fala o nome de outro
homem enquanto dorme? É isso? Alguém que se deita do meu lado e sonha
com outro?
Ele não havia esquecido a nossa primeira noite como marido e mulher.
Dividimos a mesma cama, mas toda nossa interação parecia uma transação
indefinido foi o que me impediu de desviar os olhos assim que nosso olhar
se encontrou.
— Sou apenas eu. Seu marido. Ele não está aqui, Izolda. Você não
passou de uma aventura para o Mikhail como tantas outras antes de você.
Quanto antes entender que Mikhail será apenas o seu cunhado, será
melhor para todos.
— Desta vez, apenas eu a ouvi gritando o nome dele. Sugiro que pare
de uma vez por todas de alimentar essas fantasias de um final feliz ao lado
dele. Aceite o seu destino.
Orlov. Como a vida pôde ser tão cruel e me colocar naquela família? Como
tudo aquilo aconteceu tão rápido? O meu pai estava morto agora. E foi por
Orlov era reconhecido não apenas por ser uma das famílias mais ricas e
tradicionais da Rússia, mas também por sua influência na política do país.
Enquanto todas as damas solteiras da sociedade gostariam de se casar
com Andreas Orlov, eu sonhava com uma vida simples, sem complicações.
Tudo que eu queria era ser livre. Poder viajar, conhecer pessoas, desenhar,
pintar. Tudo que eu mais queria era ser dona do meu próprio destino. Eu
pretendia fazer isso assim que possível, estava economizando com essa
desejei. Tudo porque todos acreditavam que era eu a moça naquelas fotos
comprometedoras que foram vazadas pela imprensa. Quando, na verdade,
que aquela não era eu, confrontou Mikhail, e seu coração fraco não resistiu
quando foi humilhado pelo Orlov.
Foi Andreas que fez a promessa de se casar comigo e não permitir que
o nome de meu pai fosse jogado na lama. Mas ele não foi o único a fazer uma
promessa naquele dia e, se ele estava tão empenhado em cumprir a dele, eu
também não pretendia quebrar a minha. Guardei o segredo sobre aquela ser
Elke e deixei que a culpa me fosse atribuída.
Foi assim que nossos destinos foram trocados. Eu me casei com
Andreas Orlov, o irmão mais novo de Mikhail, e Elke foi embora do país.
casamento, eu sabia que tudo poderia ser muito pior. Ela poderia estar
casada com Mikhail, ou eu poderia estar casada com aquele ser desprezível.
podia. Só para fazer seus amigos ricos e esnobes como ele se divertirem às
custas da filha do mordomo da família.
de uma vez o que realmente você quer dizer. — Andreas diz irritado.
— O quê?
— Existe um papel assinado por nós dois que diz que estamos ligados
um ao outro, mas não porque nós dois queremos ou porque seu coração me
escolheu. E tudo isso, ironicamente, pode ser consertado com um outro papel
— Izolda, isso não vai acontecer, nenhuma das opções. Você é minha
Ele diz que é hora de ir para a cama e vai tomar banho. Fico na cama,
lua de mel separado. Que marido deixa a esposa apenas duas semanas após
o casamento e mal telefona para ela três vezes em mais de um mês? Um casal
não se une com base em uma promessa feita a um homem à beira da morte.
Este casamento estava fadado ao fracasso desde o início.
São Petersburgo, Rússia.
— Por aqui! — Elke diz, me puxando pela mão. Seus cabelos longos
estão presos em uma trança, e ela faz sinal para que eu não faça barulho
enquanto caminhamos. A porta do quarto está entreaberta, e, quando eu noto
que ela pretende entrar, congelo. Sei muito bem que quarto é aquele. Posso
cedo aos seus caprichos. Ela anda nas pontas dos pés, e eu escuto o barulho
de água correndo. Então, eu o vejo – ele está nu. O calor quente está
embaçando parte do vidro do box, mas ainda há muito a ser visto na cena. Eu
nunca tinha visto um homem nu antes. Ele era bonito, realmente bonito.
Mesmo que cada fibra do meu corpo dissesse que não deveria me aproximar
dele, eu não podia negar aquilo. Elke pega o telefone e faz uma foto.
Corremos pelos corredores vazios, e eu sinto meu coração bater mais forte,
— Ah, vamos! Valeu a pena, não valeu? — ela diz, dando uma volta
dos empregados da casa mal teria a coragem de lhe dirigir a palavra sem que
repreendida. Ela pega uma maçã na cesta; o fruto é tão vermelho quanto seus
lábios. E eu sei que ela está se divertindo, não só pelo que acabamos de
fazer, mas também comigo e com todas as minhas ressalvas. — Você precisa
se arriscar mais, Izzy. Vive falando que quer viajar, conhecer lugares, mas
não tem coragem de explorar o quintal. Quando não está limpando este
A proteção de ser uma Pavlova. Às vezes, mesmo que esta casa seja
quatro paredes cinzentas do meu quarto. Elas são meu santuário, o único
lugar que é meu, o único espaço sobre o qual eu tenho alguma gerência.
livro aberto, suas emoções estão sempre à flor da pele. Ela é sempre o
máximo de si mesma possível e nunca se desculpa por isso. Já eu, como ela
mesma gosta de dizer, sou um robozinho educado programado para dizer
Retiro meus olhos rapidamente. Ela não deveria ter feito isso. Não
deveria ter uma foto dele, principalmente não uma foto em que ele está nu, no
banho. Aquilo era uma violação. Como se ele não fizesse coisa pior, minha
mente acusa.
com esse apoio visual. Você deveria experimentar, vai se sentir menos tensa
engolindo parte da maçã. — Um dia, eu vou estar com ele naquele banheiro,
apreciando aquele corpo de perto, como deveria ser. Nós seríamos ótimos
Além disso, você duvida que eu possa fazer com que ele se interesse por
Afinal de contas, Elke é linda. Seus longos cabelos pretos contrastam a pele
abrir minha janela. Ela tem um sorriso com covinhas e uma boca
vestida, mesmo agora, quando apenas saiu de casa para me visitar – embora
Então, sim, ela tinha razão. Ela poderia chamar a atenção dele se
galinha. Ele sempre esteve cercado por escândalos; seu nome estava sempre
Unidos supostamente estudando. Ele até mesmo já foi pego pela polícia com
havia custado o controle sobre a fortuna dos Orlov, mas, ainda assim, não
era de fato uma punição; tudo que ele fazia parecia ser considerado
perdoável. Afinal de contas, ele é homem, e os homens podem tudo neste
uma pessoa terrível. Enquanto minha amiga estava apreciando a vista dentro
acho que não. Isso aqui ainda é a Rússia. Você já imaginou o que isso pode
sei que só está dizendo tudo isso porque acha que Andreas é mais bonito.
— Eu não... não...
— Você não o quê? Você não acha que ele é um gostoso e fica babando
toda vez que o vê? — ela me acusa, lançando seu corpo para fora do balcão.
— Isso não é verdade — minto tanto para minha amiga quanto para
mim mesma. Andreas Orlov é, na minha opinião, dez vezes mais homem que
seu irmão. E mesmo que, para o mundo exterior, ele pareça uma pessoa
quais costumavam chamar desde o meu primeiro dia de aula. Andreas foi a
primeira pessoa que me disse que eu não tinha do que me envergonhar por
sendo anos mais velho, aquele garoto magrinho de olhos castanhos tinha sido
— Ah, é, sim! A sua sorte é que ele adora o seu pai. Bem, e há o fato
de que ele a vê como uma irmã mais nova. Caso contrário, ele já teria
mandado demiti-la por ficar salivando perto dele. Mas já imaginou se ele um
dia tirasse os olhos do jornal e notasse quanto você está dobrando as roupas
dele... — ela diz, pegando minha mão. — Ele se aproximaria de você, daria
para não gargalhar de sua infantilidade. — “Onde você esteve esse tempo
todo?”
sabia que nossos delírios juvenis encontrariam espaço para a vazão. Nem
mesmo a minha imaginação, acostumada a divagar, seria capaz de projetar
uma realidade na qual a vida poderia dar voltas tão tortuosas apenas alguns
meses depois.
meses mais frios do inverno russo. Nem todas as cobertas e o aquecedor são
capazes de conter os espasmos do meu corpo, mas não é o frio que me
acorda, e sim uma crise de asma. Aquilo não era incomum. Minhas crises
tinham começado quando eu ainda era uma menina, e eu tinha passado tantas
Foram tantos anos e tantos sustos até que eu finalmente fui ao médico e
passei a ser devidamente medicada, e descobri que minha asma só era
induzida pela mudança climática e por esforços físicos extremos. Por isso,
diferentemente do que acontecia na minha infância, tudo que eu precisava
fazer naquele momento era me esticar e fazer duas doses da minha
embaralhar na minha mente. E mesmo que meus dias fossem quase sempre
iguais, eu gostava de colocá-los no papel e gostava mais ainda quando podia
adicionar qualquer interação, por mais tola que pudesse parecer, que tinha
com Andreas Orlov. Naquele dia, nossos caminhos tinham se cruzado
quando ele estava de saída para o trabalho em seu terno azul marinho e
gravata perfeitamente amarrada. Eu tinha passado aquele terno alguns dias
obviamente não éramos mais crianças, ele não tinha tempo para mim. Ainda
assim, eu gostava da ideia de manter algum tipo de vínculo com ele.
Ele estava conversando com meu pai, falando sobre a festa que
Aquela frase me aqueceu mais que qualquer casaco poderia tê-lo feito,
e eu me esforcei para não deixar que meu rosto me entregasse enquanto meu
pai me dizia que o patrão tinha toda razão e eu deveria vestir algo mais
grosso.
Talvez Elke tivesse razão, e Andreas me visse como a irmã mais nova
que nunca teve, mas não era assim que eu pensava nele e, definitivamente,
não havia nada de fraterno na sensação que ele conseguia me causar apenas
me olhando.
vindo da cozinha. A porta do meu quarto – o qual ocupo desde que fui
contratada para trabalhar nesta casa, depois de terminar meus estudos – fica
um pouco, mas há um som que suprime seu rangido. São gemidos, gemidos
de... A percepção do que está acontecendo finalmente me atinge, e eu me
pergunto quais dos empregados teriam a coragem de fazer aquilo, no meio da
cozinha, de madrugada, correndo o risco de ser pego e demitido antes
mesmo que pudesse tentar pedir desculpas. Penso em fechar a porta e voltar
para minha cama, mas é tarde demais. A luz que sai do meu quarto chama
atenção, e há uma voz pedindo silêncio. Reconhecer aquela voz faz com que
todo meu corpo gele. Fico parada, com a porta entreaberta, enquanto Mikhail
— Esqueceu como se fala outra vez? Eu sabia que você ia voltar a dar
defeito. — Sua mão se contrai ainda mais contra o meu pulso. Ele está me
machucando, realmente me machucando, eu sinto como se minhas veias
As palavras dele me atingem e eu sei que, se tentar falar outra vez, vou
repetir o vexame e alimentar sua maldade, então tento fechar a porta, mas
muito inteligente, é? Se bem que você nunca foi conhecida por ser esperta,
certo? Você pode ter mudado por fora – ótimos peitos, boas coxas – mas, por
dentro, ainda é a mesma menina burra que escrevia garranchos e não
conseguia ler.
bebida que me deixa enjoada. Eu quero que ele me solte, eu preciso que ele
me solte. Escuto a porta bater e percebo que, quem quer que estivesse com
ele, decidiu que o mais sábio era ir embora. Tentei me soltar enquanto ele
parecia distraído com o barulho, mas meu movimento fez com que ele
apertasse meu braço com ainda mais força. As pontas dos meus dedos
estavam formigando.
— Você acaba de estragar uma foda que prometia ser muito boa — ele
afirma. Sua expressão muda um pouco. Ele parece menos irritado, parece
estar se divertindo. Mikhail, então, dá um passo à frente, tentando forçar sua
eu digo, tentando parecer firme. Não sei de onde tirei a coragem para dizer
aquilo quando tudo que quero é me deitar no chão em posição fetal. Meu
coração está acelerado, batendo tão forte que posso senti-lo em minha
garganta.
com que eu morda a palma de sua mão. Eu coloco tanta força que minha
mandíbula dói, mas a dor vale a pena porque ele se afasta e olha para mão e,
Eu choro até dormir depois que ele vai embora. O que não acontece
antes de proferir uma ameaça: "Você vai me pagar, sua vadia burra", e
essas palavras ecoam na minha mente.
meus lábios estão levemente inchados. Eu mordi Mikhail com tanta força que
a pressão deve tê-los machucado. Escolho uma blusa de mangas longas e sou
cuidadosa para me certificar de que ela não vai subir ao me movimentar. O
que eu diria ao meu pai se ele visse aquela marca? Se mentisse, ele saberia.
Ele me conhece tão bem. Se contasse a verdade, Deus, eu nem quero pensar
no tipo de problema em que ele acabaria metido por confrontar um Orlov.
Quando estou indo fazer a cama dos quartos de madame Olga e
Andreas, meu pai me encontra e me pede para deixar tudo e ajudar com os
nunca aprovou que a filha fosse tão próxima da criadagem. Elke, no entanto,
não se importava com a opinião dele a meu respeito. "Você é minha amiga, e
ponto final", foi isso que ela me disse na primeira e única vez que falamos
sobre o assunto. — Estava procurando você — ela diz ao se aproximar. – O
— Sim, para o baile. Você tem que participar. Quem vai ser minha
companhia?
— Eu não... eu vou estar trabalhando.
parar, por favor. Andreas se vira, seus olhos param em mim por um instante
e eu sinto minhas pernas fraquejarem um pouco pela intensidade do seu
olhar. Mas eles encontram outro ponto de atenção: Elke. — Izzy pode
participar da festa, certo? Ela pode ser minha acompanhante.
— Ótimo! Venha comigo, temos que pensar em algo para você vestir.
— minha amiga diz, me puxando. Meus olhos estão em Andreas enquanto sou
arrastada por Elke corredor afora. Ele me oferece um sorriso; é pequeno,
mensagem. Eu respondo com uma figurinha que minha melhor amiga fez
usando uma foto minha que diz “padrão Elke de qualidade”. Alguém bate à
minha porta, e eu me levanto para abrir. Minha mãe entra como um furacão
O sorriso que Izolda sempre consegue pôr em meu rosto é apagado por
não vou usar isso. Aquela peça só está no meu closet porque minha mãe a
comprou.
— É curto demais.
deva sentar no colo dele usando esse vestido. Acha que ele vai gostar?
mas eficaz, em que, sempre que quer me ameaçar, usa meu pai como vilão. É
Meu pai é o tipo de homem que conta piadas em festas e que, sempre
que pode, faz questão de que jantemos juntos como família. O tipo de homem
guarda na minha porta, mas, quando algo o irrita, bem, digamos que o melhor
é não o irritar.
— Seu pai me disse o que você fez mais cedo — minha mãe comenta
enquanto acena para que eu me sente à penteadeira. Faço o que ela diz e
Acompanhei meu pai numa reunião com Andreas Orlov, na casa do CEO do
Grupo Orlov, mas eu não poderia me interessar menos pelo trabalho, o que é
obviamente um erro já que Fiódor Pavlova tem planos específicos para mim:
Eu adoro ser filha única, mas, nessas horas, eu me lamento por não ter
aquela garota?
— Aquela garota, como você gosta de dizer, tem sido minha melhor
amiga desde que me entendo por gente. Eu a amo como se fosse minha irmã e
sei que Izolda se sente assim também a meu respeito. Já passou da hora de a
ouvir esse tipo de tratamento da minha mãe. — Então, eu exijo que se refira
a ela e a trate com o mesmo respeito que trata as filhas de aristocratas que
quer que sejam minhas amigas, mas que só estão interessadas em nossa
de mim pelo que eu sou, e eu gosto dela por ser exatamente como é: sincera,
escolho minhas próprias amizades. Essa batalha, a senhora nunca vai ganhar.
Sei que sou dura ao falar com minha mãe nesse tom, mas, com Izolda,
Por exemplo, já que você não quis ir para Oxford no começo do ano...
que não foi isso que aconteceu, não houve isso de “você não quis ir”. Eu me
inscrevi para Literatura, e vocês decidiram que eu tinha que mudar para
russo ou inglês em um instituto qualquer. Você pode ler e escrever nas horas
vagas, querida, mas esse assunto não está aberto para discussão.
— Ótimo! Nesse espírito, você deveria saber que minha amizade com
— Eu não sei, mãe. Eu não tenho uma bola de cristal. Talvez a Izolda e
eu nos afastemos naturalmente com o passar dos anos, sei lá, talvez ela se
canse de mim qualquer dia desses. O que eu sei é como eu me sinto hoje. Eu
Minha mãe continua falando. Ela diz que não entende o que eu “ganho”
anos para o qual eu nunca apareci porque me recusei a deixar Izolda, que
estava sofrendo pela morte da mãe. Voltar para casa e sorrir para pessoas
até hoje. Ela deixava que Izolda e eu nos aventurássemos na sua cozinha, e
cozinha é esquentar a água para um chá, e minha mãe ainda acha isso “pouco
dignificante para alguém no seu status social”.
— E você nunca mais quis uma festa de aniversário — minha mãe
acusa.
— Mãe, pelo amor de Deus, eu não sou mais criança. Eu saio com
alguns amigos, como alguma coisa, danço, e está ótimo, não preciso de uma
me arrumar sozinha, você pode ir. Vou estar perfeita e toda Pavlova lá
embaixo em meia hora.
amanhã.
— Mikhail não vai dar o tipo de festa que você considera como
elegante, mãe. Quer dizer, no salão principal, até vai, mas o que ele e
aqueles amigos devem usar de drogas e...
— E posso saber como você sabe disso? — meu pai questiona parado
na porta. Nem sei quando ele chegou, mas...
naquela casa.
***
tem olhos verdes, passa a maior parte do tempo calado, mas não parece
entediado como eu nessa situação. Ele está ouvindo a conversa sobre a nova
refinaria como se aquilo fosse de fato fascinante. Talvez seja, não faço a
tudo, não vai, querida? — minha mãe pergunta. E aqui está, ela conseguiu me
incluir na conversa.
muito melhor. Não me diga que ainda está pensando naquela coisa de escrita.
Passatempos são…
caminho.
De repente, perco a fome e empurro meu prato. Meu pai olha para o
prato que empurrei na mesa, e eu sei que ele está pronto para me dar um
sermão sobre como viveu tempos ruins durante a URSS.
para chegar aonde chegou. É por isso que consigo entender seus desejos de
me ver assumindo a empresa, casada com alguém que poderá me oferecer a
segurança financeira que ele sempre ofereceu. Ainda assim, não é o que eu
quero.
ele, mas eu nunca olhei para ele e pensei: “Nossa!” E eu quero mais do que
dividir a minha vida com alguém por conveniência. Eu quero me sentir
amada, desejada. Quero alguém que consiga me deixar arrepiada só pelo
cruzar de olhos num salão de festas, alguém que faça o resto do mundo
parecer irrelevante.
Além disso, a ideia de que eu preciso fazer isso, de que preciso casar
com ele, está a retirada do direito de escolha. Deus, isso me deixa irritada e
inadequados.
Meus pais deveriam agradecer de joelhos pelo fato de que sou amiga
de Izolda. Se não fosse por ela falando na minha cabeça como aquele grilo
com o Pinóquio, minha impulsividade já teria me causado problemas
gigantescos.
— Não há problemas.
— Há, claro que há. Tudo isso é insanidade. Forçar uma carreira, um
casamento.
duas palavras. Talvez haja mais em Vladmir do que eu imaginei que havia.
Depois que eles vão embora, estou na sala de leitura com um livro na
mão, e meu pai entra. Ele se senta ao meu lado e pergunta o que estou lendo.
— Elke, eu adoraria ter tido outro filho para deixar que você fizesse
tudo que desejasse, mas eu só tenho você. Eu lhe dei tudo, não dei? Eu me
esforcei para que você tivesse tudo, sempre. E só estou pedindo isso de
você.
— Casar com alguém que eu não gosto e trabalhar com algo que odeio.
É um favor bem pequeno pai, mais alguma coisa que eu possa fazer pelo
senhor?
Espero a fúria, mas ela não vem. Em vez disso, meu pai coloca a mão
isso. Eu só vim lhe desejar boa noite, filha — ele diz beijando o topo da
minha cabeça. — Não fique lendo até tarde, tudo bem?
— Tudo bem. Boa noite, pai — Digo sorrindo. Meu pai está passando
da porta quando o chamo de volta — Pai… você tem razão, não seria tão
ruim assim.
maquiagem. Eu não tenho nada para a pele que lhe sirva, não que você
precise, mas um pouco de rímel a deixaria fantástica, e um batom, claro,
vermelho.
olhos e passa a mão pelos meus cachos, jogando-os para trás, deixando o
decote do vestido em evidência. Olho para os meus seios pelo reflexo, que
deixa a peça mais justa em meu corpo; mal há espaço para respirar. E ainda
não dei nem dois passos com esses saltos e já quero retirá-los.
peitos. — Além disso, eu sei que você não é minha boneca. Se fosse, estaria
você.
porque sei que, de alguma forma, eu vou acabar sendo responsabilizada, não
ele. Mikhail Orlov, o aniversariante, um homem que é mais de uma década
mais velho do que eu, ainda é tratado como um garoto enquanto eu, que mal
— Eu posso ficar aqui. Dessa forma, não haveria ninguém com uma
roupa parecida com a sua.
Além disso, você não faria essa desfeita com Andreas, faria? Ele a convidou
pessoalmente.
— Ele não me convidou. E mesmo que tenha feito isso, você o coagiu
— respondo.
essa festa, comigo, e nós vamos nos divertir. Talvez, ficar um pouco bêbadas
desses cílios.
Ela tem razão. Eu a amo. E não só a amo como sou grata pela sua
"Você quer ser minha amiga?" Por mais efusiva, cheia de rompante e maluca
que Elke possa ser, mesmo que sejamos diametralmente opostas, eu sei que
posso contar com ela em tudo. É para ela que eu ligaria se precisasse
esconder um corpo, porque eu sei que ela me ajudaria sem fazer nenhuma
estou usando por ter dois cortes frontais que começam nas suas coxas e que
deixam suas pernas à mostra sempre que elas se movem. Ela está usando
saltos vermelhos, e o cabelo está preso por tranças que funcionam como uma
tiara.
— Sim — respondo para minha amiga antes que ela termine de falar.
minha cabeça encostada no ombro de Andreas, que estava lendo para mim,
como costumávamos fazer desde crianças. O rompante dela fez com que eu
poderiam ser mal interpretadas já que não erámos mais crianças; ele,
principalmente. Ainda assim, ele tinha passado meses na Inglaterra,
Andreas, o mais novo dos irmãos, tinha herdado basicamente tudo, inclusive
o controle das empresas. Daquele dia em diante, ele deixou de ser o rapaz
homem que quase nunca sorria e que passava a maior parte do tempo nas
empresas ou viajando.
último antes do acidente. Lembro de ver o vestido amarelo que ela usaria
sendo passado por uma das empregadas. Lembro de como ela parecia uma
princesa dos contos de fadas: bonita, delicada, perfeita. E mesmo não tendo
nascido na Rússia, ela parecia tão à vontade nessa casa; era como se ela
Jovem demais para ter qualquer papel nas festas, eu costumava ficar
vendo as pessoas chegando com seus grandes casacos que eram retirados e
revelavam roupas ainda mais bonitas, vestidos longos, ternos bem alinhados.
Ainda assim, eu nunca tinha de fato entrado no salão durante uma festa,
costumavam ser, mas sempre pelo ponto de vista dos que a faziam, não dos
que a aproveitavam.
Orlov eram bem diferentes dos de sua falecida nora, ela queria perfeição. Os
Eu sabia bem qual aparência aquele salão tinha quando estava vazio.
aquela porta, com o braço preso ao de Elke, era diferente. Era como um
exageradamente bonito.
Olho ao redor, tentando capturar cada detalhe. As expressões das
sorrindo, perguntavam por seus pais. Ela me apresentou para algumas das
pessoas, dizendo que só pretendia fazer isso com as que valessem a pena,
pertencia, nem aqueles sapatos. Eu mesma não pertenço a esse lugar. Sou a
única pessoa negra. A única pessoa negra em uma festa com toda a elite da
capital russa.
— O quê?
— Você está retraindo seu braço com tanta força que está esmagando o
meu — ela diz sorrindo. — Fique tranquila. Você não é uma estranha nesta
casa, você mora aqui.
aqui.
— Você é a outra pessoa? — pergunto. Só Elke poderia me fazer sorrir
enquanto estava planejando escapar por uma janela para evitar aquelas
pessoas.
deveria estar na Casa Branca, mas ela ficou e foi a melhor primeira-dama
que aquele país desorganizado já teve — ela diz sorrindo. — Ou, então,
acuado quanto eu nessa festa; na verdade, um pouco pior. Ele sempre foi um
estranho no ninho, principalmente na época do internato. Sua irmã, Galina,
era a garota mais popular, mais bonita. E mesmo que ele fosse tão bonito
quanto ela, era peculiar, vivia em seu próprio mundo. Quando éramos
crianças, era como se ele fosse invisível, e Vladmir parecia gostar disso. Eu
tinha inveja dele por ser invisível. Eu queria que as pessoas não me
— Você não faria isso. — Mas eu sei que ela faria, principalmente
— Meu pai ainda não desistiu da ideia de que eu tenho que me casar
com o Vladmir. Eu queria saber quem deu a ele o poder me prometer a
alguém — Izzy diz, ficando séria. — Já imaginou que vida sem graça e
terrível teríamos? Ele quase nunca abre a boca e é sempre tão educado. E
tem toda a coisa da religião – acho que rezaríamos todas as noites e faríamos
sexo uma vez por mês para fins de procriação. Não é isso que eu quero para
casar com ele será feliz e bem tratada, eu entendo as ressalvas da minha
amiga. A aristocracia russa parecia parada no tempo no que diz respeito a
Elke pega duas taças de champanhe de um garçom que sorri para mim.
Ele trabalha aqui na casa há apenas algumas semanas, mas é sempre muito
pouco de ar. O salão está lotado demais para o meu gosto. Caminho pelo
corredor até um dos meus locais prediletos no palácio: a galeria de pinturas.
ouro branco. O maior deles é uma pintura a óleo de Chaterine II, uma
antepassada dos Orlov. O quadro é lindo, imponente, mas eu tenho meu
lidar com essas compras. Se eu precisar ir até aí para resolver isso, você vai
ficar sem emprego.
Andreas desliga o telefone e respira fundo. Ele passa uma das mãos no
— Não. Você não precisa se desculpar, sou eu quem deveria por entrar
aqui dessa forma. É uma festa, e eu estou trabalhando. Você não precisava
me ouvir gritando.
— É, acho que você tem razão. — Percebo seus olhos sobre mim; eles
forçar a lembrar de soltar o ar antes que meus pulmões explodam. Ele é tão
lindo, aquele terno combina perfeitamente com seus olhos, a barba bem
Ele deixa escapar um barulho que parece uma risada. Meu Deus, eu
pareci ousada com o "muito"? Por que eu não disse apenas "você também?"
— Por quê?
— Por que esse é o seu favorito? Eu sei que você sempre gostou dele,
mas nunca lhe perguntei qual a razão. — Olho para o lado rapidamente, ele
está focado na pintura, então respiro fundo e faço o mesmo.
vai na frente e, ainda assim, em um dia de chuva, eles passaram pelo mesmo
caminho, caminharam entre essas árvores, e suas vidas se cruzaram e foram
eternizadas.
quadro e me viro para Andreas. Presto atenção ao seu maxilar, nas linhas do
rosto. Eu poderia desenhá-lo de olhos fechados, os rabiscos dos seus olhos
no meu caderno. — Era o favorito da minha mãe também.
hora. E, pensando bem, acho que eles estão certos nisso. Minha mãe não
gostaria de ver este palácio tão sem vida quanto tem sido nos últimos anos.
— Eu também. Pela sua mãe. Acho que nunca lhe disse isso — ele
afirma me olhando. Seu corpo gira levemente, ele está de frente para mim.
— Eu queria ter estado aqui para o enterro dela, sinto muito.
— Ainda assim, eu adorava sua mãe, e eu deveria ter estado aqui, por
Sergei, por você. — Andreas coloca a mão no meu ombro e oferece um
Quero dizer que meu pai sempre foi grato por ele, mesmo em outro
continente, ter pedido que alguém resolvesse toda a burocracia do velório,
por ter comprado espaço para o túmulo, dado uma licença ao meu pai pelo
tempo que ele precisou. Meu pai pôde ficar comigo, me segurar em seus
braços enquanto eu chorava sem parar, por vários dias, me dizer para ser
forte como minha mãe.
Fogos rompem o silêncio, o som dos explosivos entra pelas janelas
entreabertas e Andreas solta um suspiro de cansaço.
quadros.
Ela está usando um vestido azul coral uma pedraria brilhante e parece mais
imponente do que o usual. Ela olha para mim por alguns segundos e eu me
sinto de volta ao internato, com oito anos, enquanto ela e suas amigas
deixavam bananas na minha mesa todos os dias. — Acho que você me deve
uma dança.
os Orlov aos Adamovich, mas, segundo contam as fofocas que correram pelo
palácio, ele os encontrou na cama.
Eu deixei que ele me levasse para o salão. Então, ele parou de andar e
ficou de frente para mim. Suas mãos foram para a minha cintura com tanta
naturalidade, e eu, que só tinha dançado com meu pai em toda minha vida,
joguei minhas mãos por cima dos seus ombros, minhas mãos segurando uma
na outra, tocando na nuca dele, fazendo um esforço para não acariciar seu
cabelo.
Eu notei que, agora, nossa diferença de altura já não era mais tão
grande quanto antes, quando éramos adolescentes. Fazia tempo demais desde
que eu tinha ficado assim, tão perto de Andreas. Ele parece ter notado o
mesmo porque essa foi a primeira coisa que falou assim que começamos a
nos mover no ritmo da música.
imperceptível sorriso.
— Sim, mas eu suponho que eu já tenha crescido tudo que tinha para
crescer — respondo. Acho que a taça de champanhe levou um pouco da
minha inibição, ou talvez eu tenha simplesmente lembrado do quanto
costumava ser fácil conversar com ele.
Ainda há, pelo menos, uns dez centímetros de diferença entre nós, não
tenho certeza, nunca fui boa em medidas ou espaço. A primeira vez que ousei
tirar meus olhos dos seus foi quando Andreas se aproximou mais e eu
encostei minha cabeça em seu ombro. Algumas pessoas pareciam ter parado
de dançar para assistir à cena, e isso me deixou nervosa, então fechei meus
olhos. Aquela poderia ser a única dança que eu teria com Andreas, e eu não
Meus olhos correm para a manga do vestido que está fora do lugar. Há
uma mancha com tons de verde e roxo.
estou mentindo. Ainda assim, ele diz que eu deveria ser mais cuidadosa
enquanto me rodopia pelo salão.
Estou conversando com Minerva, meu braço direito nas empresas,
quando meu telefone toca pela terceira vez. Encaro a tela e vejo o nome do
necessário e que apenas uma parte seria enviada para a Rússia. Considero
isso inadmissível e peço para falar com a pessoa responsável pelo
qualquer abalo nas relações que construí com aqueles homens. Penso em
Sergei me dizendo que, nos negócios, é muito fácil ofender um aliado ao
ponto de fazer com que ele se torne um inimigo; por isso, não se menospreza
poder.
isso significa que não preciso dele de fato. Essa é uma lição que aprendi
com meu pai. Ele pode não ter sido um pai presente enquanto eu estava
Estou tentando não me deixar tomar pela irritação e voltar para o meu
quarto quando percebo onde estou e, além disso, que não estou sozinho.
Parada na minha frente com um vestido preto que faz com que ela pareça
uma visão, está Izolda. Ela mudou tanto e tão depressa nos anos em que
passei fora. Ela era uma adolescente magrinha com cabelos sempre presos
em rabo de cavalo e que vivia me pedindo para ler histórias para ela. Eu
sempre dizia sim. Em parte, porque gostava dos seus pais e os tinha em alta
conta, mas também porque sentia que ela precisava de um amigo. Quase
todos eram sempre tão hostis com ela no internato, eu sabia disso. Na breve
sempre isolada num canto, com vergonha. Eu me sentia mal por considerar
como amigos pessoas que a insultavam e decidi que tentaria ser amigo dela.
Agora, tantos anos depois, aqui está ela, parada na minha frente,
uniforme que minha avó demanda que todos os serviçais usem, está
com uma expressão de admiração. Meus olhos vão para o decote do vestido
tenho como um pai, mas porque tenho horror da ideia de parecer, ao estar
obviamente numa posição de poder sobre ela, que estou tentando tirar
qualquer proveito disso. O fato de que ela fica nervosa e sem graça com o
meu elogio me diz que estou certo em ter cautela.
Noto que ela está de frente para o quadro que adorava quando era
criança. Ela passava horas ali; isso quando não estava na biblioteca, o meu
livro, destinado a fazer outra coisa, ela sempre tentava me convencer a ler
estava sozinho, meus pais estavam sempre viajando. Meu irmão, anos mais
velhos, achava que tudo que havia de errado no mundo era culpa minha ou da
minha mãe. Acho que, nesse aspecto, apesar de tudo, éramos muito
parecidos.
descaso com a própria saúde. Izolda tinha dificuldades para respirar quando
era mais nova e isso, somado ao transtorno de aprendizagem, tornou sua
infância um desafio. A maioria das pessoas costumava dizer que ela era
burra, mas eu sabia a verdade. Izolda era observadora, tinha uma facilidade
interessantes quando eu estava lendo para ela e, acima de tudo, adorava arte,
todo tipo de arte. Então, mesmo que ela tivesse tido que trabalhar dobrado
para lidar com o básico, seu entendimento de questões mais complexas era
impressionante. A forma como ela descreveu suas impressões sobre o
trabalho do Ivan Shishkin era um exemplo disso. Era um desperdício que ela
fazendo algo que amasse. Eu tinha conversado com Sergei sobre mandá-la
para a faculdade ou conseguir um outro emprego para ela, mas ele a queria
por perto. Acho que, depois da morte da mãe de Izzy, a última coisa que ele
barulho, e eu a chamo para voltar à festa. Ofereço meu braço, como faria
Mal chego ao salão e sou abordado por Galina. Ela me chama para dançar
como se essa fosse a coisa mais normal de todas. Como se eu fosse mesmo
casados. Teríamos quase dois anos de casados agora se tudo não tivesse
acontecido da forma que aconteceu. Ela está bonita, mas sempre está bonita.
coisa um com o outro. Acho que todos esperavam que fôssemos felizes para
sempre, até mesmo eu. Por isso, a traição que ela e Mikhail me ofereceram
conhecido, familiar.
precisar dançar com Galina. Mas, quando coloco minhas mãos na cintura de
meu. O segundo é de uma repreensão. Eu sei que ela não é mais uma menina,
sei que não é a garota que eu costumava ajudar a ler ou defender na escola, e
sim uma mulher, uma mulher linda. Ainda assim, olhar para ela dessa forma
Não falamos enquanto dançamos, mas ela não precisa dizer nada para
que perceba sua tensão. Imagino se está tensa por minha causa, pela multidão
que nos encara, por Galina, ou, talvez, por um somatório de todos esses
fatores. Seja como for, posso perceber pelo modo como sua mão treme,
mesmo que apenas levemente, pousada em meu ombro, e pela forma como
sua respiração está fora de ritmo, fazendo com que os seios chamem ainda
mais atenção naquele decote. Repreendo-me outra vez e decido puxá-la para
mais perto e garantir que eles não estejam no meu campo de visão. Izolda
Quando a primeira dança acaba, eu percebo que não estou pronto para
deixá-la ir, então pergunto se ela aceita dançar um pouco mais. São duas,
três músicas até que Minerva se aproxima e pede desculpas por nos
foto minha com Izolda, e eu a encarei sem entender, mas seu trabalho como
— Bem, a foto foi pelo fato de que vocês ficam ótimos juntos, e é bom
postar uma foto sua com alguém. A última foi quando ainda estava com
Galina. É bom para sua imagem e, consequentemente, para a da empresa.
Num país como este, a última coisa de que precisamos é que comecem a
dizer que você não se interessa por mulheres. — Olho para ela sem
além do risco químico, claro, que havia, isso também significaria uma perda
financeira considerável. O que poderia estar causando problemas numa torre
com custo de mais de um milhão por ano, construída em tão pouco tempo?
Abro meu bloco de notas e começo a fazer uma lista: desbalanceamento de
ventiladores, não foi isso que aconteceu da última vez? Ou talvez seja uma
falha...
Sinto meu sangue ferver e soco meu irmão. Ele está no chão, a boca
sangrando. Eu noto quando ele passa o polegar pelo sangue e, na palma de
sua mão, há uma grande marca de dentes arroxeada. Isso me deixa ainda
mais furioso, então me aproximo dele e o pego pelo colarinho da roupa. Ele
era mais velho, mas eu tinha deixado de ser o moleque com quem ele podia
implicar sem consequência havia muito tempo. Ouço Minerva tentando me
fazer parar, mas não dou atenção. Há algo que eu preciso saber, ele vai ter
que me explicar.
— O que você fez com ela? — pergunto. — Isso na sua mão! O que
você fez com a Izolda? — Eu lembro da expressão de susto no rosto de Izzy
quando perguntei o que tinha acontecido com o braço dela, da mancha.
tentando tirar um pedaço. Ela quase conseguiu dessa vez. E por que você se
importa? Merda! Não me diga que está apaixonado por ela.
Mikhail. Meu irmão mais velho se ajusta e volta para a festa. Eu fico
olhando para a cara de desapontamento de Sergei, Minerva atrás dele. — O
Olho para meu amigo. Imagino como ele se sentiria se soubesse que
estamos brigando por sua filha. Izolda é tudo que ele tem. Mesmo que ele
tenha me oferecido o carinho e cuidado que se dá a um filho, ela é o centro
de seu universo, sempre foi. Opto por não contar a verdade e penso que
aquela é a primeira vez que minto para Sergei. Eu posso lidar com Mikhail;
ele, não. Meu irmão o destruiria antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.
afirma. Ele nos conhece o suficiente para saber quem começou qualquer
conflito. — Não deixe que seu irmão afete você. Семь раз отмерь, один
раз отрежь (Meça sete vezes, corte uma) — ele me diz. Sergei sempre me
dizia essa frase quando era mais novo. Era uma forma de me lembrar de ser
paciente, cauteloso, de agir na hora certa.
não deveria estar deixando Izolda nessa festa, dessa forma, mas o que eu
posso fazer? Voltar até o salão e trazê-la comigo? Além disso, talvez meu
irmão estivesse sendo honesto. Há sempre uma primeira vez para tudo,
momento genuíno que tive com alguém em anos. Desde Galina, dois anos
atrás, nenhuma mulher tinha conseguido me despertar atenção além de Izolda,
daquela parte mais do que de qualquer outra. Às vezes, eu queria que meu
pai tivesse visto potencial em Mikhail e deixado que ele fosse o CEO das
contas, não foi para isso que ele me forçou a fazer uma dupla formação,
petróleo e gás em combinação com negócios. Não foi para isso que ele me
obrigou, desde os doze anos, a ter tutores falando sobre mercados de ações,
Mandarim quando ainda tinha apenas quinze anos. Porque meu pai tinha
certeza de que a China seria a maior potência do mundo em pouco tempo; ele
tinha razão quanto a isso. Ele poderia ser um filho da mãe emocionalmente
abusivo, mas um filho da mãe com uma visão de negócios que garantia que
ações dele não arrastassem a imagem das empresas para a lama, eu não
queria ter que lidar com ele. Ainda assim, ele estava constantemente
encontrando formas de tentar me desafiar.
vejo o nome de Minerva. Imagino o que pode ser agora, que tipo novo de
problema pode ter surgido, mas vejo uma foto, minha foto com Izolda.
"Vocês ficam bem juntos", ela adiciona abaixo da imagem. Respondo com
um "Vá dormir, Minerva. Temos mais trabalho em algumas horas" e me deito
na cama, encarando o celular. Ela estava linda, tão linda. A ideia de Mikhail
tocando-a me deixa furioso. Eu tinha que fazer alguma coisa, tinha que
garantir que ele não pudesse novamente as mãos nela. Talvez, finalmente
conseguir convencer Sergei a mandá-la para a universidade. O College of
Fine Arts da Carnegie Mellon poderia ser uma opção. Mesmo que eu não
goste da ideia de não a ver, prefiro que ela esteja segura. Posso imaginá-la
caminhando por Pittsburgh, um local extremamente contrário à Rússia. Ela se
divertiria, faria amigos, conheceria alguém, teria uma boa vida. Ela merece
isso.
Vou dormir, mas sou acordado por batidas na minha porta. Olho para o
relógio, faz apenas algumas horas desde que me deitei. Estou sem camisa,
mas ainda estou usando a mesma calça, devo ter apagado antes de ter a
chance de tomar um banho. Caminho sonolento e abro a porta, descobrindo
— Quem? — pergunto.
— Ele... ele fez isso com ela. Ele estragou a reputação da menina.
Aquelas palavras acertam meu peito como uma flecha, eu me sinto mal
imediatamente. Tenho que me controlar para não sair do lado de Sergei e
tirar satisfação com Mikhail. Ele tinha feito algo com ela, a tinha desonrado,
aquilo só podia significar uma coisa: eles tinham dormido juntos.
Sergei, que parece estar ficando sem cor, e tento barganhar com Deus para
que o deixe ficar, não posso perdê-lo. Meus pais já tinham ido embora, ele
era a única pessoa que eu realmente considerava como família. — Não se
preocupe, nós vamos consertar isso, tudo bem? Eu garanto que ela vai se
— Você não espera que eu me case com uma criada? Você só pode
estar delirando. Eu não vou me casar com ninguém, não vou manchar o nome
da nossa família pela associação com um nome sem valor algum.
que preciso tomar um pouco de ar. Não pretendia dançar com mais ninguém,
queria saborear a memória daquela dança que acabei de ter, de estar nos
braços de Andreas.
acredito que dançou com ele. A Galina quase teve um surto assistindo vocês.
Acho que agora todas as mulheres daqui querem ser você, e todos os homens
querem ter você — ela responde sorrindo. Isso explica o convite que acabei
— Acho que vou voltar para o meu quarto, já tive emoções demais por
hoje — afirmo. Elke tenta me convencer a ficar, mas uma coisa é estar na
festa quando Andreas está. Sem ele, não há limites para Mikhail, e eu não
quero ficar no caminho do mais velho dos Orlov, não depois do que
aconteceu ontem.
08 de julho de 2006
era a pessoa menos indicada para isso, com toda certeza, mas Katrina me
entrar na sala. O jogo estava 0x1 ainda. Muller tinha feito o primeiro gol,
era entendível que ele se sentisse dessa forma. Mas, então, eu ouvi a voz
de Andreas dizendo que apostava o dobro com o irmão em como o Brasil
ainda levaria, pelo menos, mais três gols. Entro na sala em meio à
Galina estava sentada com as pernas por cima do colo de Andreas, que
que é Mikhail e sinto meu corpo congelar. Ele tenta me puxar para o seu
colo, me convidando para ver o jogo. Todos acham graça. Todos, menos
Andreas. Ele ordena que o irmão me solte e eu vou embora correndo, sem
Essa é a razão pela qual este caderno está aqui, escondido em um lugar
em meu quarto, ele poderia ser lido por Elke, ou pior, pelo meu pai. O
português de Dostoiévski e disse que era para que eu nunca perdesse contato
porta marca seis horas. Seis horas da manhã, imagino que meu pai deva estar
preocupado. Eu ando pela casa nas pontas dos pés. Quando chego à cozinha,
de ser ranzinza, então não dou muita atenção ao fato, mas, quando passo por
outra pessoa, ela também me olha de forma curiosa. Imagino se estão assim
porque fui à festa como convidada. Era mesmo estranho que eu tivesse feito
com Elke ao seu lado. O que eles estão fazendo aqui? Pergunto-me. Isso não
pode ser bom. Elke está com a maquiagem borrada, claramente esteve
entrega seu celular. Olho para a tela e vejo uma manchete: "Mikhail Orlov
deixa festa para se divertir com criada". Olho para a foto, não há muito para
de tecido preto. Ainda assim, pela expressão no rosto de Elke, sei que é ela.
você. Quando eu disse que tinha ido dormir, ele veio para cá. Eu corri atrás
dele porque algo na forma como ele disse o seu nome fez parecer que ele
queria.... — Elke soluça um pouco e volta a falar. — Ele queria lhe fazer
Você não estava aqui e ele ficou furioso, então começou a me beijar e... no
começo, eu achei que talvez pudesse ser bom, mas ele... ele foi ficando
"Eu avisei!", mas a outra parte só quer abraçar minha amiga. — Eu acho que
ele queria fazer isso com você, que ele teria feito se a tivesse encontrado
aqui.
Estou chorando enquanto tento dizer à minha amiga que vai ficar tudo
bem.
— Vamos chamar seu pai, ele pode querer obrigar o Mikhail a casar
com você.
— Casar com ele? — pergunto. Meu pai deve ter batido a cabeça em
algum lugar, ou talvez todos os homens nesse país realmente coloquem honra
— Izzy, pelo amor de Deus, convença o seu pai a não dizer nada. Eu
não quero ter que me casar com ele, ele é horrível, Izzy. Você estava certa,
eu deveria ter ficado longe dele. — Passo a mão no rosto da minha amiga,
afastando as lágrimas, mas posso sentir as minhas lágrimas dominarem meu
psiquiátrica e dizer que não estou bem de saúde e manter-me lá pelo resto da
— Sabe o que isso pode fazer com a reputação da minha filha? A mãe dela e
eu demos todo o amor, toda a educação que pudemos, não vou deixar que
— Tudo bem — afirmo. Eu posso fazer isso. Posso ficar com a culpa.
com uma empregada numa festa, mas a herdeira dos Pavlova transando com
Mikhail Orlov, isso sim teria consequências.
— Não! Você não vai. Se não pretende chamar seu pai, não se
preocupe, eu mesmo vou resolver isso — meu pai afirma.
— Nem mais uma palavra, Izzy! Eu falo com você depois. Primeiro,
preciso conversar com o senhor Orlov. — Eu nunca tinha visto meu pai
furioso antes. Eu conhecia outras versões dele, conhecia seu raro olhar de
repreensão, conhecia a doçura da sua expressão de orgulho, o afeto de seu
sorriso. Mas aquilo era incomum. Ele fechou a porta ao sair e eu tentei ir
atrás dele, mas meu corpo parecia determinado a me trair. O cansaço me
então, que estava trancada por fora. Ele tinha nos trancado no quarto. O ato
me assustou ainda mais. Dei a volta, andando impaciente, e notei a janela.
Elke escapava por ela o tempo todo, o quarto era no subsolo, eu só
precisava de algum impulso e um pouco de força nos braços para puxar meu
corpo pela pequena janela.
— Izzy, me desculpe.
— Acho que sim — ela afirma. Noto seu vestido rasgado e peço para
que ela vista algo meu. Há sangue na sua perna, no vestido, marcas em seus
braços. A cena me faz odiar Mikhail ainda mais. Como ele pôde fazer isso?
Como qualquer pessoa tem coragem de se impor dessa forma sobre alguém,
de invadir outra pessoa desse modo? Tento outra vez afastar os pensamentos.
— Você não pode ficar aqui. Se quer que acreditem que aquela sou eu,
precisar estar em casa — afirmo segurando sua mão. — Ainda assim, acho
que você deveria contar à polícia.
ouvir, meu próprio pai tentaria me convencer a retirar a queixa. — Ela veste
minhas roupas enquanto argumenta. Noto que Elke parece agora anos mais
velha, abatida, sem seu usual brilho nos olhos. Ofereço um par de botas e um
casaco, ela joga a peça pela janela primeiro e impulsiona seu corpo. Eu faço
o mesmo depois dela. Preciso encontrar meu pai, preciso impedir que ele
faça uma besteira. Elke me puxa e me para. Estou em frente à minha amiga,
do lado de fora do palácio, com os pés descalços na neve gelada.
Enquanto corro, começo a ouvir gritos e, mesmo que não possa fazer sentido
das palavras, consigo distinguir as vozes de Mikhail e Andreas.
quartos principais. Para minha surpresa, não foi Mikhail Orlov que
encontrei, mas Andreas. Ele estava abaixado, segurando uma mão,
uma palavra enquanto eu sacudia meu pai, tentando fazer com que ele
reagisse.
Eu fico ali, nos braços dele, sendo amparada enquanto meus olhos
estão vidrados no corpo do meu pai. Minutos atrás, ele estava bem, ele
estava vivo, perto de mim, me protegendo em seus braços, e agora ele está
morto, jogado no chão de mármore do palácio em que trabalhou por toda sua
vida.
***
— Eu acho que ela está em choque. — Foi isso que o médico disse
quando acordei. Eu estava no quarto de Andreas e me assustei, recuando meu
talvez eu tenha desmaiado enquanto dançava com ele e todo o resto foi
apenas uma alucinação.
estivesse tentando ser cauteloso. Olho para as suas mãos, elas estão
enfaixadas e há um pouco de sangue aparecendo pelo curativo. Quando abre
a boca, ele desmancha minha ilusão de ter tido um pesadelo, confirmando a
morte do meu pai. Ele diz que os paramédicos tentaram trazê-lo de volta,
mas que já fazia tempo demais e não havia nada que eles pudessem fazer. Ele
— Porque é aqui que você vai ficar depois que nos casarmos, então
prefiro que fique logo — ele responde. Ele tem o mesmo tom ríspido que
costuma usar ao telefone. — Eu prometi ao seu pai que a sua reputação
com ela, se eu tivesse dito sobre as coisas que Mikhail tentou comigo, talvez
ela tivesse me dado ouvidos e se mantido afastada. Não digo nada, apenas
porta-retratos de fotos com meus pais. Pergunto-me como tudo mudou tão
rápido em apenas alguns dias e penso no diário, ele tinha que estar aqui. Não
há nenhum segredo gigante guardado nele, mas, de alguma forma, sinto que é
a única coisa só minha que ainda tenho. Reviro as caixas e não o encontro.
Então, abro a porta do quarto e desço as escadas da torre correndo, passo
lugar algum. Ver meu quarto vazio, apenas os móveis, pois até mesmo a
roupa de cama foi retirada, me dá uma tristeza.
alguém dizer: "Ouvi dizer que o senhor Andreas expulsou o irmão aos
socos". Penso no curativo em suas mãos, mas estou sendo guiada pelo
Eu sinto tanta raiva dele agora, mas tanta. Quero gritar, quero bater
nele, quero dizer que, de alguma forma, tudo é culpa dele. Ele estava lá com
meu pai, por que não o salvou? Ele era irmão de Mikhail, então, por
associação, mesmo ciente da falta de lógica, também quero odiá-lo.
— Quem mandou vocês fazerem isso?
***
Vejo Elke no dia do enterro. Ela está toda de preto, usando óculos
escuros, e me dá um abraço, cumprimentando Andreas em seguida. Meu
futuro marido está parado ao meu lado como se fosse da família, recebendo
os pêsames das pessoas que chegavam. Foi um velório lotado, meu pai era
uma boa pessoa, tinha muitos amigos. Alguns, do tempo que serviu ao
exército; outros que o conheceram através de minha mãe. Mas a maioria
eram pessoas que tinham sido treinadas por ele para trabalhar em mansões
sofisticadas como as possuídas pela família Krovopuskov Orlov.
Andreas faz um discurso bonito. Ele diz que meu pai era o homem
mais inteligente e gentil que ele já conheceu, que era como um pai para ele:
— A morte de Sergei deixa um vazio no coração de todos nós. No meu, que
Quando ele volta a se sentar ao meu lado noto, que está tremendo. Eu
seguro sua mão e vejo uma lágrima rolar pelo seu rosto. Ele não me solta até
que tudo tenha terminado. Mesmo quando a maioria das pessoas já está indo
embora, ficamos ali, vendo enquanto o túmulo do meu pai é fechado. Meu
pai é enterrado ao lado da minha mãe, e eu espero que eles estejam juntos
agora. Não consigo falar nada e Andreas diz que não preciso. Em vez disso,
ele me oferece um lenço quando começo a chorar outra vez e me segura em
seus braços.
pouco.
— Como você está? — pergunto.
a me mandar para fora do país para estudar. Não quero ir sem você, então
consegui convencê-la a pagar para que venha comigo. Eu sei que isso não
resolve as coisas, mas talvez possamos recomeçar. O que me diz, partimos
amanhã?
— Isso é sério?
— É! Mas não significa que não quero ir com você. Eu vou tentar
fugir. — Quando olho para Andreas, não sei se tenho mesmo essa coragem.
Vê-lo abalado pela morte do meu pai me fez pensar nele como antes, como a
pessoa que ele costumava ser.
— Eu ligo para você — ela diz quando me abraça.
passaporte que fiz oito anos atrás quando minha mãe estava doente e seu
último desejo era voltar ao Brasil uma última vez. Ela morreu sem realizar
esse sonho e eu nunca usei aquele pedaço de papel. Agora, ele ia salvar
minha vida.
— Você achou mesmo que Fiódor Pavlova não me contaria que sua
filha estava levando você embora? — ele pergunta. — Não acredito que,
depois de tudo que aconteceu, você ainda quer ir atrás dele.
— Atrás dele?
parece ofendido, mas sou eu quem deveria estar me sentido dessa forma
pelas suas acusações. — Seja lá o que ele tenha dito, acredite em mim, ele
não gosta de você.
— Eu prometi ao seu pai que cuidaria de você, então não posso deixá-
la fazer isso. Mikhail vai destruí-la e eu não posso deixar.
Eu respiro fundo, cansada de tudo isso, e penso no que ele disse: "Eu
mandei Mikhail para os Estados Unidos". Penso em como aquilo pareceria
se o que ele acha que aconteceu fosse a verdade, se Mikhail tivesse tirado
minha honra – eu odeio essa expressão – e não quisesse mais nada comigo.
Andreas tinha o enviado para os Estados Unidos. Ele tinha, supostamente,
feito isso e estava sendo recompensado de alguma forma. Pensar nisso me
deixa tão brava. Pensar no que ele de fato fez me deixa mais brava ainda.
***
Os dias que separaram o velório do casamento foram tão confusos.
Eles passaram como um borrão enquanto eu era empurrada para fazer coisas:
provar vestidos, escolher uma aliança, escolher flores. Na maior parte do
tempo, eu simplesmente deixava que as pessoas tomassem decisões por mim.
Mesmo que aquele não fosse um casamento que merecia uma grande festa,
ainda era um casamento envolvendo o nome da família Orlov, e isso
significava que havia protocolos e expectativas. Incapaz de pensar sobre
aquelas questões, eu simplesmente fazia o que me era indicado, ordenado.
Estava cansada demais para lutar. Além disso, por que eu deveria me
importar com flores e vestidos quando meu pai estava morto e minha melhor
amiga estava sofrendo?
Eu não podia imaginar isso. Eu não podia imaginar que minha vida
tomaria o rumo que tomou. Estar casada com Andreas Orlov deveria ser o
sonho de todas as solteiras do país, e, talvez, até de algumas das casadas. Eu
mesma devo ter sonhado com isso algumas vezes. E agora, ali estava eu,
Izolda Orlov, presa em um casamento com um homem que não me ama e que,
pior, não me respeita. Ele se considera tão superior por ter resgatado minha
honra. Se ele soubesse o que aconteceu de verdade. Andreas achava que eu
tinha dormido com seu irmão, achava que eu estava apaixonada por um
homem que não poderia desprezar mais. Um homem aproveitador, vil, sem
nenhum escrúpulo.
longe de ser uma princesa. Naquela noite, quando ele finalmente chegou a
casa, meu marido me cumprimentou formalmente, tirou a camisa e a dobrou
meticulosamente, colocando-a sobre a mesa, e entrou no banheiro. Depois de
um tempo, ele atravessou o quarto só de toalha, e eu observei seus músculos,
a forma perfeitamente esculpida de seu corpo, até que ele desapareceu
dentro do closet.
— Para onde você vai? — Ele se deitou ao meu lado e eu senti meu
corpo tremer um pouco.
— Sibéria. Estamos iniciando novas escavações por lá.
— Não é uma viagem turística. E é frio demais para você. Boa noite,
Izolda — ele disse dando as costas para dormir e decidindo que a conversa
estava encerrada.
depois, eu acordo com alguém me segurando pelos braços. Era Mikhail, ele
tinha vindo fazer o que não tinha conseguido antes. Fico assustada e falo seu
nome, peço que me solte, que me deixe. Sinto que estou sendo sacolejada e
abro meus olhos para encarar Andreas. Tenho dificuldade para ler a
expressão em seu rosto, ele parece magoado, triste. Quando ele abre a boca,
no entanto, é irritação que sinto. Ele me diz que Mikhail não está aqui, que é
"apenas" ele e que eu precisava entender que era apenas uma aventura para
Mikhail.
parede de uma vez por todas de alimentar essas fantasias de um final feliz ao
lado dele. Aceite o seu destino.
— Então, você está casado? — Meu tio Nikolai pergunta sorrindo. Eu
alguns dos raros momentos da minha infância em que estive aqui, em um dos
barcos do meu tio.
arrependo da minha resposta, porque posso ver a forma como Nikolai está
me olhando. O irmão mais novo do meu pai é um homem sério com seus
funcionários, todos o conhecem por ser o melhor no que faz, mas, para mim,
ele é meu tio. Meu tio que eventualmente conta piadas, que me ensinou a
velejar, que sabe como estou me sentindo só de olhar, mesmo quando estou
— Você não parece nem um pouco animado com esse casamento, não
me diga que foi alguma coisa de uma noite só e você se viu obrigado a casar.
Uma noite só. Pensar nisso faz com que cada terminação nervosa do
meu corpo seja acionada, e não de uma forma boa. A imagem de Izolda e
Mikhail fica sendo criada e recriada na minha mente, assim como não
casou? Porque, na matéria que eu vi, apenas dizia "cerimônia íntima e noiva
misteriosa".
principalmente água congelada. Não posso falar sobre Izolda. Ninguém pode
saber, ninguém. É importante para ela que isso permaneça assim. Que tipo de
vida ela teria se as pessoas soubessem o que aconteceu entre ela e meu
irmão?
— Izolda Krovopuskov — respondo. Eu tinha passado as últimas
semanas tentando me convencer de que tinha feito a coisa certa, que me casar
com ela era o ideal, mesmo que fosse algo que a faria me odiar. Aquela
sozinha, mesmo que em outro país, significava que meu irmão poderia ir
atrás dela ou que ela iria atrás dele, como já tentou fazer. E Sergei não o
queria perto dela, isso ficou claro.
— A filha dele.
— Isso é... bem, bom para você. Eu sempre notei que o carinho que
você tinha por ela, o jeito que falava dela, era algo especial. — Era. Era
mesmo. Mas, como poderia ser agora? Era o nome de Mikhail que ela dizia
no meio da noite, era ele que ela queria. — Se você sempre gostou dela, por
sentido. Olho para as minhas mãos, depois de duas semanas elas estão
novamente inteiras, não parece que eu tinha socado meu irmão repetidamente
e o expulsado de casa, o tempo faz parecer que nada aconteceu, que o sangue
pois nem mesmo minha avó estava a par de toda a situação. Pelo menos, não
por mim, embora suspeite que ela tenha conhecido alguma versão contada
por Mikhail. A única pessoa com quem eu tinha conversado sobre o assunto
fora Minerva, e isso por duas grandes razões: ela não só era minha melhor
amiga, mas também a pessoa que lidava com a imagem da empresa, e estava
pensando numa forma de transformar essa narrativa inteira para que não
meu velho amigo. Falo de como ele me pediu para cuidar de Izolda e de
quanto ele significava para você e o quanto você significava para ele. Sergei
agiu de forma muito mais paternal com você do que o Dimitri. Seu pai era
muitas coisas, mas, assim como a mãe dele, nunca teve instintos parentais
muito bons. É um milagre que você não seja como o seu irmão. Claro que a
assim, mesmo com tudo que ele tinha feito, a traição com Galina, desonrar
Izolda, além do fato de que suas ações tinham levado à morte de Sergei, há
essa parte de mim que fica esperando que meu irmão mude, que parece
obcecada em encontrar qualquer sinal de que ele pode ser melhor, mesmo
— Ainda não faz sentido que ele não esteja mais aqui, eu fico
esperando que ele me ligue como fazia. Ele ficava preocupado quando eu
estava fora por muito tempo e sempre ligava com as desculpas mais
tudo bem.
não sei em algum lugar da América. Sangue e linhagem fazem dona Olga
esquecer de qualquer padrão, moral ou bom senso.
marido, e até hoje ela não se conformava com o fato de que meu avô tenha
aquela empresa se tornar o que era com suor, sangue, com perdas enormes,
mas tinha feito algo que era dele. Seu exemplo sempre me inspirou. A
tentativa de fazer algo que fosse meu, fazer a diferença na empresa, é uma
— Ela teria sorte se tivesse convivido com você — digo. Meu tio me
olha sorrindo, coloca mais bebida no meu copo e se levanta dizendo que vai
Passar semanas longe de casa não era algo raro na minha linha de
escavação. Ainda assim, apesar de amar meu trabalho, ou pelo menos a parte
menos burocrática dele, eu sempre fui o tipo de pessoa que gosta mesmo é
perto da minha mãe, do meu pai, do meu irmão – mesmo que nossa relação
não fosse das melhores –, de Sergei, de Izolda, mas agora tudo tinha mudado.
Meus pais estão mortos, Sergei está morto, meu irmão e eu não estamos
exatamente nos falando, e Izolda agora era minha esposa. Esposa. Aquilo era
tão estranho.
Agora, quando eu entrar pela porta, sei que vou ter que encontrar a
única mulher que, em anos, me fez sentir qualquer coisa além de Galina. A
mulher que eu nunca achei que pudesse ter, mas que, agora, é minha esposa.
É estranho pensar em como tudo isso aconteceu. Anos atrás, eu planejei uma
encontrei com Mikhail. Agora, mais uma vez, as ações do meu irmão estão
controlando a minha vida. Se não fosse o sadismo do fato de que Izolda ama
o meu irmão, de uma forma estranha, o universo estaria alinhado.
certos cuidados, e que havia, por isso, iniciado um novo tratamento com uma
mediação destinada a pessoas com enfisema, mas que vinha se mostrando
Eu deveria ficar aliviado com pelo menos essa notícia, mas, quando
longe, junto com Elke, e tinha ainda a nossa foto, a foto em que Izolda e eu
tiramos juntos depois da dança.
— Desculpe-me, senhor, mas talvez queira saber que a sua esposa não
Meu tom de voz é ríspido e eu estou tentando ao máximo não rodar cenários
ruins na minha cabeça. — No antigo quarto?
na minha mente. Ele está falando de pessoas como se elas fossem tão
facilmente substituíveis. Sergei não poderia ser reposto. — Apenas me diga
Izolda. Fico irritado quando ela me diz que só estava ali por estar seguindo
as orientações da minha avó. Eu deveria saber que Olga Orlov não seria
simpática com Izolda. Ela tinha tentado me fazer desistir da ideia de casar
com "a filha do mordomo", mas ela deveria saber que, no momento que eu
pouco aquecida, pois, mesmo que esteja usando roupas de lã, meias e tenha
boas cobertas, o quarto em si é úmido.
Peço para que ela se levante, mas meu tom de voz não faz com que
mesmo assim, ela não deixa falar. É como se tudo que pensou enquanto
estive fora estivesse sendo empilhado num canto, sendo guardado para o meu
retorno e, agora, ela estava me entregando tudo aquilo. Ela me lembra que
não precisamos ficar juntos, diz que eu não lhe devo nada, que sabe que eu
não estou feliz com esse casamento, que podemos anulá-lo já que ele nunca
foi consumado.
Penso sobre isso, da última vez que estivemos juntos, na noite em que
la. É claro que eu queria consumar aquele casamento, mas aquilo parecia
fora de cogitação, considerando tudo que tinha acontecido.
bem por que ela está dizendo isso. A anulação precisa de não consumação e
vivemos em uma nação em que assumir que nunca dormir com a minha
esposa seria, no mínimo, problemático, ainda mais com uma esposa que tem
esse rosto lindo, essa pele, esse corpo. O que as pessoas diriam se eu
— Izolda, isso não vai acontecer, nenhuma das opções. Você é minha
esposa agora, perante a Deus e, em breve, perante a sociedade. Eu não
prometi apenas ao seu pai; sacramentos são importantes.
desafiado, Mikhail costuma ser a única pessoa que tenta medir forças
comigo. — Não podemos ficar casados a vida toda, você não me ama, isso
seria...
luxo capital e que relações em que o sentimento é construído aos poucos são
mais duradouras do que as forjadas no fervor da paixão. Ainda assim, ele
uma promessa. Sergei tinha me pedido para que cuidasse dela. — Não estou
pedindo que me ame, apenas me dê uma chance de ser um bom marido, tudo
bem? Acho que vai levar um tempo, mas talvez possamos voltar a ser
amigos, ou ao menos aprender a nos tolerar.
Ela acena a cabeça, então digo que é hora de irmos para o quarto, o
tanto para ser diferente do meu pai, da minha avó, do meu irmão; essa
rigidez só me aproxima deles. Amanhã é um novo dia, posso lidar com isso
depois. Ou, pelo menos, é nisso que acredito, mas, quando saio do closet,
encontro Izolda sentada, me olhando.
— Senhor, Andreas...
Assim que digo as palavras, percebo que esqueci outra coisa. Por
favor, Deus. Não deixe que ela diga que quer Mikhail; eu não sei se
poderia suportar.
— Ir com você — ela responde. — Eu sei que você talvez não queira
ter que me ver o tempo todo, por isso todos esses dias fora, mas esta casa
não é mais a mesma coisa e... apenas, se for viajar outra vez, não me deixe
aqui.
Talvez não queira ter que me ver o tempo todo. Reprimo o desejo de
dizer a ela que não faz diferença se ela está comigo ou não, eu passei esses
estava lidando com a morte do pai. Ou seja, ela estava lá, comigo, o tempo
todo. E, ainda assim, nem por um segundo eu tinha pensado em como tudo
— Tudo bem, você vai comigo se não for colocar sua saúde em risco,
mas isso significa que você precisa se portar como minha esposa, não como
alguém em cárcere privado.
Eu estou correndo pelo palácio e Mikhail está correndo atrás de mim,
não consigo escapar. Quando ele pega no meu pulso, já não sou mais eu
mesma, sou Elke. Estou na pele dela, estou assustada, desesperada. Acordo
gritando.
move, aproxima seu corpo do meu. Deixo minha cabeça repousar em seu
peito nu. A pele dele está tão quente enquanto a minha parece uma pedra de
mármore. É a segunda vez que acordo gritando desde que ele voltou para
casa. Só fico grata por não ter acordado falando o nome de Mikhail. — Você
só... me desculpe.
oferece. Pergunto-me para onde essa versão dele vai, em que lugar ela se
— Não. Obrigada. Está tudo bem — minto. Não posso falar com ele
sobre Mikhail, não posso dizer que estou assustada, que fico achando que o
irmão dele vai voltar a qualquer momento e fazer comigo o que queria ter
feito, que vai fazer comigo o que fez com Elke. Pensar na minha amiga faz
meu estômago revirar. A última notícia que eu tinha tido dela foi na primeira
semana de sua viagem, mas, depois disso, ela parou de responder às minhas
eu costumava vir aqui e repor essa água, ou sobre como arrumava os lençóis
de sua cama e, às vezes, passeava pelo seu closet e me deixava inebriar pelo
líquido enquanto ele me olha sem nem ao menos piscar. Observo seu peito
outra vez, cada músculo bem definido, a pele branca. Eu poderia desenhar
isso, poderia pintá-lo. Quando ele estica a mão para pegar o copo vazio,
meus dedos tocam os seus. — Você precisa dormir, temos um dia exaustivo
amanhã.
— Não acho que consigo — confesso. Mal posso pensar na razão pela
esposa de Andreas Orlov me deixa ansiosa, mas isso era inegociável. Ele
Andreas vai até sua estante, pega um livro, então se senta outra vez,
— Venha aqui — ele diz. O modo como sua voz rouca diz aquilo faz
para fora. Obedeço sem pestanejar e sinto meu ombro encostado em seu
braço enquanto ele abre o livro e começa a ler.
Somos só nós dois outra vez, como antes, como quando ficávamos na
caderno. Essa é a primeira vez que algo me parece familiar desde que meu
pai se foi; é a primeira vez que eu sinto que as coisas podem ser ao menos
***
parada, deixando que ela passe seus olhos por mim. Ela está aqui para
— Você é tão bonita que chega a ser ridículo estarmos tentando deixá-
pouco de batom. — Tudo discreto, ela tem que passar uma imagem
pouco que sei sobre maquiagem e moda, aprendi com ela e com a minha
mãe. Minha mãe costumava usar maquiagem. Nem podia, ela passava o dia
adequado, mas ela me ensinou sobre as cores ideais para o meu tom de pele.
Ela fez isso depois de encontrar a mim e minha melhor amiga usando
maquiagem. Foi ao olhar para o meu rosto, pintado de branco, que ela
ensinou sobre o tom certo e sobre como maquiagem poderia ser feita apenas
malha de gola rolê branca por dentro, meia calça, sapatos altos. De alguma
forma, toda essa mistura parece funcionar, mesmo que aquela roupa seja algo
que eu nunca escolheria sozinha. Minerva sorri satisfeita e diz que temos que
ir. Eu entro no carro com ela, que fala algo com o motorista e, depois, pede
explica que a parte das roupas e maquiagem não é a função dela, mas sim me
conseguiram esperar. Seu pai abençoou a união e não iria querer que
cancelassem o casamento, então decidiram manter a data optando por algo
íntimo. O que ele mais queria era que vocês dois fossem felizes.
Essa parte final não é mentira, meu pai realmente se preocupava tanto
com a minha felicidade quanto com a de Andreas. Tudo bem, eu posso fazer
isso. Posso repetir isso até que se torne verdade, ou até que Andreas me
deixe ir.
— Tudo bem?
apaixonados.
— Ele vai beijá-la — ela diz. Sinto meu corpo gelar. Esse parece o
tipo de coisa que o meu marido deveria me dizer, não ela. — Ele ainda não
concordou comigo, mas vai, então queria avisá-la. Em algum ponto do dia,
ele vai beijá-la. Talvez no evento, um beijo rápido, nada lascivo. E é
— Apenas finja que não está. Vocês têm esse passeio pela empresa
que é algo menos midiático, embora seja importante de forma institucional,
porque vai deixar que os funcionários vejam vocês juntos. Depois, o jantar
beneficente. Eu já contratei uma equipe que vai ajudá-la com a troca de
bem?
instruções muito simples, mas não está. Na verdade, estou começando a ficar
preciso dizer que críticas ao governo estão fora dos limites, certo? Mas é
importante pensar sempre no que é a missão da empresa, produzir energia
— Não, mas é importante que você saiba o que dizer caso seja
que, depois da minha tentativa de fuga frustrada, entendi que não seria tão
simples desaparecer. Depois da noite passada, de dormir no ombro de
— Ainda posso ficar com o meu celular antigo? — pergunto. Meu pai
me deu aquele aparelho no meu aniversário de dezoito anos. Eu tinha fotos
com ele, mensagens que tinha passado os últimos meses lendo e relendo. A
última coisa que ele me mandou foi "Não esqueça de pegar seus remédios".
— Não, estou dizendo que eles podem ouvir se quiserem. Isso está no
contrato de trabalho de todos os funcionários da casa e da empresa, é algo
padrão. Izolda, eu sei que isso deve parecer muita coisa, e sinto muito por
estar despejando todas essas informações de uma vez. Eu insisti para ir
fazendo aos poucos, mas o Andreas queria que você tivesse tempo para lidar
com o seu luto. Por sinal, sinto muito pelo seu pai.
— Obrigada — respondo.
— Eu não...
— Eu pedi para que ela não usasse, a aliança visível é um bom toque.
de transparência que faz tudo parecer ainda maior. Eu não imaginava que
fosse assim, sempre pensei num prédio cinzento, mas tudo aqui é limpo,
telas, digitando rapidamente. Ainda assim, elas param para me olhar. Sou
apresentada a algumas pessoas, tento gravar seus nomes e funções. Viktor,
petróleo.
Eu aperto suas mãos, tento sorrir, agradeço os elogios e digo "muito
No final do tour, que deve ter durado pelo menos uma hora, ou talvez o
porta da sala dele que fica apenas um pouco mais à frente e abre caminho
para que eu entre.
volta para a janela. Ele vai beijá-la. A frase de Minerva vai sendo acionada
na minha mente. Desde que ele voltou da Sibéria, toda essa semana, temos
dormido na mesma cama, e até mesmo trocado mais que duas palavras, mas
nunca temos muito contato físico para além dos momentos em que acordo de
pesadelos.
— Eu estava pensando e acho que ficar naquela casa o tempo todo não
deve ser algo bom para você, então achei que talvez você quisesse se
envolver com um dos projetos de responsabilidade social que temos.
Olho para Andreas, que está sentado na minha frente. Há uma mesa nos
— Senhor And... Andreas, eu não sei fazer nada que possa ajudar com
— Tudo bem — ele diz colocando a mão por cima da minha. O toque
freia o vagão descarrilhado de pensamentos na minha mente. — Eu achei que
— Boa noite. Desculpe, senhor, sei que está com a sua esposa e que
não queria ser incomodado, mas eu preciso que olhe esses contratos — o
homem diz se aproximando. Ele me olha por alguns segundos e eu tento
exercer o papel da esposa de Andreas Orlov, mas não entendo bem quais os
requisitos.
como ele diz querida que faz parecer que ele está zombando de tudo aquilo,
mas sua expressão é indecifrável. Por alguma razão, aquilo me incomoda.
Eu me levanto e ele faz o mesmo, mas pede para que o homem nos
deixe a sós e diz que vai encontrá-lo em breve. Andreas vai até a parede e
abre um cofre, tirando de lá uma pequena caixa preta de camurça.
— Eu não posso usar isso. Esse colar deve ser muito valioso.
— E é, mas também é uma tradição. Minha avó usou, minha mãe e,
agora, você usará.
uma mulher aparece para me guiar até o local no qual me arrumarei para a
festa.
***
surreal estar aqui, e, ainda mais fora da realidade, o fato de que estou aqui
com ele, como sua esposa. Eu costumava ver fotos em que Andreas aparecia
com Galina em eventos.
— Olhe para mim — ele responde. Então, eu faço isso, olho para
Andreas. Ele está tão bonito que isso me deixa ainda mais nervosa. Quero
repousar minha cabeça em seu peito e ficar lá, mas, em vez disso, respiro
fundo. — Vai ficar tudo bem. Só precisamos caminhar por esse tapete e, lá
dentro, não vai haver mais nenhum paparazzo.
festa.
posso sentir o olhar daquelas pessoas, ele é mais gelado do que o frio lá
fora. Um homem de cabelos grisalhos e sorridente se aproxima e aperta a
mão de Andreas.
— Senhor Orlov. Que bom que chegou. Como presidente da Fundação,
quero agradecer pessoalmente pela generosa doação que fez este ano.
— É um prazer.
essas coisas, quando me olha dessa forma, ele parece tão sincero.
ouvindo um homem – que tem quase meu tamanho e que, ainda assim, fica
minúsculo ao lado de Andreas – falar sobre o preço dos barris de petróleo
quando vejo Fiódor e Kira Pavlova passando pela porta. Os pais de Elke
notam a presença do herdeiro Orlov e se aproximam sorrindo. Kira coloca
— Eu ouvi dizer, mas acho que precisava ver para acreditar — ela
afirma me olhando quando oferece um meio abraço desajeitado.
preocupação com minha amiga. A mãe de Elke olha para minha mão em sua
pele e se aproxima de mim. O gesto faz com que eu tire minha mão do seu
braço.
— Foi por se misturar com gente como você que aquilo aconteceu com
ela – a mãe de Elke sussurra. — O mínimo que você pode fazer agora é ter a
decência de fingir que nada aconteceu.
Ela se vira outra vez, mas, desta vez, se afasta. Ela e o marido nunca
gostaram de mim, mas achar que eu sou responsável pelo comportamento de
Mikhail é algo baixo até mesmo para pessoas que sempre me desprezaram.
Ele diz que vai falar com o homem que Minerva citou, e eu caminho
em direção ao banheiro. Enquanto faço isso, sou invadida pelo medo de que
algo terrível aconteça, medo de que eu tropece no meio do salão, que o
vestido se abra, que qualquer uma das coisas mortificantes que acontecem
com mocinhas em histórias de amor se manifeste aqui. Em vez disso, chego
ao banheiro sem conseguir passar por nenhum tipo de constrangimento. Entro
abrir a porta imediatamente, mas ela diz o nome de Andreas, e eu perco toda
a coragem. — Andreas Orlov, finalmente casado.
qualquer nota na imprensa. Não havia o nome dela, nem foto, mas ouvi dizer
que ela foi empregada do palácio, você acredita? Filha de um mordomo ou
coisa do tipo. Poderia enganar com aquele vestido, mas há algo nela que
deixa claro que não vem de uma boa linhagem.
— Não, mas o que eu sei é que ela não vem. Apenas o pai e o irmão
confirmaram presença. Você tem um batom? Esqueci o meu.
— Aqui, Nat. Não me estranha que a Galina não tenha dados as caras,
faz sentido. Se eu tivesse sido noiva daquele homem e o perdido para uma
criada, acho que teria que, ao menos, mudar de cidade.
— O Mikhail também anda sumido, ele não está mais nas boates. Mas,
no caso dele, é desde aquelas fotos do aniversário que, por sinal, sumiram
da internet sem deixar rastro.
— Bom, só espero que ele não apareça casado também. Acho que
haveria uma marcha fúnebre em Moscou das mulheres em luto por esse
acontecimento — a mulher diz gargalhando. Elas saem do banheiro e eu fico
aqui, sentada, encarando a porta e tentando processar tudo isso. Imagino se
alguém faria a conexão das fotos, se alguém suspeitava quem era a mulher
nas imagens com aquele monstro, mas, acima de tudo, eu fico pensando em
quem fez aquelas imagens. Alguém viu Elke pedindo ajuda, tentando lutar, e
simplesmente deixou que aquilo acontecesse.
encarando meu rosto encharcado pelas lágrimas. Fazia muito tempo que eu
não me sentia tão pequena, tão inferior. Mas não é só pelas ofensas. O modo
como Mikhail é visto, como é desejado e idolatrado, é isso que me afeta
mais. Estou assustada e não tenho com quem contar. Eu só queria poder
correr para o colo do meu pai, ele teria a coisa certa a dizer. — Querida,
você está bem? Está chorando?
— Não, foi só... — Eu seco meus olhos com uma toalha de papel para
parecer, ao menos visualmente, recomposta. — São só alergias.
vez disso, ela repete que Andreas está me procurando e, então, eu lavo
minhas mãos e a acompanho de volta para o salão.
calça e ele parece não saber muito bem o que fazer com elas enquanto me
encara. É como se ele quisesse me tocar, mas não pudesse. Imagino que eu
devo ser repulsiva para ele agora: a idiota que dormiu com Mikhail e criou
todo esse problema, e ele teve que resolver.
fiquei preocupado. Você parecia estranha depois que Kira Pavlova deu as
costas, então achei que pudesse estar chateada ou...
cumprimenta e sei que só faz isso porque sou a esposa de Andreas Orlov.
Ele nunca gastou um segundo de sua atenção comigo antes e já nos
encontramos algumas vezes na mansão. Vladmir, por sua vez, me
cumprimenta educadamente e opta por sentar-se ao meu lado. Os pais de
Elke também estão à mesma mesa. Três das famílias mais poderosas do país
estão sentadas em um pequeno semicírculo e poucas vezes eu me senti tão
inadequada quanto nesse momento.
Escuto atenciosamente enquanto Andreas conta sobre as escavações na
Sibéria. Viggo está interessado em saber qual o potencial de extração da
área enquanto Fiódor está falando sobre como Andreas deveria expandir a
capacidade de refino para dar conta desse novo filão de petróleo que está
sendo escavado.
sempre andam juntas. Suponho que menos agora que você e Andreas...
— Achei que Fiódor tivesse dito Yale outro dia, numa reunião —
Andreas diz.
Observo enquanto ele ergue sua taça e, assim que faz isso, sinto uma
sombra se projetando atrás de mim e sei, antes de me virar, o que está
acontecendo, mas não preciso porque o som de sua voz ecoa confirmando.
— Comemorando sem mim, Viggo? Você sabe que não é de fato uma
festa sem a minha presença, certo? — Mikhail diz.
A voz do meu irmão é como um alarme que desperta todos os meus
pouco, o suficiente para que eu note e me sinta um idiota. Seu rosto perde um
pouco da cor no momento em que ela percebe a presença de Mikhail, e eu
fico em conflito por ver o quanto o fato de que ele está aqui a atinge.
é um escândalo.
— Mikhail, sente-se. Estamos celebrando — Viggo diz. — Meu filho
— Elke Pavlova.
cabeça na minha direção e se desculpa. Não sei bem pelo quê, mas há tanta
dor no seu rosto. Noto que ela pretende se levantar, então coloco a mão
sobre a dela outra vez. Estou pronto para dizer "Isso foi ótimo, mas minha
ouvido de Izolda.
Afasto-me dela contrariado. A última coisa que quero é ter que deixá-
la perto do meu irmão. Ainda assim, subo ao palco, desejo uma boa noite e
criá-la era um de seus maiores orgulhos, e eu tenho certeza que, de onde ela
estiver, está orgulhosa do andamento desse projeto, um projeto que eu espero
palmas, assim como o resto do salão, mas ele tem uma risada secreta, como
quando costumávamos jogar pôquer e ele tirava uma boa mão. Desço do
palco e volto para mesa, volto para Izolda. Minha esposa se levanta assim
que eu me aproximo. Posso notar seu esforço para sorrir, assim como posso
perceber que as pessoas estão nos olhando. Não só as pessoas à nossa mesa,
mas todos naquele jantar. Então, pego-a pela cintura e coloco meus lábios no
dela rapidamente.
separam. Eu sei que ir embora agora seria rude, mas não consigo resistir ao
seu pedido. Não há nada que eu queira mais que protegê-la, a qualquer custo.
Digo que tenho que ir e saio com Izolda enquanto Viggo faz piadas sobre
minha mão, a solta assim que saímos do salão. Tento não focar nisso, então
peço para que o carro nos pegue nos fundos do prédio para evitar o fluxo de
entrada. É neste momento que eu ouço a voz de Mikhail gritando meu nome.
— Já vai tão cedo? Espero que não seja pela minha chegada — ele diz
sorrindo.
— Que merda você está fazendo aqui? Eu não fui claro com você?
por tempo suficiente. Além disso, estava com saudade de casa. Você me
paciência.
Aquele tipo de coisa funcionava com nosso pai. Ele sempre acabava
deixando que Mikhail tivesse o que queria, saísse impune de suas pequenas
transgressões. Minha mãe costumava dizer que meu pai sentia culpa por ter
se casado outra vez, por ter tido outro filho, e que, por isso, tentava
comportamento permissivo fez com que meu irmão mais velho crescesse sem
— Achei que casar o tornaria um pouco menos tenso. Quer dizer, olhe
para a sua esposa, ela fica até bem ajeitadinha quando se arruma. Você
deveria se divertir com ela — ele diz olhando para Izolda. Solto a mão que
corpo contra a parede, minha mão pressionando seu pescoço. Ouço o carro
parar e a voz do motorista perguntando se está tudo bem, mas não me movo,
apenas digo a Izolda que entre no veículo. Ela faz o que digo sem pestanejar.
— Nós moramos na mesma casa. Como você espera que eu não chegue
imóvel, é só escolher, mas aquela não é mais a sua casa, você entendeu?
— Não acredito que você está trocando seu irmão por uma criada
Tenho que me restringir para evitar que meu corpo reaja. Minha
última vez que brigamos, tinha prometido a mim mesmo que não faria aquilo
rua — afirmo.
— Você vai se arrepender disso. — É a última coisa que escuto meu
Na volta para casa, Izolda não diz uma palavra. Ela passa todo o
tempo olhando pela janela do carro e mal me olha quando o veículo para em
trabalhar, enquanto ela vai para o nosso quarto, mas a verdade é que eu mal
consigo olhar para ela no momento. Eu tenho medo de que ela veja nos meus
reservada. Duas semanas haviam se passado sem que tivéssemos tido algo
que realmente se parecesse com uma conversa. Ela ainda não tinha levantado
Além disso, nos momentos em que não estou em casa, ela mal sai do quarto,
Minha avó diz que prefere assim, que não suporta olhar para Izolda,
considerando que ainda está magoada comigo por ter banido Mikhail. Ela me
diz que sangue é tudo que importa, mas ela deveria saber que aquele apelo
não funcionaria comigo. Sergei não era meu sangue, mas era como um pai
para mim. Minerva é mais minha irmã do que Mikhail. Laços de sangue são
superestimados.
Estou parado na porta olhando para Izolda, que está enrolada nos
edredons da cama. Penso que tudo vai se repetir hoje: ela vai comer no
pensando no que posso fazer para mudar essa situação quando meu celular
Acho que o acordo da Itália não vai funcionar, eles disseram que nosso
plano não era transparente o suficiente. Mas acho que só não querem fazer
negócios com a Rússia.
tem desenvolvido para produção de energia pode ser o ponto de virada para
garantir que o Grupo Orlov entre em um modelo mais amigável com o
ambiente.
— Há, mas não vai gostar. — Sei o que ela vai dizer antes que termine
a frase: eu tenho que ir para a Itália. Ainda assim, deixo que ela termine. —
Você precisa ir até eles, o dono dessa empresa é tradicional. Ele gosta de
pessimista por natureza. Acho que por isso funcionamos bem, estabelecemos
um balanço. Sem ela, eu não sei como tocaria a empresa.
aconteçam.
— Ok, vou lhe mandar tudo que tenho sobre ele para você se
ambientar. Também vou pedir para a secretária marcar uma reunião e enviar
algumas garrafas de Medovukha.
vontade de passar minha mão pelo seu rosto e, em vez disso, coloco minha
mão em seu braço e a movimento cuidadosamente enquanto chamo seu nome.
Ela abre os olhos e parece levar alguns segundos para fazer sentido do que
está acontecendo ao seu redor.
— Vou precisar viajar, achei que você não queria ficar aqui...
possamos ir. Estamos indo para a Itália, provavelmente serão apenas dois ou
três dias...
— Itália? — ela pergunta sorrindo. Essa deve ser a primeira vez que a
vejo sorrir de verdade nesses últimos meses. Vê-la sorrir aciona algo dentro
de mim, um desejo incontrolável e irracional de fazer com que ela continue
assim, que Izolda nunca mais precise passar por qualquer dor.
Izolda se senta em uma poltrona de frente para mim, e noto enquanto ela
prende as mãos aos braços do assento, uma de suas pernas se move
nervosamente.
— Assustada? — pergunto.
aproximar dela.
Ela está certa em entender a presença do meu irmão como algo que
pouco prazeroso, mas Olga Orlov, por mais dura que seja, não faria mal a
Izolda. Não posso dizer o mesmo de Mikhail.
verdade, não vamos falar dele. Eu prefiro que não falemos sobre o que
passou.
Passamos as pouco mais de três horas de voo quase em silêncio. Ela oscila
entre olhar pela janela e desenhar. Eu termino minha leitura e respondo a
todo, o lugar no qual minha mãe parecia mais feliz. Sem a presença da minha
avó paterna, ela e meu pai pareciam mais despreocupados, eles se beijavam
o tempo todo, dançavam; ele até era menos rígido comigo naquelas ocasiões.
mão e olhando para ela como se fosse a coisa mais preciosa que existia em
todo o mundo. Diversas coisas podem ser ditas sobre o tipo de homem que
meu pai era, mas ninguém vai poder dizer que ele não era devotado a minha
mãe.
ter aquilo. Aquele tipo de felicidade, de devoção. Talvez ela tivesse razão.
Talvez, no momento em que fiz valer aquela promessa, tenha nos condenado
oferece um sorriso e diz que faz muitos anos desde que estive na casa e que
não devo me demorar tanto entre visitas.
Giorgia coloca a mão no ombro de Izolda com seu jeito maternal e a elogia.
crianças. Não sei exatamente pelo que estou rindo, talvez eu tenha começado
a desenvolver uma nova camada de senso de humor e esteja simplesmente
rindo da minha desgraça. Como eu vou ter um filho com a minha esposa se,
em meses de casados, só nos beijamos duas vezes? Ambas pelo bem das
aparências.
família adiante. E, por achar que falhou com o mais velho, meu pai tinha
decidido triplicar as cobranças comigo.
vou sair em breve e que seria ótimo que falasse inglês para caso Izolda
precisasse de algo. Deixo Izolda organizando suas coisas e vou para o
banho; fazia tempo que não tomava um banho frio. Enquanto a água escorre
pelo meu corpo, eu penso em como é estranho estar aqui com Izolda, dessa
forma. Quando era mais novo, Roma me fazia pensar nela, toda aquela arte.
Sempre que via um quadro ou uma escultura, pensava que ela gostaria de ver
aquilo, de como poderíamos passar horas falando sobre arte. Agora, estamos
aqui e mal conseguimos trocar palavras o suficiente para que a interação
seja considerada uma conversa.
qualquer linha com Izolda. Retorno para o quarto e a encontro parada perto
da janela. Ela se vira para me encarar, passa seus olhos no meu corpo e
volta a olhar para a janela.
o jantar — digo. Izolda se vira outra vez, mas agora sustenta o olhar. Ela tira
o casaco de pele e o coloca na cama, ficando apenas de vestido. Ainda
assim, ela parece aquecida demais para o clima.
meu cérebro fica me dizendo para dar um passo para trás e aumentar a
distância entre nossos corpos, mas essa parte é vencida por todo o resto.
numa espécie de desafio que tenta travar comigo. — Você vai andar com os
seguranças aqui pela mesma razão que anda com seguranças na Rússia. Você
é minha esposa e eu quero que fique segura.
— Isso não muda nada — afirmo. A resposta faz com que Izolda solte
a minha mão. Tento não me abalar com o gesto e me volto para a mala para
procurar o que pretendo vestir. — Compre algo menos russo, você vai
precisar. Ainda não sei quantos dias vamos passar aqui. Se precisar de algo
na casa, Giorgia tem alguém que pode ajudá-la, alguém que fala inglês. Na
rua, você não deve ter problemas, mas me ligue se precisar de alguma coisa.
negócios com você, mas saber que você tem sangue italiano com certeza está
me fazendo mudar de ideia — ele fala depois que toco no assunto do nosso
acordo.
eliminar essa indecisão. Para ser honesto com você, Paolo, nós podemos
limpa, tem uma visão de futuro integradora, está alinhada com o que eu quero
que as empresas Orlov sejam.
O comentário me faz rir. Bom, ele tem razão quando diz que gás
natural e petróleo são dois terços da renda do meu país, mas está enganado
impenetrável — respondo.
Uma mulher se aproxima com outra dose de uma bebida esverdeada da
qual já tomei duas doses e não pretendo cometer o mesmo erro uma terceira
vez. Ela coloca sua mão em meu ombro, se inclina um pouco e o decote fica
perto do meu rosto. Eu me inclino um pouco para falar em seu ouvido e peço
uma dose de uísque; ela sorri de orelha a orelha. Pelo menos eu ainda
consigo causar esse efeito em algumas mulheres. Uma pena que nenhuma
dessas mulheres é a que me interessa.
fato de que Sergei estava morto e que eu estava casado com sua filha. Eu
cama com Galina, mas, sempre que olhava para ela, eram os olhos de Izolda
— Sim.
Esposa ciumenta?
afirmo. Por que é mesmo que eu estou me abrindo com esse estranho? Talvez
seja a bebida.
— Aproveite essa fase em que tudo que queremos é chegar a casa para
volta. —Mas, como esse não é o seu caso, não vou mais prendê-lo, vá para
sua ragazza e vamos fazer o seguinte: vou reler todos os planos, reunir o
conselho amanhã e lhe dou uma resposta em dois dias, tudo bem? Traga sua
e ele diz que vai ficar mais um pouco, alegando que ainda não está pronto
para ir para casa. Quando chego a casa, é pouco mais de uma da manhã.
retiro meus sapatos, mas estou exausto e levemente embriagado, então não
da cama e me encara.
desfaz o nó e me ajuda a retirar a jaqueta. — Sua reunião deve ter sido boa.
pega a peça da minha mão enquanto dá uma risada. Não sei por que ela está
rindo, mas estou decidido de que sua risada é minha música predileta.
esteja mais embriagado do que estou dando conta. Coloco minhas mãos em
sua cintura e apoio minha cabeça em seu corpo. Izolda cheira tão bem, eu só
— Você só está bêbado — ela diz passando a mão pelos meus cabelos
— Vá dormir, Andreas.
***
No dia seguinte, eu acordo com uma cena que não faz o menor sentido.
Izolda está com a cabeça por cima do meu braço, e nossos corpos estão
sua cabeça ainda repouse no meu braço. Essa última parte é a mais
vezes.
Estou sem camisa, usando apenas cueca, mas nem me lembro de ter tirado a
em raves? O que aconteceu com o bom e velho uísque, uma boa dose de
que eu combinava álcool com cigarros, algo raro, minha tolerância era
perguntem se a senhora deve ser acordada, mas digo para que a deixem
dormir. Uma parte de mim não quer ter que encarar Izolda e sabe-se lá o que
império Orlov". O texto, claro, não cumpria o prometido, não contava tudo
sobre Izolda. Lá, falava sobre os pais de Izolda, sobre sua educação no
mesmo instituto no qual fui educado, mas, para além disso, só havia
especulações. O arquivo que recebi hoje tem notícias sobre nossa "viagem
de lua de mel para a Itália". A matéria me faz rir.
— O que é tão engraçado? — Izolda pergunta. Ela está parada na
porta, usando um vestido amarelo que faz com que ela seja a incorporação
— O trabalho.
— O que quer que tenha dito? Você realmente não lembra? — ela
pergunta se aproximando. Eu tento forçar minha mente. Eu preciso lembrar.
— Eu não...
disso caso um dia ocorra e, principalmente, teria que ser algo que ela
também quisesse. Querer sozinho não é o suficiente.
ela deve ficar e tomar café aqui, comigo, não sozinha. Digo que os
empregados achariam aquilo estranho, mas a verdade é que a quero por
perto. O fato de que Paolo precisa de mais um dia para se reunir com seu
conselho e considerar minha proposta fornece algo raro: tempo. Posso ficar
com Izolda, aproveitar o dia. Talvez aqui, longe de tudo, possamos nos
desarmar um pouco.
vista é incrível.
Quero dizer que a vista de onde estou é melhor, mas não ouso. Aceito
admirando uma pintura. Olho para Izolda por alguns segundos. Ela está
sorrindo e aquilo imediatamente me faz querer sorrir. Quem se importa com
o que os outros diriam quando fazer isso me garante receber esse sorriso?
Estamos na Capela Sistina, em um tour privado.
das trevas.
— Por quê?
ponta cabeça. São apenas postos em oposição, mas parecem iguais. — Posso
sentir seu olhar sobre mim e viro-me para o lado para encará-la. — Qual o
seu?
— Judite e Holofernes — ela responde sem nem pestanejar. Eu movo
meus olhos tentando identificar qual é o afresco, e Izolda pega minha mão e
aponta para o local da pintura. Digo que não lembro da história. Apesar de
com tanta paixão que eu sinto um pouco de inveja das pinturas. — Podemos
vê-lo? — ela pergunta me olhando, sua voz parece ainda mais animada. —
estou?
breve de sintonia até que ela parece perceber a posição em que estamos –
ela está parcialmente por cima de mim.
Seguimos com nosso tour por mais algum tempo. Depois, vamos até a
galeria nacional, mas há tantas peças e Izolda fica por tanto tempo encantada
com cada uma delas que seria necessário que nos mudássemos para Roma
para que ela pudesse apreciar as peças da forma como deseja. Já está escuro
quando saímos da galeria e passamos pelas praças. Peço para que os
compro dois. Tomar gelattos no centro de Roma era algo que minha mãe
adorava.
Noto que estou perto da minha fonte predileta e pego Izolda pela mão
para que ela venha comigo. Este contato se torna menos estranho. Na
verdade, hoje, a cada hora que passa, qualquer tensão entre nós vai sendo
fascinada.
história.
— Por que as pessoas estão jogando moedas? — ela pergunta
percebendo a movimentação perto da fonte.
— É uma fonte dos desejos. Dizem que, se você jogar uma moeda na
Fontana di Trevi, você volta a Roma. Se jogar duas, você vai conhecer uma
bela pessoa italiana e, se jogar três, vai casar-se com essa pessoa.
Por que eu estou falando sobre dinheiro? Merda! Eu poderia ter dito
repreendo por ter sido brusco na minha resposta. — Acredite em mim, não
sou tão objetivo quanto gostaria de ser. Pego uma moeda e jogo na fonte. Ela
me olha com curiosidade. — Para voltar com você — afirmo.
Eu poderia ficar aqui para sempre. É nisso que estou pensando quando
inteiro. Roma era como uma folha em branco na nossa história. Sem a
minha cintura daquele jeito e apoiou sua cabeça entre os meus seios.
gole na sua bebida antes de apontar um prato dizendo que era o predileto da
sua mãe.
— Ela até pediu para que a sua mãe fizesse uma vez — ele me conta.
Peço, então, o que ele indica, uma pasta com pomodoro e basilico, enquanto
ele opta por uma carbonara. Ele pede outra dose de uísque e pergunta se eu
quero alguma coisa "mais forte" que a água que pedi assim que nos
Quero dizer que ele está exagerando e que aquelas duas coisas nem
mesmo são tão bem comparáveis assim, mas gosto da forma como ele está
sorrindo e, em vez disso, conto que Elke tentou me convencer uma vez numa
fazem aqui. Por sinal, a Itália seria perfeita se houvesse vodka melhor por
aqui.
enquanto fica parado com suas mãos entrelaçadas e o queixo apoiado nelas.
Ele é como uma daquelas obras que vi mais cedo: feito cuidadosamente,
cada traço, cada detalhe. A mão perto da boca me faz olhar para seus lábios
beijá-lo. Talvez eu devesse ter feito isso na noite passada quando ele
encostou sua cabeça no meu peito e disse que gostava do meu cheiro. Hoje,
ficado com as sobras do irmão, porque é isso que ele deve pensar de
mim. Você acha que eu queria estar casado com uma mulher que fala o
de Roma amanhã, mas eu pensei em outra coisa — assim que ele diz isso,
taça do champanhe e tomo um gole, evitando dizer qualquer outra coisa que
— Eu sei, e sinto muito. Foi algo que surgiu ontem à noite e eu não
quis atrapalhar seu dia com isso. Você estava feliz entre as pinturas, não
estica a mão sobre a mesa, a palma aberta. — Dê-me sua mão — ele pede
me olhando. Faço o que ele diz e coloco a mão esquerda sobre a dele. Seus
anelar. — Este anel no seu dedo significa que você é uma Orlov, significa
Eu sei que ele está sendo adorável e, quando ele me toca, meu coração
pula uma batida, mas algo naquilo tudo me deixa irritada. Porque eu não sou
mesmo uma Orlov, não sou esposa dele, ele nem queria estar casado comigo.
E, com a exceção de raros momentos, como o dia que tivemos hoje, eu acho
frente. Sua voz é tão baixa que é quase um sussurro. Ainda assim, ela
promessa, pensou? Como vai ser sua vida agora que está casado comigo?
Quais são os meus deveres enquanto sua esposa. O que você espera que
aconteça entre nós? Que tipo de relação vamos ter? Vamos passear por aí e
fingir que somos um casal até ficarmos velhos? Você não quer amar
uma dose de uísque, e Andreas pede para que deixe a garrafa. O homem nem
pestaneja antes de fazer o que lhe foi dito. Andreas mal olha para o homem,
está focado em mim como um leão que analisa uma zebra antes de atacar. Ele
deixe tentar cumprir com essa imagem que tem de mim. O que você está
pretendo obrigá-la a dormir comigo, se vou ter amantes caso você não queira
ir para cama, e como pretendo ter herdeiros. Isso cobre tudo? — ele
bastante apreensiva pelo jeito que ele está agindo, e me pergunto se tudo isso
não foi uma ideia terrível. Eu deveria ter deixado que ele falasse sobre seus
— Você sabe que é bonita, não sabe? E, para além de bonita, você é
divertida, talentosa, inteligente. — Ninguém nunca me disse nada disso
antes; ninguém além dos meus pais, claro, mas eles não contavam para a
minha autoestima. — Então, sim, é claro que eu gostaria de dormir com
você, mas isso não significa que eu não sei me controlar ou que eu me
forçaria sobre você. Izolda, eu sei que nos afastamos bastante, mas eu
esperava que ao menos lembrasse de quem eu sou o bastante para saber que
nunca faria algo assim. Quanto às amantes, não, eu não pretendo dormir com
ninguém, estamos casados e isso significa algo para mim, assim como espero
que signifique para você.
poder; eu não tenho poder algum, nenhum controle sobre a minha vida no
momento. — O fato de que tenho desejos não torna esses desejos
incontroláveis, é isso que separa nossa espécie das outras. Você tem mais
alguma pergunta?
por essa resposta quando fez a pergunta. Ele queria me chocar e, sim, tinha
conseguido, mas eu não pretendia deixar isso evidente.
apaixonada por mim e que fizéssemos sexo feito coelhos por aí, o que
garante que teríamos filhos?
Minha irritação se dissipa parcialmente, ela vai dando espaço a uma outra
sensação. Eu me sinto envergonhada por ter começado aquela discussão, por
mais que todas aquelas perguntas fossem necessárias, mesmo que eu ainda
tivesse tantas outras.
— Izolda, por ora, o que eu preciso é que você cumpra o seu papel.
Que seja....
que seja um retorno justo ao meu tom de irritação. Ainda assim, fico
desapontada.
***
Decido que não quero mais tentar voltar a pegar no sono e me levanto
da cama. Andreas permanece imóvel, o peito, que parece ser de pedra de tão
nunca dormi com seu irmão, se tivesse coragem de dizer como me sinto.
Mas quem garante que isso mudaria alguma coisa? Talvez ele me
odiasse por tê-lo feito estar vivendo uma mentira. Ele nem precisava estar
me culpa por ter estragado o momento agradável que estávamos tendo. Mas é
essa outra parte que continua brava. A parte que quer fugir, ir embora para
sempre, a parte que detesta ter que cumprir esse papel forçoso, a parte que
está aterrorizada com o quanto pode amá-lo mesmo no meio de tanto
fingimento.
Orlov tinha um pé na ralé. Se elas pudessem ver esta casa, suas línguas
seriam enroladas até formarem nós.
ele já foi apaixonado por alguma coisa. Agora, ele parece morno, quase
vazio. Sua antiga versão aparece em apenas pequenos lampejos.
senhora da casa estava lendo antes daquele acidente de carro terrível. Faz
tanto tempo agora. Não ouso tocar no livro, e deixo o local decidindo subir
as escadas. Se vou passar o dia presa nesta casa, ao menos pretendo
tem um velho piano e uma grande janela em vitral circular que proporciona
uma vista deslumbrante da cidade. Sento-me no batente da janela e decido
ficar ali, observando aquelas pessoas que andam livremente, indo para seus
trabalhos, voltando deles, fazendo compras, sorrindo. Crio nomes para elas,
voz diz. Um rapaz que eu tinha visto algumas vezes entra no local, me
assustando. Não entendo uma palavra além do nome de Andreas, o homem
fala rápido demais e, quando não me movo, se aproxima, o que faz com que
eu sinta mais medo. — Dai, andiamo! Andiamo! — ele repete e pega no meu
pulso. Retraio-me e ele parece mudar de ideia sobre o contato. — Mi
dispiace. Tuo marito è preoccupato.
Ele caminha até a porta, para rapidamente, diz "Andiamo!" outra vez, e
eu me movo em sua direção enquanto ele desaparece descendo as escadas.
Escuto quando ele grita alguma coisa e, alguns segundos depois, estou de
frente para Andreas, que parece tenso.
— Aqui.
— Você achou que eu tinha fugido — completo. Quero ser grossa, mas
sua expressão anterior ainda está gravada na minha mente. Pergunto-me o
que havia passado na sua cabeça quando pensou que eu tinha ido embora, se
estava preocupado comigo ou com sua reputação, mas não tenho coragem de
coisa similar quando eu coloco minha mão no seu braço e digo que as
pessoas estão olhando. Giorgia e mais dois empregados estão por perto,
muito perto, e mesmo que eles provavelmente não entendam uma palavra de
russo, imagino que podem sentir o clima do ambiente. A mão livre de
Andreas pega no meu quadril e me puxa para perto. Eu engulo seco pelo
movimento inesperado, ele inclina a cabeça e aproxima o rosto do meu.
lábios quentes tocam a maçã do meu rosto, e ele vai embora, me deixando
parada tentando entender que tipo de jogo ele acha que estamos jogando,
me diz para agir como sua esposa e pega na minha mão. Somos recebidos
por um homem que pega nossos casacos e nos leva até a sala de estar, onde
os anfitriões nos aguardam.
cumprimentar Andreas, a mulher belisca o rosto do meu marido e diz que ele
é belíssimo algumas vezes e eu tento me forçar para não rir da cena.
assunto. O que posso entender é que as coisas parecem bem. Eles falam
rápido e o homem que gesticula bastante parece satisfeito; Andreas, também.
Então, suponho que o acordo entre eles vá funcionar.
ele, que continua sua conversa como se aquele toque fosse a coisa mais
natural do mundo.
para a lateral do rosto do meu marido, esperando qualquer reação, mas, para
além de um leve tensionar de mandíbula, ele não me olha.
trabalhar, mas, quando nos casamos, eu o lembrei de que não podia ser a
amante enquanto o trabalho seria sua esposa, teria sempre que ser o
contrário.
Andreas oferece sua mão para me levantar e sussurra "O que está fazendo?"
em meu ouvido. Prendo a respiração por um segundo, evitando soltar um
suspiro que entregue o efeito daquela proximidade.
processo. Ele entrega um olhar que depõe quanto à sua insatisfação, mas, se
ele quer que eu seja sua esposa, que seja uma espécie de boneca que é
vestida, penteada, arrumada para cumprir o papel de uma Orlov, vai ter que
lidar com isso.
entra na sala e começa a falar alguma coisa. Entendo quando ela deseja uma
boa noite, mas apenas isso. Viola apresenta a moça como sua filha e insiste
para que ela se sente à mesa. Ela me olha com curiosidade antes de ocupar
seu lugar, somos formalmente apresentadas. Aprendo que Mia é a mais nova
a memória dela viva, mas ele tinha tanto trabalho que, com o tempo, isso foi
ficando de lado.
— E tenho certeza que vai ser quando eu cortar seus cartões de crédito
por ser tão rude com a nossa visita.
seu domínio hegemônico nas últimas duas décadas. Não discordo dela em
grande parte, principalmente na forma autoritária e violenta de governo, mas
o que eu conheço, a realidade que vivo, é a de um líder político que é
celebrado nas ruas. As pessoas fazem desfiles e idolatram Putin, há até uma
música na qual o refrão diz "Eu quero um homem como Putin". Há mais
gente querendo deixar a Rússia do que ir morar lá, isso obviamente diz
alguma coisa sobre as condições de vida por lá.
primeiro-ministro, então não argumento. Imagino que Mia deva olhar para
mim como alguém que saiu de uma máquina do tempo, a mulher dos anos 50,
dependente, subserviente, não educada. Ela não estaria errada se pensasse
isso.
menos agressiva.
— Pelo quê?
quero estudar, fazer cursos sobre arte ou algo assim, não sei bem. Não quero
ficar naquele palácio o tempo todo. E você pode confiar em mim, eu não vou
fugir. Eu prometo. E você disse que um Orlov nunca quebra uma promessa,
certo?
segurando sua mão, enquanto ele me ajuda a sair do veículo, quando ele diz
"Tudo bem".
— Tudo bem?
entra pela janela da torre atribui certa áurea à cena. Em momentos assim, eu
só quero poder me aproximar dela, pegá-la em meus braços, sentir sua pele.
Izolda pega o telefone e nota que eu tenho razão. Ela fica de pé, diz que está
Assim que as palavras saem dos meus lábios, eu sei que elas tiveram
algum efeito em Izolda, porque ela parece encabulada. Ela disfarça bem,
olha para o lado rapidamente e faz uma piada sobre o fato de que sou um
peças que sei que foi Minerva que escolheu —, não há problema, tudo bem?
Quero que saiba que ouvi o que disse quando estávamos na Itália, e que não
quero que continue sentindo-se daquela forma. — Merda, como é possível
que eu seja tão ruim nisso? Acho que todos os cursos de oratória, liderança e
qualquer tipo de porcaria do mundo dos negócios que fui orientado a fazer
desde muito cedo não têm eficácia alguma quando preciso lidar com o que
sinto.
— Tudo bem, são roupas bonitas, ela tem um ótimo gosto. E você não
ia querer que sua esposa andasse com moletons cheios de gatinhos e calça
Quero dizer que ela deve fazer isso se for o suficiente para deixá-la
feliz, mas não posso dizer tais palavras sem considerar a possibilidade de
que o que a deixaria feliz seria se ver livre de mim, desse casamento. Em
vez disso, digo que, se não descermos para comer agora, vamos nos atrasar.
Ela vem na minha direção com o colar que fora de minha mãe em suas mãos
dificuldade. Não estou propriamente nervoso, estou agitado. Estar tão perto
Ela se vira para mim, e eu desvio meu olhar para o colar em seu peito. O
Está levemente torto, mas resisto à tentação de tentar ajustar. No entanto, ela
me encara enquanto faz isso, como se soubesse que aquele pequeno detalhe
fora do lugar me incomoda.
bolso e o entrego para Izolda. Ela segura o relógio prateado nas mãos, e sua
Londres. Ele me disse que fora do seu avô e que é a única relíquia que a
família dele passou de geração em geração, por isso acho que você é a
pessoa certa para ficar com ele. É um relógio masculino e pode ficar
Izolda passa a mão no rosto e noto que ela está chorando. Droga, que
porcaria eu fiz?
polegar em seu rosto afastando uma nova lágrima. Izolda tira as mãos dos
meus ombros e coloca o relógio. Ela observa o objeto, cuja máquina tem
quase a largura de seu pulso. Ainda assim, ela parece muito mais satisfeita
de verdade.
Descemos para tomar café da manhã juntos, como temos feito quase
todos os dias desde nosso retorno da Itália. A viagem em si nos ajudou a
ficar menos armados um com o outro. Além disso, a conversa que tivemos,
encontramos minha avó. Aquela é a primeira vez que isso acontece; em todos
esses dias, minha avó nunca desceu para tomar café antes que eu fosse
embora para o trabalho. Eu sei que ela está irritada. Havíamos tido uma
conversa nada amigável sobre o fato de que Izolda estava dormindo no sótão
quando voltei da Sibéria e eu sabia qual era sua posição com relação a
Izolda. Ela acredita que ter o nosso nome atrelado ao dela nos levaria à
ruína social.
e vejo seu prato ainda cheio. Não terminar uma refeição no nosso país é um
claro sinal de falta de educação. Sei que a mensagem que ela quer enviar é
"Não vou me sentar à mesa com essa mulher", mas coloco minha mão
quando está em um apartamento luxuoso. Isso sem esquecer que ele nunca
precisou trabalhar um dia em sua vida e, ainda assim, tem tudo que deseja.
— Você acha que seu pai iria querer que tratasse seu irmão dessa
forma enquanto você fica com tudo?
avó. Sabe que meu pai só se importava com a empresa e com a minha mãe.
Contanto que eu esteja cuidado dos negócios, tenho certeza de que seu corpo
— Vou cuidar para que esta casa continue funcionando, já que sua
esposa nem mesmo isso parece capaz de fazer. — Há uma fúria congelante.
desqualificados — ela diz, marchando furiosa e nos deixando a sós com uma
ficar de frente para ela. — Sinto muito pelo que minha avó disse, Izolda.
— Você não vai permitir que ele volte, vai? — Há um certo medo em
seu olhar. Faz sentido. Mesmo que eu não saiba e não queira saber os
detalhes do que aconteceu entre Izolda e meu irmão, suponho que, se ela
tiver algum juízo, mesmo que goste dele, não o quer por perto. Afinal de
contas, as ações dele levaram à morte de Sergei, e sei o quanto ela amava o
pai.
No entanto, se for justo, devo admitir que não consigo parar de pensar nela
há muito tempo. Pouco a pouco, ela se infiltrou na minha mente de uma forma
que parece irreversível. Tudo que quero é poder tocá-la da forma como
desejo, tê-la em meus braços. Mas não é só atração, eu sempre quis proteger
Izolda do mundo, garantir que ela estivesse bem, mas agora parece que meu
próprio bem-estar depende do dela.
conseguir separar as coisas por estar pensando numa mulher. Nem mesmo
Galina, que foi minha primeira namorada, minha primeira mulher, a primeira
pessoa que disse amar. Pelo contrário, o desapontamento que vivi com ela
com ela quando Viggo Adamovich coloca sua mão em meu ombro e me
cumprimenta com seu sorriso de ofídio.
Estamos na planta de uma nova refinaria que está sendo construída por
um consórcio entre a empresa de engenharia dele e a de Pavlova. Fazer
mercado, chegou até mesmo a fazer negócios com meu avô, pelas histórias
que ouvi, mas Pavlova tem uma empresa mais alinhada com os meus
projetos.
— E então, o que acha? — ele pergunta. Olho para a frente outra vez,
contemplando os quilômetros de terra nas quais estações de tratamentos,
OPEP.
— Não se preocupe, está tudo correndo bem. Por sinal, soube que
conseguiu o contrato com os italianos para os filtros.
— Sim — digo. Não estou satisfeito com sua resposta sobre o prazo,
mas a última coisa de que preciso é atritos com Viggo. Sergei costumava
comentar que lidar com algumas pessoas era como mexer em um ninho de
— Também soube que levou a esposa para uma lua de mel — ele
sei se consigo confiar nela para não fugir no primeiro momento em que tiver
chance.
— Calma, meu jovem, só ia dizer que sempre achei que você e minha
filha se reconciliariam. Sempre foi um sonho meu e do seu pai que nossas
famílias se unissem.
talento em soar rude e não há nenhum outro tom que possa surgir ao falar
desse assunto. Galina quebrou minha confiança de formas irreparáveis, mas
não foi só isso. Ela também danificou a minha capacidade de crença. Até
onde sei, Viggo não faz a menor ideia do que levou ao fim do meu
relacionamento com a filha; poucas pessoas sabiam além dos diretamente
envolvidos.
me faz querer rir. É uma risada de escárnio frente ao absurdo de tudo isso,
mas penso em como estar rindo agora pode ser um bom sinal. — Mas vejo
que esse assunto o incomoda. Além disso, não foi por isso que quis vê-lo,
gostaria de pedir um favor.
Poderia achar algo para ele, nível intermediário, o salário pouco importa, só
preciso que ele comece a se integrar, ou terei que ter Galina assumindo os
negócios.
Não posso negar o quanto Galina parece ter nascido para assumir as
empresas do pai, ela sempre sonhou com isso. Costumávamos ficar na cama
— Não são elogios, são fatos. Viggo, me desculpe, mas preciso voltar
para a empresa. Peça para que Vladmir vá até a empresa, minha secretária
Assim que chego à sede do Grupo Orlov, vou direto para a sala de
Izolda. Pelo vidro, posso vê-la sentada à sua mesa, concentrada em algo na
tela. Observo a placa com seu nome na porta, "Izolda Orlov –
— Atrapalho?
na borda de sua mesa e Izolda estreita os olhos, como sempre faz quando
parece estar me analisando.
forma como ela me encara. — Quis dizer que pode ter alguém para fazer isso
por você. Na verdade, você vai precisar de uma equipe.
— Eu posso ensiná-la.
— Não acho que seria de bom tom da parte dele, ouvi dizer que é
casado — ela sussurra o final como alguém que conta um segredo e volta
— É o meu primeiro dia aqui, não espere que eu fique fazendo fofocas.
Vamos, temos um jantar, não temos?
Izolda está sentada à ponta da mesa de jantar, e eu estou de frente para
ela. Ocupamos os lugares de anfitriões como meus pais costumavam fazer,
mas eu detesto a distância, principalmente porque sei que ela está pouco
confortável com a situação. Conversamos sobre o jantar alguns dias atrás e
ela havia ficado apreensiva com a ideia de conhecer meus familiares.
Nossos convidados são meu tio Nikolai, meus primos Stanislav e Philip, e a
esposa de Philip, Anastasiya.
Nikolai quase nunca vem ao palácio, mas aceitou meu convite quando
disse que ele precisava conhecer Izolda. Já meus primos estavam cobrando
aquele jantar desde o casamento. Se Izolda teria que passar pelo escrutínio
de minha família, achei melhor que fosse assim, de uma vez só; as pessoas
pergunta. Ele é o mais novo dos irmãos Kovalenko. Nossa relação familiar
vem do lado paterno, eles são netos de uma falecida irmã de meu avô. A
questão me arranca de meus pensamentos. Não há mesmo um propósito de
me manter preso a eles, esse não é o tipo de situação que pode ser resolvida.
— Aquilo que jogam por lá, eu nem considero como futebol — ela
responde sorrindo.
— Izolda, isso me faz aprovar sua relação com meu primo, mas quero
que saibam que fiquei extremamente magoado por não ter participado do
— Ele queria ser seu pajem ou, talvez, o garoto das flores — Philip
afirma, provocando o irmão.
— Não entendo, não foi você que jurou que nunca se casaria, agora
— Claro, tio. Jurei que nunca vou me casar, não quer dizer que recuso
festas. E eu adoraria ver o Andreas, com toda sua introversão, parado em um
altar na frente de umas quinhentas pessoas. Isso seria imperdível.
Meu primo mais novo sempre gostou de implicar, mas de uma forma
sorrindo enquanto toma mais de sua bebida. Ele olha para mim rapidamente
e eu percebo que sentiu o efeito do nome de Mikhail. Ele sabe que a morte
de Sergei é consequência das ações de meu irmão, mesmo que não conheça
as extensões de tais ações. — Anastasiya, Philip, como estão as crianças?
Philip, então, começa a falar sobre seus três filhos, um menino e duas
educação e, se deixarmos, você vai falar dos nossos filhos pelo resto da
noite. E eu amo aquelas crianças mais do que qualquer coisa nesse mundo,
mas preciso ter uma conversa de adulto. Vamos, casal, me contem a história
de vocês, porque esse casamento é mistério.
fôssemos felizes.
como ela falou "Eu sempre gostei do Andreas" pareceu tão verdadeira ao
ponto de me permitir que minha mente imagine tudo que eu não posso ter.
Depois que os Kovalenko foram embora, eu me recolhi, mas Andreas e
dos cômodos vazios para o seu estúdio, temos dezenas deles. Não quero que
cômodos vazios neste palácio, certo? Eu não vou dormir perto de você
assim, irritado sem razão alguma.
— Não vai. Temos visita e, mesmo que não tivéssemos, temos uma
outro lugar.
indignação, não quero que ele durma ali por minha causa. — E você tem o
Ele segue para tomar banho e organizo minhas coisas para dormir. Já
estou deitada, coberta, pronta para dormir quando ele retorna e se deita ao
meu lado.
— Izolda...
— Hum...
meio da noite, ele deve ter se movido de forma inconsciente porque, agora,
tentar levantar, eu deixo que um sentimento muito melhor tome conta de mim
ao notar que o calor em meu corpo vem do dele, de sua pele tocando na
ele se move um pouco e sou levada junto com seu corpo. Não é só o
imediatamente minha mente passa a correr solta. Quero tocar nele, quero que
vez que Andreas me causa algo assim, já havia sentido isso antes. Não só
de toalha pelo quarto, mas ainda antes, quando eu mal o via, ele morava em
Estou convencendo a mim mesma de que seria errado levar minha mão
até a calcinha enquanto ele dorme colado em mim. Viro-me devagar, sendo
cautelosa para não o acordar, e olho para seu rosto. Gosto de vê-lo dormir.
Nesses momentos, ele não parece carregar o mundo nas costas. Fico ali,
olhando para ele, e acabo pegando no sono outra vez, acolhida em seus
manhã, mas não há nenhum sinal do meu marido pela casa. Há, no entanto,
ela o viu.
comigo. Quando minha mãe morreu, ela ia até o meu quarto com uma fatia de
torta ou pedia para que outro empregado da casa fizesse isso, na tentativa de
me animar. A forma como ela me olha agora parece gritar coisas como
"traidora" e "golpista".
— O senhor Orlov saiu com o tio e disse que tinha coisas para
coisa?
para o quarto principal da ala norte. — Saber que as coisas de Mikhail estão
minha fé no que Andreas disse sobre o irmão nunca mais retornar. — Ele
disse que era uma surpresa para a senhora, há uma mulher esperando-a lá.
— Katrina, sabe que não precisa me chamar de senhora, certo? Eu
tratada. Se não precisar de mais nada, eu vou retomar minhas tarefas — ela
papel. Ela me olha com um sorriso assim que percebe minha presença.
retiro um pedaço de papel que diz "Estou sugerindo que decore o quarto
como bem entender para que seja o seu atelier, me desculpe por ser um
idiota".
— Você está linda! — Andreas diz quando desço para encontrar com
ele e o tio que me aguardam para irmos ao jogo de hóquei. Nikolai também
ouro na cintura, uma das muitas peças que escolhi junto com Minerva
Nikolai, por sua vez, porta algo bem mais informal. Andreas se aproxima e
estende a mão, que aceito sorrindo, então eu fico de ponta de pé, o que se faz
sem graça.
nunca me levou ao estádio porque, quando era mais nova, minhas crises
respiratórias eram frequentes. Andreas parece estar pensando nisso também
porque, assim que entramos, ele para na minha frente, coloca suas mãos
sobre os meus ombros e pergunta se estou aquecida o suficiente. Aceno
positivamente, tentando disfarçar para que ele não perceba que eu gosto de
sua preocupação.
ela começa a falar com Andreas sobre importações para a obra da refinaria.
Eu olho ao redor e presto atenção a quão maior a arena de fato é; diversas
está usando uma camisa de time que tem o brasão da empresa do marido. Ao
lado dela, está um garoto que parece bastante com Philip, suponho que seja o
celular.
— Senhor Orlov... — um jovem rapaz com uma câmera nas mãos diz
parece prestar atenção ao rapaz. — Podemos fazer uma foto antes do jogo?
— Apenas uma, com a minha esposa — ele diz ao rapaz, que acena
para o fotógrafo. Andreas se posiciona ao meu lado e sua mão deixa a minha,
alojando-se em minha cintura. Eu viro meu corpo um pouco para olhar para
Vou junto com Anastasiya, seu filho e Minerva para uma espécie de
cores dos times, mas a maior parte dos presentes parece engravatada
demais.
— Eu ouvi falar sobre o casamento, mas não imaginei que fosse tão
jovem, nem tão bonita — ela diz sorrindo enquanto para o garçom e faz com
que ele sirva todas nós com bebidas.
a única palavra capaz de gelar mais o meu corpo do que o frio da arena: o
nome Mikhail.
Ainda assim, mal consigo registrar o que está acontecendo porque, do lado
de fora da área reservada na qual estamos, Mikhail está parado, me olhando,
querida. Eu tenho um outro casaco no meu carro, vai lhe servir — Minerva
diz me pegando pela mão. O segurança se move para nos acompanhar, mas
ela cochicha alguma coisa e o homem fica. Caminho com Minerva, saindo do
esperava que fosse diferente?", é isso que ele está dizendo, e a pessoa
ouvindo suas palavras é Galina.
o intuito de deixar claro que eu estava ali, que podia ouvi-los. Ouvi meu
nome saindo dos lábios de Andreas. Ele caminhou na minha direção,
aproxima.
— Venha aqui Izolda, por favor — ele me chama. Andreas pega minha
mão e beija meu rosto. — Galina, esta é a minha esposa, você deve se
lembrar dela.
— Não, na verdade, não — ela responde. Está obviamente mentindo,
ela me olha com o mesmo desprezo de sempre e, talvez, um pouco de raiva.
Olho para o estado do meu casaco e fico como uma idiota que esquece
as palavras.
arrependida, talvez.
melhor você resolver isso, querida, é uma roupa muito bonita para ficar
nesse estado.
Meus pés parecem fincados no chão, não quero sair de perto dele. Não
— Você quer o meu casaco? Vai ficar grande, mas ao menos está seco
e você vai ficar bonita de qualquer forma.
Eu olho para trás rapidamente e vejo que eles ainda estão lá,
discutindo alguma coisa, mas não posso ouvi-los. Minerva, no entanto, me
encoraja a continuar.
Galina não significa nada para Andreas, e Mikhail não pode chegar perto de
você.
reagiu. Sua reação poderia significar qualquer coisa, menos amor. E isso me
faz acreditar que a versão dessa história que Andreas conhece, a versão que
ele me contou, não faz sentido nenhum. Afeto, carinho, admiração e até
mesmo orgulho, eu vejo na forma como você olha para o Andreas, e só para
— Por acaso, ele disse alguma coisa sobre mim? Sobre como se sente
a meu respeito?
— Não. Você acha que Andreas é o tipo de homem que senta e fala dos
— Izolda, por que você acha que ele não perdoou Galina, que decidiu
não se casar com ela, mas, ainda assim, casou-se com você?
— Porque ele fez uma promessa ao meu pai. Ele se casou comigo
porque fez uma promessa, porque disse ao meu pai que cuidaria de mim, me
— Vocês dois são as pessoas mais cegas que eu conheço — ela afirma
me interrompendo. — Izolda, Andreas não teria feito essa promessa por
outra pessoa, ele fez porque foi por você.
cheira bem.
minutos de jogo, Andreas, que joga como centro, uma espécie de atacante no
hóquei de gelo, consegue dominar o jogo, estando no centro das principais
jogadas. Ainda assim, eu, que sempre gostei de assistir aos confrontos
físicos do hóquei, fico apreensiva sabendo que Andreas ali, mas,
se livrar.
fazer jogadas mais agressivas e a fazer todas elas contra o irmão mais novo.
Ele empurra Andreas algumas vezes quando consegue alcançá-lo. Não
satisfeito, ele avança em um lance sem disco no qual acaba jogando Andreas
Quando dou por mim, estou cruzando a porta que dá acesso ao gelo. Alguém
tenta me parar, um par de mãos, mas eu ignoro. Preciso que saiam do meu
caminho. Olho para as porcarias das botas e decido tentar alcançá-lo mesmo
assim. Os outros jogadores estão se aproximando dele, cercando-o, e eu não
consigo mais ver Andreas, o que me deixa ainda mais nervosa e faz a
pequena distância parecer ser de quilômetros, não metros, e meu coração
parece pronto a pular do peito. Não, ele também, não. Eu não posso ficar
sozinha no mundo, não posso ficar sem ele, Andreas é tudo que eu tenho.
— Andreas, por favor. Acorde. Alguém tire esse capacete dele, façam
alguma coisa.
— Temos que esperar os médicos — Nikolai diz colocando a mão em
meu ombro, mas só consigo sentir os batimentos enlouquecidos do meu
coração.
Minha mão fica no peito dele, sobre todo aquele equipamento. Eu não
consigo sentir sua respiração dessa forma, há coisas demais entre minha mão
e seu corpo.
Andreas me olha e estica a mão na minha direção e acaricia meu rosto, então
eu seguro sua mão e, antes que perceba, estou beijando meu marido. Ele
parece surpreso, mas seus lábios começam a se mover e a mão encontra
meus cabelos. É um beijo de verdade, um beijo que eu sempre quis
compartilhar com ele. Todo o medo, toda a ansiedade, tudo vai sendo
varrido pela onda de prazer que me invade.
— Vamos apostar, Orlov? — um dos jogadores do time adversário me
time todo.
sorrindo.
gostei. Essa era a única coisa que meu irmão e eu tínhamos em comum, o
único ponto capaz de cessar nossas desavenças por algumas horas. Talvez
por isso que gostasse tanto do jogo, era a forma que me conectar com meu
irmão mais velho.
preciso ver nos seus olhos que me esqueceu, porque eu não acredito. Não
— Não faz o menor sentido? O que você achou que ia acontecer? Você
anos.
irmão. Um erro é esquecer uma data de aniversário ou dizer algo sem pensar.
O que você fez não foi um erro. — Eu respiro fundo enquanto olho para ela.
Já tivemos essa conversa quantas vezes nos últimos anos? E, em cada nova
tentativa da parte dela, eu percebo que menos ela consegue me atingir. Antes,
eu costumava dizer que poderia tê-la perdoado se fosse com qualquer outra
pessoa. Costumava perguntar o porquê, por que razão ela tinha feito aquilo.
antes, o que faz você achar que, agora, que estou casado, vai ser diferente?
pergunta se não sinto sua falta. Essa pergunta, eu não posso responder. É
claro que eu sentia falta de alguma coisa, não dela especificamente, mas de
tudo que tínhamos sonhado juntos, das promessas que fizemos um ao outro,
caminho até ela, esticando a mão para tocar na dela. Trago Izolda para perto
Não quero que ela se intimide perto de Galina, por isso aposto na
ideia de deixar claro que estou com Izolda. Penso em beijá-la, mas desisto
da ideia com receio de estar cruzando uma linha que não deveria cruzar.
Izolda, no entanto, segura em mim, o que faz com que eu tenha dificuldade de
me afastar dela.
Digo que vou para o jogo e Minerva leva Izolda. Galina pega no meu
fico me perguntando se ela tem razão, se nunca vou ter com Izolda o tipo de
relação que tive com ela. Se nunca seremos companheiros, amantes, se não
tinha tudo aquilo com Galina, ou ao menos achava ter. E, ainda assim, agora,
estar perto das duas me mostrou que qualquer resquício de sentimento por
resolvendo a escalação, pois Viggo ainda não apareceu; nem Vladmir, que
conosco. Isso aconteceu no ano passado. O time está discutindo sobre que
jogador entrará em campo contra nós; afinal de contas, isso nos coloca em
desvantagem. E mesmo que seja um jogo com finalidade de levantar dinheiro
— Vai ver que foi por isso que eles queriam tanto apostar —
última pessoa que esperaria ver aqui. No ringue, com uniforme do time
vermelho, pronto para jogar: meu irmão. Mikhail cumprimenta Stan com um
abraço. Eles sempre se deram bem, apesar da diferença de idade, talvez por
mim. Só ele pode me ouvir. Mikhail bate o ombro no meu e entendo que, seja
lá quais foram as circunstâncias que o trouxeram até aqui, o que ele quer
— Ora, irmãozinho, não me diga que nosso querido pai também lhe
tão violento. Além disso, desde que você me expulsou de casa, eu tenho
estado muito sentimental. Acho que uma boa partida de hóquei pode ser bom
— Quer saber, você tem razão. Bom jogo, irmão — digo tentando não
eu, você, a sua esposa e, talvez, a Galina. Acabei de encontrar com ela no
corredor.
Coloco meu capacete sem tirar os olhos do meu irmão. — Mikhail, fique do
Meu irmão olha para o nosso tio da mesma forma que minha avó o
olha, como se ele não devesse estar ali. O modo como Mikhail se parece
parece estar ali. Izolda, mesmo quando ainda criança, sempre ficou
desconfortável perto de Galina.
receber o passe, e Mikhail tenta me interceptar. Seu corpo bate contra o meu
rapidamente, mas consigo me manter de pé, enquanto ele passa direto, e fico
decisão nos favorece, e voltamos para a posição inicial para retomar o jogo.
Saímos vitoriosos do primeiro tempo e, quando Philip provoca Mikhail por
estar perdendo para o caçula, ele parece mais irritado do que o comum.
mais ofensiva. Há mais faltas, mais confrontos físicos, eu mesmo levo alguns
golpes de diferentes jogadores, e eles conseguem marcar mais, embora
em sua direção. Quero tocar em seu rosto, ela parece estar chorando.
Confirmo isso quando sinto a pele úmida. Izolda segura na minha mão
movimento.
Eu poderia viver aqui, neste beijo, neste momento. Na sensação dos lábios
macios dela, na textura de seus cabelos, no contato com sua pele.
pela realidade. Afasto meus lábios dos de Izolda lentamente, sem tirar meus
olhos dos seus. Ela não precisa me dizer nada para que eu saiba que aquele
beijo também tem significado para ela. Ela está ofegante e, talvez, um pouco
receosa.
parece perceber que estamos cercados de pessoas, então enfia seu rosto no
meu peito, e eu a seguro com força contra meu corpo.
comigo, mas, assim, eu realmente preciso que ela se mova. Izolda levanta e
eu faço o mesmo. Minha cabeça dói um pouco e eu coloco a mão atrás do
pescoço.
estou bem. Ele diz que é intervalo e que fará isso caso eu não possa voltar
em quinze minutos. Sento-me e uma médica aparece. Os dois paramédicos
que estavam no gelo ainda estão lá, mas é ela quem me examina. Ela checa
meus reflexos e faz um teste rápido para identificar uma possível concussão,
mas insisto que estou bem. E de fato estou, toda a dor parece ser muscular,
amanhã.
Agradeço a médica apertando sua mão e digo a Nikolai que não vou
— Foi um bom jogo, agora vá ficar com essa bela esposa que você
tem. Ela parece preocupada.
— Acontece? Você nem estava mais com a bola, o Mikhail deveria ser
expulso.
Eu me sento com Izolda ao meu lado, e ela apoia sua cabeça em meu
sempre bom ver um casal tão apaixonado", uma senhora amiga de minha avó
diz. Eu respondo sendo a minha versão política tão bem treinada por
Minerva, mas o que eu queria mesmo dizer é que eu pouco me importo com
Mikhail ou com aquele empurrão, pois a verdade é que eu poderia
hóquei. Izolda passa a maior parte da noite sem dizer uma palavra, exceto
quando alguém como Anastasiya lhe pergunta algo ou faz algum comentário.
Na volta para casa, dentro do carro, ela continua bastante calada, mas,
ter times mistos com profissionais. Eu escuto meu tio, interajo, mas estou o
tempo todo pensando em Izolda, tentando adivinhar o que se passa na cabeça
Ela se despede do meu tio e vai para o quarto enquanto eu fico com
Nikolai um pouco. Abro uma vodka e nos sirvo enquanto ele fala sobre
Mikhail. Dizendo que meu irmão está claramente fora do controle e que devo
ter cuidado.
você, isso não é saudável. Apenas me prometa que vai ser cuidadoso ao
redor de Mikhail.
despeço do meu tio, que vai voltar para o mar em breve, e subo para dormir.
pensando naquele beijo. Não consigo parar de pensar nele, na pele dela, no
cheiro, no calor da sua cabeça encostada no meu peito. Aquela expressão
assustada que encontrei em seu rosto quando abri os olhos, o que ela
significava? Eu sabia que ela tinha gostado do beijo, mas, depois, ela ficou
Coloco uma calça de moletom e volto para o quarto. Ela ainda está
acordada e eu paro na sua frente na cama.
— Eu não gostei de ver você com ela — ela me diz. Pego em sua mão
e não consigo evitar o sorriso.
— Eu percebi, mas você não tem com o que se preocupar. Galina não
tem mais nenhum espaço na minha cabeça, nem no meu coração. Agora, eu só
— Sim.
nos seus.
dissipada aos poucos. Eu coloco minha mão em sua cintura e colo nossos
corpos enquanto continuo beijando-a, quando troco seus lábios pelo
pescoço, e Izolda solta um gemido de surpresa.
— Claro, no ritmo que você quiser — digo descendo a mão para sua
pele, dos seus lábios no meu pescoço, da forma gentil com a qual ele me
acolhe no seu peito, de como tem feito isso todas as noites desde o jogo. As
como chegar a casa, acolhedor, quente, familiar; mas, em outros, vê-lo é pura
você planejou para este espaço, foi uma das razões pelas quais pedi a
da refinaria.
Eu tinha achado estranho que Vladmir quisesse estar trabalhando aqui,
eu tinha criado uma certa resistência à presença dele; afinal de contas, ele é
irmão de Galina. E, mesmo que fosse tão diferente da irmã quanto a água é
do vinho, ainda eram irmãos. Apesar disso, esta semana trabalhando com ele
atravessada.
— Você só está dizendo isso porque eu sou casada com o seu chefe,
mas não adianta, não posso lhe dar um aumento — digo. A brincadeira faz
com que Vladmir dê uma risada. Ele tem um sorriso bonito, honesto. Esses
ficam falando do nosso jantar de noivado o tempo todo, como se a Elke fosse
aparecer a qualquer momento, mas, eu não sei, parece que há algo de errado
nessa história toda. Eles disseram que ela estava em Yale; depois, na NYU.
E eu vou parecer um stalker maluco agora, mas ela nem mesmo posta nada
— Eu não sabia que você se importava tanto com ela — digo. Estou
perceba.
ela, mas isso não quer dizer que esteja ansioso pelo casamento. Eu não quero
ficar com alguém que obviamente não quer nada comigo. Só acho estranho
desculpas. Primeiro, o pai dela disse que a Elke voltava semana passada.
— Eu não sei onde ela está. Eu adoraria saber onde a Elke se meteu,
entendo. Eu também quero muito saber se ela está bem. Mas eu sei tanto ou,
talvez, até mesmo menos do que você sobre o destino dela. Eu não sou a
que mais você planejou para a construção? E em quanto tempo tudo isso fica
pronto?
projeto me interesse, minha cabeça está em Elke. A ideia de que ela pode
estar de volta em duas semanas é como uma fresta de luz passando por uma
quando uma mão interrompe o fechamento das portas. Ergo a cabeça e vejo
elevador.
— Assim como?
pelo contato. — Você cheira tão bem, sabia? Às vezes, eu queria só poder
ver.
— Eu não me importo.
Que escandaloso — Ele diz sorrindo. E então, me beija outra vez, agora sua
mão em seu ombro, mas estou sorrindo de orelha a orelha e mal posso me
conter.
minha timidez.
elevador.
— Tipo um encontro?
— É! Isso mesmo.
Assim que entro no setor em que trabalho, vejo uma garota lendo uma
revista de fofoca. Ela a esconde assim que entro, mas eu caminho até ela e
pergunto se posso dar uma olhadinha. Lá estou eu, na capa, beijando Andreas
naquela arena de gelo. A capa diz "UM AMOR DE CONTOS DE FADAS".
Abro a revista e leio os primeiros parágrafos da matéria, que é basicamente
uma série de especulações. Além das fotos do dia do jogo, a revista tem uma
foto nossa de mãos dadas nas ruas de Roma. Imaginar que alguém nos viu,
que provavelmente reconheceu Andreas enquanto estávamos em Roma me dá
uma noção do quão pública a minha vida se tornou quando casei com um
Orlov.
encenação (e nem era uma boa encenação), e agora eu estou vivendo uma
versão meio desajustada de um conto de fadas.
***
rosto para olhar para ele. Sua barba bem feita, um sorriso no rosto. Olhar
para Andreas me deixa extasiada. Ele me flagra olhando-o, então inclina a
beijo é bom assim, se, toda vez que duas pessoas que estão envolvidas se
tocam, elas se sentem dessa forma.
Nunca vivi nada disso antes. Meu primeiro beijo foi numa roda de
“verdade ou desafio” em uma festa de adolescentes à qual Elke me levou, eu
tinha quinze anos. Depois disso, eu troquei alguns beijos com um garoto que
entregava flores no palácio, mas nunca passou disso. E há Mikhail e suas
cabelo. — É que, toda vez que você me beija, eu não quero que o beijo
acabe.
— Venha, vamos subir — ele diz pegando na minha mão outra vez.
Olho ao redor e percebo que estamos em Moscow City, um dos distritos
velas, música. Tudo está perfeito. Andreas puxa a cadeira para que eu me
sente e só então ocupa o lugar na minha frente.
Andreas coloca a mão sobre a minha e acaricia os nós dos meus dedos
enquanto me encara. Um garçom se aproxima e nos serve champanhe;
Andreas imediatamente troca a dele por algo mais forte. Nós jantamos
enquanto conversamos, e eu fico abismada com o modo como a conversa flui
organicamente entre nós. Os silêncios são raros e, mesmo assim, não são
constrangedores. Falamos sobre a empresa – ele quer saber se estou
pintura minha.
Andreas solta uma risada alta. Eu não lembro de ouvi-lo rindo assim
há muito tempo e fico feliz de saber que provoquei aquela risada. Falamos
sobre o passado, lembramos de quando éramos mais novos, e ele lembra que
o fiz ser o padre do casamento de bonecas. Em um ponto da noite, eu digo
que quero apreciar a vista, e Andreas me acompanha. Ele diz que estamos a
230 metros acima da cidade. A vista é linda, as luzes de Moscou brilham lá
embaixo.
Olho para Andreas, e ele está com o telefone na mão, tirando uma foto
minha.
aproximo e observo a imagem. É uma foto bonita. — Venha aqui — ele diz
passando o braço ao redor do meu corpo. Andreas tira uma foto nossa, uma
selfie. Nossos rostos colados. Ficamos bem juntos, muito bem, como se
tivéssemos de fato sido feitos um para o outro.
— Escolha um lugar — ele diz enquanto como minha sobremesa.
— Um lugar?
nós dois.
O primeiro lugar que vem à minha cabeça é o Brasil, mas então uma
garçonete com cabelos castanhos e um sorriso está usando, por dentro do
— Eu vou ter que falar com meu chefe, mas acho que ele me libera —
digo sorrindo.
Agora, ela me olha como se eu fosse sua inimiga mortal. Minha mãe
costumava dizer que pessoas como ela podem ser gentis com quem vê como
isso é inconcebível.
dormir antes que ele retorne; isso evitaria que continuássemos a diversão
que fora interrompida por sua avó. O fato é que eu não sei o que pode
Não sei se ele vai notar que eu nunca estive com nenhum homem antes,
se vou sangrar, se será difícil, se ele vai entender quando eu não puder
contar toda a verdade. Pego meu telefone e abro uma guia de pesquisa "seu
convincente? Por mais que me doa saber que Andreas acredita que eu dormi
com seu irmão, não posso contar sobre Elke, sobre o que Mikhail fez com
ela.
Decido que a melhor forma de agir é fingir que sei o que estou
fazendo. Afinal de contas, não é como se eu fosse totalmente ignorante sobre
sexo. Eu sei como funciona, tive aulas de educação sexual, conversas com a
minha mãe quando tive minha primeira menstruação, assisti a vídeos pouco
educativos e explorei meu corpo. Além disso, aquele é o homem que eu
sempre desejei, o homem que achei que nunca poderia ter. E agora que tenho
— Você deveria saber que Nova York não é como nos filmes. É
Ele coloca a mão na parte inferior da minha coxa e me puxa para o seu
colo. Eu solto um suspiro de excitação pelo movimento inesperado, mas
rapidamente me recupero e passo meus braços pelo seu pescoço, beijando-o
novamente.
ritmo, e eu levo minhas mãos para os seus cabelos. Vou perdendo os sentidos
na medida em que ele continua me explorando com sua língua. Meus seios
estão enrijecidos; meus braços, arrepiados; meus dedos, se curvando. Todas
as partes do meu corpo repercutem as sensações advindas desse contato.
marca do volume em sua calça, mas não tenho coragem de levar minha mão
até seu pênis. Andreas, no entanto, deita ao meu lado e gira levemente a
minha cintura para que eu o encare.
que considerava certo sem perguntar nada a você, forçando-a a ficar aqui.
— O que sua avó lhe disse? — questiono. Se ele viu a matéria mais
cedo, não parecia afetado por ela antes de chegarmos a casa e ele ficar lá
embaixo conversando com a avó.
— O que ela disse não importa. O que importa é você e como você se
Todas essas razões são boas o suficiente, mas nenhuma delas parece
compensar a ideia de me afastar de Andreas.
beijo, eu penso no quanto ele deve ter duelado consigo mesmo antes de me
fazer essa pergunta.
embora, eu mesmo providenciaria tudo para que você pudesse ter uma vida
confortável e segura onde bem entendesse.
minha amiga que está com o tablet na mão me mostrando o novo comercial
— Eu estava sorrindo?
em extinção.
— Andreas Orlov distraído. Há uma primeira vez para tudo. Você vai
casal Izandreas.
— Izandreas?
sucesso. Você viu que alguém fez fotos de vocês juntos no Imperia? Fotos de
com isso quando estou tentando fazer Izolda ter uma relação normal com
jantares, passeios e todas as coisas que sei que ela nunca teve.
— Não entendo a obsessão das pessoas com o nosso relacionamento.
que você fosse querer saber algo mais interessante — pergunto enquanto
coço minha barba. Minerva sorri e eu sei que sim, é isso mesmo que ela quer
saber. Minerva é o tipo de amiga que sente junto. Se você está feliz, ela fica
feliz. Se está triste, ela fica triste. Se está chateado, ela tem mais raiva ainda
indo devagar.
estamos indo tão devagar assim, mas, sempre que chegamos perto de transar,
ou pelo menos da parte “penetrativa” do todo, ela se retrai. E embora eu
esteja louco de tesão por ela, não tenho nenhuma intenção de pressioná-la. É
conseguir respostas.
— Tudo bem, eu posso, sim, ter ficado bêbada muito mais rápido do
que você e posso também ter paquerado um pouco com o bartender, mas
último cara por quem eu me interessei de verdade era casado. Meu dedo é
implicando outra vez. Não quero que ela pense no homem do qual gostava.
porque conheço bem aquele homem e sei que ele tinha sido pouco
atendo.
rápido do que qualquer pessoa que conheço. Ela era famosa por isso na
universidade.
— Não se estiver movido por bom senso. O comercial tem tudo que
— Ótimo! Então, vamos lá, quanto mais rápido essa reunião começar,
nossa diretora financeira. Nas laterais esquerdas da sala, estão meu irmão e
O Grupo Orlov foi, por muito tempo, uma empresa de capital fechado
com apenas um sócio, mas, quando meu pai morreu, eu quis que Mikhail
tivesse uma pequena porcentagem das ações, assim como minha avó. Mesmo
que eles tenham ficado com imóveis e tenham recebido as apólices de seguro
de vida, achei que essa seria uma forma de evitar que meu irmão tivesse
as ações passaram a valer muito mais do que o esperado, resolvi que era o
momento de vender uma parte da empresa, uma pequena parte. O retorno fez
termos de competitividade.
e dois russos, Oleg e Sasha –, juntas, possuem cerca de 12% das ações da
empresa, o que ainda me deixa com quase 80% de tudo. Minerva chama de
com seu tom cortante. Minerva e Mikhail sempre se detestaram. Minha amiga
costumava chamá-lo de "cria do mal" quando meu pai ainda estava vivo,
explica.
certo?
conversa, quando ela me disse que Izolda estava me usando e que tudo que
ela queria era nosso dinheiro e Mikhail. Eu espero que todos deixem a sala e
posso ver Mikhail esperando-a do lado de fora pela porta de vidro. Ele me
olha, parecendo satisfeito demais.
— O que é isso?
está a prova de que me preocupo com você. Deixe essa mulher antes que a
mancha na nossa reputação se torne irreparável.
que seria inapropriado por diversas razões, posso até imaginar as coisas
que o meu pai diria se soubesse como me sinto". Em outro pedaço, há "eu
muito sentido. Eu passo algumas páginas, mas paro, não quero continuar
olhando.
Eu sei exatamente o que minha avó espera que eu faça, mas ela deveria
me conhecer melhor do que isso. Deveria saber que eu não sou propenso a
rompantes, principalmente aos que ela tenta me provocar.
voltou para aquela casa desde que meu avô se foi, não vou pedir que saia da
casa, mas quero que entenda: não posso deixar minha esposa sob o mesmo
teto que a senhora quando sei que não a quer por perto. Então, ou a senhora
muda de atitude ou vamos ter um problema.
porta.
podem ser usados para falar da minha avó; inocente não é um deles.
— Mikhail, agora que a reunião acabou, me deixe pedir que os
seguranças o escoltem até a saída, só pro caso de você não se perder pelos
corredores.
— Até a próxima reunião, Mikhail. Vó, pense sobre o que falei, tudo
pelo corredor através da porta de vidro. Assim que sei que estou sozinho,
pego o envelope outra vez e vou até o meu escritório e coloco todo o
aprendi que a pior parte de uma traição é a cicatriz que fica na capacidade
de confiança, e eu ainda estou tentando aprender a confiar outra vez.
***
— Está tudo bem com você? — Izolda pergunta. Ela está sentada ao
meu lado no jato com o caderno de desenho na mão. Enquanto isso, eu estou
— Não.
Olho para Izolda e me sinto mal por estar agindo indiferente com ela
sem nenhuma boa razão.
olhar encontrou o meu", isso não significa nada. Ela está comigo agora, só
comigo. Eu coloco minha mão em seu rosto e a beijo. Izolda abre seus lábios
para receber os meus, e o contato me faz relaxar. Izolda separa nossas bocas
lentamente e coloca suas mãos na minha nuca. — Não vai me dizer porque
está chateado?
lembro mais qual era a razão — digo. A resposta faz com que ela dê um
sorriso tímido, o sorriso que faz com que todo o sangue do meu corpo flua
Então, ela me beija outra vez e mais algumas até que precisamos voltar
às nossas posições iniciais e apertar os cintos para a aterrissagem.
Quando pergunto a Izolda qual a primeira coisa que ela deseja fazer
em Nova York, não fico surpreso quando ela diz que deseja ir ao Met. Nem
em preto, é uma imagem poderosa, mas, fora isso, eu não faço a menor ideia
do que as coisas que Izolda está falando significam.
modo como ela aprendeu toda a teoria sozinha, enfiada em nossa biblioteca
lendo livros enormes, mesmo tendo problemas de aprendizagem na infância,
tudo isso é surpreendente. Izolda tira os olhos do quadro e os coloca em
mim. Como é possível que eu perca o compasso só com um olhar?
ergo minha mão trazendo a dela para comigo e coloco meus lábios nos nós
dos seus dedos. — Eu sei que você não costuma ficar longe do trabalho, e eu
só quero que saiba que aprecio que esteja fazendo isso por mim.
— Você não precisa me agradecer por isso Izolda, eu não estou aqui só
por você. Estou por mim também, eu quero estar aqui, quero estar com você.
Fazemos uma breve refeição e vamos para o hotel. Digo a Izolda que
precisamos nos trocar, pois tenho uma surpresa.
até ela, abraçando-a por trás. Izolda encosta sua cabeça no meu peito.
Ficamos ali por um tempo até que um telefone começa a tocar no quarto.
Izolda se vira rapidamente e vai até a mesa onde deixamos nossos celulares.
Ela me olha tentando disfarçar seu desapontamento.
— Eu vou atender enquanto você toma banho, tudo bem? Não podemos
nos atrasar.
Ela acena positivamente e vai para o banheiro enquanto eu fico
digo a ele que qualquer outra questão, ele pode resolver com Minerva, ao
menos pelos próximos dias, Viggo agradece e eu desligo.
qualquer coisa. Decido não comentar nada com ela. Izolda verá a chamada
quando sair, de qualquer forma, e eu não quero começar uma conversa que
possa se transformar numa briga.
soltar sua toalha e continuar beijando todo o seu corpo. Izolda colocou as
duas mãos nos meu peito e afastou nossas bocas. Olhou nos meus olhos
enquanto sua mão desceu lentamente pelo meu corpo e isso foi suficiente
Sei que essa é forma sutil dela dizer que deveríamos parar, então levo
meus lábios à testa dela e a beijo. Izolda move suas mãos para as minhas
costas e afunda a cabeça do meu peito.
— Não, mas você controla nossos destinos por todo o resto da viagem,
tudo bem?
Eu entro no chuveiro e deixo que a água gelada acalme meu corpo, mas
isso não é muito eficaz quando tudo em que consigo pensar é na mão de
o teatro, eu a levo para o Central Park, onde há uma pequena mesa nos
esperando em frente ao carrossel do parque.
lentamente. Vou até a mesa e nos sirvo do vinho que está no balde de gelo
para só então me sentar ao lado dela numa carruagem. Ela olha para a taça
de vinho e, depois, para mim, como se estivesse ponderando se deveria ou
não beber.
preciso saber que ela está bem para que eu mesmo esteja bem. Ela coloca
suas pernas por cima da minha e aproxima seus lábios dos meus.
E é nesse momento que eu tenho a certeza de que o que sinto por ela é
único. Eu poderia passar a vida inteira com ela assim, sem me importar com
mais nada. Eu tomo coragem e digo isso em voz volta. Izolda morde o lábio
enquanto me encara, parecendo surpresa com as palavras. Eu mesmo também
estou.
Então, percebo que há algo mais que precisa ser dito, algo que achei
que jamais voltaria a dizer: — Eu amo você.
seu ombro e desço-a para os bíceps. Penso em como a noite passada foi algo
voltamos para o hotel. Olho para o volume na sua boxer e penso em como
tive coragem de levar minha mão até ele na noite passada. Penso na sensação
de sentir Andreas daquela forma, tão rígido, pronto para mim. Apenas a
que ele finalmente me fizesse sua, que também fosse meu, mas há esse grito
constante na minha cabeça que diz que, no momento que ele perceber que eu
nunca dormi com seu irmão, as coisas vão se complicar. Ele não vai
principalmente agora que ele disse o que eu sempre sonhei ouvir de sua
Elke, posso mesmo dizer que Andreas acreditaria em mim só porque disse
me amar? A maioria das pessoas não acreditaria. Elas diriam que Mikhail é
bonito demais, rico demais, que não precisaria forçar alguém a dormir com
ele. Elas diriam que eu quero destruir sua reputação, acabar com sua vida,
narrativa seria uma denúncia de segunda mão sem a presença de Elke, sem a
Acordo Andreas beijando seu rosto. Ele fala meu nome e me segura
pela cintura, puxando meu corpo para cima do seu. Mesmo sonolento, ele faz
isso com tanta maestria. O movimento faz meu estômago gelar de excitação.
— Você não pode me acordar assim — ele diz apertando minha coxa e
beijando o meu rosto. Sua mão sobe pela minha cintura, passando pelo meu
seio por cima da camisola e chegando ao meu pescoço. — Puta merda, como
Andreas quase nunca diz palavrões, mas até mesmo eles parecem
— Bom dia, meu amor — ele diz sorrindo. Sinto o volume de sua
cueca enrijecendo e quero tocá-lo outra vez, como na noite passada. Quero
nome daquela forma rouca que revirou as minhas estranhas, mas preciso
manter o foco.
enviou, que não fica tão longe de onde estamos. Quando entramos no carro,
— A ponte do Brooklyn?
— Sim.
gravata é uma visão rara, mas também é uma visão de dar água na boca. Ele
está com uma camisa branca simples e uma jaqueta de couro, os óculos
em um gesto de rendição.
menos saber o que vamos fazer na ponte no horário de rush e eu sei que ele
— Vamos apenas parar na ponte por alguns minutos. Depois, quero ver
toda. O parque fica a apenas alguns metros das instalações da NYU, na qual,
segundo o que Vladmir conseguiu descobrir, Elke está. Ele acreditaria no
meu interesse por Walt Whitman, e eu tinha lido diversos poemas quando era
mais nova, antes de entender que o poeta era racista e supremacista branco.
— Não, mas, mesmo que conhecesse, ver com você seria melhor —
Eu tento não comer as pontas dos meus dedos de tão nervosa enquanto
o motorista para o carro depois da ponte. Olho para o prédio do outro lado
do parque, ele é a única pista que tenho da minha amiga. Ela pode estar lá
dentro agora, posso estar a poucos minutos de abraçá-la outra vez, de ter
certeza de que ela está bem. Estou pensando em como fazer com que
Andreas vá até lá comigo quando ele pega na minha mão e chama meu nome.
residência da NYU, e eu sinto meu corpo gelar. Andreas para assim que
— Como você....
— Eu não sou idiota. Eu sei que era isso que você queria desde o
momento em que disse Nova York quando perguntei aonde gostaria de ir.
Sem contar que você não iria querer vir ao parque Walt Whitman. Seu pai me
falou sobre a redação que você escreveu sobre a manutenção de mitos
Eu engulo seco.
— Está tudo bem. Ela é sua amiga e você sente saudades, apenas entre
— Izolda, eu não sei por que você fez questão de fazer segredo, mas
sorriso lindo.
Não tinha dito de volta na noite passada, mas agora as palavras saíram
idealizado; agora, é tangível, real. E é bom poder dizer isso em voz alta.
Ele abre os olhos novamente e me beija apaixonadamente. E eu
retribuo com todo o amor de meu coração, que sempre só bateu por ele. Pelo
meu Andreas.
tornasse realidade. E meu maior sonho é ter o seu amor, Izolda. Você tem o
meu coração. Você é o meu coração. Há mais tempo do que pode imaginar...
***
receber visitas em seus quartos, mas que pode interfonar e avisar que estou
na recepção. Digo o número do quarto e nome de Elke, ele me aponta para o
cabelos cacheados aparece e pergunta se eu estou aqui por Elke. Seu inglês
tem um sotaque britânico forte e eu levo um pouco de tempo para entender o
— Sim, não foi por isso que veio? Quando o porteiro disse o nome
dela, achei que finalmente tivessem mandado buscar as malas da Elke. Já faz
meses desde que ela...
Pego meu telefone e ligo para Andreas. A garota me olha enquanto falo
assim que se aproxima, ele coloca sua mão em meu ombro e me olha com
preocupação.
— Você pode falar com ela por mim? Acho que não estou entendendo-
a direito. Não sei onde a Elke está e ela fica falando sobre malas.
Andreas cumprimenta a garota que olha para ele com certa admiração,
mas eu nem mesmo consigo ficar irritada com isso agora. Ele pergunta o
nome dela e de onde a garota é – como isso fizesse alguma diferença –, mas
então entendo que ele está tentando deixá-la mais confortável, ganhar alguma
— Alguns meses atrás, quando chegou para fazer o curso, ela ficou no
mesmo quarto que eu. Elke era divertida, animada, queria sair para todos os
lugares nos primeiros dias e, como eu também era recém-chegada, nós fomos
conhecer alguns lugares juntas. Eu percebi que havia alguma coisa errada
rápido. Até que tudo mudou. Ela foi ficando cada vez mais reservada, passou
a não sair do quarto, a perder as aulas, e houve esse dia em que eu estava
— Não. As coisas dela estão aqui até hoje, é isso que estava dizendo
para a sua amiga – ela fala apontando na minha direção. — Achei que ela
pode ter acontecido? Mikhail pode ter vindo atrás dela? E se ele fez algo a
ela outra vez? Caminho até o parque com Andreas ao meu lado, então me
Eu sabia que havia algo de errado, sabia que algo tinha que ter
acontecido para que ela não desse notícias dessa forma, mas onde ela
poderia estar agora?
está me contando? — ele pergunta. — Eu quero ajudar, mas não posso fazer
isso se você não me explicar o que está acontecendo aqui.
Eu quero tanto dizer a verdade, mas tanto, e isso me faz chorar ainda
mais.
— Andreas, eu... não... — O choro me invade com mais força. Sinto
uma tristeza enorme. Imagino Elke sozinha, por dias, deitada numa cama
estranha, pensando no que aconteceu com ela, revivendo aquele pesadelo. Se
eu mesma ainda tenho pesadelos com as mãos de Mikhail em mim, mal posso
imaginar os efeitos do que ele fez com ela.
fome. Sei que minha falta de apetite é, na verdade, uma consequência das
notícias ruins. Assim que termino, ele retira a bandeja e se senta na ponta da
respeito isso, mas toda essa história com a Elke é muito estranha. Então, eu
liguei para o Pavlova e perguntei onde a Elke estava, disse que estamos na
cidade e que queria pedir uma indicação. Ele me deu o mesmo endereço
para onde fomos, o que significa que ou ele está mentindo, ou realmente
acredita que a filha esteja aqui. Eu não disse nada porque esse não é o tipo
mocinho inglês que se apaixona por uma atriz americana e, depois, outro
sobre um casal que se apaixona em Nova York, mas só tem um dia para
passar juntos.
por Andreas. Deitada nos braços dele, do meu marido, aos poucos, tudo vai
ganhando perspectiva. Minha mãe podia ter razão sobre o efeito de uma boa
sopa, mas o efeito dos braços da pessoa que você ama, esse, sim, consegue
fazer toda a diferença.
Ali, naquela cidade tão bonita, e mais tarde, de volta ao nosso quarto
no hotel, voltando de um dia inteiro vendo um mundo novo diante de mim
pude, por algum tempo, ser plenamente feliz ao lado do homem que eu amo.
enquanto o observei dar voltas nas raias sem nem ao menos registrar minha
presença. Só quando ele voltou totalmente à superfície, no lado oposto ao
que estou sentada, ele me notou e abriu um sorriso.
Andreas nos leva para um ponto mais raso da piscina, o suficiente para
que possamos colocar nossos pés no chão, e sua mão vai para o meu sutiã e
estimula o meu mamilo enquanto ele continua me beijando. Ele mergulha e
sua boca substitui a mão no meio seio, fazendo-o escapar o sutiã. A mão, por
sua vez, vai para minha calcinha, e seu dedo me invade com uma pressão
deliciosa. Ele sobe por ar enquanto o dedo continua se movendo, um outro
dedo passa a fazer companhia ao primeiro, e eu sei que isso já é mais do que
eu posso suportar. Os meus próprios dedos são muito mais finos e eu me
juntos.
***
— Não sei. Elke é sua amiga, então me desculpe, mas ela sempre foi
mimada e cheia de vontades. Talvez seja isso.
garota entra com almoço, dizendo que Andreas enviou. Eu dou um sorriso e
agradeço. Além da comida, há um bilhete de Andreas que diz "Até mesmo
Michelangelo fazia pausas".
escada fazendo acabamentos no teto. Não sei por quanto tempo ele estava lá
até eu notar sua presença, mas, quando o recrimino por chegar
sorrateiramente, ele diz que não queria me interromper. Eu desço da escada
e deixo os materiais de lado para olhar para o lindo homem que é meu
marido.
minha cintura.
— Andreas, você vai sujar o seu terno.
— E então?
— Sente aqui — ele pede. Eu faço o que ele diz e Andreas coloca a
mão sobre a minha. — Ele não fazia a menor ideia de que ela não estava na
universidade, assim como não sabe o que aconteceu com ela, mas pediu para
que mantivéssemos a discrição. Viggo não pode saber sobre isso, ou
aparentemente eles terão problemas. A parceria deles já anda abalada e esse
casamento entre Elke e Vladmir era importante para ele. Eu não estou
dizendo isso para que você atenda ao pedido dele, você pode fazer o que
bem entender, só queria que soubesse o que ele pediu.
— Eu já contei ao Vladmir.
para mim, que nunca pensei em pintar como uma real possibilidade de
carreira.
— Izolda, seu trabalho está fantástico. É mais do que as nossas
— Você já não tem modéstia alguma — Andreas diz, fazendo com que
Minerva ria. Ela contorce o nariz para ele no processo e diz que precisa
checar se está tudo certo para o coquetel que está prestes a começar.
vontade de abrir as minhas pernas na frente dele. Não sei por mais quanto
tempo vou conseguir reprimir o meu desejo por Andreas. Qualquer momento
a sós com ele tem se tornado excruciante; dormir na mesma cama que ele
sem pedir para que ele me faça sua tem sido uma tortura. Com a exceção dos
pesadelos, eu durmo e acordo sonhando com o momento em que serei dele.
eu movo minha coxa direita um pouco, o suficiente para que ele tenha
espaço. Ao contrário do que eu esperava, ele não coloca suas mãos em mim.
travada estala algo dentro de mim, eu gostaria de fazer amor com ele aqui,
agora mesmo.
Meu marido sorri e volta para mim. Ainda estou na mesma posição,
paralisada pela excitação que percorre meu corpo. E ele mal me tocou,
imagino como será quando chegarmos aos finalmente. Andreas para na minha
frente e me beija enquanto coloca suas mãos na lateral das minhas pernas,
por dentro do vestido. Eu jogo minha cabeça para trás quando sinto seus
dedos na renda da minha calcinha e me levanto um pouco para que ele retire
a peça com mais facilidade. Em um movimento rápido, ele se senta outra
vez, sem dizer uma palavra, e me puxa para que meu corpo fique mais perto
dele.
pudesse ter. Sua boca está em toda minha vulva, sugando-a, enquanto a
avaliar o quão bom ele é nisso, a forma como meu corpo responde é tudo
que preciso. Sua língua é grossa, habilidosa, e o fato dele ser tão
perfeccionista, tão detalhista, nunca foi tão bem-vindo quanto nos momentos
no mesmo ponto, jogando uma onda de prazer. Eu gemo, tentando não fazer
barulho, mas é mais forte que eu. Ele continua um pouco mesmo depois que
Andreas levanta e me beija. Sinto meu gosto em sua boca e levo minha
mão para sua calça, tentando soltar seu cinto. Quero dizer “eu quero você”, é
isso que minha cabeça está gritando, mas, por alguma razão, penso no que
ele vai achar de mim se eu disser isso. Eu devo estar sendo idiota, mas não
consigo mudar de ideia. Em vez disso, digo que o amo. É tão verdadeiro
estiver gostando, qual o ponto disso tudo? — ele pergunta. Então, Andreas
me beija outra vez e, quando nossas bocas se separam, ele não se afasta
totalmente, fica apenas parado, com o rosto bem próximo ao meu como se
jaqueta do seu paletó e quero trazê-lo de volta, mas o telefone toca, nos
de recreação, quando Minerva nos intercepta. Ela olha para mim e Andreas
Mas temos problemas maiores. Não reaja mal, sorria e finja que é a coisa
mais normal do mundo, mas seu irmão está aqui. Veio como convidado da
sua avó, e não, não podemos expulsá-lo na frente de metade da imprensa da
cidade. Então, apenas respire fundo e finja que vocês se amam. Seria
escuta as notícias. Sua mandíbula fica rígida. Minerva passa a mão no paletó
você me diga que quer cancelar tudo. Posso dizer que houve um problema
urgente na refinaria.
vocês?
três décadas, posso lidar com ele por uma ou duas horas. E Izolda e toda a
equipe trabalharam muito por esse centro, vamos inaugurá-lo.
das bruxas.
— Claro que veio — ele diz. Um garçom está passando com bebidas,
e ele para o homem. Andreas toma uma dose de vodka de uma só vez, depois
mais outra. Minerva o recrimina, e ele diz que precisaria de mais do que
isso para fazer com que não conseguisse dar um discurso, então entramos na
sala.
A primeira coisa que eu noto é que muitas das pessoas estão fazendo
— Está mesmo lindo — Andreas afirma. Ele ainda não tinha visto tudo
pronto. Eu queria que ele só visse agora e, claro, ele respeitou meu desejo.
se dirige a mim.
— Meu irmão não para de falar sobre como você pintou esse mural —
ela diz. Sempre que ela fala, mesmo quando mais nova, Galina parece uma
espécie de sibilo, como uma cascavel. Eu conseguia entender sua raiva de
mim hoje em dia, eu estava com o homem que ela, por tantos anos, disse
— Seu irmão é uma ótima pessoa, tem sido um prazer trabalhar com
ele — afirmo. O que eu não digo é “diferentemente de você”.
— Ele também gosta de você, uma prova de que não é tão bom em
fazer juízos de valor — ele responde baixando o tom de voz. Uma mulher
aparece com uma câmera na mão, e Viggo diz que precisamos fazer uma foto.
Ele fica ao meu lado quando Galina se adianta e fica ao lado de Andreas. É
minha vez de segurar sua mão com mais força e meu marido se inclina um
pouco na minha direção.
— Viggo, nos falamos mais em breve, preciso falar com uma pessoa
— Andreas diz apertando a mão do homem outra vez. Assim que nos
afastamos, ele sussurra um “sinto muito” no meu ouvido.
começa a falar dizendo que é uma honra receber todos nesta noite para
inaugurar este centro. Ela chama Andreas para falar e eu sinto que ele não
quer largar da minha mão.
— Eu vou ficar bem — digo. Ele força um sorriso e vai até o palco.
Assim que fico sozinha, madame Olga aparece. Ela olha para o meu colar e
— Esse colar ficava ótimo na mãe dele, acho que vocês têm bastante
em comum — ela diz. Sei que ela não está me elogiando. Odiava a segunda
esposa do filho, todos sabiam disso. Eu olho para a frente e presto atenção a
para facilitar a vida dos funcionários, que vão poder contar com um espaço
para deixar seus filhos, e ainda sobre o impacto positivo que o Grupo Orlov
talentosa com quem eu tenho a sorte de estar casado — ele diz me olhando.
— E que também é autora desse mural lindo.
seu marido”, ela diz. Andreas continua falando sobre os ideais da empresa e
seguindo o roteiro do longo discurso que sei que Minerva preparou.
— Ora, ora, que cena bonita. Minha avó e minha cunhadinha querida
— Mikhail diz atrás de mim. Meu corpo inteiro parece virar pedra quando
me esforço instintivamente, tentando dar um passo para atrás, mas Olga está
ainda segurando meu braço e me fala para não fazer uma cena, dizendo que a
imagem da empresa não pode ser manchada.
— Não tenha medo, querida — ele diz beijando meu rosto. Eu olho ao
redor e percebo que estamos cercados demais para que ele faça qualquer
coisa, então respiro fundo e tento me acalmar. Olho para a frente outra vez e
meus olhos encontram os de Andreas, que obviamente nota a presença do
irmão. Ele olha para Minerva, que parece entender o recado e desce do
palco, deixando-o. — Já vem a estraga-prazeres — Mikhail sussurra, só eu
braço, finalmente, e o local onde ela estava segurando parece pegar fogo.
lavo meu rosto, como se isso fosse capaz de tirar o beijo que Mikhail me
deu. Sinto-me suja, enjoada, e tudo que quero é ir embora daqui. Minerva me
oferece toalhas de papel e eu seco meu rosto. Respiro fundo e me sinto sem
ar, então abro a bolsa e faço uma inalação. Eu nunca tenho crises de asma
pareça. Desde que voltou, ele tem feito insinuações sobre Elke. E se ele foi
mesmo atrás dela? E se ele realmente souber onde ela está? Eu penso no
risco, qual a pior coisa que pode acontecer se eu for lá fora? É um lugar
público, ele não tentaria fazer nada comigo no meio da empresa.
junto com ele mais cedo. Passo pela porta principal e começo a andar pelo
corredor. Mikhail está encostado numa das portas e abre-a para que eu entre.
matou meu pai, mesmo que não tivesse feito isso com suas próprias mãos.
Ele machucou a minha melhor amiga de formas que, suspeito, podem ter
pega no meu braço e me puxa de volta. Seu corpo fica bem rente ao meu e,
quanto mais eu tento me afastar, mais ele me puxa para perto. Ele me cheira e
parece sentir prazer nisso, assim como parece sentir prazer em me ver
assustada. Não consigo deixar de pensar em Andreas e em como ele é
Eu paro de protestar e o encaro. Elke está aqui, mas como isso é possível?
fazer com que me escute. Ele me olha de uma forma que me despedaça. Eu
esperava encontrar raiva, ciúmes, mas não é isso que encontro no seu olhar,
é desapontamento. E ele é pior do que qualquer outra coisa.
como nos andares dos escritórios, não sei o que está acontecendo lá dentro,
mas temo que Andreas faça uma besteira ou que se machuque por minha
causa. Eu levo minha mão à boca para controlar a vontade de chorar, gritar
ou fazer ambas as coisas ao mesmo tempo, eu sei que um escândalo deixaria
tudo ainda pior. Se eu quero que Andreas me escute, a última coisa que
Volto para a festa, o salão está escuro, todos estão com os olhos
voltados para a tela que exibe a nova campanha da empresa. Procuro
Minerva, na esperança de que ela possa fazer alguma coisa. Estou tremendo
quando falo com ela. Minerva pega na minha mão e me leva para uma parte
que ainda está sendo reformada do centro e pede para que eu fique no local e
me acalme.
Eu sento no sofá e faço o que ela pede. Meu coração está batendo tão
Minerva estão chegando e começo a me levantar, mas então percebo que são
duas mulheres conversando e que conheço aquelas vozes. Afundo no sofá
outra vez, não preciso disso agora, não quero que me vejam.
pretendo deixar que eles comecem uma guerra por uma mulata que cresceu
nas cozinhas da minha casa.
— Os homens dessa família não podem ver um rabo de saia. Foi assim
com o meu marido, com meu filho e, agora, com os meus netos. É como uma
maldição. Mas essa não é a primeira vez que eu tenho que lidar com um
casamento indesejado. Acredite, eu sempre acabo resolvendo no final.
Agora, volte para a festa e finja que está se divertindo. Você ainda vai ter
tudo que queria. Seu nome junto do nome Orlov tem significado, seu pai e eu
porta abre-a para que eu entre. Lá dentro, estão Andreas e Minerva. O rosto
dele está vermelho, e uma de suas mãos, no gelo. Minerva olha para mim
rapidamente, mas logo se vira para o amigo.
Andreas está com um copo na mão, bebendo outra vez. Ele ignora meu
comentário, e tudo que ele me pergunta é: — Por quê?
É, Izolda, por quê? Minha consciência grita. Por que infernos você
tinha que ser tão idiota? Penso no que aconteceu e no que sei agora. Se
Mikhail estiver dizendo a verdade, e por alguma razão acredito nisso, sei
que Elke está no país, talvez até mesmo na cidade. Não posso dizer que me
arrependo de ter ido até Mikhail, mas o custo, bem, talvez esse seja um custo
que eu não possa pagar.
— Então, você foi até ele? Isso é ótimo. Eu não consigo decidir se a
pior parte é que você tenha feito isso ou que tenha feito isso aqui, no meio de
uma festa.
— Eu não estava… não era o que parecia.
que tipo de relação conturbada você tem com Mikhail, mas eu não posso
ficar no meio disso. Achei que podia, mas não tenho estômago para isso. Os
seguranças vão levá-la para casa. Pense sobre o que você quer e, amanhã,
você pode ficar com ele, ir embora, fazer o que bem entender. Ah, e fique à
chorar, mas a tristeza é invadida por uma raiva. Raiva de mim mesma por ter
ido até Mikhail, raiva dele por ser um monstro cínico, raiva de Andreas por
nem ao menos me ouvir.
Penso em ir para outro quarto, mas fico preocupada com ele. Imagino
que esteja bebendo, penso em que estado chegará a casa. Eu deito na cama e
não consigo pregar o olho pensando em tudo que aconteceu, no fato de que
para encará-lo.
— Você está aqui — ele diz. Ele não parece irritado, apenas triste.
Muito triste. Ele também não está bêbado como imaginei que estaria, mas
parece estar exausto e consideravelmente abatido. Vê-lo dessa forma me
deixa ainda mais aflita, tudo que eu quero é ir até ele e o abraçar, dizer o
quanto o amo.
Eu tive tempo para pensar no que diria, mas a única coisa que consigo
é apelar para o que sei que ele sente por mim, apelar para o que sinto por
ele.
nunca?
— Entender o quê, Izolda? Diga-me, o que há para ser entendido?
— Que isso — digo pegando em sua mão que ainda está um pouco
vermelha —, eu e você, o que temos, isso é verdadeiro, e é a única coisa boa
na minha vida, e eu não nos arruinaria pelo seu irmão. Eu amo você, só você.
E eu já o amava antes de tudo isso. E você disse que me ama. — Essa última
parte soa como uma acusação, mas serve para fazer com que ele me olhe de
verdade pela primeira vez desde que entrou naquela sala com Mikhail. —
Ou o que você me disse não era verdade?
frente para ele e coloco minha mão em seu rosto, forçando-o a me olhar.
Andreas encosta a cabeça no meu peito, e suas mãos vão para a minha
cintura. Seu toque é firme e eu respiro fundo enquanto espero que ele
dissesse “aquela era Elke naquela noite, foi ela que foi fotografada com
Mikhail, ele a estuprou”. É pessoal demais, é uma história dela, aconteceu
com ela.
vermelhos, e eu não sei mais o que dizer, então coloco minha boca na sua e o
beijo. Pela primeira vez, Andreas não corresponde imediatamente, mas, na
medida em que eu movo minhas mãos pela sua nuca, ele abre a boca e
recebe os meus lábios. Eu me sento em seu colo, e continuamos nos
beijando.
quero ir até o final. Quero ao menos ter essa chance de ser dele.
outra vez, mas agora sua boca se move pelo meu corpo. Ela beija o espaço
entre os seios e abocanha um deles. Sua língua começa levemente a se mover
pelo meu mamilo, depois ele abocanha o seio e o suga. Penso em como esse
momento, sozinho, já consegue fazer com que eu deixe de me sentir terrível e
que só pense nele. Minhas pernas ficam moles pela sensação de prazer, eu
“merda”. Quando ele começa a se mover, imagino que vai me deixar aqui,
sozinha, nesse estado, mas, em vez disso, ele retira a minha calcinha e passa
a mão pela minha vulva, os dedos explorando os lábios até tocarem
lentamente a entrada. Ele retira os dedos, e noto o que está fazendo: se
pernas são musculosas, as entradas do seu abdômen são tão bem desenhadas,
ele é como David de Michelangelo de tão bem esculpido – mas isso se o
David fosse bem dotado. O tamanho deveria me deixar nervosa, mas estou
numa espécie de nevoeiro emocional, não consigo discernir muito bem entre
as minhas emoções.
Ele volta para mim e eu respiro fundo e engulo seco. Andreas pergunta
outra vez se é isso que quero, mas, dessa vez, é mais enfático. “Não precisa
fazer isso se não quiser”, ele diz. “Eu quero” é tudo que respondo.
totalmente molhada. Eu posso sentir que há uma parte mais fácil, mas uma
pressão cresce, e Andreas para de se mover. Abro meus olhos e encontro os
dele. Ele sabe, ou ao menos desconfia, é isso que entendo pela forma como
me olha.
mim gera sensações conflitantes, pois eu posso sentir meu corpo pulsar ao
redor dele em espasmos que são gostosos, mas que também amplificam a
queimação. Eu me movo, querendo que ele faça o mesmo, então Andreas
coloca a mão nas minhas costas e me ergue em sua direção.
— Olhe para mim, Izolda — ele pede. Faço o que ele diz, e só então
Andreas começa a se mover. Cada vez que ele sai de mim e entra outra vez,
eu quero gritar, gemer. Reconheço o som que escapa dos meus lábios,
parecido com que fiz mais cedo. Lembro-me de suas palavras encorajadoras
“faça todo o barulho que quiser, sempre. Se você não tiver gostando, qual
voltar. Se não fosse por Minerva e seus conselhos, estaria bebendo, tentando
adormecer todos esses sentimentos, parar de sentir, nem que fosse por pouco
tempo. Nada daquilo faz sentido para mim, aquela não podia ser a mesma
mulher com quem eu estava sendo tão feliz nos últimos meses, não podia ser
“Talvez ela tenha alguma explicação”, digo a mim mesmo, mas fico
irritado. Estou tentando criar estratégias para me enganar. Ela tinha ido atrás
de Mikhail depois que Minerva foi até ela. Ela tinha dito que precisava de
um remédio, ela tinha feito tudo aquilo. Que assunto Izolda poderia ter com
deixando-a, mas estou ferido demais, meu coração está exposto outra vez e,
Eu entro em casa e tudo que quero é não ter que olhar para ela, mas
Izolda está no nosso quarto, na nossa cama, e o meu coração bate mais forte
ingenuidade dessas expressões. Mesmo que minha cabeça não queira, é isso
Toda a mágoa por encontrá-la com meu irmão, todo o medo de estar sendo
enganado outra vez, tudo isso é colocado em suspensão quando ela me diz
que quer ser minha. Eu tinha esperado por isso, tinha perdido as contas de
que estarei na mesma cama que ela, medo de que ela esteja me usando.
Ignoro esses alarmes na medida que vou ficando cada vez mais excitado. E
quando a penetro, quando sinto meu pau entrando em sua carne macia e
ela é apertada. Todas as vezes que imaginei que estava fazendo amor com
Izolda nunca namorou, nunca soube dela com ninguém além de Mikhail, mas,
naquele momento, fui acertado pela ideia de que ela nunca tenha feito aquilo
Izolda diz para que eu continue. E faz isso com tanta confiança, abrindo as
pernas e se movendo na minha direção, que fiz o que ela pediu. Fui
cuidadoso, como seria de qualquer forma, e não apenas por não ter certeza
sobre sua inexperiência ou por aquela ser a nossa primeira vez, mas porque
apenas sexo, era tão carnal quanto espiritual. Estar dentro dela, ter seu corpo
boca ou pelo contato de nossas peles, isso foi novo. Eu tinha feito sexo
incontáveis vezes, tinha feito amor também, mas aquilo era algo totalmente
Enquanto ela está deitada na cama, depois do sexo, sua cabeça e a mão
em meu peito, nenhum de nós fala por muito tempo. Eu não quero falar
porque sei que as coisas que podem ser ditas vão determinar os rumos do
que temos.
permanecer com ela em meus braços, quero amá-la outra vez. Sei que,
quando abrir a boca, tudo isso vai se desmanchar como um castelo de cartas.
prazer.
as pernas enroscadas na minha, a mão que confronta meu peito enquanto ela
me encara. O que ela espera que eu diga? Que eu também queria isso antes?
Claro que queria. Eu posso me lembrar da primeira vez que me senti atraído
por ela, quase um ano atrás, quando Izolda estava sentada na cozinha com
Elke e entrei procurando Sergei. Izolda estava encostada no balcão,
sorrindo, com seus longos cachos castanhos soltos. Não havia nada de
como gostaria de beijar sua boca. — Você quer que eu vá embora? — ela
pergunta.
puxa o lençol para seu corpo, prendendo-o contra os seios. Sento na cama e
coloco minha mão em seu rosto, acaricio a pele macia, desço pelos ombros,
até chegar à mão com a qual ela prende o lençol. Meu toque faz com que ela
solte tudo, deixando seus seios aparecerem outra vez. Coloco minha mão em
um deles e acaricio-o devagar. Izolda passa sua mão pelo meu pescoço e me
beija. Intensifico nosso beijo, sigo seu ritmo e a puxo para o meu colo. Meu
pau pede por mais e ela parece saber disso. Seria fácil continuar daqui,
corpo e estar dentro dela, mas eu não posso continuar fazendo isso sem lidar
com a realidade.
— Podemos, sim. Claro que podemos — ela pede passando sua mão
na minha barba.
Izolda passa a mão pelo meu peito e a desce até meu pau. Estou tão
duro que quase desisto da ideia de conversar, mas há uma lágrima no canto
do seu olho e eu percebo que isso é errado, pois, mesmo que ela esteja
dizendo sim, claramente não está em condições para isso. Eu mesmo não
estou.
baixo, Izolda fica na cama, agora coberta, me olhando. Também pego algo
para ela, uma camisa minha, é o mais rápido que consigo encontrar.
das minhas mãos, e minha camisa branca, que fica gigante nela, nunca
pareceu tão bonita antes. Digo a mim mesmo que preciso me concentrar, por
mais difícil que seja. Sento-me de frente para ela na cama, mas não chego
perto demais. Quero poder olhar em seus olhos o tempo todo. — Izolda, se
você não quiser conversar, tudo bem, eu não posso forçá-la, mas isso
significa que você tem duas opções: vamos voltar a ser pessoas que estão
— Eu nunca menti para você — ela diz. — Eu posso não ter dito tudo,
mas não menti.
por ela é o que me assusta. É o que me faz pensar que, se eu quebrar a cara
dessa vez, talvez não possa me recuperar.
sido a primeira vez que… Você nunca esteve com alguém antes, esteve?
primeiro homem.
assim que as palavras saem da minha boca. Eu nunca me importei com o fato
de uma mulher ser ou não virgem, isso sempre me soou antiquado demais,
enquanto a seguro. Não sei pelo que estou me desculpando. Talvez por tê-la
assustado mais cedo quando arrastei Mikhail para aquela sala, por sentir que
não consigo protegê-la, mesmo que cada fibra do meu corpo identifique esse
pensamento como sexista.
— Sou eu quem tenho que pedir desculpas — ela diz baixinho. Izolda
você não dormiu com Mikhail, o que aconteceu? Ele machucou você? Por
que seu pai achava que ele tinha arruinado a sua vida?
contar tudo, mas não posso. Eu só preciso que confie em mim, por favor.
Confie quando eu digo que nunca fui apaixonada pelo seu irmão. Eu nunca
quis o Mikhail, nunca corri atrás dele, foi sempre o contrário. Enquanto você
estava fora, estudando, eu perdi as contas das vezes em que tive que fugir
dele, dos seus comentários inapropriados sobre o meu corpo.
puxar Izolda para seu colo. Eu deveria ter batido mais nele, eu deveria tê-lo
feito se arrepender de ter nascido.
e eu odeio o fato de que ela está chorando, odeio que eu a tenha feito chorar,
odeio que Mikhail tenha sido abusivo dessa forma.
— Acredito — confesso. Há tanto mais que quero saber, por que ela
estava com ele no corredor, sobre o que falavam. Ainda assim, mesmo sem
não é suficiente e que você deve ter perguntas, mas, se puder ter um
pouquinho de fé em mim, no meu amor por você, eu juro que…
Katrina e peço que ela prepare um café para minha esposa. Enquanto ela
monta a bandeja, eu passo na frente do antigo quarto de Izolda. As imagens
daquelas fotos voltam, aquele era claramente Mikhail, mas a pessoa que fez
as fotos parecia ter sido cuidadosa para deixar que nenhum traço
identificativo da pessoa que o acompanhava fosse visto. Havia partes do
vestido, claro, do tecido preto. Era o fato de ser o quarto de Izolda que
depunha contra ela, exceto se…
sei sobre Izolda, mesmo que tenhamos crescido na mesma casa. Nossos
momentos juntos se restringiam a leituras na biblioteca ou alguns minutos nos
intervalos da escola. Não sei, por exemplo, qual sua flor predileta, quais são
seus sonhos para além de viajar, que tipo de música ela gosta ou como
prefere seu café. Meus pensamentos são interrompidos pelo encontro com
minha avó nas escadas. Seus olhos se estreitam para me encarar e ela parece
surpresa.
— Você parece feliz — ela diz. Não é o mesmo tom que Minerva usa
quando diz isso, é um tom de indignação e surpresa, um tom acusatório,
sabe lá Deus o que com a sua esposa, não estaria andando pela casa com
uma bandeja como um serviçal e com um sorriso no rosto como se…
— Você quebrou o nariz do seu irmão. Ele queria ir até à Polícia, tive
verão no qual meus pais estavam fora, no que chamavam de viagens de lua
de mel, e eu fiquei com Mikhail e minha avó. Eu estava jogando fipe com
Mikhail e alguns amigos, e ele me empurrou com violência depois de dizer
“твоя очередь” e eu acabei caindo e quebrando o braço. Eu devia ter uns
seis anos, ele tinha quase o dobro. Minha mãe voltou para casa dois dias
deixo minhas suspeitas sobre a noite do baile para depois, tudo isso pode
esperar um pouco.
doloridas.
— Sim. Sente-se, venha comer alguma coisa, deve estar com fome.
— Estou — ela confessa. Izolda senta-se na cama e acaricia o meu
rosto. Eu puxo a bandeja para perto e ela pega um pedaço de fruta fatiada
Deixo escapar uma risada e coloco meus lábios nos dela, mas Izolda
mulher.
— Andreas, posso lhe pedir uma coisa? — ela sussurra. — Algo que
sempre quis fazer com você...
— Tome banho comigo — ela pede olhando para baixo com vergonha.
Meu pau lateja ao ouvir isso. Gosto de saber que ela pensava nisso,
pensava em mim dessa forma. Coloco minha mão em seu queixo e faço com
que ela olhe para mim.
assisto Izolda apreciar a pressão e o calor da água caindo sobre seu corpo.
Ela passa as mãos nos cabelos que escorrem pelos seus ombros, os cachos
vão sendo desfeitos pela força dos jatos do chuveiro, e o cumprimento muda
consideravelmente. Os fios normalmente vão até a altura do seu seio, agora
Izolda coloca a mão no meu peito e move o sabonete por ele, fazendo
espuma. Eu a assisto com um sorriso no rosto enquanto ela o coloca de volta
no lugar e continua apenas com a sua mão, descendo meu corpo até encontrar
meu pau. Ela toca nele, agora menos tímida do que nas primeiras vezes, e me
beija outra vez. Minha boca suga sua língua, então eu levo minhas mãos para
sua bunda redonda e colo nossos corpos. Sinto os seios dela conta o meu
peito, e ela move o quadril um pouco, roçando seu corpo contra minha
ereção.
— O que é isso? — ela pergunta. Olho para sua mão que segura a
caixa que tirei mais cedo do cofre.
— É para você.
— Achei que você já tinha me dado um presente hoje, tipo, dez
minutos atrás — ela diz apontando para o chuveiro e rindo. Eu gosto de vê-
la em seu humor natural. Temia que os resquícios da nossa discussão
estivessem no ar, mas estamos bem, surpreendentemente bem.
vou precisar lhe comprar nada porque pretendo que receba bem mais que um
por dia — respondo me aproximando.
— Parece um bom negócio para mim — ela diz. Apesar do humor, ela
parece levemente constrangida. — Você pode colocar num contrato,
registrar em cartório?
Ela faz o que digo e eu vejo o par de alianças brilhando pelo reflexo
dos seus olhos.
casamento, então isso é uma espécie de correção da minha falha. Você aceita
ser minha esposa? — peço pegando em sua cintura. Izolda sorri e diz que
sim. Beijamo-nos, e ela começa a tirar a aliança que atualmente já usa. —
Não, fique com as duas — digo. — Essa daqui representa a promessa que eu
fiz ao seu pai… — Pego o anel da caixa, a aliança menor, que fora usava por
minha mãe por pouco mais de uma década. — E esta representa a promessa
que estou fazendo para você agora, a promessa de sempre cuidar de você, de
sempre amá-la.
Caminho com ela até o atelier, e nos beijamos na porta antes que ela entre.
Izolda solta um “eu amo você”, e nos despedimos. Eu aproveito para ir ao
escritório da casa e trabalhar um pouco.
pequeno escritório no andar de cima ou, então, fico na biblioteca. Este lugar
é a memória pulsante da vida do meu pai, quase nada foi mudado. Na mesa,
há ainda um porta-retratos de moldura dourada com uma foto da minha mãe.
Seus cabelos negros soltos, um vestido, era uma foto de um verão na Itália.
orgulhava.
eu estou bem e Izolda também, o que a deixa aliviada. Ela me diz algo que
traz uma questão de volta à minha mente. Minerva fala que sabia que Izolda e
Mikhail não tinham nada, que a forma como ela olha para ele é como se ele
tivesse feito algo terrível, não é amor. Antes, eu achava que o medo e a raiva
eram exclusivamente movidos pelo que aconteceu a Sergei, mas agora eu sei
que há mais, e sei que falta uma peça nisso tudo. Era nisso que estava
pensando mais cedo: e se aquela não fosse Izolda?
era ela, porque, se não fosse, isso explicaria tudo. Estou prestes a bater na
porta do atelier quando ouço a voz de minha avó. Abro a porta rapidamente
e a encontro com as mãos no braço de Izolda.
assustada que quero correr até ela, colocá-la em meus braços. Minha vó, no
entanto, não perde sua pose.
Ela solta minha esposa imediatamente e me olha outra vez. Vou até
Izolda e me coloco entre as duas. Eu posso sentir o corpo dela tremendo
atrás do meu e isso me deixa ainda mais irritado. Minha avó se vira para ir
embora, mas ela não vai fazer isso antes que eu saiba que diabos aconteceu
aqui.
— Aonde a senhora pensa que vai? Eu quero saber por que estava
segurando a Izolda desse jeito, e quero saber agora.
— Sua avó queria que eu tomasse isso — ela diz com os olhos cheios
de lágrimas.
por favor, vá embora antes que eu chame a polícia para tirá-la daqui.
A música está tocando nos fones de ouvido enquanto pinto. Começo
com traços mais fortes, cores mais escuras, e experimento na tela de uma
forma mais livre, mais corajosa. Sei que não foi o sexo que me desprendeu.
Isso seria irracional; um pênis não é uma varinha mágica.
suficiente para isso, posso ser corajosa, posso fazer o que precisa ser feito,
posso enfrentar o mundo e encontrar Elke. Posso tentar fazer Mikhail pagar
por tudo que fez e posso, no final de tudo isso, ter o meu final feliz.
Apesar do sentimento de alegria, minha pintura vem de outra coisa. A
tinta dá vida a uma espécie de protesto, e, mesmo que eu não saiba o que
quero no começo do quadro, ele vai ganhando cor e forma para algo muito
claro. Aquilo é sobre Elke, sobre medo, sobre poder, sobre perder esse
de estar interrompendo.
— Eu encontrei meu neto mais cedo e, pelo olhar dele, uma coisa ficou
óbvia: vocês deixaram de ser apenas duas pessoas que estão juntas pelas
com Galina na noite passada. Quais foram mesmo as palavras? Essa não é a
primeira vez que eu tenho que lidar com um casamento indesejado.
Sinto medo dela, e sinto que esse medo não é irracional. — Esta família já
tem galhos podres. Você é um deles, mas é um galho fácil de podar. Um filho
— Ah, não me diga que não pensou nisso? Um filho Orlov, e você
ficaria para sempre em nossas vidas, sugando nosso dinheiro. Mas isso não
vai acontecer.
falar sobre... — engulo seco — sobre esse assunto, nem pode simplesmente
me acusar de...
que nunca vai ser mais do que isso? São apenas verdades, mas, por alguma
razão, ambos os meus netos estão obcecados por você, embora Mikhail ao
menos saiba que você só serve enquanto uma putinha de quarto de serviço.
Já Andreas acha que você é a luz do sol. Ele acha que é diferente do pai,
mas está tão encantado com você quanto o meu filho estava por aquela puta
italiana. Mas você é pior. Ela pelo menos tinha dinheiro apesar de vir de
uma família sem tradição. Já você.... Eu deveria saber quando Sergei chegou
com sua mãe, aquela mulata metida. E eu avisei quando vocês brincavam
— Cale a boca! Não se atreva! Ouviu bem? A senhora não pode falar
dos meus pais! — grito irritada. Olga Orlov dá mais alguns passos na minha
acerta uma tapa no meu rosto que faz com que eu me cale. Sinto o local da
tapa queimar.
ousar fazer isso novamente, eu irei esquecer que a senhora é apenas uma
mesmo, ou a sua vida vai ficar tão difícil que você vai desejar nunca ter
nascido.
batendo forte.
— Uma pílula do dia seguinte, sua vadia burra. — Eu me afasto dela, e
Olga avança na minha direção outra vez. Sua mão segura meu braço, e eu
melhor que faça isso agora, pois, se acabar grávida, pode rolar de uma
dessas escadas.
corre para ele, que está dizendo alguma coisa à avó. Não consigo prestar
avó se nega a responder, meu marido se vira e chama meu nome. Ele quer
que eu explique, mas eu não sei por onde começar, então apenas solto a
caixa de remédio na sua mão e conto que Olga queria que eu o tomasse.
que Andreas fala tão alto que é como um trovão e, depois disso, tudo é
silêncio até ele voltar a falar outra vez. Ele a manda ir embora, mas não
apenas do atelier, da casa. Ele diz que é a nossa casa – dele, minha. Olga me
olha com ódio e, depois de mais alguma discussão, passa pela porta, mas
não sem que antes ele diga que a quer fora ainda hoje.
— Não, ela não tem razão porque não é parte disso. Cabe a nós dois
também de muita paixão. Eu optei por não tomar o comprimido. Pode ser
cedo na minha vida, no meu relacionamento com ele, mas decidi que, se for
vezes, já que tem sido difícil nos mantermos longe um do outro. Vamos
Minha parte predileta são as manhãs, quando acordo nos braços dele.
disso, eu não consigo deixar de pensar nela quando minha menstruação chega
de surpresa no meio de uma tarde no trabalho, nas coisas que me disse, nas
dias, que comecei a imaginar como seria, como nosso filho – ou filha – se
chamaria, com quem seria parecido, com que valores o criaríamos. Quando
conto a Andreas que não existe a chance de que eu esteja grávida, ele me
abraça e pergunta se um dia eu quero filhos. Eu digo que sim, então meu
marido sussurra que, quando for a hora certa, nós vamos saber.
Eu conto a Vladmir sobre o que Mikhail falou, sobre como Elke pode
estar no país, e ele me pergunta, por razões óbvias, o que Mikhail tem a ver
com tudo isso. Eu digo que não faço a menor ideia, que tudo que sei é o que
Mikhail contou, mas o filho de Viggo não parece convencido.
— Mikhail não estava nos Estados Unidos alguns meses atrás, quase
evasiva?
Ele percebe que não quero falar mais sobre isso, e me diz que vai
tentar descobrir alguma coisa e me pede para mantê-lo atualizado caso
No dia que completa seis meses da morte do meu pai, eu vou até o
cemitério. É a primeira vez que eu saio de casa sem seguranças; saio apenas
com o motorista, que fica me esperando na porta. Eu caminho pelos túmulos
até encontrar o local. Havia vindo aqui tantas vezes com meu pai, para
deixar flores para minha mãe, e só agora tinha reunido coragem para vir
depois do enterro dele. Em parte, minha demora foi movida por uma certa
culpa.
meu pai. Peço desculpas porque aquela foi a única vez em que decidi fazer
algo diferente do que ele me disse para fazer, e isso resultou em sua morte.
Deixo as lágrimas correrem, coloco as flores entre seus túmulos e me viro
Eu escuto aquilo sem acreditar que ele está mesmo aqui, na minha
frente, que esses absurdos estão saindo de sua boca. Sou invadida por uma
— Tire o nome do meu pai da sua boca. Você não tem o direito de
— Eu fiz? Agora, eu sou o culpado por ele ter um coração ruim? Além
disso, é assim que você trata seu cunhado predileto? — ele dá alguns passos
viria no mês passado, mas você não tem sido uma filha tão boa. Acho que
você perdeu a noção do tempo enquanto brincava de casinha com o Andreas.
Eu tenho que dizer, Izolda, ele é meu irmão, e eu o amo de todo meu coração,
mas ele provavelmente não sabe o que fazer com você. Se eu pegá-la de
neste momento, mudo de ideia. Não quero mais ficar aqui. O que ele tiver
para dizer não vale o risco. — Você é abominável. E eu não preciso ficar
— Sabe...
Elke está no país. Achei que você iria querer saber mais.
verme....
— Estuprado? Esse sempre foi o problema de Elke, ela tem
imaginação fértil demais. A verdade, Izolda, é que sua amiga queria. Ela
estava pedindo por aquilo há tanto tempo, me dando sorrisinhos, me olhando
— Nada disso lhe dava o direito de... de fazer o que você fez com ela.
— Querida, aquela noite deveria ter sido nossa. Se você quer culpar
alguém, culpe a sua amiga por ir atrás de mim enquanto eu estava procurando
você.
no túmulo próximo nos olha, e eu quero gritar socorro, mas também quero
ouvir a resposta dele.
— Você a sequestrou?
Sabe, sempre achei vocês duas diferentes demais para serem amigas, mas
agora encontrei o ponto em comum: ambas são delirantes e precisam parar
de falar sandices. Amanhã, na minha casa, depois das dez, há algo que a
família dela está tentando esconder, e eu posso lhe contar tudo.
— Não existe a menor chance de que eu vá à casa de um estuprador...
divertido?
— Se você não me disser onde ela está, eu vou até a polícia, eu vou...
— Você não vai fazer nada. Você nem teve coragem de contar essa sua
como essa com o nome Orlov. Não seria a primeira vez que alguém tenta
espalhar rumores a meu respeito. Além disso, Izolda, você deveria saber que
eu posso acabar esquecendo que ele é meu irmão e fazer algo muito, mas
muito ruim contra ele, e não queremos isso, queremos?
meu braço.
com ela até que começamos a nos afastar de Mikhail. Meu corpo se move
junto com a estranha, como se cada célula quisesse mesmo estar indo na
direção oposta a Mikhail, mas minha cabeça fica lá, presa em suas ameaças.
— Você parecia precisar de ajuda — a mulher diz quando chegamos ao
portão principal.
os homens estão perversos por puro prazer, e era isso que havia na postura e
no olhar daquele rapaz. Sei que não é da minha conta, mas fique longe dele.
Eu entro no carro e só então noto que todo o meu corpo está trêmulo.
Tento respirar fundo e parecer minimamente bem quando o motorista me
fazer isso neste estado. Se eu contar isso a Andreas, ele vai querer brigar
com o irmão, e tudo em que eu consigo pensar é na ameaça que Mikhail
acabou de fazer, “eu posso acabar esquecendo que ele é meu irmão e fazer
algo muito, mas muito ruim contra ele, e não queremos isso, queremos?
Eu envio uma mensagem para Andreas dizendo que vou voltar para
casa, pois estou com dor de cabeça, e adiciono essa à minha lista de
omissões. Ele responde sendo fofo e preocupado, e isso me deixa ainda mais
culpada. No caminho para casa, eu penso sobre o que ele falou da família de
Elke estar escondendo alguma coisa.
Só consigo pensar que ela está grávida, que aquela maldita noite, que é
um pesadelo contínuo, vai ficar com ela pelo resto da vida. Minha mente
avança em diferentes possibilidades, faz tantos meses agora. "Ela poderia
ter feito um aborto com segurança aqui mesmo na Rússia, ou nos Estados
Unidos; em ambos os lugares, de forma legal" ou "Mas seus pais
que ele passaria a noite aqui hoje. Andreas tinha comentando alguns dias
atrás. Olho rapidamente para o espelho perto do hall de entrada e me
certifico de que não externo a forma como me sinto por dentro.
— Espero não incomodar, vou matar o tempo aqui até uma reunião.
Esta casa é mais convidativa agora que Olga não está espreitando — ele
afirma.
— Não sei o que aconteceu, mas é bom saber que ela está longe daqui.
Por muito tempo, eu temi sua influência sobre Andreas depois que meu irmão
morreu, temi que ele ficasse igual a...
velho, um adolescente.
atenção, mas eu não acho que nada disso mudou quem ele é de fato.
— O senhor, quer dizer, desculpe... você está dizendo que acha que há
algo de errado com ele?
eu tivesse que apostar, diria que não. Não há nada clinicamente errado com
ele, Mikhail só está acostumado a ter tudo. Cresceu achando que tem o rei na
barriga e que nunca vai ser responsabilizado por nada.
sei como fazer isso sem parecer óbvia demais – ou interessada demais – no
meu cunhado.
nos alcançam. Minha mãe, que era a mulher mais corajosa que eu já conheci,
tinha medo da Olga, então isso, para mim, já era o suficiente para evitar ficar
no caminho dela.
— Aí está você! — Eu tiro meus olhos de Nikolai sendo surpreendida
pela voz do meu marido. Ele me avalia como se procurasse por algo errado.
— Eu vim ver como você está; disse que não estava se sentindo bem.
rosto.
pequenas, mas volumosas, ondas castanhas que combinam com seus olhos.
Tudo nela me deixa excitado e, quando estamos assim, nesses momentos de
Izolda.
meus lábios pelo espaço entre seus seios. Faço isso lentamente, deixando
beijos e arrancando suspiros que se tornaram o meu som predileto. Continuo
avançando por sua barriga, virilha, até chegar aonde realmente quero.
saborosa. Eu a estímulo até que minha esposa começa a chamar pelo nome
em meio aos gemidos, pedindo para que eu a penetre, suas mãos na minha
diz essa palavra, o resto do mundo sempre parece desaparecer por alguns
nova posição. Há tanto mais que gostaria de fazer com ela, mas sei que sexo
intensidade nos movimentos enquanto minha não acaricia seu peito. Sinto
Izolda gozar pelo que deve ser a terceira vez nesta manhã, e só então me
permito fazer o mesmo. Assim que saio de dentro dela, retiro a camisinha e a
Izolda se vira para mim e me beija. Sua mão desce pelo meu peito até
encontrar meu pau, que rapidamente se anima outra vez. Eu sei que preciso
Izolda desce pelo meu corpo, e eu fico surpreso quando coloca sua boca no
que ela determine o ritmo, que ela decida o que fazer. Deixo meu corpo
relaxar na cama enquanto vou sendo invadido pelo prazer. Izolda chupa meu
pau agora sem receios, guiada pelos gemidos de prazer que me proporciona.
desnorteia, me afasto dela rápido, mas gentilmente para não gozar em sua
boca. Acho que ela ainda não está pronta para isso. Ainda não. Então, me
derramo em jatos fortes, sorrindo satisfeito e sem fôlego, e com meu corpo
todo explodindo de prazer por ela. Mas consigo trazê-la para junto de mim
preciso olhar para saber que é Minerva. Eu deveria estar no trabalho meia
hora atrás.
— Precisamos levantar, meu amor. Eu tenho uma reunião e não...
— Não — ela pede manhosa. Izolda passa o corpo por cima do meu,
Eu mordo o lábio e assisto aos seus seios tão firmes se movendo levemente
enquanto ela se movimenta. Quero levar minha boca até eles, mas Izolda
coloca a mão no meu peito, indicando que eu devo permanecer onde estou.
ficando rígido outra vez, e Izolda desliza a mão livre para alcançá-lo e o
Receber-me dessa forma, mesmo excitada, vai ser novo, e existe uma
chance de que ela sinta dor. É uma posição mais intensa e que significa
machucá-la.
pau. Há uma expressão de dor, e eu noto que, além disso, estamos sem
camisinha outra vez. Ela coloca as mãos nos meus ombros com força
meu pau, fazendo-o latejar ainda mais. Assisto enquanto Izolda joga o corpo
para trás e rebola com mais força. Estico uma das mãos até seu seio e o
pedaço dela. Quero que Izolda saiba o quanto eu adoro esta sensação.
depois, aninhada em meu peito. — Fazer sexo é sempre... desse jeito como é
entre nós?
sobre como nenhuma outra mulher nunca teve o mesmo efeito que Izolda tem.
— Na maior parte do tempo, o que os homens avaliam como uma boa transa
não é a mesma coisa para mulheres. O que quer dizer que, se você acha bom,
eu acho incrível.
— Achei que, no nosso caso, pudesse ser o contrário, que você não
estivesse gostando tanto quanto eu, porque há muita coisa que eu sinto que
eu a amo. Todo o resto, ser experiente ou não, isso não faz diferença, porque
o sexo não teria a mesma intensidade se fosse outra mulher aqui comigo.
sentimento algum e ainda ser algo excelente. O problema é que, quando você
ama alguém, quando está apaixonado, sexo com qualquer outra pessoa perde
o sentido. E até mesmo brigar com você seria melhor do que transar com
outra pessoa.
— É por isso que é tão difícil não amar você — ela diz sorrindo.
Chego ao trabalho com quase uma hora de atraso e com apenas cinco
minutos para a reunião com o setor de engenharia. E minha mente, de alguma
forma, ainda não está aqui totalmente. Estou pensando em Izolda, que ficou
no cemitério para visitar o túmulo do pai. Ela estava tão reticente quando
nos despedimos na entrada da casa. Eu sabia que ela estava adiando fazer
aquilo e gostaria de ir com ela, mas entendia seu desejo de fazer aquilo
problemas diferentes.
— Andreas, imprevistos são comuns em qualquer obra, e você é tão
obcecado com previsões que já tínhamos planos de ação para a maioria
deles. Vai ficar tudo bem. Além disso, eu tenho algo mais importante para
falar com você. Consegui o que pediu.
uma pequena fortuna para hackear cada celular se déssemos uma lista de
convidados.
— Para que precisa dessas fotos? Achei que não quisesse ver isso
nunca mais.
— Não quero, mas preciso. Há uma coisa que não sai da minha
cabeça.
Abro a pasta e vejo as imagens. São cinco fotos desfocadas que
de tecido preto. Eu tinha suposto que aquela era Izolda, afinal de contas,
aquele era o quarto dela, na noite da festa, e as palavras de Sergei acusavam
meu irmão de ter acabado com a reputação dela. Não, não foi isso que ele
disse, foi "da menina".
escondendo era o fato de que Mikhail tinha tentado abusar dela por anos.
Izolda disse, acredito que ela nunca quis nada com ele. O problema é que há
algo que não se encaixa nessa história. Eu já rodei os cenários na minha
cabeça diversas vezes. Mikhail foi até o quarto dela, tentou alguma coisa,
não conseguiu. O Sergei ficou sabendo e foi atrás dele, aconteceu o ataque
cardíaco. Mas, se fosse assim, por que meu irmão mentiu? Por que ele disse
que dormiu com a Izolda?
— Andreas, seu irmão é um Сволочь, é óbvio que essa é a forma nova
que ele encontrou para tentar atingir você. E ele sabe que está conseguindo,
Mikhail quer provocá-lo, e você está deixando.
Além disso, ela é minha esposa, e eu a amo, Minerva. É claro que eu quero
protegê-la.
— Tudo isso é muito bonito, mas qual exatamente é seu plano? Você
vai colocar seu irmão contra a parede até ele confessar? Vai esperar que a
Izolda mude de ideia e lhe conte? Porque, se ela o ama, eu vejo no olhar
daquela garota que sim, e, mesmo assim, não contou seja lá o que foi que
aconteceu naquele dia, ela deve não conseguir falar ou processar o trauma,
ou simplesmente não pode contar. Ou seja, não há nada que você possa fazer.
— Eu acho que pode haver uma alternativa, uma outra pessoa que
pode saber o que aconteceu.
— Quem?
— E quem seria?
— Pavlova?
— Sim.
protegendo alguém, essa pessoa só pode ser a Elke. Elas cresceram grudadas
e sempre foram extremamente protetivas uma com a outra. Sempre as
hora no mesmo ambiente sem uma briga são mais irmãos que vocês,
Andreas. Espere um minuto — ela diz antes que eu possa falar algo sobre
sua tentativa de piada. Minerva pega o mouse e tenta ampliar a foto, que fica
ainda mais pixelada. — As duas de fato estavam com roupas quase idênticas
na festa, mas não dá para ver detalhes nestas imagens sem resolução. Vou
comprar sua ideia. Se essa for mesmo a Elke, por que tanto segredo?
— É por isso que o resto do mundo acha que todos os russos são
espiões — ela diz sorrindo. — Pode deixar. Se isso vai deixá-lo mais
final da manhã e dou um pulo em casa para conferir como ela está. Entro
pelo acesso lateral e vou direto para o nosso quarto, mas Izolda não está lá.
Então, desço as escadas pensando em ir até o atelier, talvez ela estivesse
pintando, mas ouço vozes ao chegar no fim da escada e encontro Izolda na
Nikolai diz que tem uma reunião com clientes, e eu falo que devemos
almoçar juntos, ao menos, já que ele vai embora na manhã seguinte. Izolda
reforça o convite e, um pouco depois, pede licença dizendo que precisa
subir.
Assim que Izolda sai da sala, meu tio me olha, e eu vou até o bar e
pego dois copos e nos sirvo de vodka.
— Esta casa parece mais ampla sem a presença da sua avó — meu tio
diz, dando um gole na bebida.
demais com a sua mãe, sempre tentando procurar o lado bom de alguém
mesmo quando a outra pessoa já deu todas as evidências de que não tem esse
outro lado.
— Eu sei do que a minha avó é capaz — digo. Meu tio parece duvidar
da minha afirmação, mas não discuto. — Mas ela ainda é a minha avó.
— China? Quando?
— Em algumas horas. Já mandei preparar o jato. Preciso renovar um
contrato. Se sairmos na hora que planejei, vamos chegar lá por volta das
cinco da manhã. Minha reunião começa às sete.
— Eu vou para qualquer lugar com você, mas tenho aula de pintura
amanhã cedo.
— Tudo bem, eu vou na frente, e você vai no outro jato depois, pode
ser? Podemos passar uns dias, você pode conhecer Hong Kong.
Ela acena positivamente e sorri, então solto sua mão e lhe dou um
rápido beijo nos lábios.
Estou prestes a ir embora, mas algo na forma como ela me olha não me
deixa ir. Então, me aproximo outra vez, e Izolda me abraça com força.
— Não, isso pode esperar. Eu amo você — ela diz antes de me beijar.
— Esta é a primeira vez que não dormimos na mesma cama desde que
você voltou da Sibéria — Izolda diz. Seguro o Ipad mais perto enquanto
olho para o rosto dela. Minha mulher está usando uma camisola branca que
eu adoro, e posso ver seus seios pelo decote enquanto ela apoia os cotovelos
na cama. — E esta cama parece dez vezes maior sem você nela.
— Meu Deus, eu não acredito que disse isso. Ainda bem que você está
sinal, só veio porque eu realmente preciso muito dela para essa reunião.
— Você tem muita sorte de ter uma amiga feito ela — Izolda diz. Ela
Imagino se a minha relação com Minerva a faz pensar em Elke. Quero fazer a
pergunta que ronda minha mente há semanas, quero perguntar se aquela era
mesmo a amiga dela, naquele quarto com Mikhail, mas decido esperar mais
aqui sem você. Eu podia ter cancelado a aula ou intercalado com outra
atividade, sei lá. É estranho estar nesta casa sozinha. Eu fico achando que a
— Ela não vai, essa é a sua casa. Eu fiz questão de rever a equipe de
segurança da casa e colocar apenas gente que sei que é leal a mim, não a ela.
— Tudo bem, então vou deixá-lo descansar para sua reunião. Vemo-
nos amanhã?
para o hotel. Minha última reunião demora um pouco, mas, assim que estiver
meu pai pela minha mãe, porque não existe nada que me importe mais do que
a felicidade e a segurança de Izolda. Não existe um dia ruim que não seja
melhorado só por olhar para ela, por tocá-la, por sentir seus lábios nos
Galina. Mas, principalmente, eu nunca achei que fosse possível, para mim,
minha, do outro lado da aeronave. Ela está dormindo com uma venda nos
olhos, almofada no pescoço, totalmente coberta com uma manta, e eu não
consigo ficar sério com a cena. Tiro uma foto da minha amiga e a envio para
voo inteiro?
porque você sabe bem quais as implicações se não o renovarmos, mas, fora
compromissos legais.
com facilidade.
— Com base nessa projeção comercial e com tudo que temos feito em
termos de pesquisa de marketing, estamos otimistas com a nova refinaria.
questão, e eu sei que ela está esperando que eu tome a palavra, o que eu
prontamente faço.
torres da refinaria nos próximos dois meses, então podemos operar com
cinquenta por cento desse aumento.
Minerva volta a campo e apresenta tais dados. Isso tudo leva mais uma hora,
grupo.
mas ainda são sete horas da manhã em Moscou, e ela ainda deve estar
que os prazos que Viggo passou para a entrega não se sustentam. Converso
com Pavlova, explico o que precisa ser feito e digo que, assim que estiver
de volta a Moscou, preciso de uma reunião com os dois para alinhar tudo.
Estou entrando no restaurante quando meu telefone toca outra vez, mas
achei que seria o único momento possível com todas as suas reuniões.
Olho para o relógio, já passa das nove da noite. Izolda deve ter acabado de
chegar ao hotel.
mais cedo, sobre como eu tenho sorte de ter a sua amizade. Só queria que
soubesse disso porque acho que nem sempre deixo isso claro.
pode não ser a pessoa mais falante do mundo quando o assunto são os seus
sentimentos, mas eu sei o quanto você se importa pelas suas ações, e eu
Dou um beijo na testa de Minerva e abro a porta do carro para que ela
entre.
Vai ser bom sair com alguém em Pequim, variar um pouco essa coisa dos
homens russos.
o aparelho no ouvido e ligo para minha esposa, mas a chamada vai direto
para a caixa postal. O que me deixa nervoso. — Nem ao menos chama —
digo.
normalmente.
— Fique tranquilo, vamos para o hotel. Tenho certeza de que ela está
lá, linda, sã e salva — Minha amiga diz oferecendo um sorriso na óbvia
tentativa de me acalmar.
Ela tem razão, mas eu quero ver Izolda. Não acho que ouvir um "ela
intocado.
para confirmar que alguém com o nome da minha esposa chegou. Quando o
recepcionista me diz que não, eu ligo para casa e descubro que Izolda
também não está lá. Começo a imaginar cenários terríveis, mas me esforço
para manter a calma. Ela estava saindo para o aeroporto, o que pode ter
acontecido?
— Andreas... — Minerva diz. Sua voz está séria demais. É a voz que
ela usa quando precisa me contar algo ruim. — O avião da Izolda decolou
com outro destino...
— Eles vão tentar checar o registro de voo, mas sabem que nenhuma
aeronave de voo fretado saiu para a China além da sua.
não está aqui. Nem mesmo sabemos o que aconteceu com o avião, se ela
chegou a entrar nele. E se tiver acontecido alguma coisa? Mikhail. Merda! E
decolar, mas sabia, pelo fuso horário, que ele está agora no horário do
almoço, então este é o melhor momento. Falo com ele rapidamente, e isso me
deixa um pouco mais tranquila, mas não apaga meu nervosismo. Quero
chegar logo até a China para conversar com ele. Quero contar sobre Mikhail
naquele cemitério, quero dizer que ele continua me perseguindo e que
Vladmir, Andreas e até mesmo o pai de Elke estão tentando fazer algo para
considerar a possibilidade, por mais que isso me doa, de que minha amiga
poder algum. Não há nada que eu possa fazer contra ele, efetivamente. A
sobre a nova tentativa de assédio de Mikhail quando notei que fazer isso em
um outro país tinha suas vantagens. Andreas estaria longe do irmão, não
alguma besteira que despertaria ainda mais o ódio do irmão. A última coisa
que eu quero é que Andreas acabe machucado por essa obsessão que
Ontem, eu precisava tanto falar com ele, avisar para que tivesse cuidado
com o que estivesse planejando para investigar Mikhail, mas acabei não o
encontrando o dia inteiro e não queria falar do assunto por telefone. Atendo
bem?
— Sim, tudo bem. Eu só queria lhe dizer que encontrei a Elke — ele
diz. Meu coração bate forte, e eu quero gritar de felicidade, mas então eu
penso em como ela pode estar. Deus, permita que ela esteja bem, por favor.
— Sério? Onde ela está? Diga-me onde você está. Eu estou indo para
aí agora.
— Não, Izolda. Não há nada que você possa fazer aqui agora. Vá para
— Boa tarde, senhora Orlov. Sua aeronave está pronta — ele diz
indicando o pequeno jato com uma escada engatada para que eu possa subir.
Ele pega minhas malas e espera que eu passe na sua frente, mas estou meio
trêmula e quero dar meia-volta, quero entrar no carro e procurar por Vladmir
e Elke. Mas isso seria idiotasse e, acima de tudo, não foi o que combinei
com Andreas. Ligo para o meu marido algumas vezes, mas seu celular se
como ele gosta de contar, voa com propulsão elétrica para reduzir os
impactos ao meio ambiente. É bobagem, mas pensar nisso faz com que me
sinta mais calma, como se ele estivesse aqui agora, comigo, me olhando com
que eu mais quero agora é chegar à China e abraçá-lo. Quero contar que
mente. Também não funciona, mesmo que haja uma foto minha com Andreas
mensagem de Vladmir dizendo: "Izolda, não posso atender, mas está tudo
bem, falo com você em breve". Sinto-me mais aliviada de saber que ele
parece bem, que nada de ruim aconteceu com ele. E só então começo a me
sentir animada pela ideia de que ele encontrou a Elke, e eu vou poder revê-
la, abraçá-la em breve. Vou poder ficar perto da minha amiga e ajudá-la a
quero saber o que aconteceu, por que não me deu notícias. Percebo que
também há essa pequena parte de mim que está um pouco irritada com seu
sumiço e que espera uma boa explicação. Não gosto de identificar esse
breve, vou poder viver a minha relação com Andreas, com aquele homem
lindo e maravilhoso que sempre achei que não poderia ter, que estava fora
do meu alcance e que, agora, é meu marido. Vou poder ser feliz ao lado dele
"Aquela noite era para ser nossa", a voz de Mikhail diz. E eu penso em
como minha amiga sofreu aquela violência no meu lugar. É irracional, eu sei.
Não posso me culpar por Mikhail ser uma pessoa abominável, mas é um
sentimento sobre o qual não tenho controle. Sou avisada de que o avião está
Acordo quase sete horas depois. Estamos pousando. Olho pela janela
comissária, mas não obtenho resposta. Convenço-me de que está tudo certo.
Ela não pode levantar durante o pouso, nem eu posso fazer isso. Quando o
avião finalmente pousa, eu solto meu cinto e procuro meu celular na bolsa,
da voz. Olga Orlov ajusta a ushanka que está usando e senta-se de frente
para mim sem dizer uma palavra. Ela tira um envelope da bolsa e me
entrega.
— O que é isso?
— Dólares? A senhora...
Não vou desperdiçar mais meu tempo com alguém com a mente tão tacanha e
para mim quando você ainda estava em fraldas, ele vai fazer o que eu disser.
Ela começa a rir descaradamente como vilã de novela, e isso faz com
dois.
melhor para qualquer pessoa? O melhor para mim é ficar com o meu marido.
E o melhor para Andreas é decidir por ele mesmo, mas eu sei que é comigo
que ele escolheu ficar. — Esforço-me para não demonstrar fraqueza ou
incerteza na frente dela. Olga Orlov não vai ter essa satisfação.
— Você vai me dizer o que é melhor para o meu neto? Uma garota que
nem viveu duas décadas e que tudo que tem custou o dinheiro da minha
família? Seus pais queriam que você estudasse, então a pretinha foi para a
Minha nora deixava, e eu não pude fazer nada. Lá vai a filha da empregada
brincar com o patrão como se fosse normal. E um dia seu pai morre, e você
generosa, mas resolvi experimentar uma nova abordagem. Este vai ser meu
único aviso. Pegue o dinheiro e vá embora, ou volte para a Rússia e corra o
— Eu não vou deixar o Andreas. Ele vai achar que eu não o amo, que
eu fugi, eu não vou fazer isso. Eu amo o seu neto com todo o meu coração e...
— Você o ama? Ah, por que não disse antes? Você acha mesmo que
isso faz diferença? Que tudo pode ser esquecido porque há amor? Você é
uma mancha gigante em tudo que sempre lutei para que essa família
significasse, e, para livrar minha família dessa página terrível que você se
você insistir em voltar para a Rússia. Afinal, eu tenho outro neto que jamais
me decepcionaria como Andreas fez se casando com alguém tão inferior a
nós. Eu prefiro vê-lo morto a continuar casado com você. Desça do jato,
Izolda. Faça isso antes que eu peça para que alguém a jogue na rua. Vai ser
até prazeroso depois da forma como meu neto me expulsou da minha casa.
Eu ouvi tudo que Olga Orlov me disse, sobre como eu precisava pegar um
outro avião para qualquer lugar do mundo já que Andreas viria atrás de mim.
Tudo que eu quero é voltar para a Rússia, o que parece irônico, para dizer o
mínimo, considerando o quanto de tempo passei imaginando me livrar desse
casamento, fugir.
a pequena bagagem que havia preparado para passar alguns dias com meu
marido na China. Vai ficar tudo bem, ele vai me encontrar. Fico em frente ao
guichê de uma companhia aérea para comprar uma passagem, mas, quando a
mulher atrás do balcão pergunta o destino, percebo que não faço ideia.
Rússia. Eu deveria dizer Rússia e voltar para casa, voltar para Andreas.
Contar o que sua avó acabou de fazer, as ameaças, mas eu não podia
uma língua que não falo, poucas roupas, uma bolsa cheia de dólares, e aos
prantos.
O homem sentado ao meu lado pergunta se está tudo bem, e eu aceno
Orlov.
aqui? Eu não posso fugir. Eu não posso ficar longe dele, mesmo que isso
signifique viver sob a ameaça constante de Olga.
tenta me dizer para voltar para o meu lugar, mas não posso fazer isso, não
posso deixar que Olga Orlov consiga o que quer sempre.
Não dessa vez, não comigo.
Todo o voo de volta para a Rússia é insuportável. Minerva tenta me
acalmar, mas não surte muito efeito. Eu só consigo imaginar o que pode ter
ajuda em nada.
precisa se acalmar, não vai conseguir resolver nada nesse estado — Minerva
Mikhail. Aquele prédio era um dos prediletos do meu pai. Estava na família
há gerações, era quase tão antigo quanto a casa em que vivo. Identifico-me
na portaria e digo que não preciso ser anunciado. A última coisa que quero é
que meu irmão saiba que estou chegando. — Você tem certeza de que quer
porta. Mikhail me recebe com uma certa surpresa, mas rapidamente sua
expressão muda. Há uma mulher atrás dele. Ela se levanta cobrindo os seios
e começa a se vestir.
— Ora, ora, que sur…. — Ele começa a dizer, mas eu o pego pelo
pescoço e fecho minha mão com força. Ele parece um pouco surpreso com a
Escuto quando Minerva pede para a mulher se retirar; ela obedece, batendo
a porta.
estar. Se eu entrasse aqui tentando dialogar com Mikhail, ele seria sarcástico
orgulhoso da violência, mas sei que essa é a linguagem que funciona com
ele.
— O que você fez com ela? — pergunto empurrando-o contra a
parede. Meu irmão bate no cimento com as costas, e assisto enquanto ele
entrada.
tratamento para essa mania de tentar agredir seu próprio irmão o tempo todo.
negativamente, e eu sei que Izolda não está aqui. — Você sabe onde a Izolda
está ou não, Mikhail?
nada com ela porque ela nunca quis nada com você. Eu sei que você vivia
atrás dela e, se eu pudesse, o colocaria na cadeia por isso.
— Foi isso que ela lhe disse? Como você é burro! Sempre foi. Pode
ter crescido, mas continua o mesmo idiota bobinho de sempre. Só que agora
quem o engana são as mulheres. Primeiro, a Galina; agora, a Izolda. Eu disse
a você que ela era apenas uma putinha de… — Calo meu irmão desferindo
um soco contra seu rosto. Mikhail bate as costas em alguma coisa, mas não
me importo com isso, foco em seu rosto. Ele passa a mão no lábio, aparando
o sangue que escorre. — Ótimo soco. O papai ficaria orgulhoso de ver que
você finalmente aprendeu alguma coisa — ele afirma rindo. — Se bem que
ele estaria desapontado com a sua incapacidade de dar conta da sua esposa.
embora. Não queria ter batido nele, não o teria socado se ele não tivesse
dito aquelas coisas sobre Izolda. Só quero entender o porquê. Por qual razão
alguém sentiria tanto prazer em fazer mal ao próprio sangue? Ele é meu
irmão mais velho, ele deveria me proteger. Mesmo que não fosse necessário,
— É sério isso? Por quê? Desde que nasceu, você roubou tudo que era
meu: meu pai, minha herança, minha empresa. A Izolda é só um trocado perto
de tudo que ainda vou tirar de você.
como você acha que se importava. Eu não sei em que realidade paralela
você cresceu, mas a única pessoa responsável por ele ter deixado tudo para
mim foi você mesmo, não eu. Não fiquei com a herança com base em afeto
ou pelas minhas ações, e sim pelo que você não fez. Você nunca quis
estiver mentindo, se tiver feito algo a Izolda, eu vou esquecer que você é
meu irmão e acabar com a sua vida.
— Peça para dois seguranças ficarem por perto e o seguirem caso ele
sempre vi toda a implicância, pelo menos antes de Izolda, como algo natural.
ele tivesse feito aquilo com a intenção de me magoar. Achei que apenas tinha
Mas agora tudo estava claro, finalmente. E perceber que estive, por tanto
tempo, enganado com Mikhail. Também abriu espaço para questionar sobre
o que mais estive enganado. É por isso que, ao mesmo tempo que descobrir
que ele não sabe de Izolda é um alívio, isso também significa o sumiço da
única ideia que tinha para encontrá-la. É a abertura para uma possibilidade
que não queria imaginar: ela me deixou, ela foi embora. Talvez eu também
tivesse me deixado enganar a respeito dela. Talvez eu estivesse tão cego
pela ideia de estar amando outra vez, e amando de uma forma poderosa e
genuína, que me deixei levar. Mas isso não podia ser verdade, podia?
enquanto passo a mão nos cabelos. Meu peito está apertado, como se
respirar fosse difícil. Passo por Katrina e vou até o quarto e começo a
vasculhar o local.
— Não sei. Mas, se ela tivesse ido embora por vontade própria, ela
Izolda. Não há nada além dos blocos que Izolda usa para desenhar antes de
dormir e com os quais eu costumo implicar. Barganho com o universo: se eu
a encontrar segura, bem, prometo que ela pode desenhar em todas as paredes
do quarto, e eu não vou me importar. Só a quero de volta.
fico esperando.
Quero dizer a ela que não me importo com o escândalo, mas confio em
Minerva para decidir o que é melhor nesse momento. Ela sempre agiu com
base no que é melhor para mim, e sei que, dessa vez, não fará diferente.
Depois que tomo um banho e me troco, quando estou saindo da casa com
Minerva ao meu lado, meu telefone toca. Eu olho para a tela e vejo um
número desconhecido, um contato da Rússia. Atendo às pressas na esperança
— Izolda?
— Você acha que ela pode ter ido embora por vontade própria? —
questiono.
— Eu sabia que havia algo que ela estava escondendo. Eu quis ser
paciente.
— Até alguns meses atrás, você era o dono da casa que passou anos
sem mal trocar duas palavras com ela. Da noite para o dia, se transformou no
festa, dançando com você, ela sempre estava sorrindo por sua causa. Isso
deve valer de alguma coisa.
Ele diz que o capitão o abordou no aeroporto e pediu para que ele levasse a
aeronave de volta para a Rússia. Um inspetor está nos acompanhando por
— Ele disse que uma mulher o pagou para deixá-la no Cairo, que o
dinheiro era suficiente para que mudasse de vida. Toda a tripulação – piloto,
copiloto e comissária de bordo – estavam indo embora — o piloto explica.
inspetor questiona.
Pego meu celular e penso em algo que deveria ter sido óbvio. Olho as
transações dos cartões de Izolda que são associados à minha conta, mas não
há nenhuma movimentação. — Não há nenhum saque.
tempo. Minha esposa estava usando-os na última vez que nos vimos. Isso é
perda de tempo — digo impaciente. — Eu preciso ir para o Cairo.
minha amiga, que parece exausta. — Eu vou. Você volta para casa e espera
por notícias, está bem? É um tiro no escuro de qualquer forma, ela pode
estar em qualquer parte do mundo agora. Assim que eu tiver notícias, eu ligo
para você.
— Você vem comigo — a voz do meu tio diz. Olho para Nikolai, que
me oferece um olhar de simpatia.
— Sinto muito, eu tinha que ligar para alguém que pudesse convencê-
lo a ficar calmo enquanto eu não estivesse aqui.
Volto para casa novamente. Dessa vez, ainda mais abatido do que da
melhor pessoa para conversas animadoras, e isso quase me faz rir, mas há
uma espécie de bolor de medo, nervosismo e raiva que parece ir aumentando
meus pais porque sabia que ele detestaria que eu fizesse aquilo. Ainda
assim, há uma dor em mim que parece que precisa do choro para ser
minimamente aliviada.
visitas.
— Visitas?
uma questão idiota, é claro que é ela. Está diferente, mas não irreconhecível.
Cabelos curtos, muito mais magra, os olhos fundos e uma expressão profunda
de tristeza.
— Andreas, que bom que chegou — Vladmir diz. — Sinto muito por
vir sem avisar. Eu tentei falar ao telefone, também liguei para a Izolda várias
vezes, mas o celular não dá sinal. Por sinal, onde está a Izolda? — ele
pergunta.
— Tudo bem aqui? — Nikolai pergunta.
a viagem para China, Izolda nunca chegando. Mas estou olhando para Elke,
não consigo parar de olhar para ela, e é meu tio quem fala por mim quando
não termino.
— Ela não iria embora — Vladmir diz. — Ela sabia que eu tinha
encontrado a Elke e estava ansiosa para revê-la.
— Mikhail, ele foi atrás dela, ele deve ter feito alguma coisa a ela —
Elke diz com uma voz trêmula. Vladmir senta-se ao lado dela e coloca a mão
no seu ombro e fala alguma coisa em seu ouvido. Não sei o que é, mas
parece conseguir deixá-la mais calma.
Elke, intrigado. Seja lá o que me separou de Izolda, mesmo quando ela ainda
estava aqui, a coisa que nos mantinha sempre com alguma distância tem a ver
com Elke, e quero que ela me explique isso agora mesmo, mas parece errado
demandar algo de alguém no estado dela.
— Andreas, a Elke está em estado mental frágil. Ela passou por muita
coisa nos últimos meses, então se puder ter um pouco de paciência.
meses? Eu explodiria com ele se não achasse que Elke parece tão frágil que
poderia se quebrar com meu grito. Eu me sento de frente para Elke e noto
suas roupas: uma blusa branca de uma banda de rock e calças jeans que
parecem ser de alguém consideravelmente maior.
— ela coloca as mãos no colo, e as pontas dos dedos tocam umas nas outras
freneticamente. — Eu sei que você acha que aquela pessoa no quarto da
— A Izolda contou?
— Não. Ela não contou, mas eu sabia que não era ela, que não podia
ser ela, então restava apenas a única pessoa do mundo pela qual ela faria
qualquer coisa.
— Nós não, eu não… eu não queria. Quer dizer, eu quis até certo
ponto, mas.... ele me forçou. — Aquilo nunca passou pela minha cabeça
antes, e, assim que sai dos lábios dela, eu entendo o porquê. Imaginar que
Mikhail, sangue do meu sangue, meu irmão, apesar de todas as desavenças,
possa fazer isso, possa estuprar alguém. — Ele estava atrás da Izolda, ele
queria machucá-la porque estava com ciúmes de você, ou seja lá que tipo de
sentimento ele tem naquela cabeça dele, e eu fui atrás porque sabia o quanto
ela tinha medo dele. Não podia deixá-la sozinha. Quando chegamos ao
quarto, e ele viu que a Izolda não estava, Mikhail me beijou, e eu o beijei de
era que ela não tinha se machucado, a chamando de princesa. Ela não era a
filha da empregada, uma estranha… E eu sei que nada disso tornaria o ato
menos terrível, mas parece ainda mais assustador saber que ele fez isso com
a filha de um amigo da família, rico, poderoso. Se ele fez isso com ela…
meu Deus!
estuprou. Quando o seu irmão parou, quando ele saiu de dentro de mim e me
deixou lá, jogada no quarto como se eu fosse lixo, a única coisa que eu
conseguia pensar era no meu pai, em como ele reagiria. E então, o Sergei
entrou no quarto para falar com a Izolda, querendo saber o que tinha
acontecido por causa das fotos, e eu não tive coragem de dizer que tinha sido
abusada, mas contei que aquela era eu nas fotos, e não Izolda. Ele ficou
furioso comigo, mas tentou me consolar quando percebeu que eu não parava
de chorar. Tentou me fazer falar o que tinha acontecido, mas eu não consegui.
— Então, Sergei não estava furioso pela Izolda, era por você?
— Sim, ele disse que Mikhail tinha que ser responsabilizado e foi
atrás dele, deixando Izolda e eu presas no quarto. Nós saímos pela janela, e
a Izolda disse que assumiria a culpa, que deixaria que pensassem que aquela
era ela. Eu fui fraca e estava assustada, tudo que eu queria era que ninguém
seis anos de idade, ele era meu tio, ele era o pai da minha melhor amiga, e
tudo que eu conseguia pensar era no horror de Mikhail me tocando. Pouco
antes do velório, eu contei tudo para minha mãe, e ela me fez prometer que
não contaria nada a ninguém, nunca. Que esqueceria o que aconteceu. Ela me
convenceu a ir para Nova York, convenceu meu pai a me mandar sem contar
a verdade para ele, e eu fui embora e fingi que nada tinha acontecido. E
funcionou por um tempo. Eu cheguei a Nova York, fiz amigos, saí, me
diverti. Eu criei essa persona, essa realidade alternativa em que nada ruim
tinha acontecido. Nesse meio tempo, eu parei de responder às mensagens da
Izolda porque pensar nela era lembrar do que tinha acontecido, e eu não
podia lembrar, e tudo funcionou bem até que Mikhail apareceu e tudo
desmoronou.
— Todo esse tempo conversando com a Izolda, eu percebi que ela tem
medo do Mikhail, mas era sempre através dele que ela tinha qualquer nova
informação sobre a Elke. Acho que ele usou isso para tentar aproximá-la,
usou a Elke como isca.
nome seria jogado na lama, e disse que eu não podia provar nada. Eu insisti,
mas ela e meu pai mandaram uma equipe médica me buscar e me internaram
contra minha vontade em um hospital psiquiátrico.
— Eu não acho que o seu pai sabia — digo lembrando da forma como
Fiódor me falou sobre a filha. Ele era muitas coisas, mas Elke é sua única
filha, e ele sempre foi um pai babão e protetor. — Quando perguntei a ele
por você, parecia que ele realmente não sabia, e estava preocupado.
Elke estava há alguns dias, mas não tinha conseguido falar com ela direito
para contar.
— Fui eu que pedi para que ele não contasse imediatamente. Quando o
Vladmir me contou que vocês estavam juntos, bem, felizes, eu achei que
fosse melhor esperar um pouco antes de aparecer na vida da minha amiga,
Ele tem razão. Não é culpa dela. Por mais que eu esteja magoado e
sentindo falta de Izolda, eu não posso culpar Elke por uma decisão que
Izolda tomou, nem culpar Izolda por escolher ser leal à amiga.
momento tenha tal poder. É como se ela fosse apenas a sombra da pessoa
que costumava ser.
— Alguém pode explicar o que está acontecendo aqui? — Viggo
questiona. — Por que toda essa comoção? O que aconteceu com a garota? E
confuso quanto Viggo. Atrás dele, está Vladmir que, antes de deixar o local,
dá uma última olhada para Elke.
embora comigo, eu sabia que ela estava reticente. Que, apesar de tudo, ela
queria ficar com você. E eu sei que minha amiga deve ter passado muita
coisa nos últimos meses, mas também sei que nada disso mudou o coração
dela, e você sempre esteve nele.
Eu não sei o que dizer a Elke, quero acreditar que Izolda não foi
simplesmente embora, que algo aconteceu, mas Mikhail não parecia estar
mentindo, e ele seria a única explicação possível na minha cabeça.
— É melhor eu ir, você precisa conversar com seu pai. Só quero que
saiba que eu vou apoiá-la se quiser levar tudo isso às últimas consequências,
entendeu?
para além do sumiço de Izolda, mas essa parece uma pergunta complexa
demais.
irmão, há dentro de mim esse desejo de que tudo fosse um engano. Eu cresci
com ele e não vi nada, não percebi quem ele é. Primeiro, Mikhail declara
que me odeia e que adoraria me destruir. Depois, eu descubro que ele não é
só obcecado por uma vingança sem sentido ao meu respeito, ele é também…
ele é um estuprador. Passo a mão no rosto e pego a garrafa que está ao lado
dele, tomando um gole diretamente no gargalo. Eu deveria manter minha
mente limpa, mas talvez já tenha sentido mais do que o recomendado nas
últimas horas.
esforçando para ser objetivo, como sempre fui treinado a ser. Meu tio
acompanha Viggo até a porta e, depois, me diz que vai subir e tomar um
banho, mas me diz para “pegar leve”. Eu me sento, e Vladmir surge com dois
copos, trocando um deles pela garrafa na minha mão. Ele se senta ao meu
lado e enche nossos copos. Conheço meu ex-cunhado desde sempre, e nunca
apenas os três, sem trocar nenhuma palavra. Não sei por quanto tempo isso
dura, mas quem encerra a calmaria é Kira Pavlova, que entra como um
míssil teleguiado querendo saber onde está sua filha. A mulher grita comigo,
e, quando estou prestes a perder minha paciência, é Vladmir que grita para
que ela cale a boca. Kira olha para o meu ex-cunhado parecendo ultrajada, e
eu posso ver o quanto ela o considera petulante por isso.
tinha o direito de interná-la contra sua vontade, daquela forma, e tudo isso
para evitar que ela falasse sobre o que aconteceu…
— Você fez o quê? — Fiódor pergunta. Ele está parado olhando para a
esposa. Elke, atrás dele parecendo ainda mais pálida do que antes, se isso
for mesmo possível. — Você internou a nossa menina? Você sabia que ela
estava sofrendo? Que tinha sido machucada? E não me disse nada?
Ela não parece estar bem. “Bem” é a última maneira do mundo para
descrevê-la.
— A mamãe fez o que achou que era melhor. Mesmo que ela tenha
uma cópia desse dicionário que a Elke tem e aplicar os sentidos na minha
vida.
— Eles não dormiram juntos. A senhora fala como se ela tivesse tido
lama. Eu fiz o que achei melhor para protegê-la e nos proteger — Kira diz
ao marido.
sabia. Eu não queria contar para você, eu achei que não acreditaria em mim
— Elke. Eu quero saber quem fez isso a você. — Elke olha para mim
rapidamente e, depois, para a mãe. Eu quero contar, quero dizer que foi
Mikhail, mas a decisão não é minha, não pode ser. Estou convivendo com
isso há pouco tempo, e minha pele está fervendo, mal consigo imaginar como
pode ter sido para Izolda conviver com esse segredo por meses.
tempo todo? É assim que me sinto enquanto saio da aeronave e decido que
preciso de um voo para a China. Para me sentir menos observada, vou até
uma loja dessas de free shop e compro um véu na esperança de me misturar
celular e, assim que ligo o aparelho, percebo que só sei três números de
telefone de cabeça: o do meu pai, o do meu antigo aparelho e, claro, o da
mansão. Quando recebi meu telefone, o que fora levado por Olga Orlov, o
alguém em que posso confiar atenda, mas reconheço a voz de Katrina, e não
Minha paranoia fica ainda mais intensa quando estou na fila do guichê
para comprar a passagem. Fico achando que Olga vai saber que eu não fui
embora, que, de alguma forma, vai saber que eu estou indo para a China.
Então, desisto de pegar um voo comercial e deixo o aeroporto. Horas
que dinheiro pode fazer, principalmente tendo crescido na casa dos Orlov,
mas, quando consigo um avião privado com algumas centenas de dólares, e
eles não me fazem muitas perguntas além do destino e horário em que desejo
partir, eu fico pensando na razão pela qual as pessoas brigam por dinheiro.
Dentro do avião, por mais irracional que seja, fico achando que Olga
Minha paranoia só cessa quando a fome toma conta. Não comi nada em
quase meio dia; ainda assim, não consigo mastigar. Tomo um suco de laranja
Primeiro, tenho que falar sobre o que sua avó me fez, depois sobre aquela
foto com aquela pergunta no verso. “Carros recentemente revisados não
na biblioteca para se despedir. Ela era boa, gentil, cheia de vida. E aquele
pergunta atrás da foto insinuava que alguém fez aquilo, e algumas semanas
aconteceu, eu tenho certeza de que Olga Orlov fez aquilo, que ela matou a
Minha cabeça fica gritando que eu preciso de um plano, mas tudo em que
mal. Eu não acho que consegui parar de sentir meu corpo trêmulo desde que
acordei e vi Olga Orlov me esperando com meu celular na mão. Mas agora
sinto algo que vai além disso. Eu me recrimino por não ter comido direito
com um segurança que está na porta do aeroporto, e ele me diz que, para
ele diz. Estou na metade das escadas quando sinto uma tontura e me amparo
no corrimão. Uma mulher parece me oferecer ajuda, mas não entendo uma
palavra do que ela está dizendo. Estou com pressa. Neste momento, Andreas
já notou que não cheguei e deve estar me procurando, talvez ele até mesmo
está tudo bem e continuo descendo os degraus. Quando chego ao final, tudo
Abro meus olhos e encaro o teto. Forço meu corpo para levantar, mas
alguém está me dizendo para ficar calma. Por um segundo, eu temo que seja
Olga Orlov, mas então vejo o rosto que se projeta pairando por cima de
mim. É uma mulher jovem, branca, de cabelos lisos. Deve ser médica ou
aquela foto, não posso ficar sem dinheiro em um país estranho. Eu preciso
tudo bem, você está em um hospital — ela fala calmamente. — Você quer
Claro que quero! Quero que chamem o meu marido, quero Andreas do
meu lado. Esse deve ser o preço que preciso pagar por ter escondido tanto
dele por tanto tempo. Juro a mim mesma que nunca mais vou ter segredos
com Andreas.
— Sim.
sei que não posso dizer que não existe nenhuma possibilidade. Não é como
certeza?
espontâneo. Por isso, é importante entender o que aconteceu hoje para que
Ela diz que sim e começa a fazer perguntas sobre a minha rotina e
alimentação nos últimos dias. Depois que respondo, afirma que meu desmaio
Nem mesmo sei que horas são aqui em Pequim, pois já me perdi com toda a
ida para o Cairo, voo para a China e mudanças de fusos. Encosto a cabeça
isso, estou grávida. Levo a mão para a barriga e penso que há um pedacinho
filho possa crescer seguro, sem a ameaça de um tio e uma avó que acham que
podem tudo.
— A mamãe promete que vai ser forte daqui para a frente, tudo bem?
Eu prometo para você que eu vou fazer de tudo para que você possa crescer
feliz, saudável e com o seu pai por perto.
telefone do hóspede.
Eu passo a mão nos cabelos e tento me acalmar. Vir até aqui foi
burrice, mas ir para a Rússia parecia arriscado demais. Se Olga Orlov me
achava que poderia estar grávida logo depois da nossa primeira vez.
Estávamos em um restaurante, e uma mulher grávida passou. Ele notou que
achando que o abandonei. Pego o telefone e ligo para casa outra vez, e
novamente é Katrina quem atende. Penso em outra coisa, um outro número
que sei, o número para o qual mais liguei nos últimos meses: Elke. Se ela
está de volta, se Vladmir a encontrou, talvez ela esteja novamente com seu
Pego a foto que está na bolsa e ligo para o número no verso. Eu queria
fazer isso junto com Andreas. Pela primeira vez, eu queria a ajuda dele,
queria ser honesta, e não podia. Então, como ironia, precisaria resolver por
conta própria.
— Oi, aqui é…
— Igor Bychkov.
pergunto.
— Tenho.
— Por que seu pai salvou a minha vida, menina. E eu disse que, um
dia, devolveria o favor. Infelizmente, ele não está mais aqui, e não posso
público me parece um bom indicativo, mas opto por ser cautelosa. Escolho
uma mesa perto da porta, considerando as possibilidades de fuga, se
peço algumas panquecas com mel. Não costumo comer muito pela manhã,
mas faço um esforço.
Sempre que a porta se abre e o pequeno sino que fica no topo dela é
acionado, eu levanto a cabeça na expectativa de que seja Igor. Não sei qual é
sua aparência, mas, ainda assim, continuo repetindo o reflexo de vigilância a
cada novo som. Ele está alguns minutos atrasado quando termino de comer e
peço um chá.
Igor Bychkov.
— Você ficou ainda mais parecida com a sua mãe com o tempo — ele
diz sorrindo. — E, sim, você me conhece. Trabalhei na casa dos Orlov por
alguns anos.
— Você devia ter uns doze ou treze anos quando fui embora. Vi que
ainda pinta, estava numa matéria no jornal — ele diz isso como se esse fosse
um reencontro de velhos amigos, como se ele fosse um parente perdido, e
cada palavra para não ser rude. Não posso deixar que esse homem tenha
qualquer má vontade, — mas aquela foto, o que sabe sobre o acidente?
café, eu, um chá. E então, o homem pergunta à garçonete sobre alguém. Pela
resposta, parece que se refere aos netos da mulher. Acho seu jeito pouco
preocupado alarmante, talvez isso tudo tenha sido uma péssima ideia. Uma
alerta dentro de mim começa a questionar se eu deveria mesmo estar aqui,
numa cidade estranha, conversando com um estranho.
Ouvi-lo me deixa emocionada. Aquele era o meu pai, sem tirar nem
por. O homem que se importava com os outros, que era generoso ao ponto de
dividir mesmo aquilo que pouco tinha. Ele não era perfeito, claro, mas era o
tipo de homem que faria exatamente o que Igor me relatou e nunca falaria
sobre o assunto. Esforço-me para não chorar porque, se eu começar com isso
mãe queria que minha esposa e eu fôssemos seus padrinhos, mas a senhora
Orlov se ofereceu, e eles não podiam dizer não.
como conheceu a minha mãe e das coisas malucas que ela gostava de fazer,
mas era como se eu não tivesse mais nenhuma fonte. O resto dessa história
em particular, eu já conhecia. Nunca fui batizada. Primeiro, porque eu passei
muitos dos meus primeiros meses de vida doente, entrando e saindo do
hospital, mas também porque o falecido senhor Orlov nunca tinha tempo, e
meu pai sempre achou melhor assim. Concentro-me, eu não vim até aqui para
isso.
correto. Ele até mesmo mostrou os relatórios de revisão que ele sempre
mantinha, já que cuidava dos muitos veículos na casa. O inspetor nunca
levou o caso adiante, e Igor foi demitido na mesma semana, assim como um
primo que o ajudava a cuidar dos carros. Esse primo desapareceu por um
tempo, mas então, depois de alguns meses, surgiu com muito dinheiro, bons
carros, e Igor soube que havia algo de errado.
Escrevo uma carta para Andreas e conto tudo, cada detalhe do que Igor
contou e o meu plano. Mas, antes disso, falo sobre tudo que Olga fez comigo
e termino dizendo que o amo e que, em breve, estaremos juntos.
Eu durmo pela primeira vez em quase três dias. Não por vontade de
descansar, mas porque meu corpo não suporta mais. Acordo com Minerva
sentada numa cadeira ao meu lado na cama. Ela me encara com seus olhos
azuis carregados de preocupação. E pergunta como estou me sentindo.
Quando Minerva voltou, me disse tudo que tinha descoberto no Cairo: Izolda
comprou uma passagem para o Chile, mas desembarcou; depois disso, não
há mais nenhum vestígio. “Eu procurei, Andreas, mas ela não usou cartão,
celular, não deixou nenhum traço. A única imagem que temos é de Izolda
— Obrigado mesmo assim, não sei o que eu faria sem você — digo
— E, por sorte, você nunca vai ter que descobrir — ela afirma. —
mulheres russas”. Eu sei que é demais, mas você tinha que dar um discurso
e, se não aparecer...
— Eu sinto muito. Sinto muito por tê-la feito voar até o Cairo, sinto
esse discurso e inventar uma desculpa, se for o caso, mas o que me preocupa
por situações terríveis. A morte dos seus pais, a traição da Galina, a morte
— Não sei se tenho, não dessa vez. Eu amei a Galina, e, mesmo assim,
esse sentimento não chega nem perto do que sinto pela Izolda. Quando a
— Vai ser ruim, horrível agora, mas vai continuar assim se você não
fizer nada para mudar isso, e o primeiro passo é fingir normalidade. Nós
vamos fingindo que está tudo bem até eventualmente as coisas parecerem
bem de fato.
achou nada. E, como se isso fosse pouco, há toda essa história da Elke e...
posso contar, você entende isso? Sim, eu entendo, agora eu entendo, Izolda.
algumas horas atrás enquanto você dormia. — Ela está grata por estar aqui.
Eu me lembro que Elke ainda está na minha casa, que sugeri que
sabia que ele não era a melhor pessoa do mundo, e eu até mesmo quis odiá-
lo com a morte de Sergei, mas, mesmo que ele tenha provocado, ele não
nele que pudesse ser salvo, mesmo que a nossa relação como irmão não
tivesse mais reparo. Eu não achei que ele fosse capaz disso, de fazer o que
fez com a Elke. E eu fico me perguntando o que mais eu não vi. Como eu não
notei? Como eu não impedi? Ele é uma pessoa horrível, doentia.
— Olhe para mim — Minerva pede colocando a mão no meu rosto. —
Nada disso é culpa sua, entendeu? E, não, ele não é doente. Horrível, com
toda certeza, mas não doente. Estupro é sobre poder. Você lembra daquela
quer chegar.
bem abalada, mas me contou que o cara era estudante de medicina que se
voluntariava no hospital infantil, e, quando topou sair com ele, ela nunca
achou que ele pudesse fazer qualquer mal a ela. Ela me disse que estavam
bebendo, começaram a se beijar, então ela mudou de ideia e não quis mais
continuar, mas ele não soube ouvir um não, e continuou apesar dos pedidos
dela. Estou contando isso para que você entenda que qualquer homem pode
clínica é tentar relativizar a coisa toda, e eu sei que você não quer isso.
confesso —, e eu sei que nada disso é sobre mim. Eu não falaria isso em voz
— Você não é nada como o seu irmão. Não poderiam ser mais
que eu estava bem antes que eu saísse de uma festa ou bar com um cara. O
homem que confirmava comigo se uma garota estava mesmo olhando para
Eu lhe agradeço por isso, mas não me sinto eximido, mas não é só
É errado que meu irmão não pague por isso, e, mesmo que Elke tenha
acaba sendo questionada, e não o culpado. Você não vê ninguém que acabou
de ser assaltado ouvindo questões como “Tem certeza de que você não deu
uma margem para que ele levasse a sua bolsa?”. Depois de toda a conversa,
tudo que Elke disse foi “Eu vou prestar queixa hoje mesmo, mas foque em
você precisa fazer é ficar de pé e lidar com isso. Agora, por favor, vá tomar
um banho.
menos preciso levantar e começar a reagir. Minerva tem toda razão. Estou
terminando de me vestir quando penso em algo sobre o que minha amiga
— Andreas…
— Andreas!
— Eu não vou fazer nenhuma besteira — digo entendendo sua
preocupação. — Só é algo que preciso fazer sozinho, vá ao evento. Você
mesma disse que as coisas precisam parecer normais até serem normais
outra vez.
Bato à porta algumas vezes antes que alguém venha abrir. Galina
— Entre, está frio demais — ela diz me dando passagem. — Não que
eu não esteja feliz em vê-lo, mas o que faz aqui, Andreas? Você parece… —
Ela coloca a mão no meu rosto, e não recuo, o que sei que é um erro, mas
não estou raciocinando tão bem quanto deveria. — Aconteceu alguma coisa?
— Sim, é sério.
parar, mas foi nesse momento que você chegou e nos pegou juntos. Então,
não, ele não me forçou. Mas por que está me perguntando isso?
— Isso não importa. De qualquer forma, obrigado por ter sido honesta.
— Sim — respondo.
receosa.
me fiz meses atrás: Quem tirou aquelas fotos? — Foi você, você tirou as
fotos.
amei, que eu achei que poderia ser minha companheira a vida toda, tinha
feito aquelas imagens e as enviado para um tabloide achando que era uma
— Eu juro que não sabia. Eu não sabia que… eu não sabia que ele
até os quartos dos empregados. Eu queria intimidá-la, dizer que ficasse fora
do seu caminho, e vi seu irmão beijando alguém. Eu achei que fosse a Izolda
porque sabia que aquele era o quarto dela. Eu sempre soube que você nutria
algum sentimento por ela, e sempre mantive um olho na garota. Eu comecei a
gravar, mas seu irmão se virou, e eu notei que não era ela, era Elke. Ainda
assim, eu fiz alguns prints de partes específicas e mandei para um jornalista
que é meu amigo. Eu achei que, se você achasse que a Izolda estava com
Mikhail, você não se aproximaria dela, e nós dois ainda teríamos uma
chance.
direito. Ele estava sendo bruto, mas também foi assim comigo. Se eu
soubesse, eu nunca teria… eu teria tentado ajudá-la.
disso?
Eu lhe conto que Sergei confrontou Mikhail, mas, quando digo aquelas
palavras, percebo que isso é injusto com Galina. Sergei não está morto por
causa das fotos que ela tirou, ele está morto por uma série de fatores
desencadeados pelo fato de que Mikhail estuprou Elke. Meu irmão é a raiz
do problema, não ela.
— Sua avó! — ela grita. Viro-me novamente para encarar Galina, que
está com os olhos vermelhos.
— Você pode nunca mais querer olhar na minha cara depois disso, e eu
entendo, mas ao menos me deixe ajudá-lo nisso. Sua avó vai fazer alguma
coisa contra a Izolda. Eu não sei o que é, nem quando. Para ser honesta, eu
não queria saber porque seria mais fácil se isso não pesasse na minha
consciência, mas ela me prometeu que deixaria o caminho livre para mim,
que se livraria da Izolda. Eu faria de tudo para reconquistar você, mas não
quero correr o risco de ser omissa outra vez, como fui com a Elke.
Fico tão furioso que, quando percebo, estou forçando minha mão em
punho e tremendo. Não estou com raiva dela particularmente, mas com raiva
de tudo. — Agora, pode ser tarde demais — respondo, finalmente deixando-
a.
me senti tão nervosa assim. Vomitei duas vezes, não sei se pela gravidez ou
finalmente, poderia voltar para casa. Eu também vou poder voltar para casa
depois disso, e não só materialmente, mas para o homem que se tornou o
contas, o enjoo foi meu aliado. Ela me colocou numa salinha reservada e me
deu água com gengibre dizendo que era ótimo para enjoos. Ela sentou-se do
meu lado e me contou tudo sobre ser ansiosa e ter crises constantes que se
— Eu que agradeço. Minha chefe adorou que você vai fazer isso. Vai
ser uma surpresa e tanto.
que ela não perca o emprego depois disso, ou que, caso aconteça, sei lá,
venha trabalhar comigo. Isso considerando que Andreas vai me perdoar por
tudo, claro. E se ele não me perdoasse? Como seria minha vida sem ele? E
a avó. — Ele tem que vir, certo? Eu expliquei na carta o que pretendia fazer:
desmascarar sua avó. Ele deveria estar aqui agora, comigo. Eu contei tudo
nisso para entrar aqui. Precisava parecer a senhora Orlov que circula nos
preto, decotado, que foi, literalmente, a primeira coisa que vi na loja. Sinto
praticamente tudo que eu ainda tinha. Foi como jogar pôquer e apostar tudo.
Por essa lógica, essa é minha última cartada, mas não gosto de pensar assim
mas é apenas meu cérebro me pregando uma peça. A pessoa parada na minha
frente é Minerva.
— Feche a porta — peço olhando para seus olhos verdes enquanto ela
parece agitada. Ela parece ter mil perguntas para fazer, mas não dou essa
carta, meu Deus. — Ela me abraça com força, e eu retribuo. É a primeira vez
que não me sinto sozinha desde que me separei de Andreas. — Querida, nós
estávamos tão preocupados, o Andreas quase… Merda, tenho que ligar para
Assisto enquanto ela tenta ligar, mas Minerva diz que continua sem
sinal. Começo a surtar um pouco. Ele leu a carta e não quis vir aqui. Ele leu
machucado?
caixa postal de Andreas. — A Izolda está aqui e, caramba, você não vai
acreditar em todo o resto. Ela está bem, está segura. Prometo que não vou
sair de perto dela, só venha até o evento da sua avó, Ok? Se ouvir esta
mensagem, claro.
— Jogada na entrada. Como você sabe que era minha? Não tinha meu
nome.
— De Shishkin para Andreas Orlov? — ela pergunta sorrindo. É, eu
Claro que era sua, e eu quase não abri. Tive medo de que fosse uma carta de
adeus, mas, depois, pensei que você teria a decência de colocar seu nome, se
— Ele a ama, todo o resto é besteira. E, agora que você está aqui, tudo
vai ficar bem. Agora, o que eu posso fazer para ajudar nesse plano?
— Izolda, sabe o que vai acontecer se você voltar para casa sem
desmascarar Olga Orlov? Ela vai dar um jeito de se proteger porque saberá
que Andreas vai cair por cima dela com uma bigorna de aço. Então, não,
você não vai perder essa oportunidade. Aquela mulher é perigosa, e está na
hora dela começar a pagar por alguma coisa. Se um escândalo for a forma de
dela dizendo que veio em nome do senhor Orlov, que está preso em uma
reunião, mas chega em breve. “Vocês podem colocar Izolda antes, e, depois
disso, eu leio o discurso do Andreas”, ela explica.
vestido de acordo para uma festa como essa. Estou de jeans e uma camisa
social, mas, ainda assim, não é adequado, e faz com que o cara me peça um
documento quando digo quem sou. É apenas o trabalho dele, digo a mim
mesmo tentando não ficar mais nervoso do que já estou. Preciso encontrar
minha avó e, Deus, quando encontrá-la, é bom que ela possa me garantir que
Izolda está bem, que me diga sem nenhum dos seus jogos onde ela está.
lotado. Não deveria estar surpreso, claro, mas, na cegueira da minha raiva,
mulher, que reconheço por ser atriz russa renomada, está falando. A foto da
minha avó está no telão, e eu foco no que está sendo dito: “Uma das
O nome queima nos meus ouvidos, e eu quero sair correndo, mas meus
olhos estão vidrados no ponto de luz, até que ela aparece. Toda de preto,
cabelos soltos, ela parece bem. Graças a Deus, graças a Deus. Solto um
suspiro que nem sabia que estava prendendo, mas talvez esteja fazendo isso
desde o momento em que cheguei àquele hotel na China e não encontrei
minha esposa.
tragédias do caminho.
Ela segura minha mão, e eu fico parado ouvindo o que a minha mulher
tem a dizer. Perdi alguma parte, mas ela está tecendo elogios à minha avó,
agradecendo-lhe por sempre tratá-la bem e recebê-la na família. É claro que
com detalhes, certo? — Algumas pessoas riem achando que é uma piada,
mas outras, como eu, sabem que há algo errado nisso tudo, e alguns
vídeo especial.
Um vídeo começa a ser transmitido. Na tela, há um homem de meia
idade, barba grande. E ele mal conseguiu dizer “Meu nome é Igor...” quando
ouço a voz de minha avó, que fica de pé. Solto Minerva e corro até ela,
pegando em seu pulso. “Vamos nos sentar e ouvir tudo isso”, demando
ocupando o espaço vazio ao lado dela. Minha avó está gelada e parece
furiosa.
Dez anos atrás, Olga Orlov sabotou o carro da nora. Ela não sabia
que, ao fazer isso, também estaria assinando a sentença de morte do filho,
mas foi isso que aconteceu. O carro havia sido revisado dias antes, eu
mesmo…
Não consigo ouvir mais nada. Tudo é zumbido e fúria, e minha avó
está me olhando. Ela matou os meus pais. Ela matou os meus pais. Preciso
sair de perto dela antes que faça uma besteira. A mão de Minerva está no
meu ombro, mas eu não consigo me mover. “Andreas, você vai machucá-la”,
Minerva diz. Noto, então, que ainda estou apertando o pulso da minha avó,
rosto, e eu vejo outra vez os olhos negros de Izolda. Seus lábios se movem, e
eu não consigo entender. Estou em choque, é isso, só pode ser isso. Não sei
o que acontece por algum tempo porque, quando percebo, estou em outro
lugar, afastado da minha avó, e Izolda está ajoelhada na minha frente
favor.
disso, eu já não tenho mais certeza. Olho para a frente e vejo a multidão e
ouço o barulho, muitos me olham. Eu procuro o palco, o telão está preto,
— Eu estou aqui — ela responde. Coloco meus lábios nos dela. Isso.
Ela é real. Cem por cento real. — E eu lhe prometi que não iria embora, não
lugar, não tenho certeza. “E ela vai pagar por isso, mas agora fique calmo.
Eu sei que é muito para processar, mas…” Izolda está falando; Minerva,
também. Mas eu estou focado no fato de que alguns seguranças entram e
começam a escoltar minha avó, que está junto com Mikhail agora, para o
lado de fora. Eu sigo na direção deles, Izolda segurando meu braço o tempo
todo. Eu preciso olhar no rosto dela, preciso que ela me diga que não fez
isso, que não matou minha mãe, que não matou o próprio filho.
Coloco Izolda atrás de mim. Viro-me para ela por um segundo e digo-
lhe para entrar, mas ela não se move. Os curiosos rapidamente se dispersam
— Eu não sei o que ela lhe disse, Fiódor, mas a sua filha tem uma
imaginação… — As palavras se perdem no ar com o primeiro disparo.
Quero ir até lá, tentar acalmá-lo. Mikhail precisa pagar pelo que fez,
mas isso não é justiça, é? Mas Izolda ainda não se moveu, ela está me
segurando. “Só se vier comigo”, ela pede. “Por favor”. Merda, eu quero ir,
mas não posso.
— Seu neto é um filho da puta, sempre foi, mas isso acaba aqui, hoje.
— Isso não vai resolver nada, Pavlova. A Elke precisa de você perto
dela — Izolda diz. E então, ela está na minha frente e, merda, como essa
mulher é teimosa. Eu só queria que, uma vez na vida, ela me ouvisse, mas
não parece que vou conseguir isso. Pavlova olha para ela por alguns
segundos, o suficiente para que um dos seguranças tente avançar. Percebo o
movimento e trago Izolda de volta para mim, fazendo meu corpo de escudo
para protegê-la. Há um disparo, depois mais outro. E eu me movo
certificar de que, apesar da forma como seu coração está batendo acelerado,
não há nada de errado com a minha esposa.
Olho para o lado e vejo que tanto meu irmão quanto minha avó estão
médico ainda. Mikhail começa a colocar sangue pela boca quando tenta
falar. Tento acalmá-lo, sem sucesso, até que finalmente entendo o que ele
está dizendo. “Eu odeio você”, essas são suas últimas palavras para mim.
Acima de tudo, quero apenas poder estar ao lado dele, oferecer apoio.
E também quero conversar com ele, sobre nós, sobre tudo, mas nunca parece
que há um momento adequado. Ele passa a semana inteira resolvendo
questões legais sobre o irmão, a avó, cuidando da empresa. Ele sai cedo,
chega tarde, e mal conseguimos ter um minuto juntos sem que seu telefone
toque ou ele me diga que precisa resolver alguma coisa. Sei que está me
evitando e não posso culpá-lo por isso, não depois de tudo.
Com a ausência dele, eu passo a maior parte do tempo com Elke, que
também está abalada. Seu pai está preso, aguardando julgamento, e ela se
culpa, acha que ter dito a verdade antes poderia ter mudado tudo. Talvez ela
tenha razão, mas esse exercício é inútil. Tentar mudar o passado é um estrago
de fôlego.
— Posso lhe confessar uma coisa? — Ela me diz numa tarde chuvosa
em que estamos deitadas juntas no sofá da sala de vídeo enquanto comemos
— Eu estou aliviada por ele estar morto, Izzy. Eu passei meses sem
conseguir dormir direito. Em Nova York, eu saía todas as noites porque tinha
medo de dormir e ele invadir meus sonhos. Tinha medo de dormir e acordar
com ele no meu quarto. Na “casa de repouso”, me entupiam de remédio para
dormir, e, ainda assim, não funcionava. Eu ficava grogue, e tudo piorava. Era
como se ele estivesse me perseguindo, e eu não podia me mover direito.
Agora, que ele está morto, eu finalmente consegui dormir bem. Eu estou
tranquila, sabe? Como se tivessem tirado um peso de mim. Você me acha
— Não. Eu a acho humana. E eu estou triste pelo Andreas, por ele ter
pedido o irmão, mas consigo entender essa sensação de tranquilidade.
Eu odeio o fato de que ele não irá pagar pelo que fez. Eu odeio a
memória que tem se cristalizado dele, como um cara bacana que se foi cedo
demais. Metade dos jornais acha que Pavlova estava lá para matar Olga, e
Mikhail se jogou na frente dela para protegê-la. A outra metade não sabe
explicar o que aconteceu. Ainda assim, eu realmente consigo entender o
sentimento de Elke, porque há essa parte de mim que fica perguntando: em
quanto tempo ele sairia da cadeia? A pena regular é de três a seis anos por
estupro na Rússia. Eu me pergunto se ele faria isso outra vez e quem mais
machucaria. Mas não é só isso, eu também penso em todas as vezes em que
ele ameaçou Andreas, em como ele odiava o irmão, no que ainda poderia
tentar fazer contra o meu marido, contra mim, contra o meu filho.
— Eu sei que eu já lhe pedi desculpas diversas vezes nesses últimos
dias, mas eu sinto muito por ser medrosa, sinto muito por lhe fazer prometer
não contar. E minha terapia inteira ontem foi sobre culpa e sobre como eu
não devo senti-la, mas queria lhe dizer isso mais uma vez. Sinto muito por
ter sido medrosa. Eu sempre achei que estivesse no controle da minha vida
até aquele momento. Eu nunca me senti tão pequena, impotente,
envergonhada e assustada.
— Medo é uma resposta natural, Elke. Eu sei que você cresceu sem ter
medo de nada, mas, frente a um trauma, é isso que parte das pessoas faz.
— Algumas lutam…
acontecesse. Por isso, eu entendi quando você disse que não queria falar
nada. Eu… — Levo a mão à boca e sinto uma fisgada no estômago, então me
levanto do sofá e corro até o banheiro mais próximo, jogando meu lanche na
privada.
fechada, nada teria mudado na vida dela. A advogada ainda está lidando com
o acesso ao meu fundo de investimentos e todas as questões da empresa do
meu pai.
— Você vai ficar bem, você sempre foi cheia de vida e cheia de
— Eu queria ser essa pessoa que você vê quando olha para mim,
Izolda. Sério — ela diz me abraçando. “Você é”, respondo de volta enquanto
vou para o quarto e escovo os dentes para tirar o gosto ruim da boca.
— Você vai me dar trabalho, não vai? — falo com meu estômago. Meu
— Senhor Orlov, há alguém na portaria para falar com você. Ela disse
que é sério, que é sobre seu irmão — minha secretária diz. Olho para o
— Sim.
— Bem, alguns anos atrás, eu estava desfilando em um evento que a
sua avó organizou, e o seu irmão também estava lá… — Antes que ela
termine, eu sei o que vai dizer, e meu coração muda de ritmo. “Não é o tipo
de comportamento que acontece de forma isolada”. — Eu disse não, ele
— Mas eu quero. Por muito tempo, eu queria falar. Meu agente não
deixou, disse que a sua família destruiria a minha carreira, então eu assinei
um acordo de confidencialidade e aceitei dinheiro para nunca falar sobre o
assunto. Sua avó resolveu tudo. Sabe qual a ironia? Minha carreira acabou
de qualquer forma, porque tudo que eu queria era falar sobre isso, gritar, e
eu não podia, não mais. E agora ele está morto, mas todos falam dele como
se não fosse… como se ele fosse um santo. Inconformada, eu liguei para um
repórter e disse que tinha algo para contar, mas pensei na obrigação legal do
contrato e vim saber se o senhor vai fazê-lo valer caso eu diga a verdade.
se desobrigada.
Dez minutos depois, estou na frente de uma multidão de repórteres
para dar uma coletiva sobre os últimos acontecimentos. Há mais gente do
que eu esperava, mais gente do que quando eu assumi o cargo do meu pai e
precisei fazer um pronunciamento. Mas é claro que há os nomes Orlov e
Pavlova circulando por todo o país, desde revistas de fofoca até sites de
investimento que especulam o que vai acontecer com as empresas.
Minerva está ao meu lado, ela vai assumir as perguntas depois do meu
pronunciamento, mas Aina também está aqui. Pedi-lhe para que ela ficasse e
Eu poderia deixar que seus crimes morressem com ele, mas fazer isso seria
desrespeitar a dor das pessoas das quais ele abusou. Não é a minha história
nem a minha voz que vocês deveriam ouvir. O que eu posso garantir é que
qualquer vítima de Mikhail que quiser contar sua história terá o meu apoio
pessoal e legal.
Aina se aproxima, e me movo para que ela ocupe o meu lugar e conte
tudo que aconteceu com ela, tudo que Mikhail fez. E ela conta. Há um
silêncio seguido por um mar de perguntas às quais ela e Minerva vão
respondendo.
Eu chego a casa, exausto, mas não tanto ao ponto de perceber que
minha esposa não está na cama, dormindo. Como a encontrei nas últimas
noites. Estamos distantes, e eu sei que não é por falta de esforço da parte
dois – premeditado, e deve passar o resto do que lhe sobra de vida atrás das
grades, onde Mikhail também deveria estar.
“Eu odeio você”. Quando alguém pode odiar o próprio sangue dessa
forma sem nenhuma razão? A voz dele também continua ecoando na minha
cabeça.
certo e o fácil, a maioria das pessoas escolhe o fácil. A maioria dos homens
defenderia o melhor amigo, irmão ou mesmo o estranho que está sendo
acusado de estupro porque tem medo de que ser o próximo acusado no que
entende como uma cruzada das mulheres contra os homens.
chuveiro.
— Andreas...
— Entender nós dois? — O que ela me diz faz com que eu abra os
olhos.
— É. Você vai conseguir me perdoar em algum momento? Eu entendo
se não conseguir, eu só preciso saber porque… — Merda! Ela parece tão
triste. Sento-me na cama e coloco a mão em seu ombro. Nada disso é culpa
dela, nem é sobre ela. Ou talvez seja um pouco, mas não da forma como ela
está pensando.
merda. Se não fosse por minha avó e Mikhail, sua vida seria muito mais
simples.
— Mas não teria você — ela diz erguendo a cabeça para me encarar.
eu não sei quando vou ficar melhor, você pode ter paciência comigo?
— Eu amo você do mesmo jeito que amava antes, ou até mesmo mais,
se for possível.
— Eu também amo você. E eu sei que o amo mais do que antes porque
eu nunca me senti tão sozinha como quando fiquei longe de você. E eu
acontecendo.
Eu me preparo para algo ruim porque, bem, o que mais pode acontecer
nesta semana? Izolda coloca a minha mão entre seus seios e me encara séria.
Levo um segundo para entender o que ela está dizendo, mas, quando a
ficha cai, eu sou invadido por uma felicidade incomensurável.
paredes, mas não um teto, e deve ser um dos meus lugares prediletos de todo
pintadas aqui.
a mão na minha barriga e tento imaginar o que pode ser agora. Minha amiga
tem me ligado diversas vezes por dia nessa última semana. Não a culpo, sua
vida tem sido intensa. Ela acaba de escrever um livro para o qual fiz todas
claro –, de “manual para não criar pequenos escrotos”. E como se isso não
mesmo do que eu escrevi? Não acha que eu deveria esperar um pouco mais
antes de enviá-lo para a editora?
chegou com um laptop na mão e me entregou me pedindo para ler o que tinha
escrito. Era um material no formato de cartas, cartas ao machismo, tão
bonito, tão poderoso que, quando terminei de ler, estava chorando. “Você
encorajei. Ela não queria falar antes, e tudo bem, porque não existe um prazo
de validade para falar sobre um estupro, ou sobre um abuso de qualquer
natureza.
— Eu sei, mas cada vez parece ser a primeira com essas coisas. Você
fariam tremer de expectativa, hoje são situações que aprendi a encarar com
maior facilidade. Subir naquele palco e desmascarar Olga Orlov criou essa
espécie de proteção dentro de mim, parece que minha cabeça pensa: “se eu
pude fazer aquilo, posso fazer isso também”. — Mas você sabe que vai ficar
sua mãe — peço olhando para o meu estômago e volto a pincelar a tela. —
Amiga, está tudo ótimo, e, se não me deixar terminar de pintar seu presente,
— Mesmo com as mãos abanando você ainda seria uma das duas
Amo você!
cima e encontro meu marido de calção esportivo, sem camisa, e não consigo
conter um sorriso.
— Ciao, bambino!
— Ciao, papà!
convidar você e a sua mamãe para passear, mas garotos que não tomam
banho não podem fazer passeios. — Sua voz é firme, mas terna, e meu
marido está falando em russo. Eu gosto de vê-lo com Ivan, sendo um pai
dedicado, isso faz com que ele fique ainda mais sexy.
Temos tentado fazer com que Ivan aprenda português, russo e italiano
antes dos seis anos, quando dizem que o aprendizado de idiomas acontece
com maior facilidade. Assim, ele sempre vai conhecer as nossas origens.
que eu me esforçasse no italiano com ele, mas a facilidade com a qual nosso
específico.
orgulho do nosso filho mais velho. Seu maior medo quando descobrimos a
segunda gravidez era que Ivan, que agora tem quase quatro anos, sentisse
ciúmes. Essa era uma das razões pelas quais ele não queria que tivéssemos
outro filho. Ele temia a repetição da relação que tinha com Mikhail, e eu não
posso culpá-lo por isso. Também não estava nos meus planos ter outra
entendeu?
— Entendi.
Nosso filho vai embora, mas não sem antes passar por mim e beijar
— Oi, linda...
curiosidade.
— Você está tão gostosa com esse vestido, sabia? — ele pergunta
subindo a mão pela minha coxa. Sinto minhas pernas tremerem de excitação.
— Sabe o que eu quero fazer com você agora?
Andreas segura meu quadril contra seu corpo e coloca a boca bem
perto do meu ouvido.
— Eu quero tirar toda a sua roupa — ele começa a dizer com a voz
rouca enquanto seus lábios tocam a minha pele —, lamber cada centímetro
do seu corpo até você me implorar para entrar em você, e então, só então,
comê-la até ficarmos exaustos.
Meu corpo todo começa a pulsar, como se aquela fosse a primeira vez
que meu marido me dissesse algo do tipo, mas, de alguma forma, sempre é
novo e excitante. E mesmo quando Minerva está falando de aventuras
sexuais e a vida de solteira, eu nunca penso em como seria ter outro homem,
porque Andreas é muitos homens sozinho, e não estou falando só de
virilidade, mas de como, com toda essa carinha de santo, ele consegue me
surpreender com lugares diferentes, intensidades diferentes, posições
diferentes.
Quero levar meu marido lá para cima e gemer enquanto ele coloca
seus desejos em prática, então sussurro um “agora você me deixou cheia de
e meu marido desce minha calcinha, deixando-a entre meus tornozelos. Suas
mãos percorrem minhas coxas, colocando pressão no canto, então ele inclina
a cabeça para baixo e me beija. Achei que sua boca ficaria ali, que seria
penetrada por sua língua, mas ele estava decidido a me fazer pedir por mais,
porque a cabeça voltou para a posição inicial, me encarando, enquanto seu
Isso me faz querer puxá-lo pelos cabelos para que abandone essa
Ele sabe disso, ele conhece cada detalhe, antecipa cada desejo. Estou
molhada, excessivamente molhada, quando ele levanta e muda nossas
posições, fico deitada no banco de mármore, o calor da pedra nas costas, o
língua. Minhas mãos finalmente foram para os seus cabelos enquanto ele
erguia minhas coxas por mais acesso, se aprofundando. A língua no meu
Depois de gozar e pedir por seu pau dentro de mim, Andreas encerra o
oral, e eu o assisto enquanto ele tira o calção. Meu marido se senta no banco
e me dirige um “Venha aqui” rouco e cheio de prazer. Eu adoro esse seu tom
de voz mais do qualquer outro, é o tom que diz “eu sou louco por você”, ou
coisas como “eu adoro foder você”. Qualquer coisa nesse tom simplesmente
é sexy.
Ele me puxa para o seu colo e está duro, pronto. E eu o quero dentro
de mim. Na verdade, preciso disso. Então, levo minha mão até seu pau e o
conduzo para dentro de mim. Sua boca vai para os meus seios, e eu jogo meu
corpo um pouco para trás, facilitando o acesso. Meus seios estão mais
sensíveis, e esse homem é tão bom nisso que eu já estou gozando antes que
ele comece a se mover. Ficamos nos encarando enquanto ele começa a
olho, sempre. Suas mãos entrelaçadas no meu cabelo dão ainda mais ritmo
ao movimento, e eu me aperto com ele dentro de mim, fazendo seu pau pulsar
ainda mais.
“Porra, Izolda”, o tom rouco repete. Sua boca encontra a minha, e ele
continua estocando. Beijamo-nos outra vez, e mais algumas, sempre
retornando ao contato visual. Sussurro que vou gozar quando sinto que estou
cada vez mais perto do orgasmo, mas, mesmo depois que faço isso, ele
— Acho que não vou ter condições de passear depois disso — digo
— Amore mio! Isso é tudo que a Tia Elke sabe de italiano, então vai
ter que falar em russo comigo, tá? A tia também aprendeu um pouquinho de
português com a sua mamãe quando era criança, mas só sabe dizer coisas
como feijoada — ela diz beijando Ivan e fazendo meu filho sorrir.
diamantes dela.
— Você que é um príncipe. Você sabia que a tia Elke ama você assim?
— Ah, que garoto fofo! Espere um minuto. O que foi que você
— Que não ia crescer sem a dinda perto — meu filho abaixa a cabeça
com vergonha, mas, pelas covinhas no seu rosto, posso ver que está se
ter que pagar a multa — ela diz beijando a barriga dele de uma forma que o
faz gargalhar. Assisto enquanto ela o tortura com cocegas até que meu filho
se joga nos braços dela, e Minerva me diz que ficará com ele lá fora durante
a cerimônia.
— Tem certeza?! Você está acompanhada, tem certeza de que não vai
atrapalhar? A babá...
estou morrendo de saudades. Acha que qualquer outro homem vai ficar em
primeiro plano? — ela diz se voltando para Ivan. — Como foi na Itália, meu
Brasil, só nós dois. Ivan ficou em casa com Minerva e Elke o mimando. E é
claro que sentimos falta de Ivan, mas é bom saber que ele está seguro e
— Você sabe que, se eu não for a madrinha desse — ela diz apontando
para a minha barriga —, eu vou sair no tapa com a pessoa que você escolher,
não sabe?
Minha amiga me abraça dando pulinhos, então eu insisto para que ela
se sente e termine de se arrumar.
— Nervosa?
— Você não pode querer na sua vida alguém que não lhe faz bem,
Elke.
preso, a empresa dele foi incorporada pelo Grupo Orlov, que deixou de
depender totalmente da subcontratação da empresa de Viggo. Andreas não
cortou os laços com Viggo, mas, desde que Galina assumiu os negócios do
pai, ele achou melhor não ter que lidar diretamente com ela. O que me
deixou satisfeita. Já é bastante ter que encontrá-la em eventos sociais e
esquecer o fato de que ela filmou tudo que aconteceu com Elke, que sabia
dos planos de Olga Orlov, mesmo que apenas parcialmente. Já é o bastante
estar aqui, no mesmo altar que ela, que é irmã do noivo.
Elke caminha em direção ao altar acompanhada do pai, que conseguiu
uma permissão especial da polícia para acompanhar a filha.
enquanto eles se beijam. Elke, que nunca imaginou que poderia funcionar
com Vladmir, tinha encontrado nele, primeiro, um lugar de confissão e
compreensão, depois uma amizade e, em seguida, um grande amor. Demorou
um pouco para que eles ficassem juntos. Em parte, porque ele tinha medo de
avançar qualquer sinal com ela, mas ele esteve ao lado de Elke enquanto ela
se recuperava, principalmente quando eu não podia estar, pela gravidez ou
por qualquer outro compromisso.
mas que a puxava de volta para o fundo do poço. Nos primeiros meses de
vida de Ivan, eu tinha medo que ela o pegasse nos braços porque Elke tinha
esses tiques obsessivos que apareciam em rompantes, e minha preocupação
maternal era acionada, mesmo que, às vezes, irracionalmente.
Ela mudou de medicamentos, de técnicas de terapia, foi aprendendo a
voltar para a vida e a não reconhecer tudo como uma ameaça. A primeira
vez que eu notei que ela estava interessada por Vladmir foi no aniversário de
um ano do meu filho. Vladmir estava namorando uma garota da empresa, e
minha amiga estava obviamente incomodada. Foi Minerva que chamou minha
atenção para o fato, dizendo que Elke não parava de olhar para o casal. A
melhor amiga de Andreas, que havia se tornado também uma grande amiga
para mim e minha comadre, levou Elke para dar uma volta no jardim.
mais forte. “Eu achava que o amor tinha que ser tempestuoso, devastador,
como os filmes ditos românticos nos ensinam, mas eu só conheci amor de
verdade no balanço tranquilo da calmaria, na compreensão, ao atracar no
porto. Amor, você só não é a minha alma gêmea porque eu tenho certeza de
que esse espaço é da minha melhor amiga — ela diz me olhando rapidamente
e sorrindo —, mas você é o homem da minha vida.”
vidro enorme e aquecida, onde cultivam suas plantas, e que hoje foi
totalmente decorada e parece outro lugar, servindo como salão para a
recepção.
— O Vladmir agora é meu tio por ter casado com a tia Elke? — Ivan
Andreas. Seus olhos voltam para Ivan. — Ele parece muito com você.
eles têm uma relação linda. Andreas é um pai presente, que sempre acha
tempo para conversar com o filho, explicar as coisas. Ele passa horas no
chão do quarto de Ivan todas as noites, ajudando-o com a lição e, depois,
montando dinossauros, que são a nova obsessão do nosso filho.
— Eu tenho que ir, urgências na empresa, mas é bom ver vocês, ver
que estão bem — Galina diz antes de sair. Andreas tinha me contado tudo
que ela confessou, e eu estava lá quando Galina falou para a polícia sobre
Mikhail na defesa do pai de Elke. Apesar de tudo, Pavlova tinha pego seis
anos de prisão.
— Mas é muito.... — Minerva começa a dizer, mas ela olha para Ivan
e controla sua língua normalmente tão afiada.
— Ela também é minha tia? A irmã do tio Vlad? — meu filho
questiona.
— Tudo bem, eu já tenho muitos tios — Ele diz contando nos dedos
enquanto anuncia: “Tia Elke, Tio Niko, a dinda Minerva também é minha tia
porque o papai diz que é como se ela fosse a irmã dele, e também o tio....”
os dois mais velhos — ela diz sorrindo. Minerva fica rígida, e eu sei bem
por quê. Isso sempre acontece quando a esposa de Philip está por perto,
então, enquanto Andreas diz que não tem a menor chance dele aceitar aquela
troca, eu digo ao meu filho que vá com a dinda dele pegar um pouco de água,
— Você sente falta de não termos tido isso? Uma cerimônia com
convidados, uma festa...
— Há algumas coisas que eu faria diferente, você sabe, mas essa não é uma
delas. E você? Queria ter tido um casamento assim?
— Não, também não. Por mais complicadas que as coisas tenham sido
no nosso começo, eu amo tudo que temos hoje e acho que estamos
exatamente onde deveríamos estar.
Viro-me e fico na ponta dos pés beijando meu marido, que me aperta
contra seu corpo.
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Danielle Viegas Martins nasceu em São Luís - MA, mas mudou-se para
a cidade do Rio de Janeiro em 2001. Tem formação em Letras, Português -
Inglês e Mestrado em Educação. Desde 2010, Danielle é funcionária pública
da UFRRJ.
de leituras online.
ao seu filho.
[1]
Босс: patrão. Tradução livre do russo.
[2]
Uccelino: passarinho. Tradução livre do italiano.