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Para todos aqueles que precisam se olhar com mais

carinho. Você é maior do que todos os pensamentos


ruins que cria de si mesmo.
Charlotte
Os pingos de chuva batiam levemente contra o vidro da janela,
causando um barulho reconfortante, mas nem isso era o suficiente para
acalmar o estado ansioso que eu me encontrava. Lá fora já estava escuro e a
pequena corrente de ar que entrava pela brecha da janela era um indício do
fim do verão, com isso o fim das férias.
Encarei mais uma vez as roupas organizadas por cores e dobradas
simetricamente que estavam dispostas na minha cama, a mala aberta ao lado
delas ainda estava vazia, precisava de roupas para, pelo menos, duas
semanas, porém teriam que ser roupas que provocassem uma boa primeira
impressão.
Era o último ano da escola e eu iria trocar de colégio e de cidade,
meu estômago embrulhou só de pensar como isso seria assustador, tudo que
eu conhecia seria abandonado para trás e encararia algo novo.
Há alguns meses meus pais me falaram sobre cursar o último ano
do ensino médio no Colégio Interno de Durham, mas achei que isso não iria
para frente. Mas aqui estou eu, arrumando as malas para estudar no colégio
interno há duas horas de casa.
Puxei o ar para os pulmões enquanto a ansiedade me dominava,
estudando em um colégio renomado eu teria mais chance de entrar na
universidade Oxford, onde eu sonhava em poder cursar medicina.
Meus pais costumavam ser do tipo exigentes, principalmente com
os estudos. Minha entrada nesse colégio só foi possível por conta das minhas
notas altas, pois mesmo que a mensalidade cara seja paga, eles querem ter
certeza de que você tem inteligência o suficiente para acompanhar as aulas.
Sim, isso seria ótimo para meu futuro, mas não deixava de ser
menos assustador.
Finalmente consegui escolher algumas peças claras e as ajeitei na
mala. Eu poderia voltar para casa nos finais de semana e feriados, nas aulas
eu teria que usar o uniforme, então não era necessário levar muita coisa.
Peguei dois pares de tênis, uma bota cano longo, minha necessaire de
maquiagem e itens básicos de higiene.
Me atentei a pegar casacos e roupas de frio, pois logo
enfrentaríamos o frio britânico.
Mordi o meu lábio inferior, estava nervosa, não que eu gostasse
muito da minha antiga escola, o lugar só se tornava agradável por conta do
meu melhor amigo, porém, encarar algo novo no último ano me deixava
apreensiva, sair da zona de conforto não é algo que eu faça muito. A não ser
que seja necessário ou que eu seja obrigada.
Olhando novamente para as roupas que ainda sobraram na cama,
encontro uma calça preta que havia ganhado de aniversário ano passado,
tinha usado-a somente duas vezes, era bonita. Tirei o short jeans que vestia,
passei os meus pés pela calça e a subi em minhas pernas.
Porém quando chegou na metade da minha coxa, tive que fazer um
esforço maior para ela subir, naquele momento já não queria mais
experimentá-la, mas a curiosidade de vê-la em meu corpo me venceu.
Depois de um pouco mais de esforço a calça subiu completamente.
Caminhei até o espelho de moldura branca que tinha no meu
quarto. Observei como a calça agarrava meu corpo, me virei olhando a parte
de trás, e só um pensamento surgiu na minha cabeça: eu necessitava
emagrecer.
Odiei completamente a imagem que aquele espelho refletia. Fechei
meus olhos e arranquei aquela calça do meu corpo a jogando em cima da
cama novamente.
Coloquei o meu short de novo.
Com certeza aquela calça não iria para a mala.
Meus pensamentos foram interrompidos por uma batida delicada
na porta, murmurei um ‘entra’ e a porta se abriu.
— Tudo certo por aqui? — A voz gentil da minha mãe preencheu
o silêncio do quarto enquanto ela entrava.
— Sim, estou terminando de fazer a mala.
Ela se aproximou da cama onde estava a mala e observou dentro.
Vestia um suéter branco, os cabelos loiros claro, que geneticamente herdei
dela, estavam presos em um rabo de cavalo.
Seus olhos correram por todas as roupas que coloquei ali dentro
inspecionando cada peça. Sua mão foi até a calça que estava jogada perto da
mala.
— Essa é bonita, a vestiu poucas vezes. — Ela disse com os olhos
ainda na peça de roupa — Por que não leva?
A minha imagem refletida no espelho dominou meus
pensamentos. Eu não queria parecer gorda na primeira semana de aula.
Tenho certeza de que as pessoas encarariam meu corpo com desprezo.
Encarei a minha mãe, que esperava uma resposta, mas com certeza
não iria querer ouvir a verdade.
Dei de ombros.
— Sei lá, a mala já tem roupas o suficiente. — Dei uma desculpa
qualquer.
Ela me olhou por um instante, dobrou e colocou a calça onde ela
estava.
Não iria importunar minha mãe dizendo como estava me sentindo
em relação ao meu corpo. Meus pais tinham se sentido seguros em me
mandar para uma escola longe, ninguém precisava falar disso agora.
Causar esse tipo de preocupação impediria minha ida ao colégio,
minha mãe não iria querer ficar longe de mim se soubesse que estou tendo
pensamentos desse tipo outra vez.
Enquanto eu não tentasse alguma dieta maluca, do tipo ficar uma
semana sem comer, tudo estaria bem.
— Estou indo jantar com o seu pai. — Ela deu dois passos à frente
e depositou um beijo na minha testa — Charlie está te esperando lá
embaixo.
Virou-se e saiu do meu quarto, deixando a porta aberta.
Peguei a calça e a enfiei em uma das minhas gavetas, depois
decidiria o que faria com ela, mas com certeza só a vestiria quando
emagrecesse mais.
Olhei para a mala já quase toda feita, amanhã, antes de pegar a
estrada, eu terminaria.
Saí do quarto, passei pelo corredor com papel de parede com
detalhes dourados onde luminárias do mesmo tom decoravam a parede junto
com quadros que emolduravam fotos de família.
Desci a escada de madeira clara e avistei Charlie sentado no sofá
com o controle da televisão em sua mão.
— O que vamos assistir? — perguntei me jogando ao seu lado do
sofá.
— Hoje você tem o poder de escolha. — Colocou o controle nas
minhas mãos — Para a nossa festa de despedida eu trouxe algumas
besteiras.
Só então notei as sacolas de mercado que estavam em cima da
mesinha de centro.
Ele começou a tirar as coisas de dentro das sacolas revelando um
pote de sorvete, pipoca, chocolates entre outras coisas que rapidamente
virariam gordura no meu corpo.
— Você sabe que é uma festa de despedida somente com duas
pessoas, não é? — Torci meu nariz para toda aquela comida cheia de
calorias.
Charlie abriu um sorriso em seu rosto.
— Não seja tão chata, vamos ficar longe por um tempo, deixe esse
ser um momento legal.
Encarei mais uma vez toda aquela comida e um nó se formou no
meu estômago, mas abri um sorriso para o meu amigo. Era o que eu fazia
com os meus pais e ele, para que não se preocupassem comigo, para que
achassem que eu já tinha superado tudo e estava bem.
Às vezes era uma mentira tão boa que até eu mesma acreditava.
Tinha deixado de vomitar depois das refeições e meus pais tinham
confiscado os remédios para emagrecer depois do episódio do hospital.
Há um ano eles achavam que minhas neuras com calorias e
gorduras eram algo passageiro, até que ficou pior.
Pior do tipo que eu tinha uma balança para pesar a comida e outra
para me pesar depois das refeições, meu pai me pegou vomitando algumas
vezes, mas achou que fosse algum tipo de virose ou outra doença, eles não
sabiam que eu mesma induzia o vômito. Só perceberam que eu estava com
bulimia quando fiquei três dias sem comer e desmaiei na escola por conta
dos remédios emagrecedores.
Fiquei dois dias internada no hospital em observação, depois disso
não houve mais recaídas, pelo menos não que meus pais saibam, falei
algumas vezes com a orientadora da escola e foi só isso. Eu queria que eles
me vissem bem para que tudo que tinha planejado, como o colégio interno,
desse certo.
Porém ainda evitava as comidas, principalmente aquelas cheias de
gorduras e açúcares, porque o mais engraçado da bulimia é você comer tanto
que depois se sente culpada e coloca tudo para fora. Então se eu ficasse
longe de tudo, logo não comeria e não me sentiria culpada.
É idiota, eu sei, mas é o jeito que consigo lidar por enquanto.
— Charlotte? — Charlie me chamou — Já sabe o que vamos
assistir?
Pisquei meus olhos repetidas vezes para mandar aqueles
pensamentos embora. Nada daquilo importava mais, estávamos em uma
etapa nova.
Abrir um sorriso sem mostrar os dentes.
— Já sei sim.
Fui até a sessão dos filmes de terror e desci até chegar nos
clássicos.
— É claro que você vai escolher algo como A hora do pesadelo.
— Ele revirou os olhos.
— Que nada. — Fiz uma pausa — Vou escolher O iluminado.
Soltei uma risada fraca.
— Por que tem que ser um filme de terror antigo? Escolhe um que
seja mais novo. — Charlie reclamou abrindo um saco de pipoca e colocando
um punhado na boca.
— Você me deu o poder da escolha. — Lembrei a ele — E sabe
que qualquer oportunidade que eu tiver, vou preferir um clássico do terror.
— É claro que vai.
Ele colocou mais um pouco de pipoca na boca e estendeu o saco
na minha direção. Olhei para a pipoca levemente amarelada pela manteiga
hidrogenada, puxei o ar e segurei enquanto colocava somente uma na minha
boca.
Selecionei o filme e apertei o play. Quando a cena inicial se
desenrolou, Charlie chegou mais perto de mim e eu deitei minha cabeça em
seu ombro, ali era um lugar seguro que eu sentiria falta.
Não faço ideia de como serão as pessoas do novo colégio, se serão
amigáveis ou se não se importarão. Só esperava não me sentir um peixe fora
d’água. A única coisa que sei é que estarei em um ambiente novo e não sei
como isso me afetará, nunca viajei sem os meus pais, agora iria passar
bastante tempo longe deles.
Um turbilhão de emoções atravessava o meu copo.
Me aconcheguei mais perto do meu amigo e ele passou o seu braço
por cima do meu ombro e me abraçou de volta.
— Não acredito que não irei mais te ver todos os dias. — Charlie
sussurrou como se fosse um segredo.
— Eu sei como se sente. — Soltei um suspiro — Parece que vou
morrer de ansiedade toda vez que penso nessa mudança.
— Você irá para um colégio bom, eu é que vou ficar solitário
naquela escola. — Soltou uma risada fraca.
Apertei meus dedos na pele da sua barriga beliscando o local.
Ele soltou uma risada e me apertou mais em seus braços.
Charlotte
Bem-vindos à Durham, era o que a placa vermelha dizia no
começo da cidade, no nordeste da Inglaterra, há 214 quilômetros de
Manchester, eu estava longe de casa. Tudo que conseguia sentir era um
imenso frio na barriga, parecia que mais de cem borboletas batiam asas ali.
Passamos pelas casas com arquitetura antiga, a Catedral de
Durham parecia um castelo, era o ponto turístico da cidade, localizada bem
no centro.
Era uma cidade pequena e parecia aconchegante, era o que sabia
dali. Nas pesquisas que fiz antes de vir, mostrava que a cidade era mais
conhecida pelo colégio, todos os alunos que saíam de lá iam para Harvard,
Oxford ou alguma faculdade da Liga Ivy.
Era de lá que vinham os filhos de senadores, médicos, advogados,
aposto que a maioria dos alunos eram podres de ricos. É muito provável que
os alunos sejam extremamente inteligentes, já que o colégio é bem exigente.
O carro continuou em movimento, até que através da janela só
pudesse ver as árvores que começavam a ter suas folhagens alaranjadas por
conta da proximidade do outono.
Em cima de uma colina, a estrutura do colégio se erguia se
tornando visível.
— Você vai amar a nova escola e a cidade é calma e segura. —
Minha mãe disse do banco da frente e meu pai, que estava ao seu lado,
concordou com a cabeça.
— Vai ser uma experiência boa. — falei ainda observando a
janela.
— Você é uma ótima aluna, com esse colégio chegará aonde
sempre quis, Oxford.
Meu pai tinha razão, era o que precisava para o meu futuro.
— Eu entendo que agora talvez pareça ser tudo assustador —
minha mãe virou a cabeça para me olhar. —, mas sei que você consegue.
A confiança neles em mim era grande. Quase me fazia sentir
culpada por não confiar em mim do mesmo jeito.
Quanto mais perto chegava, mais forte batia o meu coração.
Assim que passamos pelo enorme portão de ferro, meu nervosismo
aumentou e quase pedi para meu pai dar a volta com o carro e irmos para
casa, para um território conhecido.
O carro parou de se movimentar e tudo o que eu consegui fazer foi
encarar o enorme prédio de tijolos marrons. Sua aparência era igual a um
castelo, no site dizia que a estrutura havia sido construída há 800 anos, então
era de se esperar que seu visual fosse medieval, a estrutura tinha um formato
de U e em volta havia uma vasta floresta, somente árvores rodeavam aquele
lugar.
A cidade deveria ficar a uns vinte minutos daqui. Parecia uma
prisão para que os ricos colocassem os seus filhos para não precisar lidar
com eles.
Meus pais saíram do carro e foram até o porta-malas tirar a minha
bagagem.
Com a mão trêmula, abri a porta e saltei do carro, ainda com os
olhos presos àquela estrutura enorme que se estendia à minha frente.
Havia torres que se estendiam em direção ao céu, as janelas eram
compridas e de formato oval, a porta da entrada tinha fácil três metros de
altura, ali com certeza já foi a moradia de um rei, mas estava conservado e
bem cuidado, a grama de frente estava cortada e no meio da passagem tinha
um chafariz arredondado onde corria água.
Aquilo era intimidador.
Ouvindo passos no chão de cascalho, procurei com os meus olhos
quem se aproximava. Era o diretor George Willians, sua família era dona do
colégio há anos, meus pais tinham feito inúmeras reuniões com ele para que
se sentissem seguros em me mandar para cá. Se bem que nem precisavam, a
reputação de melhor ensino falava por si só.
Ele tinha cabelos pretos bem alinhados, porém poucos fios já
estavam ficando brancos, sua barba estava feita e algumas rugas se
acumulavam no canto dos seus olhos escuros, mas nada exagerado. Eu daria
uns cinquenta anos.
O Senhor Willians veio até nós com um sorriso de orelha a
orelha.
— Senhor e senhora Jones, é um prazer receber a filha de vocês.
Meu pai carregou a minha mala até ao meu lado e minha mãe me
entregou a minha mochila.
— O prazer é nosso que o senhor a tenha recebido em seu colégio.
— Meu pai o cumprimentou com um aperto de mão.
— Irei deixá-la se despedir do seus pais e podemos adentrar no
colégio.
Puxei o ar com força para os meus pulmões, não tinha mais
volta.
Minha mãe jogou os braços em volta do meu pescoço me
envolvendo em um abraço forte.
— Se qualquer coisa acontecer, me ligue. — Sua voz estava
emotiva.
— Mãe, garanto que vou ficar bem. — Não sei se estava dizendo
aquilo para ela ou para mim mesma.
Ela se afastou e olhou nos meus olhos.
— Mesmo assim, me ligue sempre que dê. É a primeira vez que
vou passar tanto tempo longe de você, só estou preocupada.
Balancei a cabeça concordando.
— Eu sei, te ligarei todos os dias e mandarei mensagens. — Abri
um sorriso na intenção de confortá-la.
Minha mãe se aproximou mais uma vez e depositou um beijo em
minhas bochechas.
— Tudo bem. Sei que você sabe se cuidar. — Passou a mão nos
meus cabelos e se afastou.
Meu pai chegou perto e depositou um beijo na minha cabeça.
— Vai dar tudo certo, Charlotte. Estamos aqui, qualquer coisa só
chamar.
Segurei ao máximo as lágrimas que queriam rolar pelo meu rosto.
Eu tinha que manter a postura firme. Eu ficaria bem.
Então os dois se despediram do diretor e entraram no carro. Soltei
o ar com força, agora eu estava por minha conta.
Acompanhei o diretor até a entrada da escola, arrastei minha mala
comigo e minha mochila estava em minhas costas.
No hall de entrada havia uma mesa redonda com um jarro de rosas
vermelhas, o lustre imitava candelabros e o piso de madeira brilhava parecia
que tinha acabado de ser encerado.
— Senhorita Jones, espero que possa se sentir em casa. — Sua voz
tinha uma gentileza fingida, como se já tivesse falado muitas vezes aquela
frase — Qualquer problema que tenha pode me procurar. As aulas só
começarão oficialmente amanhã.
Enquanto ele explicava, uma garota entrou no hall.
— Encarreguei a senhorita Davies de te mostrar o seu quarto e as
dependência do colégio, seu uniforme estará lá junto com a ficha de regras,
que eu recomendo que leia.
— Obrigada, senhor Willians.
Ele me olhou uma última vez, balançou a cabeça e se afastou pelo
corredor a frente.
Encarei a garota que me olhava de forma curiosa. Ela tinha cabelos
loiros, porém mais escuros que os meus, seus olhos eram castanhos, o nariz
arrebitado, os lábios finos e ela vestia um vestido florido.
— Me chamo Amélia. — Ela abriu um sorriso gentil — Serei a
sua guia hoje.
Retribui seu sorriso.
— Sou Charlotte.
— Primeiro vou te mostrar seu quarto para que possa guardar suas
coisas. — Ela me estendeu uma chave.
— Agradeceria porque essa mochila está começando a pesar.
Ela se aproximou mais.
— Deixa eu te ajudar.
Pegou a minha mala e seguiu para dentro do colégio, fui atrás
dela.
Chegando mais à frente pude visualizar duas escadas de madeira
escura em caracol, uma de cada lado. Amélia seguiu para a escada do lado
direito.
— Essa nos leva para o dormitório feminino. — Ela me olhou por
cima do ombro — A do lado esquerdo leva para os dormitórios masculinos.
Subimos dois lances de escada até um corredor repleto de portas,
algumas tinham papéis escritos com letras cursivas com o nome das alunas
donas do quarto, outras só tinham o número do quarto.
Andamos até quase o final do corredor.
— O seu é esse. — Paramos em frente a uma porta com o número
16 em dourado — O meu é o de número 10, não estaremos tão longe.
— Que bom, pelo menos já conheço alguém. — Dei um sorriso
sincero.
Peguei a chave que Amélia tinha me dado e destranquei a
fechadura, a porta rangeu quando foi aberta.
O quarto era grande, dispunha de duas camas, um guarda-roupa no
pé de cada cama e no meio havia duas escrivaninhas. Ao lado esquerdo
existia outra porta que imaginei ser o banheiro. Tinha uma longa janela na
parede atrás das cabeceiras da cama.
Percebi que a cama do lado direito estava desarrumada e que
algumas roupas e sapatos estavam jogados no chão.
Que legal eu tinha uma colega de quarto bagunceira.
Entrei no cômodo e Amélia me ajudou a colocar a bagagem para
dentro.
— Sua colega de quarto é a Vicky Evans. — Ela observou a cama
bagunçada — Só posso te desejar boa sorte.
Virei meu corpo e encarei Amélia.
— Por quê? — Perguntei com a testa franzida.
— Vicky é uma encrenqueira. — Ela revirou os olhos — Os pais a
mandaram para o colégio a fim de se livrar dela.
Nem a conhecia, mas depois dessa descrição só esperava que ela
ficasse no canto dela e eu no meu.
— Pensei que o colégio aceitava as pessoas com base em suas
notas.
— Quando se tem dinheiro pode dar um jeito nas notas. — Amélia
deu de ombros.
Ela caminhou até o guarda-roupa que imaginei ser meu e o abriu.
— Aqui está seu uniforme, no horário de aula é obrigatório o uso
dele.
As roupas ali penduradas e bem passadas eram saias xadrez
vermelho com preto, camisas brancas de mangas compridas e algumas de
mangas curtas e suéteres vermelhos com o brasão da escola bordado.
Andei pelo quarto, conhecendo mais do ambiente, percebi na
escrivaninha alguns livros didáticos e a ficha com as regras.
— Vem, vou te mostrar o restante do colégio. — Amélia me
chamou já na porta.
Descemos a escada e ela me mostrou rapidamente algumas partes,
como a biblioteca, as salas de aulas, o laboratório de biologia e o de química.
Se mostrasse tudo detalhadamente, levaríamos dois dias inteiros para ver
toda a escola.
Aquele lugar era enorme.
Encontrei alguns alunos no meio do meu tour que me olhavam
com curiosidade, alguns até sussurravam entre si e davam risinhos. Era
difícil ser novata.
Passamos pelo corredor recheado de armários cinzas, Amélia
mostrou o meu e me entregou um papel com a senha do cadeado.
Fomos até o refeitório, as mesas compridas eram de madeira e os
lustres eram enormes. Para quem é fã de Harry Potter pode se dizer que
parece muito com o refeitório de Hogwarts. No canto direito haviam três
geladeiras recheadas de bebidas variadas, e ali perto tinha Buffet onde a
comida seria servida todos os dias.
No final da sala haviam portas de vidros abertas que davam para
um imenso jardim, com algumas mesas espelhadas nas sombras das árvores.
O lugar tinha uma grande quantidade de alunos por conta do sol,
que era uma coisa rara na Inglaterra. Alguns reunidos em uma roda de
conversa e outros sentados no gramado enquanto liam.
Amélia seguiu para uma das mesas onde uma menina estava
sentada, lendo.
— Grace. — Amélia chamou enquanto se sentava ao seu lado —
Você já está lendo o livro da aula de literatura?
— Eu gosto de estar adiantada. — A menina retrucou.
Grace levantou os olhos do livro notando a minha presença. Ela
tinha cabelos castanhos na altura dos ombros, tinha olhos do mesmo tom e
usava óculos arredondados.
Me sentei de frente para as duas.
— Então você é a novata? — Ela abriu um sorriso curioso.
— Sim. Sou eu. — Falei de forma tímida.
— Não entenda mal, é que faz muito tempo que não temos alunos
novos. — Grace explicou.
— Parece que essa geração está ficando burra e não conseguem
entrar em um colégio renomado. — Amélia disse de forma esnobe.
— Já sabe qual vai ser suas aulas? — Grace fechou o livro
prestando atenção em mim.
— Vou pegar meu horário depois na sala do diretor.
— Espero que fiquemos juntas na maioria das aulas. Você parece
inteligente. — Amélia sorriu sem mostrar os dentes.
Aquilo era para ser um elogio, mas pareceu meio frio para
mim. Ela parecia bem simpática quando fez o tour comigo pelo colégio, mas
talvez eu estivesse enganada. Seu tom de voz parecia esnobe, ou esse era seu
jeito e eu estava sendo apenas paranoica.
— Também espero.
— Fica tranquila, você se acostuma rápido. — Grace falou de
forma simpática.
Contava que aquilo fosse real, era difícil estar em um lugar novo e
desconhecido.
Noah
No céu, os tons de azul escuro se misturavam enquanto a noite
recaía sobre nós. O vento balançava as árvores perto dos vagões vazios. O
que antes era um trem de carga, agora estava abandonado atrás do colégio,
servindo de esconderijo e local para festas clandestinas, ficou inativo depois
de um acidente ferroviário.
As paredes estavam enferrujadas, a vegetação já tomava conta de
alguns locais e pequenos buracos surgiam como pontos de iluminação no
teto.
Oliver estava sentado à minha frente em um caixote velho, tragou
o cigarro mais uma vez e passou para Vicky, que estava sentada no chão do
vagão ao meu lado.
— Ouvi dizer que teremos uma aluna nova esse ano. — Oliver
comentou.
— Sim. — Vicky soltou a fumaça do cigarro — Vai ser minha
colega de quarto.
— Sério isso? — Direcionei meus olhos confusos para ela —
Pensei que você não teria mais colegas de quarto depois do incidente da
Amélia.
Vicky abriu um sorriso divertido.
— Pensei a mesma coisa, mas parece que seu pai não. — Ela deu
mais uma tragada e soltou a fumaça lentamente — E naquela situação a
culpa foi totalmente da Amélia não minha.
— Nós sabemos que meu pai não pensa. — Peguei o cigarro de
suas mãos e traguei.
— Amélia diz até hoje que você a corrompeu, a levando em festas
e a forçando a beber — Oliver disse rindo.
— A menina era obcecada por mim. Não tenho culpa se bebeu até
vomitar — O sorriso em seu rosto aumentou — Ainda não acredito que a
vaca disse que era culpa minha.
Ri com seu comentário. Porque qualquer um que conhecesse
Amélia, saberia que ela tentaria sair por cima.
— Vai ver ela era apaixonada por você. — Oliver chutou de leve a
perna de Vicky.
Ela revirou os olhos e mostrou a língua para ele.
— Ainda me pergunto como você não foi expulsa depois disso. —
Soltei a fumaça em sua direção.
— Vamos dizer que seu pai aceitou de bom grado o cheque gordo
que o meu deu.
Isso parecia bem a cara do meu pai. Ele colocava o dinheiro como
prioridade, sempre foi assim.
Esse colégio estava há anos na família, aceitando adolescentes
ricos, alguns com problemas para se comportarem, porém todos saíam para
uma faculdade renomada. Então os pais achavam que valiam a pena ter todo
o seu dinheiro gasto com isso.
A pequena janela do vagão que estamos tinha seu vidro arranhado
e no canto superior estava trincada. Observei o céu por ela, agora totalmente
escuro e coberto de estrelas.
Amanhã as aulas iniciarão oficialmente, o último ano do ensino
médio, a hora da grande escolha da faculdade, escolher o que você realmente
quer fazer pelo resto da sua vida.
Eu só queria correr disso tudo.
— Já decidiu para que faculdade vai, Vicky? — Oliver perguntou
encarando-a.
— Tanto faz. — Ela soltou um suspiro cansado — Contando que
seja uma da Liga Ivy e eu faça Direito. — Sua voz ficou baixa — E meus
pais não tenham que lidar com o meu problema com as drogas.
Desviei minha atenção para ela percebendo que seus olhos
caramelos tinham perdido o brilho, os ombros estavam baixos e ela encarava
um ponto específico no chão.
Vicky era como a maioria dos alunos que estudavam aqui, pais
ricos que não se importavam com os filhos, se eles estivessem dando o que o
dinheiro pode comprar, já estava de bom tamanho.
Alguns meses atrás ela nos deu um baita susto, Oliver a achou no
chão do quarto tendo uma overdose. Ela começou a cheirar cocaína
escondida e logo depois a injetar heroína.
Aquilo era uma escapatória para que ela não encarasse a realidade.
Era a sua rota de fuga, mas trazia consequências pesadas.
Eu entendia isso porque tinha achado minha mãe em uma situação
parecida, mas ela não queria apenas uma rota de fuga momentânea, ela
queria fugir para sempre. Não importava quem ela deixasse para trás.
Sua dor era tão grande que ela não tinha visto outra escapatória.
Apertei o pequeno pingente redondo que se estendia na corrente
prateada, era a única coisa que eu carregava comigo e que a pertencia.
Vicky era nossa amiga, não queria que acontecesse algo ruim com
ela, deveríamos ter percebido antes da overdose. Agora tentamos ao máximo
dar apoio e deixá-la longe de tudo isso.
— Acho que será uma boa advogada. — Empurrei seu ombro de
leve.
Ela abriu um sorriso sem mostrar os dentes.
— Do mesmo jeito que você será um bom diretor para o Colégio
Interno de Durham. — Ironizou.
Ela tinha razão, não seríamos bons, porque não queríamos isso.
Porém nosso destino já estava decidido antes mesmo de nascermos.
— Vamos pensar no agora. — Oliver pegou o cigarro da minha
mão. — Está tudo certo para a festa de amanhã?
— Claro. — Respondi — Irei buscar as bebidas cedo.
— Estou precisando muito dessa festa. — Vicky falou nós
encarando.
Todos nós estávamos.

◆◆◆

Passamos pelas portas de vidro e entramos no refeitório escuro,


ainda bem que eu tinha as chaves se não ficaríamos para fora até amanhã.
Já passava das nove da noite, o que significava que já tinha dado a
hora do toque de recolher. Qualquer aluno pego nos corredores esse horário
ganharia uma advertência.
Seguimos para dentro do colégio, com apenas as luzes fracas de
emergência iluminando os corredores.
Para chegar aos dormitórios precisávamos passar pelo escritório do
meu pai, então torcia para que ele já estivesse ido para o quarto dele. Não
estava a fim de ouvir sermão.
— Oliver, me leva até o meu quarto? — Vicky perguntou
agarrada no braço dele. — Tenho medo desses corredores escuros.
Oliver revirou os olhos.
— Eu te levo, mas você fica me devendo uma.
Vicky abriu um sorriso.
— Se ela te pedir para ficar de quatro, você também fica? — Não
consegui conter a risada.
Oliver só deu de ombros, me fazendo rir mais. Ele pegou na mão
de Vicky e eles seguiram para a escada à direita.
Continuei meu caminho.
Quando percebi que a porta do escritório do meu pai estava com
uma fresta aberta diminui os passos. Puxei ar para o pulmão e comecei a
andar devagar, tentando não fazer nenhum barulho, torcia mentalmente para
que eu passasse despercebido e ele continuasse concentrado no trabalho.
Segurei a respiração e passei pela porta.
— Noah?
A voz dele me chamou antes que eu pudesse chegar no pé da
escada.
— Sim?
Voltei dois passos até a porta.
Meu pai estava sentado atrás da sua mesa de madeira escura,
mexendo em alguns papéis.
— Já passou da hora do toque de recolher. — Ele disse
concentrado no papel que estava em sua mão.
— Eu sei, me distraí e acabei perdendo a hora. — Aposto que ele
sabia que eu estava mentindo.
Seus olhos se desviaram do papel e me encararam, soltando um
suspiro cansado.
— Não posso te dar privilégios assim. Quero que chegue na hora
como os outros alunos.
— Não irá mais acontecer.
Ainda bem que ele não estava mais perto para sentir o cheiro de
cigarro.
— Amanhã cedo antes da aula quero te ver para falarmos sobre a
faculdade.
Eu não queria ter essa conversa, mas não tinha opção.
Já até sabia como seria a nossa conversa. Meu pai queria que eu
fizesse Administração em Oxford. O problema não era faculdade, e sim o
curso.
Na cabeça dele, em algum momento eu iria assumir a diretoria do
colégio.
Balancei a cabeça confirmando, mesmo contra a minha vontade.
— Também irei te preparar para a aplicação e a entrevista da
faculdade. — Ele continuou me encarando com seus olhos intimidadores. —
Você tem um nome a zelar, terá que ser o melhor.
Ele sempre colocava suas expectativas em mim, sempre esperando
o melhor. Odiava isso, eu não era ele e não queria ser.
Meu pai era o culpado por eu ter perdido a pessoa que mais amei,
viver com ele já era um grande castigo.
Apertei em punho as minhas mãos para evitar dar uma resposta
atravessada a ele. Eu estava pouco me fodendo para tudo isso. Porém a
faculdade teria seu benefício, me deixaria longe dele.
— Posso ir? — Pedi.
— Sim.
Me virei e fui o mais rápido que consegui para a escada.
Segui até o quarto de número 13 e adentrei, havia algumas peças
de roupas jogadas no chão, um par de tênis largado no canto do quarto e as
duas camas estavam uma bagunça, a segunda cama era a do Oliver.
Sendo filho do diretor eu poderia ter um quarto só para mim,
porém eu gostava da companhia do Oliver, nos conhecemos desde pequenos
e desde então dividimos o quarto no colégio.
Me sentei na cama, liguei o abajur da escrivaninha e a lâmpada de
luz avermelhada iluminou o ambiente. Peguei o bloco de desenho e encarei a
última página, desenhando em traços finos uma figura feminina humana,
porém com asas de anjo.
Peguei o lápis de ponta fina adicionando ao desenho dois pares de
chifres pontudos na cabeça. Dois elementos representando coisas opostas,
como o bem e o mal, agora estavam juntos.
Fechei o bloco de desenho o guardando na gaveta. Deitei na cama
e encarei o teto, mais um ano e eu estaria longe dessa prisão.
Charlotte
Quando os poucos raios solares da manhã invadiram o quarto já
fazia uma hora que eu tinha levantado. Quase não dormi a noite de tanta
ansiedade e também era a primeira vez que dormia longe dos meus pais.
A minha colega de quarto chegou já era tarde, pelo que pude ver
um menino veio trazê-la até a porta. Eu fingi que estava dormindo, acho que
não era uma boa hora para sermos apresentadas, ela não respeitou o toque de
recolher e além disso o cheiro de cigarro dava para sentir de longe.
Vai ver Amélia tinha razão quando disse que ela era problema.
Olhei meu reflexo no espelho acima da pia do banheiro, meu rosto
tinha o aspecto cansado, por não ter dormido direito. Passei algumas
camadas de corretivo embaixo do olho e um pouco de rímel na intenção de
parecer mais apresentável.
Vesti o uniforme, porém a saia apertou a minha cintura. Tinha
passado minhas medidas há alguns meses, isso significava que eu tinha
ganhado peso.
Passei meus dedos pelo elástico da saia, precisava encomendar um
número maior ou emagrecer pelo menos um quilo e meio. A segunda opção
parecia melhor para mim, precisava voltar a me exercitar para isso acontecer.
Me exercitar bastante.
Coloquei a camisa branca de manga comprida, pelo menos a
camisa estava no tamanho certo, o que significava que o problema era na
cintura e no quadril, olhando para baixo percebi que minhas coxas também
tinham aumentado.
Respirei fundo, eu daria um jeito naquela gordura.
Terminei de me arrumar e saí do banheiro.
Vicky estava sentada em sua cama com cara de poucos amigos,
acho que ela não gostava de acordar cedo. O cabelo cacheado estava preso
em um coque no alto da cabeça, tinha resquício de maquiagem embaixo dos
seus olhos, seu nariz era arrebitado, ela tinha lábios grossos, a pele a mostra
pelo pijama curto era bronzeada, deve ter passado as férias em algum outro
país, na Inglaterra não fazia tanto sol para ter uma pele daquelas.
Essa era a hora certa para as apresentações.
— Bom dia. — Sentei na minha cama em sua frente. — Me chamo
Charlotte, sou sua nova colega de quarto. —Tentei soar simpática.
Seus olhos curiosos voltaram para mim e ela inclinou a cabeça
observando cada traço do meu rosto.
Abaixei meus olhos envergonhada com aquele ato, não faço ideia
o que passava na cabeça dela enquanto me analisava. Meu coração palpitou
com a possibilidade de ela não gostar de mim. Não que eu quisesse que
fossemos amiga, mas éramos colegas de quarto, precisamos ao menos nos
suportar.
— Eu achei chato quando me disseram que eu teria uma colega de
quarto, tinha me acostumado a não dividir o espaço. — Levantei meu olhar
para encará-la. — Mas você não parece tão ruim. Sou a Vicky.
— Eu sei. — Mordi nervosamente a pele interna dos meus lábios.
— Aposto que foi Amélia quem te deu essa informação. — Um
sorrisinho se abriu no canto da sua boca.
Em pouco tempo aqui eu já conseguia ver que uma não ia com a
cara da outra, não sei o que tinha acontecido entre as duas, porém fiquei
curiosa.
— Por que está arrumada tão cedo? Às aulas só começam às nove.
— Vicky perguntou com o cenho franzido.
— Preciso passar na sala do Sr. Willians para pegar o horário das
minhas aulas.
Ela balançou a cabeça concordando.
Me levantei da cama, coloquei os livros dentro da mochila junto
com o meu caderno, passaria no meu armário para guardar tudo.
— Nos vemos por aí. — Vicky falou se deitando novamente na
cama e pegando seu celular.
— Nos vemos por aí.
Saí do quarto. O corredor dos dormitórios ainda estava vazio e
silencioso, o único barulho era de alguns sussurros atrás das portas de
madeira escura.
Os degraus da escada rangeram enquanto eu descia. Caminhei até
a sala do diretor.
Me aproximei da porta e bati levemente.
— Só um instante. — Sr. Willians gritou do outro lado.
Abaixei a minha mão e esperei.
Pude ouvir a voz do diretor um pouco alterada logo depois de uma
outra voz masculina, porém mais baixa. Outra pessoa estava na sala e eles
não estavam tendo uma conversa agradável.
Me afastei alguns centímetros da porta. Será que a essa hora ele
estava dando uma bronca em um aluno?
O Sr. Willians parecia ser alguém bem rígido em relação às regras
do colégio. Pelo que li na ficha de regras tínhamos um toque de recolher às
nove horas da noite, qualquer um pego fora do quarto nesse horário iria para
detenção.
O uniforme era obrigatório nas aulas, qualquer lição não feita ou
nota abaixo da média os pais eram notificados imediatamente. Era
totalmente proibido beijos ou gestos mais afetuosos em qualquer lugar do
colégio, se as meninas fossem pegas no dormitório masculino ou o contrário
poderia gerar uma expulsão.
A porta foi aberta com força, saltei para trás com o susto.
Um par de olhos escuros me encarou, observei seu rosto, a pele
clara com o tom avermelhado confirmava minha teoria de que a conversa
com diretor não foi nada agradável. O cabelo preto estava despenteado e
alguns fios caiam em seus olhos.
A sua testa franziu enquanto olhava para mim, porém, a raiva não
deixou o seu rosto.
Meus olhos desceram, analisando seus lábios finos e os ombros
largos. Ele era bem mais alto que eu, devia ter por volta de um e oitenta.
Vestia a calça preta do uniforme, a camisa branca tinha os três primeiros
botões abertos, a gravata xadrez vermelha, do mesmo tom da minha saia,
estava com o nó frouxo e o blazer vermelho ele segurava em suas mãos.
Totalmente fora dos padrões que a escola exigia, já que estar
vestido corretamente com o uniforme limpo e desamassado também era uma
regra.
Ele não deu mais tempo para observá-lo, apressou seus passos e
esbarrou em meu ombro quando passou por mim.
Com a porta agora aberta olhei para dentro da sala, avistei o Sr.
Willians sentado atrás de sua mesa passando as mãos pelos cabelos. Bati na
porta atraindo sua atenção para mim.
— Bom dia, Charlotte. — Ajeitou sua postura na cadeira.
— Bom dia, vim pegar meu horário, mas posso voltar outra hora.
— Não, tudo bem, pode entrar. — Sua voz soou cansada.
Apertei a alça da minha mochila e adentrei na sala. Me aproximei
da sua mesa.
O diretor abriu uma gaveta em sua mesa, revirou alguns papéis e
me estendeu uma folha.
— Aí está o horário de suas aulas e quais livros precisa ler.
— Obrigada. — Peguei a folha de sua mão.
— Espero que goste do colégio. — Um sorriso amarelo abriu em
seu rosto.
Sorri sem mostrar os dentes e me virei para sair dali.
Olhei no horário, minha primeira aula seria história, gostava dessa
matéria.
Passei em meu armário, coloquei a senha que Amélia tinha me
dado para abrir o cadeado. Guardei a mochila lá dentro.
O relógio na parede à frente me dizia que eu tinha ainda uma hora
antes da aula começar.
Andei até o refeitório, onde agora estavam servindo o café da
manhã.
O lugar estava quase vazio, somente um casal ocupava uma mesa
no começo do refeitório.
Peguei uma bandeja, observei a variedade de cereal, os ovos
mexidos acompanhados por bacon e pão. Minha barriga roncou, eu estava
com fome, mas precisava de algo menos calórico, o uniforme já estava
apertado.
Avistei uma bacia com maçãs, engoli seco e fui até elas. Coloquei
em minha bandeja uma maçã e uma garrafa de água.
Caminhei para uma das mesas vazias e comecei a comer.
Não demorou muito para Grace e Amélia entrarem juntas no
refeitório e caminharem para se servir.
Fiquei com vontade de acenar e chamá-las para sentarem comigo,
mas eu iria ficar parecendo a garota nova desesperada por amizades.
Esperava que elas decidissem se sentar comigo por livre e espontânea
vontade.
Os olhos de Amélia correram pelo ambiente e quando me avistou
abriu um sorriso simpático, cutucou o braço de Grace e indicou a minha
mesa com a cabeça.
As duas se sentaram nas cadeiras à minha frente.
Grace encarou minha bandeja com a maçã pela metade e a garrafa
de água tomada somente um gole.
— Você sabe que teremos três aulas até o almoço? Você vai passar
fome.
Coloquei uma mecha de cabelo para trás da orelha.
— Eu costumo comer pouco. — Minha voz saiu baixa.
— Deixa a menina em paz, Grace. — Amélia a repreendeu. —
Sempre é bom manter o corpo em forma. — Piscou o olho para mim. —
Qual será sua primeira aula?
— É história, minha matéria favorita.
— Também amo história — Grace falou bebendo um gole do seu
suco de laranja — Você irá gostar da Sra. Edwards.
— Não mais do que irá gostar do Sr. Martin, o professor de
matemática. — Amélia falou com os olhos brilhando.
— Espero que sim, porque tenho duas aulas seguidas de
matemática, depois da de história.
Os alunos começaram a entrar no refeitório enchendo o local com
falatório e risadas.
— Acredite é o professor mais lindo que temos. — Grace tinha um
sorriso no rosto. — Eu e Amélia também termos matemática na segunda e na
terceira aula.
Sorrir, pelo menos não estaria sozinha.
Meus olhos se desviaram para a entrada do refeitório, o menino
que esbarrou em mim na sala do diretor estava entrando, tomou minha
atenção imediatamente, ele ainda não havia arrumado o uniforme, parece
que não tinha medo de ser punido.
Ao seu lado estava um garoto negro, com pequenas tranças
rastafaris que iam até a altura da sua orelha, no outro lado estava Vicky.
Então eles eram amigos.
Segui com olhar os três até o buffet onde começaram a se servir.
— Eles são lindos, mas são problemas. — Grace virou o rosto e
seguiu meu olhar.
— Quem são os dois? — A curiosidade tomou conta de mim.
— Oliver Clarck é o de tranças rastafari. — Observei ele se servir
de uma tigela de cereal e uma caixinha de leite — É americano, mas se
mudou para cá cedo e logo começou a estudar aqui. Pelo que dizem, foi
criado pelo pai que é senador e troca de esposa como se trocasse de roupa.
Desviei meu olhar para o outro garoto.
— Quem é o outro?
Perguntei a Grace, porém foi Amélia quem respondeu.
— Noah Willians, filho do diretor, o garoto mais lindo do colégio,
entretanto o mais problemático, o meu conselho é que fique longe; dele e de
qualquer um daquele trio.
Isso explicava muita coisa, como o porquê ele estava levando uma
bronca do Sr. Willians logo cedo e ainda continuava usando o uniforme de
forma errada sem medo.
Observei Noah pegar uma bandeja e servir uma xícara grande de
café.
Vicky vinha logo atrás, estava com cara de sono e resmungava
algo para os meninos.
— Vicky parece ser legal.
Grace torceu a boca como se eu estivesse falando a coisa mais
errada do mundo.
— Vicky Evans é uma drogada. — Amélia disse com raiva —
Teve uma overdose no dormitório, isso não é o que uma pessoa legal faz. Se
eu fosse você dormiria de olhos abertos. — Jogou a mecha de cabelo que
estava em seu ombro para trás.
Aquilo com certeza era pessoal, mas eu não queria mexer naquele
vespeiro. Amélia e Grace estavam sendo receptivas comigo, então aprendi a
lição e não iria falar de Vicky perto dela, por mais que eu ache que ela não
seja tão ruim quanto Amélia falava.
Encarei a metade da maçã em minha bandeja sem mais nenhuma
vontade de comer o restante, bebi apenas mais um gole de água, aquilo teria
que ser o suficiente para o café da manhã, minhas coxas não precisavam
crescer mais.
Me despedi das meninas e caminhei de volta ao meu armário,
faltavam vinte minutos para começar a aula. Peguei meu caderno, meu
celular e o livro de história e caminhei para a sala 14.
Ainda estava vazia, escolhi uma das cadeiras do fundo e me sentei,
não queria chamar atenção, já bastava ser a aluna nova.
Aproveitei para mandar uma mensagem para o Charlie, já estava
com saudades dele.
“Bom Dia!!! Como está a escola?”
Não demorou dois minutos e ele respondeu.
“Uma merda sem você. Já pode voltar?”
Um sorriso se abriu em meu rosto.
Antes que eu pudesse responder, ouvi passos se aproximando e
uma mulher entrou na sala.
Seus cabelos eram na altura dos ombros, castanhos iguais aos
olhos, o corpo era avantajado, do tipo coxas grandes, quadril largo e com
curvas grandes.
Tinha alguns livros nas mãos e os depositou na mesa em frente à
lousa. Era minha professora de história.
— Você é a Charlotte Jones? — Seus olhos gentis me encararam.
— Sim, sou eu.
— Seja bem-vinda Charlotte, espero que goste do colégio e das
minhas aulas. — Ela soltou uma risada fraca.
As meninas tinham razão, ela parecia legal.
— Adoro história.
O sinal tocou e os alunos começaram a entrar na sala.
Dois garotos entraram, um se sentou à minha frente e outro ao seu
lado.
— Estou te falando, a festa hoje vai estar lotada. — O que estava
sentado à minha frente falou para o outro.
— Sem chance de o diretor descobrir? — O outro questionou.
— Nunca. — Ele soltou uma risada. — Ninguém é louco de
contar.
Uma festa? No colégio? Minha curiosidade atiçou na mesma hora.
Noah passou pela porta tirando minha atenção da conversa e meus
olhos os seguiu. Parece que tínhamos aula de história juntos.
Ele se direcionou para os fundos da sala e eu desviei meu olhar
para não ser pega encarando-o.
Sentou-se na cadeira ao meu lado, não consegui me conter e
arrisquei uma olhada para o lado. Seus olhos escuros me encaravam como se
pudesse ver minha alma, virei rapidamente para frente desviando da
intensidade do seu olhar.
A professora começou a escrever algo na lousa e me concentrei
nisso.
Mesmo com os olhos grudados na lousa podia sentir ele me
encarando, meu corpo formigou com a sua atenção.
Abri o livro de história na página 21 como a professora mandou,
abaixei minha cabeça e me concentrei no livro, meu cabelo cobriu boa parte
do meu rosto impedindo que ele visse como eu estava ficando vermelha.
— Iremos falar sobre a Era Napoleônica. — A voz da professora
interrompeu meus pensamentos. — Mais para frente falaremos sobre o
Congresso de Viena, então já comecem a ler sobre o assunto.
Comecei a anotar no caderno o que a professora falava, tentando
me manter concentrada naquilo. Aliás, era para isso que eu vim para cá, para
estudar e não ficar encarando meninos bonitos.
Coloquei uma mecha de cabelo para trás da orelha e olhei
disfarçadamente para o lado, mas ele não me encarava de volta. Aproveitei
para observá-lo.
Seus olhos estavam concentrados no caderno a sua frente, porém
ele nem parecia dar ouvidos ao que a professora falava, sua mão deslizava
suavemente pelo papel. Levantei um pouco mais minha cabeça e percebi que
ele estava desenhando.
Noah era filho do diretor, mas não estava nem aí para a aula ou
para qualquer outra coisa do colégio.
Antes que eu pudesse identificar o desenho que ele fazia, sua mão
puxou o caderno para longe da minha visão. Noah sabia que eu estava o
observando.
Um frio percorreu minha barriga, como se eu estivesse no topo de
uma montanha-russa pronta para uma descida inclinada.
Foquei novamente na aula, não queria ser pega bisbilhotando
novamente.
Depois que o sinal tocou avisando que a aula tinha acabado, Noah
foi um dos primeiros a sair da sala.
Arrumei minhas coisas e passei no meu armário para trocar de
livros e segui para a próxima aula, que seria matemática.
Andei até a sala 10, onde aconteciam as aulas de matemática.
Assim que entrei na sala avistei Amélia e Grace nas primeiras
cadeiras, me sentei atrás de Grace.
Sem conter minha curiosidade, comentei.
— Meninas, ouvi algo sobre uma festa.
Elas se entreolharam.
— Sim, o trio, Vicky, Noah e Oliver, sempre dão uma festa no
começo das aulas. — Amélia explicou. — Atrás do colégio existe um antigo
trem de carga abandonado, as festas acontecem lá.
— É muita sorte o diretor nunca ter desconfiado. — Grace riu.
— Vocês costumam ir? — Perguntei baixo quando um grupo de
estudantes passou perto para ir se sentar nas cadeiras dos fundos.
— Essas festas acontecem de tudo, não é um bom lugar para estar.
— Amélia falou com receio.
— Nós podíamos ir levar a Charlotte para conhecer. — Grace deu
a ideia.
Para falar a verdade eu queria ir à festa, porém não poderia ir
sozinha, não conhecia ninguém. Olhei para Amélia que parecia pensar na
sugestão da amiga.
— Por favor, eu adoraria ir e conhecer mais pessoas. — Pedi para
Amélia que ainda estava calada.
— Tudo bem. — Eu e Grace abrimos um sorriso. — Mas não
ficaremos muito tempo.
O professor de matemática entrou interrompendo nossa conversa.
As meninas tinham razão, Sr. Martin era bonito, os cabelos de tom
avermelhado eram penteados para trás, os olhos eram grandes e verdes, tinha
pequenas sardas pontilhadas pelo rosto. Aparentava ser novo.
Grace me olhou sobre o ombro e me deu um sorriso divertido.
— E aí o que achou?
Um sorriso se formou no canto da minha boca.
— Você tinha razão.
Charlotte
Depois do almoço tive mais três aulas. Pude perceber que as
matérias eram mais difíceis que as da minha antiga escola, porém como uma
boa nerd eu estudaria até está boa em todas.
Minha barriga roncou me lembrando da pouca comida que ingeri
no almoço
Entrei no meu quarto e uma pilha de roupa se encontrava na cama
de Vicky, enquanto ela se encarava no espelho que havia na porta de seu
guarda-roupa. Parecia que seu lado do quarto sempre estava bagunçado.
— Charlotte, como foi o primeiro dia? — Desviou seus olhos para
mim.
Dei de ombros.
— Foi bom.
Me sentei na minha cama e observei Vicky, ela vestia um vestido
preto justo que marcava bem a suas curvas, mas ela não aparentava se
importar, talvez gostasse de mostrar o quadril largo. Ela era corajosa.
Mas sua barriga era totalmente lisa e as coxas eram menores que
as minhas, seu corpo era lindo.
Seu cabelo longo estava solto, deixando seus cachos livres, nos pés
calçava um coturno.
— Você irá à festa, né? — Virou-se para me encarar.
— Sim, acho que preciso me enturmar. — Soltei uma risada fraca.
— Você é um rostinho bonitinho, as pessoas vão te amar.
— É difícil se adaptar em uma escola nova no último ano.
— Irei encontrar os meninos agora, mas quando chegar na festa
me procura. Te darei uma noite divertida. — Ela piscou um olho para mim.
Confirmei balançando a cabeça.
Só não fazia ideia como faria isso, pois iria com Amélia e pelo que
eu me lembro as duas não eram tão amigas assim.
Vicky pegou seu celular e saiu do quarto.
Olhei pela janela e o sol estava se pondo. Pelo que as meninas
falaram, a festa ocorreria depois do toque de recolher, assim não correria
risco de dar de cara com o diretor no corredor.
Caminhei até o meu guarda-roupa e revirei as roupas atrás de algo
para vestir.
Nada ali me agradava muito, infelizmente não tinha trazido muitas
roupas comigo, ainda mais para uma festa. Passei alguns cabides e achei um
vestido cor de rosa e resolvi experimentá-lo.
Me livrei da camisa branca e da saia xadrez e coloquei o vestido.
Me virei para o espelho que antes Vicky se encarava e analisei minha
imagem. O vestido estava mais apertado do que a última vez que eu tinha
usado, só provava que nas últimas semanas eu havia ganhado peso.
Desci os olhos vendo minhas coxas marcadas no vestido e o
quadril largo ressaltado. Vicky tinha ficado bonita com um vestido mais
justo que esse, por que em mim era tão horrível de se olhar?
Passei as mãos pelo meu corpo e meus olhos se encheram de
lágrimas, um bolo se formou na minha garganta, meu corpo se encheu com a
insatisfação.
Sei que no subsolo perto dos laboratórios tem uma academia, iria
gastar boas horas lá. Não estava nem um pouco satisfeita com aqueles quilos
a mais.
Parei de me encarar no espelho e arranquei o vestido do meu
corpo.
Procurei no guarda-roupa por peças pretas, na tentativa de
esconder o meu corpo. Com certeza eu não iria comer mais nada hoje.
Conseguir achar uma saia mais solta de cor preta, a coloquei com
uma blusa de manga longa igualmente preta. Respirei fundo e reuni a
coragem para me olhar no espelho novamente. A saia estava cobrindo
metade da minha coxa escondendo a parte maior, a blusa disfarçava minha
barriga.
Tinha me agradado mais que o vestido, porém ainda não me sentia
bem, isso só iria acontecer quando eu perdesse aqueles quilos indesejáveis.
Fui até o banheiro. Vicky tinha deixado suas maquiagens
bagunçadas ocupando toda a bancada da pia. Juntei tudo e coloquei de volta
na sua gaveta, arrumando tudo.
Eu não tinha TOC, só gostava das minhas coisas organizadas,
parecia castigo ter uma colega de quarto bagunceira como a Vicky.
Peguei a minha própria maquiagem e tentei pelo menos fazer meu
rosto parecer bonito já que meu corpo estava horrível. Se as pessoas
prestassem atenção no meu rosto talvez não descesse os olhos para reparar
no meu corpo.
Como a festa seria de noite, fiz uma maquiagem mais carregada,
passei algumas camadas a mais de rímel. Me olhei no espelho acima da pia e
achei que algo faltava, abri a gaveta que estava as maquiagens da Vicky e
peguei seu delineador, fiz um traço fino rente aos cílios e puxei de encontro
a sobrancelha no final.
Peguei a escova de cabelos e passei em meus fios claros deixando
todos alinhados.
Uma batida na porta interrompeu o que eu estava fazendo. Me
afastei da pia e saí do banheiro, destranquei e abri a porta. Amélia e Grace
estavam paradas me encarando, Grace com o seu sorriso de sempre, já
Amélia tinha a expressão fechada.
Ela não queria ir mesmo nessa festa.
Amélia me olhou de cima a baixo, me analisando, engoli em seco
e juntei as minhas mãos na frente do meu corpo, totalmente desconfortável
com aquilo.
Seus olhos pararam na altura das minhas coxas.
— Suas coxas são grandes. — Subiu seu olhar para o meu rosto.
— Acho que ficou mais visível com a saia.
Mordi a pele interna da minha boca e apertei mais as minhas mãos.
Eu sabia daquilo, mas ouvir da boca de outra pessoa esse tipo de
comentário, me fazia querer enfiar o dedo na garganta e ficar pelo menos um
dia todo vomitando e algumas semanas sem comer.
— Ela está linda. — Grace a cutucou com o cotovelo e abriu um
sorriso gentil para mim.
— Claro. — Amélia abriu um sorriso sem mostrar os dentes. —
Ter coxas grandes não significa que é algo ruim.
Mas sabíamos que ela tinha falado aquilo no sentido ruim.
Dei dois passos para trás, para que elas pudessem entrar no quarto.
Tive que juntar todas as minhas forças para segurar as lágrimas.
Estava mais tentada do que nunca a correr para o banheiro e colocar tudo
que comi hoje para fora.
— Adorei o delineado, precisa fazer um igual em mim. — Grace
falou me arrastando para o banheiro.
— Claro, faço sim. — Minha voz saiu baixa.
Grace sentou-se na tampa da privada, peguei o delineado e me
concentrei para não errar.
— Por onde anda a sua colega de quarto? — Amélia perguntou
encostada no batente da porta.
— Vicky já saiu, foi encontrar os meninos.
Amélia soltou uma risada forçada.
Ela era legal, tinha sido receptiva comigo. Mas qual era o
problema da Amélia? Conseguia ser muito inconveniente quando queria.
— Falta quinze minutos para o toque de recolher. — Grace me
lembrou quando terminei seu delineador. — Então termine logo de se
arrumar.
Confirmei com a cabeça e corri atrás do meu tênis para colocar no
pé.
— Isso ficou muito bom Charlotte. — Grace comentou do
delineado enquanto se olhava no espelho.
— Obrigada. — Falei enquanto terminava de calçar os sapatos.
Terminei de arrumar o meu cabelo e estava pronta.
Pela brecha da porta podemos ver as luzes do corredor se
apagando. Ficamos paradas e fizemos silêncio absoluto.
Os passos da inspetora soaram no corredor. A partir desse
momento qualquer um pego fora do seu quarto tomaria uma advertência e
estávamos nos preparando para uma festa secreta, espero não ser pega no
primeiro dia de aula, meus pais não ficariam nada felizes.
A inspetora deu mais uma volta no corredor e seus passos se
afastaram. Soltei a respiração que nem sabia que estava segurando.
— Temos trinta minutos antes da inspetora fazer outra ronda. —
Amélia disse conferindo as horas no celular. — Se eu for pega colocarei a
culpa em vocês.
— Dramática. — Grace retrucou revirando os olhos.
Fui até a porta e parei minha mão na maçaneta.
— Como vamos sair do colégio sem passar pela sala do diretor? —
Questionei com a mão parada na maçaneta.
— Existe um jeito. — Grace falou depressa. — Agora abre essa
porta logo.
Abri a porta e olhei para os dois lados do corredor, onde a única
iluminação era uma luz fraca de emergência. Finalmente saí do cômodo com
as duas logo atrás.
Deixei que elas guiassem o caminho, andamos até o final do
corredor dos dormitórios. No final, ao lado direito da parede, havia um
quadro renascentista, tinha por volta de dois metros, não dava para
identificar muito bem o desenho com a pouca iluminação.
— Vantagens de estudar em um colégio antigo, passagens secretas.
— Grace sussurrou para mim.
Ela e Amélia foram até o quadro para movê-lo, eu me virei para o
corredor para ter certeza de que ninguém estava se aproximando.
— Vamos logo.
Amélia agarrou o meu braço e me puxou para dentro da passagem
secreta.
O espaço era extremamente pequeno e mal iluminado, uma escada
velha de madeira escura se estendia à nossa frente.
Colocamos com cuidado o quadro de volta em seu lugar e
fechamos a passagem. O lugar era tão estreito que fomos uma atrás da outra
descendo a escada, Grace liderava o caminho, Amélia atrás dela e eu por
último.
Um frio na barriga me dominava, eu não fugia de casa para ir às
festas, eu era a nerd que não era convidada e preferia assim. Porém aquilo
seria bom para fazer novas amizades no colégio, pelo menos era isso que eu
afirmava na minha cabeça.
Seguimos para mais um lance de escada e demos de cara com uma
porta de madeira. Grace logo abriu e nós saímos daquele lugar apertado.
Nós estávamos na despensa da cozinha, a porta ficava atrás de
algumas caixas empilhadas, passando despercebida.
Saímos da cozinha, passamos pelo refeitório e atravessamos as
portas de vidro. Quando pisamos na grama do lado de fora, Grace colocou os
braços para cima e soltou uma risada alta.
— Ainda não estamos longe o suficiente para isso. — Amélia
colocou a mão na boca dela impedindo o barulho.
Soltei uma risada contida e baixa, porque estava sentindo a mesma
sensação de liberdade, daqui para frente podíamos ser quem quiséssemos,
sem nenhuma regra. Isso era novo para mim.
Andamos entre as árvores e os galhos da parte de trás do colégio, a
caminhada durou em torno de vinte minutos e o prédio antigo já desaparecia
de vista, só sendo possível ver o último andar.
Seguimos os trilhos enferrujados e tomados pela vegetação. Logo
na frente, um trem abandonado se estendia, sua cor original parecia ser
vermelha e amarela, mas era difícil de identificar agora que a ferrugem
dominava a maior parte.
Algumas pessoas conversavam e bebiam do lado de fora. Será que
era álcool naqueles copos? Eu sabia como funcionavam as festas, mas aquilo
era um colégio interno.
Pelas janelas quebradas era possível ver que uma luz vermelha
iluminava o ambiente.
Grace tinha um sorriso enorme no rosto.
— Isso vai ser muito bom.
— Assim eu espero. — Amélia resmungou.
Entramos no vagão, o local era apertado para a quantidade de
gente que estava ali dentro.
Alguns alunos dançavam e riam parecendo alterados demais pelo
álcool.
Quase ri pensando que esse era o Colégio Interno de Durham,
onde os ricos mandavam seus filhos para serem disciplinados e se tornarem
alguém na vida. Porém eles esquecem que por mais que existam regras
rigorosas só são um bando de adolescente sem a supervisão dos pais.
E eles aproveitam o máximo disso.
— Será que devemos beber algo? — Grace pergunta esticando o
pescoço para olhar as pessoas em sua volta.
— Com certeza não. — Amélia retrucou rapidamente.
Grace bufou insatisfeita do meu lado.
Virei o meu rosto procurando Vicky pela multidão, afinal ela tinha
me prometido uma noite divertida, apesar que a concepção de diversão de
nós duas deveria ser bem diferente.
Só precisava de uma desculpa para me afastar de Amélia sem falar
que eu iria atrás de Vicky, não queria ficar no meio da confusão daquelas
duas.
Noah
Os vagões estavam cheios de gente, conversando, se pegando e
dançando ao som de ‘Imagine Dragons’.
Encostado em uma das paredes de metal enferrujadas, encarei o
meu copo com o líquido âmbar pela metade, era whisky, meu segundo copo.
Precisava de muito mais para desligar os meus pensamentos. Aquele dia
tinha começado uma merda, meu pai fez questão de lembrar o poder que tem
sobre mim.
Respirei fundo e dei um longo gole sentindo o líquido queimar
minha garganta.
Um grupo de três garotas passaram pelo que antes era porta do
trem, estreitei meus olhos para enxergar melhor, a menina nova estava com
Grace e Amélia. Ela era parecida com elas, rosto angelical e cabelos loiros,
seus olhos perdidos analisavam todo o local, ela parecia boa demais para
isso.
Oliver se aproximou com seu copo nas mãos.
— Parece desanimado. — Ele me encarou. — É uma festa, não um
enterro.
Soltei uma risada fraca.
— Dia difícil. — Bebi mais um gole do meu copo. — Mas como
você disse, é uma festa. Está na hora de se divertir.
Meus olhos encontraram os cabelos loiros da novata indo em
direção aos vagões do fundo, para minha surpresa estava sozinha, as amigas
estavam perto das bebidas.
Foi inevitável, não abrir um sorriso de orelha a orelha.
— Achei a distração que eu precisava. — Falei com os olhos
grudados na novata.
— Então faça bom proveito. — Oliver soltou uma risada.
Me afastei e fui atrás do meu alvo.
Ela seguiu seu caminho pelos vagões olhando para os lados, como
se estivesse no lugar errado, quase com medo.
Seu corpo se espremia para passar entre as pessoas. Corpo esse
que eu adoraria maltratar. Porém primeiro vamos ver o quanto a cabeça dela
aguenta ser bagunçada.
Como um tigre que caça a sua presa, mantive meus olhos presos
em cada movimento, enquanto ela estava alheia de que eu a seguia.
A luz vermelha deixava tudo melhor.
Seus olhos percorreram cada vagão, estava à procura de alguém.
Continuou seguindo até o quinto e último vagão, esse estava mais
vazio, somente um casal se pegava, tinha alguns entulhos no final, um sofá
marrom que eu apostava que essa não era a cor original dele, estava
encostado no canto da parede.
Ela analisou o local, mas sem entrar totalmente no vagão, o que
estava procurando não estava lá.
Parei na pequena passagem entre os vagões, impedindo qualquer
entrada ou saída. Estava tão perto que quase podia tocá-la e mesmo assim
não tinha percebido a minha presença.
Quando não achou o queria, virou-se bruscamente na intenção de
sair.
Seu corpo esbarrou no meu na mesma hora ela deu um passo para
trás, seus olhos assustados se levantaram para encarar o meu rosto.
— Estava observando. — Expliquei.
— Observando? — Sua pergunta saiu baixa, quase um sussurro.
— Como fez comigo na aula de história.
Seus olhos se arregalaram e eu abri um sorrisinho de lado.
Ela achou que eu não tinha percebido aquilo? Qualquer pessoa
percebe quando se está sendo observada, parece que ela é a única que não. O
que me agrada, pois gostei muito de observá-la.
— Eu não estava... — As palavras ficaram presas em seus lábios.
— Não estava me observando? — Ergui uma das sobrancelhas. —
E no refeitório mais cedo? Estava me observando?
Com certeza tinha percebido aquilo também. Ela me observou no
café da manhã enquanto conversava com suas amigas.
Ela engoliu seco sem dizer uma palavra, mas seus olhos ainda me
encaravam, tinha uma mistura de sentimento passando por eles, medo com
ansiedade. Olhos azuis do mesmo tom que o mar, nem a luz vermelha era
capaz de apagar aquela cor.
— Gosta de me observar? — Dei um passo aproximando nossos
corpos. — Gosta, Charlotte? — Sussurrei seu nome perto do seu rosto.
Sua expressão mudou para surpresa, tinha visto seu nome na sua
ficha escolar em cima da mesa do meu pai.
— Quem está sendo seu brinquedinho Noah? — A voz de Vicky
gritou atrás de mim. — Espero que seja bonita.
Imediatamente Charlotte abaixou o olhar, deu mais alguns passos
para trás se afastando de mim.
Vicky empurrou meu corpo e entrou no vagão, seus olhos
encararam Charlotte e voltaram para mim.
— Ela não é seu brinquedinho. — Vicky me repreendeu com a
testa franzida. — Charlotte é legal.
Sua voz e seu olhar baixo me mostravam que ela estava alterada.
Charlotte abraçou seus próprios braços como se estivesse se
protegendo de algo.
— Vamos animar isso aqui. — Oliver passou por mim com uma
garrafa de vodca.
Uma morena estava ao seu lado que logo identifiquei como Eliza.
Fazíamos algumas aulas juntos e ela já estudava a uns três anos aqui.
E era gata para caralho.
— Concordo, isso está precisando de uma animada. — Falei
mudando meu olhar para Charlotte que permanecia com os olhos grudados
no chão.
— Eu tenho uma brincadeira. — Vicky levantou os braços
empolgada. — Falamos algo, quem já tiver feito bebe.
Eliza abriu um sorriso e soltou um grito de entusiasmo.
— Estava te procurando Vicky. — Charlotte falou. — Mas depois
nos falamos.
Ela deu alguns passos para sair do vagão, porém Vicky agarrou o
seu braço impedindo que ela se movesse.
— Joga com a gente. Você vai gostar.
— Eu acho melhor não. — Ela forçou um sorriso.
Charlotte tentou se afastar novamente, mas dessa vez eu quem a
impedi entrando em sua frente.
— Está com medo de que a gente saiba o que já fez? — A desafiei
com o meu olhar.
Quase podia ver os seus pensamentos confusos se decidindo se era
uma boa ideia ficar ou a melhor alternativa era sair dali.
— Vamos Charlotte, vai ser legal. — Vicky insistiu mais uma vez.
Ela virou-se e analisou o local e então concordou com a cabeça.
— Eu vou jogar.
Bebi o último gole do meu copo na intenção de esconder o sorriso
que queria se abrir em meus lábios. Ela gostava de ser desafiada.
Vicky soltou um gritinho empolgado e a puxou para o sofá. Oliver
também sentou -se no sofá, Charlotte ficou entre os dois. Puxei uma das
caixas e me sentei em sua frente, Eliza pegou uma caixa também e sentou-se
ao meu lado.
Oliver encheu pela metade cinco copos e distribuiu um para cada.
— Começa, Vicky, já que a ideia foi sua. — Oliver colocou a
garrafa de bebida no meio da roda.
— Huum, vamos começar leve. — Vicky pensou um pouco — Eu
nunca traí um namorado ou namorada.
Oliver soltou uma risadinha e bebeu um gole do seu copo, Eliza
fez o mesmo.
Pude ver Charlotte erguer uma sobrancelha. Aquilo a deixava
surpresa?
— Sua vez loira. — Oliver a cutucou com o braço.
Seus dedos se pressionaram com força no copo plástico, Charlotte
nos encarou, pareceu pensar por alguns segundos. Engoliu em seco e disse.
— Eu nunca beijei meu melhor amigo.
Oliver e Vicky se entreolharam e beberam um gole. Eles já tinham
ficado mais de uma vez.
— Eu nunca tirei uma foto pelado. — Foi a vez do Oliver. — Não
precisa ser totalmente pelada em meninas. — Ele ressaltou.
Eliza riu e bebeu.
Vicky virou um gole grande.
Quando eu menos esperava Charlotte levou o copo até os lábios e
tomou um pequeno gole, fazendo uma careta logo em seguida.
A olhei de cima a baixo, com certeza eu queria ver essa foto. Seus
olhos me pegaram observando o seu corpo, ela abaixou um pouco mais a
saia e cobriu a suas coxas com os braços.
Eu bebi um gole porque também já tinha feito isso.
— Eu nunca transei em um carro. — Eliza falou alto.
Todos beberam, menos Charlotte, mas seus olhos me
acompanharam. Será que ela estava pensando em como seria? Eu podia
mostrá-la.
Estava na hora de saber se Charlotte era tão boazinha quanto
parecia.
— Eu nunca me masturbei pensando em alguém. — Falei com os
olhos cravados nela.
Seu dente agarrou o lábio inferior e seu olhar se desviou do meu.
Ela levou o copo até a boca e bebeu mais um gole.
Então ela já tinha feito isso. A cena que se formou na minha mente
era deliciosa.
Todos os outros riram e beberam.
— Eu nunca fiz sexo no colégio. — Vicky disse.
Nem sei o porquê ela tinha falado aquilo, pois ela já havia feito
que eu sei. Acho que estava só a fim de beber
Eu, Vicky e Oliver bebemos e sorrimos um para o outro.
Vicky inclinou totalmente seu copo e bebeu o resto da vodca.
— Quem topa uma segunda rodada? — Sua fala já estava ficando
embolada.
Olhei para Oliver e ele pegou o copo de sua mão.
— Chega de álcool para você hoje.
— É uma festa. — Vicky reclamou como uma criança birrenta.
Eliza se aproximou e tocou o meu braço.
— Então você já fez sexo no colégio. — Ela soltou uma risadinha
estridente. — Isso parece legal.
Me aproximei de seu rosto e falei.
— É muito legal.
Olhei novamente para o sofá e Charlotte estava se levantando e
indo em direção a saída do vagão. Dessa vez não a impedi, nos
encontraremos de novo, era um colégio pequeno.
Charlotte
A pontada na minha cabeça tinha durado a manhã toda, tornando
quase impossível se concentrar nas três primeiras aulas. O falatório que
estava no refeitório não ajudava em nada, tudo culpa dos dois goles de vodca
que meu corpo não estava acostumado.
Era horário de almoço e todo mundo parecia muito empolgado
com a festa de ontem. As fofocas corriam pelos corredores, quem havia
beijado quem, quem havia ficado bêbado.
Só torcia para que ninguém falasse sobre aquele jogo, me
embrulhava o estômago lembrar da forma que eu me expus. Vicky não
lembraria de muita coisa, estava bêbada, Oliver e a outra menina não
pareciam se importar, o que me preocupava era Noah. Ele não esqueceria o
que revelei naquela roda.
Que merda. Aquilo era íntimo. Por que mesmo eu aceitei jogar
aquilo?
Mexi com o garfo a salada em meu prato sem nenhuma vontade de
comer.
— Charlotte está pensativa desde ontem — Amélia me encarou
com desconfiança — Sumiu para procurar Vicky e voltou estranha.
— Vou ter que concordar com ela. — Grace tomou um gole do seu
suco.
— Estou normal. — Sorrir sem mostrar os dentes. — Só estou
cansada, nada demais.
Amélia analisou meu rosto.
— Aconteceu alguma coisa entre você e Vicky?
Franzi minha testa em confusão.
— Eu só conversei um pouco com ela.
— Já te avisei, Vicky não é confiável, entendo vocês duas são
colegas de quarto, mas não tente ser amiga dela se quiser ser uma boa
pessoa. — O olhar de Amélia era duro sobre mim — Ela só continua
estudando aqui porque o pai dela é influente. Você é melhor que isso,
Charlotte.
Tudo bem, elas tinham algum tipo de briga, mas de onde tinha
vindo aquilo tudo. A confusão dominava minha mente.
Grace nos olhava com cautela, como se quisesse interromper,
porém não fez.
Tomei um gole da minha água e reuni coragem para perguntar.
— O que aconteceu entre você e a Vicky?
A pergunta a pegou de surpresa, abriu e fechou a boca como se
estivesse procurando uma resposta.
— Já fui colega de quarto dela. Só estou te alertando, porque sou
sua amiga.
Se a intenção dela era essa, tudo bem, porém eu sabia que tinha
mais coisa por trás daquilo. Não queria mais falar daquilo, por mais que a
minha curiosidade estivesse aguçada, minha cabeça ainda doía e aquele
assunto não estava me agradando.
Além de tudo, Amélia dizia ser minha amiga, mas eu ainda era
meio receosa com ela.
— Qual será sua próxima aula, Charlotte? — Grace quebrou o
silêncio que tinha ficado na mesa.
— Biologia e você?
— Inglês. — Deu de ombro.
Afastei o prato com metade da salada ainda nele. Os olhos rápidos
de Amélia perceberam o meu ato.
— Você não come muito. É algum tipo de regime? — Questionou
com as sobrancelhas arqueadas.
Abaixei minhas mãos para o colo, ajeitei minha postura sentando
mais ereta e suavizei qualquer expressão do meu rosto. Tinha feito isso mais
do que posso contar, era assim que eu me protegia das perguntas indesejadas
e aparentava estar melhor para os meus pais.
Amélia já tinha me livrado de uma pergunta assim vinda de Grace,
mas agora parece que ela estava fazendo por maldade. Só não sabia o
porquê.
— É costume, sempre comi pouco. — Encarei seus olhos sem
piscar.
Ela olhou para o prato à minha frente e para mim novamente.
— Queria eu ser assim. — Grace soltou uma risada fraca aliviando
o clima.
O primeiro sinal tocou nos avisando que a aula começaria em 10
minutos. Me despedi das duas, coloquei meu prato no lugar e caminhei até o
meu armário. Peguei meu livro de biologia, meu caderno e segui para sala de
biologia.
O professor ainda não estava na sala, só duas meninas sentadas nas
mesas da frente conversando animadamente. Quando me aproximei vi que
uma delas era a morena que tinha participado do jogo ontem, seus olhos me
encararam com divertimento.
Desviei meus olhos e segui meu caminho. Depois que saí do
vagão, a vi junto com Noah bem próximos um do outro.
Um detalhe da sala de biologia: as mesas e cadeiras eram duplas,
ou seja, não havia como sentar sozinha nessa aula, pensar nisso aumentou
minha dor de cabeça.
Andei até a última fileira e me sentei nos fundos da sala, quem
sabe assim as pessoas desistiriam de sentar-se ao meu lado. Hoje não era um
bom dia.
Abaixei a cabeça e encostei na mesa, na intenção de suavizar a dor
de cabeça. Mesmo sem ver podia escutar a sala se enchendo de alunos, os
passos e as conversas ficando mais altas à medida que a sala ia lotando.
A cadeira ao meu lado rangeu quando foi arrastada e um corpo se
jogou em cima dela. Alguém havia se sentado ao meu lado.
Levantei a cabeça e me deparei com olhos escuros me encarando
com divertimento.
Aquilo só podia ser brincadeira. Minha dor de cabeça acabou de
ficar cem vezes pior.
— Dois goles de vodca foi o suficiente para te deixar assim? —
Noah perguntou com um sorrisinho se abrindo em seus lábios.
Antes que eu pudesse responder, o professor entrou na sala
cessando qualquer conversa e tornado a sala silenciosa.
Colocou seus livros em cima da mesa e começou a escrever algo
no quadro branco. A letra cursiva e arredondada formou “Anatomia Animal”
no meio do quadro.
— Hoje iremos aprender na prática sobre a anatomia animal,
especificamente dos anfíbios. — O professor virou-se para nós. — No fundo
da sala vocês irão encontrar um sapo para cada dupla.
Ele disse sapo? Nós iríamos literalmente mexer com um sapo?
Tudo bem, eu queria fazer Medicina, ver sangue e pessoas machucadas seria
rotina, porém os sapos eram nojentos.
Noah se levantou de sua cadeira e foi até os fundos da sala
acompanhado de mais alguns alunos. Ele voltou e colocou em cima da nossa
mesa uma bandeja de alumínio onde continha um sapo morto estirado.
O cheiro de formol ficou mais forte. Torci meu nariz para aquilo.
— Na página 45 do livro vocês terão o nome de cada parte
anatômica do animal. — O professor passou por entre as fileiras colocando
em cima de cada mesa uma espécie de bisturi e luvas de látex. — Abram o
sapo e identifiquem cada uma dessas partes.
— Só pode ser brincadeira. — Sussurrei para mim mesma.
— Está com nojinho do sapo? — Noah questionou com
divertimento na voz.
— Quero fazer medicina, não veterinária. Não tenho coragem de
abrir esse bicho. — Torci a boca.
Ele abriu um largo sorriso, como se aquilo fosse a coisa mais
divertida que já viu.
— Pois é melhor criar coragem. Você quem vai abri-lo. —
Empurrou o bisturi na minha direção.
— Eu não vou fazer isso. — Balancei minha cabeça de um lado
para outro. — Faz você.
— Vamos fazer juntos então.
Noah colocou suas luvas e eu também coloquei as minhas. Sem
entender muito o que ele queria dizer com “vamos fazer juntos”.
— Me dá sua mão. — Ordenou.
Meu cenho franziu em confusão.
— Para que você quer a minha mão?
— Anda logo.
Olhei para o sapo e depois para Noah impaciente esperando minha
mão.
Receosa coloquei minha mão na mesa, ele colocou o bisturi nos
meus dedos e levantou a minha mão.
Nossas mãos foram juntas em direção ao sapo, ele controlava
todos os movimentos.
Ele levou nossas mãos juntas em direção ao sapo, observei aquilo
querendo recuar e puxar minha mão, mas seu aperto era firme e deixei que
ele movimentasse a minha mão.
O bisturi fez um pequeno barulho quando rasgou a pele do animal,
me causando arrepios, desviei o olhar de nossas mãos cortando a pele das
costas do sapo. Aquilo era repulsivo.
— Pronto está cortado.
Quando Noah falou isso larguei o bisturi e puxei minha mão para
perto de mim.
— Então você quer fazer medicina? — Seus dedos abriram a pele
do bicho deixando seus órgãos expostos.
— Sim, vou para Oxford.
Seus olhos me encararam por um momento, pareciam me estudar.
Aquele olhar era penetrante e me fazia lembrar de tudo que revelei ontem à
noite, me deixando completamente constrangida.
Abaixei meu olhar para encarar o sapo agora aberto.
— Você terá que me ajudar a identificar os órgãos do sapo.
Eu poderia fazer aquilo, era boa em anatomia humana, não devia
ser tão diferente. O problema era ficar tocando naquele bicho.
— Ficar encarando não vai fazer ficar menos nojento. — Noah
soltou uma risada. — Tem que encarar a situação por pior que seja.
Em um rápido movimento, sua mão foi até a minha novamente e a
puxou em direção ao sapo, com menos gentileza dessa vez. Colocou minha
mão sobre o animal morto de uma vez, sem dar aviso prévio.
Minha mão tocou cada parte do animal gosmento embalsamado no
formol; a textura era estranha e horrível.
Soltei um pequeno grito quando percebi minha mão com contato
direto no sapo, só separada pela luva. Algumas cabeças se viraram para ver o
que estava acontecendo, o professor direcionou seu olhar ranzinza para nós.
— Tudo bem aí senhor Willians e senhorita Jones?
— Sim. A senhorita Jones está tendo uma experiência fascinante
com a aula. — Noah respondeu com a maior cara sarcástica.
Quando o professor se virou para continuar lendo os papéis em sua
mão, sussurrei para Noah.
— Você é louco?
Ainda tentando puxar a minha mão do seu agarre.
— Te dei o incentivo que precisava.
Finalmente soltou minha mão e eu a tirei de cima do sapo.
Olhei incrédula para ele.
— Eu anoto e você identifica os órgãos. — Ordenou.
Noah não se importava nem um pouco com o que tinha acabado de
fazer.
Peguei o bisturi para não precisar tocar no animal. Encostei com a
ponta metálica no órgão redondo de cor vermelha escura bem acima.
— Esse é o coração.
Ele começou a anotar em seu caderno.
Indiquei em cima do coração, bem na cabeça.
— O cérebro. — Apontei para uma linha que saia do cérebro até
quase o coração. — Acredito que essa seja a medula espinhal.
Dei mais uma olhada dentro do sapo. Encostei o bisturi em um
órgão que rodeava o coração.
— Isso é o pulmão.
Noah prestava atenção no que eu dizia e continuava anotando.
— O fígado está logo abaixo. — Fui indicando. — E aos lados
está o estômago e o intestino.
Lutando contra o meu nojo analisei mais um pouco os órgãos do
sapo. Com isso percebendo que se tratava de uma fêmea.
— Tem ovário, é uma fêmea.
Larguei o bisturi e me afastei do animal.
— Para quem estava com o nojo do sapo, você foi muito bem.
— Porque fui forçada. — Comentei de forma rude.
— Foi incentivada. Acho que foi a melhor aula de biologia que já
tive.
Revirei os olhos mesmo que meus lábios quisessem abrir um
sorriso, porém ele não merecia, não depois de me fazer tocar um sapo morto
contra a minha vontade. Eu sentiria aquela textura nojenta na minha mão por
alguns dias.
Noah
O colégio estava esvaziando, era sábado. O primeiro fim de
semana desde que as aulas voltaram e os alunos estavam ansiosos para sair
daquele lugar.
Eu também estaria se pudesse sair dali. O máximo para mim era
subir até o último andar onde ficava a casa do meu pai, onde eu não tinha a
menor vontade de estar.
Oliver estava arrumando as malas, sua expressão era desânimo
puro. Ele não queria voltar para casa, mas seu pai o obrigou.
Sua família tinha mudado para a Inglaterra quando ele ainda era
pequeno, Oliver é americano. Foi criado pelo pai, que sempre que pode troca
de esposa, sua mãe virou as costas quando ele tinha cinco anos e nunca mais
voltou.
O lápis deslizava pelo papel enquanto eu tentava desenhar a
imagem que se formava na minha cabeça.
— O que você tanto desenha aí? — Oliver questionou com o
cenho franzido.
— Nada.
Fechei rapidamente o caderno e soltei um suspiro frustrado.
— Acha que aconteceu algo para seu pai querer você lá? —
Guardei o caderno na escrivaninha.
— Não faço ideia, espero que isso não seja coisa da adolescente.
— Oliver socou um punhado de roupa na mala.
A tal da adolescente era a sua mais nova madrasta. Seu pai estava
em outro casamento, a esposa da vez tinha 22 anos e seu pai tinha 53 anos, já
estava com ela a dois anos. Por isso Oliver se referia a ela dessa maneira.
— Quem sabe você vai ter um irmão. — Segurei o riso.
— Não brinca com isso. — Apontou seu dedo indicador na minha
direção.
Ergui as mãos em rendição.
A porta foi escancarada por uma Vicky desanimada. Ela se jogou
na cama de Oliver.
— Se algum inspetor te pega na ala masculina, seria detenção na
hora. — Oliver a avisou.
— Pelo menos assim eu não teria que voltar para casa. — Vicky
soltou o ar com força — Tem uma vaga na sua casa?
— Só se você quiser ser a próxima esposa do meu pai. — Oliver
fechou a mala e a colocou no chão.
— Que nojo. — Seu rosto se retorceu.
Era um problema Vicky não querer ir para casa, lá ela poderia usar
outros meios para se distrair.
— Se precisar de qualquer coisa liga, que iremos ao seu socorro.
— Abrir um pequeno sorriso.
Pude ver que ela entendeu sobre o que eu estava falando, pois
concordou com a cabeça.
Nós tínhamos um trato se ela sentisse vontade de injetar heroína
ou cheirar uma carreira, até mesmo fumar um baseado. Ligaria para um de
nós dois e faríamos qualquer coisa para tirar aquilo da cabeça dela e a
distrair de outra forma.
— Vou manter a cabeça no lugar. — Vicky garantiu.
O celular ao meu lado tocou, encarei o aparelho e o nome do meu
pai preencheu a tela. O meu maior desejo era ignorar aquela ligação, mas ele
poderia vir aqui. Pior do que falar com ele por ligação seria encarar seu
rosto.
— Alô. — Minha voz saiu baixa.
— Daqui uma hora quero você aqui em cima. Na minha casa.
Vista um terno. — Ordenou.
— Por quê?
Escutei ele suspirando do outro lado, aposto que foi só por eu tê-lo
questionado.
— Reitores de algumas faculdades virão conhecer o colégio e irão
almoçar aqui. Quero que participe.
Ele não me deixou responder, encerrou a ligação.
Aquilo não era um pedido, era uma ordem, ele nunca pedia. Seria
tão legal poder ter escolha. Iria ser um evento cheio de velhos falando
merda, a última coisa que eu queria era participar daquilo.
Joguei o celular no colchão e passei as mãos no rosto.
— Por que nossos pais acham que devem escolher por nós? —
Questionei para os meus dois amigos que me encaravam.
— Me pergunto isso desde que nasci. — Vicky soltou uma risada
sem humor.

◆◆◆

Vicky e Oliver já tinham ido para suas casas. Tomei banho e vesti
o maldito terno, baguncei o meu cabelo, porque odiava os fios escuros
alinhados.
Mesmo contra a minha vontade eu subi até o terceiro andar. Ajeitei
o terno tirando qualquer amassado que estivesse visível, porque sei que ele
implicaria com isso.
Segui pelo corredor do último andar, as paredes pareciam estar se
mexendo e querendo me sufocar. Eu sabia que essa angústia não era somente
por esse almoço, mas desde que minha mãe morreu eu evito essa casa, as
vezes que vim aqui nos últimos sete anos davam para ser contadas no dedo.
Puxei o ar com força para o pulmão, encarei a porta de madeira
que devia ter uns quinhentos anos facilmente. Girei a maçaneta dourada e
adentrei no lugar que eu mais odiava.
O hall de entrada ainda tinha o quadro em família pendurado na
parede. Na foto eu tinha dez anos, a última foto com ela, o sorriso no rosto
da minha mãe não chegava aos olhos fundos com olheiras cobertas pela
maquiagem, observando mais de perto pude ver em seu braço direito
hematomas roxos. Meu pai sorria sem mostrar os dentes, com a sua
expressão séria de sempre.
Para quem via aquela foto, a família perfeita que vivenciou uma
tragédia, onde a mãe com uma depressão severa tirou a própria vida. Porém,
para mim que vivenciou de perto, era um grupo que nunca foi uma família,
uma mulher que pensou se casar com um homem bom e viveu um inferno
por dez anos.
Aprendi desde pequeno como me defender, porque muitas vezes
preferia apanhar no lugar dela.
No momento em que tirou sua própria vida, ela só queria que a dor
passasse.
Depois disso eu me mudei para o dormitório do colégio.
Escutei passos se aproximando e meu pai parou ao meu lado.
Estava usando um terno claro e tinha um copo de whisky nas mãos.
— É uma fotografia linda. —Ele observou o quadro.
Aquela foto não era bonita, era uma lembrança de como viver ao
lado dele é horrível.
Quando percebeu que eu não iria responder, continuou falando.
— Os reitores já chegaram, quero apresentá-los a você.
Seguiu para dentro da casa e eu fui atrás dele. Passamos pela sala
bem arrumada até a sala de jantar, com uma mesa de madeira escura e alguns
detalhes desenhados no móvel, com seis cadeiras com estofado vermelho.
Havia dois homens sentados, cada um de um lado da mesa. A
superfície está cheia com comidas variadas.
— Meu filho chegou. — Meu pai anunciou nossa entrada no
cômodo.
Os dois se viraram para nós e se levantaram da cadeira.
— Este é Harry, reitor de Oxford.
Ele me apresentou o de cabelo loiro escuro e olhos claros. O
cumprimentei com um aperto de mão.
— Este é Jack, reitor de Cambridge.
O homem negro abriu um sorriso e me cumprimentou.
— Vieram à cidade especialmente para conhecer o colégio. —
Falou meu pai orgulhoso.
Me sentei em uma das cadeiras ainda sem falar uma palavra,
porque estava odiando cada segundo daquilo.
— Tínhamos que fazer essa visita. A maioria dos nossos alunos
vem daqui. — Jack comentou.
— Está fazendo um ótimo trabalho, George. — Harry elogiou.
— Só tento honrar o legado da minha família. — Os olhos do meu
pai se desviaram para mim.
— Deve estar ansioso para herdar tudo isso. — Jack se virou para
mim.
Olhei para o meu pai que me encarava sem piscar esperando a
minha resposta. Abri o melhor sorriso falso que consegui.
— Você não imagina o quanto.
A ironia ficou evidente na minha voz. Meu pai coçou a garganta
chamando a atenção para ele.
— Venho preparando ele há um tempo já. — Meu pai bebeu o
resto do seu Whisky. — É um bom garoto, vai fazer um ótimo trabalho.
Tinha esquecido em como ele era um belo mentiroso, tive que me
segurar para não rir.
Vamos ver o quanto ele aguenta.
— Uma das coisas que quero fazer quando assumir o colégio é
modernizar o ensino. Às vezes sinto que paramos no tempo.
Minha declaração fez os três pares de olhos virarem para mim.
— O ensino parece perfeito. — Harry franziu o cenho em
confusão.
— Porque você não está na sala de aula. — Retruquei.
As sobrancelhas de Harry se ergueram, provavelmente estava
acostumado a ser bajulado, a última coisa que ele queria era ser afrontado
por um garoto de 17 anos.
Pude sentir os olhos do meu pai me queimando como brasa.
— Acho que é sempre bom estar evoluindo. — Jack disse tomando
um gole de seu vinho.
— Ou até mudando. — Complementei.
— Eu disse que ele tem ótimas ideias. — Eu podia sentir a raiva
na voz do meu pai.
Ele teria que me aturar, foi ele que me quis aqui sendo o filho
perfeito e aumentando o seu ego.
— Não vejo a hora de assumir o cargo. — Segurei o sorriso que
queria abrir em meus lábios. — Quem sabe assim as doações generosas que
alguns pais fazem para manter seus filhos aqui sejam recusadas.
Harry e Jack se entreolharam porque sabiam exatamente o que eu
tinha insinuado. Arrisquei uma olhada para o meu pai, seu rosto estava
vermelho e suas pupilas dilatadas, se estivéssemos sozinhos ele tinha pulado
no meu pescoço. Porém eu não tinha mais dez anos, agora eu sabia bater de
volta.
Se ele quisesse vir para cima de mim eu estaria pronto para
mostrar como se bate de verdade. O garoto que tinha medo até da sua voz
tinha ido embora.
— Traga mais vinho. — Ele gritou para algum empregado fora do
cômodo.
Seu grito repentino assustou os dois reitores.
— O que meu filho está tentando dizer é que nós incentivamos os
pais a doarem para caridade, pois acreditamos em boas ações.
O silêncio se instalou na mesa.
A empregada entrou na sala de jantar com uma garrafa de vinho
nas mãos. A observei, seu uniforme era uma calça justa e uma camisa
branca, seus cabelos castanhos estavam presos em um rabo de cavalo,
parecia ter um pouco mais da minha idade.
Ela colocou a garrafa ao lado do meu pai e disfarçadamente os
dedos dele acariciaram a mão dela, pude ver a sua expressão de desconforto
ao se afastar.
Meu estômago embrulhou na mesma hora.
Levantei-me da cadeira e os olhares se voltaram para mim. Eu
tinha que sair um momento de lá se não iria surtar.
— Com licença senhores. Já volto.
Apressei os meus passos para sair daquele ambiente o mais rápido
possível, não olhei para o meu pai. Só queria sair dali, me afastar dele.
Segui pelo corredor com papel de parede avermelhado, as portas
dos quartos entraram em minha visão e sem pensar muito abri a terceira
porta.
A cama gigante com lençóis brancos estava no centro do quarto, o
tapete felpudo cinza tomava boa parte do chão, a cômoda de madeira clara
combinando com as mesas de cabeceira. Nada ali foi escolhido por ela, mas
ainda sim a lembrava.
Deve ser porque tenha sido o lugar que ela mais ficou antes de
morrer e foi nessa cama que encontrei seu corpo sem vida. Eu tinha somente
10 anos e vê-la naquele estado, tão frágil e sem forças para lutar pelo próprio
filho. Porém não a culpo, só uma pessoa tem culpa disso.
Ele está ali, rico, esnobe e com o ego maior do mundo. Lembro-
me de que em seu velório ele não teve a capacidade de derramar uma
lágrima.
Levantei o pé para dar um passo à frente, mas a coragem não veio,
uma dor se instalou em meu peito e eu quase pude sentir o cheiro do seu
perfume cítrico. A minha respiração acelerou e apertei as mãos em punhos.
Fico imaginando se ela estivesse viva, seria diferente? Com
certeza não, até a morte era melhor do que viver com alguém como o meu
pai.
— Senhor Willians, não gosta que ninguém venha aqui.
A voz atrás de mim me tirou dos pensamentos.
Olhei sobre o ombro e a empregada que levou o vinho até a mesa
estava me olhando.
— Ele diz para ninguém vim aqui, mas ele nunca diz o motivo.
Não é mesmo?
Fechei a porta do quarto e me virei totalmente para ela. Seus olhos
estavam assustados e ela mexia as mãos nervosamente.
— Só estou fazendo o que fui mandada.
Avancei um passo em sua direção.
— Se eu fosse você corria daqui. — Avisei
Ela engoliu seco.
— Os surtos de raiva irão piorar e da próxima vez ele não jogará o
copo na parede. Será em você.
Seus olhos se arregalaram, porque ela sabia exatamente do que eu
estava falando. O problema de raiva que ele tinha não dava para esconder
por muito tempo, e se ela trabalhava aqui já tinha presenciado um de seus
ataques raivosos.
Passei por ela.
Escutei vindo da sala de jantar risadas e falatórios altos, nada que
eu falei tinha danificado sua imagem, ele sempre conseguiu passar por cima
de tudo e ter o que queria.
Levei as minhas mãos até o nó da gravata e o afrouxei. Em vez de
voltar para o cômodo anterior, segui para a saída, ainda com a respiração
falha.
Minha cabeça precisava de um descanso.
Charlotte
Depois de duas horas na estrada respondendo às perguntas
incansáveis da minha mãe. Ela queria saber cada detalhe da primeira semana
na escola.
Contei tudo a ela, deixando de lado a festa, aquele jogo pervertido
e o fato de eu ter bebido vodca pura. Fiz mais coisas essa semana do que fiz
a minha vida inteira, parecia que aquele ambiente estava me corrompendo.
Estava voltando, era sábado e o tempo estava nublado, o que não
era uma novidade na Inglaterra.
Um pensamento se instalou em minha cabeça, ou melhor, uma
pessoa, Noah. O colégio estaria vazio esses dias, mas ele era filho do dono e
não saía dali, isso parecia triste. Será que ao menos ele tinha uma casa para
ir?
Enviei esses pensamentos para longe, talvez ele merecesse por ter
me obrigado a tocar em um sapo morto.
Assim que minha mãe parou o carro avistei Charlie, me esperando
com um sorriso no rosto. Pulei do carro, sem me importar em pegar a mala
com roupas sujas, corri em sua direção e ele me abraçou com força, agora
sim eu estava em casa.
— Isso tudo era saudades? — Ele brincou quando nos afastamos.
Revirei meus olhos.
— Você também está, por esse motivo estava me esperando aqui.
— Tudo bem, sou culpado. — Charlie levantou as mãos em
rendição — Vim te buscar para irmos ao cinema. Até peguei o carro do meu
pai emprestado.
Virei para trás vendo o Audi prata do seu pai estacionado.
Voltei minha atenção para a minha mãe, que tirava minha mala do
carro.
— Mãe, estou indo ao cinema com Charlie.
Ela se virou para nós dois enquanto arrastava a mala para dentro.
— Tomem cuidado, crianças. Não voltem tarde.
Charlie destrancou o carro e entramos.
— Qual filme vamos ver? — Afivelei o cinto de segurança. — Eu
vi na internet que tem um ótimo de terror.
Virei meus olhos para ele brilhando de empolgação.
— Por que você não pode ser como as outras meninas e gostar de
romance ou comédia? — Ele questionou indignado.
Mostrei a língua para ele.
— Tudo bem se quiser assistir um filme de mulherzinha, mas
estou falando que esse filme que está em cartaz é bom. — Insisti.
Deu partida no carro e seguimos em direção ao cinema.
— Não precisa ser romance, pelo menos uma comédia, dar risada
é sempre bom. — Ele tirou os olhos da estrada e me encarou por alguns
segundos. — A última vez você escolheu o filme.
Tudo bem, eu não tinha mais argumentos.
— Certo você venceu, nada de terror hoje.
Ele comemorou.
Me virei para janela encarando as construções passando
rapidamente. Aqui era diferente de Durham.
Aquela cidade parecia sempre estar coberta por uma névoa.
Apesar de gostar de estar de volta em casa, estava ansiosa para
encarar a segunda semana de aula.
No final acabamos assistindo uma comédia romântica, não vou
reclamar, até que o filme era bom. Claro que não tinha a emoção que o terror
trazia.
Aquela ansiedade de que algo vai acontecer e mesmo quando
acontece você leva um susto, a antecipação é o que faz ser interessante, o
fato de você nunca saber o que te aguarda e ainda sabendo que algo vai
acontecer, você não sabe o que é esse algo.
E depois que você leva o susto parece que foi injetado adrenalina
em seu corpo, o arrepio, o coração acelerado e a respiração ofegante.
Tentei explicar isso uma vez para Charlie, mas ele nem tentou
ouvir, não o culpo, parece pensamento de gente louca. Filmes de terror
foram feitos para criarem medo e nada além disso.
Depois do cinema fomos comer algo. Charlie pediu hambúrguer
com batatas fritas. Minha boca salivou de vontade, porém um alerta
vermelho soou em minha cabeça me lembrando do estado que meu corpo se
encontrava, eu não queria que minhas coxas ficassem maior.
Então lutei contra o que meu corpo queria e pedi uma salada com
frango grelhado.
— Então me conta, como é a escola nova? — Sua pergunta era
carregada de empolgação.
— Muito boa, as aulas são difíceis, mas acho que consigo pegar o
jeito.
Seus olhos desviaram das batatas e me encararam com
curiosidade.
— E as pessoas, já fez amizades?
— As pessoas são meias estranhas. — Dei de ombros. — Mas são
legais, já fiz algumas amizades.
Comi um pouco da minha salada enquanto ele ainda me encarava.
— E quem são essas novas amizades? — Sua pergunta agora era
cautelosa. — Todas são meninas?
Franzi o cenho confusa com a sua pergunta.
— Bom tem a Amélia e a Grace, elas me acolheram e são o mais
próximo de amigas que eu tenho, mesmo Amélia sendo meia esquisita. —
Mexi minha salada com o garfo. — Tem a Vicky, ela divide o quarto comigo
e até agora foi bem legal. Ela anda com o Oliver e o Noah.
Charlie deu uma mordida em seu lanche, mas seus olhos ainda
estavam em mim.
— Oliver e Noah? — Ele questionou depois que engoliu.
— Parece que ela fica com o Oliver e o Noah é filho do diretor. —
Me limitei a dizer a ele somente isso. — Conversei com eles pela primeira
vez em uma festa.
— Uma festa? — Charlie arqueou sua sobrancelha. — Você agora
vai em festas?
— Pensei que pudesse fazer amizades e conhecer mais pessoas. —
Dei de ombros.
— Não sabia que colégios internos podiam ter festas. — Sua
expressão mudou para confusão.
Coloquei um pedaço de frango na boca e só respondi depois de
engoli-lo, estava com medo do que meu melhor amigo iria pensar de mim
depois que eu respondesse, então esse foi o meu jeito de adiar a resposta.
Porém seus olhos me encaravam esperando ansioso para que
falasse.
— Bom, não pode ter, eles são bem rígidos, temos até toque de
recolher.
— Uma festa clandestina? — Seus olhos arregalaram. — Vai me
dizer que bebeu também?
Pressionei meus lábios em uma linha fina e abaixei os olhos. Não
precisei dizer nada para que ele soubesse a resposta, ele me conhecia bem
demais.
— Quem você é? E o que fez com a Charlotte?
Levantei meus olhos vendo sua testa franzida, o julgamento estava
claro em seus olhos.
— Só foi alguns goles por causa de um jogo estupido. — Me
defendi.
— Lembra de quem você é. Sei que estava querendo fazer
amizades, só não deixa de ser você.
Charlie tinha razão, participei daquele jogo porque me senti
desafiada por Noah, aquilo era idiota. Ele era idiota. Não faria mais nada
daquele tipo.
— Eu sei, vou focar somente nos estudos. — Coloquei mais um
pouco de salada na boca.
— Parece que estou querendo te dar um sermão, mas quero o seu
bem. — Ele abriu um sorriso. — É isso que os melhores amigos fazem.
— Sim. — Retribuir seu sorriso.
Eu não conhecia aquelas pessoas direito, o único amigo de verdade
era Charlie e se ele estava me avisando sobre algo, precisava escutá-lo.
— Logo menos começarão as aplicações para faculdade. — A
empolgação voltou em sua voz. — Mal posso esperar para começarmos a
procurar pelos apartamentos.
Íamos para a mesma faculdade e tínhamos planejado morar juntos.
Era um momento mais aguardado por nós dois.
— Vai ser incrível.

◆◆◆

O final de semana passou rapidamente, domingo passei o dia


inteiro com os meus pais, fizemos compras e almoçamos juntos.
No final do dia arrumei minha mala novamente para voltar ao
colégio.
Charlie veio se despedir de mim e estava anoitecendo quando
minha mãe me levou de volta ao colégio.
Eu ainda sentia aquele frio na barriga, pensei que aquilo seria
resultado da primeira semana, mas a ansiedade ainda estava lá. Sem saber o
que me esperava e a possibilidade de coisas novas acontecendo.
Quando subi para o quarto Vicky já estava lá, sentada em sua cama
enquanto lia um livro, falou somente ‘oi’ e não disse mais nada. Era
estranho, normalmente ela falava muito, sua expressão também estava
diferente, não era a colega de quarto sorridente que eu conhecia, ela parecia
triste.
Não sei como era sua família, mas Vicky não pareceu ter gostado
de ter ido para casa.
Tirei minhas roupas da mala e arrumei no meu guarda-roupa,
pendurei o uniforme em um dos cabides para não amassar.
Tomei um banho quente para relaxar o meu corpo e coloquei o
pijama de seda rosa que minha mãe tinha me dado de presente.
Saí do banheiro e encontrei uma Vicky adormecida. Peguei o livro
que estava largado em sua barriga, coloquei na escrivaninha e puxei o
cobertor para cobrir o seu corpo. Desliguei as luzes do quarto, deixando
somente meu abajur aceso.
Minha barriga roncou com fome me lembrando que a minha
última refeição tinha sido o almoço, fazia muitas horas que eu tinha comido.
Eu poderia achar alguma fruta no refeitório, olhei a hora em meu celular e o
toque de recolher já tinha passado faz um tempo.
Peguei meu celular e devagar abri a porta, olhei para os dois lados
do corredor vendo somente a escuridão. Caminhei até o grande quadro
decidindo que seria mais seguro ir pela passagem secreta. Desci as antigas
escadas de madeira, tentando ao máximo não fazer barulho.
Saindo da passagem secreta fui até a cozinha do refeitório. Avistei
uma bancada com variadas frutas, provavelmente seriam servidas no café da
manhã, me aproximei da bancada, mas meus olhos se desviaram para a
geladeira ao seu lado.
Mais uma vez minha barriga reclamou com fome. As frutas
estavam ali, era só pegar uma e comer, porém, aquela vontade era mais forte
que eu, os pensamentos evaporaram da minha mente quando eu me
aproximei da geladeira.
Abrir uma das portas e a primeira coisa que vi, foi um bolo de
chocolate na prateleira de cima. Provavelmente seria servido como
sobremesa no almoço de amanhã.
Engoli em seco e desviei meus olhos na intenção de procurar
qualquer outra coisa, mas sem sucesso voltei a encarar o bolo. Fazia muito
tempo que eu não comia chocolate, não me lembrava nem o gosto direito.
Pude sentir minha boca enchendo de água.
Sem conseguir raciocinar, minhas mãos foram até o bolo e tiraram
ele da geladeira. Com o pé fechei a porta.
Coloquei o bolo em cima de uma bancada vazia e o encarei. Eu
poderia comer um pedaço pequeno, só para lembrar do gosto, depois eu
queimaria as calorias.
Procurei nos armários um prato, um garfo e uma faca, cortei um
pedaço minúsculo e coloquei no prato. Levei para perto do meu rosto e
cheirei, meus lábios se entreabriam, passei a língua os umedecendo.
Com a mão trêmula levei um pedaço até a minha boca, pude jurar
que um gemido saiu dos meus lábios quando o chocolate tocou na minha
língua. Aquilo era tão bom.
Levei mais três garfadas para boca e o pedaço acabou. Respirando
com dificuldade cortei mais um pedaço, sendo esse maior.
Comi tão rápido quanto o primeiro pedaço. A voz que me dizia
para maneirar na comida foi silenciada e o gosto do chocolate não me
deixava escutá-la.
Deixei o prato de lado e levei o garfo diretamente ao bolo. Nada
era tão bom quanto aquilo, meu corpo agradecia cada dose de açúcar que era
ingerida.
Soltei o garfo, passei a mão na minha boca percebendo que estava
suja de chocolate, olhei para o bolo me dando conta que havia comido
metade dele.
Eu havia comido metade de um bolo?
Meu Deus, onde eu estava com a cabeça? Todo aquele açúcar, toda
aquela caloria.
— Não. Não. Não. — Sussurrei para mim mesma.
Eu era tão burra. Estava tentando emagrecer como pude comer
metade de um bolo de chocolate. A culpa me encheu.
E a voz que pedia para pegar leve na comida agora estava gritando
comigo. Me chamando de estúpida. A imagem do meu corpo veio a minha
mente como um soco no estômago, aquilo era péssimo.
Larguei tudo ali e corri para fora da cozinha, saindo no refeitório.
Me apressei para ir ao banheiro mais próximo.
Meus olhos se enchiam de lágrimas, estava acontecendo de novo,
eu tinha perdido o autocontrole.
Me abaixei até a altura da privada e forcei o meu dedo indicador
na garganta, não dando outra opção ao meu corpo a não ser jogar tudo para
fora.
Meu corpo se contorcia com o vômito, agarrei a borda de
porcelana e coloquei todo o bolo que eu tinha ingerido para fora do
organismo.
Depois de sair tudo, fui até a pia e lavei minha boca e meu rosto,
evitando a minha imagem no espelho.
Sai do banheiro antes que alguém me pegasse ali.
Meu celular apitou no pequeno bolso do meu pijama me avisando
que uma mensagem havia chegado. Peguei ele em mãos, vendo que a
mensagem era de um número desconhecido.
“Adorei esse pijama em você”
Olhei em direção ao refeitório e no corredor escuro, mas ninguém
estava ali. Franzi minha testa em confusão e respondi.
“Quem é?”
Era algum tipo de brincadeira? Porque eu não achei graça. Esperei
dois minutos, mas a resposta não veio. Então me apressei para sair dali.
Subindo a escada principal mesmo e indo direto para o meu quarto.
Noah
Vicky me esperava encostada no corrimão da escada que levava ao
subsolo. Vestia um top e uma calça legging, sem vergonha nenhuma de
mostrar suas curvas.
O colégio ainda estava silencioso, demoraria pelo menos uma hora
para os alunos começarem a deixar seus quartos.
Me aproximei de Vicky vendo sua expressão sonolenta.
— Por que mesmo resolvemos malhar tão cedo? — Sua voz era
desânimo puro.
— Porque você queria criar uma rotina de exercícios, aliás foi
você que escolheu o horário. — Lembrei a ela.
Um gemido de insatisfação saiu de seus lábios.
— Eu devia estar bêbada quando falei isso.
Soltei uma risada sabendo que isso era muito possível.
Comecei a descer as escadas e Vicky me acompanhou.
— Como foi em casa? — Perguntei cautelosamente.
Ela deu de ombros sem se importar.
— Ruim como sempre. Meu pai inaugurou seu quinto escritório.
Parabéns para ele — Falou essa última parte com uma felicidade fingida. —
E por aqui como foi?
— Ruim como sempre. — Sorri usando a mesma frase que ela.
Chegamos no subsolo e seguimos pelo corredor abafado e com
iluminação amarelada.
— Ontem, eu dormi enquanto lia o livro da aula de inglês, mas
uma coisa estranha aconteceu. Acordei completamente coberta hoje.
— Virou sonâmbula?
Ela revirou os olhos para mim.
— Acho que Charlotte me cobriu.
Arquei a sobrancelha para Vicky.
— Não sabia que vocês tinham virado amigas.
Então Charlotte era do tipo afetuosa, combinava com ela.
— Bom, somos colegas de quarto. Porém ontem quando fiquei na
minha, ela não encheu o saco. Gosto dela — Ela fez uma pausa e continuou
falando — Hoje quando eu acordei ela não estava mais no quarto.
Onde Charlotte pode ter ido tão cedo? Sei que ela ficou acordada
até tarde.
Chegamos na porta da academia e minha pergunta foi respondida.
Ela corria freneticamente na esteira. Usava uma legging cinza e uma
camiseta bem larga rosa escondendo seu lindo corpo, seu cabelo estava preso
em um rabo de cavalo, deixando seu pescoço exposto.
Me veio à mente ontem à noite, Charlotte parecia assustada
sozinha no corredor escuro, mas tenho que confessar que adorei vê-la vestida
naquele pijama rosa. Tinha conseguido o seu número em sua ficha escolar,
vantagens de ser o filho do diretor, quando a vi saindo do banheiro perto do
refeitório, não resisti e tive que mandar uma mensagem. Apesar de não fazer
ideia o que ela estava fazendo ali naquele horário.
— Fecha a boca se não vai babar. — Vicky sussurrou sorrindo
para mim.
Retribuir seu sorriso sem dizer nada.
— Bom dia, Charlotte. — Vicky falou entrando na academia.
Charlotte virou seus olhos azuis para nós, diminuiu a velocidade
da esteira, sua respiração estava ofegante, seus lábios entreabertos, sua
bochecha estava rosada e alguns fios loiros se desprendiam do elástico de
cabelo e colando em seu rosto.
Deus, ela parecia um anjo e eu não conseguia parar de encarar.
— Bom dia. — Charlotte disse e voltou a olhar para frente.
Fui direto para o supino, atrás da esteira, onde eu teria uma vista
privilegiada.
— Não sabia que você malhava. — Vicky começou a se alongar.
— Não malho sempre, só quando preciso. — Charlotte voltou a
aumentar a velocidade da esteira.
Espero que ela esteja fazendo isso pela saúde e não pelo corpo,
porque o corpo dela era perfeito.
Alonguei os meus braços e ajustei o peso do supino para 10 quilos
em cada lado, me deitei de peito para cima e comecei a levantar o peso.
— Como foi o fim de semana em casa? — Vicky estava tentando
puxar assunto.
— Foi bom, revi meu melhor amigo e meus pais, nunca fiquei
longe deles tanto tempo.
Charlotte era diferente de nós, ela gostava de estar perto da
família, nós não víamos a hora de sair de perto da nossa. Aposto que ela era
a filha exemplar também. Como alguém bom veio parar nesse colégio
prisão?
— Você tem amigas aqui. Amélia está adorando você. — Pude ver
um sorriso de deboche atravessar o rosto da Vicky.
Soltei uma risada fraca enquanto abaixava o peso.
— Grace e Amélia são legais. — Ela fez uma pausa e continuou a
falar. — Percebi que vocês não se dão bem.
— O que ela te contou? — Vicky perguntou rindo.
Charlotte desligou a esteira, sua respiração mostrava o quanto ela
estava cansada.
— Ela não falou nada. Eu observei.
Coloquei os pesos novamente no suporte e me sentei. Charlotte se
apoiou na esteira. Parecia fraca.
— Verdade, Charlotte gosta de observar. — Falei com a intenção
de provocá-la.
Seus olhos azuis se viraram para me encontrar, pude ver uma
chama de raiva acendendo, adorei aquilo.
— Não liga para ele, Charlotte. — Vicky disse.
Observei seu rosto, agora mais pálido que o normal, percebi que
ainda se apoiava na esteira para se manter em pé. Desviou seus olhos de
mim e bebeu um gole de água da sua garrafinha, notei que sua mão estava
trêmula.
Será que ela ao menos comeu algo para fazer exercícios?
— Só ignorar que ele fica quieto. — Vicky riu.
Mostrei o dedo do meio para Vicky que retribuiu o gesto
mostrando a língua.
Charlotte saiu de perto da esteira e caminhou devagar para a saída.
Estava visivelmente fraca.
— Vejo vocês na aula. — Foi tudo o que disse antes de sair do
cômodo.
Vicky se virou para mim com o cenho franzido.
— Ela não parecia bem.
— Com certeza não estava.
Não fazia ideia do que estava acontecendo com Charlotte, talvez
fosse só uma queda de pressão, mas também poderia ser algo mais grave.
Depois dos exercícios, subi para o meu quarto e tomei um banho
demorado. Quando desci só consegui comer uma maçã antes de ir até a sala
de história.
A professora já estava na sala escrevendo algo no quadro branco, a
maioria dos alunos sentados em suas cadeiras abrindo o livro.
Fui até o fundo da sala e me sentei na última cadeira. Olhando a
sala, identifiquei Charlotte na fileira do lado três cadeiras à frente. Um
sorriso se abriu em meu rosto, nem me lembrava que tínhamos essa aula
juntos.
Ela parecia bem melhor agora do que quando deixou a academia.
Peguei meu celular e mandei uma mensagem para ela.
“Queria saber o que uma menina como você fazia ontem no
corredor depois do toque de recolher”
Pude ver seu celular vibrando em cima da mesa, ela o pegou e
abaixou na altura da mesa para que a professora não visse.
Charlotte leu a mensagem, levantou a cabeça, olhou para os lados
como se procurasse alguém. Ignorou a mensagem e voltou os olhos para a
frente.
Insisti mais uma vez.
“Me responde, quero muito saber, você não parece alguém que
desrespeita regras”
Dessa vez ela demorou um pouco mais para olhar, mas sua
curiosidade a venceu. Leu a mensagem e digitou algo que logo chegou em
meu celular.
Agradeci por ele estar silencioso, se não me denunciaria agora
mesmo.
“Nem sei quem você é, como vou te responder”
“Me chame de admirador secreto”
Consegui ver seus lábios se abrindo em um sorriso divertido. Ela
estava gostando.
“Vamos dizer que nem todo mundo é o que parece”
Tive que segurar a risada quando li aquela mensagem. Charlotte
tinha razão, seu rosto era angelical, mas quando eu encarava seus olhos via
fogo, algo sombrio lutando para se libertar.
Eu libertaria com prazer.
“Sabe o que você parece? Um anjo”
Ela mordeu o lábio inferior enquanto lia a mensagem.
— Nada de celular no horário de aula, senhorita Jones. — A
professora a repreendeu.
Charlotte levantou a cabeça e deixou o celular de lado.
— Desculpe, não irá mais acontecer.
Minhas mensagens foram interessantes o suficiente para que ela
esquecesse que estava tendo aula. Aquela confirmação me fez sorrir.
Depois da aula de história, tive uma de inglês que era junto com a
Vicky e o Oliver, depois uma de matemática.
Quando o sinal tocou avisando a hora do almoço recolhi minhas
coisas e saí da sala de aula. Caminhei até o meu armário, porém quando me
aproximei percebi meu pai ali, estava de braços cruzados e com a sua
carranca de sempre.
Acho que estava me esperando. Soltei o ar com força, o que será
que ele queria agora?
— Quero falar com você. — Sua voz era autoritária.
— Estou aqui.
O corredor começou a encher de alunos indo em direção ao
refeitório.
— Não aqui. — Ele olhou para os lados. — Na minha sala. Agora.
Guardei minhas coisas rapidamente no armário e o segui até sua
sala.
Me sentei na poltrona preta que tinha de frente a sua mesa, não
fazia ideia do que ele queria comigo, mas com certeza eu não iria gostar
dessa conversa.
Ao contrário de mim ele não se sentou, ficou de pé me encarando,
sua cara não estava nada boa.
— Quando resolvo te dar uma chance de ser alguém na vida, você
me prova que só pode ser um adolescente mimado. Não gostei nada do que
aconteceu no almoço de sábado.
Então era sobre isso, pensei que ele já tinha superado.
— Você recuperou bem a conversa, eles nem se importaram com a
minha presença.
— Essa é a questão. — Sua voz estava alterada. — Aquela reunião
também te pertencia. São reitores de universidades importantes. O nosso
colégio tem visibilidade, temos que agir certo.
Nosso colégio? Aquilo estava longe de ser meu. Fiquei em
silêncio.
— Que história foi aquela de aceitar cheques dos pais dos alunos?
— Ele passou a mão nervosamente pelos cabelos grisalhos. — Para esse
colégio dar certo precisamos manter as aparências, isso inclui você fazer o
que eu mando. Por que saiu daquele jeito? A reunião ainda não tinha
acabado.
— Porque eu quis. Não estava a fim de ficar lá. — Minha voz saiu
baixa.
Meu pai soltou uma risada sem humor.
— Sabe que eu fiz várias coisas que eu não queria para manter
esse colégio e você. Pare de ser um garoto mimado e aprenda a ser um
homem. — Ele deu um passo à frente. — Você nunca aprende? Vai fazer as
coisas erradas o tempo inteiro?
Apertei minhas mãos e mordi a parte interna da minha bochecha.
Se eu pudesse jogar toda a raiva que estava sentido nele.
— Espero pelo menos que suas notas este ano sejam boas. Você
vai entrar na universidade nem que eu precise subornar alguém para te
colocar lá dentro.
Minha cabeça doía e meus ouvidos não aguentavam mais ouvir sua
voz.
— Sua mãe deve estar decepcionada com o que você se tornou.
Neste momento me levantei e encarei ele de perto. Ele devia lavar
a boca com sabão antes de falar dela.
— Não fala da minha mãe.
Ele abriu um sorriso.
— Assunto delicado? Só estou falando a verdade. Você não é o
orgulho dela.
Filho da puta. Queria socar a sua cara até que ficasse
irreconhecível.
Me aproximei mais dele já com as mãos fechadas em punho. Seus
olhos me encaravam com raiva, ele estava me desafiando.
Não queria me igualar a ele. Me afastei e saí daquela sala o mais
rápido que consegui.
Minha respiração estava falha e qualquer pessoa que passasse na
minha frente eu queria bater.
Desistir de comer e de ver as outras aulas do dia. Precisava esfriar
minha cabeça, antes que descontasse minha raiva em alguém.
Charlotte
A última aula do dia já estava no final, ainda bem. Tinha muitas
atividades para fazer e alguns artigos científicos para ler, estava cansada só
de pensar.
A professora de inglês anotava no quadro um trabalho que
devíamos entregar daqui duas semanas, mais uma coisa para adicionar na
minha lista.
Senti alguém encostar no meu ombro e me virei. Um garoto
sentado na mesa de trás me encarava com um sorriso gentil. Seus olhos eram
arredondados e alongados denunciando sua nacionalidade asiática, seu
cabelo era preto e escorria pela testa.
— É Charlotte, né? — Confirmei com a cabeça. — Sou o Yuri,
cheguei atrasado na aula. Pode me passar as páginas do livro para fazer o
trabalho?
— Claro.
Peguei meu caderno onde tinha marcado.
— São as páginas 34 e 35.
Ele anotou em seu próprio caderno.
— Obrigada, isso vai salvar a minha vida. — Seus olhos subiram
para o meu rosto. — Você é nova no colégio, né?
— Sim.
— O que te fez vir parar nessa prisão? — Yuri soltou uma risada
fraca.
Abrir um sorriso.
— Meus pais já tinham planejado me mandar para cá e quando
surgiu a oportunidade se encaixou perfeitamente.
O barulho estridente do sinal preencheu o ambiente nos avisando
que a aula tinha se encerrado. Felizmente as aulas de hoje tinham acabado.
— Está gostando do colégio? — Ele começou a juntar seus livros e
cadernos.
Balancei a cabeça, confirmando.
— Está ultrapassando minhas expectativas.
Peguei minhas coisas, nos levantamos da mesa juntos e
caminhamos para a saída.
— Vai para qual direção? — Yuri perguntou.
— Vou para a biblioteca. — Apontei a direita. — Preciso terminar
algumas lições.
— Então a gente se vê por aí.
Se despediu e seguiu em direção aos quartos.
Parece que eu estava fazendo amizades. Segui para a biblioteca.
Entrei no cômodo com iluminação baixa, a bibliotecária, acho que
seu nome era Jude, estava em sua mesa logo na entrada catalogando alguns
livros em seu computador e quando passei por ela me olhou por cima da
armação dos óculos e me deu um sorriso gentil.
— Boa tarde, querida.
— Boa tarde. — Retribuir seu sorriso.
As estantes de madeira escura iam do teto ao chão, aquilo devia
dar muito trabalho para ser arrumado. Entre as estantes haviam mesas do
mesmo tom escuro, cada uma disponibiliza um abajur bege.
A biblioteca estava vazia, só identifiquei duas garotas entre a
primeira e segunda estante. Algo que tinha percebido, a maioria dos alunos
só estudava o suficiente para não ficar de recuperação, já tinha observado
que eles não prestavam muita atenção nas aulas. Talvez os pais já tinham
garantido o futuro deles e o nome do colégio no currículo só serviria para o
ego ou eles não ligavam para o futuro.
Andei até os fundos e peguei uma mesa entre a quarta estante e a
penúltima. O cômodo não tinha janelas, tornando o ambiente escuro,
provavelmente para proteger os livros dos raios solares, as paredes deixavam
os tijolos à mostra dando uma aparência mais rústica e medieval, na verdade
toda escola tinha essa aparência.
Coloquei minhas coisas em cima da mesa e liguei o abajur. Me
sentei abrindo meus livros e caderno. Me concentrei primeiro na lição de
matemática a que eu achava ser a mais difícil é realmente era, demorei
algum tempo para resolver todos os exercícios de álgebra.
Está confirmado: essa não era minha matéria favorita.
Quando abri o livro de inglês o sinal tocou avisando que o jantar
estava sendo servido. Não me importei muito, essa era uma refeição que eu
estava pulando com frequência, estava bem, tinha quase certeza que tinha
perdido um quilo, logo minhas coxas iriam diminuir.
Continuei envolta no silêncio da biblioteca, quase tendo a certeza
de que estava sozinha no cômodo, o turno da bibliotecária já tinha acabado.
Aproveitaria o tempo antes do toque de recolher.
Comecei a fazer o resumo do livro de inglês destacando as partes
mais importantes.
Um barulho de algo caindo quebrou o silêncio e me tirou da
concentração, tinha vindo do meu lado esquerdo, da última estante. Logo em
seguida meus ouvidos capturaram ruídos parecidos com risadas abafadas.
As pessoas tinham noção que aquilo era uma biblioteca, certo?
Os cochichos não pararam, impossibilitando que eu continuasse a
estudar. Levantei a cabeça, alonguei os meus braços e soltei um suspiro
frustrado.
Mais barulhos de coisas caindo. A curiosidade me venceu, eu
precisava saber o que estava acontecendo, seja lá o que estavam fazendo ali
era um lugar público.
Me aproximei sorrateiramente do vão entre as estantes,
escondendo meu corpo atrás dos livros e arrisquei uma olhada na direção dos
barulhos. Meus olhos imediatamente se arregalaram com a cena à minha
frente.
Noah pressionava uma garota na estante enquanto distribuía beijos
pelo seu pescoço. Reconheci o rosto da menina, ela tinha participado do jogo
naquele dia na festa, tínhamos algumas aulas juntas seu nome era Eliza.
Suas mãos estavam agarradas no cabelo escuro de Noah, as mãos
dele deslizavam para baixo da sua saia do uniforme. Segurei minha
respiração impossibilitada de me mover. Noah desceu seus beijos para o colo
de Eliza, a garota foi ágil em desabotoar a sua camisa deixando os seios
expostos.
Ele puxou seu peito do sutiã branco de renda e abocanhou seu
mamilo. Meus olhos estavam presos naquela cena, pude perceber minha
respiração ofegante igual a de Eliza e um formigamento se formava em meu
baixo ventre.
As mãos de Noah apertavam a coxa dela com força, podia apostar
que a marca de seus dedos ficaria ali. Um gemido necessitado saiu dos lábios
de Eliza e ela se pressionou contra o corpo dele.
Pude sentir meu corpo ficar quente, como se estivesse fazendo
quarenta graus naquela sala.
Noah subiu sua boca para perto do ouvido dela.
— Eu sei que você gosta de observar Charlotte. — Saiu quase
como um sussurro, mas meus ouvidos capturaram as palavras no silêncio da
biblioteca.
Rapidamente recuei todo o meu corpo para atrás da estante. Ele
tinha me visto? Como?
— Você sabe que meu nome é Eliza. Não brinque comigo agora
Noah. — Reclamou a garota com a voz manhosa.
O desespero tomou conta de mim, Noah tinha me visto observando
enquanto ele se agarrava com outra menina. Mesmo que ali fosse público eu
me odiava por ter deixado a curiosidade me vencer. Sem pensar duas vezes
corri para minha mesa, juntei minhas coisas o mais rápido que consegui, sem
me importar se algo estava ficando para trás e corri para a saída.
Ele tinha me visto, essa confirmação deixava minhas bochechas
quentes, sorte minha que Noah não sabia o que eu senti vendo aquela cena,
se não aí teria motivos para ficar envergonhada.
Percorri o caminho até o meu quarto mais rápido do que em
qualquer outro dia, cheguei ao corredor do dormitório feminino e abri a
porta 16.
Assim que escancarei a porta pude ver Vicky se assustando e em
um rápido movimento fechando a gaveta de sua escrivaninha. Achei aquilo
estranho, porém no momento tinha outras coisas para me importar.
Entrei no quarto e me joguei na minha cama.
— O que aconteceu? — Vicky tinha a testa franzida. — Você está
vermelha e está ofegante.
Que beleza, a vermelhidão do meu rosto sempre me denunciava.
— Nada. Não aconteceu nada.
Minha colega de quarto ainda me encarava com o semblante
confuso.
— Está passando mal de novo? Precisa que eu te leve a
enfermaria?
— De novo? — Agora quem estava confusa era eu.
— Sim. Na academia você não estava bem.
Ela tinha percebido. Fazer exercícios excessivamente e sem comer
nada até seu corpo implorar que você pare, era horrível, eu tinha aprendido
isso há um tempo, mas era necessário agora.
— Foi só uma queda de pressão naquela hora na academia. Mas já
estou melhor. — Fiz uma pausa e continuei. — Agora eu só vim correndo
para o quarto. Só isso.
— Tudo bem então. — Vicky ainda me olhava.
Me levantei da cama e fui até o banheiro, precisava de um banho,
de preferência gelado, meu corpo estava pegando fogo.
Charlotte
A quadra coberta nos protegia da chuva que caía lá fora, localizada
no lado esquerdo da estrutura do colégio, era enorme, tinha uma grande
arquibancada e conseguia abranger mais de um tipo de esporte. Em cada
extremidade tinha um gol para jogos de futebol e rugby, acima deles haviam
cestas de basquete.
Pelo que parece era onde aconteciam as aulas de educação física,
mas ali perto tinha um campo de futebol somente para os campeonatos que a
escola enfrentava. Em uma das minhas pesquisas, dizia que o time do
colégio ganhava a maioria das competições, alguns alunos conseguiam
bolsas de atletas para entrar na faculdade.
A professora tinha nos dado instruções claras sobre alongamento,
antes que começasse a aula em si. A quadra estava cheia de meninas, as
aulas de educação física juntavam todas as meninas e eram separadas dos
meninos.
Todas nós vestíamos um short atlético colado preto e uma camiseta
vermelha vinho, todos os dois com o brasão da escola.
Amélia e Grace se alongavam ao meu lado, mesmo disfarçando
pude perceber que Amélia dava algumas olhadas na direção da Vicky, que
por sua vez alongava os braços um pouco mais na frente.
A professora com a vestimenta igual a nossa, pegou a bola de
futebol e se direcionou ao meio da quadra.
— Desta vez Vicky e Amélia escolhem os times. — A professora
declarou chamando nossa atenção. — Amélia começa.
Amélia parou de se alongar e veio para perto da professora, tinha
um sorriso confiante no rosto.
— Escolho Grace.
Grace foi para o lado de Amélia. Imaginei que ela escolheria
Grace primeiro, elas eram amigas a mais tempo, acho que seria a segunda
escolhida ou pelo menos esperava isso.
— Escolho Charlotte. — Vicky roubou o sorriso confiante da
Amélia, que foi substituído por um olhar raivoso.
Não queria ficar entre as duas, no meio dessa briga estranha, mas
vou confessar que gostei de ser escolhida pela Vicky, parecia que estávamos
mais próximas. Caminhei para o seu lado sem arriscar nem uma olhada na
direção de Amélia.
As meninas continuaram escolhendo.
Percebi que Eliza ia em direção ao time de Amélia, ela tinha um
sorriso enorme no rosto, eu sabia exatamente quem tinha colocado aquele
sorriso ali. Tinha visto Eliza e Noah juntos no dia da festa naquele jogo
idiota e depois na biblioteca. Será que eles eram namorados? Bom, pareciam
bem íntimos na biblioteca.
Pensar nisso trazia à tona o que eu vi na biblioteca, ver Noah
daquela forma deixava meu corpo quente. Porém não gostava da
possibilidade de ele ter uma namorada.
— Pronto meninas, vamos começar com esse jogo.
O time de Amélia se encontrava do lado direito da quadra e o
nosso estava do lado esquerdo. As duas líderes se encontravam no centro se
encarando. A professora assoprou o seu apito e jogou a bola entre as duas.
Vicky se agilizou em pegar a bola, porém não demorou muito e
Amélia tomou a posse correndo em direção ao gol. Entrei em sua frente
pronta para defender o meu time, tentei tirar a bola de seus pés, mas ela
estava focada em seu objetivo, Eliza veio do outro lado ajudando-a a se
desviar de mim.
Amélia chutou a bola com força, nossa goleira não era muito boa,
a bola foi direto no gol. As meninas comemoram. Vicky olhou para mim e
balançou a cabeça como se dissesse que estava tudo bem, para não me
preocupar.
— Vamos continuar. — A professora apitou.
A bola estava com o time de Amélia, elas tentavam avançar
novamente para o gol, mas dessa vez montamos uma defesa maior. Vicky
tomou a bola dos pés de Grace e tocou para mim.
Corri pela quadra, na intenção de atravessá-la e ir em direção ao
gol, porém quando cheguei no meio da quadra Amélia veio em minha
direção com os olhos focados na bola. Tentou retirá-la de mim, mas
continuei resistente.
Grace e Vicky se juntaram a nós e virou um embolado de pés
lutando por uma coisa só. Uma mão se apoiou nas minhas costas e o meu
peso se projetou para frente, me desequilibrei e a pessoa à minha frente foi
quem sofreu a consequência. Amélia caiu direto no chão, batendo a bunda
no concreto, por sorte consegui me segurar e não cair por cima dela.
Amélia soltou um som de surpresa, entretanto quando levantou os
olhos para mim tinha raiva neles. Vicky colocou as mãos na boca para
segurar a risada.
Entendi a mão para ajudá-la a se levantar, Amélia ignorou a minha
mão e se levantou sozinha. Ela estava com raiva de mim? Não fiz aquilo
porque quis.
— Desculpa, me empurraram. — Me expliquei.
Ela revirou os olhos e não disse nada.
A professora apitou chamando nossa atenção.
— Falta. — Gritou. — Pode cobrar deste lugar mesmo Amélia.
Amélia passou a mão em seu short para tirar a sujeira, pegou a
bola e se preparou para chutar. Ela tocou para Eliza, que tentou avançar, mas
Vicky logo tomou a posse da bola e correu em direção ao gol. Amélia vendo
a rapidez que Vicky se movia, foi para zona de defesa bem em frente ao gol,
Grace a acompanhou ficando ao seu lado.
Fui para frente de Amélia em uma tentativa de não a deixar pegar
a bola. Vicky estava a centímetros de distância, poderia tocar a bola com
facilidade para alguém do nosso time e faríamos o ponto para empatar o
jogo, só que a estratégia dela foi diferente.
Vicky chutou a bola com toda força em minha direção, a única
reação que tive foi sair do caminho, me desviar e evitar uma bolada na cara.
Mas a bola acertou bem na testa de Amélia, que estava atrás de mim.
A expressão de dor tomou conta do seu rosto e ela colocou a mão
no local avermelhado na intenção de fazer parar a dor.
— Ops. — Foi tudo que Vicky disse.
Amélia encarou Vicky com ódio no olhar.
— Você fez isso de propósito. — Deu alguns passos se
aproximando.
— Foi um acidente. — Vicky se defendeu.
— É claro que não foi, você chutou a bola para me acertar. —
Amélia mantinha a mão ainda na testa.
— Meninas vamos acalmar os ânimos. — A professora vinha até
nós.
Me aproximei de Amélia.
— Você está bem?
— Não finja que você não combinou isso com ela — Seu ataque
de raiva foi direcionado para mim. — Se você não tivesse saído da frente a
bola não teria batido na minha cara.
— E você esperava que eu tomasse a bolada na cara? —
Questionei com raiva por ela pensar que fiz de propósito.
— Vocês duas me machucaram de verdade. — Gritou enfurecida.
— Meninas. — A professora nos chamou outra vez — Amélia vá
para enfermaria colocar gelo nisso, Grace vá com ela. Vicky e Charlotte se
troquem no vestiário e depois vão para a sala do diretor.
A última parte fez meu coração gelar.
— Para a sala do diretor? Eu não fiz nada. — Indaguei.
Eu nunca tive que lidar com confusões na escola, ainda mais ir
parar na sala do diretor. O medo do que poderia acontecer dominou meu
corpo.
— É um jogo de futebol. As pessoas se machucam. — Justificou
Vicky.
— Eu pude ver que isso não se tratou somente do jogo. Ainda
atrapalharam minha aula, então façam o que eu mandei. — Ordenou.
Sem mais argumento e com medo de piorar a situação caminhei
para a saída da quadra com Vicky logo atrás de mim.
Quando saímos da visão da professora e entramos no corredor que
levava ao vestiário, Vicky quebrou o silêncio.
— Desculpe por te colocar nessa confusão, não queria que tivesse
no meio.
— Foi sem querer? — Perguntei receosa, porque tinha quase
certeza da resposta.
Ela balançou a cabeça negando. Suspirei, já imaginava que não.
— Mas eu não queria que você fosse envolvida. — Vicky me
olhou com uma expressão arrependida. — O diretor só irá conversar com
nós duas, no máximo uma advertência, mas prometo assumir a culpa.
Confirmei com a cabeça.
— É que eu não costumo levar advertência.
— Sei, você se mantém na linha. Já tentei isso, mas não consigo.
Chegamos na porta do vestiário. O local era totalmente branco e
tinha cheiro de produto de limpeza.
— Tudo bem, só vamos acabar logo com isso. — Disse passando a
mão no rosto.
Vicky se apressou e seguiu para uma das cabines de chuveiro.
Logo escutei o barulho da água correndo.
Caminhei até as prateleiras dispostas na parede e peguei uma das
toalhas brancas milimetricamente dobradas, me preparando para entrar no
chuveiro também.
Meus ouvidos capturam um barulho de passos se aproximando,
estiquei minha cabeça para que pudesse ver o corredor, mas não tinha
ninguém ali.
Franzi a testa, eu podia jurar que tinha escutado algo.
Me virei em direção as cabines com chuveiro, antes que eu
pudesse chegar ao meu destino escutei algo caindo, parei os meus passos,
olhei para trás e nada.
Das duas uma, estava ficando louca ou fui transportada para um
filme de terror. Um arrepio percorreu meu corpo, de costa para as cabines,
encarei a porta como se a qualquer momento um homem com uma serra
elétrica fosse entrar.
O barulho do chuveiro em que Vicky estava dominava o ambiente,
não escutei mais nada. Deveria ser coisa da minha cabeça, acho que estava
na hora de dar um tempo nos filmes de terror.
Decidida a deixar isso para lá me virei para as cabines. Neste
momento me deparei com dois olhos escuros me encarando, reprimi um
grito quando contestei que era Noah na minha frente.
— Oi, Charlotte. — Sua voz era rouca.
— O que você está fazendo aqui? É o vestiário feminino. —
Questionei o óbvio.
Ele se aproximou e eu recuei alguns passos.
— Estou te observando.
Noah continuou avançando em minha direção até minhas costas
baterem na parede e eu ficar sem saída. Nossos peitos estavam quase se
encostando.
— Não é isso que você gosta de fazer. — Sussurrou perto do meu
rosto.
Prendi a respiração incapaz de me mover.
— Você estava me observando na biblioteca. — Suas mãos se
apoiaram na parede uma de cada lado da minha cabeça. — Depois que
percebi foi difícil me concentrar em Eliza.
Soltei minha respiração. O que ele quis dizer com aquilo?
— Não era minha intenção presenciar aquilo. Não é minha culpa
que vocês estavam em um lugar público.
Noah abriu um sorriso de lado.
— Fico me perguntando se você gostou do que viu.
Minhas bochechas esquentaram. Ele umedeceu os lábios com a
língua chamando minha atenção para o local.
— Acho que você adorou ver. — Disse lentamente.
Voltei a encarar seus olhos, eles exalavam desejo. Noah aproximou
seu rosto e encostou os lábios na minha orelha. Agora não era só as
bochechas que estavam quentes o corpo todo pegava fogo.
Minha voz tinha sumido, não conseguia falar nada, simplesmente
todos os meus pensamentos evaporaram da minha cabeça.
— Mas tenho certeza de que você teria gostado mais se fosse as
minhas mãos em seu corpo, anjo.
E sem dizer mais nada afastou-se e caminhou para fora do
vestiário.
Me apoiei na parede com medo de ir de encontro ao chão, o que
foi aquilo?
Quando minha cabeça voltou a pensar eu me liguei. Noah tinha me
chamado de anjo. Agora tudo fazia sentido, era ele quem estava mandando
mensagem para mim, como eu não desconfiei?
Sentindo-me seguro para desencostar da parede fiz o meu caminho
até o chuveiro, liguei a água bem quente, na intenção de relaxar os músculos
e tirar Noah Willians da minha cabeça, me despi e deixei meus músculos
relaxarem sobre água.
Noah mexia com a minha cabeça, isso é um fato, não saber como
eu me sentia sobre ele era desesperador. Eu tinha minha vida toda planejada
desde os 10 anos, em nenhum momento planejei Noah ou uma advertência.
O que estava acontecendo comigo?
Depois do banho, eu e Vicky colocamos o uniforme e nos
dirigimos até a sala do diretor. Minhas mãos estavam inquietas, nem quero
saber a reação dos meus pais quando souberem disso.
Vicky bateu na porta e o Sr. Willians murmurou para entrarmos.
Ele estava sentado em sua enorme cadeira atrás da mesa de carvalho,
analisava alguns papéis, sua sala era escura, desprovida de luz natural.
Ele largou os papéis que analisava e voltou para nós duas.
— Sentem, senhoritas — Ele apontou para as poltronas em frente a
sua mesa.
Olhamos uma para outra, o olhar de Vicky com certeza era menos
apreensivo que o meu, duvidava que fosse a primeira vez que isso acontecia
com ela.
Nos sentamos e o diretor nos encarava, seus olhos escuros era
igual ao do filho.
— Administro essa escola para disciplinar vocês, estão no último
ano, se tornarão adultas em breve, não espero ter que receber reclamações da
professora de educação física.
— Foi um acidente, a professora interpretou mal. — Vicky abriu
um sorriso amarelo.
O diretor soltou um suspiro cansado.
— Sabemos que quando se trata de você, senhorita Evans, não
existem acidentes.
Vicky revirou os olhos sem se importar em esconder seu
descontentamento.
— Porém fiquei surpreso com você, senhorita Jones, pensei que
era diferente.
Encarei os olhos do diretor e a única coisa que consegui falar foi:
— Como a Vicky disse, não era nossa intenção.
Senti os olhos de Vicky presos em mim.
— Não foi culpa da Cha...
Vicky estava pronta para me defender, mas interrompi sua fala.
— No esporte é fácil acontecer acidentes. Não foi nossa culpa. —
Disse antes de Vicky terminar de falar.
O Sr. Willians arqueou a sobrancelha.
— Vocês levaram apenas uma advertência e seus pais serão
notificados. Espero que isso nunca mais aconteça.
— Não irá. — Confirmei.
— Ótimo, estão liberadas para a próxima aula.
Nós nos levantamos e saímos da sala do diretor.
Caminhamos lado a lado no corredor quase vazio.
— Obrigada por isso, mas devia ter deixado eu assumir a
responsabilidade. Você sabe que não foi culpa sua. — Vicky encarava o
chão.
— Acho que seria horrível deixar você sozinha nessa.
— Meu pai vai querer arrancar minha cabeça. — Ela soltou um
suspiro cansado.
— Então seremos duas pessoas sem cabeças.
Soltei um riso fraco e ela me acompanhou rindo alto.
Noah
O refeitório estava lotado, o cheiro da comida dominava o
ambiente, era a hora do almoço, as vozes dos alunos ficando cada vez mais
altas, aposto que estavam animados com o fim de semana se aproximando.
Caminhei até os pratos para me servi, porém meus olhos se
fixaram em algo interessante, Charlotte estava sentada em uma mesa
sozinha. Vicky me contou sobre a confusão na aula de educação física,
parece que Amélia virou as costas para ela.
O cabelo loiro cobria a maior parte do seu rosto, Charlotte
encarava o prato. Me lembrei da cena no vestiário, aqueles olhos azuis me
encaravam com desejo.
Sacudi a cabeça tentando pensar em outra coisa.
Coloquei peixe, batatas e completei o prato com um pouco de
salada. Peguei uma lata de refrigerante. Sem me conter, segui para a mesa
em que Charlotte estava sentada.
Ela mexia nas folhas de alface que estavam em seu prato com o
garfo e encarava com desgosto.
— A comida daqui não é tão ruim. — Minha voz chamou sua
atenção, ela levantou os olhos para me encarar. — Mas comer só alface
parece bem sem graça.
Me sentei na cadeira a sua frente e ela me encarou confusa.
— Por que está se sentando aqui?
Abri o meu refrigerante e tomei um longo gole.
— Por que eu não me sentaria? Fiquei sabendo que está sem
amigas agora.
Charlotte largou o garfo e jogou o cabelo para atrás do ombro.
Aquele loiro claro parecia tão macio que me dava vontade de tocar. Sei que é
cheiroso, pois o cheiro de baunilha está impregnado no meu nariz desde que
cheguei perto dela no vestiário.
Queria sentir aquele cheiro de novo.
— Você não tem outro lugar para se sentar?
— Então você levou uma advertência? — A provoquei. — Você
não parece do tipo que leva advertência.
— E pareço com o que? — Seus olhos estreitaram. — Um anjo?
Um sorriso se abriu no canto da minha boca, ela tinha descoberto
que era eu que estava mandando as mensagens. Não aguentei e a chamei de
anjo no vestiário.
— Eu sei que era você que estava me mandando mensagem.
Seus olhos ainda continuavam me encarando.
Comi um pedaço do peixe, mas Charlotte não tocou na sua
comida.
— Não vai comer? — Apontei para seu prato.
— Perdi a fome. — Retrucou e afastou o prato.
— Também não sentiria vontade de comer se só tivesse alface no
meu prato. Deveria experimentar as batatas, estão ótimas. — Coloquei uma
batata na minha boca.
— Eu não como batatas.
A confusão encheu minha cabeça.
Como existe alguém no mundo que não come batatas?
— Como assim não come batata? — Franzi a testa.
Ela soltou um suspiro cansado, como se tivesse ouvido aquela
pergunta um milhão de vezes. Porém antes que respondesse, Vicky e Oliver
se juntaram a nós na mesa.
— Estou dizendo que a primeira opção é melhor. — Vicky sentou-
se ao lado de Charlotte.
— Mas a segunda parece ser mais legal. — Oliver sentou-se ao
meu lado.
Os dois discutiam sobre alguma coisa.
— Do que estão falando? — Perguntei entrando na discussão.
— Aniversário do Oliver. — Vicky falou como se fosse óbvio. —
Estamos escolhendo a boate.
Oliver arrastou o celular e mostrou o motivo da discussão,
apresentou as fotos das duas opções de local.
— Gostei mais da primeira. — Confessei.
— Eu disse. — Vicky virou-se para Charlotte. — Vai ser sábado e
você irá.
Charlotte arregalou seus olhos.
— Sábado? Aqui em Durham? Não sei se consigo.
— É claro que consegue. — Vicky insistiu. — Só falar para os
seus pais que vai ficar o fim de semana no colégio.
— Vai ser incrível, vamos fechar uma boate. — Oliver tentou
convencê-la.
— Uma boate? Vocês não são menores de idade? — Questionou
como se não soubéssemos a nossa idade.
— Você ficaria chocada se soubesse o que o dinheiro pode
comprar. — Vicky soltou uma risada.
Voltei meus olhos para Charlotte e fiz o que mais estava fazendo, a
provoquei.
— É certinha demais para estar em uma boate cheia de menores
bebendo? — Perguntei a encarando.
Sua atenção voltou para mim.
— Isso é irresponsável — Falou em tom acusador.
— Nem por isso deixa de ser divertido. — Abrir um sorriso para
ela.
Vicky a cutucou com o cotovelo.
— Acho que você tem que ir, dá um tempo de todo o estresse da
escola. Se soltar e se divertir.
— Charlotte não tem essa coragem. — Meus olhos desafiaram o
seus.
Pude ver uma chama se acendendo em meio ao azul de seus olhos.
Ela cedia quando era desafiada, já tinha percebido isso. Charlotte olhava
para o perigo receosa, mas quando a desafiavam ela esquecia as
consequências, era perfeito, eu adorava desafiar.
Nossos olhos travaram uma batalha silenciosa e sem desviar o
olhar do meu, ela disse para Vicky:
— Me passa o local e o horário depois. — Pegou seu prato e se
levantou da mesa.
Me deixando ali com um sorriso impossível de conter.
Vicky olhou para mim e estreitou os olhos.
— O que está acontecendo entre você e Charlotte?
— Nada. — Dei de ombros sem dar muita importância.
Vicky ainda ficou alguns segundos me encarando, mas eu não me
importei.
Terminei de almoçar com Vicky e Oliver ainda discutindo sobre a
festa. Agora que Charlotte tinha decidido ir, estava ansioso para sábado.
Adoraria vê-la cedendo ao seu lado obscuro.
Fui até o meu armário pegando o livro de biologia, não estava nem
um pouco a fim de ir para a aula, porém, se não fosse meu pai ficaria
sabendo e estava menos afim ainda de lidar com ele. Não tínhamos nos
falado desde do desastre que foi nossa última conversa, como se não fosse
horrível toda vez que nos encontrávamos.
Caminhei até o laboratório de biologia, me lembrei que Charlotte
tinha essa aula comigo e apressei meus passos. Na última aula a fiz tocar em
um sapo morto, ela deve ter me odiado. Mas uma coisa é fácil de admitir, ela
fica linda com raiva.
Assim que entrei na sala Eliza apareceu na minha frente
impedindo que eu desse mais um passo.
— Noah, acho que vai ser legal se sentarmos juntos. — Ela tinha
um sorriso preguiçoso nos lábios e enrolava uma mecha do cabelo escuro
com o dedo.
Eliza tinha ficado meia grudenta depois dos amassos que demos na
biblioteca, tinha sido muito bom, mas já tinha passado. Talvez tivesse que
colocar em sua cabeça que não éramos um casal.
— Na verdade, tenho que sentar com outra pessoa. — Inclinei a
cabeça para olhar por cima de seu ombro, meus olhos se fixaram em um
cabelo loiro.
Eliza virou sua cabeça e acompanhou meu olhar.
— Ah, tudo bem. — Disse com a voz baixa.
Passei por ela antes que aquela conversa ficasse mais
constrangedora, segui para o fundo da sala, Charlotte ocupava a penúltima
cadeira da segunda fileira. Seus olhos me encontraram enquanto me
aproximava, o tom de azul ficou escuro.
Me sentei ao seu lado e coloquei o meu livro em cima da mesa.
Charlotte me encarou.
— Agora resolveu que vai sentar comigo em todos os momentos?
— Estou tentando fazer amizade.
Ela apenas revirou os olhos.
Logo o professor entrou na sala e os alunos fizeram silêncio. Ele
indicou a página que devíamos abrir no livro, estudaríamos anatomia
humana. Pude ver os olhos de Charlotte brilharem com o assunto. É mesmo,
ela queria ser médica.
A aula passou rapidamente, percebi de vez em quando Eliza
olhando para trás e lançando olhares desconfiados em minha direção. Se ela
estava com ciúmes, aquilo era ridículo.
Anotei as questões que precisávamos responder para a próxima
aula e o artigo que tínhamos que ler.
O sinal tocou avisando o final da aula, a sala começou a esvaziar,
estava me levantando e olhei para o lado. Charlotte olhava para frente e
estava mais pálida que o normal. Suas mãos estavam segurando a borda da
mesa.
— Você está bem?
— Sim. — Respondeu sem olhar para mim.
Sua voz estava baixa, ela não estava bem.
Dei a volta na mesa e parei ao seu lado, sua pele estava muito
pálida. Me lembrei daquele dia na academia.
— Você não está bem. — Franzi a testa e me aproximei.
— Estou sim. — Ela tentou forçar um sorriso, porém não
conseguiu.
Charlotte apoiou as mãos na mesa e se forçou para cima em uma
tentativa de se levantar. Suas pernas fraquejaram, ela iria cair. Em um rápido
movimento agarrei sua cintura e apoiei seu corpo no meu.
Seus olhos se levantaram e me encararam, suas mãos se apoiaram
em meu braço, o cheiro de baunilha invadiu o meu nariz.
Ela não havia comido nada no almoço, será que estava passando
mal por isso?
— Você comeu alguma coisa hoje?
Sua testa franziu.
— Acho que sim.
— Você acha? — Arquei a sobrancelha. — Precisa ir à
enfermaria?
— Não. — Sua resposta veio de forma desesperada. — É só um
mal estar. Já vai passar.
Sua voz saiu fraca, ela não estava com força nem para falar, eu
deveria levá-la para enfermaria, mas não podia fazer isso contra sua vontade.
— Você está muito fraca, precisa comer alguma coisa.
— Já vai passar. — Ela repetiu. — Tenho que ir para próxima
aula.
Suas mãos empurraram meu peito e ela tentou se afastar de mim.
Firmei mais o meu aperto em sua cintura sem deixá-la se afastar.
— Você vai comer algo, não tem outra opção. — Ordenei.
Charlotte me encarou por alguns segundos, acho que estava
tentando decidir se queria comprar essa briga. Soltou um suspiro cansado.
— Tudo bem. — Cedeu.
Afrouxei o aperto em sua cintura.
— Posso te soltar? Consegue ficar em pé?
Ela concordou com a cabeça.
Lentamente afastei meus braços de seu corpo, Charlotte ficou em
pé, ficou alguns segundos parada, já estava quase a pegando a força e
levando para a enfermaria. Ela se virou pegou seu livro e seguiu para a saída
da sala comigo logo atrás.
Seguimos em passos devagar até o refeitório, não falamos nada,
ela parecia nada confortável com aquela situação, mas eu não poderia largá-
la sozinha naquele estado.
Os corredores estavam silenciosos, a maioria dos alunos já
estavam nas salas prontos para a próxima aula, esperava que meu pai não
resolvesse sair da sua sala agora.
Com o refeitório completamente vazio a levei para sentar-se em
uma das mesas.
— Fica aí, vou pegar alguma coisa para você comer.
Me virei em direção a cozinha.
— Sem batatas, por favor.
Olhei para ela e concordei com a cabeça.
Chegando na cozinha a senhora Wilson passava um pano sobre as
bancadas, ela era cozinheira principal do colégio desde que me lembro. Seus
olhos me encontraram.
— Noah? — Sua voz doce saiu surpresa. — Deveria estar na aula
essa hora?
— Eu meio que não conseguir ir.
Ela colocou os dois braços na cintura e me olhou de um jeito que
era mais fofo do que bravo.
— Seu pai te mata se souber.
— Que bom que ele não vai saber. — Abrir um sorriso para ela. —
Ainda sobrou alguma coisa do almoço?
Sua testa franziu.
— Não comeu no almoço?
— Não é para mim.
Sua sobrancelha arqueou e vi a curiosidade passar por seus olhos,
porém não questionou nada.
— As sobras estão ali. — Apontou para a bancada de trás.
Peguei um prato, coloquei peixe e legumes, me atentando a não
colocar as batatas. Peguei um copo e coloquei suco de laranja. Dando uma
piscadinha para senhora Wilson me apressei para sair da cozinha.
Fui até a mesa que Charlotte estava sentada e coloquei o prato em
sua frente junto com o copo e me sentei ao seu lado.
Seus olhos encararam o prato, ela pegou o garfo e cutucou uma
cenoura.
— Qual o lance com as batatas? — Questionei curioso.
Seus olhos subiram para me encarar e vi uma batalha ali, estava
decidindo se me contava a verdade ou mentira.
— É muito carboidrato. — Sua voz saiu baixa.
— Mas são gostosas. — Disse sem entender onde ela queria
chegar. — Acho que isso vale a pena, apesar do carboidrato.
Abaixei meus olhos por seu corpo, a última coisa que ela precisava
se preocupar era com carboidratos, seu corpo era incrível.
— Você nem precisa se importar com isso. — Falei tirando
relutantemente meus olhos de seu corpo.
Charlotte soltou uma risada sem humor e finalmente colocou um
pedaço de peixe na boca. Seus olhos se fecharam enquanto ela mastigava e
pude jurar que um pequeno som saiu da sua boca. Impossível de desviar
meus olhos a observei comendo, cada expressão satisfeita que ela fazia logo
após colocar comida na boca.
Qualquer pessoa que passasse ali e nós visse me chamaria de
louco. Quando alimentar Charlotte ficou tão interessante?
Ela terminou, sem deixar nada em seu prato, deu apenas um gole
no suco de laranja e afastou o copo.
— Não vai terminar de beber o suco?
— Não, estou satisfeita. Obrigada. — Um sorriso de gratidão se
abriu em seu rosto.
Ela com certeza parecia um anjo.
— Vamos? Não podemos ser pegos aqui em horário de aula.
Charlotte mexeu as mãos nervosamente.
— Pode ir na frente, preciso passar no banheiro antes.
Concordei com a cabeça e saí do refeitório.
Charlotte
Me sentei na escrivaninha do quarto com a intenção de responder
às questões de biologia. Da minha janela conseguia ver o sol se pondo dando
lugar ao céu escuro.
Antes que eu pudesse me concentrar na anatomia humana, o meu
celular começou a tocar. Meu corpo gelou quando percebi que era a minha
mãe, ela ainda não tinha me ligado para falar sobre a advertência, parece que
isso seria agora.
Peguei meu celular, mordendo nervosamente o lábio inferior
atendi.
— Oi mãe.
— Oi Charlotte. — Sua voz me dizia que estava chateada. —
Esperei que o horário de aula acabasse para te ligar. Precisamos conversar.
Escutei ela soltando o ar com força.
— Não fiquei nada feliz quando o diretor Willians me ligou. Você
levou uma advertência por se comportar mal em uma aula de educação
física. Uma menina saiu machucada. — Sua voz estava ficando alterada.
— Foi um acidente. — Me expliquei. — Não era minha intenção
machucar ninguém. Era uma aula de educação física, isso acontece.
— Não com você, Charlotte, fiquei desapontada com isso. Nunca
recebi uma reclamação sua e agora está nesse colégio longe de casa e
acontece isso. Fico pensando se não é melhor te trazer de volta para casa e
para o colégio antigo.
Meus dedos amassaram a ponta da página do livro de biologia. Eu
estava gostando daqui, tinha me acostumado, não queria voltar.
— Eu gosto daqui. — Admitir. — Será mais fácil ir para Oxford.
Prometo não acontecerá novamente.
— Eu e seu pai estamos confiando em você, não nos decepcione
Charlotte.
Aquela era uma grande responsabilidade. Um peso desnecessário
que pessoas na minha idade tinham que carregar. Jamais queria ser a
decepção dos meus pais, mas o modo como ela falou, parecia uma
obrigação, como se eu tivesse a um passo de me tornar a decepção.
— Tudo bem mãe, irei me comportar. — Respirei fundo. — Esse
final de semana não irei para casa, tenho algumas atividades acumuladas.
Bati freneticamente meu dedo na superfície da escrivaninha,
ansiosa, porque eu sabia que o maior motivo de ficar no final de semana era
a festa de aniversário de Oliver.
— Certo, pense no que fez nesse tempo. Ligarei amanhã
novamente. Te amo.
— Te amo mãe.
Encerrei a ligação.
Eu estava sendo uma bela mentirosa, queria muito ir nessa festa,
mas estava desapontada comigo mesma por precisar mentir sobre isso. Que
tipo de pessoa estava me tornando?
Precisava me concentrar em biologia, procurei o meu lápis, porém
não consegui encontrá-lo, revirei minha escrivaninha, olhei ao redor e no
chão, sem sucesso. Eu devia ter deixado em alguma sala de aula.
Olhei para a escrivaninha ao lado da minha, poderia pegar um
emprestado de Vicky e depois arrumaria um novo. Abri a sua gaveta e
afastei alguns papéis, achei o lápis, porém vi algo ao seu lado que me fez
ficar paralisada.
Havia um saquinho lacrado com pó branco dentro, nunca tinha
visto cocaína na minha frente, mas eu tinha certeza de que aquilo era
cocaína. Encarei a droga, nem precisava me olhar no espelho para saber que
meus olhos estavam arregalados.
Me lembrei que alguns dias atrás entrei no quarto e Vicky
escondeu algo, devia ser isso. Não imaginava que ela usava esse tipo de
coisa, já vi ela exagerar na bebida, mas aquilo era muito mais pesado que
álcool.
Peguei o lápis e fechei rapidamente a gaveta. Será que Noah e
Oliver sabiam disso? Eu deveria contar para alguém? Claro, alguém que
pudesse ajudar e não a expulsar da escola. Ou devia simplesmente deixar
quieto?
Não deveria ter mexido nas coisas dela, no entanto já tinha visto
não dava para apagar da cabeça agora. Um colégio renomado como aquele,
de longe tão perfeito, se olhar de perto pode ver defeitos incontáveis. Engano
meu achar que adolescentes ricos se comportavam.
Tentei ao máximo me concentrar na minha lição, era quase
impossível, muitos pensamentos se acumulavam na minha cabeça. Porém se
quisesse fazer medicina precisava manter uma nota alta em biologia.
Quando eu estava no final da atividade Vicky entrou no quarto.
Jogou dois livros em cima da escrivaninha e sentou-se na cama, desviei
meus olhos para ela por um momento e sua expressão era de cansaço.
— Parece cansada.
— Estou tentando fazer algumas atividades acumuladas, mas estou
quase desistindo. — Um sorriso fraco atravessou o seu rosto.
— Se precisar, posso te ajudar. — Ofereci.
— Obrigada, Charlotte. Você provavelmente é a melhor pessoa
desse colégio.
Vicky se levantou, passou a mão em meu braço como forma de
carinho e seguiu em direção ao banheiro.
Voltei minha atenção para a minha lição e logo a terminei.
Estava louca por um banho quente, mas Vicky ainda estava com o
chuveiro ligado.
Me sentei na minha cama, peguei meu notebook vendo que havia
uma notificação no canto inferior esquerdo da tela. Um sorriso se abriu
quando vi que era Charlie querendo iniciar uma chamada de vídeo.
Coloquei meu fone e o atendi. A sua imagem com um sorriso
enorme no rosto preencheu a minha tela. Seu cabelo sempre bem penteado
sem um fio fora do lugar e vestia um suéter caramelo.
— Pensei que tinha se esquecido de mim. — Charlie resmungou.
— Jamais. Estava ocupada com algumas lições. As matérias estão
ficando difíceis.
— Sei que você consegue dar conta.
— Preciso dar conta. — Dei uma risada fraca. — Se não der, não
entro Oxford.
— Com certeza sua cadeira já está reservada lá.
Sorrir com o seu comentário.
— Eu estava pensando... — Fez uma pausa e ajeitou os óculos em
seu rosto. — Que podíamos fazer alguma coisa legal esse final de semana.
Um frio percorreu a minha barriga.
— Não irei para casa esse fim de semana. — Falei receosa.
Sua expressão mudou drasticamente para uma mistura de tristeza e
preocupação.
— Como assim? Aconteceu alguma coisa?
Não poderia mentir para Charlie, precisava contar o real motivo de
ficar aqui no colégio no fim de semana.
Puxei o ar para os meus pulmões e respondi.
— Oliver, um dos alunos, está no último ano também. Irá fazer
aniversário no sábado e estão planejando uma festa para ele. Fui convidada.
— Me expliquei.
A testa dele franziu e seus olhos me encararam confusos.
— Outra festa?
— Sim, essa vai ser em uma boate.
— Uma boate? — Suas sobrancelhas quase encontraram o couro
cabeludo de tanto que ele as ergueu. — Seus pais sabem disso?
— Não sabem, eu dei uma desculpa para poder ficar aqui. Sei que
parece impulsivo, porém quero ir, quero me divertir.
— Seu conceito de diversão tem sido distorcido ultimamente.
Acho que algum alienígena te abduziu e devolveram outra no lugar.
— Só quero ir a essa festa — Soltei uma risada. — Tenho uma
ideia, para nós vermos esse fim de semana.
— Que ideia? — Perguntou desanimado.
— Você poderia pegar o carro do seu pai e vim até Durham.
Podíamos ir para a festa juntos.
Bati palmas animada com a ideia.
— Não sei se isso vai dar certo. — Ele coçou a parte de trás da
cabeça.
— É claro que vai, são só duas horas de viagem, você pode vir e
voltar no mesmo dia.
Charlie pareceu pensar por um momento.
— Por favor. — Pisquei meus olhos repetidamente e juntei minhas
mãos embaixo do queixo.
Ele passou as mãos no rosto e soltou o ar com força.
— Você venceu. Nos vemos no sábado.
Dei um gritinho empolgada com aquilo.
Me despedi de Charlie e encerramos a ligação.
Vicky saiu do chuveiro e eu segui para o banheiro, tomando o
banho quente que tanto queria. Lavei meus cabelos e me deixei demorar um
pouco.
Me sequei com a toalha e sequei os meus cabelos com o secador
que tínhamos no banheiro, coloquei meu pijama.
Quando sai para o quarto estava tudo escuro, a única iluminação
era o abajur perto das camas. Vicky estava deitada vendo algo em seu
celular.
Ajeitei minha cama e me deitei.
— O que seus pais falaram sobre a advertência? — Vicky
questionou olhando para mim.
— Minha mãe ligou para mim, ela não ficou nada feliz.
Vicky soltou uma risada fraca, colocou o celular ao lado de seu
travesseiro.
— Pelo menos ela se importa. Aposto que quando meu pai recebeu
a ligação e viu que era do diretor, nem se importou em atender. — O tom de
sua voz era triste.
— E a sua mãe?
— Ela deve estar mais preocupada com a próxima bolsa que vai
comprar.
A luz fraca do abajur iluminou seus olhos castanhos e pude ver a
dor neles. Imediatamente me lembrei do que ela guardava na gaveta, aquilo
era um jeito de escapar, de fugir daquela realidade.
— Não me olhe assim Charlotte. Já sou conformada com isso, fui
criada por uma babá, meus pais sempre foram ocupados demais. Poder me
trancar aqui é um alívio para eles.
Mesmo falando que estava conformada, ela não aceitava aquilo.
Não insisti mais no assunto, era doloroso expor seus medos, eu sabia disso.
Resolvi mudar de assunto para um que eu estava bem mais curiosa
sobre.
— O que aconteceu entre você e Amélia?
Seu corpo relaxou na cama quando troquei o assunto. Estava
aliviada.
— Nós éramos colegas de quarto e acabamos virando amigas. Eu
gostava de estar com ela, mas as coisas foram para um lado estranho. Amélia
começou a ter ciúmes de mim, com outras amigas e até com garotos. —
Vicky fez uma pausa. — Ela ficou obsessiva por mim, fazia tudo para ficar
grudada comigo, percebi que de algum modo ela estava gostando de mim,
mas acho que não sabia lidar com aquilo. Tivemos uma briga feia, só queria
me afastar, então ela bebeu até quase um coma alcoólico.
A surpresa me atingiu com força, com certeza não esperava aquilo.
Então Amélia era apaixonada por Vicky, por isso toda aquela implicância.
Vicky suspirou e continuou.
— Seus pais foram chamados e ela colocou a culpa toda em mim.
Claro que acreditaram nela. Não fui expulsa porque meu pai deu um cheque
generoso para o diretor. Desde então Amélia me odeia.
— O diretor Willians recebeu dinheiro para te manter aqui? —
Arquei a sobrancelha.
Ela confirmou com a cabeça.
— George Willians não é um homem honrado. Esconder os podres
é o que ele faz de melhor. Noah passou por muita coisa por causa dele.
Quando escutei o nome do Noah minha curiosidade aumentou em
cem por cento.
— Que tipo de coisa?
Vicky me olhou por um momento e respondeu.
— São coisas pessoais, não cabe a mim falar.
Claro, eles eram muito amigos, não podia contar os segredos dele
assim.
— Entendo.
— Boa noite, Charlotte. — Ela esticou a mão e desligou o abajur.
— Boa noite, Vicky.
Charlotte
Revirando meu guarda-roupa atrás de algo decente para vestir, a
festa começaria em uma hora e eu ainda não sabia o que vestir. Vicky se
olhava no espelho enquanto terminava de ajeitar os seus cachos de cor
caramelo.
Ela vestia uma saia branca, que marcava suas curvas, e um uma
blusa preta brilhosa, estava simplesmente linda. Seu olhar encontrou o meu
pelo espelho.
— Ainda não sabe o que vai vestir?
— Não trouxe nada para vestir em uma festa. — Frustrada fechei a
porta do meu guarda-roupa.
— Você pode usar alguma coisa minha. — Ela abriu seu guarda-
roupa. — Acho que usamos o mesmo tamanho.
Com certeza eu usava um tamanho maior, mas não falei.
Ela passou as mãos por algumas roupas e puxou algo lá de dentro.
Me mostrou um vestido cor de rosa, que parecia pequeno demais, aquela
roupa colaria no meu corpo e evidenciaria tudo que odeio nele.
Balancei a cabeça negando.
— Parece muito pequeno.
— Ficaria lindo em você. — Ela pareceu desapontada.
— Não tem algo menos colado?
Vicky enfiou o vestido novamente dentro do guarda-roupa sem se
importar em dobrá-lo. Revirou mais um pouco as roupas ali dentro e tirou
outro vestido.
Este era preto, justo em cima e rodado em baixo, era de alcinha e
acinturado. Analisei a roupa percebendo que era curta, deixaria minhas
coxas de fora.
— É lindo, mas não teria algo mais comprido? — Perguntei
encolhendo os ombros.
Ela revirou os olhos para mim.
— Você vai com esse. — Jogou a peça em minha direção e eu
peguei antes que caísse no chão. — Se vista logo.
Soltei o ar com força aceitando minha derrota, era aquilo ou ir de
uniforme para a festa.
Segui para o banheiro, tomei um banho rápido e vesti a peça.
Como eu suspeitava, minhas coxas ficavam de fora, a parte de cima era tão
justa que dava a impressão de que o meu peito era maior. Porém gostei de
ele ser acinturado, o preto sempre dava a impressão de que eu era mais
magra.
Passei minha mão pelo meu corpo alisando o vestido. Tudo bem,
eu poderia usá-lo, a boate estaria mal iluminada e as pessoas não reparariam
tanto no meu corpo, me forcei a pensar nisso se não desistiria de ir à festa.
Passei a minha maquiagem correndo, fazendo um delineado,
porque gostava de como o delineado destacava o azul dos meus olhos. Soltei
meus cabelos que estavam presos em um coque, passei as mãos pelos fios
loiros ajeitando as pontas onduladas.
E, pela primeira vez, depois de um longo tempo, eu gostava um
pouco da imagem refletida no espelho.
Sai do banheiro e Vicky virou-se para me encarar.
— Você está tão linda. — Bateu palmas animada.
Aposto que estava sendo mais simpática do que verdadeira.
Qualquer um que olhasse para o meu corpo não iria achá-lo lindo.
— Vamos? — Dei uma última passada de mão no cabelo.
— Os meninos estão nos esperando na frente do colégio. Oliver
conseguiu que seu pai mandasse um carro para ele. — Vicky caminhou em
direção a porta.
— Vamos simplesmente sair pela porta da frente?
Alguém facilmente poderia nos pegar, não estava pronta para outra
advertência, minha mãe me tiraria do colégio no mesmo momento.
— Noah disse que o diretor saiu e o inspetor que está foi
subornado. Estamos livres. — Um sorriso enorme se abria em seu rosto.
Estamos livres. Deixei o medo de ser pega de lado e segui Vicky
até a saída.
Esta noite tinha que ser boa, pois estava fazendo tudo que eu
normalmente não faria, teria que ao menos valer a pena.
Uma luxuosa BMW preta estava parada logo à frente da porta.
Oliver estava sentado no banco do motorista com a sua porta aberta. Noah
estava encostado no carro mexendo em seu celular.
Ele vestia uma calça preta e uma camiseta no mesmo tom, por
cima uma jaqueta de couro cobria seus braços, sem nada colorido. A
verdadeira escuridão.
Seus olhos se levantaram do celular focando a sua atenção em nós
duas. No momento em que seus olhos escuros varreram meu corpo, um
arrepio me percorreu. Incomodada com o seu olhar sobre mim cruzei os
braços na frente do corpo.
Ele abriu um sorriso de lado.
— Pensei que teria que subir e buscar as duas. — Noah disse se
desencostando do carro.
— Estamos aqui e prontas para festejar. — Vicky deu uma
piscadinha.
Oliver soltou um grito animado, fechou a sua porta e deu partida
no carro. Noah entrou no banco da frente ao seu lado, eu e Vicky entramos
no banco de trás.
Peguei o meu celular, havia uma mensagem do Charlie dizendo
que já estava chegando no local, respondi que estava no caminho para que
ele me esperasse na porta.
A BMW corria pela pista em uma velocidade alta, com certeza o
pai de Oliver, que fiquei sabendo que era senador, poderia lidar
tranquilamente com algumas multas de trânsito.
No alto falante do carro tocava Save Your Tears, do 'The Weeknd’ e
os três cantavam em toda altura, até acompanhei a letra, mas permaneci com
minha voz baixa.
O local não era muito longe do colégio, ficava logo no começo do
centro de Durham. Oliver estacionou na frente do local. Um letreiro néon
iluminava a fachada preta, uma pequena fila se formava na porta.
— Vou encontrar um amigo e já entro. — Avisei.
Noah olhou para mim e arqueou a sobrancelha.
— Um amigo?
Não sei o que ele estava tentando insinuar, porém antes que eu
respondesse Oliver falou.
— Quando for entrar só dá o seu nome para o segurança.
Confirmei com a cabeça e os três seguiram para a entrada. Noah
deu uma última olhada na minha direção e entrou na boate.
Dentro de pouco tempo vi Charlie caminhando em minha direção,
ele devia ter estacionado o carro um pouco longe, já que a rua estava lotada.
Quando ele chegou perto envolvi meus braços ao redor de seu pescoço o
abraçando.
— Você está tão linda. — Charlie disse perto do meu ouvido.
Me afastei.
— Vicky me ajudou a escolher a roupa. — Dei de ombros sem dar
muita importância.
— Então, hoje vamos ser adolescentes imprudentes? — Ele disse
olhando a fachada da boate.
Dei uma empurrada de leve em seu braço.
— Vai ser legal.
Peguei em sua mão e caminhei em direção ao estabelecimento. Na
porta falei meu nome para o segurança e ele nos deixou entrar na mesma
hora, sem precisar esperar na fila.
Lá dentro já estava lotado, a música era alta, a iluminação era feita
somente por luzes coloridas. Nunca havia estado em um lugar como esse, na
minha antiga escola eu não ia para festas que aconteciam em casa, quem
diria que agora eu estaria em uma boate.
Conheci vários rostos da escola, corri meus olhos procurando pelo
trio, mas não achei.
Ainda com a mão junta na de Charlie, caminhei até o bar.
— Vai querer beber alguma coisa? — Me virei para ele e disse por
cima da música.
— Beber? Você me conhece mesmo?
Revirei os olhos e soltei uma risada para ele.
Me virei para o barman e pedi duas águas, ele me olhou estranho,
mas logo pegou e me entregou as águas.
Peguei uma e entreguei a outra para o meu amigo.
— Agora me diz como você ficou amiga de pessoas que dão festas
em boates? — Charlie questionou bebendo um gole da sua água.
— Não faço ideia. Mas o Colégio Interno de Durham não é como a
nossa antiga escola. Os pais desses alunos têm tanto dinheiro que nem se
importam com o que os filhos fazem.
— Como isso é possível? — Ele franziu o cenho.
A verdade é que aquilo era fora da nossa realidade, os adolescente
que convivíamos não eram tão fora da lei como esses. Mas como Vicky
falou o dinheiro pode comprar muita coisa.
— Não importam o que façam, eles meio que já tem o lugar deles
na faculdade, já tem a carreira pronta.
— Espero que você não se misture tanto com esse tipo de gente.
— Ele soltou uma risada fraca, porém o tom da sua voz era sério.
Encostei minhas costas no bar, bebi um gole da minha água. Vi
Vicky se aproximando, Noah e Oliver vinham atrás dela rindo de alguma
coisa.
— Você está bebendo água? — O tom de Vicky era acusatório. —
Precisamos arranjar uma bebida decente para você.
Vicky encostou no bar e gritou.
— Dois Pimm’s.
Não fazia ideia do que ela tinha pedido.
— Apresente seu amigo Charlotte. — Conseguir detectar o tom
sarcástico na voz de Noah.
— Esse é o Charlie. — Apontei para ele. — Charlie esse é o Noah,
Oliver e Vicky. — Apontei para cada um deles que balançaram a cabeça em
cumprimento.
Vicky veio para perto com dois copos, entregou um a mim. A
bebida era alaranjada e tinha rodelas de laranja e limão no copo, bebi um
gole e o forte gosto do que acho que era gim atingiu meu estômago. Pelo
menos aquilo era melhor do que vodca pura.
— Só pode ser brincadeira. — Vicky esbravejou olhando para a
porta de entrada. — Quem chamou a Amélia?
Segui seu olhar e vi Amélia e Grace entrando na boate, as duas
corriam os olhos pela multidão como se estudasse o lugar. Que eu me
lembre, Amélia não gostava muito de festas e fazia de tudo para ficar longe
de Vicky. Por que será que estava ali?
— Não fui eu que chamei. — Oliver se explicou. — Mas o colégio
está todo aqui, então acho que não precisou de convite.
Vicky bebeu um gole longo de sua bebida.
— Esqueça Amélia, Vicky, vamos animar isso aqui. — Noah disse
piscando para ela.
Vicky abriu um sorriso enorme, deixou seu copo na mesa que
estava ao nosso lado e virou-se novamente para o bar.
— Precisamos de cinco shots de tequila para agora. — Ordenou ao
barman.
Os olhos escuros de Noah se encontraram com os meus, a
expressão já conhecida por mim tomou conta de seu rosto. Estava me
desafiando novamente, ele achava que eu não teria coragem de virar um shot
de tequila, eu provaria que ele estava errado.
— Nós vamos beber tequila? — Charlie perguntou a mim com
surpresa.
Eu e ele não fazíamos isso de jeito nenhum, mas por outro lado
nem íamos a festas. E aqui estávamos: em uma boate cheia de adolescentes
menores de idade bebendo. Se estava na chuva iria logo me molhar inteira.
— Não obrigamos ninguém a fazer nada. — Noah manteve o tom
sarcástico. — Mas pode se divertir ou olhar a gente fazendo isso.
Charlie encarou Noah e percebi que ele não tinha gostado nada
daquele comentário.
— Vai ser legal. — Coloquei minha mão no braço de Charlie e
abri um sorriso com a intenção de convencê-lo.
O olhar de Noah seguiu minha mão.
Vicky apareceu com uma bandeja redonda, com cinco copos de
shots, sal e fatias de limão, colocou na mesa próxima e nos aproximamos.
Bebi mais um gole do meu copo antes de abandoná-lo do lado da bandeja.
— Primeiro o aniversariante. — Vicky pegou um shot e entregou a
Oliver.
Ele fez uma fileira com o sal em sua mão, lambeu e virou a
tequila, logo depois pegando uma fatia de limão e chupou. Faz uma pequena
careta.
Noah bateu alegre na mesa e Vicky gritou animada.
— Feliz aniversário.
Podiam falar o que quisessem deles, mas aquele trio tinha uma
amizade verdadeira.
— Estica a mão Charlotte. — Noah ordenou virando-se para mim.
Encarei seus olhos e sem pensar fiz o que ele pediu. Seus olhos
brilharam quando fiz o que mandou sem questionamentos.
Ele prendeu uma rodela de limão em meus dedos e pós sal em
minha mão, com a outra mão peguei o shot que ele me entregou.
Puxei o ar com força, lambi o sal e virei de uma vez só o líquido,
que desceu ardendo pela minha garganta até o estômago, nunca sentir um
ardor tão forte como aquele, chupei a rodela de limão e não conseguir evitar
a careta.
Depois cada um fez o mesmo, até Charlie, que estava relutante,
mas acho que algo o fez ceder.
— Eu amo essa música. — Vicky gritou. — Charlotte, nós vamos
dançar.
— De jeito nenhum. — Balancei a cabeça em negativa.
Virar shots até que vai, mas dançar em uma pista cheia de gente,
parecia um pesadelo.
— Você não tem escolha. — Ela sorriu para mim.
Vicky puxou o meu braço sem me dar opção para negar. Só me
soltou quando chegamos na pista de dança.
Ali dava claramente para ver já muitas pessoas bêbadas se
remexendo no ritmo da música.
Vicky me encarou e pôs a mão em meu pescoço, tendo totalmente
minha atenção.
— Relaxe a maioria das pessoas aqui nem vão se lembrar disso. —
Sua mão desceu pelos meus braços. — Apenas se divirta.
Montero do ‘Lil Nas X’ explodia nos altos falantes, Vicky
começou a mexer seu quadril ainda olhando para mim.
Apenas se divirta, repeti esse pensamento. Olhei ao redor e as
pessoas nem notavam nossa presença, todo mundo estava ali se divertindo,
não estavam me olhando.
Respirei fundo e comecei a balançar meu corpo. Levantei meus
braços e passei minhas mãos pelos cabelos. Vicky se aproximou e colocou
suas mãos em meu quadril os balançando junto com o seu.
Um sorriso involuntário se abriu em meu rosto e eu me entreguei
aquele momento. Fechei os olhos e deixei que a melodia da música levasse o
meu corpo.
Abrindo meus olhos olhei em direção ao bar. Charlie não estava
mais ali, Oliver tinha uma menina do seu lado e bebia alguma coisa. Noah
mantinha seu olhar na pista de dança, precisamente no meu corpo e no de
Vicky dançando tão próximos.
Nossos olhares se encontraram, não sei se era possível, mas seus
olhos estavam mais escuros, alguma coisa se acendeu em mim, parecia que
meu corpo ia entrar em combustão.
Vicky aproximou seus lábios do meu pescoço e um arrepio
percorreu meu corpo, encorajada pelo olhar de Noah, levei minhas mãos até
os braços de Vicky, apertando o local, mas sem deixar de dançar.
Noah passou a mão pelo cabelo, o penteando para trás, pegou a
bebida da mão de Oliver e virou o copo em um só gole, se virou e saiu de
perto do bar.
A música chegou ao fim e Vicky se afastou rindo.
— Isso foi divertido.
Ela estava certa, foi divertido.
O olhar de Noah não saia da minha cabeça.
Olhei novamente para o bar, somente Oliver e a menina que
continuava ao seu lado, me perguntava o que Vicky pensava disso, eles
pareciam ter algum tipo de relacionamento aberto e parecia dar certo para os
dois.
Me virei novamente para Vicky.
— Preciso achar o Charlie, ele não está no bar.
— Tudo bem, vai lá. Preciso dançar mais um pouco.
Me afastei da pista de dança, as luzes coloridas se refletiam no
meu rosto dificultando minha visão, além disso parecia que aquele shot
estava finalmente fazendo efeito.
Segui me desviando das pessoas e indo para o fundo da boate.
Olhava em todo canto e nada de Charlie, será que ele tinha ido embora? Não
acho que faria isso comigo, mas aquilo não era o estilo dele.
Cheguei em um lugar com menos pessoas, perto do banheiro.
Charlie estava mexendo no celular encostado na parede.
— Achei você. — Me aproximei.
— Seus amigos queriam beber mais, então achei um lugar para me
esconder. — Ele deu de ombros.
— Eu sei que vocês não têm muito em comum, mas achei que
seria divertido.
Charlie soltou um suspiro.
— Não temos nada em comum, Charlotte. Como você conseguiu
fazer amizade com essas pessoas? Sinto que tem mudado cada dia mais.
Não estava gostando do modo que ele estava falando comigo.
— Cheguei a perguntar se a minha melhor amiga ainda existe —
Ele se desencostou da parede.
— Sou a mesma, só estou em um lugar diferente.
Charlie deu alguns passos até ficar de frente para mim.
— Acho que estou desse jeito porque sinto muita saudade de você.
Puxei o ar para os pulmões, ele estava perto demais.
— Também estou com saudade, mas...
Charlie interrompeu minha fala dando mais um passo à frente,
encostando nossos corpos e colocando a mão no meu rosto.
— Você não entende. — Seu dedo acariciou o meu rosto. — Esses
dias longe têm me feito perceber, que talvez eu queira mais do que a sua
amizade.
O que? A minha cabeça estava confusa. Eu escutei direito ou o
álcool estava me sabotando.
— Charlie espera... — Tentei tirar a sua mão do meu rosto, porém
ele relutou e colocou a outra mão segurando forte o meu rosto.
— Charlotte, acho que o álcool me fez tomar coragem porque já
quero fazer isso a um tempo.
Encarei seus olhos e senti meu estômago embrulhar. Charlie
encarou a minha boca, tentei novamente tirar a suas mãos de mim, mas sem
sucesso, aquele aperto facilmente se tornaria uma mancha vermelha.
— Charlie, está me machucando.
— Só um minuto.
Seu rosto se aproximou do meu e o que eu temia aconteceu. Ele
grudou os nossos lábios tentando me beijar.
Reuni toda força que eu tinha e pressionei minhas mãos em seu
peito, conseguindo afastar seu corpo.
— Que porra é essa? — Esbravejou alguém atrás de mim.
Me virei dando de cara com um Noah enfurecido.
— Você acabou de beijá-la à força? — Noah se aproximou
rapidamente, prevendo o que aconteceria peguei em seu braço para impedir
de ficar perto demais de Charlie.
— Isso é um assunto entre nós dois.
Vi o punho de Noah se fechando.
— Charlie. — O repreendi.
Seu olhar alternou entre mim e Noah.
— Você me conhece a vida toda, mas ainda assim vai ficar do lado
dele.
— Não existe lado. Você acabou de fazer uma coisa que não
deveria. Podemos conversar quando o álcool não estiver mais em seu
organismo.
Charlie balançou a cabeça em negativa e se virou indo em direção
a saída.
Com certeza não deveria deixá-lo ir embora daquela maneira, mas
não via outro jeito. Minha cabeça doía e estava chateada, nunca esperei que
ele pudesse fazer isso.
— Você está bem? — A voz de Noah me fez perceber sua
presença e que minhas mãos ainda estavam em seus braços.
Me afastei e balancei a cabeça concordando.
— Estou falando sério. Se não estiver bem, eu irei atrás dele e o
farei pagar por isso. — Seu indicador levantou o meu queixo e seus olhos
analisaram meu rosto.
Por mais que estivesse chateada com Charlie, não queria de modo
algum que Noah fosse atrás dele.
— Não precisa fazer isso. Estou bem.
Ele analisou meu rosto por mais alguns segundos e se afastou.
— Eu diria para você beber outro shot, mas acho que a água seria
melhor.
— Concordo com você.
Noah me levou de volta para o bar para que eu pudesse beber água
e ficou o resto da noite ao meu lado. Cantamos parabéns para Oliver com
uma garrafa de whisky servido de bolo, porém não ousei beber mais. Já tive
confusão demais por uma noite só.
Noah
Minha cabeça estava latejando, qualquer ruído que passasse nos
corredores era um incômodo aos meus ouvidos. A ressaca era uma merda.
Engoli o comprimido com a ajuda do suco de laranja, na intenção
de aliviar a dor. Já passava das três da tarde e só agora consegui descer no
refeitório para colocar alguma comida no meu estômago.
Isso me fez pensar se Charlotte comeu alguma coisa hoje. Ela
parecia seguir à risca alguma dieta maluca e tinha bebido ontem.
Não deveria estar pensando tanto nela, infelizmente estava fora do
meu controle, a cena dela dançando com Vicky não sai da minha cabeça.
Charlotte parecia despertar em mim algo diferente. Eu não cuidava
de ninguém, as únicas pessoas que eu protegia era Vicky e Oliver, mesmo
assim me segurei para não ir pra cima daquele tal de Charlie.
Balancei minha cabeça para afastar aqueles pensamentos. Olhando
pelas portas de vidro do refeitório, observei o céu nublado e a chuva caindo
sem parar.
Segui para as escadas subindo de volta para o meu quarto. Abri a
porta e dei de cara com o meu pai parado no meio do cômodo. Oliver não
estava lá, ele estava só, uma calça social cinza e a camisa branca estava com
as mangas arregaçadas.
Seus olhos me encararam e vi o que eu mais via neles, raiva.
— O que está fazendo aqui? — Questionei entrando no quarto.
— Engraçado me perguntar, você deveria saber o porquê. — Sua
postura ficou mais ereta. — Identifiquei faltas em algumas aulas suas. O que
não é o certo, já que você não sai desse colégio.
Soltei o ar com força, cansado daquela cobrança.
— Não estava me sentindo bem.
Meu pai soltou uma risada sem humor.
— Não estava se sentindo bem? — Sua voz estava ficando
alterada. — Quando irá entender que você é o filho do dono desse colégio;
tudo que faz, as pessoas observam. Quem irá querer colocar os filhos em um
colégio que o próprio filho do diretor não frequenta as aulas?
Ele se aproximou de mim, tínhamos a mesma altura, não poderia
mais me olhar de cima, agora nós encarávamos.
— Eu dei tudo para você. Por que não consegue fazer as coisas
direito? — Podia ver em seu olhar a fúria. — Sua mãe fracassou na vida, vai
ser como ela?
Meu corpo se tornou quente, minha visão ficou turva, a dor de
cabeça aumentou dez vezes mais.
— Por que insiste em falar dela? — Rosnei.
Um sorriso se abriu em seu rosto. Ele era doente.
— Aliás, vi que algumas faltas sua coincidem com a de Charlotte
Jones.
Deveria ter sido o dia em que passou mal e eu a ajudei.
— Ela recebeu uma advertência recentemente, os pais não ficariam
felizes em saber que ela está faltando às aulas. Comece a andar na linha
Noah, ou as consequências virão.
A consequência já era conviver com ele. Olhar em seu rosto e
saber que foi o motivo do suicídio da minha mãe, isso já era tortura o
suficiente.
Meu pai me deu uma última olhada como aviso e seguiu para fora
do quarto.
Passei as mãos em meu rosto, frustrado, era como eu me sentia.
Lágrimas de raiva se acumulavam em meus olhos, mas eu não daria a ele o
gosto de derramá-las.
Me sentindo sufocado em meu próprio quarto, saí e bati a porta
com força, só queria esquecer todas as palavras que ele disse.
Caminhei rapidamente para o dormitório feminino, talvez Oliver
estivesse no quarto de Vicky, eles me ajudariam a esquecer essa situação.
Respirei fundo diversas vezes tentando controlar a minha respiração.
Bati na porta, porém sem paciência para esperar permissão para
entrar, abrir a porta que, por sorte, não estava trancada.
O quarto estava mal iluminado, as janelas estavam fechadas, corri
meus olhos procurando por Vicky ou por Oliver, sem achar nenhum dos dois
percebi Charlotte sentada em sua cama com o notebook apoiado nas penas.
Seus olhos azuis me encaravam assustados.
— Noah?
— A Vicky não está aqui?
— Oliver passou aqui e os dois saíram.
Concordei com a cabeça e me virei para sair.
— Espera. — Sua voz me fez parar. — Queria falar com você.
Me virei novamente para ela, que se levantou da cama me dando a
visão do seu corpo em um short pequeno de algodão e uma camiseta preta
com a estampa do Chuck segurando uma faca.
Percebendo meu olhar puxou a camiseta para baixo, mas suas
coxas ainda estavam de fora chamando minha atenção.
— Camiseta legal. — Voltei meu olhar para seu rosto. — O que
quer falar comigo?
— É sobre a Vicky. — Charlotte mexeu as mãos nervosamente.
A confusão me atingiu.
— O que tem ela? — Franzi a testa.
Charlotte suspirou.
— Achei uma coisa na gaveta dela. — Caminhou até a
escrivaninha da Vicky, abriu a gaveta e tirou algo de lá. — Fiquei
preocupada com ela e precisava mostrar para alguém.
Ela se aproximou e me entregou um saquinho transparente com
um pó branco dentro. Eu sabia exatamente que aquilo era cocaína, peguei em
minhas mãos. Não podia acreditar que Vicky estava guardando aquilo,
depois de tudo o que aconteceu.
— Não sei se ela usou, mas estava aí.
— Vicky passou por uma overdose, não morreu por pouco.
Charlotte arregalou os olhos e pôs a mão na boca.
— Pensei que isso tinha acabado. — Penteei meu cabelo para trás
com os dedos. — Conhecendo-a, sei que ainda não usou, mas está
guardando, então vai ser questão de tempo até fazer isso.
— Devemos colocar onde estava? — Charlotte perguntou receosa.
— Não. Vou dar um fim nisso.
Guardei a cocaína no bolso do meu moletom.
Olhando atrás de Charlotte vi a tela do seu computador, estava
pausada em um filme.
— Está assistindo o que? — Apontei para o Notebook.
Ela abaixou seu olhar e respondeu baixo.
— Halloween.
Então ela gostava de filmes de terror, as aparências com certeza
enganavam, nunca imaginei que ela gostasse dos clássicos do terror.
— Qual é esse?
— Estou revendo o de 2018.
Sem mais nada para dizer, o silêncio caiu sobre nós, estava pronto
para sair dali, não tinha mais nada para fazer ali. Vicky e Oliver
provavelmente estavam nos vagões abandonados, eu poderia ir atrás deles,
mas não consegui me mexer.
— Você quer assistir? — Charlotte me encarou com seus olhos
azuis brilhando.
Seu olhar me afetou e sem pensar muito respondi.
— Quero.
Charlotte umedeceu os lábios com a língua e meu olhar foi
exatamente para aquele local.
Ela olhou para sua cama, provavelmente se perguntando como nós
dois assistiríamos um filme sentados ali, mas estava torcendo para que não
desistisse da ideia. Porque agora estava muito a fim de assistir um filme de
terror com ela.
Charlotte sentou-se na cama com as costas apoiada na cabeceira e
se encolheu ao lado da parede, finalmente me movi me sentando ao seu lado,
mesmo evitando a lateral dos nossos corpos estavam coladas a cama era
muito estreita. Ela pegou o notebook e apoiou em nossas pernas.
— Está no começo ainda, mas se quiser posso voltar para o início.
— Sugeriu.
— Não, podemos continuar de onde parou.
Quase espremida entre mim e a parede Charlotte apertou o play. A
chuva batia na janela trazendo um barulho reconfortante.
Ela mexeu nos cabelos e o cheiro de baunilha invadiu o meu nariz,
estamos perto demais, nunca tinha gostado tanto do cheiro de baunilha como
gostava agora. Dava vontade de lamber a sua pele para saber se gosto era
igual ao cheiro, tinha a impressão de que era bem melhor.
— De onde veio esse gosto por filmes de terror? — Perguntei
querendo tirar seu cheiro e seu gosto dos meus pensamentos.
— Não sei, sempre gostei. — Deu de ombros. — Enquanto as
pessoas sentiam medo eu gostava da sensação.
— Gosta de levar sustos então? — Arquei a sobrancelha.
Ela desviou a atenção da tela para me encarar.
— Pode parecer besteira, mas gosto da antecipação antes do susto
de fato, mesmo sabendo que vai acontecer alguma coisa, você não sabe o
que de fato é.
Sempre assisti filmes de terror e nunca pensei nisso.
— Faz total sentido. No fundo as pessoas gostam de sentir medo.
— Talvez seja pela adrenalina que o medo traz.
— Prefere os clássicos ou gosta dos novos também? — Estava
curioso, de repente queria saber mais sobre Charlotte.
— Para mim os clássicos sempre serão melhores, porém tem muito
terror novo que é bom. Eu amo a saga de Invocação do Mal.
Podia ver seus olhos brilhando quando falava sobre aquele
assunto.
— Gosta de ver espíritos, mas tem medo de tocar em um sapo
morto. Você é uma incógnita, Charlotte.
Ela abriu um sorriso e revirou os olhos.
— Vamos prestar atenção no filme. — Ordenou.
Voltamos a nossa atenção para a tela. Halloween não era um dos
meus terrores favoritos, porém percebendo como ela gostava daquilo, eu
poderia rever sem problema nenhum.
O filme se desenrolou com o assassino Michael Myers
aterrorizando a cidade de Haddonfield.
Enquanto ia anoitecendo o quarto ficava mais escuro, só com o
abajur e a tela no notebook como iluminação.
Charlotte se mexeu desconfortável com a posição, aposto que as
costas dela começaram a doer igual a minha. Agindo por impulso, levantei o
meu braço e puxei seu corpo para perto do meu. Primeiro ela não se mexeu,
o gesto a pegou de surpresa, mas depois se aconchegou em mim deitando
sua cabeça em meu peito, passei meu braço pelos seus ombros e abaixei meu
corpo para ficar mais confortável também.
Aproximei meu nariz dos fios loiros, mas sem encostar em sua
cabeça, puxei o ar com força. Estava viciado em seu cheiro doce.
— Sabe o que eu gosto na saga de Halloween? — Charlotte
sussurrou.
— O que?
— O fato de a vítima reagir e tentar deter o mal.
Meus dedos alisavam seu braço e pude ver os pequenos pelos se
arrepiando. O filme estava chegando ao fim e o meu autocontrole também,
precisava me afastar, mas por algum motivo não conseguia.
Charlotte se apertou mais contra mim e sua mão posou em meu
peito. Prendi a respiração.
Ela não era alguém como Eliza que eu poderia transar e pronto,
Charlotte esperaria mais e eu não poderia dar mais para ela. Estava com a
cabeça fodida, relacionamentos não dão certo. Minha mãe se matou por
causa de um.
Quando a tela ficou escura e os créditos começaram a subir me
afastei bruscamente como se seu corpo tivesse alguma doença contagiosa.
— Preciso ir. — Falei me virando.
— Tudo bem. — Foi a última coisa que escutei ela dizer antes de
fechar a porta atrás de mim.
Corri para o meu quarto e me joguei na minha cama.
Peguei o bloco de desenho e comecei a deslizar o lápis pela folha.
Precisava tirá-la da minha cabeça, porém quando me dei conta a
sua imagem pela metade, desenhada no papel, me encarava.
Charlotte
Os corredores já estavam enfeitados com abóboras e caveiras de
papel, o Halloween estava chegando. Considerando minha paixão por filmes
de terror este era um dos meus feriados favoritos.
Teríamos uma festa na quadra da escola, estava começando a
pensar na minha fantasia, mas eram muitas opções e não conseguia decidir.
Caminhando para a sala de história, me lembrei de Noah, tínhamos
essa aula juntos. Passaram exatamente dois dias desde que assistimos o filme
juntos no meu quarto, porém ele não tinha falado comigo depois disso. Nos
esbarramos nos corredores e tudo o que ele fez para me cumprimentar foi
um aceno de cabeça.
Acho que interpretei as coisas erradas, ele tinha me puxado para
deitar em seu peito, aparentemente isso não significava nada para ele.
Entrei na sala de aula e uma imagem nada agradável se
desenrolava em minha frente. Noah estava sentado no meio da sala com
Eliza sentada em seu colo. Meu estômago embrulhou na mesma hora.
Respirei fundo e segui para os fundos da sala, nossos olhares se
encontraram no meio do caminho, mas desviei rapidamente, não conseguia
encará-lo sem sentir raiva.
A professora entrou na sala, as conversas cessaram e Eliza se
levantou do colo de Noah e sentou-se na mesa ao seu lado com um sorriso
enorme em seu rosto.
Não ficaria triste por causa dele, só estava confusa, ficamos perto
na boate e depois durante o filme, mas parecia que ele não se importava com
isso. Talvez eu esteja interpretando as coisas erradas.
Pensamentos sobre Noah ter visto meu corpo e por isso não queria
estar mais perto de mim, invadiram a minha cabeça.
Olhei para Eliza, seus cabelos pretos caíam em cascata pelas suas
costas, sua cintura era tão fina que acho que conseguiria fechar minhas mãos
em volta dela, seu quadril era pequeno, suas pernas longas eram igualmente
finas. Ele gostava de meninas magras como ela.
A professora começou a aula e tentei ao máximo prestar atenção,
mas não tinha total controle sobre os meus olhos e eles sempre acabavam
encarando as costas de Noah e Eliza.
Respirei fundo e comecei a fazer as minhas anotações com base no
texto que a professora colocava no quadro.
No momento em que o sinal tocou, juntei as minhas coisas e andei
o mais rápido que consegui até a porta, sem lançar um olhar na direção
daqueles dois.
Apressei meus passos em direção ao meu armário com os olhos
baixos. Senti meu corpo se chocando com outro e levantei os olhos na
mesma hora.
— Olha por onde anda — Amélia falou com a voz enojada.
— Desculpe, não te vi.
Ela cerrou os olhos.
— Essa desculpa é como aquela na aula de educação física?
— Talvez, os dois foram acidentes. — Retruquei.
Amélia arqueou a sobrancelha em surpresa. Ela esperava que eu
ficasse quieta.
— Você e Vicky estão bem amiguinhas, vi as duas juntas na boate.
Aposto que o tal “acidente” — fez aspas com o dedo — na aula de educação
física foi combinado por vocês duas.
Não estava nem um pouco com paciência para aquilo.
— Dá licença, preciso ir almoçar.
Ela me olhou, saiu do caminho e, quando eu estava prestes a sair
dali, falou algo baixo, porém meus ouvidos escutaram perfeitamente.
— Como se você comesse.
Mordi o canto da minha boca porque não tinha nada para
responder para Amélia. No fundo aquilo era verdade.
Guardei minhas coisas no armário e caminhei até o refeitório.
Coloquei um pouco de comida no meu prato, passei direto sem
nem olhar para as batatas assadas com alecrim, porém só o cheiro foi o
suficiente para me deixar com água na boca.
Sentei em uma das mesas vazias e encarei o meu prato, minha
barriga roncou, desviei meus olhos para a bandeja recheada de batatas e me
recriminei por isso.
Levei um pouco de comida para a boca e tentei me contentar sem
as batatas. Noah era parecido com as batatas, eu queria, pelo menos provar,
mas eu sei que me fariam mal.
O universo não estava ao meu favor hoje.
Vi Yuri se aproximando da minha mesa, ele puxou a cadeira que
estava na minha frente e sentou-se. Tinha um sorriso em seu rosto.
— Oi, te vi sozinha e achei que precisa de uma companhia. Mas
pode me mandar embora caso precise ficar sozinha.
Eu estava me sentindo horrível hoje, porém não seria adequado
mandá-lo embora, ele era gentil comigo.
— Fique à vontade. — Dei um gole na minha água.
Ele deu uma garfada em seu prato e quando engoliu a comida
perguntou.
— Como está indo às aulas?
— Bem, mas matemática com certeza vou ter a pior nota.
— Eu estudo aqui há três anos, porém este ano parece que todas as
matérias vão me engolir e ainda tem a aplicação da faculdade. Já sabe para
qual vai?
— Oxford, vou fazer medicina.
— Isso parece legal.
Olhei para frente e vi Noah entrando no refeitório, seus olhos
escuros caíram sobre mim e Yuri, sua testa franziu.
— Você vai à festa de Halloween? — Yuri chamou minha atenção
novamente para nossa conversa.
— Vou. Halloween é uma das minhas épocas favoritas do ano.
Um sorriso nervoso se abriu em seu rosto. Ele desviou o olhar do
meu.
— Eu estava pensando em... — Ele coçou a cabeça. — Não sei se
vai aceitar. Mas é uma sugestão. Nós podíamos ir juntos.
Seus olhos se voltaram para mim, ele parecia ansioso. Desviei meu
olhar para Noah que estava na fila para se servir, porém ainda tinha os olhos
em nós dois. Eu sabia que Noah não me convidaria, tinha que me contentar
com isso assim como me contentei em não comer batatas deliciosas.
E a analogia de Noah ser igual as batatas volta à minha cabeça.
Voltei meu olhar para Yuri que esperava ansiosamente por uma
resposta.
— Eu adoraria ir com você. — Abri um sorriso, para que eu
mesma acreditasse naquilo.
Ele soltou um suspiro de alívio.
— Que bom. Ótimo na verdade.
Estava sendo uma idiota indo a essa festa com Yuri, quando a
minha verdadeira vontade era ir com Noah. Yuri não merecia isso, mas na
minha cabeça seria mais injusto ter dito não.

◆◆◆

Conferi as horas no relógio amarelo que estava na parede da


academia, já passava das onze da noite. Tinha vindo aqui depois do toque de
recolher, porque quando me deitei para dormir tudo que vinha na minha
cabeça era as batatas do almoço, que para o meu azar foram servidas no
jantar também.
O cheiro ainda estava em meu nariz e eu quase podia sentir o gosto
delas.
Aumentei a velocidade da esteira com intenção de punir meu
corpo com pensamentos indesejados. Minhas pernas doíam tentando
acompanhar a velocidade da esteira, minha respiração estava ofegante.
Quando percebi que minhas pernas iriam ceder apertei o botão
vermelho para desligar a esteira. Apoiei a minha testa no painel e esperei a
minha respiração se regularizar. Minha barriga roncou e eu suspirei
frustrada. As batatas ainda estavam em minha cabeça.
Minhas mãos tremiam e eu estava fraca, ou melhor, estava com
fome.
Tirei o elástico de cabelo soltando o rabo de cavalo. Engoli em
seco e andei devagar, pois minhas pernas ainda estavam moles. Eu deveria
estar parecendo um zumbi caminhando nos corredores escuros.
Meus pés se arrastaram até o refeitório, minha força de vontade
tinha ido embora. Por mais que a voz da minha cabeça gritava para que eu
saísse dali e fosse para o meu quarto, o meu corpo parecia agir sozinho.
Entrei na cozinha e em cima do fogão industrial estava as batatas
em uma tigela de vidro. Me aproximei e o cheiro se infiltrou no meu nariz,
um gemido de satisfação saiu da minha boca. Elas estavam no ponto certo,
douradas com o alecrim por cima.
Apressadamente peguei um garfo na gaveta e sem me importar
com um prato, enfiei uma batata na minha boca. O gosto da batata se
misturou com alecrim e manteiga, meu corpo agradeceu no mesmo
momento.
Não haveria problema se eu comesse só mais uma ou duas.
Querendo sentir aquele gosto delicioso de novo continuei enfiando batatas
na minha boca sem conseguir me conter, perdi as contas de quantas foram.
Encarei a tigela de vidro, agora vazia, e na mesma velocidade em
que as comi a culpa veio até mim. De novo isso.
Mordi com força o meu lábio inferior e as lágrimas começaram a
rolar pelo meu rosto. Como pude fazer isso comigo? Com o meu corpo?
Aquele tanto de carboidrato iria me deixar mais gorda do que estava.
Se Noah não me queria antes, depois dessas batatas ele nem
olharia mais pra mim. Soltei o garfo como se ele me queimasse. Cruzei os
braços e corri para o banheiro próximo ao refeitório.
E como naquele outro dia, chorando e com a culpa me
consumindo, me agachei e agarrei a porcelana da privada. Enfiei o dedo na
garganta, mas o vômito não veio. Enfiei outra vez mais fundo, me causando
dor.
Tossi algumas vezes até o vômito sair. Me derramei novamente ali,
com a culpa sussurrando no meu ouvido que eu era a responsável pelo meu
corpo.
Acabei de vomitar, me levantei dali e fui até a pia, lavando meu
rosto e minha boca.
Abrir a porta do banheiro e uma figura escura me encarava, saltei
com o susto, até me dar conta de que era Noah.
Noah
O vento gelado da noite abraçou o meu corpo, caminhei até as
portas de vidro do refeitório. Tinha saído para uma caminhada noturna,
porque meus pensamentos inquietos não estavam me deixando dormir.
Quando eu fechava os olhos e tentava dormir, os olhos azuis
apareciam magicamente na minha cabeça, era quase um castigo. Não fazia a
mínima ideia do que fazer sobre isso.
Entrei no refeitório e tranquei a porta novamente. Meus ouvidos
capturaram passos se aproximando, fiquei curioso para saber quem viria aqui
nessa hora, mas também não queria ser pego. Corri meus olhos pelo local
procurando algum lugar para me esconder.
O vaso de planta a minha direita se tornou meu esconderijo, era
grande o suficiente para que ninguém me visse e o espaço entre as folhas
poderia me dar a visão de todo o local.
Alguns segundos se passaram e Charlotte entrou no refeitório. Ela
estava vestida em uma legging e uma camiseta larga, seus cabelos estavam
desarrumados, ela se arrastou para a cozinha como se sentisse dor na perna.
Charlotte estava na academia a essa hora? A confusão me atingiu.
Teve uma outra vez em que encontrei ela no refeitório de madrugada, por
que será que ela vinha somente essa hora?
Com todas essas perguntas em minha cabeça, a curiosidade me
venceu.
Segui com passos lentos até a porta da cozinha, com cuidado, pois
não queria que me visse. Queria observá-la.
Charlotte estava debruçada sobre a tigela de batatas assadas e
comia como se aquilo fosse a coisa mais gostosa que já comeu na vida.
Pensei que ela não comia batatas.
Me lembrei sobre uma palestra que tivemos no ano passado sobre
transtornos alimentares e foi como se um soco atingisse meu estômago.
Engoli em seco.
Ela largou o garfo e pude ver lágrimas rolando em seu rosto e os
ombros se agitando com soluços de um choro silencioso. Estava na minha
frente esse tempo todo, mostrando vários sinais e eu não tinha percebido.
Charlotte correu para fora da cozinha e eu me afastei para ficar
longe do seu campo de visão. Porém a segui, queria saber aonde ela ia com
tanto desespero. A confirmação veio quando ela entrou no banheiro e fechou
a porta.
Me aproximei e pude escutá-la colocar tudo para fora. Fechei os
olhos com força. Charlotte não deveria passar por isso sozinha.
Quando a porta se abriu ela tomou um susto, mas quando
reconheceu meu rosto relaxou.
Pela luz fraca do corredor vi seu rosto vermelho e os olhos
marejados.
— Por que você faz isso? — Questionei a encarando.
— Isso o que? — Sua testa franziu.
Respirei fundo, precisava que essa conversa fosse calma, por mais
que eu quisesse gritar que ela não precisava fazer isso, não é assim que
funciona.
— Eu vi você comendo as batatas e depois correndo para o
banheiro.
Seus olhos se desviaram dos meus e pude ver sua dificuldade em
engolir, a garganta estava ferida. A raiva estava borbulhando em mim.
— Eu estava com fome.
— E foi malhar essa hora da noite? — Apontei para sua roupa.
Ela concordou com a cabeça e se desviou de mim para sair dali.
Peguei seu braço e a puxei para trás, a deixei encurralada entre a parede e o
meu corpo.
— Você precisa de ajuda. — Disse olhando em seus olhos.
— Eu preciso que você saia da minha frente e me deixe em paz. —
Retrucou. — Eliza não está disponível essa noite?
Sua defesa era contra-atacar e mudar de assunto.
— Estamos falando de você e do seu problema.
Charlotte soltou uma risada amargurada.
— Agora o meu problema está sendo você.
Apoiei meu braço na parede ao lado de sua cabeça. Estava
tentando ajudá-la e ela me trata assim.
— Posso cuidar da Eliza mais tarde, agora estou cuidando de você.
Dou conta das duas. — Um sorriso de lado se abriu em meu rosto.
Pude ver as chamas se acendendo em seus olhos, o azul parecia
um mar agitado.
Me surpreendi quando bateu sua mão em meu peito tentando me
afastar, porém não obteve sucesso, só me deixou com uma vontade
inexplicável de sentir seu toque no local de novo.
— Dá pra me deixar em paz.
— Estou tentando ajudá-la.
— Não está. Você pensa que se importa, mas não se importa de
verdade.
Cerrei os olhos e repeti a pergunta
— Por que você faz isso?
Ela mordeu o lábio inferior chamando minha atenção para o local.
Que gosto teriam seus lábios? Por um momento desejei que fosse meus
dentes puxando aquela carne macia.
— Você não tem nada a ver com isso. — Sussurrou.
Já que ela estava tão relutante com isso, deixaria de lado por
enquanto, mas não desistiria daquilo.
Resolvi entrar em outro assunto que me consumiu de curiosidade
mais cedo.
— Por que estava almoçando com Yuri hoje?
A confusão dominou sua expressão, deveria estar se perguntando o
porquê a questionei sobre aquilo, a questão era que eu também não sabia, só
precisava perguntar.
— Eu estava sozinha e ele veio me fazer companhia — Deu de
ombro.
— Só isso?
— Por que você quer saber? — Arqueou a sobrancelha.
Me aproximei do seu corpo até nossos peitos encostarem, aquilo
era perigoso, mas era mais forte que eu.
— Por que eu preciso saber. — Falei perto do seu ouvido.
— Nós vamos à festa de Halloween juntos, ele me convidou. —
Sua voz saiu baixa.
Meu estômago embrulhou. Ele queria ir à festa com ela e ela
aceitou, tentei fazer meu cérebro captar essa informação.
Sua voz quebrou o silêncio.
— Precisa parar de me pressionar contra paredes. Eliza vai ficar
com ciúmes.
Suas mãos empurraram meu corpo e dessa vez, mesmo relutando,
eu me afastei dela.
— Eu não preciso de ajuda, Noah. Estou no controle.
Me deu uma última olhada e seguiu pelo corredor até a escada.
Charlotte estava longe de estar no controle, acho que no fundo ela sabia
disso, só não queria admitir.
Vi a depressão da minha mãe de perto e sabia que doenças mentais
eram perigosas. Um dia você acha que está no controle, no outro ela te
consome e seu filho de dez anos acha o seu corpo sem vida em volta de
cartelas de remédio vazias.

◆◆◆

Estava acabando o horário do café da manhã, o refeitório estava


cheio, porém como o esperado Charlotte não deu as caras, não sei se não
queria me ver ou se não queria comer, as duas opções eram inaceitáveis.
Era sexta-feira, dia da festa de Halloween, fomos dispensados das
aulas do dia por causa da festa.
— Já sabem que fantasias vão usar hoje? — Oliver perguntou
mordendo um pedaço do muffin de chocolate.
— Eu e Charlotte iremos ao centro da cidade atrás de nossas
fantasias. — Vicky falou enrolando uma mexa do seu cabelo
— Fiquei sabendo que ela irá para festa com Yuri. — Um
formigamento estranho atingiu minha pele só de pensar nisso.
Vicky franziu a testa.
— Yuri? Eles com certeza formariam um casal estranho.
Um casal? Eles só iriam a uma festa juntos, eles não formariam
um casal. Formaria?
Balancei a cabeça para tirar aquilo dos meus pensamentos, nem
entendia o porquê aquela afirmação me incomodava tanto.
— Eu não faço ideia de que fantasia escolher. — Mudei o assunto.
— Vai de Chucky. — Sugeriu Vicky.
— O boneco assassino? — Franzi a testa.
Ela concordou com a cabeça.
— Acho sua personalidade parecida com a dele.
Arquei a sobrancelha e dei de ombros, aceitando sua sugestão.
Olhando para Vicky me lembrei do que Charlotte tinha achado em
sua gaveta, tinha me livrado daquilo, mas ainda não falei com ela sobre, iria
deixar para conversar sobre isso depois da festa de Halloween.
Estava me preparando porque sei que seria uma conversa difícil e
eu teria que ser compreensivo com ela.
— Vou de Jason, sexta-feira 13 é um clássico. — Oliver disse
sorrindo.
Vicky se levantou.
— Preciso ir meninos, não esqueçam de trazer algo para batizar o
ponche. — Ela disse essa última parte mais baixo e saiu dando risada.
Balancei minha cabeça sorrindo, isso seria útil mesmo.
Oliver me olhou e inclinou a cabeça, pelo que eu o conhecia sabia
que não iria gostar do que ele diria a seguir.
— Por que falar da Charlotte com o Yuri te incomodou?
Eu estava certo, odiei sua pergunta.
— Por que acha isso? Não me incomoda. — Bebi o resto de suco
que havia em meu copo.
— Eu te conheço.
Fiquei em silêncio, não queria falar sobre aquele assunto.
Oliver desviou seu olhar para trás de mim e fez uma careta. Se
levantou da mesa.
— Boa sorte.
No mesmo momento Eliza apareceu em minha frente e sentou-se
em cima da mesa, a saia que usava subiu deixando suas pernas totalmente à
mostra.
— Oi, Noah.
Dei uma boa olhada em suas pernas, porque era isso que ela
queria.
— Oi, Eliza.
Um sorriso satisfeito se abriu em seu rosto.
— Estava pensando que podíamos ir à festa juntos. — Sua voz era
manhosa.
— É uma ótima ideia. — Abri um sorriso falso.
Ela se inclinou e pegou a minha mão de cima da mesa e colocou
repousada na sua coxa.
— Podíamos ir com fantasias de casal. — Ela sugeriu.
Aquilo já era demais para mim.
— É meio brega isso. — Me inclinei em sua direção. — Mas
prometo tirar a sua fantasia no final da noite.
Brinquei com uma mecha do seu cabelo. Ela arfou e entreabriu os
lábios.
Dei um último sorriso e me afastei saindo do refeitório.
Aquilo tudo era uma tentativa de me distrair, porque meu corpo
não me obedecia e parecia desejar uma única pessoa, mas eu não poderia
deixar isso acontecer.
Charlotte
O centro de Durham estava tranquilo, porém uma das poucas lojas
de fantasias que existia na cidade estava lotada, todos à procura de uma
fantasia para o Halloween.
Eu e Vicky passávamos pelas araras procurando algo que nos
agradecesse para hoje à noite. Até pensei em combinar minha fantasia com a
do meu par, mas não fazia ideia o que Yuri iria vestir.
— Achei algo perfeito para você — Vicky gritou empolgada em
uma arara mais à frente.
Fui até ela que ergueu um cabide na minha frente. Logo reconheci
a fantasia. Tiffany, a noiva do Chucky. Peguei a fantasia em minhas mãos.
— É perfeito, você é loura igual a ela, é um clássico. — Vicky
sorria de orelha a orelha enquanto tentava me convencer.
Observei a fantasia, era realmente muito bonita, o vestido branco
era de seda, olhando seu cumprimento provavelmente só cobriria metade das
minhas coxas, tinha uma pequena jaqueta de couro, uma meia-calça arrastão
preta e para completar tinha uma gargantilha prata escrita Chucky.
— É bonita, mas não sei se ficaria legal em mim.
— É claro que vai ficar, com a maquiagem certa vai ficar perfeito.
— Vicky ainda mantinha seu sorriso no rosto.
Analisei mais a fantasia. Não vou mentir, de todas que vi aquela
foi a que mais me agradou, adorava os filmes do Chucky e existiam poucas
fantasias femininas que viessem de filmes de terror.
— Acho que vou levar.
Vicky bateu palminhas.
— E você, já decidiu a sua fantasia? — Questionei.
Ela tirou um cabide da arara e me mostrou. Um vestido branco de
tule com detalhes vermelhos, meias três quarto listradas e vinha com uma
falsa faca manchada de sangue.
— Palhaça assassina. — Falou como se fosse óbvio.
Fomos para o provador e experimentamos as fantasias. Para a
minha infelicidade tive que pedir um número maior, quase desisti da
fantasia, porém sei que Vicky faria muitas perguntas e eu não estava com
vontade de responder nenhuma.
Já tinha lidado com Noah ontem de madrugada, ele achava que eu
precisava de ajuda, que eu estava lidando com as coisas do modo errado.
Mas eu estava lidando do meu jeito, não precisava de ajuda, estava tudo
certo.
Eu não estava satisfeita com o meu corpo então iria fazer de tudo
para ficar magra, nem que para isso eu tivesse que vomitar tudo que comia.
Pagamos nossas fantasias e pegamos dois frascos de sangue falso.
Saímos da loja e o vento gelado abraçou nossos corpos, ainda não
estávamos no inverno, mas o frio já estava dando as caras.
— Preciso de um coturno branco para usar com essa fantasia. —
Vicky disse olhando para a vitrine de uma loja à frente.
— Ainda temos tempo, podemos ir comprar.
Atravessamos a rua para a loja de sapatos. Vicky experimentou
muitos sapatos, até saltos que não tinham nada a ver com a fantasia, mas ela
usou a desculpa de que se estava ali deveria aproveitar e comprar mais de
um par de sapatos.
No fim saímos da loja e ela tinha escolhido mais dois pares de
sapatos, fora o coturno branco que era o que realmente precisava.
— Todas essas compras me deram fome. Você quer comer alguma
coisa? — Vicky perguntou apontando para uma cafeteria ao lado.
Minha barriga roncou, torci para que ela não tivesse escutado,
porque não queria comer nada, tudo que deveria ter naquela cafeteria seria
açúcar demais ou gordura demais.
— Não estou com fome. — Menti.
— Sério? Não te vi hoje no café da manhã. — Ela franziu o cenho
para mim.
— Tomei o café mais cedo. — Menti novamente. — Mas pode ir
lá pegar algo para comer, estou te esperando aqui.
Não podia correr o risco de entrar ali e sentir o cheiro daquelas
comidas, aconteceria a mesma coisa que aconteceu com as batatas, eu não
tiraria da minha cabeça até comer uma quantidade extravagante.
— Certo, prometo ser rápida.
Vicky virou-se e entrou na cafeteria. Conferi as horas em meu
celular, precisávamos ir logo para colégio, necessitava de tempo para fazer
as maquiagens daquelas fantasias.
Observei as ruas de Durham, as pessoas sorrindo e com sacolas
nas mãos, outras falavam alegremente sobre que fantasia usaria, era até
possível ver alguns alunos do colégio comprando suas próprias fantasias.
Meu olhar se focou em um casal que estava ali do lado, eles
estavam olhando no celular com expressões confusas enquanto
conversavam.
A garota era alta, tinha cabelos castanhos, olhos no mesmo tom e
podia dizer que o corpo era de uma modelo. O garoto um pouco maior que
ela tinha cabelos pretos e olhos esverdeados, usava uma jaqueta de couro
com as mangas arregaçadas deixando de fora as tatuagens em seus braços.
Eles não pareciam ser da cidade. O cara acendeu um cigarro e
tragou, a garota correu os olhos pela multidão e focou em mim. Desviei o
olhar, porém ela se aproximou com um sorriso gentil.
— Oi, me chamo Alice. — Seu inglês era perfeito, mas não dava
para esconder o sotaque, com certeza eram estrangeiros.
— Sou Charlotte. — Retribui seu sorriso.
— Charlotte, eu e meu namorado — ela apontou para o cara que
estava atrás e soltava a fumaça do cigarro pelos lábios — estamos viajando
pela Europa e paramos aqui na cidade para visitar, mas não estamos achados
o caminho para a catedral de Durham.
Como imaginava eles não eram daqui, talvez fossem americanos.
Apesar de ter saído pouco nas ruas de Durham, eu sabia mostrar o caminho.
— Você seguirá até o final dessa rua e virará à direita. — Apontei
para a direção. — Logo verá as torres.
— Obrigada. — Ela abriu um sorriso.
Ela se virou e o namorado rodeou o braço pelos seus ombros e eles
seguiram pela direção que eu indiquei. Eles eram bonitos juntos.
— Com quem estava falando? — Vicky apareceu ao meu lado
comendo um Knickerbocker Glory com calda vermelha, que imaginei ser de
morango.
— Turistas querendo informações sobre a catedral de Durham. —
Expliquei.
— Turistas em Durham? Aposto que estão perdidos.
Ri com o seu comentário.
Pegamos um táxi de volta para o colégio, hoje felizmente não
saímos às escondidas, os alunos que tinham autorização dos pais poderiam
sair hoje.
Começamos a nos arrumar. Vicky me ajudou na maquiagem,
esfumou sombra preta ao redor dos meus olhos fazendo o azul ficar mais
vivo, ela tirou um batom preto de uma de suas gavetas e me convenceu a
passar. Pensei que uma cor como aquela não ficaria boa na minha boca, mas
tinha ficado incrível, complementando a fantasia.
Ela fez um corte falso na minha bochecha usando o sangue falso.
Ajudei Vicky com sua maquiagem de palhaça assassina, copiando
uma imagem do Pennywise, fiz alguns cortes em seu braço e ela espirrou um
pouco de sangue sobre a roupa, como se estivesse acabado de matar alguém.
Ajudei ela a amarrar o cabelo, fazendo dois rabos de cavalo, um de
cada lado da cabeça.
— Nós estamos perfeitas. — Vicky disse enquanto nos olhamos no
espelho. — Com certeza vamos ser as mais bonitas.
Sorrir para ela. Com certeza Vicky seria a mais bonita, já não sei
se poderia dizer o mesmo para mim. Adorei a fantasia, porém meu corpo
ainda não estava como eu queria.
Soltei um suspiro.
— Vamos? — Me virei para ela sem conseguir olhar mais para o
espelho.
Ela concordou com a cabeça e nos apressamos para sair do quarto.
Os corredores estavam recheados de risadas e conversas altas, os
alunos caminhavam em direção a quadra coberta.
Chegando perto da quadra reconheci Yuri, estava fantasiado de
vampiro, na minha opinião poderia ter sido mais criativo, mas nem todo
mundo conhecia os personagens de filme de terror, teria que aceitar isso.
Quando seus olhos me acharam ele sorriu me mostrando suas
presas falsas.
— É mesmo, hoje você está de casal. — Vicky sussurrou para
mim.
— Não somos um casal. — Retruquei.
— Acho melhor avisar isso a ele. — Ela soltou uma risada, deu
aceno de cabeça para Yuri e seguiu o caminho.
Me aproximei de Yuri que tinha os olhos grudados em mim.
— Você está linda. — Seus olhos correram pelo meu corpo.
Puxei o vestido um pouco mais para baixo e um sorriso sem graça
se abriu em meu rosto.
— Obrigada.
— Está fantasiada de ... — Seus olhos se cerraram e ele franziu a
testa enquanto pensava.
Quando passou alguns segundos e ele não falou, resolvi acabar
com o seu sofrimento.
— Tiffany, a noiva do Chucky. — Falei rapidamente.
Ele abriu um sorriso amarelo.
— Claro, ficou ótima em você, aliás.
Não poderia cobrar que soubesse todos os filmes de terror, mas era
Chucky, como ele não reconheceu?
Entramos na quadra que estava iluminada com uma luz vermelha,
teias de aranhas caíam do teto e contornavam as paredes, que exibiam
marcas de mãos ensanguentadas, nos cantos podiam-se ver sacos pretos
posicionados para parecer um corpo.
Tínhamos bruxas e vampiros para todos os lados.
Amélia estava ao lado da tigela de ponche, estava fantasiada de
Carrie a estranha, Grace ao seu lado vestia uma fantasia feminina do Freddy
Krueger.
O som de alguma música pop remixada enchia o ambiente.
— Vou pegar alguma coisa pra você beber, espera aqui. — Yuri foi
em direção a tigela de ponche.
Olhei em volta, tinha algumas pessoas que se esforçaram para
fazer aquelas maquiagens realista, alguém estava vestido da garota do o grito
e eu nem consegui identificar quem era.
Enquanto observava as pessoas uma voz se sobressaia por cima da
música atrás de mim.
— Ótima fantasia.
Eu conhecia aquela voz rouca, era Noah.
Me virei e um sorriso de lado se abriu em seu rosto.
Foi aí que reparei sua fantasia. Aquilo era sério? A blusa listrada
embaixo da jardineira jeans, o cabelo despenteado, os cortes falsos no rosto e
a faca falsa na mão direita. Tantas outras opções de fantasia ele tinha que
estar justo de Chucky.
— Isso é sério? — Questionei erguendo a sobrancelha.
Seu sorriso aumentou e ele se aproximou.
— Acredite ou não. Não fazia ideia qual era a sua fantasia. Talvez
seja o destino.
O filho da mãe adorava mexer com a minha cabeça.
— Escolheu a fantasia sozinho? — Questionei desconfiada.
Ele franziu a testa confuso com a minha pergunta.
— Vicky me deu a ideia.
Ela iria me pagar por isso. É claro que Vicky armou isso.
Segurei o riso diante daquela situação.
— Vai dizer que ela escolheu a sua também? — Questionou
percebendo o que estava acontecendo.
— Sim. — Soltei a risada que segurava. — Vicky planejou isso.
Noah soltou uma risada fraca, umedeceu os lábios com a língua e
desceu seus olhos escuros pelo meu corpo.
— Deveria ser crime, um corpo desse em um vestido assim.
Prendi a respiração, não sei se aquilo era um elogio ou só estava
dizendo aquilo porque tinha me pego vomitando de madrugada.
— Deveria ir procurar o seu par. — Cruzei os braços na frente do
meu corpo.
Não sabia se ele tinha vindo com Eliza, mas podia imaginar que
isso tinha acontecido.
Ele me encarou por mais um momento e depois mudou seu olhar
para trás de mim. Cerrou sua mandíbula e seu olhar se tornou frio.
— Aproveite seu encontro. — Disse isso e saiu.
Me virei e vi Yuri se aproximando com dois copos de plástico
cheios de ponche.
— O que o Noah Willians queria com você? — Ele franziu a testa.
— Nada. — Dei de ombros e forcei um sorriso.
Olhei para o lado vendo Noah se afastar e ir ao encontro de Eliza,
que por sua vez rodeou seus braços no pescoço dele, ela estava fantasiada de
Jennifer Check, de Garota Infernal, sangue falso cobria suas roupas.
Combinava exatamente com ela.
Peguei o copo que Yuri me entregou e dei um longo gole. Essa
noite seria difícil.
Sentindo o gosto do ponche percebi que estava mais forte que o
comum, dei mais um gole sem me importar muito.
Noah
Ela estava vestida de Tiffany, literalmente estávamos com fantasia
de casal. Não faço ideia do porquê, mas meu coração estava batendo mais
rápido com essa informação.
Eliza mantinha as mãos em meu pescoço, ela estava tão grudenta
esses dias que em alguma hora teria que colocar limites.
— Então parece que Charlotte veio mesmo com Yuri. — Oliver
estava ao meu lado com sua fantasia de Jason Voorhees e me olhava de um
jeito divertido.
Observei os dois, Charlotte ria de algo que Yuri dizia, um nó se
formou no meu estômago.
— A garota nova até que é bonitinha. — Eliza disse ainda
pendurada em mim.
Vicky revirou os olhos e deu um longo gole em seu ponche, que
batizamos com vodca.
— Acho ela bem gostosa. — Retruquei.
Eliza tirou os braços de mim e jogou o cabelo para trás. Vicky
quase se engasgou segurando uma risada.
— Vamos falar sério, ela não é tudo isso. — Eliza insistiu com a
sua voz enojada.
Estava pronto para retrucar, porém Vicky foi mais rápida e gritou.
— Charlotte. — Quando Charlotte se virou para nós, Vicky a
chamou com a mão.
Ela se virou para Yuri falar algo e os dois começaram a se
aproximar de nós. Eliza resmungou algo baixo que não fiz questão de
escutar.
— Estamos falando o quanto sua fantasia ficou linda. — Oliver
disse com um sorriso divertido no rosto.
— Ah, obrigada.
Agora eu conseguia perceber como ela se sentia desconfortável
com atenção voltada para o seu corpo.
— Você está de Chucky? — Yuri me questionou com a testa
franzida. — E Charlotte veio de Tiffany.
Eliza pegou em meu braço e analisou as nossas fantasias, deveria
ser porque eu tinha recusado vim de fantasia de casal com ela e do nada eu
Charlotte estamos assim.
— Foi uma coincidência. — Charlotte explicou.
Vi Vicky reprimir os lábios em uma linha fina, ela era totalmente
culpada. Porém eu não estava ligando. Na verdade, acho que adorei.
Sendo planejado por Vicky ou não, Charlotte tinha uma
gargantilha presa em seu pescoço com o nome do meu personagem, me senti
possessivo na mesma hora. Me segurei para não a afastar de seu par e mantê-
la ao meu lado.
Yuri não se conformou muito com a explicação, porém não disse
mais nada. Ele bebeu um gole do ponche e fez uma careta.
— Vai com calma no ponche em. — Avisei rindo.
— A não ser que goste de Vodca. — Vicky se juntou a mim rindo.
— Está batizado? — Yuri perguntou analisando o copo.
Dei de ombros, porém não admiti.
Peguei Charlotte olhando de mim para Eliza. Queria saber o que se
passava naquela cabeça.
Passei minha mão pela cintura de Eliza e a puxei para mais perto,
os olhos de Charlotte se prenderam ali e ela se mexeu desconfortável.
Será que queria fazer exatamente como eu? Agarrá-la e afastar
qualquer um que ousasse respirar perto dela. Isso era errado, eu sei, mas
eram pensamentos mais fortes que eu.
— Então, Yuri, como você conheceu a Charlotte? — Oliver
perguntou o que eu queria saber.
Um sorriso se abriu em seu rosto.
— Fazemos a aula de inglês e química juntos.
Ele olhou para ela com brilho no olhar, não gostei do seu olhar
sobre ela.
Eliza se aconchegou mais em mim e depositou um beijo no meu
pescoço. Provavelmente estava sendo um idiota porque estava usando Eliza,
não era a cintura dela que eu queria segurar.
Charlotte me encarou e as chamas se acenderam em seus olhos,
arqueei a sobrancelha e firmei meu olhar no seu, a desafiando a falar o que
estava pensando.
— Vocês formam um belo casal. — Ela disse apontando de mim
para Eliza com um sorriso irônico no rosto.
Pude perceber pela sua voz e pelas bochechas levemente coradas,
que ela tinha tomado uma boa quantidade de ponche.
— Eu também acho. — Concordou Eliza olhando para mim.
Abrir o mesmo sorriso irônico.
— Vocês também. — Apontei para Yuri e ela. — Nunca pensei
que um vampiro e Tiffany ficariam ótimos juntos.
Com a minha visão periférica pude ver Vicky e Oliver segurando a
risada.
Charlotte cerrou os olhos em minha direção. Yuri aproveitou a
abertura e pegou em sua mão, percebi que ela se assustou no começo, mas
logo cedeu.
Lembrei a mim mesmo que a faca que estava no meu bolso era
falsa e não poderia arrancar a mão dele. Bebi um longo gole do meu ponche
sentindo o líquido descer queimando pela minha garganta até o meu
estômago.
Me sentindo confuso com todos aqueles pensamentos possessivos
que invadiram a minha cabeça contra a minha vontade, me virei para Eliza e
forcei minha boca contra a sua. Foi mais um ato de raiva do que um beijo,
apertei com força minha boca contra a sua, mas Eliza não ligou.
Quando nos afastamos, Eliza me olhava com os olhos brilhando.
Charlotte e Yuri tinham se afastado para o outro lado da quadra.
Afastei os braços de Eliza do meu corpo e ela me olhou confusa.
Olhando para Charlotte, vi quando Yuri se afastou com o seu copo
na mão, provavelmente iria encher de ponche de novo e agora ela estava
sozinha.
Me virei para Oliver.
— Vamos fazer essa festa ficar mais divertida?
Oliver me olhou sorrindo.
— Com certeza.
Apontei para os fundos da quadra em direção aos vestiários.
— No corredor, à direita, tem caixa de luz, puxe a terceira
alavanca.
Oliver concordou e puxou Vicky para ir com ele.
Comecei a seguir em direção a Charlotte, mas Eliza segurou o meu
braço.
— Ei, aonde você vai?
Tirei sua mão do meu braço.
— Preciso resolver uma coisa, já volto.
Mentira, não pretendia voltar para ela.
Prendi meu olhar em Charlotte que corria os olhos pelas pessoas,
quanto mais perto chegava mais as batidas do meu coração aceleravam.
Quando a luz se apagou, os alunos gritaram, mas não de susto e
sim de empolgação, estava escuro e agora eles poderiam fazer coisas sem
serem vistos, por mais que desse para enxergar as pessoas, era mais difícil
reconhecer alguém, ainda mais fantasiados.
Todos poderiam agir como sempre quiseram, sem testemunhas. A
música ainda continuava, a única coisa desligada foi a iluminação.
Permaneci avançando para o meu alvo, Charlotte estava assustada
e olhava para todos os lados para saber o que estava acontecendo. Sem
perceber que eu me aproximava, cheguei por trás e coloquei minhas mãos
em sua cintura, seu corpo ficou tenso na mesma hora.
— Tem meu nome no pescoço, mas aparece com outro, isso não é
bom, Tiffany. — Falei perto de seu ouvido.
Ela não mexeu um dedo, ficou imóvel onde estava.
Passei meu nariz pelo seu pescoço e inalei o cheiro de baunilha, os
pequenos pelos de sua nuca se arrepiaram.
— Você tem que parar com isso. — Sua respiração estava pesada.
— Parar com o que? — Passei mais uma vez meu nariz pelo seu
pescoço sem conseguir ter o bastante do seu cheiro.
Charlotte virou-se para mim, mas minha mão continuou em sua
cintura.
— Parar de me encurralar.
Puxei seu corpo para perto do meu.
— E se eu não estiver a fim? — Perguntei perto do seu rosto.
O azul de seus olhos se destacava com toda aquela sombra preta
em volta deles. Puxei o ar com força para o meu pulmão quando vi de perto
as chamas em seu olhar, ela precisava libertá-las e eu estava ali ansioso por
isso.
— Então eu não vou facilitar para você. — Sussurrou.
Eu não gostava de nada fácil mesmo.
Ela me encarou com determinação nos olhos, se afastou de mim e
tirou minha mão de sua cintura. Me deu um sorriso maldoso, virou-se e
seguiu para os fundos da quadra.
Sabia o que ela queria. Que eu fosse atrás dela e eu iria de bom
grado.
Me desviando das pessoas que já estavam alteradas, comecei a
seguir Charlotte que aumentava seus passos quase correndo.
Ela me olhou sob seu ombro e mordeu o lábio inferior quando
confirmou que eu estava a seguindo.
Desviei de uma bruxa que beijava um diabo. Charlotte agora corria
e conseguia se espremer entre as pessoas com facilidade, quase a perdi de
vista.
Os fios loiros flutuaram quando ela virou nos corredores escuros
que davam para os vestiários.
Peguei a faca falsa do meu bolso, passei pela parede causando um
barulho irritante, Charlotte deu uma olhada para trás e vi o vestígio de um
sorriso travesso em seu rosto.
Ansioso e sem conseguir adiar mais, necessitava sentir seu toque.
Corri rapidamente até ela e lacei sua cintura com o meu braço, encostei seu
corpo na parede mais próxima, ela arfou.
Pressionei meu corpo no seu a impedindo de fugir. Encarei seus
olhos e pude perceber o desejo no meio daquele sombrio azul.
Passei a ponta da faca de plástico pelo seu pescoço e seu corpo
estremeceu. Sua língua passou sobre seus lábios umedecendo-os.
Eu estava fugindo de qualquer relacionamento, por um momento
estive tentando afastá-la de mim, mas agora ali, naquele momento, foda-se
tudo. Não queria pensar nas consequências, seu corpo estava tão perto do
meu, pela terceira vez aquilo acontecia, eu não conseguiria resistir a isso.
Não conseguiria parar por nada.
Aproximei meu nariz da sua bochecha.
— Nada deveria cheirar tão bem Charlotte. — Encostei meus
lábios em seu ouvido e sussurrei. — Me perguntei dezenas de vezes se gosto
é tão bom quanto o cheiro.
Charlotte engoliu em seco e respondeu com a voz baixa e decidida.
— Prove que você saberá.
Meu peito se estufou de ar. Abaixei meus lábios até seu pescoço,
beijei o local e dei uma leve mordida, sabendo que mesmo de leve ficaria
uma marca vermelha.
Voltei a encará-la, pressionei com mais força a ponta da faca em
seu pescoço a fazendo inclinar a cabeça, seus lábios pintados de preto
estavam entreabertos.
Larguei a faca e deixei minhas mãos em seu pescoço, puxei seu
rosto em direção ao meu e nossos lábios colidiram. Nada tinha sido tão
incrível como aquilo.
Seus lábios eram cheios e macios, apertei seu pescoço e suguei seu
lábio inferior. Involuntariamente, Charlotte soltou um barulho parecido com
um gemido, seus joelhos fraquejaram e ela agarrou minha blusa.
Desci minhas mãos para suas coxas, levantei suas pernas,
coloquei-as ao redor da minha cintura e me encaixei no meio delas e
Charlotte agarrou meu pescoço.
Desci meus beijos para o seu pescoço, sua respiração estava
ofegante. O vestido estava levantado até sua cintura, meu pau latejou e eu o
pressionei no meio de suas pernas.
— Noah. — Ela disse meu nome com súplica.
— Eu tinha razão. — Disse com a boca perto da sua. — Você tem
gosto doce.
Ela me olhou por baixo dos seus cílios finos.
Apertei minhas mãos em suas coxas.
— Ninguém deveria ser tão doce, anjo.
Charlotte puxou meu rosto até nossas bocas ficarem juntas
novamente.
Nossos corpos estavam quentes, parecia que estava fazendo uns
cinquenta graus.
Antes que mais um gemido escapasse da boca dela as luzes se
acederam, nossa escuridão particular tinha sido interrompida.
Separei nossas bocas e encarei seus olhos. Com a luz a realidade
me atingiu como um soco, olhando em seus olhos eu via expectativa e
esperança, duas coisas que andavam longe de mim.
Vozes encheram o corredor, soltei cuidadosamente Charlotte no
chão. Ela abaixou o vestido e relutantemente afastei meu corpo dela.
As vozes se aproximaram e identifiquei uma delas, era meu pai.
Charlotte desviou o olhar de mim e passou as mãos pelo cabelo,
em uma tentativa de ajeitar os fios loiros.
Meu pai apareceu em nosso campo de visão junto com um
inspetor.
— Chamarei um eletricista amanhã, isso não era para acontecer...
Sua voz se calou quando seus olhos caíram sobre nós. Ele arqueou
a sobrancelha e um sorriso puxou seus lábios. Aquele não era um tipo de
sorriso bom, era o tipo que me assustava em pesadelos.
— Estávamos tentando achar algum lugar para ficar, até a luz
voltar. — Dei a pior explicação que achei.
Seus olhos iam de mim para Charlotte, que mantinha o olhar para
baixo.
— Eu imagino. — Sua voz saiu irônica. — Voltem para a quadra,
iremos verificar todos os alunos.
Charlotte apressou seus pés para sair dali. Fiz o mesmo, mas antes
que eu me afastasse meu pai me chamou.
— Você deveria ser mais esperto. Garotas com essa aparência
podem ser sua ruína. — Ele abaixou o tom da voz. — Foi isso que sua mãe
foi para mim.
Fechei as mãos em punho, com o ódio borbulhando dentro do meu
corpo. Se eu pudesse eu o matava e o fazia engolir a própria língua.
Controlando a raiva sair daquele corredor sem olhar em sua
direção.
Chegando na quadra, não vi mais Charlotte, mas talvez fosse
melhor assim.
Charlotte
O fim de semana estava passando rápido, deveria ser porque eu só
conseguia focar em uma coisa. Noah Willians tinha me beijado, o pior era
que tinha sido bom, ou melhor, tinha sido incrível. Nada se comparava
aquilo.
Isso era horrível, como iria olhar para ele no colégio. Por um
momento eu imaginei como seria se fôssemos um casal, era um pensamento
legal, até eu perceber que não daríamos certos juntos. Noah parecia envolto
da sua própria escuridão para querer encarar a realidade.
Aquilo tinha sido bom, mas foi um momento de devaneio, por
mais que a ansiedade me consumisse só de pensar no beijo, as borboletas se
agitavam na minha barriga, eu deveria esquecer isso, porque sabia que era o
que Noah faria.
Nós dois assistimos um filme juntos e ele tinha tentado me afastar,
imagina um beijo, acho que nem vai olhar na minha cara e eu tenho que estar
preparada para isso.
Nada disso parecia bom, deveria estar me preocupando em fazer a
aplicação da faculdade e não com um beijo.
— Coma a carne toda. — Minha mãe, sentada na cadeira à minha
frente, chamou minha atenção.
Afastei o prato.
— Estou satisfeita. — Abrir um sorriso falso.
— Tem certeza? — Meu pai franziu a testa confuso. — Comeu tão
pouco.
— Estou sem fome. — Mantive o sorriso.
O barulho da campainha soou pela casa.
— Eu atendo. — Me apressei a sair da mesa para que aquela
conversa não fosse para o lado que eu não queria.
Caminhei até a porta e a abrir. Charlie estava parado com as mãos
em frente ao seu corpo e um olhar cabisbaixo.
Apertei a maçaneta da porta nervosa, não imaginei que encontraria
ele tão cedo.
— Charlotte quem é? — Minha mãe gritou da sala de jantar.
— É o Charlie. — Gritei de volta sem tirar meus olhos dele.
Ele coçou a cabeça nervoso.
— Podemos conversar? — Sua voz saiu baixa.
Lembrar do que ele tinha feito me doía, vivemos a maior parte de
nossas vidas juntas. Charlie é meu melhor amigo e fazer o que tinha feito me
deixava triste, mas pela nossa amizade ele merecia ser escutado. Todos nós
erramos, alguns merecem uma segunda chance, outros não mereciam nem a
primeira.
Suspirei e balancei a cabeça concordando. Saí de casa e fechei a
porta atrás de mim.
Fomos até os degraus da pequena escada da frente e nos sentamos
um ao lado do outro.
Charlie abaixou seu olhar.
— Eu tinha decorado um discurso, mas acho que as palavras
sumiram da minha cabeça. — Ele riu sem humor.
— Certo, então eu começo. — Puxei com força o ar. — Não gostei
do que você fez, me doeu de verdade. Me fez sentir que nossa amizade
nunca aconteceu pra você.
— Jamais, nossa amizade é muito importante para mim, não sei o
que aconteceu. O álcool deve ter confundido meus pensamentos... — Ele fez
uma pausa. — Acho que eu não estava pensando direito.
Olhei para frente e tomei coragem para perguntar.
— O que você disse sobre gostar de mim, era verdade?
Por um momento achei que ele não tivesse escutado a pergunta,
porque nenhuma palavra saiu da sua boca. Agora eu estava nervosa e ansiosa
esperando sua resposta, não faço ideia de como reagiria se aquilo fosse
verdade.
Escutei quando soltou sua respiração com força.
— Algumas coisas são difíceis de admitir quando se está sóbrio.
— Charlie respondeu baixo.
Meu coração acelerou, então era verdade, meu melhor amigo
gostava de mim. Aquilo era estranho, eu não sentia o mesmo por ele.
Seria mais fácil se eu sentisse. Por um instante tomei um
pensamento egoísta e comparei Charlie a Noah, se eu tivesse beijado Charlie
teria sido mais fácil. Se nós dois sentíssemos a mesma coisa seria mais fácil.
Mas eu não sentia.
— Não estou esperando o mesmo de você. — Charlie interrompeu
o silêncio.
Concordei com a cabeça.
— Só é estranho. — Dei de ombros. — Sempre pensei em você
como meu melhor amigo.
— E eu não quero que seja diferente.
Charlie pegou a minha mão e eu virei para encará-lo.
— Podemos esquecer isso? Continuar como se nada tivesse
acontecido? — Seus dedos acariciaram minha mão.
Não sei se seria o certo fazer isso, será que ele conseguiria manter
os sentimentos dele escondidos ou se revelariam de uma maneira horrível
como tinha acontecido.
— Quero muito continuar nossa amizade, até porque você é meu
melhor amigo, mas não sei se seria justo com os seus sentimentos. — Fui
sincera.
— Estou bem. — Falou confiante. — É passado.
Mesmo não tendo muita certeza confirmei com a cabeça.
— Vamos mudar de assunto. — Soltou a minha mão. — E o
Halloween? Vi pelo Instagram que foi de Tiffany, ficou ótima a fantasia em
você.
Só na menção da festa o frio na minha barriga aumentava. A
lembrança do beijo de Noah causava sensações estranhas em mim, ter sido
quase pega pelo diretor era vergonhoso. Porém uma coisa tinha percebido, o
clima entre Noah e o pai não era o dos melhores.
— Foi legal, Vicky me ajudou a escolher a fantasia.
— Pensei que você iria de Jason ou Freddy Krueger. — Charlie
disse rindo.
— Eu cogitei a ideia. — Acompanhei sua risada.
Não é como se nossa amizade fosse a mesma em questão de
segundos, porém era bom estar com ele, rir com meu melhor amigo.

◆◆◆

Meus pais tinham acabado de me deixar na porta do colégio, era


domingo e o sol tinha acabado de se pôr. Muitos alunos também chegavam a
essa hora indo de volta aos seus dormitórios, mas tinha uma pequena
quantidade que gostava de chegar somente segunda de manhã.
Entrei no colégio torcendo mentalmente para que não desse de
cara com Noah, sei que uma hora ou outra iríamos nos encontrar, mas ainda
não estava preparada para encará-lo.
Arrastei minha mala escada acima até o meu quarto. Peguei a
chave para destrancar a porta, mas já estava aberta, Vicky deveria já estar
aqui. Abri a porta e, como suspeitava, Vicky já estava dentro do quarto.
Ela estava sentada em sua cama, olhava fixamente para frente e
balançava as pernas freneticamente. Não parecia bem.
Entrei no quarto e Vicky percebeu minha presença e desviou os
olhos para mim.
— Boa noite. — Franzi minha testa.
Ela se levantou em um pulo e veio em minha direção, seus olhos
estavam arregalados e havia algo que eu não conseguia identificar.
— Foi você que disse para ele não foi?
A confusão invadiu os meus pensamentos.
— Disse o que Vicky?
— Você achou a coca. — Apontou para a gaveta da sua
escrivaninha. — E deu para o Noah.
Engoli em seco, tinha sido eu, mas só queria ajudá-la, mas não sei
se entenderia isso vendo o estado que ela se encontra.
Vicky não esperou eu responder.
— Por que estava mexendo nas minhas coisas? Cuida da sua vida,
Charlotte. — Suas palavras saíam agressivas. — Se está tentando ganhar
pontos com o Noah, transa com ele, não me mete no meio.
As palavras dela me atingiram com força, ela sabia que não era por
isso, só estava agindo como uma idiota.
— Você sabe que não foi isso Vicky, só estava tentando ajudá-la.
— Eu não preciso de ajuda. — Sua voz estava alterada.
Eu reconhecia aquela frase, mais do que gostava de admitir. Um
nó se formou na minha garganta.
— Vicky, sei o que está sentindo.
Ela se aproximou quase colando nossos corpos e me encarou.
— Não diga isso, você não sabe o que algumas pessoas têm que
fazer para esquecer. Você tem uma família perfeita Charlotte, algumas
pessoas têm que enfrentar demônios.
Vicky esbarrou no meu ombro passando por mim e saiu do quarto
batendo a porta.
Minha mão estava trêmula, larguei minha mala no chão, não sabia
qual era o nível de dependência dela, mas Vicky estava agressiva, aquilo era
sério.
Sei que queria ajudá-la, mas ela me fez pensar que eu estava me
metendo onde não deveria, como Noah fez comigo quando me pegou
vomitando. Sim, todos nós tínhamos demônios para enfrentar.
Quando passou o toque de recolher e Vicky não apareceu, fiquei
preocupada, tentei ligar para ela várias vezes, porém não atendeu.
Já estava de pijama deitada na minha cama, pensando se vencia o
meu orgulho e chamava Noah ou não, mas uma amiga de verdade faria isso.
Mordi meu lábio inferior nervosamente e procurei pelo número dele.
Achei as mensagens que ele tinha me enviado quando eu não sabia
que o número era seu. Sem pensar muito escrevi para ele.
“Vicky brigou comigo, saiu já tem umas três horas e ainda não
voltou”
Esperei ansiosamente por sua resposta que não demorou muito.
“Oliver está cuidando dela. Ela surtou quando a confrontei, mas
não contei que tinha sido você quem achou a coca.”
“Não deve ter sido difícil para ela descobrir, não reconheci a
Vicky que gritou comigo hoje.”
Estava sendo sincera, seu jeito tinha me assustado, pior ainda,
tinha gerado identificação, a única coisa que mudava era que Vicky era mais
alterada.
“Quando se trata desse assunto ela costuma ser agressiva, não
leva para o pessoal, logo ela vai ver o erro e pedirá desculpa.”
“Tudo bem.”
Encerrei o assunto, tinha passado pelo meu orgulho pela Vicky, era
somente esse o intuito de chamar Noah.
Coloquei meu celular do lado do travesseiro e encarei o teto, não
estava nem um pouco com sono, as palavras de Vicky ainda rodeavam meus
pensamentos.
Meu celular apitou avisando a chegada de uma nova mensagem.
Quando vi que era Noah, meu coração começou a bater mais rápido, a razão
dizia para eu ignorar e não abrir a mensagem, mas mesmo assim eu abri.
“Está fazendo o que?”
Que tipo de mensagem era aquela? Estávamos falando sobre
Vicky, por que ele queria saber o que eu estava fazendo.
Passando por cima da razão mais uma vez eu respondi.
“Estou deitada”
“Está vestida naquele pijama rosa?”
A mensagem me causou um frio na barriga. Ele estava flertando
comigo.
Entrar nesse jogo com ele era perigoso, muito perigoso. Afirmei
em meus pensamentos que ninguém saberia, ninguém estava vendo e
amanhã seria outro dia, manteria distância dele.
Olhei para baixo confirmando o pijama que eu vestia hoje.
“Camisola preta”
Enviei e segurei a respiração esperando a resposta.
“Puta que pariu, meus sonhos serão muito bons hoje”
Um sorriso involuntário se repuxou nos meus lábios.
Me sentindo corajosa mandei outra mensagem.
“Vai gostar de saber que estou sem calcinha?”
Minha respiração estava ofegante enquanto minha mente
imaginava muita coisa.
“Está sendo maldosa, anjo, não vou conseguir dormir, inferno.”
Umedeci os lábios o vendo me chamar por aquele apelido. O único
que conseguia usar anjo e inferno na mesma frase.
Vendo que aquela conversa já tinha ido longe demais, não falei
mais nada, já sabendo que aquilo não iria parar em um lugar amigável.
Respirando fundo e passando por cima da minha vontade bloqueei
a tela do celular e o deixei de lado, tentando achar o sono e dormir.
Charlotte
Tinha saído mais cedo do quarto, para não encarar Vicky. A
escutei chegando de madrugada e quando saí do quarto ela ainda dormia,
devia estar cansada.
Esperava que a gente pudesse conversar sobre o que tinha
acontecido, mas eu iria aguardar a iniciativa vir dela, não queria pressioná-la
a nada e como Noah tinha dito ela viria pedir desculpa, pelo menos era o que
eu estava torcendo para acontecer.
Pulei o café da manhã e me mantive escondida na biblioteca,
porque era covarde demais para encarar Noah, meu estômago retorcia só de
pensar em vê-lo. E se ele tivesse com Eliza? Era demais para mim.
Terminei uma lição de inglês e treinei um pouco de redação, pois
as aplicações das faculdades estavam chegando, eu deveria estar preparada.
Antes do sinal tocar eu já estava sentada em uma das cadeiras dos
fundos da sala de matemática. Vi Grace passando pela porta, sozinha,
Amélia deveria estar atrasada para aula. Seus olhos se encontraram com os
meus e ela veio em minha direção.
Sentou-se na cadeira à minha frente e virou-se para mim.
— Bom dia. — Me cumprimentou com um sorriso fraco.
Nós não tínhamos brigado, mas era estranho porque tínhamos nos
afastado por conta da minha briga com Amélia.
— Bom dia, Grace.
Ela abaixou os olhos e mexeu nervosamente os dedos.
— Me desculpa por ter me afastado assim.
— Você é amiga de Amélia, eu entendo.
Seus olhos se levantaram e me examinaram.
— Ela está com raiva porque você agora anda com o “trio” —
Grace fez aspas com o dedo — Mas na minha opinião ela só está com
ciúmes.
— Ciúmes? — Arquei a sobrancelha.
Ela concordou com a cabeça.
— Sim, ciúmes da Vicky. — Grace disse tão baixo que quase não
escutei.
Vicky tinha me contado aquela história, sobre Amélia ter gostado
dela, porém pensei que aquilo fosse passado.
— Vicky me contou sobre. — Franzi a testa. — Mas não sabia que
Amélia ainda sentia algo por ela.
Grace olhou para os lados certificando que ninguém estivesse
ouvindo.
— Não conta para ninguém, mas Amélia ainda gosta de Vicky,
então quando você ficou mais próxima dela, Amélia ficou com muito
ciúmes.
Agora entendia todo o comportamento de Amélia. E ela não saber
lidar com isso, só piora tudo.
Grace virou-se para frente no momento em que Amélia entrou na
sala, seus olhos procuraram por Grace e caminhou para sentar-se ao seu
lado, porém a raiva dominou sua expressão quando me viu sentada na mesa
de trás.
— Por que não pegou uma mesa lá na frente? — Amélia
perguntou para Grace e desviou o olhar do meu.
— Aqui está bom. — Grace deu de ombro.
Amélia bufou e sentou-se ao lado de Grace.
Respirei fundo e tentei não ligar para aquele show que ela estava
fazendo, repetia para mim mesma que o problema não era eu e sim os
ciúmes dela.
As três primeiras aulas passaram rapidamente. Quando o sinal para
o almoço tocou, saí em direção ao meu armário.
Notei alguns cartazes colados nas paredes, me aproximei e analisei
melhor. Era sobre um campeonato de futebol, nossa escola contra a escola
estadual de Durham, seria interessante assistir.
Continuei meu caminho até meu armário, mas, antes que pudesse
chegar nele, meus olhos enxergaram algo que me fez ter ânsia de vômito.
Noah estava encostado em seu armário e Eliza estava com seu corpo colado
no dele.
Ele estava me mandando mensagens ontem à noite, mas hoje já
estava se agarrando com ela. Cada vez mais eu tinha certeza de que não
daríamos certo. Noah não se importava com a pessoa, ele não ligava em
machucar os outros.
Parece que nosso beijo não significou nada para ele, então eu
lutaria para que não significasse nada para mim.
Seus olhos escuros encontraram os meus e eu desviei minha
atenção obrigando meus pés a continuarem andando.
Enfiei meus livros de qualquer jeito no armário e segui o mais
rápido para o refeitório.
Peguei um prato e entrei na fila para me servir. Porém meus
pensamentos não me deixavam em paz, ver o corpo de Eliza colado no de
Noah me fez sentir raiva, um tipo de raiva que nunca senti antes, eu sei que
não tinha esse direito, nós não éramos namorados, mas era difícil controlar
algo assim.
— Finalmente consegui te ver, Charlotte. — A voz de Yuri disse
atrás de mim.
Me virei para ele, que tinha um sorriso no rosto.
— Ei. — Foi tudo o que consegui dizer.
— Não nos vemos depois do apagão na festa de Halloween.
Isso é verdade, não nos vimos porque eu estava me pegando com
Noah até o pai dele nos interromper, mas não respondi isso. Yuri não
merecia levar uma garota a uma festa e ela beijar outro.
— O apagão me deixou confusa, depois que as luzes acenderam
fui para o meu quarto. — Dei uma desculpa qualquer.
Mentir estava se tornando um hábito para mim, que beleza. Minha
cabeça estava doendo considerando tudo que estava acontecendo.
Com a cabeça cheia de pensamentos confusos e sem saber direito
o que estava sentindo, coloquei no meu prato um pedaço grande de bolo de
carne e peguei uma lata de refrigerante.
Segui para uma mesa vazia e Yuri sentou-se ao meu lado.
— Queria que a festa tivesse durado mais. — Yuri falou olhando
para mim.
Concordei com a cabeça e comecei a encarar o meu prato.
Eu não deveria comer tudo aquilo, meu olhar se desviou para o
refrigerante e minha boca salivou, não fazia ideia quanto tempo eu tinha
ficado sem tomar aquilo.
Que merda! Por que eu coloquei aquela comida no meu prato?
Um prato foi colocado à minha frente e um corpo se jogou na
cadeira, levantei meus olhos dando de cara com Vicky. Ela estava com
olheiras fundas e me olhava triste.
— Eu sei, fui uma vadia. — Ela confessou me encarando. — Não
deveria ter te tratado daquele jeito.
Suspirei aliviada pelo seu arrependimento, não queria ficar mal
com ela.
— Eu não deveria mexer nas suas coisas ou se meter na sua vida.
Antes que Vicky pudesse dizer alguma coisa, Noah sentou-se ao
seu lado e Oliver ao lado dele. Percebi Yuri sentar-se mais ereto com a
atenção voltada aos garotos que tinha acabado de sentar-se na mesa.
Não ousei olhar na direção de Noah. Continuei com o meu olhar
firme em Vicky.
Vicky voltou a falar.
— Mas entendo que você estava tentando me ajudar. A culpa é
toda minha. Te mandei ir dar para o Noah quando você só queria o meu bem.
— Ela falou rapidamente e quando percebeu o que tinha saído da sua boca
comprimiu os lábios em uma linha fina.
Arregalei os olhos para ela, Yuri se mexeu desconfortável ao meu
lado, um ruído de surpresa saiu da boca de Noah, me virei para olhá-lo e ele
mordia o lábio inferior segurando o riso.
Oliver tinha um sorriso divertido no rosto quando disse.
— Agora fiquei muito interessado em saber em que parte da
discussão saiu esse assunto.
Meu rosto esquentou e pude sentir os olhos de Yuri me queimando.
— Acredite, estou mais curioso que você. — Noah me olhava com
os olhos brilhando.
Queria que abrisse um buraco no chão para que eu pudesse me
esconder.
Cocei a garganta e voltei meu olhar para Vicky.
— Eu te desculpo, está tudo bem entre nós.
Com a minha visão periférica ainda podia ver Noah me olhando
com divertimento, ele deveria estar adorando me deixar sem graça.
Voltei a encarar meu prato quando assunto da mesa mudou para o
jogo de futebol. Ainda bem que isso tinha acontecido, odiava ser o centro
das atenções.
— Nós vamos ganhar, eles não estão preparados para esse jogo. —
Oliver disse confiante.
— Mas temos que tomar cuidado, a defesa deles é boa. — Noah
advertiu.
— Pelo menos sirvam para ganhar esse jogo. — Vicky disse
sorrindo.
Então eles faziam parte do time de futebol da escola, não me
surpreendia nem um pouco.
Cutuquei com o garfo o bolo de carne, aquilo me faria engordar
umas quinhentas gramas, porém parecia muito bom. Se eu colocasse um
pedaço na minha boca, sei que não conseguiria parar de comer.
Nem poderia arriscar olhar para o refrigerante, era tentação
demais. Respirei fundo e levantei o olhar.
Noah olhava para mim, olhou para o prato e depois para mim
novamente, ele já tinha entendido tudo, mas eu tinha deixado claro que
aquilo não era da conta dele. Estava tudo bem comigo, acontecia algumas
recaídas, fazia parte.
Minha discussão com Vicky me veio à cabeça, sobre não precisar
de ajuda e ter que enfrentar demônios. Tentava a todo custo afastar aquelas
falas da minha cabeça, mas elas voltavam.
A mão de Yuri pegou a minha que estava em cima da mesa.
— Então, Charlotte?
Yuri tinha falado algo? Tentei procurar na minha memória, mas de
nada adiantou, não havia escutado nada, estava perdida em meus
pensamentos.
Quando minha confusão ficou evidente em minha expressão, ele
repetiu a pergunta.
— Se você quer ir comigo assistir ao jogo de futebol? — Ele tinha
um sorriso esperançoso no rosto.
— Claro. — Tentei retribuir seu sorriso.
Noah encarava as nossas mãos juntas na mesa.
Puxei minha mão para longe do aperto de Yuri, peguei meu prato e
me levantei da mesa sem dizer nada, não sei se conseguiria evitar mais
desculpas sobre não me alimentar direito.
Fui em direção ao banheiro, passei a água gelada no meu rosto e
na minha nuca. Eu estava sendo egoísta com Yuri, não deveria ter aceitado
sair com ele de novo. Que merda eu estava fazendo da minha vida.
Entrei em uma das cabines do banheiro e pude escutar a porta se
abrindo e as vozes enchendo o ambiente.
— Estou te falando, nós estamos quase namorando. — Reconheci
a voz enojada de Eliza.
Acho que ela falava de Noah.
— Se você está dizendo. — Identifiquei a voz de Amélia. — Mas
eu fiquei sabendo ao contrário.
— Como assim? — A voz de Eliza aumentou e havia indignação.
— Todo mundo sabe que eu e o Noah somos perfeitos um para o outro.
— Tem alguns boatos correndo pelo corredor. — Amélia disse
calma, mas eu sabia que ela estava gostando de desestabilizar Eliza.
— Que tipo de boatos? — Eliza parecia inquieta esperando a
resposta de Amélia.
— Não sei se é verdade, mas ele está andando muito com a
Charlotte. — Amélia disse meu nome como se fosse algum tipo de doença.
Queria sair da cabine e mostrar que estava escutando tudo, porém
se fizesse isso não escutaria toda a conversa e estava curiosa.
— A garota loira que chegou agora?
— Sim. Fiquei sabendo de algo interessante. — Amélia soltou
uma risada.
Meu Deus. O que ela tinha ficado sabendo? Agucei meus ouvidos
para escutar.
— O que você ficou sabendo? Conta logo Amélia. — Havia uma
mistura de raiva e angústia na voz de Eliza.
— Parece que eles andaram se beijando no blecaute do Halloween.
Meu corpo gelou na mesma hora. Como ela sabia disso, quem
havia lhe contado. As perguntas e a confusão rodeavam a minha cabeça.
— Isso não é verdade! — Eliza exclamou indignada.
— É o que estão dizendo, só estou te avisando para ficar esperta.
Se quer Noah, melhor tirar Charlotte do caminho.
Agora quem estava indignada era eu. Como pude chamar Amélia
de amiga, ela era uma vaca.
Acima de tudo queria saber como ela descobriu isso. Meu peito
doeu com o pensamento de que Noah pudesse ter falado algo para alguém.
Ele não faria isso, faria?
Eu o confrontaria sobre isso e se tivesse feito não olharia mais na
cara dele.
Nenhuma das duas disse mais nada.
A porta do banheiro abriu novamente, esperei alguns minutos e sai
quando tive a certeza de que elas tinham ido embora.
Noah
Sentado no chão sujo de ferrugem, os buracos no teto do vagão
traziam uma iluminação fraca, mas que era suficiente para enxergar o bloco
de desenho.
A imagem de Charlotte pressionada contra a parede enquanto meu
corpo estava colado no seu não saía da minha mente. Já faziam alguns dias
desde que isso aconteceu, porém na minha cabeça eu precisava eternizar sua
expressão.
Já havia três folhas do meu bloco que tinha Charlotte desenhada,
havia seu rosto com um sorriso, havia seu corpo cheio de curvas que eu
adoraria me perder e agora estava desenhando mais uma vez seu rosto,
porém com aquele olhar de desejo que tinha direcionado a mim na noite de
Halloween.
Os lábios rosados que ficaram inchados quando a beijei com força,
os fios loiros desalinhados e o olhar azul que parecia um mar agitado
esperando pela tempestade.
Se eu fechasse os olhos conseguiria sentir o cheiro de baunilha,
ouvir sua respiração ofegante perto do meu ouvido e sentir a textura macia
da sua pele.
Lembrar das mensagens que trocamos durante algumas noites atrás
fazia meu corpo esquentar. Somente pensar nisso fazia meu pau acordar e se
pressionar contra a calça. Tentei me aproximar de Eliza para afastá-la, mas
de nada adiantava se ela estava na porra da minha cabeça.
Correndo rapidamente o lápis pelo papel o desenho foi tomando
forma.
Me lembrei da forma como Yuri havia pegado a mão dela e a raiva
foi instantânea. Eu não era o melhor para Charlotte, por isso resolvi manter
distância, mas isso não significava que Yuri era bom para ela. Vendo o jeito
que ele a olhava, me deixava com vontade de socá-lo.
Ele havia convidado ela para assistir ao jogo de hoje. Como
conseguiria me concentrar em ganhar com eles na arquibancada? Teria que
dar o meu melhor.
Encarando o desenho, agora quase completo, me fazia querer
beijá-la de novo, porém esse era um campo perigoso.
Meu celular que estava no bolso da calça apitou avisando que
tinha chegado uma mensagem.
Era Oliver.
“Está na hora”
Ele estava falando sobre o jogo. Fechei o bloco de desenho e
caminhei rumo ao colégio.
Antes de correr para o vestiário passei no meu quarto e escondi o
bloco de desenho para que ninguém visse.
Fui para o vestiário, onde o time todo estava gritando
animadamente. Última vez que jogamos contra a Escola Estadual de Durham
empatamos o jogo, mas agora eu tinha certeza de que todos aqui queriam
ganhar.
Coloquei o uniforme do time, vermelho vinho e preto, ostentando
o brasão da escola no peito. Até gostava de jogar futebol, mas não era uma
coisa que eu achava super incrível, quando fiz oito anos meu pai fez questão
de me colocar no time infantil da escola, desde então não saí mais.
Na verdade, nem fazia ideia do porquê eu não saí, provavelmente
para agradá-lo.
Me sentei ao lado de Oliver para calçar a chuteira.
— E aí, confiante para o jogo de hoje? — Oliver questionou.
Dei de ombros.
— Espero que a gente ganhe.
Acho que essa era a esperança de todo mundo. Éramos o melhor
colégio de Durham, estávamos perto de nos tornar o melhor da Inglaterra,
talvez Europa, então era esperado que fossemos bom no esporte que se
originou na Inglaterra. Meus ancestrais fizeram um bom trabalho, já eu só
queria que esse fardo não caísse em cima de mim.
Arthur, nosso goleiro, e David, o lateral direito, conversavam
sobre meninas, enquanto calçava as chuteiras no banco de frente ao nosso.
— Estou falando, a Grace é bonita. — Arthur rebateu.
— Pode até ser, mas é muito quieta. — David torceu a boca.
— Certo, então qual a garota que você acha mais bonita do
colégio?
David pareceu pensar um pouco e respondeu sorrindo.
— Charlotte.
Meu corpo paralisou no mesmo momento e comecei a escutar com
mais atenção a conversa.
— Você tem razão. — Arthur abriu um sorriso malicioso.
— Você já viu aquelas coxas. Puta que pariu, adoraria ver aquela
bunda rebolando.
Arthur concordou com a cabeça e deu risada.
Meu sangue ferveu, quem eles eram para falar de Charlotte
daquele jeito. Eles não tinham o direito de falar do corpo dela, fechei em
punho as minhas mãos, tentando controlar a raiva. Se eu pudesse os faria
engolir os dentes.
Me levantei do banco e os encarei com a expressão fechada.
— As maricas vão jogar ou vão ficar fofocando.
— Vamos jogar, é claro. — David se levantou, me encarando.
— Que bom. Porque eu quero a vitória. — Oliver se levantou e me
puxou para fora do vestiário.
Caminhamos pelo corredor até o campo aberto, sei que Oliver
havia percebido a minha intenção com os babacas e tinha me tirado para que
eu não arrumasse nenhuma confusão. Quando minha mãe morreu, Oliver
teve um grande trabalho me impedindo de descontar minha raiva na cara dos
outros.
— Esfria essa cabeça e se concentra em ganhar esse jogo. —
Oliver disse ao meu lado.
— Estou concentrado.
Afirmei rápido demais, porque no momento em que entrei no
campo e encarei a arquibancada cheia, minha atenção foi puxada para
Charlotte que ria de jeito angelical ao lado de Yuri e Vicky.
Seus cabelos loiros voavam com a leve brisa do anoitecer. Yuri
olhava para ela fascinado, odiava que ele estivesse junto dela, ele não a
merecia, ninguém nesse colégio a merecia, ela era boa demais.
O outro time se posicionou do outro lado do campo, o uniforme
deles era azul escuro e continha somente o nome da escola, eles não tinham
brasão. Não que isso importasse, só mostrava o quanto elitizado éramos.
O gramado estava úmido por conta da chuva que caiu mais cedo,
espero que isso não atrapalhe o jogo.
O juiz tinha uma moeda na mão, para tirar cara ou coroa e saber
quem começaria com a bola.
— Cara. — Oliver escolheu no centro do campo.
O juiz jogou a moeda para cima e quando caiu em suas mãos a
Coroa estava para cima.
O garoto moreno do outro time que recebeu a bola abriu um
sorriso enorme.
— Vamos acabar com esses filhos da puta. — Sussurrei para
Oliver.
Ele abriu um sorriso de lado.
— É assim que se fala.
O outro time avançou para o outro lado do campo, mas Oliver
tirou a bola deles e tocou para mim. Corri com ela em direção ao gol, mesmo
driblando a maioria dos jogadores a defesa deles é muito boa e não consegui
chegar até o gol.
Recuei um pouco esperando eles avançarem novamente. Dessa vez
não conseguimos tomar a bola quando eles chegaram perto, mas Arthur a
agarrou quando chutaram em direção ao gol.
Os alunos nas arquibancadas gritaram nos incentivando. Passei as
mãos em meus cabelos os penteando para trás sentindo as gotículas de suor
que já se acumulavam no meu rosto.
David tocou a bola para Oliver, que avançou pelo campo, corri ao
seu lado, se precisasse de alguém para passar a bola eu estaria lá. E foi isso
que aconteceu, quando ficou encurralado, Oliver tocou para mim, passei por
dois jogadores e toquei direto para o gol.
O goleiro não conseguiu pegar e a bola foi direto para a rede.
Gritos escoram. Oliver gritou e me puxou para um abraço.
Arrisquei uma olhada para arquibancada, Vicky gritava e batia
palmas animadamente ao seu lado Charlotte parecia conter um sorriso, seus
olhos azuis estavam fixos em mim, arqueei a sobrancelha e abri um meio
sorriso. Ela abaixou o olhar, nunca quis tanto tocá-la.
O jogo continuou, meu pai chegou e permaneceu na lateral do
campo, ao lado do treinador, seu olhar em todo o time, mas o olhar duro de
repreensão era direcionado a mim.
A pressão do seu olhar em mim me deixou nervoso, cometi uma
falta, enviando um dos jogadores adversários direto para o chão com uma
rasteira. Meu pai gritou algo para mim, que ignorei com prazer.
O jogador se recuperou e cobrou a falta, o time adversário fez um
gol.
Puxei o ar com força e não arrisquei olhar para o meu pai.
A pausa para o segundo tempo chegou, corri para uma das garrafas
de água, bebendo boa parte e jogando um pouco no meu rosto, para melhorar
o calor e o suor.
— Noah, eu não quero empate nesse jogo. — Meu pai se
aproximou.
— Vamos ganhar. — Me sentei no banco de madeira.
— Não é o que está parecendo. Você precisa jogar direto. — Sua
voz era dura.
Ele não repreendeu mais ninguém do time, somente eu.
Soltei uma risada sem humor e disse.
— Eu vou ganhar porque quero. Mas se não quisesse, faria questão
de perder só para você não ter mais um troféu na merda daquela estante e se
gabar de algo que não fez.
Meu pai cerrou os olhos e afrouxou o nó da gravata. Seu rosto
ficou vermelho, mas ele não iria fazer nada ali na frente de todo mundo.
Porque sempre viveu de imagem, nenhuma pessoa nunca soube o que
acontecia de verdade na casa do Willians quando ninguém estava olhando.
Sei que depois sofreria as consequências daquela fala mal criada,
porém por enquanto aproveitaria o triunfo de fazê-lo morrer por dentro.
Nosso tempo de descanso acabou e voltei para o campo com o
sangue fervendo, felizmente não era só eu, meu time todo estava disposto a
ganhar.
E mesmo com a boa defesa deles, Oliver conseguiu fazer mais um
gol. Antes que o jogo acabasse, faltando apenas um minuto, fiz outro gol.
Três a um, ganhamos essa porra.
Depois de comemorarmos no campo e com as pessoas gritando
animadamente, fomos para o vestiário.
Meu pai estava alegre com a vitória, mas ainda me olhava feio, ele
não gostava de ser confrontado.
Entrei em uma das cabines, fechei a porta e liguei o chuveiro.
Deixei que água quente relaxasse os meus músculos. Minha cabeça doía.
Nós tínhamos ganhado o jogo, mas eu falei sério com o meu pai,
ganhei porque eu quis, pois estava cansado de vê-lo se vangloriando pelo
colégio e mantendo sua imagem limpa, quando sei que é tudo mentira.
Percebi que estava a muito tempo no chuveiro quando o silêncio
tomou conta do ambiente, as vozes animadas e toda gritaria tinham cessado.
Desliguei o chuveiro, enrolei a toalha na minha cintura e abri a
porta da cabine. No mesmo instante meus olhos se focaram na figura
feminina a minha frente, perto dos armários. Cabelos loiros perfeitamente
penteados, olhos azuis grandes que me encaravam com irritação, seus braços
cruzados na frente do corpo e a postura impecável.
Charlotte encarou meu peito nu e rapidamente levantou o olhar.
Não fazia ideia do que estava fazendo ali, mas gostei do jeito que me olhou.
Ergui a sobrancelha.
— Charlotte? Veio me ajudar no banho?
Ela revirou os olhos.
— Para quem você contou sobre o nosso beijo? —Ela foi direta.
A perguntou me pegou de surpresa, não imaginei que ela tocaria
nesse assunto tão cedo, mas nós sabíamos que era impossível deixar quieto.
Porém eu não havia dito aquilo a ninguém.
— Eu não disse a ninguém.
Cerrou os olhos.
— Escutei uma conversa em que Amélia contava para Eliza sobre
o beijo. — Charlotte se aproximou de forma rápida, me fazendo entrar
novamente na cabine. — Somente nós dois sabíamos, eu não disse, então
deve ter sido você.
Eu jamais diria aquilo para alguém que sairia espalhando por aí.
Encarei Charlotte.
— Estou falando a verdade. — Abaixei meu olhar para os seus
lábios rosados e admiti. — Por mais que tenha revivido na minha cabeça
muitas vezes aquele momento. Não poderia contar a ninguém.
Sua expressão se suavizou.
Que merda eu estava fazendo?
Charlotte
A pior ideia que tive foi ter inventado uma desculpa para Yuri e
escapar para o vestiário masculino. Tinha esperado Noah sair, mas quando
todo o time saiu e ele continuou lá dentro, eu simplesmente entrei sem
pensar, para confrontá-lo.
Acreditei nele, seu rosto era sincero quando disse que não contou
para ninguém sobre o nosso beijo.
Porém agora nossos corpos estavam a centímetros de distância, ele
encarava a minha boca como se fosse a coisa mais fascinante do mundo, e o
pior de tudo, Noah estava enrolado apenas com uma toalha. Seu cabelo preto
estava úmido e despenteado, gotas de água escorriam pelo seu peito nu.
Engoli em seco.
— Você pensou no nosso beijo? — Minha voz saiu em um
sussurro.
Meu coração acelerou quando seus olhos negros voltaram a
encarar os meus. Eu deveria correr dali, virar as costas para aqueles olhos
tentadores. Voltei para o lado de Yuri onde eu não tinha que ter saído, porém
agora parecia tarde demais.
Nossos corpos pareciam imãs lutando para ficarem juntos.
— Sim. — Sua voz rouca arrepiou cada centímetro do meu corpo.
— O pior era te ver e não poder repetir.
Noah se aproximou mais e pode sentir sua respiração pesada
contra o meu rosto.
As malditas borboletas se agitaram no meu estômago. A razão
continuava gritando na minha cabeça para me afastar, porque quando estava
perto dele, me tornava algo diferente, nunca em sã consciência deixaria
alguém como Yuri sozinho para vim atrás de outro garoto ou até beijá-lo.
Mas mandei a razão para longe, porque aqueles olhos escuros me
encarando com desejo, parecia ser tudo que eu precisava.
— Sabe o que eu queria agora, Charlotte? — Noah fechou os
olhos e puxou o ar para os pulmões. — Te agarrar e só te soltar quando você
gritar o meu nome.
Minha visão ficou embaçada na mesma hora com aquela
possibilidade, meus pensamentos pararam e meu coração parecia querer sair
pela boca.
Segurei a respiração e com uma coragem que não era minha
respondi.
— Faz.
Noah abriu seus olhos e me encarou, acho que estava tentando
saber se fui eu quem disse aquilo ou se foi fruto da sua imaginação. Então
encarando a escuridão de seus olhos repetir.
— Faz, Noah.
Um sorriso maldoso se formou no canto de seus lábios. Suas mãos
me agarraram puxando meu corpo para dentro da cabine. Soltei a respiração
quando ele pressionou seu corpo no meu ao lado do chuveiro.
Seus lábios cobriram o meu de forma necessitada. Agarrei sua
nuca, o gosto de sua boca era tão bom quanto eu lembrava, estava viciada.
Seus dentes agarraram meu lábio inferior e um gemido
involuntário saiu da minha boca. Noah apertou minha cintura com força,
quase causando dor, pressionou seu membro ereto no meio das minhas
pernas, pude sentir minha calcinha ficando molhada.
Seus lábios encostaram no meu ouvido.
— Adoro quando esses gemidos saem da sua boca. — Sua
respiração estava ofegante. — Adoro ainda mais quando sou a causa deles.
Suas mãos foram até a camisa branca do uniforme e desabotoou os
botões, deixando meus seios cobertos apenas pelo sutiã rosa claro.
Agradeci mentalmente pela luz baixa do vestiário, não queria meu
corpo exposto a ele, capaz de ver todos os defeitos e perceber que não era
tão perfeito quanto o corpo de Eliza.
Seus beijos desceram pelo meu colo, Noah abaixou o sutiã e pegou
um dos meus mamilos com a boca, pressionei minhas coxas uma na outra
tentando aliviar o incômodo que se instalou ali.
Seus dedos passearam pela minha coxa de forma lenta, levantando
a saia xadrez. Eu precisava que ele subisse os dedos.
— Noah. — Seu nome saiu da minha boca em forma de
necessidade.
Ele soltou meu mamilo e me encarou.
— O que você quer anjo?
Umedeci os lábios com a língua.
— Quero que você suba a sua mão. — Sussurrei.
Noah subiu chegando perto da minha virilha, mas ainda não era
onde eu queria.
— Aqui está bom? — Ele sorriu de lado.
— Não. — Um gemido necessitado saiu da minha boca. —
Preciso que você a coloque dentro da minha calcinha.
Sua respiração ficou pesada e seus olhos rodeados pela escuridão.
— Com todo prazer.
Sua mão adentrou na minha calcinha, seu dedo passou pela minha
fenda e tive que morder os lábios para evitar gritar.
— Puta que pariu. Você está tão molhada anjo.
No momento que penetrou um dedo em mim sua boca cobriu a
minha novamente, gemi dentro da sua boca quando seu polegar começou a
fazer movimentos circulares no meu clitóris.
Noah penetrou mais um dedo em mim, agarrei seus braços quando
meu joelho fraquejou. A mão que não estava dentro de mim levantou a
minha perna direita, me deixando aberta.
Seus dedos começaram a se movimentar me proporcionando uma
sensação incrível no meu baixo ventre.
Sua boca se afastou de mim e ele encostou a sua testa na minha.
Estávamos suados, aposto que Noah precisaria de outro banho.
Os movimentos dos seus dedos aumentaram e gemidos
descontrolados escapavam pela minha boca.
— Goza para mim, anjo.
As palavras foram o que eu precisava.
Meu coração batia forte, minha respiração estava irregular e seu
polegar pressionava meu clitóris com força.
— Noah. — Seu nome deixou meus lábios quando me
desmanchei.
Ele tinha me feito gozar e gritar seu nome como havia dito.
Seus dedos saíram de dentro de mim e foram direto para sua boca.
Meus olhos se arregalaram vendo provar o meu gosto.
Uma expressão satisfeita tomou seu rosto enquanto chupava seus
dedos.
— Você é tão doce quanto imaginei anjo. — Sua voz rouca
sussurrou.
Minha respiração ia se controlando aos poucos, se tornando mais
suave, pude sentir uma gota de suor escorrendo no meu pescoço.
Noah ainda mantinha a respiração pesada e o volume coberto pela
toalha ainda era grande. Ele não tinha se aliviado como eu, aquilo era meio
injusto, mas eu teria vergonha de sugerir algo.
Ele tirou a mão da minha perna e afastou os fios loiros grudados
na minha testa, sua mão desceu para minha camisa e começou a abotoar os
botões.
— Preciso que saia daqui, rápido. Se não vou te comer nesse
vestiário e você é boa demais para isso.
Suas mãos abotoaram rapidamente minha camisa.
— Mas... — Tentei impedi-lo, porém fui interrompida.
— Charlotte, faça o que estou mandando. — Seu tom era
autoritário.
Não tentei retrucar mais, ele estava decidido.
Me despertei da escuridão que tinha nos envolvido e me trouxe
para realidade novamente, eu tinha deixado o filho do diretor me fazer gozar
no vestiário masculino, essa confirmação estava me deixando com náuseas.
Quando suas mãos se afastaram de mim, não me atrevi a encarar
seus olhos escuros, pois me deixaria fraca. Me desviei de seu corpo e
caminhei rapidamente para fora do vestiário.
Corri pelo corredor vazio, tentando me afastar o mais rápido do
meu pecado.
Charlotte
Era por volta das sete da manhã e já fazia duas horas que eu estava
de pé, a noite passada foi totalmente turbulenta. Meus pensamentos
voltavam ao vestiário cada vez que eu fechava os olhos. E tudo que eu
conseguia pensar era se Noah tinha conseguido se aliviar sozinho.
Além disso, uma dor se instalou em meu estômago. Me levantei e
fui adiantar um trabalho de história para me distrair da dor, mas não estava
dando muito certo.
O trabalho era sobre um feriado que comemoramos em todo Reino
Unido, no começo de novembro. Bonfire Night, onde um grupo de católicos
tentou derrubar o Rei James I com barris de pólvora, porém sem sucesso, é
uma noite comemorada com muitos fogos e uma festa onde bonecos de
palha representam o grupo e são queimados em fogueiras.
Tentando a todo custo me manter concentrada, consegui escrever
metade do trabalho, mas a dor no meu estômago parecia ficar mais forte.
Deveria ser castigo por ter cedido a minha vontade de beijar Noah
novamente e deixar Yuri sozinho, tinha mensagens gentis do Yuri no meu
celular, mas não foram respondidas.
Resolvi tomar um banho quente para ver se aquilo melhorava.
Enquanto Vicky dormia tranquilamente em sua cama fui para o banheiro,
liguei o chuveiro na temperatura mais quente e me enfiei debaixo.
A dor aguda me fez lembrar que eu não comia uma refeição
completa há algum tempo, apoiei minha mão na parede, estava me sentindo
fraca, como se fosse cair a qualquer momento.
Saí do chuveiro, me sequei encostada na parede e voltei para o
quarto. Mordi com força meu lábio quando a dor aumentou.
Caminhei até minha cama, mas antes que pudesse chegar nela
tropecei na cadeira da escrivaninha. Vicky acordou assustada com o barulho.
— Charlotte? — Seus olhos sonolentos me encararam.
Tentei responder, porém tudo que saiu da minha boca foi um ruído
de dor.
— Você está bem? — Vicky se sentou e franziu a testa.
Me sentei na cama e balancei a cabeça confirmando.
— É só uma dor de estômago. — Minha voz saiu lenta.
— Você não parece nada bem.
Ela se levantou e se aproximou rapidamente de mim. Colocou a
mão na minha testa medindo a minha temperatura.
— Está com febre, deve ser alguma infecção. — Olhou para mim.
— Precisa ir para enfermaria.
Se eu fosse lá eles me fariam comer e iriam ligar para os meus
pais, eu não queria nada disso.
— Não, eu vou ficar bem.
Vicky me lançou um olhar preocupado e pude ver em seus olhos,
ela estava na dúvida se insistia ou se respeitava minha decisão.
— Tem certeza? Eu posso te levar até lá, eles irão te medicar
corretamente.
— Tenho certeza, já vai passar.
Ela pegou o celular e conferiu as horas.
— Preciso me arrumar para a aula, mas se quiser posso ficar aqui
com você.
— Não precisa. — Tentei forçar um sorriso, mas a dor estava
grande. — Até a segunda aula eu estou melhor.
Vicky me olhou desconfiada, sem acreditar muito no que eu dizia.
Foi até meu guarda-roupa, e pegou um conjunto de moletom para eu vestir.
— Fica deitada, vou vir aqui depois da aula, se precisar de alguma
coisa me liga.
— Fica tranquila.
Estava tentando dizer que aquilo não era nada, mas a dor era
enorme.
Vicky foi se arrumar para a aula e eu vesti a roupa que ela tinha
pegado para mim.
Deitei-me em posição fetal, puxei o cobertor para me cobrir e
coloquei a mão na barriga, pressionei o local e fechei os olhos. O cansaço
me atingiu e eu acabei adormecendo.
O quarto estava silencioso, minha mão ainda estava na barriga, a
dor estava menor agora. Abri devagar meus olhos, a janela do quarto estava
fechada deixando o ambiente escuro.
Uma pessoa estava sentada na cama da frente. Será que a aula de
Vicky já havia acabado?
Foquei minha visão e meu coração acelerou quando vi quem era.
Noah estava sentado na cama da frente, rabiscava alguma coisa no caderno
em suas mãos.
— Noah? — Minha voz saiu baixa.
Seus olhos deixaram o caderno e me encararam.
— Olha só, você acordou.
Franzi minha testa em confusão.
— O que você está fazendo aqui?
— Vicky precisou ficar na segunda aula, então eu me voluntariei
para ser sua babá — Ele abriu um sorriso de lado.
Me apoiei nos meus braços e forcei o meu corpo a ficar sentado,
Noah saiu de onde estava e se aproximou, pegou nos meus braços e me
ajudou a sentar.
— Você está fraca. Quanto tempo faz que não come? —
Questionou me encarando.
Abaixei meu olhar, porque estava com vergonha de admitir, não
queria que ninguém visse o que eu fazia para chegar ao corpo que eu queria.
Noah se esticou e pegou algo na minha escrivaninha.
— Trouxe sopa de batata para você comer. — Me entregou a
pequena tigela de porcelana.
Encarei o prato e meu estômago roncou, o cheiro de tempero
invadiu meu nariz e minha boca salivou.
Ele sentou-se na minha frente.
— Sei que você tem um lance de não comer batata, mas era a sopa
mais rápida para a cozinheira podia fazer.
— Obrigada.
Peguei a colher e mexi a sopa de um lado para o outro. Aquilo era
carboidrato puro, porém se eu não comesse iria parar no hospital.
— Come isso ou eu te levo a força para enfermaria, não posso
deixar você ficar pior do que está.
Soltei um suspiro, assumindo minha derrota. Peguei um pouco e
coloquei na boca, quando o alimento quente encostou na minha boca e o
sabor se espalhou, um ruído satisfeito deixou meus lábios.
— Isso é gostoso né? — Noah perguntou divertido.
— Sim.
Quase ri de mim mesma, por estar tão feliz em comer uma simples
sopa de batata. Porém esse era o problema, comida não deveria ser tão
prazerosa, pois você nunca tem o suficiente e quando vê já não consegue
entrar no seu jeans favorito.
Comi a sopa enquanto Noah me observava atentamente. Tentei
deixar meu olhar longe dele, para evitar pensar no que tinha acontecido.
Quando terminei, ele tirou a tigela das minhas mãos e colocou de
volta na escrivaninha.
Sua mão foi até a minha testa e meu corpo se arrepiou todo com o
contato das nossas peles.
— Vicky disse que você estava com febre, mas acho que já passou.
Sua mão pegou uma mecha de cabelo que caía no meu rosto e
colocou atrás da orelha.
— Charlotte, você é linda, não deveria fazer isso com você. — Ele
manteve os olhos em mim.
Eu não queria ter aquela conversa, acho que ele falava aquilo da
boca para fora, porque no final ele estava agarrando a Eliza na frente de
todos e não eu.
— Você não entende. — Tirei suas mãos do meu rosto. — Eu vou
ficar bem.
Noah me observou com cautela.
— Sobre ontem... — Interrompi antes que ele falasse mais alguma
coisa.
— Não vamos falar sobre ontem, aquilo foi um momento e já
passou. Eu estava com Yuri, não deveria ter ido atrás de você, foi injusto
com ele. Vamos nos manter afastados, porque quando estou com você pareço
mais propensa a errar.
Seu olhar desviou do meu, Noah soltou uma risada sem humor e
falou de forma dura.
— Você está certa.
— Não quero que ninguém saiba, como aconteceu com o beijo.
Sua expressão era indecifrável, parecia raiva rodear seus olhos.
— Ninguém vai saber. E como tinha dito não fui eu que contei do
beijo.
— Acredito em você. Só que agora fico curiosa para saber como
Amélia soube disso.
Não fazia sentido, se somente nós dois sabíamos e não tínhamos
contado para ninguém, como ela soube?
— Devia perguntar a ela. — Noah deu de ombros.
Não parecia uma boa ideia, mas era a única que eu tinha.
— Vou fazer isso.
Noah se esticou para tirar o blazer do uniforme e chamou minha
atenção para a camada de pele que ele deixou amostra. Perto da sua costela,
havia algo tatuado, tinha visto isso no vestiário ontem, mas não conseguia
decifrar o desenho. Agora curiosidade me enchia.
Desviei o olhar antes que ele me pegasse inspecionando sua pele.
— Estava fazendo o que? — Apontei para o caderno fechado em
cima da cama de Vicky, que antes estava em sua mão.
Ele olhou para o caderno e demorou um pouco para responder,
parecendo sem jeito. Espera, Noah Willians estava sem jeito? Eu queria rir,
mas me segurei.
— Eu estava... — Ele fez uma pausa. — Estava desenhando.
Minha expressão de surpresa foi inevitável. Noah desenhava, isso
não parecia algo que ele fazia.
— Você desenha? — Arqueei minha sobrancelha.
Ele revirou os olhos.
— Não é nada demais, pode guardar sua surpresa.
Encarei o caderno com a minha curiosidade ao máximo, querendo
saber o que ele desenhava ali. Aposto que ele desenhava bem, Noah era bom
em tudo que fazia.
— Quando começou a desenhar?
Ele me olhou por um instante decidindo se queria realmente falar
sobre aquilo, parecia algo pessoal.
— Sentia necessidade de desenhar minha mãe quando ela morreu,
tinha medo de esquecer o rosto dela. — Falou em um tom de voz baixo.
Aquilo era mais que pessoal, meu coração apertou vendo um lado
de Noah que nunca tinha visto.
— Sinto muito, não sabia que isso tinha acontecido.
— Já faz muito tempo. — Ele queria parecer forte, mas eu sabia
que isso ainda doía muito.
Peguei as suas mãos que estavam pousadas na cama e apertei entre
as minhas.
— Mesmo assim, nem consigo imaginar o quanto isso é difícil.
Seus olhos me encararam, estavam brilhando com lágrimas não
derramadas, não faço ideia do que aconteceu com ela, mas aquilo atingia ele
de forma grande, não importava quanto tempo fazia aquilo ainda era um
sofrimento. Vê-lo vulnerável daquele jeito me fez querer quebrar a regra que
eu tinha imposto de nos mantermos afastados. Agora meu corpo formigava
para abraçá-lo.
Porém como da outra vez que mostrei afeto e ele fugiu dessa vez
não foi diferente.
Noah puxou suas mãos da minha.
— Você precisa descansar. — Ele se levantou. — Pense em uma
desculpa para ter faltado nas primeiras aulas.
Ele pegou o caderno de desenho e saiu do quarto.
Segurei com força o cobertor que cobria minhas pernas. Eu estava
certa Noah vivia envolto de uma escuridão, não estava disposto a deixar
ninguém entrar, não poderia forçar, pois também estava evitando que as
pessoas vissem minha própria escuridão.
Suspirei cansada, me apressei para me arrumar e aparecer nas
últimas três aulas, já não estava sentindo quase nenhuma dor. Noah tinha
feito um bom trabalho como babá.
Conseguir passar pelas aulas sem reclamar de dor, às vezes dava
uma pontada mais aguda, porém eu conseguia aguentar, sem fazer um
escândalo.
Estava passando pelo corredor de armários quando vi Amélia
guardando seus livros. Eu iria confrontá-la, se ela acha que pode sair falando
de mim, vou mostrar que está errada. Eu a chamei de amiga e na primeira
oportunidade ela me enfiou uma faca nas costas.
Reuni coragem e me aproximei dela.
— Por que você disse para Eliza que eu tinha beijado o Noah? —
Questionei quando cheguei perto o bastante.
Ela saltou de susto. Quando percebeu que era eu, abriu um sorriso
no rosto.
— Porque é verdade.
— E quem te contou? — Ergui a sobrancelha.
— Eu vi. Por que você acha que o diretor foi atrás de você?
Porque eu disse que vocês estavam lá.
A raiva borbulhou dentro de mim. Ela tinha feito o diretor Willians
vir atrás de nós, como Amélia tinha ficado daquele jeito e em que momento
decidiu me odiar?
— Por que você fez isso?
— Porque eu quis. — Deu de ombros mostrando que não se
importava.
A indignação tomou conta de mim. Nunca tive tanta raiva de
alguém.
— Qual é o seu problema comigo? — Fiz uma pausa. — Na
verdade nem precisa responder, eu sei qual é.
Se ela estava me odiando daquele jeito porque tinha ciúmes da
Vicky, então ela deveria desencanar logo, estava claro que Vicky não queria
nada com ela. E eu não tinha nada a ver com isso.
Amélia não respondeu nada, passei por ela seguindo pelo corredor.
Noah
O laboratório de química nunca foi tão ruim, além da matéria
entediante, Charlotte estava sentada a duas cadeiras a frente junto com Yuri,
eles estavam rindo de algo, passaram a maior parte da aula conversando.
Juro que tentei prestar atenção na aula, mas era difícil quando tudo
que eu queria era socar a cara do Yuri. Por que ela estava rindo para ele? E
por que eu me importava tanto?
— Então é verdade? — Oliver perguntou ao meu lado, enquanto
analisava os tubos de ensaios na sua frente.
— O que é verdade?
— Que você beijou a Charlotte na festa de Halloween.
Dei de ombros tentando me enganar de que aquilo não tinha sido
nada.
— Beijei.
Oliver soltou uma risada divertida.
— Por isso está encarando Yuri como se quisesse matá-lo.
Neguei com a cabeça.
— Não estou fazendo isso.
Oliver parou de rir, mas seus olhos ainda brilhavam com
divertimento.
— Se você está dizendo. Mas se quer repetir o beijo faça logo,
parece que Yuri está levando a melhor agora.
Olhei para frente. Yuri colocava a mão nas costas de Charlotte
enquanto ela o encarava.
A lembrança dela falando para nos mantermos afastados invadia
minha cabeça, Charlotte disse que quando estava comigo era mais propensa
a cometer erros, no momento que escutei aquilo fiquei com raiva, porém
agora eu entendi, quando estava comigo ela era ela mesma, só que ainda não
conseguia ver isso.
Se precisava de mim para abraçar sua própria escuridão, então era
isso que eu faria. Charlotte aceitaria as chamas que dançavam em seus olhos
quando estava perto de mim.
— Prepare-se para se molhar. — Disse para Oliver com um sorriso
maldoso no rosto.
— O que você irá fazer? — Oliver me olhou com os olhos
cerrados.
Peguei o maior tubo de ensaio que tinha em nossa mesa, não tinha
prestado atenção na aula, mas os materiais que estavam à nossa disposição
eram o que eu precisava.
Coloquei no tubo água oxigenada concentrada de volume 200,
diluí com um pouco de água comum. Oliver me olhava curioso para saber o
que eu faria.
O permanganato de potássio que estava à minha frente foi
despejado com vontade no tubo. Dentro de instantes a sala estava coberta
por fumaça. Ouvi a risada de Oliver ao meu lado.
Demorou segundos para os alarmes de incêndio instalados no teto
soltarem jatos de água sobre todo mundo.
Gritos e resmungos preencheram a sala. O sorriso não saía do meu
rosto. O caos estava feito.
— Todos para fora. — A professora gritou.
Todos correram para fora, alguns com as mãos na cabeça como se
isso fosse impedir a água de molhá-los.
Parados no corredor tentando saber o que aconteceu, enquanto o
professor certificava que não era mesmo um incêndio.
Charlotte passou os dedos pelos fios molhados do seu cabelo, a
camisa branca do uniforme estava colada em seu corpo e transparente,
deixando seu sutiã à mostra. Com toda certeza não queria que ninguém visse
aquilo, meu sangue borbulhava só com a possibilidade.
Aproveitando que Yuri não estava ao seu lado, rapidamente me
aproximei dela, tirei o suéter vermelho que eu vestia e a entreguei.
— Veste isso. — Ordenei.
Seus olhos me encararam confusos e eu apontei para a sua camisa,
ela olhou para baixo e arregalou os olhos. Pegou o moletom e vestiu
rapidamente.
— Obrigada.
Abaixei minha cabeça na altura do seu ouvido e sussurrei.
— Você fica linda molhada.
Foi inevitável não abrir um sorriso malicioso, entendendo as
segundas intenção do meu comentário suas bochechas ficaram rosadas.
Adorava deixá-la desse jeito.
— Você é um idiota, Noah. — Segurou a risada que queria escapar
de seus lábios.
Depois de ter desligado os alarmes e certificado de que não era um
incêndio, a professora apareceu no corredor com os olhos fixos em mim. Ela
deveria ter achado as coisas em cima da minha mesa.
— Noah Willians. — A professora chamou em um tom autoritário.
— O diretor ficará contente em saber como você fez aquela bomba de
fumaça.
— Acredito que ele não queira saber.
Alguns alunos seguraram a risada, isso só fez a professora fechar
mais a sua expressão raivosa.
— O senhor Willians está te esperando na sala dele.
Que maravilha, meu pai deve ter adorado saber o que causei na
aula de química.
Dei um sorriso sem descolar os lábios e segui em direção ao
inferno.
Meu pai me esperava sentado em sua cadeira, apoiava seus
cotovelos na mesa e tinha um olhar nada agradável. Poderia listar infinitos
lugares que eu preferia estar, começando com afundando no mar junto com o
Titanic ou em um guilhotina da era medieval.
Me sentei na cadeira em frente a sua mesa e encarei seus olhos
escuros.
— Você acha que eu já não tenho problemas o suficiente? — dava
para perceber a sua irritação pelo tom da sua voz. — Uma bomba de fumaça
no laboratório de química, isso é sério?
— É sério.
Ele riu sem humor.
— Que merda você tem na cabeça? Não consegue agir direito. —
Ele aumentou o tom de voz. — Você é a porra do único filho que tenho, não
vou deixar fazer o que quer.
O copo que estava na sua mesa foi arremessado na parede atrás de
mim, passando alguns centímetros do meu rosto. Fechei os olhos ouvindo os
cacos de vidros se espalhando pelo chão.
Respirei fundo e apertei o braço da cadeira tentando manter o
controle.
— Você é um desperdício, mas vai ter que aprender a andar na
linha. Você não tem outra opção.
Me levantei, não aguentaria ficar ali nem mais um minuto, socaria
a cara dele se não saísse logo dali.
— É bom você começar a se preparar para a faculdade. Querendo
ou não. — Ele falou antes de bater à porta.
Eu descontaria minha raiva em alguma coisa. Nem que eu
precisasse colocar fogo nesse colégio. Ele pagaria tudo que tinha feito a mim
e à minha mãe.
Cada dia mais meu ódio por ele aumentava. Se ele me achava um
desperdício, então eu seria isso.

◆◆◆

O jantar estava sendo servido no refeitório, corri para pegar um


prato quando avistei Charlotte escolhendo cautelosamente sua comida. Me
aproximei quando a vi rejeitando o frango empanado.
— Vai se arrepender se não comer, está muito bom. — Falei
quando cheguei ao seu lado.
Ela saltou de susto, não tinha reparado que eu estava ali.
— Não vou. — Retrucou decidida.
Enquanto enchia o meu prato com todo tipo de gordura e
carboidrato, Charlotte colocou alguns legumes, duas rodelas de tomate e
uma folha de alface.
A minha vontade era forçá-la a comer, porque vi como ela ficou
alguns dias atrás quando teve dor no estômago, aquilo iria acontecer mais
vezes se não se alimentasse direito. Entretanto não podia enfiar comida pela
sua garganta, sabia que ela precisava de mais do que isso.
Segui Charlotte até uma das mesas vazias e me sentei ao seu lado.
Ela colocou um pedaço de tomate na boca e franziu o nariz. Aposto que
queria substituir aquele tomate por uma batata-frita.
— Você vai comer tudo que tem nesse prato. — Ordenei.
— Vou comer o que eu quiser. — Ela disse como se fosse uma
criança mimada.
— Eu vou fazer você comer tudo. — Encarei seus olhos.
Charlotte arqueou a sobrancelha.
— Não vai.
— Como também não fiz você gozar no vestiário masculino.
Seu rosto ficou vermelho e ela olhou para os lados se certificando
que ninguém tinha escutado.
— Cala a boca, Noah.
— Relaxa, ninguém escutou. Falando nisso conversou com
Amélia?
Coloquei um pouco de comida na minha boca.
— Falei. Ela disse que viu nós dois... — Ela fez uma pausa, como
se não conseguisse falar em voz alta que estávamos nos beijando em um
corredor escuro. — Enfim, foi ela que disse para o seu pai onde estávamos e
depois saiu espalhando para escola.
Tomei um gole do meu refrigerante.
— Acho que ela merece uma lição.
Charlotte me encarou.
— Tipo uma vingança? — Ela franziu a testa.
— Alguém disse vingança? — Vicky sentou-se na frente de
Charlotte e colocou seu prato na mesa. — Estou dentro.
Oliver sentou-se ao seu lado com um sorriso no rosto.
— Adoro vingança. Quem é a vítima?
Charlotte me olhou meio incerta. Ergui o queixo e a encarei
estimulando a seguir com ideia.
— Amélia. — Ela disse baixo tirando os olhos do meu.
Vicky abriu um sorriso animado.
— Adorei. — Disse com entusiasmo. — Então é verdade o que ela
espalhou? Que vocês se beijaram?
Charlotte apertou seus lábios em uma linha fina e eu já podia ver
seu rosto ficando vermelho novamente.
Confirmei com a cabeça e o sorriso de Vicky aumentou.
— Então, qual é a ideia da vingança? — Oliver perguntou
empolgado.
Charlotte mexeu com o garfo em seu prato e levou a folha de
alface até sua boca, estava na sua cara como ela odiava comer aquilo.
— Temos que atingir algo que ela goste. — Vicky respondeu
Oliver, colocando a mão no queixo pensando em algo.
— Tem alguém que ela se importa muito. — Charlotte disse
encarando Vicky.
Nós sabíamos da obsessão de Amélia com Vicky, isso poderia ser
algo interessante.
— Quem? — Vicky franziu o cenho.
— Você. — Abrir um sorriso divertido.
Vicky torceu o nariz.
— Ela sempre teve ciúmes de mim perto de você. — Charlotte
disse.
— Isso pode ser interessante. — Oliver falou tomando um gole do
seu refrigerante.
Vicky cruzou os braços e uma expressão confusa se formou em
seu rosto.
— O que sugere? Que eu beije Charlotte? — Ergueu a
sobrancelha.
Charlotte arregalou os olhos e mexeu nervosamente as mãos.
— Não precisam se beijar. Somente dá a entender que aconteceu.
— Falei cogitando a ideia.
Vicky encarou Charlotte com uma pergunta silenciosa,
confirmando se ela estava de acordo com aquilo.
Charlotte puxou ar para os seus pulmões, acho que estava tomando
coragem, porém eu sabia que ela queria aquilo, por mais que escondesse esse
lado, sei que estava querendo se vingar de Amélia, só precisava de um
empurrãozinho.
Ela encarou Vicky de volta e balançou a cabeça concordando.
— Se Amélia me chamou de amiga e teve coragem de me
apunhalar pelas costas. Então ela terá que aguentar isso.
Meu sorriso se alargou com o comentário de Charlotte. Adorei ver
aquele seu lado.
— Vamos foder com essa vadia. — Vicky disse sussurrando para
que ninguém no refeitório escutasse.
Se Amélia achou que iria espalhar fofocas por aí e sair impune, ela
estava muito enganada.
Que a vingança comece.
Charlotte
Passei o sábado fazendo compras no shopping com a minha mãe,
no final do dia Charlie apareceu para assistirmos um filme, os escolhidos
foram os dois primeiros filmes de Pânico sem ele reclamar, acho que estava
tentando me agradar. Porém era estranho, nossa amizade não era a mesma.
Agora eu conseguia perceber os olhares que ele lançava em minha
direção, não dava para sermos como antes, porque eu sabia que ele esperava
algo a mais de mim. Algo que eu não estava disposta a dar.
Era domingo e logo cedo eu estava de volta no colégio. Teríamos
uma festa hoje à noite para comemorar o Bonfire Night. A maioria dos
alunos nem se deu ao trabalho de sair do colégio.
Meu pai me deixou na frente do prédio e se despediu de mim com
um beijo na testa. Entrei e puxei minha pequena mala escada acima rumo ao
meu dormitório.
Uma roda de garotas estava no corredor conversando
animadamente, reconheci Amélia no meio delas. Ela me lançou um olhar
enojado e virou o rosto.
Segui meu caminho até a minha porta, sem me importar com o seu
olhar.
Porém antes que eu pudesse chegar no meu quarto alguém me
chamou.
— Charlotte.
Olhei para trás vendo Vicky vim em minha direção.
Ela jogou os braços em volta do meu pescoço me pegando de
surpresa.
— Estava com saudades. — Disse mais alto do que o necessário.
Estava confusa com aquele afeto inesperado, até que meus olhos
se focaram em Amélia nos encarando.
Nossa vingança estava começando.
Vicky se afastou.
— Eu também estava. — Segurei meu lábio inferior com o dente.
Vicky enrolou uma mecha de cabelo com o dedo.
— Agora podemos fazer aquela coisa que você me prometeu. —
Um sorriso sugestivo abriu em seu rosto.
Nós duas sabemos que não tem coisa alguma, porém Amélia
acreditaria que sim, seus olhos estavam grudados em nós. Aposto que nem
sabia mais o que as outras meninas falavam, sua atenção estava totalmente
em mim e na Vicky.
E eu adorei isso.
Passei suavemente os dedos pelo braço da Vicky.
— Sim podemos.
Ela pegou minha mão e me puxou para dentro do quarto.
Pude imaginar as coisas que se passavam na cabeça de Amélia
naquele momento.
Vicky riu alto assim que a porta se fechou, a acompanhei não
aguentando segurar a risada.
— Você viu a cara dela? — Vicky se jogou na sua cama. — Isso
foi muito bom.
— A cabeça dela deve estar pegando fogo agora.
— Espere só para a hora da festa. Ela vai nos odiar. — Os olhos de
Vicky brilhavam com divertimento.
Dei de ombros.
— Ela procurou por isso.
Eu estava quieta no meu canto e Amélia fez questão de me
provocar, só estava terminando o que ela começou.

◆◆◆

O campo aberto tinha uma fogueira no meio, as chamas cortavam


a escuridão. Um boneco de palha estava perto do fogo, que pela tradição
logo mais seria incendiado.
Alguma música explodia dos altos falantes, as pessoas dançavam e
conversavam animadamente, a maioria perto da fogueira, pois o frio havia
chegado. Dentro de alguns dias acho que já enfrentaríamos a neve.
Peguei um copo e me servi do ponche, Vicky, que estava ao meu
lado, pegou o copo das minhas mãos.
— Vamos tornar isso melhor de se beber. — Ela tirou uma
pequena garrafa do seu bolso de trás e despejou um líquido transparente
dentro do ponche. — Bem melhor agora.
Me entregou de volta o copo, dei um gole e a careta foi inevitável
quando o gosto da vodca tomou conta da minha boca.
— Isso está forte. — Exclamei para Vicky.
Ela deu de ombros e bebeu um gole da própria garrafinha, logo
depois a guardou para que ninguém visse.
Olhei em direção a fogueira e os olhos escuros de Noah me
encaravam atrás das chamas, um arrepio percorreu todo o meu corpo, ele
passou a língua pelos lábios, o jeito que me olhava parecia que estava prestes
a me devorar, as borboletas se agitaram no meu estômago. Era nítido o efeito
que ele tinha sobre o meu corpo.
Tomei mais um gole da minha bebida e desviei o olhar, aquilo não
terminaria bem.
Yuri não tinha me chamado dessa vez, talvez estivesse cansado de
me ver dando desculpas para escapar, eu era uma idiota por ter feito isso
com ele.
— É engraçado o jeito que Amélia está nos encarando. — Vicky
encarava o lado direito perto da fogueira.
Virei meu rosto seguindo seu olhar. Amélia nos encarava
mordendo o seu lábio inferior de forma nervosa. Podia ver que ela ainda
estava em dúvida sobre o que estava acontecendo entre mim e Vicky. Mas
faríamos ela ter certeza.
— Ela é mesmo apaixonada por você.
Vicky balançou a cabeça negando.
— Isso não é paixão. Amélia tem um tipo de obsessão doentia por
mim.
Fiquei de frente para Vicky e me aproximei. Aproveitando que
Amélia estava de plateia.
— Talvez essa obsessão acabe hoje. — Passei meus dedos pelo
braço dela.
Vicky sorriu.
— Assim espero.
Ela pegou o celular e digitou algo.
— Vamos para algum lugar, Oliver vai atrair Amélia. — O sorriso
em seu rosto aumentou.
Virei o resto da minha bebida e me livrei do copo. Peguei a mão da
Vicky, saímos juntas como um casal.
Podia sentir os olhos de Amélia queimando nossas costas.
Acho que nem precisaremos que Oliver a incentive a nos seguir,
ela mesma fará isso porque está curiosa e com muito ciúmes.
Vicky me puxou para um canto escuro embaixo das arquibancadas.
Nos posicionamos uma de frente para outra e ela passou as mãos no meu
cabelo.
O celular de Vicky apitou e ela conferiu a tela.
— Nossa convidada está chegando. — Sussurrou para mim.
Um sorriso maldoso se abriu em meu rosto.
Nunca fui uma pessoa vingativa, porém muita coisa tinha mudado
quando entrei nesse colégio e não é como se Amélia não merecesse isso. Ela
fez coisas comigo e com Vicky estava na hora de pagar.
Vicky se aproximou de mim e colocou a mão em meu rosto,
manteve seu olhar no meu e acariciou minha bochecha com o seu polegar.
Não conseguia ver Amélia, mas sabia que ela estava perto pois me
sentia observada.
Minhas mãos foram para a cintura de Vicky, levantei levemente a
sua blusa e coloquei meus dedos em contato com sua pele, acariciando o
local. Senti sua respiração ficar pesada.
Aproximei meu rosto do dela, nossos narizes se tocando. Ela
colocou sua outra mão por baixo do meu cabelo. Umedeci meus lábios com
a língua e o olhar de Vicky se abaixou para minha boca.
Os batimentos do meu coração aceleraram, nunca beijei uma
garota antes, mas estar assim tão próxima de Vicky, me faz querer beijá-la.
— Tudo que quero é sentir o gosto da sua boca de novo. — Vicky
falou alto o bastante para quem estivesse perto escutasse.
— Não é só da sua boca que eu quero sentir o gosto de novo. —
Disse entrando no personagem.
Vicky me encarou novamente com os olhos brilhando, podia ver
faíscas de desejo exalando daqueles olhos caramelos.
Apertei sua cintura e a puxei para perto, colando nossos corpos,
nossos peitos pressionando um contra o outro. Nossas bocas encostaram e
consegui sentir o gosto do seu gloss de cereja.
Barulho de passos se afastando preencheu o ambiente e logo
depois a voz de Oliver se aproximou.
— Por mais que eu esteja amando isso, nossa convidada já saiu
correndo.
Vicky se afastou, lambeu seus lábios como se estivesse sentindo
meu gosto e sorriu.
Joguei meus cabelos para trás, tinha começado a ficar quente aqui,
aposto que minhas bochechas estavam vermelhas igual um tomate.
Desviei meus olhos de Vicky e vi Noah ao lado de Oliver, que me
encarava surpreso. Ele pensou que eu não teria coragem de fazer isso.
Um sorriso de lado repuxou de seus lábios, Noah tinha gostado do
que viu e por mais que odiasse admitir, eu adorava que ele tivesse visto eu e
Vicky.
— Então deu certo? — A respiração de Vicky ainda estava
ofegante, não posso culpá-la, a minha também estava assim.
— Sim. — Oliver respondeu. — Amélia saiu correndo, estava
vermelha de raiva.
Vicky bateu palmas animada.
— É muito bom ser maldosa às vezes.
Oliver riu e passou o braço em seu pescoço.
— Vamos, o show de fogos logo vai começar.
Os dois seguiram em frente conversando rumo ao campo.
Precisava sair daqui também, o lugar estava abafado e Noah estava
próximo.
Caminhei na mesma direção que Oliver e Vicky foram, porém
quando passei por Noah, ele agarrou meu braço me fazendo parar. Encarei
sua mão em meu braço.
— Você gostou de fazer isso ou foi apenas pela vingança? — Sua
voz saiu baixa.
Sei que ele esperava uma resposta, mas falar disso aqui sozinha
com ele, não seria bom. Alguém poderia ver. Se o diretor nos pegasse
novamente, meus pais ficariam sabendo e não seria nada legal. Minha mãe
não pensaria duas vezes para me tirar daqui.
Me livrei do seu aperto e me apressei em sair debaixo das
arquibancadas.
O boneco de palha foi incendiado e agora todos gritavam
animados enquanto o fogo o consumia. Parecia meu próprio corpo, que
nesse exato momento estava quente como se chamas estivessem por toda a
minha pele.
Os fogos coloridos logo atravessaram o céu, dando cor e vida ao
anoitecer. Levantei minha cabeça observando cada brilho daquele explodir
no ambiente.
Era lindo.
A festa terminou logo após o show de fogos, Vicky me avisou que
tinha escapado com Oliver para algum lugar. Então caminhei sozinha até o
meu quarto.
Eu deveria me deitar e dormir, mas parecia que meu cérebro não
queria desligar, meu coração ainda batia agitado e ainda havia um frio na
minha barriga.
Olhei para a cadeira da escrivaninha e o moletom de Noah estava
ali. Ele tinha me dado na aula de química quando os alarmes de fumaça
tinham encharcado minha roupa.
Mordi minha unha, estava nervosa e indecisa. Como eu, Noah
estava sozinho em seu quarto. Esta confirmação me deixava ofegante. Os
pensamentos em minha mente se escureceram e em um ato de impulsividade
agarrei o moletom do Noah e abri a porta do meu quarto.
Me certifiquei que não tinha ninguém nos corredores e caminhei
silenciosa até o dormitório masculino.
Por sorte a porta de número sete tinha o nome de Oliver e Noah.
Levantei minha mão e bati na madeira escura.
Demorou alguns segundos e a porta foi aberta.
Prendi a minha respiração no mesmo momento que encarei Noah.
Ele vestia apenas uma calça de moletom, deixando à mostra o v bem
definido que se estendia para dentro da calça, seu peito completamente nu,
levantei os olhos rapidamente vendo seu cabelo despenteado fazendo sombra
em seus olhos.
— Charlotte? — Ele cerrou os olhos confusos.
— Vim entregar seu moletom. — Levantei a peça de roupa para
ele.
Noah abriu mais a porta e deu espaço para eu entrar.
Soltei a respiração e entrei em seu quarto. Os móveis eram
colocados do mesmo modo que o meu quarto e de Vicky, tinha alguns tênis e
algumas peças de roupa jogadas no chão e as duas camas estavam
bagunçadas.
A luz estava desligada, deixando somente a iluminação do abajur
perto da cama, mas, diferente do meu, a luz do seu abajur era vermelha.
— Desculpa a bagunça, não estava esperando visita. — O
divertimento era nítido em sua voz.
Noah sentou-se em sua cama e me encarou. Continuei parada no
meio do quarto, sem saber o que fazer.
Meu coração batia tão rápido e alto que ficava impossível ouvir os
meus pensamentos. Mas sei o que eles diziam, para mim correr dali e não
abraçar a escuridão que estava me rondando agora.
— Só veio trazer o moletom? — Noah arqueou a sobrancelha.
— Uhum. — Coloquei o moletom em cima da escrivaninha. —
Obrigada, ele foi útil.
Apesar de que foi ele quem começou toda a confusão no
laboratório de química.
— O que você veio fazer aqui? De verdade? — Seus olhos escuros
me encaravam com curiosidade.
Dei de ombros sem saber o que responder, porque eu não sabia o
que tinha ido fazer lá, só sabia que precisava vir.
— Estava sem sono, achei que podíamos conversar.
— Certo! — Ele bateu a mão na cama no espaço ao seu lado. —
Senta aqui, eu não mordo.
Olhei para o local incerta, porém eu já estava ali.
Sentei-me ao seu lado.
— Você me perguntou mais cedo, se eu tinha gostado... — Fiz
uma pausa pensando em como iria falar sobre isso. — De ficar perto da
Vicky. Não respondi porque estava com vergonha.
Os olhos de Noah me observavam com interesse.
— Estava com vergonha de que?
Soltei um suspiro e abaixei meu olhar.
— Vergonha de admitir que gostei de tocar os lábios da Vicky. E
por mais mesquinho que seja, gostei de me vingar de Amélia.
— Não é vergonhoso admitir nenhuma dessas coisas. Nem tudo
que está em nós é bom, temos que viver com a parte ruim também.
Ele não estava dizendo sobre ficar com Vicky, mas sim sobre a
vingança. Fazer algo ruim é uma coisa, gostar quando faz aquilo é outra
totalmente diferente, e eu provei das duas.
Levantei meus olhos para Noah que estava sentado de forma
relaxada, uma de suas mãos estava pousada em sua coxa, as costas
encostadas na parede. A tatuagem estava exposta atiçando a minha
curiosidade e roubando completamente a minha atenção.
— Curiosa? — Sua voz rouca me puxou de volta para a realidade.
— Posso ver?
Ele balançou a cabeça me dando permissão.
Me aproximei de seu corpo, me inclinei em sua direção com seus
olhos atentos em cada movimento meu.
A tatuagem era uma cobra, começando em sua costela e descendo
até dois dedos antes do seu quadril, a cabeça dela estava para baixo e seu
corpo tinha algumas curvas como se ela estivesse se rastejando.
Levei meus dedos até sua pele, Noah arfou de surpresa quando
meus dedos o tocaram. Contornei o desenho e pude perceber sua pele se
arrepiando.
Continuei contornando o desenho até a cabeça da cobra.
— Não desça mais os dedos Charlotte. — Sussurrou muito perto
de mim.
Meus lábios de repente pareciam secos demais.
Não sei se era o álcool que eu tinha bebido mais cedo, porém me
sentia corajosa para perguntar.
— Se eu descer, acontece o que?
Sentir sua respiração ficando pesada, sua mão que estava apoiada
na coxa se fechou em punho.
— Vou fazê-la gritar meu nome de novo.
Aquela proposta era tentadora demais para recusar. As borboletas
no meu estômago se agitaram com a possibilidade.
Noah deixou a decisão comigo. Mesmo que a razão estivesse
gritando na minha cabeça agora, eu não dei ouvidos, abracei a escuridão.
Deslizei meus dedos pela sua pele até o cós da sua calça, os
mantendo ali, e levantei a cabeça para encará-lo. Parece que os papéis se
inverteram, agora era eu quem estava o desafiando.
O desejo presente em seus olhos me tomou por completo.
Suas mãos agarraram meu rosto e me puxaram de encontro ao seu
chocando nossas bocas com urgência. Seus beijos eram viciantes.
Não havia nada de gentil naquele beijo, somente uma intensidade
que eu nunca tinha sentido.
Ele mordeu e sugou meu lábio inferior causando uma necessidade
no meio das minhas pernas, pressionei minhas coxas para me aliviar e um
gemido escapou da minha boca sendo encoberto pelo nosso beijo.
Noah rugiu e suas mãos desceram para o meu quadril, me puxando
para cima. Montei nele, deixando uma perna minha de cada lado seu. O meu
vestido de lã subiu até a minha cintura.
Minhas unhas passaram pelo seu peito, eu não precisava ver para
saber que um rastro vermelho se formaria no local. Seu aperto no meu
quadril se intensificou.
Sua boca passou pelo maxilar e seguiu para o meu pescoço, seus
dentes roçaram na minha pele e logo depois a agarrou, um gemido alto saiu
da minha boca.
Eu estava molhada e necessitada, precisava aliviar o incômodo que
se instalou na minha vagina.
Me esfreguei contra o volume que crescia dentro da calça de Noah,
apoiei minhas mãos em seu ombro e continuei me movimento em cima dele.
Ele me beijou abafando outro gemido.
Suas mãos em meu quadril me seguraram parando qualquer
movimento meu, sua boca se afastou da minha e um sorriso malicioso se
formava em seus lábios.
— Está desesperada para gozar, anjo? — Sussurrou perto do meu
rosto. — Eu vou te fazer gozar.
Noah me jogou de costas na cama, arfei com a surpresa, seus olhos
devoraram cada centímetro do meu corpo. O desconforto me atingiu, levei
minhas mãos na barra do meu vestido para descê-lo, porém ele me impediu e
puxou o vestido mais para cima, agora minha barriga estava totalmente
exposta.
Seus lábios encostaram na minha pele, beijando a minha barriga.
Uma energia elétrica passou por todo o meu corpo. Sua boca foi descendo e
meus olhos se mantiveram nele.
Noah desceu sua boca para a parte interna das minhas coxas.
Mordi com força o meu lábio para que um gemido não escapasse. Seus
dentes agarraram a minha pele e a dor me atingiu.
Um gritou começou a sair da minha garganta, mas ele colocou a
mão para tampar a minha boca impedindo qualquer som de sair.
— Quieta. — Ordenou. — Ninguém pode nos escutar.
Quando viu o entendimento em meus olhos, retirou a mão da
minha boca.
Ele abaixou a mão até a minha calcinha e esfregou seus dedos na
minha vagina por cima do tecido.
— Noah, por favor. — Supliquei já não aguentando mais.
— O que você quer, anjo?
Sua cabeça estava entre minhas pernas e sua respiração batia
contra a renda da calcinha.
Puxei ar para os meus pulmões.
Noah arrancou minha calcinha. Seu dedo indicador passou pela
minha fenda e logo se afastou. Soltei um guindo de insatisfação.
— Precisa dizer o que quer, Charlotte.
Necessitando que ele continuasse o que começou, sussurrei.
— Preciso que você me faça gozar.
O sorriso em seu rosto aumentou.
— Ótimo, porque estou louco para provar o seu gosto doce.
No momento em que Noah colocou a língua para fora e se
aproximou da minha vagina eu não pensei em mais nada, minha mente
nebulou e a sensação incrível se arrastou por todo o meu corpo.
Agarrei os fios de seu cabelo com uma mão enquanto a outra se
fechou em punho no lençol da cama.
Noah
Puta que pariu! Charlotte era tão doce que seu gosto se tornava
viciante. Minha língua circulou seu clitóris de forma lenta, ela mexia seu
quadril se esfregando contra meu rosto, buscando alívio.
Enfiei um dedo nela e levantei meu olhar bem a tempo de vê-la
revirando os olhos. Aquela era a visão do paraíso. Continuei a lambendo
com vontade, sua mão se apertou nos fios escuros da minha cabeça,
causando dor, mas eu não me importava.
Enfiei outro dedo dentro dela e pude sentir sua linda boceta os
apertando, comecei os movimentos de vai e vem e Charlotte não conseguia
mais conter os gemidos. Não queria que ninguém nos ouvisse, mas aquilo
era tão bom de se ouvir que pouco ligava.
Minha língua se agilizou nos movimentos e cada vez mais ela
apertava meus dedos. Charlotte arqueou a coluna, seu corpo se estremeceu,
soltou um gemido alto e gozou na minha boca. Agarrei suas coxas e suguei
cada gota do seu líquido.
Levantei minha cabeça e fui mais para cima sustentando meu
corpo com os meus cotovelos. Ela arfava lindamente, os fios loiros estavam
espalhados pelo lençol, sua boca estava entreaberta, a pupila azul em seus
olhos estava enorme e cheiro de baunilha estava por todo lugar. Ela deixaria
minha cama cheirando tão bem.
— Você fica linda quando está satisfeita, anjo. — Sussurrei perto
da sua boca.
Charlotte apertou os lábios para reprimir um sorriso.
Eu por outro lado não estava nada satisfeito, o meu pau duro
estava pressionando a calça de moletom, mas não iria mais longe com ela,
por mais que quisesse muito. Charlotte ainda parecia confusa sobre nós dois
e não é como se eu quisesse um relacionamento entre nós.
Não posso mentir, tudo que eu mais desejo nesse momento é entrar
na sua boceta apertada, porém depois terei que lidar com as consequências.
— Você não parece... — Ela fez uma pausa procurando a palavra
ideal. — Satisfeito.
Um sorriso repuxou o canto dos meus lábios.
— Acredite, só de provar o seu gosto e vê-la se esfregando na
minha cara já valeu a pena.
Charlotte desviou os olhos de mim, se não fosse pela baixa
iluminação eu poderia ver suas bochechas ficando vermelhas, eu adorava
deixá-la envergonhada, porque sei que não vai admitir, mas ela também
adora.
— Eu poderia fazer algo para você. — Seu tom de voz era tão
baixo que me perguntei se eu tinha realmente escutado isso ou foi coisa da
minha cabeça.
Meu coração acelerou com a possibilidade dela querer me dar
prazer.
— Você quer fazer algo para mim? — Questionei.
Ela manteve os olhos distante dos meus, parecia incerta ou com
medo de confirmar o que realmente queria.
Peguei seu queixo a forçando me encarar. Ergui a sobrancelha
esperando por sua resposta, Charlotte engoliu seco, procurando coragem
para falar.
— Eu quero. — Sussurrou decidida.
Um grunhido escapou da minha boca, apertei seus lábios nos meus
com necessidade. Pressionei o volume que minha calça cobria no meio de
suas pernas, instintivamente suas pernas se abriram mais para mim.
Saber que seu corpo respondia tão bem, fazia o homem possessivo
dentro de mim querer mantê-la naquele quarto para sempre, somente comigo
fazendo aqueles lindos olhos azuis se revirarem.
Agarrei sua cintura e troquei nossas posições, a trazendo para
cima. Charlotte arfou na minha boca.
Seus beijos desceram pelo meu pescoço, pelo meu peito até o meu
quadril. No momento em suas mãos foi para o cós da minha calça, seus
olhos se levantaram para me encarar, desejo puro emanava deles, meus
lábios secaram e passei a língua entre eles para umedecer.
Balancei a cabeça encorajando-a a continuar.
Prendi a respiração quando suas mãos desceram minha calça. Meu
pau saltou livremente. Charlotte arregalou os olhos surpresa.
Sua mão pegou a base. Quando ela colocou a língua para fora,
meus batimentos cardíacos ficaram tão frenéticos que achei que iria infartar.
Pelo menos morreria feliz. Sua língua percorreu todo o comprimento
lentamente, demorando mais tempo na cabeça.
A vontade de fechar os olhos me atingiu, mas eu não queria perder
nenhum momento daquele show.
Sua boca me envolveu completamente, sem me aguentar soltei um
gemido quebrando o silêncio do quarto. Seus movimentos aceleraram e
enrolei minha mão nos fios loiros do seu cabelo.
Charlotte descia com sua boca por toda extensão e quando voltava
para cima circulava sua língua na cabeça.
Segurei seu cabelo com força e forcei sua cabeça a ir mais fundo,
tocando a entrada da sua garganta. Um grunhido saiu da minha boca.
Naquele momento eu estava tão perto do paraíso.
Seus movimentos ficaram rápidos, eu já não conseguia mais
raciocinar.
— Anjo, eu estou perto.
Essa era a hora dela decidir se queria minha porra em sua boca ou
não.
Mas diferente do que eu imaginei, ela não se afastou, pelo
contrário, me levou mais fundo quase se engasgando.
Uma corrente elétrica percorreu todo o meu corpo, um grunhido
alto saiu dos meus lábios e sem aguentar mais, explodi em sua boca.
Afrouxei o aperto em seus cabelos.
Charlotte levantou a cabeça me mostrando que havia engolido
tudo, passou o polegar pelo canto da boca limpando a gota que queria
escapar. Seus olhos pareciam chamas azuis.
Estava olhando boquiaberto, queria que aquela Charlotte corajosa
não fosse embora.
Depois dessa noite eu estava completamente fodido, se antes ela
invadia meus pensamentos agora tenho certeza de que faria morada na
minha cabeça e eu não sabia nenhum maldito jeito para mudar aquela
situação.
Charlotte
O suor escorria por todo o meu corpo, minhas pernas já
enfraquecidas eram forçadas a continuar pedalando na bicicleta da academia.
Eu faria meu corpo pagar pelos meus pecados e pelas minhas escolhas
erradas.
Não sei o que tinha acontecido comigo ontem à noite, já tentei
culpar o álcool, porém não tinha bebido tanto para tamanha besteira. Talvez
me vingar de Amélia tenha despertado uma coragem que eu não entendia.
Noah tinha me feito ver estrelas, aquilo foi tão bom, e esse era o
problema. Agora ele tomava conta da minha cabeça e eu não conseguia
pensar em outra coisa, ainda podia sentir o seu gosto na minha boca.
Obriguei as minhas pernas a pedalarem mais rápido, minhas coxas
já estavam doendo.
Corri para o meu quarto ontem e só então fui perceber que estava
sem calcinha, tinha deixado minha calcinha no quarto de Noah. Uma parte
minha queria que ele guardasse e se lembrasse daquele momento, outra parte
queria que ele jogasse fora e agisse como se nunca tivesse acontecido.
O que tinha acontecido comigo? E quando comecei a andar sem
calcinha fugindo do dormitório masculino?
Ele não entrou em mim, por mais difícil que fosse admitir, eu
queria que ele entrasse.
Se apenas com a sua boca me deixou assim, imagina o que seu pau
poderia fazer.
O pensamento fez minha perna fraquejar e sair do pedal. Noah
mexia comigo de uma forma que me tirava do controle.
Bebi toda a garrafa de água e fui para o meu quarto me aprontar
para a aula.
Teríamos somente as primeiras aulas, depois do almoço seria a
feira das profissões. Um evento organizado no ginásio coberto, onde
teríamos representantes de diversas faculdades, principalmente as da Ivy
League, muita gente aqui queria ir para a América.
Esses representantes nos apresentariam qual curso é oferecido nas
faculdades e como funcionava a seleção para entrar nelas.
Eu provavelmente vou querer saber somente de Oxford.
Depois de pronta, passei no meu armário antes de seguir para a
aula de história, onde por sorte ou azar era junto com Noah.
Peguei meu livro e fechei a porta. Saltei de susto quando
identifiquei Eliza perto de mim me encarando de forma raivosa.
— Você se acha esperta?
A olhei sem entender a pergunta, então ela continuou a falar.
— Se acha esperta o bastante para ficar com Noah? — Eliza
cruzou os braços. — Antes de você chegar, eu era a única, nós íamos
namorar.
Respirei fundo, era muito cedo para minha cabeça lidar com o
ciúmes dela.
— O que faz pensar que iriam namorar?
Até pensei por um momento que eles podiam ser um casal, mas
depois de observar que Noah estava sempre tentando escapar dela, me fez
perceber o contrário.
Eliza arregalou os olhos, será que achou que eu não iria retrucar?
— Pode beijá-lo, mas te garanto que ele voltará para mim. Você é
apenas a distração.
Ri sem humor.
Com toda certeza eu não iria arrumar uma briga com ela. Deixaria
morrer com sua obsessão pelo Noah.
— Não estou em seu caminho, Eliza. Nunca estive. — Agarrei
meu livro com força. — Mas se eu fosse você, colocaria logo na cabeça que
não são um casal.
Seus olhos cerraram e o brilho de raiva aumentou neles.
— Você é uma... — A frase morreu em seus lábios quando seus
olhos encontraram algo atrás de mim.
Antes que eu me virasse para saber o que era, mãos grandes
cobriram o meu ombro. Quando identifiquei que eram de Noah, meu corpo
endureceu no lugar.
— Não vai querer terminar essa frase, Eliza. — Seu tom de voz
era rígido.
O olhar de Eliza caiu nas mãos de Noah sobre o meu ombro.
— Não sei o porquê está a protegendo., mas isso não ficará assim,
Noah Willians — Eliza apontou o dedo para mim. — Charlotte, você não
deveria ter entrado no meu caminho.
Ela jogou o cabelo para trás e saiu sem olhar para trás.
Me virei para Noah e me afastei de seu toque.
— Não precisava fazer isso, agora terei que lidar com o ciúmes
enlouquecido dela.
— Eu te coloquei nesta situação, o mínimo que posso fazer é tirar.
As lembranças da noite passada queriam invadir minha cabeça
enquanto encarava aqueles olhos escuros, e tenho quase certeza de que um
sorriso repuxava o canto de seus lábios.
— Está indo para a sala de história?
Concordei com a cabeça e começamos a andar um do lado do
outro, em um silêncio totalmente desconfortável, pareciamos dois completos
estranhos, mas posso dizer que já estávamos bem conhecidos.
Chegamos e a professora já estava na sala, escolhi uma das
cadeiras do fundo, com a esperança de que ele não me seguisse, mas foi em
vão, ele sentou-se atrás de mim.
Podia sentir seus olhos queimando as minhas costas, seria uma
longa aula.
No meio da aula, enquanto fazia o resumo de uma das páginas do
livro, meu celular vibrou na mesa, indicando uma mensagem.
Meu coração palpitou vendo o nome do Noah aparecer na tela.
Lutei contra a vontade de pegar o celular, porém não aguentei e
logo desbloqueei.
“Não consigo me concentrar na aula, deve ser porque tem uma
gostosa sentada na minha frente”
Revirei meus olhos, ele era um idiota.
Estava pronta para guardar o celular quando outra mensagem
chegou.
“Sabia que eu ainda sinto a sensação da sua boca me envolvendo.
Depois vai me contar onde aprendeu a fazer aquilo.”
Meu corpo todo esquentou, minhas bochechas estavam pegando
fogo. Me endireitei na cadeira e cruzei as pernas.
“Noah, esquece isso”
Mandei para ele e não demorou a chegar a resposta.
“Tentei, mas é impossível, anjo”
Pressionei meus lábios em uma linha fina, para lutar contra o
sorriso que queria se formar na minha boca. Eu odiava o poder que Noah
tinha sobre mim.
Larguei o celular em cima da mesa e fui forte o bastante para não
responder a sua mensagem.
Voltei o meu foco no resumo de história, tentando ao máximo
esquecer que Noah estava sentado atrás de mim.
Na aula de matemática, Grace me lançou um sorriso fraco, Amélia
que estava ao seu lado não se deu ao trabalho de olhar para mim. Porém
podia sentir sua raiva, pelo menos aquilo deu certo, talvez ela deixasse sua
obsessão com Vicky para trás de uma vez por todas.
Quando chegou a hora do almoço me mantive na biblioteca,
ingerindo apenas uma barrinha de cereal, precisava arrumar um jeito para me
pesar, sentia que eu tinha perdido alguns quilos. Isso me deixava feliz.
Passei no meu armário para guardar os meus livros antes de seguir
para o ginásio onde estava acontecendo a Feira das Profissões.
No momento em que fechei a porta do armário minha visão ficou
embaçada, de repente minha cabeça pareceu pesada, apoiei a mão no
armário tentando me manter em pé quando uma tontura forte me atingiu.
Forcei meus pés a andarem para frente e eles tropeçaram um no
outro. Mãos fortes agarraram minha cintura, me mantendo em pé.
— Peguei você. — Era a voz de Yuri.
Me apoiei em seus braços e fechei os olhos por alguns minutos.
— Você não está bem. Precisa que eu te leve na enfermaria? —
Seu tom de voz era preocupado.
— Não. — Disse rapidamente. — Estou bem.
Abri os olhos e vi Yuri me analisando, sua testa estava franzida.
A tontura tinha passado e minha visão estava normal. Acho que foi
algo momentâneo.
— Tem certeza?
— Eu estou bem, já passou. — Forcei um sorriso.
Virei minha cabeça desviando de seu olhar.
Encontrei Noah mais a frente, seu olhar caiu nas mãos de Yuri em
minha cintura, seus olhos estavam cerrados e ele tinha uma expressão
confusa no rosto.
Tirei minhas mãos dos braços de Yuri e tirei suas mãos da minha
cintura. Noah levantou o olhar e me encarou. Certeza de que ele pensava que
algo estava acontecendo ali, era o que parecia.
Senti raiva de mim mesma por ele ter visto aquilo, mesmo que
nada tivesse acontecido. Sentia uma enorme necessidade de me explicar para
ele. Mas Noah se virou e saiu, sem me dar a chance de explicar o que
realmente tinha acontecido ali.
— Eu posso te acompanhar até a enfermaria? — Disse Yuri
puxando minha atenção novamente.
— Não precisa. Obrigada.
Me virei e segui o caminho para o ginásio. Não queria que Noah
tivesse interpretado aquilo de outra forma.
O ginásio já estava lotado, cada barraca representando uma
faculdade.
Corri meus olhos por todas as pessoas tentando achar Noah, mas
nem sinal dele.
— Animada? — Vicky surgiu do meu lado.
— Vou dar uma volta nas barracas e depois vou ficar na barraca de
Oxford.
Vicky torceu a boca.
— Não estou nem um pouco afim disso. Meus pais já decidiram
tudo por mim, se eu não passar provavelmente vão doar uma biblioteca nova
para faculdade ou algo assim. — Ela deu de ombros, como se isso não
importasse muito, mas dava para ver em seu olhar cabisbaixo que isso a
machucava.
— Já tentou enfrentá-los?
Ela negou com a cabeça.
— Nem sei o que eu faria. Parece mais fácil fazer Direito porque é
o que eles esperam.
— É para isso que essa feira serve. — Apontei para todas as
barracas. — Tenta achar algo que goste de fazer, depois decidimos o resto.
Vicky mordeu o lábio inferior meio incerta e a incentivei com o
meu olhar.
— Tudo bem. Vamos lá.
Peguei em sua mão e a puxei para dentro do ginásio, nos
misturamos com os vários alunos que já estavam por ali.
Noah
Minha cabeça estava uma verdadeira confusão, a cena das mãos de
Yuri na cintura de Charlotte não sai da minha cabeça. Por que a porra da mão
dele estava nela?
O sentimento de possessividade tomava conta de mim, eu não
queria mais ninguém a tocando, minha vontade era fazer ele engolir os
próprios dentes, para que entendesse que deveria manter distância do que é
meu.
Charlotte podia não saber, mas a partir do momento que revirou
aqueles lindos olhos azuis na minha cama, ela era minha.
Porém, junto com esses pensamentos, vinha o fato de eu não ser
bom o bastante para ela, eu sabia que seria egoísta da minha parte se a
envolvesse na minha nebulosa mente, não acreditava em relacionamento.
Não quando minha mãe tinha se suicidado por conta de um.
Mas era impossível tirar aquele anjo da minha cabeça.
Eu estava ficando louco, caralho.
Vi quando seus olhos me procuraram no meio da multidão de
alunos, me mantive escondido, porque não conseguia lidar com as minhas
emoções naquele momento.
Quando Charlotte puxou Vicky para as barracas, me senti seguro
para ir até a barraca de Oxford. Sei que tinha pouco tempo até ela vir aqui.
Era uma das barracas mais lotadas, abri espaço e meus olhos se
focaram no cartaz que exibia todos os cursos da universidade.
A minha atenção foi direta para o curso de artes, era o melhor
curso nessa área de todo o Reino Unido. Seria incrível estudar arte e poder
trabalhar naquilo que amo fazer.
— Interessado em algum curso? — Um dos representantes de
Oxford perguntou.
— Artes parece interessante para mim.
Ele pegou um dos panfletos e me entregou.
— Aqui está tudo o que o curso oferece, garanto que você irá
adorar.
Peguei o panfleto e meu olhos brilharam imediatamente quando li
cada palavra escrita naquele papel.
— Senhor Willians. — Saudou o homem ao meu lado.
Quando percebi a aproximação do meu pai enfiei com força o
papel no meu bolso.
— Este é meu filho. Noah. — Sua mão foi para o meu ombro, só
queria expulsá-la de lá. — Será aluno de vocês no próximo ano.
O representante abriu um sorriso largo.
— Estamos ansiosos para recebê-lo.
— Ele fará administração.
Dei um passo para o lado me desvencilhando da sua mão.
O representante me olhou confuso, ele provavelmente achou que
faria artes.
— Achei que... — Meu pai o interrompeu antes que ele
terminasse.
— Ele terá que tomar conta desse colégio. É um legado de família.
Meu estômago embrulhou, queria vomitar nos pés dele, só para
sujar aqueles sapatos de couro italiano, aposto que tinha mais carinho por
eles do que por mim.
— Imagino que sim. — O representante sorriu para ele. — É um
colégio incrível.
— Estamos a caminho de ser o melhor do Reino Unido. — Falou
meu pai, com orgulho.
O colégio era seu orgulho, não eu. No final das contas eu nem
queria seu orgulho, só queria que me deixasse em paz.
Inventei alguma desculpa para me afastar, um tiro doeria menos do
que ouvir toda aquela conversa.
Me tranquei no meu quarto o resto do dia, não queria esbarrar com
Charlotte.
Porém depois do toque de recolher meu pai disse que queria falar
comigo, lá em cima, tentei dar alguma desculpa, mas ele não parecia
convencido. Relutando contra a minha vontade, saí do meu quarto e
caminhei até a escada que levava até a sua casa.
Ter que lidar com ele essa hora da noite era tortura. Respirando
fundo entrei na casa.
O ar lá dentro era frio, o cheiro de whisky exalava no ambiente,
passei reto pela foto em família sem encarar o rosto da minha mãe naquela
fotografia horrível. Ninguém merecia uma vida tão miserável quanto a que
ela teve antes de morrer.
George Willians estava sentado de forma relaxada no enorme sofá
da sala, sua gravata não estava mais no pescoço, a camisa branca tinha os
primeiros botões abertos, na mesinha de centro tinha alguns papéis e uma
garrafa de whisky pela metade, um copo cheio do líquido estava em sua
mão.
Que maravilha ele estava alterado pelo álcool, seria uma conversa
incrível!
— O que você queria comigo? — O desânimo ficou evidente na
minha voz.
Ele me encarou e ergueu o copo.
— Enche um para você.
Só podia ser brincadeira.
— Não estou afim.
Um sorriso repuxou os seus lábios.
— Não é como se sua mãe estivesse aqui para repreendê-lo.
Meu pai sabia exatamente o que fazer para me tirar do eixo, já
podia sentir a raiva crescendo dentro de mim.
— O que você quer? — Repetir pausadamente.
— Sua aplicação para Oxford. — Ele apontou para os papéis ao
lado da garrafa. — Especificamente para administração, nas férias da
faculdade você volta para cá e trabalhamos juntos, ensinarei tudo que precisa
saber sobre o colégio.
Por uma fração de segundos, o meu futuro passou pelos meus
olhos. De repente era eu quem estava entornando uma garrafa de whisky e
sendo agressivo com as pessoas.
De modo algum eu queria me tornar ele.
Essa possibilidade acelerou meu coração e a ansiedade tomou
conta de mim. O controle se esvaiu pela minha mão como areia. Me sentia
incapacitado.
— Eu não quero. — A frase escapou pela minha boca, sem que eu
pudesse impedir.
Ele cerrou os olhos.
— O que você disse?
Soltei o ar com força.
— Eu não quero fazer Administração e muito menos tomar conta
desse colégio.
Parecia que um peso tinha saído das minhas costas no momento
em que falei essas palavras.
Meu pai riu sem humor.
— Como se você tivesse escolha.
Me enfurecia ele achar que tinha poder sobre mim, que eu era
somente uma marionete em suas mãos, que ele podia manipular quando
quisesse, e não seu filho.
— Eu vou fazer artes.
Ele me fuzilou com o olhar, virou o restante do whisky e ficou de
pé.
— Está louco se pensa que vou deixá-lo fazer isso.
Passei as mãos pelos meus cabelos os puxando para trás.
— Não precisa deixar, farei mesmo assim.
Era libertador dizer o que eu realmente queria.
— Sou eu quem vou pagar a merda da faculdade, sou eu quem
decido. — Sua voz estava começando a alterar.
— O dinheiro que minha mãe deixou para mim, vai servir para
isso.
Seu rosto ganhou um tom de vermelho e ele rangeu os dentes.
— Filha da puta. — O copo de vidro foi arremessado em minha
direção, me desviei e ele se despedaçou no chão. — Mesmo morta atrapalha
a minha vida.
Fechei com força as minhas mãos em punho e me aproximei
rapidamente dele.
— Não fala dela. — Disse entre dentes.
— É a porra da verdade. — Gritou contra o meu rosto. — Eu tive
você somente para essa função e você vem dizer agora que não quer. Você é
igualzinho a ela, sempre tentando ficar acima das minhas ordens.
Nenhuma palavra ali doeu, porque todas eram verdade, desde que
comecei a falar eu sei que ele não me queria. Foi exclusivamente por conta
da merda desse colégio e a porra do legado de família.
— Eu não me importo com esse colégio, não me importo que você
tenha me tido somente para isso. Eu estou pouco me fodendo. — Cuspi as
palavras.
Seus olhos se arregalaram, a raiva era nítida na escuridão de seus
olhos.
Sua mão direita se levantou e em um gesto rápido um soco foi
deferido perto do meu olho. A dor me atingiu no mesmo instante, me curvei
para frente e um grunhido saiu da minha boca, pressionei minha mão no
local na tentativa de fazê-la passar.
— Você vai fazer o que eu quero. Isso ou faz igual sua mãe e tira a
própria vida. — Ele soltou uma risada que arrepiou cada centímetro do meu
corpo e o ódio me consumiu. — Se ela queria tanto morrer, me avisasse que
eu mesmo teria o prazer de enfiar uma bala na cabeça dela.
A dor passou imediatamente, me ergui novamente, meu coração
estava acelerado e minha visão ficou embaçada. O desejo de machucá-lo me
dominou, não me importava quem ele era. O filho da puta iria engolir cada
palavra.
Ergui meu punho e levei de encontro ao seu rosto, ele cambaleou
para trás surpreso com a atitude. George achou mesmo que eu iria ficar
quieto? Ele que se prepare, que tudo que guardei durante todos esses anos
seria despejado nele agora.
Sem dar tempo para que ele se recuperasse, dei mais dois socos em
seu rosto, deixando o redor do seu olho roxo. Ele se desvencilhou e foi para
perto da mesinha de centro, se inclinou e pegou a garrafa de vidro.
Tropeçando em seus próprios pés veio em minha direção.
Coloquei meu braço na frente e o vidro cortou minha pele, o sangue escorria
por todo o meu braço.
Deferir mais um soco em seu rosto.
— Eu odeio você. Eu odeio ser seu filho.
Agarrei seus ombros e joguei seu corpo em cima da mesinha de
centro. O tampo de vidro se estilhaçou e um grito saiu de sua garganta. Ele
tentou se levantar, mas estava fraco demais, suas mãos estavam trêmulas.
Olhei para ele de cima, com raiva correndo em minhas veias.
— Eu preferia não ter nascido a ter que conviver com você. — Me
abaixei olhando em seus olhos. — Você é o ser mais desprezível que existe
na Terra.
Suas mãos vieram em minha direção tentando puxar minha
camiseta.
Agarrei seu couro cabeludo e bati freneticamente com sua cabeça
no chão, o barulho do seu crânio se chocando contra o piso preenchia o
ambiente junto com seus gemidos angustiantes pedindo para eu parar.
Foda-se o que ele pediu, eu não me importava. George Willians
estava tendo o que merecia.
Sua cabeça ficou desfalecida na minha mão e seu corpo não lutava
mais contra o meu aperto.
Soltei sua cabeça, observei o cenário de horror que se formou
naquela sala. O corpo sem força dele estava envolto de sangue e pedaços de
vidro. Ao lado da sua cabeça, o whisky derramado da garrafa quebrada se
misturava com o líquido vermelho.
Minha respiração estava ofegante, o suor se acumulava em minha
testa.
Será que ele estava morto? O questionamento me trouxe
desespero, por um momento me senti bem com a possibilidade de ele estar
morto, por outro não queria me tornar um assassino.
Agarrei meus cabelos desesperadamente, cutuquei ele com o pé e
o corpo não se mexeu, nenhum grunhido dor. Nada.
Passei as mãos pelo rosto, tentando voltar para a realidade depois
do surto de raiva.
Que merda eu tinha feito?
Precisava pensar com clareza, mas meus pensamentos estavam
embaralhados, não havia nenhuma solução. Precisava de ajuda.
Rapidamente peguei meu celular e apertei no primeiro número que
apareceu na tela.
Alguns minutos se passaram enquanto a ligação chamava, não tirei
os olhos dele com esperança de que ele se mexesse, porém isso não
aconteceu.
— Noah?
A voz sonolenta e doce do outro lado puxou a minha atenção.
— Eu preciso de você.
Charlotte
Fui despertada do meu sono pelo toque estridente do meu celular.
Vicky resmungou algo de sua cama, virou-se para parede e colocou o
travesseiro no rosto tampando os ouvidos.
Passei a mão pelos olhos e encarei a tela acesa, o nome de Noah
preencheu a tela e a confusão me atingiu, já era tarde o que ele queria, meu
primeiro pensamento foi querer ignorá-lo, mas deixando esse pensamento de
lado suspirei e atendi a ligação.
— Noah? — Falei baixo para não incomodar Vicky, era capaz dela
jogar aquele travesseiro na minha cara.
Dava para escutar sua respiração pesada do outro lado da linha.
— Preciso de você. — Seu tom de voz desesperado deixou todos
os meus sentidos em alerta.
— O que aconteceu? — A preocupação tomou conta de mim.
— Vai até a sala do meu pai, lá perto tem uma escada, preciso que
você suba. — Me ordenou rapidamente.
Tinha acabado de acordar e minha cabeça ainda estava tentando
raciocinar, porém aquilo parecia urgente, não sei o que estava acontecendo,
mas Noah necessitava de ajuda e tão forcei a minha cabeça a guarda tudo
que foi dito.
— Estou indo.
Encerrei a ligação, joguei o cobertor para o lado, coloquei um
moletom por cima do pijama que eu vestia e me apressei a sair do quarto.
Vicky nem se mexia em sua cama, acho que tinha voltado a dormir.
Conferi se os corredores estavam vazios e segui para onde ele
tinha me instruído. Não fazia ideia para onde estava indo, foi aí que percebi
o quanto eu já confiava no Noah e o quanto eu estava ligada a ele, mesmo
que eu não quisesse estar rodeado por sua escuridão, parecia que isso não
importava muito agora.
A escada me levou para um corredor mal iluminado, a ansiedade
torcia meu estômago e o medo de não saber o que estava indo de encontro
enviava arrepios pela minha coluna.
A porta de madeira logo a frente estava entreaberta, pensei em
recuar, mas reuni a pouca coragem existente em mim e segui em frente
passando pela porta.
Logo no hall de entrada um quadro enorme me deu as boas-vindas,
era o senhor Willians, Noah quando era criança e o que imaginei ser sua
mãe, tinha alguns traços dela e o cabelo totalmente preto tinha herdado dela.
O barulho de passos no cômodo da frente tirou minha atenção da
fotografia. Então segui em frente, meus olhos se depararam com uma cena
horrenda na espaçosa sala de estar.
O Choque me atingiu, arregalei meus olhos e minha mão foi
diretamente para a boca.
Noah andava de um lado para o outro com as mãos na cabeça, seu
braço estava cortado e escorria sangue, ele tinha um olho arroxeado.
Porém o pior de tudo era o corpo de George Willians estirado no
chão, envolto de sangue e vidro. Ele não se mexia, parecia sem vida e a
probabilidade me causou pânico.
Parei na entrada da sala sem conseguir dar nem mais um passo
para frente. Os olhos escuros de Noah me encontraram. Desespero corria em
seus olhos, que brilhavam com lágrimas não derramadas.
Nem filmes de terror me assustaram como essa cena.
— Ele está morto? — Minha voz saiu abafada.
— Não sei. — A angústia era nítida em sua voz.
Puxei o ar para os meus pulmões e caminhei para perto do senhor
Willians. Não era o sangue ou corpo possivelmente sem vida que me deixava
em pânico, eu seria médica e isso seria recorrente, mas sim o que aconteceu
entre aqueles dois para que chegasse ao ponto de Noah quase matar ou matar
o seu próprio pai.
Me abaixei, observando o corpo de perto, mordi meu lábio inferior
incerta sobre o que fazer, mas Noah tinha me chamado, então eu precisava
ajudá-lo. Ergui dois dedos e pressionei no pescoço de George.
Pude sentir seus batimentos enfraquecidos, movi o dedo para
frente do nariz, confirmando que mesmo fraca sua respiração estava lá.
— Ele está vivo. — Suspirei aliviada.
Noah desabou no sofá e soltou o ar com força.
— Ainda bem.
Me levantei e me aproximei dele, coloquei minha mão no bolso da
sua calça e peguei seu celular.
Com Noah me encarando liguei para emergência, disse que
precisávamos de uma ambulância rápida sem relatar o real acontecido, pedi
para que chegasse em silêncio para não alarmar o colégio, pois todos
estavam dormindo aqui.
Nos mantivemos em silêncio pelos próximos 10 minutos, que foi o
que ambulância demorou para chegar aqui. Levaram o corpo enfraquecido
de George em uma maca e perguntaram se Noah queria acompanhar, mas ele
negou e disse que estaria no hospital pela manhã.
Seus olhos sem vida encaravam o chão sujo de sangue. A minha
vontade era perguntar o que tinha acontecido, mas não sei se ele estaria
pronto para falar sobre isso agora, não poderia forçar a barra.

Nunca havia visto Noah daquela forma desde que o conheci


Me aproximei e analisei de perto os cortes em seu braço.
— Tem algo para fazer um curativo nisso?
Ele concordou com a cabeça e começou a andar, fui atrás dele até
um corredor cheio de portas, Noah entrou em uma das portas de madeira
escura.
Era um quarto, com paredes azul escura, uma cama de casal, um
enorme guarda-roupa branco, uma escrivaninha no mesmo tom de frente
para cama com alguns livros empilhados, ao lado da cama tinha uma
cômoda, havia prateleiras na parede algumas vazias outra com brinquedos
desorganizados.
Parecia um quarto que não estava sendo usado a um bom tempo.
— É meu antigo quarto. De quando eu morava com o meu pai. —
Noah respondeu minha pergunta silenciosa.

Caminhou até a cômoda e tirou de lá uma pequena maleta branca.

Fui até ele e peguei a maleta de suas mãos.

— Senta aí. — Indiquei a cama com a cabeça.

Ele se sentou e eu abri a maleta e a coloquei na superfície da


cômoda.

Me inclinei sobre Noah e puxei para cima a manga curta da sua


camiseta. Analisei seus cortes, parecia que tinha alguns fragmentos de vidro
ainda no local. Peguei um pedaço de gaze.

— Vou tirar os pedaços de vidro que ficaram aqui. — Avisei para


ele.

— Uhum. — Confirmou.

Com a gaze fui puxando delicadamente os pequenos pedaços de


vidro, ele não expressou nenhuma reação de dor.

— Eu falei para ele o que eu realmente queria fazer na faculdade.


— Confessou quase em um sussurro.

Saber que ele se sentia à vontade para falar sobre isso comigo, me
fazia entender que já era tarde demais para fugir, de uma maneira ou outra
estávamos ligados. Para falar a verdade, eu estava cansada de fugir.

— Foi por isso que vocês brigaram? — Questionei ainda


concentrada em seus cortes.

— Foi a gota que transbordou o copo cheio.

Pelo pouco que observei dos dois, parecia que um não suportava a
presença do outro.
— Vocês não se dão bem né?

Noah riu sem humor.

— Nas palavras dele só me teve porque precisa de alguém da


família para tocar o colégio. — Eu sentia a decepção em sua voz.

Desviei meus olhos dos cortes e encarei seu rosto.

— Sempre foi assim?

Ele concordou com a cabeça. As lágrimas não derramadas ainda


estavam nos seus olhos, sua expressão era de cansaço.

— George Willians é um ser desprezível, por causa dele minha


mãe está morta.

Meu corpo entrou em alerta. Seu pai tinha matado a sua mãe?
Pensar nisso quase me deixou sem voz, mas me forcei a perguntar, porque
Noah estava disposto a desabafar comigo, portanto eu estaria ali para escutá-
lo.

— O que aconteceu? — Minha voz saiu baixa.

Noah desviou o olhar encarando a parede atrás de mim, sua mão


penteou seus cabelos para trás. Pensei em voltar atrás e dizer que não
precisava me contar, pois estava claro que aquilo era algo que o perturbava,
mas ele começou a falar.

— Ela se suicidou, tomou algumas cartelas de remédio e eu


encontrei seu corpo no último quarto deste corredor. — Ele puxou ar para os
pulmões com força. — Ela se matou porque já não aguentava mais viver a
vida que meu pai a submeteu.

Uma dor se instalou em meu peito, pensar que uma criança achou
o corpo sem vida de sua mãe na própria casa e saber todos os horrores que
aconteciam com aquela família, tudo por causa de um homem.
Levei minha mão em seu rosto, seus olhos me encararam
novamente, acariciei sua bochecha com o polegar.

— Sinto muito que tudo isso tenha acontecido. Sinto mais por ter
passado por isso sozinho quando ainda era uma criança.

Agora eu entendia perfeitamente o que tinha acontecido ali, quase


quis que o senhor Willians tivesse morto, porém isso transformaria Noah em
um assassino e ele não merecia isso.

Noah piscou repetidas vezes afastando as lágrimas, abaixou o


olhar e eu soube que ele não queria mais falar sobre aquilo.

Tirei minha mão de seu rosto e me virei para pegar uma gaze
limpa, a molhei com álcool.

— Isso pode doer. — Alertei a ele.

— Como se você não fosse gostar de me causar dor.

O brilho divertido estava voltando ao seu olhar, fiquei feliz ao


perceber que ele lutava contra escuridão que o preguiça.

— Talvez eu goste. — Abrir um sorriso.

Cuidadosamente passei a gaze úmida em seus cortes, suas mãos


agarraram a borda da cama e ele soltou um gemido de dor. Me apressei para
que aquilo não doesse mais.

Depois de limpar todo o local, cortei um pedaço de esparadrapo e


cobri os cortes.

— Pronto, acho que isso vai servir. — Analisei o curativo que eu


tinha feito.

— Obrigado, não deveria ter metido você nessa confusão toda. —


Noah soltou um suspiro. — Foi o primeiro número que vim, então só liguei.
Fiquei feliz em ajudá-lo, o desespero que vi hoje em seu rosto era
angustiante, não poderia ter deixado passar por isso sozinho. Ele já aguentou
muita coisa sozinho.

— Sem problemas, gostei de poder ajudar.

Voltei meus olhos para o seu rosto e o hematoma em volta de seus


olhos parecia ter ficado mais feio.

Apoiei meu joelho na cama ao lado da sua perna e me inclinei para


ver de perto o machucado em seu rosto. Levei minha mão ao seu queixo e
levantei o seu rosto.

— Está doendo?

— Um pouco.

Ele precisava cuidar daquilo, senão ficaria pior.

— Precisa colocar gelo.

Noah ficou em silêncio.

Tirei os olhos do machucado e o encarei percebendo o quão


próximo estávamos, minha boca entreaberta estava pairando sobre a dele,
seus olhos escuros me encaravam de volta.

— Quando está concentrada sua pupila dilata deixando apenas


uma fina camada do azul e sua boca rosada fica entreaberta de uma forma
linda. —Sua voz rouca sussurrou perto do meu rosto.

Seu comentário me deixou totalmente atordoada. Ele deve ter me


observado há um bom tempo para perceber isso.

Engoli em seco, incapaz de dizer alguma coisa ou de me mexer.

Seus dedos correram pela perna que eu estava apoiando na cama,


arrepiando cada centímetro do meu corpo apenas com o seu toque.
— Mas nada compara a expressão que fica em seu rosto depois
que eu te faço gozar.

Sua mão envolveu minha coxa e apertou.

A imagem de sua boca na minha vagina dominou os meus


pensamentos. Eu queria sentir aquela energia elétrica passando por todo o
meu corpo novamente.

Impulsivamente colei nossos lábios. Noah arfou de surpresa, mas


logo puxou meu quadril me fazendo sentar-se em seu colo. Segurei seu
pescoço, pressionei meu peito no seu e senti cada vez mais o meu desejo
aumentar.

Ele separou nossas bocas por alguns segundos e arrancou o


moletom que eu estava vestida, me deixando apenas de pijama.

Sua boca desceu para o meu colo, onde o tecido fino da blusa
deixava à mostra os meus mamilos endurecidos. Ele abaixou a alça fina e
colocou meu peito para fora do tecido, sua língua circulou meu mamilo.

Minha respiração estava ofegante. Seus dentes agarraram meu


mamilo causando uma pequena dor, um gritinho saiu da minha boca, porém
a dor logo virou prazer e eu pude sentir minha calcinha ficando encharcada.

Coloquei minhas mãos em seu ombro e rebolei em cima do


volume que crescia em sua calça, seu grunhido encheu o quarto.

Noah subiu sua boca para a minha e sugou meu lábio inferior.
Levei minhas mãos até a barra da sua camiseta e a puxei para cima com seu
auxílio. Passei minhas unhas pelo seu peito nu e seus dentes agarraram meu
lábio com força, pude sentir o sangue saindo.

Ele me beijou e o gosto de sangue se misturou em nossas bocas.

Sentindo a excitação me dominar, rebolei com mais força contra


ele, suas mãos agarraram meu quadril e me ajudaram nos movimentos. Gemi
contra a sua boca.
Os nossos corpos estavam entrando em combustão, todo o
ambiente parecia pegar fogo. Eu gemia buscando um alívio que somente
Noah poderia me dar.

Suas mãos ágeis tiraram minha blusa.

Ele se levantou comigo em seu colo, me colocou na cama de


costas, arrancou meu short e deitou seu corpo sobre o meu, pressionando seu
pau bem no meio das minhas pernas. Suas mãos agarravam minhas coxas
com força.

Sua boca foi até o meu ouvido.

— Esses sons são músicas para os meus ouvidos. — Seus dentes


puxaram o lóbulo da minha orelha. — Estou viciado neles, anjo.

Arqueei meu corpo de encontro ao seu.

— Noah.

— O que você quer anjo?

— Eu quero... — Puxei a respiração. — Você dentro de mim.

Noah rugiu.

— Com certeza eu também quero isso.

Ele me beijou de um jeito selvagem e necessitado.

E quando eu menos esperava, Noah virou meu corpo de uma vez


só me colocando de barriga para baixo. Suas mãos puxaram meu quadril
para cima.

Ele puxou com força minha calcinha, senti o elástico ceder, até
brigaria com ele por ter rasgado, mas não estava em condições para aquilo.
Na verdade, era o que menos importava no momento.
Sentir seus dedos abrindo minhas dobras, me deixando totalmente
exposta.

Sua língua percorreu toda a extensão da minha vagina se


demorando no clitóris, soltei um gemido longo e necessitado e senti sua
risada maliciosa contra a minha pele.

Sua boca me chupou com vontade, mas antes que eu chegasse ao


ápice ele se afastou.

Olhei sobre o meu ombro e o vi se livrando da sua calça, mas antes


tirou do bolso de sua calça uma embalagem laminada, era uma camisinha,
não sei porque ele tinha aquilo no bolso, porém não iria reclamar.

Noah abriu a embalagem e desceu o preservativo por toda a


extensão do seu membro, acompanhei seus movimentos com os meus olhos
e pude sentir minha excitação crescendo.

Seus olhos escuros se levantaram para me encarar por baixo dos


cílios

— Segura na cabeceira da cama, anjo. — Ele soltou uma


respiração pesada.

Fiz o que me foi mandado e agarrei as colunas de ferro da


cabeceira.

Senti a cabeça do seu pau posicionada na minha entrada e a


ansiedade se instalou em mim, quando seu membro me preencheu
lentamente um gemido escapou de mim.

Suas mãos agarraram meu quadril e seus movimentos de vai e vem


começaram devagar. Mordi com força meu lábio quando os movimentos
ficaram mais rápidos.

Me segurei com força na cabeceira da cama e suas estocadas iam


mais fundo. Pude sentir minha vagina se apertando em volta do seu membro.
Sua mão puxou meu cabelo inclinando minha cabeça para trás.

— Você é tão apertada, anjo. — Sua respiração estava


entrecortada. — Ninguém mais pode sentir isso.

Seu tom era possessivo e por algum motivo isso fez minha
excitação crescer.

Ele se inclinou sobre mim, seu peito tocando minhas costas.

— Ninguém mais vai tocar a mão nesse corpo. Só eu.

Gemi alto.

— Você entendeu, anjo? — Sua mão puxou meu cabelo.

— Sim. — Concordei entre os gemidos.

Suas entocadas estavam cada vez mais rápido, uma sensação


atingiu meu baixo ventre e eu soube que estava prestes a explodir.

Os nós dos meus dedos estavam brancos de tanta força que eu


apertava a cabeceira da cama.

O barulho de nossos corpos se chocando preencheu o ambiente


junto com os nossos gemidos.

Meus olhos se reviraram, uma corrente elétrica correu por todo o


meu corpo e um gemido alto saiu da minha boca. Pude jurar que fogo de
artifícios acabaram de explodir.

Noah tinha me feito gozar novamente e parecia que cada vez era
melhor que a anterior.

Sua mão se apoiou em meu ombro e com estocadas fundas e


rápidas seu corpo também chegou ao orgasmo, ele soltou um gemido rouco.
Meu aperto ficou fraco e minha mão soltou a cabeceira da cama.
Seu pau saiu de dentro de mim e meu corpo caiu na cama.

Ele se afastou por um momento e escutei quando tirou a


camisinha, demorou alguns segundos e ele estava de volta, acredito que
tinha ido jogar fora.

O corpo de Noah se inclinou por cima do meu e sua boca deixou


uma trilha de beijos pela minha coluna e seus dedos acariciavam meu braço.

Fiquei quieta esperando a minha respiração ofegante se


regularizar.

— Por que as mãos de Yuri estavam em você? — Questionou com


a boca ainda na minha pele. — Eu odiei ver aquilo.

Ouvi-lo admitir isso fez meu coração acelerar. A ideia de que ele
se incomodava com outro garoto me tocando despertava emoções em mim
que eu não era capaz de entender.

Porém aproveitei o momento para provocá-lo.

— Está com ciúmes, Noah? — Soltei uma risada fraca.

Ele virou meu corpo, subiu em cima de mim e prendeu minhas


coxas com a sua perna, me obrigando a ficar de frente para ele e encará-lo.

— Estou falando sério. — Me olhou com os olhos cerrados. — Por


que ele te tocou?

Deixei de lado a provocação e falei sério.

— Fiquei tonta no corredor e ele me ajudou a não cair.

— Só isso? — Seu rosto se aproximou de mim.

Concordei com a cabeça.


Noah me beijou suavemente, enfiei meus dedos entre os fios
escuros do seu cabelo e o beijo se tornou algo necessitado.

Sentir seu pau ficando duro novamente e cutucando minha barriga.


Meu centro estava molhado.

Eu queria mais.

Empurrei seu corpo para trás e inverti nossas posições, montando


em seu corpo.

Desci minha boca para o seu pescoço e mordi sua pele. Um


gemido baixo escapou de seus lábios.

— Você tem mais uma camisinha? — Minha pergunta saiu


abafada.

Noah soltou um riso rouco.

— Parece que você é insaciável, anjo. — Seus dedos correram


pelo meu cabelo. — No bolço da calça tem mais uma.

Sem pensar muito, me afastei e fui atrás do preservativo.

Montei em seu corpo novamente, abri a embalagem e peguei o seu


membro. Os olhos de Noah estavam vidrados em mim e sua respiração
estava ofegante.

Quando deslizei o preservativo pela sua extensão ele soltou um


gemido necessitado. Posicionei seu membro na minha entrada, desci devagar
me preenchendo com ele.

Apoiei minhas mãos em seu peito, cavalguei Noah até meus


joelhos fraquejarem e eu visitar o paraíso pela segunda vez naquela noite.
Charlotte
A neve finalmente tinha chegado, o vidro da janela estava
totalmente branco e ela batia contra a janela causando um barulho baixo.
Tinha acontecido tanta coisa na noite passada que era impossível
prestar atenção no que a professora de inglês dizia, minha cabeça estava uma
confusão total.
Assim que entrei na sala Yuri perguntou se eu tinha melhorado,
falei que sim e ele se contentou com isso.
Não tinha visto Noah durante a manhã, pois ele tinha ido ver o pai
no hospital. Para todos do colégio, o senhor Willians tinha caído em cima de
sua mesinha de centro e estava se cuidando no hospital. O vice-diretor estava
no comando.
Os únicos que sabiam da verdade, era eu, Noah, Vicky e Oliver.
Noah tinha dito para eu contar a eles sobre tudo que tinha
acontecido.
Esperava que ele estivesse de volta para o almoço, meu corpo
estava tomado por ansiedade para vê-lo. Mesmo que meus pensamentos
estivessem todos confusos, meu corpo queria ficar perto de Noah. Depois da
sua demonstração de ciúmes me fez pensar que ele quer o mesmo.
Quando o sinal avisou o fim da aula fui uma das primeiras a sair
em direção ao refeitório.
O local ainda tinha poucos alunos, peguei um prato e fui me servir.
Coloquei uma pequena quantidade de salada, meus olhos se focaram na
bandeja de bife e na bandeja de batata frita ao seu lado.
O bife parecia muito bom e faz muito tempo que não como batata
frita, mas pensar no tanto de gordura e caloria que tinha ali me fazia querer
desistir dos dois, mesmo querendo muito.
Alguém se aproximou e colocou a mão na minha frente pegando
um bife e colocando diretamente no meu prato.
Levantei os olhos pronta para reclamar, porém era Noah ao meu
lado, antes que eu pudesse falar algo ele disse.
— Você vai comer.
Pegou uma pequena quantidade de batata frita e pôs no meu prato.
Abri a boca para protestar, porém ele foi mais rápido.
— Não tem escolha e batata frita é muito boa.
Ergui minha sobrancelha e retruquei.
— Eu vou comer se eu quiser. — Falei como uma criança mimada.
Noah revirou os olhos como se aquela discussão estivesse o
entediando.
Bufei irritada com ele e segui meu caminho, passei direto pelas
sobremesas e as bebidas. Me sentei na mesa perto da porta de vidro, que hoje
se encontrava fechada por conta do frio e da neve.
Não demorou muito para Noah sentar-se ao meu lado com o seu
prato.
Mexi com o garfo a comida em meu prato e levei apenas uma
folha de alface para a boca. Os olhos de Noah me encararam.
— Vai me obrigar a te dar comida na boca?
Ele não era louco, o refeitório estava lotado, não me faria passar
por uma vergonha dessas.
— Nem tente fazer isso. — Cerrei os olhos.
— Então coma a comida toda.
Encarei as batatas fritas do meu prato, pareciam crocantes e
gostosas, fazia algum tempo que eu não comia aquele tipo de gordura, senti
minha boca salivar.
Porém pensar no que aquilo causaria no meu corpo depois me
fazia entrar em desespero. Mexi nervosamente minhas mãos que estavam em
cima da mesa.
Noah suspirou ao meu lado.
— Por mais que eu queira, não posso te obrigar a comer. — Ele
colocou sua mão em meu queixo e virou minha cabeça para olhá-lo. — O
que quero que entenda, é que não há nada de errado com o seu corpo. Talvez
devesse ir ver a terapeuta do colégio.
Ele me encarava de uma forma preocupada.
Eu não deveria fazê-lo se sentir preocupado ou coisa parecida,
Noah tinha passado por muita coisa com o pai, não deveria estar o
perturbado com as minhas merdas.
Uma angústia inesperada se instalou em meu peito e senti lágrimas
se acumulando em meus olhos.
— Estou bem. — Pisquei algumas vezes impedindo as lágrimas de
cair. — Está tudo bem.
Noah franziu a testa e passou seu polegar pela minha bochecha.
— Não está nada bem.
Fechei os olhos incapaz de encarar seus olhos escuros. Por mais
que eu quisesse negar, sei que tinha me enfiado no buraco novamente e a
qualquer momento poderia parar no hospital, como já aconteceu.
— Por favor, sei que vai ser difícil, mas não consigo deixá-la se
machucar assim.
Eu estava perdida, a minha imagem no espelho não saia da minha
cabeça e o fato disso acontecer repetidamente, era um indício de que eu
precisava de ajuda.
Aquela confirmação me trouxe ansiedade.
Abri os olhos e uma única lágrima rolou pelo meu rosto, Noah
limpou com o seu dedo.
Balancei a cabeça concordando.
— Vou procurar a terapeuta.
Um sorriso repuxou os seus lábios, nada pareceu importar mais, eu
faria qualquer coisa para mantê-lo sorrindo, mesmo que isso significasse
uma hora de terapia encarando meus demônios.
— Adoro quando é corajosa.
Noah selou nossos lábios rapidamente, sem dar tempo para que eu
pudesse aproveitar o beijo, infelizmente ainda estávamos no refeitório, não
podíamos correr o risco de sermos pegos por algum inspetor.
Me recompus e voltei minha atenção para o meu prato.
Afastei as batatas, aceitei ir para a terapia esse era o maior passo
que eu tinha dado, mas não significava que iria começar a comer batatas
fritas de uma hora para outra.
Comecei a comer o bife e a salada.
— Como foi no hospital? — Perguntei a Noah.
Ele soltou o ar e respondeu.
— Estranho.
— Seu pai está bem?
Noah me olhou e pensou por alguns segundos antes de responder.
— Eu não entrei no quarto dele. — Admitiu. — Não sei como vou
encará-lo. Passei a hora da visita inteira na sala de espera encarando as
paredes brancas.
Saber que ele se sentia confortável em admitir aquilo para mim,
me fazia querer não sair mais de perto dele.
— Ele está no melhor hospital de Durham, está bem cuidado. —
Falei na intenção de reconfortar seu coração. — As pessoas esperam que
você faça isso, não significa que tem que fazer.
A expressão de culpa deixou seu rosto.
Era o seu pai, porém as coisas que submeteu a ele e a sua mãe, não
merecia ser chamado assim. Um pai é uma figura de proteção que
idealizamos como super-herói, não alguém que induz sofrimento e dor.
É uma situação complicada, mas Noah não deve nada àquele
homem.
Noah
A água quente relaxava cada músculo tenso do meu corpo, o vapor
do chuveiro cobria cada centímetro do banheiro.
O hospital havia me ligado para avisar que amanhã à tarde meu pai
estaria de volta em sua casa, não poderia voltar a trabalhar normalmente, iria
ficar alguns dias de repouso. Não tinha o encarado desde aquela noite, me
mantive informado sobre o seu estado de saúde, mas não quis olhar em sua
cara.
Preferia que isso não acontecesse, porém era impossível, uma hora
ou outra teríamos que nos ver, só esperava manter o controle independente
do que ele falasse.
Desliguei o chuveiro, me sequei e prendi a toalha na cintura.
Quando abri a porta do banheiro identifiquei Charlotte sentada na
minha cama. Meu caderno de desenho estava em suas mãos, aberto e seus
olhos corriam por ele com curiosidade.
Me aproximei dela.
— O que está fazendo aqui?
Respondeu sem tirar os olhos das páginas do caderno.
— Tem muitas eu aqui. — Um sorriso se abriu em seu rosto.
Tirei o caderno de sua mão e o fechei.
Ela resmungou em protesto.
— Isso é invasão de privacidade.
Charlotte deu de ombro.
— Não é, se sou eu que estou desenhada.
É claro que jogaria aquilo na minha cara, mas não posso fazer
nada. Na última semana só consegui desenhá-la, tentei diversas vezes outros
desenhos, mas quando dava por mim já estava deslizando o lápis e formando
aqueles lábios rosados ou os olhos arredondados incrivelmente azuis.
Logo após a nossa noite não me contive e desenhei seu corpo nu,
enchia minha cabeça de lembranças incríveis quando encarava aqueles
desenhos.
Charlotte se levantou da cama e me encarou.
— Tem um em específico que você foi extremamente detalhista.
— Sua voz saiu baixa.
— Está pensando em ser minha Rose? Posso desenhá-la nua
quantas vezes quiser. — Joguei o caderno na cama e dei o passo que faltava
para nossos corpos se encostarem. — É claro que vou precisar ver seu corpo
nu mais vezes.
As bochechas de Charlotte ganharam o tom de vermelho que eu
adorava, seu olhar envergonhado abaixou.
— Você é de longe mais safado que o Jake.
Um sorriso malicioso se abriu em meu rosto com ela
complementando minha citação a Titanic.
— Ainda bem que você sabe, anjo.
Agarrei o seu rosto e o puxei para mim, colando nossos lábios,
Charlotte suspirou dentro da minha boca e eu suguei seu lábio inferior. Suas
mãos apertaram o meu braço.
Pressionei meu corpo contra o dela, meu pau já cutucava o tecido
da toalha ansioso para ser liberto, só de pensar em entrar em sua boceta
apertada novamente me fazia rugir.
Beijei a pele do seu pescoço com urgência, um som baixo escapou
por seus lábios se misturando a sua respiração acelerada, arranhei seu
pescoço com os meus dentes.
Charlotte pressionou suas unhas em meu braço quando seus
joelhos fraquejaram. Desci minha mão até a sua bunda e apertei com força o
local.
O barulho da porta abrindo me desconcentrou.
— Se comportem, crianças. — A voz de Vicky preencheu o
quarto. — Vai colocar uma roupa Noah.
Charlotte se afastou rapidamente de mim e passou as mãos pelos
cabelos ajeitando os fios loiros.
— Péssima hora para interromper, Vicky. — Me virei para encará-
la.
Ela tinha um sorriso malicioso enorme no rosto e atrás dela Oliver
segurava a risada.
— Imagino o quanto. — Disse Oliver olhando entre mim e
Charlotte.
Charlotte permanecia com o seu olhar baixo e o rosto vermelho.
Ela era tão linda quando estava envergonhada.
Vicky se jogou na cama do Oliver.
— Estou no tédio.
— Sai dessa, não vai rolar suruba hoje Vicky. — Forcei meu rosto
a manter a expressão séria.
Charlotte levantou os olhos arregalados com a audácia do meu
comentário.
Oliver explodiu em risada e sentou-se ao lado da Vicky.
Vicky me olhou com desdém.
— Nem em seus sonhos, Noah. — Ela virou o olhar para
Charlotte. — Mas se Charlotte quiser eu posso repensar.
Charlotte pressionou os lábios em linha fina, sem saber o que
dizer.
Pensar nas mãos de Vicky no corpo de Charlotte me deixava
quente. Com certeza esses pensamentos não iriam embora com tanta
facilidade.
— Não posso negar que seria uma imagem linda. — Admiti.
Charlotte me deu um leve empurrão com sua mão minúscula.
— Vai colocar uma roupa Noah. Aliás, acho que Amélia
concordaria mais com isso. — Um sorriso repuxou seus lábios.
Vicky franziu o nariz e fez uma expressão de nojo.
Dei uma risada fraca e segui para o meu guarda-roupa.
Peguei uma cueca, uma calça e uma blusa de manga longa e fui até
o banheiro me trocar. O box ainda estava coberto de vapor.
Coloquei minha roupa e voltei para o quarto.
Os três estavam sentados no chão entre as duas camas, tinham no
meio um tabuleiro de Monopoly e ao lado uma garrafa de tequila, que era
guardada secretamente no guarda-roupa de Oliver.
Me sentei ao lado de Charlotte e de frente para Vicky.
— A regra é a seguinte. — Oliver pegou a garrafa de tequila. —
Gastou o dinheiro, bebe um gole da tequila.
Posicionei meu boneco e joguei os dados. Comprando a primeira
propriedade que parei.
— Acho que vou ficar pobre hoje. — Disse pegando a garrafa das
mãos de Oliver e virando um longo gole.
Vicky soltou uma risada.
— Isso vai ser bom.
O jogo seguiu entre goles, dados e risadas, sempre nos controlando
no barulho, não queríamos nenhum inspetor batendo na porta e acabando
com nossa diversão. Meu pai estava no hospital, mas o vice-diretor também
era um saco.
Charlotte ganhou o jogo, sendo a única que permaneceu com
dinheiro e um pouco mais sóbria do que nós.
Oliver foi o que mais perdeu dinheiro, consequentemente foi o que
mais bebeu. Estava tonto e se deitou na sua cama de barriga para cima
encarando o teto, enquanto Vicky pairava por cima dele, tentando segurar a
risada e ajudá-lo.
Me deitei na minha cama com Charlotte ao meu lado.
— Nunca imaginei que jogar Monopoly seria tão divertido. — Ela
tinha um sorriso no rosto.
— Aposto que amanhã não vai ser tão divertido para Oliver
encarar a ressaca.
— Com certeza vai ser horrível. — Charlotte riu.
Encarei seus olhos e puxei seu corpo para perto do meu. Era
impossível ficar com as mãos longe dela.
— Você foi na primeira sessão com a terapeuta? — Perguntei
baixo para que só ela escutasse.
Estava feliz em vê-la querendo enfrentar seu problema, odiava ver
como a comida era um pesadelo para ela. Eu a queria bem e faria de tudo
para isso acontecer.
Ela concordou com a cabeça.
— Foi estranho.
Conversar com alguém que você não conhece sobre coisas que
você não quer falar é horrível, eu sabia disso.
— Quando encontrei minha mãe daquele jeito, tinha apenas dez
anos, então fui obrigado a passar na terapia. — Seus olhos ficaram atentos
em mim. — No começo foi a pior coisa que eu já fiz, odiava falar o que
tinha acontecido, era horrível lembrar o motivo que me levou até lá. Porém
depois a terapeuta entendeu que eu não queria falar sobre aquilo e
conversávamos sobre outras coisas, mas sem deixar de me ajudar.
Charlotte soltou um suspiro.
— Nunca quis admitir que eu não estava no controle dessa
situação, me recusei a falar com a orientadora do antigo colégio. — Ela fez
uma pausa. — Estou tentando, mas as vezes é difícil.
Aproximei nossos rostos e acariciei sua bochecha.
— Não vai ser fácil, porém é necessário.
Charlotte umedeceu seus lábios com a língua, passei meu polegar
por eles, sentindo a maciez.
Antes que eu pudesse encostar nossas bocas, um gemido abafado
reverberou pelo quarto. Charlotte franziu a testa confusa.
Ela virou a cabeça para ver o que estava acontecendo, segui seu
olhar até a cama de Oliver, onde Vicky estava montada nele o beijando com
força.
Charlotte arquejou com a surpresa.
— Eles são rápidos. — Sussurrei perto do seu ouvido.
Ela mordeu o lábio inferior e eu desejei sentir seu gosto.
Pude ver a curiosidade passando por seus olhos.
Então Charlotte virou seu corpo totalmente, ficando de costas para
mim, para encarar os dois.
Vicky fechou as mãos em volta da camiseta de Oliver se
segurando. Ela começou a rebolar em cima dele sem se importar com quem
estava vendo.
Os olhos de Charlotte estavam vidrados.
Passei meu dedo pela extensão do seu braço causando arrepios em
sua pele.
Oliver desceu a blusa de Vicky e seus peitos saíram para fora, ele
rapidamente pegou um dos mamilos com a boca enquanto apertava sua mão
em volta do outro.
Colei meu peito nas costas de Charlotte.
— Gosta do que vê? — Sussurrei em seu ouvido.
Desci minha mão até a barra da sua blusa, a levantei um pouco
deixando sua barriga de fora, apertei sua cintura e corri meus dedos pela pele
macia da sua barriga.
Charlotte me respondeu com sua respiração ficando pesada.
Vicky soltou um gritinho quando Oliver agarrou seu mamilo com
os dentes.
Aproximei meu nariz do seu pescoço inalando o seu cheiro
delicioso, deixei um beijo no local e corri minha língua por toda extensão do
seu pescoço.
Vicky começou a rebolar com mais força e Oliver soltou um
guincho que foi abafado pelos peitos dela.
Deslizei minha mão até entrar na calça de Charlotte, passei meu
dedo pela sua boceta que estava molhada.
— Então isso te excita.
Mordi a pele do seu pescoço, ela arfou e colocou a sua perna em
cima da minha, ficando totalmente aberta para mim.
Se ela precisava de mim para gozar, então era isso que eu faria.
Circulei meu dedo ao redor de seu clitóris e um gemido escapou de
sua boca.
Vicky inclinou a cabeça para trás e prendeu a mão no pescoço de
Oliver. Ele segurou seu quadril e a ajudou a se movimentar com rapidez, ela
soltou um longo gemido.
Penetrei um dedo em Charlotte e comecei o movimento de vai e
vem, sentindo ela ficar cada vez mais molhada. Encostei em sua bunda o
enorme volume que minha calça cobria e ela se inclinou para trás.
Rocei meu pau em sua bunda, gemi com a sensação do atrito.
Enfiei outro dedo em sua boceta e a senti se fechar em volta deles.
Os gemidos de Vicky e Charlotte se misturaram no quarto.
Meu polegar acariciou seu clitóris e continuei a masturbando, sua
bunda começou a se movimentar contra o meu pau.
Meus dedos deslizavam para dentro e para fora com facilidade, ela
estava tão molhada. A sua excitação irradiava por todo o quarto.
Suas mãos agarraram o meu pulso e suas unhas se apertaram sobre
a minha pele, impedindo minha mão de sair de sua calça. Porém eu jamais
faria isso, queria vê-la gozar e saber que fui eu quem fiz ela chegar ao
clímax.
Estava viciado na sua boceta.
Charlotte abriu a boca e fechou os olhos.
— Goza para mim, anjo.
Charlotte soltou um gemido lento e gozou na minha mão.
Puta que pariu a imagem dela gozando era a perfeição, eu não me
cansaria disso nunca. Pelo contrário eu queria mais, muito mais.
Tirei meus dedos de dentro dela e os levei até a minha boca,
sentindo seu gosto delicioso, seus olhos azuis estavam atentos em mim.
Afastando os dedos da minha boca, os enfiei na dela.
— Sente seu próprio gosto anjo.
Ela sugou com vontade, parecia que minha calça tinha se apertado
mais sobre o meu pau.
Logo ouvimos Vicky gozar.
Mas eu não conseguia tirar os olhos de Charlotte.
Eu estava completamente de quatro por ela. Aposto que se
mandasse eu latir, eu faria de bom grado.
Charlotte
Assim que entrei na sala de matemática, os olhos de Amélia se
fixaram em mim. Aposto que a curiosidade estava rodeando a sua cabeça,
ela queria saber o que estava acontecendo entre mim e Vicky.
Pelo menos não tive que lidar mais com a inconveniência dela.
Apesar que se ela quisesse falar para escola toda que Noah Willians me fazia
gozar maravilhosamente, eu não me importava, quem sabe assim nenhuma
garota mais se aproximaria dele.
Só de pensar em Eliza ou qualquer outra querendo se aproximar
dele, fazia meu sangue esquentar.
Não queria que aqueles dedos fizessem mais ninguém gozar,
somente a mim.
Ótimo agora sou possessiva.
Meu celular vibrou ao lado do livro de matemática, avisando que
havia chegado uma mensagem. Conferi se o professor estava olhando e
peguei o celular.
Era uma mensagem da Vicky.
“O que acha de moda?”
Não entendi o que ela queria saber com aquela pergunta.
“Não entendo nada sobre moda”
Não demorou muito e sua resposta veio.
“Estava dando uma olhada nos panfletos que pegamos da
faculdade de Oxford. Estava pensando que talvez moda seja uma boa
opção”
Sorrir com o fato de ter a encorajado a seguir um caminho que
queria, existia milhares de possibilidades para todos nós quando saíssemos
desse colégio. Essa era uma das vantagens em estudar em um dos melhores
colégio da Inglaterra.
“Seria perfeito para você”
Se Vicky tomasse essa decisão sei que teria que enfrentar seus
pais, pelo o que me contou os dois eram advogados e queria que ela seguisse
no mesmo caminho. Se fosse como o senhor Willians, sei que não era um
simples querer, eles impunham isso a ela.
“O primeiro passo está feito, agora preciso enfrentar uma batalha
com os meus pais e enviar minha aplicação para Oxford”
Levantei meus olhos para verificar se o professor continuava
sentado em sua mesa com a atenção voltada para o livro, quando tive a
certeza, digitei a resposta para Vicky.
“Você consegue”
Ela respondeu com um emoji de coração.
Larguei o celular de lado e voltei a minha atenção para
matemática, por mais que estivéssemos nos preocupando com a faculdade,
ainda precisávamos formar no ensino médio.
As duas aulas seguidas de matemática passaram depressa, anotei
as equações que devíamos trazer resolvidas na próxima aula e juntei minhas
coisas para poder sair da aula.
Estava chegando na porta da sala quando um corpo entrou no meu
caminho.
Foquei meus olhos no rosto e Amélia me encarava com uma
expressão nada boa.
— O que está acontecendo entre você e a Vicky? — Ela foi direta.
Um sorriso repuxou o canto dos meus lábios.
— Por que quer saber? — Ergui uma das minhas sobrancelhas.
Grace estava encostada em uma mesa, ao lado de Amélia e seu
olhar se alternava entre nós duas.
— Porque sim. — Ela cruzou os braços na frente do corpo. —
Charlotte você foi completamente falsa em relação a nossa amizade.
Uma risada sem humor saiu da minha boca.
— Eu? — Apontei para o meu próprio peito. — Na primeira
oportunidade que teve você me virou as costas e logo depois saiu espalhando
fofoca sobre mim para o colégio todo.
Amélia jogou para trás uma mecha de cabelo que estava em seu
ombro.
— Tudo que sei é que eu te avisei sobre Vicky, mas parece muito
burra para entender.
Pude ver Grace abrindo a boca em choque com o comentário da
amiga.
Se ela quiser ir por esse lado, então eu também sei jogar sujo.
— Que bom que não fiquei longe da Vicky, porque ela beija muito
bem. — Abri um sorriso. — Você não imagina o que as mãos dela podem
fazer.
Seus olhos me fuzilaram.
— Você é uma vadia — Exclamou entre dentes.
Meu sorriso aumentou.

— Não quero tirar ninguém do armário. Mas deveria pegar leve na


obsessão, ela não quer nada com você.

Seus olhos se arregalaram, não esperei ela dizer mais nada, desviei
do seu corpo e segui para a porta, saí da sala e a deixei lá.

Assisti a última aula antes do almoço.

No refeitório tive o prazer de contar sobre a minha conversa com


Amélia para Vicky. Ela riu tanto que lágrimas se acumularam nos seus olhos
caramelos.

Noah não deu as caras na hora do almoço, achei estranho já que


ele estava em na missão de me fazer comer. Quando questionei Oliver sobre
Noah, Oliver disse que ele não havia aparecido na aula que eles tinham
juntos.

Lembrei que hoje era o dia em que o senhor Willians voltava do


hospital. O sentimento de preocupação me atingiu. Noah com certeza não
estava bem.
Segui para as últimas aulas, porém ele também não apareceu na
aula de biologia, tentei me concentrar o máximo que consegui, mas assim
que o último sinal tocou fui correndo para o meu armário.

Joguei minhas coisas no armário sem me preocupar em arrumar,


segui para as portas do fundo do refeitório, certifiquei que ninguém me via
saindo, principalmente um inspetor.

Me abracei para me proteger do frio que fazia aqui fora, os pelos


da minha perna se arrepiaram, nada protegidos pela saia do uniforme. O
gramado branco por conta da neve, quase não existiam folhas nas árvores, o
canto dos pássaros já não era mais possível escutar e no final do horizonte
não era possível ver o sol se pondo por conta do céu nublado.

Segui de pressa por entre as árvores, até avistar os vagões


abandonados, me aproximei da porta.

Noah estava sentado no chão, suas costas encostadas na parede


enferrujada, seu cabelo caía sobre os olhos que estavam focados em seu
caderno de desenho, onde o lápis corria com agilidade.

Ele parecia concentrado.

Entrei no vagão.

— Está desenhando o que? — Minha voz ecoou pelo silêncio.

Noah levou um susto e ergueu seus olhos até mim.

— Não apareceu nas aulas. Não tinha ninguém para me forçar a


comer na hora do almoço.

— Não estava a fim. — Soltou um suspiro cansado.

Cheguei perto dele e me sentei em sua frente.

— Dá aula ou do seu pai? — Perguntei o encarando.


Ele soltou o lápis no chão.

— Ainda não consigo encará-lo. — Confessou.

— Você tem o direito. — Dei de ombros.

— Mesmo assim, não consigo parar de me sentir culpado.

Mudei meu olhar para o caderno, em seu colo.

— Posso ver? — Estendi a mão para o caderno.

Ele pareceu pensar um pouco, mas entregou o caderno em minhas


mãos.

Me assustei por um momento encarando a folha que ele estava


desenhando. Era o corpo de seu pai deitado na poça de sangue e rodeado de
vidro, porém a pessoa olhando o corpo de cima não era Noah, e sim uma
mulher.

Passei meus dedos suavemente pelo desenho.

— É a sua mãe?

— Sim. — Respondeu em um sussurro.

Amava como ele se expressava através de seus desenhos.

Voltei uma página do caderno, ele tinha ficado aqui o dia todo,
deve ter desenhado mais coisas.

Estava certa, a outra página também tinha um desenho novo.

Encarei a mim mesma na folha amarelada, Noah tinha me


desenhado entre algumas árvores, meus cabelos voavam, eu estava de costas
olhando sobre o ombro e tinha um sorriso no canto dos meus lábios. Ele
tinha desenhado meu corpo de um jeito que gostei, meu corpo real parecia
com aquele?
Levantei meus olhos para encará-lo.

— Gostei muito desse.

Noah abriu um sorriso e meu coração acelerou.

— É um dos meus favoritos, mas nada se compara a aquele em


que você está pelada.

— Você é um idiota — Revirei os olhos.

Noah deu risada e foi como se um vazio dentro de mim se


enchesse, foi uma sensação boa e assustadora ao mesmo tempo.

Coloquei o caderno no chão, fiquei de joelhos e me aproximei


dele, me inclinei sobre seu corpo. Seus olhos acompanhavam todos os meus
movimentos, passei minha mão pelos seus cabelos, agarrei os fios e forcei
sua cabeça para trás.

— Que merda estamos fazendo? — Sussurrei contra seu rosto.

— Não faço a mínima ideia. — Ele umedeceu os lábios com a


língua. — Mas estou adorando isso.

Suas mãos agarraram minha cintura, me puxaram para baixo,


sentei em seu colo e sua boca se colou a minha com necessidade, como se
precisássemos daquilo para respirar. Talvez precisássemos.

Ele correu as mãos pelas minhas coxas e o frio já não era mais
uma preocupação. Noah me deixava quente, eu adorava isso.

Mordi seu lábio inferior e um gemido escapou de sua boca, seu


aperto ficou mais forte em minhas coxas, meus dedos correram pelos fios
escuros de seu cabelo.

Noah se levantou comigo em seu colo, me segurou pela bunda, foi


até uma das paredes e encostou meu corpo, pressionando seu membro bem
no meio das minhas pernas, a saia já totalmente levantada.
Separei nossas bocas e desci meus lábios para seu pescoço, mordi
o local e seus dedos se apertaram na carne da minha bunda, beijei o
hematoma vermelho que havia ficado com a minha mordida.

Voltei meu olhar para o seu, a excitação e o desejo passeavam pela


escuridão de seus olhos.

Ali, encarando seus olhos, eu soube que já tinha entrado em sua


escuridão, nada mais importava, não adiantava mais lutar contra isso. Eu
estava apaixonada por Noah Willians.

Juntei nossas bocas e o beijei com vontade.

Noah soltou minhas pernas de sua cintura e virou bruscamente


meu corpo, deixando minhas costas coladas em seu peito. Seus lábios
beijaram meu maxilar e desceram os beijos por todo o meu pescoço.

Senti o tecido molhado da minha calcinha roça contra o meu


clitóris, precisava de um alívio urgente. Inclinei minha bunda contra ele, sua
mão entrou por baixo da minha saia, puxou minha calcinha para o lado e
seus dedos se perderam entre as minhas dobras.

Sua boca foi até perto da minha orelha, ele suspirou contra minha
pele e falou com a respiração entre cortada.

— Está sempre molhada para mim, anjo.

Gemi em resposta.

Rebolei contra a sua mão em busca de aliviar minha excitação, seu


dedo roçou no meu clitóris e mordi o lábio inferior para não gritar.

Noah tirou sua mão do meio das minhas pernas e eu já estava


pronta para protestar, porém ele foi mais rápido, pressionou meu corpo
contra a parede e empinou mais a minha bunda, escutei o barulho de seu
cinto sendo retirado e logo depois o barulho da embalagem do preservativo
sendo aberto.
Sua mão puxou novamente minha calcinha para o lado, sem muita
demora senti o seu membro me preenchendo. Nós dois soltamos gemidos de
satisfação.

Sua mão subiu até o meu pescoço, se fechando na minha garganta.


Suas estocadas eram lentas e profundas, aquilo era tão bom, porém eu
precisava de mais.

— Mais rápido, Noah. — Gemi com a respiração ofegante.

Seus dentes morderam o nódulo da minha orelha.

— Com prazer, anjo. — Sua voz saiu baixa e rouca.

Suas estocadas ficaram mais rápidas no mesmo instante, o barulho


de nossos corpos se chocando encheram o vagão abandonado. Noah
continuou com a mão apertando o meu pescoço e nunca imaginei que aquilo
causaria uma sensação incrível em meu baixo ventre, a sua outra mão se
moveu para frente entrando na minha calcinha.

Seus dedos massageavam meu clitóris enviando arrepios por todo


o meu corpo.

Se alguém passasse pela floresta ao nosso redor provavelmente


escutaria os meus gemidos, mas não me importei, porque aquilo era incrível,
meu corpo ansiava por mais.

— Me sinto no paraíso quando sua boceta aperta o meu pau. —


Noah falou seguido de um grunhido.

Ele estocou tão fundo que meus olhos se reviraram, meu coração
se agitou batendo forte e o frenesi tomou conta do meu corpo.

Espalmei minhas mãos na parede enferrujada e me entreguei ao


clímax gemendo o seu nome enquanto gozava.

Noah me acompanhou gemendo enquanto gozava.


Senti o suor escorrendo pela minha testa, minha cabeça caiu para
trás e ele beijou delicadamente minha bochecha, meu nariz e depois meus
lábios.
Noah
O centro de Manchester era bem maior e mais agitado que o de
Durham, pela janela larga era possível ver as vitrines de algumas lojas já
decoradas para o Natal. A neve tinha dado uma trégua, mas as ruas ainda
estavam com resquícios brancos no asfalto.
Algumas árvores estavam com luzes de Natal ao redor do tronco, o
céu estava escurecendo e elas começavam a piscar.
Charlotte estava sentada ao meu lado, no sofá de estofado
vermelho que rodeava as mesas do restaurante, era sábado e eu havia
dirigido por mais de duas horas, porque não consegui ficar longe dela o final
de semana inteiro, porém admiti isso somente para mim, mas algo em seus
olhos azuis me dizia que ela já sabia.
Ela mexeu com o garfo em sua salada pela metade no prato
enquanto me olhava.
— Então isso é um encontro? — Questionou com o cenho
franzido.
Um sorriso repuxou os meus lábios e coloquei um pedaço do meu
bolo de carne na boca, só para deixá-la pensando mais um pouco.
Enquanto eu mastigava lentamente, Charlotte perdeu a paciência e
fez outra pergunta.
— Ou dirigiu até aqui para comer um bolo de carne? Porque
acredito que lá em Durham deve ter.
Sorri para a sua expressão impaciente.
— Vamos dizer que queria comer o bolo de carne com você.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Então é um encontro?
Me virei totalmente para ela e aproximei nossos rostos.
— É o que você quiser que seja, anjo.
Seus olhos brilharam quando eu disse seu apelido. Aposto que
despertava muitas lembranças em sua pequena cabeça, pois despertava na
minha.
Charlotte desviou os olhos do meu e levou uma alface até a boca.
— Deveria experimentar o bolo de carne, está uma delícia. —
Sugeri.
— Não, estou bem.
Ela não estava, dava para ver em seu rosto que comia aquela
salada por obrigação, a salada até poderia ser boa, mas comia salada quase
sempre, deveria estar enjoada daquele mesmo gosto.
Peguei o cardápio do outro lado da mesa, abri na página das
sobremesas e meus olhos correram por todos os doces, até que achei um que
realmente seria útil. Levantei a mão e chamei o garçom, Charlotte me olhou
e esperou para saber o que eu iria pedir.
Porém quando o garçom chegou só apontei no cardápio o que eu
queria, fechando logo depois deixando fora dos olhos curiosos dela. O
garçom anotou o pedido e saiu para pegá-lo.
— O que pediu?
— Surpresa.
Ela cerrou os olhos, mas não perguntou mais nada.
Terminei de comer o bolo de carne, Charlotte parou de comer a
salada e afastou o prato, significava que não comeria o resto que ficou no
prato.
Mordi meu lábio inferior para impedir que falasse algo, porque
essa era minha vontade, mas isso não a ajudaria, ela tinha uma doença que
precisava de muitas outras coisas além do que palavras.
O garçom voltou, com o doce que eu havia pedido, deixou no
centro da mesa e saiu.
No mesmo momento Charlotte encarou o prato com o pedaço de
bolo de chocolate, a calda escura escorria pela massa do mesmo tom e ela
passou a língua pelos lábios, sei que seu corpo implorava por aquilo.
— Noah... — Interrompi sua frase de reclamação.
— O bolo é feito com farinha integral e a calda é de chocolate
70% o que significa que tem bem menos açúcar e caloria. — Trouxe o prato
para perto de nós dois, seus olhos seguiam meus movimentos. — Não sabia
que poderia existir algo assim até ver no cardápio.
Seus olhos encaravam o pequeno pedaço de bolo como um
desafio. Esses dias tinha pesquisado sobre bulimia porque queria saber sobre
o que Charlotte estava passando, e o negócio dessa doença era compulsão
alimentar, então era bom que o pedaço do bolo fosse pequeno.
Porque sei que não come doce a um bom tempo, poderia comer
um bolo inteiro, mas depois se sentiria culpada e vomitaria tudo. Junto com
terapia eu tentaria mostrá-la que a comida era somente comida, e não havia
problema em comer.
— Então ele não engorda como um bolo de chocolate? —
Charlotte questionou ainda com os olhos presos no prato.
— Não sou especialista, mas acredito que não. Provavelmente não
será uma delícia como o chocolate comum, porém é um bom começo.
Ela levantou os olhos para me olhar e vi a incerteza passar por
eles, seu medo era totalmente compreensivo, mas queria que ela soubesse
que eu estava ali por ela independente de qualquer coisa, como ela esteve
por mim.
Peguei a colher e tirei um pedaço pequeno do bolo, levei até a sua
direção, Charlotte olhou por mais alguns segundos e abriu a boca. Levei a
colher até a sua boca.
Ela fechou os olhos e degustou o bolo, um gemido de satisfação
saiu da sua boca e uma corrente de energia passou por todo o meu corpo.
— Fazia muito tempo que eu não comia algo assim. — Ela abriu
os olhos. — É muito bom.
Um sorriso repuxou o canto da minha boca.
— Vamos combinar uma coisa: os gemidos você guarda para
quando estivermos sozinhos.
Sua bochecha ganhou o tom rosado e ela riu.
Continuei dando o bolo na sua boca até o prato ficar vazio. Cada
expressão satisfeita sua, meu peito se enchia com orgulho.
Paguei a conta, colocamos nossos casacos e saímos para a noite
fria. O carro que meu pai me deu quando fiz dezesseis estava parado do
outro lado da rua, mas antes que pudéssemos chegar até ele, alguém chamou
o nome da Charlotte.
Nós viramos no mesmo momento e Charlie caminhava em nossa
direção.
— Não sabia que tinha voltado esse fim de semana para casa. —
Ele se aproximou de Charlotte.
Ela o abraçou e eu fiquei repetindo na minha cabeça que eles eram
somente amigos e nada mais. Porém eu sabia que Charlie queria algo a mais,
não tinha esquecido que ele tentou a beijar no aniversário do Oliver.
— É, eu vim, antes que minha mãe me buscasse à força.
Os olhos de Charlie me encararam e o sorriso em seu rosto
murchou.
— Noah, não é? — Ele perguntou como se ele não soubesse o meu
nome.
— Isso. — Dei um sorriso cínico a ele.
Nos cumprimentamos com um aperto de mão.
— Preciso ir, mas vamos fazer algo depois Charlotte.
Peguei na mão de Charlotte, mesmo que eu estivesse sendo babaca
e possessivo, precisava que o Charlie entendesse que estávamos juntos, ele
não tinha nenhuma chance e era melhor ele se manter afastado.
Charlotte se segurou na minha mão e os olhos dele foram diretos
para as nossas mãos juntas. Sua testa franziu, até podia imaginar os
pensamentos que perturbavam a sua mente.
— Claro. — Charlotte deu um sorriso amarelo.
Charlie nos deu um último olhar e continuou seguindo seu
caminho de antes.
Puxei Charlotte em direção ao carro. Entramos para nos abrigar do
frio que crescia lá fora.
— Isso foi estranho. — Charlotte disse encarando a janela.
— Ele ainda gosta de você. —Girei a chave do carro. — Meu
conselho é que fique longe.
Charlotte virou-se para me encarar com as sobrancelhas franzidas.
— Isso seria bom para ele ou para você? Vi o jeito que segurou
minha mão na frente dele.
Tudo bem, eu tinha sido pego.
Afastei minha mão do volante e mantive o carro parado. Me virei
para encarar seus olhos.
— Odeio pensar em outros caras perto de você, odeio saber que
ele te quer. — Soltei um suspiro, disposto a me abrir totalmente para ela. —
Tenho medo de que você pense que Charlie ou Yuri é melhor do que perder
tempo comigo. E provavelmente vou matar qualquer um deles se olhar
errado na sua direção.
Charlotte tentou reprimir o sorriso que se abria em seus lábios,
mas não conseguiu. Aproximou seu rosto do meu e colocou sua mão em
minha bochecha.
Sua mão estava gelada, mas mesmo assim seu toque era macio, me
trouxe uma sensação reconfortante, que eu já não sentia a muito tempo.
— Se estou aqui, é porque prefiro você. — Seu polegar acariciou
minha bochecha. — Por favor, não mate ninguém por mim.
Um sorriso divertido abriu em meu rosto.
— Estou pensando nessa possibilidade ainda.
Charlotte riu.
Subi minha mão para a sua nuca e a puxei para mim, incapaz de
ficar longe da sua boca.
Beijei seus lábios, faminto por eles. Suguei e mordi só para ouvir
os gemidos baixinhos que ela soltava quando eu fazia isso.

◆◆◆

Depois de tentar levar Charlotte de volta para o colégio, ela me


convenceu de que precisava ficar em casa. Então, mesmo não querendo, a
deixei em casa e segui para Durham.
Corri em velocidade máxima pelas rodovias, chegando na metade
do tempo que eu levaria normalmente. Dei boa noite para o segurança que
fazia a ronda pelo jardim da frente, passei pela enorme porta do colégio e o
silêncio reinava no ambiente.
Vicky e Oliver haviam saído do colégio esse fim de semana, os
pais os queriam em casa.
Caminhei em direção a escada. Porém quando estava prestes a
subir o primeiro degrau, a voz do meu pai atrás de mim me fez congelar.
— Muita consideração sua me evitar quando acabei de sair do
hospital. Aliás, nem ter me visitado. — Sua voz saiu fraca.
Me virei para encará-lo, embaixo de seus olhos estava mais escuro,
as suas linhas de expressão pareciam mais evidentes e ele também parecia
ter perdido algum peso. Talvez a comida do hospital não fosse tão boa.
Pressionei meus lábios em linha fina, queria evitá-lo pela minha
vida toda.
— Considerando que fui eu que te mandei para lá. — Dei de
ombros.
Tentei seguir meu caminho novamente, mas ele me impediu.
— Deixei a aplicação da faculdade em seu quarto, só preencher e
mandar. Já avisei para eles que você fará Administração.
Fechei os olhos e busquei pela paciência que eu não tinha. Repetia
para mim mentalmente que não poderia enviá-lo para hospital novamente.
— Então será uma surpresa quando eles me virem entrando no
curso de Artes.
Sua expressão se fechou na mesma hora, ele passou a mão pelo
bigode, seus olhos me encararam com ódio.
— Se seguir com isso não será ninguém e pode esquecer que é
meu filho. Se depender de mim, nada que me pertence será seu. — Sua voz
alterada preencheu o silêncio dos corredores. — Só não te expulso do
colégio porque isso viraria notícia, não preciso que você destrua a imagem
do meu legado.
Ele acha que eu destruiria a imagem do seu colégio, não o fato
dele ter agredido a mulher dele física e psicologicamente até ela se ver sem
saída e pensar que o suicídio era melhor do que viver ao lado dele. Seria
engraçado se não fosse trágico.
— Esqueci que sou seu filho a partir do momento em que achei a
minha mãe sem vida naquele maldito quarto. A única coisa que quero de
você, é distância. — Falei entre dentes e com a raiva fervilhando em mim.
— Deveria ter feito sua mãe te abortar. — Ele gritou e seu rosto
começou a ficar vermelho.
Se George Willians infartasse agora na minha frente, talvez eu
demorasse a chamar a ambulância.
— Estou aqui e enquanto eu puder irei ter o prazer de fazer tudo o
que te deixa com raiva. — Abrir um sorriso enorme. — Quem sabe assim
você paga metade dos pecados.
Me virei e subi o restante da escada sem ligar que ele gritava meu
nome enfurecidamente.
Chegando no meu quarto tranquei a porta, avistei os papéis que ele
havia deixado em cima da minha cama, com toda força os joguei da janela,
observando o vento forte os mandar para longe.
Ele poderia engolir toda a porra do dinheiro dele, mas eu faria o
que eu quisesse, não precisava de nada que viesse dele.
Charlotte
Quando o horário de aulas acabou, eu parti para a sala da
terapeuta, era nosso terceiro encontro. Ela já não era uma completa estranha,
mas, ainda assim, falar sobre algumas coisas era muito estranho. Existem
pensamentos em nossa cabeça que é impossível verbalizar para o mundo
externo.
Apesar de tudo, ela respeitava quando eu não queria falar sobre
algo, acho que podemos evoluir com isso, mas ela deixou claro que não será
fácil. Eu já desconfiava disso, só preciso me manter forte.
A terapeuta havia me dado um encaminhamento para a
nutricionista, isso não me agradava muito, era um passo que eu teria que dar
mesmo não gostando.
Subi para o meu quarto, quando abri a porta vi Noah jogado na
minha cama mexendo em seu celular.
— Estava onde? Procurei você no colégio todo. — Se ajeitou e
sentou-se direito.
— Tive um encontro com a terapeuta hoje. — Falei com desgosto.
Noah franziu o cenho.
— Por que parece triste?
Enrolei uma mecha loira do meu cabelo com o dedo.
— Ela me deu um encaminhamento para nutricionista. — Puxei o
ar com força. — Vai ser alguém estabelecendo regras sobre a comida. Irá ser
difícil.
— Sim, vai ser difícil, mas você irá conseguir fazer.
Ele levantou-se e se aproximou de mim.
— Vou te mostrar uma coisa linda.
A confusão tomou conta de mim.
Noah pegou em minha mão e me levou até o espelho que tínhamos
no quarto, se posicionou atrás de mim.
Quando encarei meu reflexo no espelho, abaixei o olhar para evitar
olhá-lo. Ele colocou o dedo em meu queixo e levantou minha cabeça, me
obrigando a olhar no espelho.
Suas mãos desceram para a minha cintura e nossos olhares se
encontraram no espelho.
— Você é perfeita, Charlotte, sua cintura é fina, não existe gordura
sobrando em você e, mesmo que existisse, eu não me importaria. — Ele
desceu as mãos para o meu quadril. — Seu quadril é largo e eu adoro isso.
Meu olhar acompanhava seu toque e minha cabeça tentava
assimilar cada palavra que saia da sua boca.
Noah desceu a mão até a barra da minha saia e seus dedos roçaram
na pele da minha coxa.
— Amo suas coxas grossas e o fato de poder tê-las ao redor do
meu corpo me deixa louco.
A sensação de conforto me preencheu, nada nem ninguém poderia
me fazer sentir tão bem com meu corpo como Noah Willians. O jeito que ele
expressava como me achava bonita e me desejava fez um sorriso repuxar
meus lábios.
Sua mão se moveu para a minha bunda e ele apertou com força.
— Acredite anjo, não há nada que eu goste mais do que essa bunda
cheia. — Ele abaixou a boca até perto do meu ouvido e continuou me
encarando através do espelho. — Posso te fazer rebolar a noite inteira e não
vou me cansar.
Mordeu o lóbulo da minha orelha, tirou a mão da minha bunda e
me fechou em seus braços me abraçando por trás.
— Afirmarei tudo isso quantas vezes forem necessárias.
Suas palavras me trouxeram segurança, eu não estava mais nessa
sozinha.
Me virei para encarar seu rosto, nunca imaginei que olhos tão
escuros me trariam tanta paz.
Minhas mãos seguraram sua nuca.
— Obrigada.
— Eu quero você, anjo. — Ele sussurrou contra o meu rosto.
— Eu sou sua.
Um sorriso malicioso se abriu em seus lábios e ele me beijou.
Estava saindo do ensino médio, tinha pouca coisa que eu sabia
sobre a vida e o futuro, porém tinha certeza de que Noah Willians era a
intensidade que eu queria na minha vida.
Ele afastou os lábios do meu e encarou os meus olhos.
— Estou fodidamente apaixonado por você. Não há nada que
possa fazer para me tirar de perto.
As batidas do meu coração aceleraram, parecia que ele iria pular
para fora, um frio na barriga e a ansiedade de algo novo me encheu. Noah
estava admitindo o que sentia, aquilo era fantástico.
— Que bom, porque eu não quero que você vá a lugar nenhum.
Passamos por muitas coisas enquanto estávamos sozinhos, mas
isso não era mais um problema agora, porque tínhamos um ao outro.
Nada mais importava, Noah estava apaixonado por mim. Senti
como se fosse explodir de felicidade.
Epílogo
Charlotte

O campo de futebol do colégio tinha inúmeras fileiras de cadeiras,


todas viradas para o palco montado no meio do gramado. Estávamos
oficialmente no verão, o sol tinha saído para trazer luz ao dia.
Finalmente nossa formatura havia chegado, era ‘adeus’ ensino
médio e ‘oi’ faculdade. Tinha sido um ano incrível, nem a carranca feia do
senhor Willians poderia estragar esse dia, ele tentava disfarçar, mas dava
para notar a expressão enfurecida em seu rosto quando ele passou
cumprimentando as pessoas.
Foquei meu olhar em Vicky que tinha as mãos no meu capelo, o
arrumando em minha cabeça e ajeitando meus cabelos.
— Está perfeita. — Me deu uma piscadela.
Eu sorri para ela em agradecimento.
— Vamos nós formar, porra. — Oliver gritou enquanto se
aproximava.
Noah estava ao seu lado e ria do jeito empolgado do amigo.
— Finalmente! — Vicky exclamou animada. — Se ficasse mais
tempo nesse colégio precisaria de uma prisão de verdade.
Noah se aproximou de mim e colou nossos lábios em um selinho
rápido. Olhei para ele vestido, assim como eu, em uma beca vermelha.
— Está lindo. — Elogiei.
— Eu sei. — Um sorriso convencido abriu em seu rosto. — Mas
com certeza você é a mais linda daqui.
Ele depositou um beijo na minha bochecha.
Estávamos em pé atrás de todas as cadeiras, os pais ainda estavam
chegando e alguns alunos ainda vestiam as becas.
— Meus pais descobriram hoje que enviei minha aplicação para
Moda e não Direito. — Segui o olhar de Vicky até um casal com a cara
nada boa. — Que bom que ganhei a bolsa, porque eles não pagarão por
nada.
— Bem-vinda ao clube. — Brincou Noah.
— É a minha decisão, não importa o que vão fazer. — Vicky
falou com orgulho.
Vê-la decidida a fazer o queria, me deixava feliz.
Oliver passou o braço por cima do ombro dela.
— Tudo o que importa é que nós quatro temos a carta de
aceitação para Oxford. — Oliver manteve o olhar sobre Vicky. —
Chegamos até aqui, o resto é moleza.
Ela sorriu e concordou com um aceno de cabeça.
— Recebi um e-mail dizendo que a nossa casa vai estar pronta
daqui a um mês. — Avisei.
Sim, nós iríamos morar os quatro juntos, em uma casa no campus
de Oxford.
Pensar que sempre planejei esse momento com Charlie ao meu
lado e que pretendíamos morar juntos, porém o destino colocou esses três
ao meu lado, não me arrependo de nada que fiz esse ano.
— Isso vai ser demais. — Noah tinha um sorriso enorme no rosto.
O campo de futebol nunca esteve tão lotado como agora.
Passei pela cadeira dos meus pais, antes de me sentar na frente
junto com os meus amigos.
O palco à nossa frente tinha o forro vermelho, no meio havia um
microfone, uma mesa cheia com canudos de veludo vinho e logo atrás uma
bandeira com o brasão da escola.
George Willians se posicionou atrás do microfone e o falatório
animado cessou. Ele colocou um sorriso claramente falso em seu rosto e
começou a falar.
— O Colégio Interno de Durham está entre os melhores do Reino
Unido, daqui sai os melhores dos melhores. Então é com imenso prazer que
parabenizo todos esses alunos que irão se formar, pois sei que eles serão os
próximos melhores que existirão neste mundo. Todos eles batalharam para
chegar aqui. — Seus olhos se focaram em Noah ao meu lado. — Hoje é
com muita alegria que formo meu único filho.
A alegria que ele dizia não era nada evidente em seu rosto.
Noah se mexeu na cadeira, visivelmente desconfortável. Peguei
sua mão e mantive junto da minha.
— Todos sabem como anseio por esse momento, Noah Willians é
bem parecido comigo, por mais que não queira admitir. — Ele riu e os pais
o acompanharam. — Espero que seja feliz com a sua escolha.
Seus olhos transbordavam de raiva dizendo totalmente o contrário
de suas palavras.
Apertei a mão de Noah tentando trazer conforto para ele, pois
nada daquilo importava mais.
O Senhor Willians continuou com seu discurso motivador e por
fim nos parabenizou mais uma vez. O sorriso falso não saiu de seu rosto,
ele era bom em fingir.
Nós nos levantamos para aplaudi-lo e formamos uma fila na
lateral do palco quando ele começou a chamar nosso nomes.
Quando estamos na escola, não há nada que pensamos mais do
que a formatura, tudo que queremos é nos livrar das matérias e dos
professores chatos, porém quando esse momento chega, não tem como não
se sentir meio perdido.
Agora está por conta própria, não tem mais ninguém para tomar
decisões por você, está tudo na sua mão. E ao mesmo tempo que é
assustador, é incrível, poder trilhar um caminho novo parecia fantástico.
— Charlotte Jones. — O diretor chamou meu nome.
Subi no palco com um sorriso que eu não conseguia tirar do rosto,
peguei o canudo de sua mão e avistei meus pais em pé, aplaudindo e
sorrindo para mim.
Noah foi chamado logo depois, senhor Willians forçou um
abraço, por mais que Noah odiasse fazer aquilo, tinha muitas pessoas
assistindo então ele só deixou.
Oliver subiu gritando de felicidade, era engraçado, seu pai se
levantou junto com a esposa da vez, ela parecia ter a nossa idade.
Vicky foi chamada e manteve o sorriso orgulhoso no rosto, seus
pais nem se esforçaram para se levantar e aplaudir, mas ela não se deixou
abalar, pegou o canudo de cabeça erguida, enquanto eu e os meninos
gritávamos e a aplaudíamos. Vicky fez uma reverência olhando para seus
pais antes de descer do palco rindo.
Todos os alunos foram chamados, o falatório animado tomou
conta do campo.
— Acabou. — Noah gritou aliviado, como se um peso tivesse
saído de suas costas.
Oliver colocou as mãos em concha em volta da boca e gritou.
— Próxima parada, Oxford.
A felicidade estava visível em cada um de nossos rostos.
Olhamos um para outro sorrindo, tiramos o chapéu da cabeça e
jogamos para cima. Os outros alunos fizeram o mesmo, a imagem de todos
os chapéus vermelhos sendo jogados em direção ao céu me fez rir.
A única certeza que eu tinha é que tínhamos um ao outro, isso
bastava. Acharíamos nosso caminho.
Agradecimentos

Como uma boa cristã quero primeiro agradecer a Deus por ter me dado
forças para escrever esse livro enquanto eu lidava com as últimas provas e
os últimos trabalhos da faculdade.
Quero agradecer a vocês leitores, sou grata por sempre receberem com
carinho as minhas histórias e dedicarem tempo para elas, sem vocês nada
disso seria possível. Obrigada por me ajudarem a realizar meu sonho.
As minhas leitoras betas, que surtaram comigo no Whatzapp enquanto essa
história tomava vida.
A minha família que sempre me apoiou em tudo, principalmente na escrita.
Leitor se sinta a vontade para corre lá no meu direct e me contar o que
achou. E claro não esquece de avaliar o livro na Amazon para continuar me
ajudando.
About The Author
Gizele Araujo
Gizele nasceu e vive em São Paulo, formada em psicologia, sempre tenta
inclui-la em seus livros, começou a escrever fanfics com 13 anos, desde
então não parou mais de escrever. Sua maior paixão são os romances
contemporâneos, também é uma consumidora fiel de dark romance. Ama as
séries Friends e The Vampire Diaries. É louca pelo Justin Bieber desde os
11 anos, fascinada por gatos e plantas.
Books By This Author
Nesse Instante
Sair da zona de conforto é algo extremamente difícil, para a Alice que tem
vivido exclusivamente para fazer os gostos da sua mãe em uma tentativa de
se tornar a filha perfeita, tem reprimido todos os seus sentimentos, sem
conseguir mais expressá-los, os transformando em ansiedade e ataques de
pânico, é algo quase impossível de ser feito.

Christian esteve recentemente em um relacionamento abusivo em que o


deixou traumatizado, ele decidiu que se tornaria um mulherengo e nunca
mais se envolveria em um relacionamento sério.

Depois de ter estudado um ano online, Alice finalmente se sente confiante


para encarar a faculdade de direito presencialmente, com isso conhecendo
Christian.

Eles acabam desenvolvendo uma amizade e sempre que o mundo de Alice


está prestes a desaba a única pessoa que ela consegue recorrer é Christian.
Ele a faz ver o mundo de uma forma diferente, como ela nunca tinha
experimentado, ele a ajuda enfrentar os seus medos, ela se sente capaz de
finalmente parar de viver na sobra da sua mãe.

Mas e se no processo um acidente acontecesse, um acidente como os dois


se apaixonarem.
Gatilhos: ansiedade, ataque de pânico descritivo, consumo excessivo de
drogas licitas
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