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espetando o coração com uma agulha

ramai

espetando o coração com uma agulha

obra independente
2018
primeira edição
dedico cada palavra de cada poema deste livro
à rachadura no teto do meu quarto.
Sobre o autor:

Francisco Ramalho Neto, mais conhecido como Ramai, é um poeta


e escritor contemporâneo que nasceu no dia 21 de novembro de
1998, no interior paraibano.
Seus primeiros rabiscos surgiram ainda na escola, quando matava
aula de matemática pra ler poesia.
Logo aos 19, lançou seu primeiro livro, “Espetando o coração com
uma agulha”, um aglomerado de poemas escritos entre o verão e o
outono de 2018.
Prefácio:

Poesia é um troço sério. Não consigo conceber a ideia de que exista


quem a trate e a opere como algo distorcido e grotescamente pífio.
Não dá pra simplesmente ignorar a poesia. É algo que não passa
despercebido. Um bagulho que marca feito um rastro de sangue
no amanhecer de uma varanda. Poesia é um troço sério, um troço
sério.
Ramai sabe disso. Na verdade, esse paraibano é uma figura híbrida,
raríssima. Ele consegue unir um romantismo singelo a uma violên-
cia assustadora. Porra, é fantástico. É a foda descomunal entre a
ternura e a insanidade. Um desastre terrestre que escorre sorriden-
te rebolando sinuoso e enchendo as ruas de amor, AMOR!
Ramai é um romântico vil, marginal. Um cafetão literário. Abusa,
manipula, explora e acaricia com paixão cada um dos seus fantas-
mas de tetas vulcânicas, saias curtas e bocas frenéticas. Ele adestra
com maestria cada cicatriz da alma e escarra tudo no papel. Aplica
a mais inglória morte aos amores traumáticos: Enterra com doçura
cada um deles em cova rasa, ardendo em poesia.
Versos curtos, versos longos, prosa, lírica, solidão, fracasso, sauda-
de, álcool, sadismo e lascívia. Os poemas deste livro terão o honra-
do cheiro de uma rodoviária de cidade grande, com suas chegadas
e partidas, suas lágrimas e sorrisos, seus personagens decadentes,
seus batedores de carteira, seus jovens depressivos, suas putas fa-
mintas e seus banheiros místicos que cospem poemas de amor ina-
cabados em espelhos quebrados.
Seja muito bem-vindo ao saguão desta rodoviária poética. Compre
seus bilhetes, direcione-se à plataforma de embarque. Só não car-
regue o coração no bolso de trás da calça jeans: Algum poema man-
drião pode tomá-lo de assalto.
-Brendow H. Godói.
“sempre que chove
tudo faz tanto tempo...”
(mario quintana)
1.

não lembro mais do formato dos teus olhos.


nem da cor
nem do tamanho dos cílios
nem da forma como as lágrimas gotejam dele.
só lembro que sempre que via eles brilharem de perto
tudo dentro de mim se distorcia
e meu coração se desesperava
e isso fazia o existir
ficar um pouco
menos chato.
2.

rolar na cama.
você passava
os dedos dos seus pés nas minhas unhas grandes
e acariciava meu peito peludo.
rolar na cama.
você se revoltava
por eu preferir conversar sobre seu passado
a trepar contigo.
rolar na cama.
eu acariciava
suas costas brancas e nuas e sentia seus sinais marrons
enquanto você me fazia um boquete
e eu frisava a janela preta do ap da tua prima
vendo a chuva cair e
o vento tentar fazer voar
teus cabelos presos
na minha mão.
rolar na cama.
eu enfiava dois dedos entre tua saia
e te masturbava sem tirar tua calcinha rosa.
eu te masturbava sem parar por meia hora.
rolar na cama.
nós bebíamos até três da manhã na varanda
e uma vez nós descemos até a rua
e nos beijamos na chuva
como num filme clichê.
às vezes eu sinto seu cheiro
quando tô andando por aí
e fica parecendo que tem uma centena de pedreiros
demolindo meu estômago.
rolar na cama.
hoje acordei as nove
e rolei na cama com preguiça,
acariciei meu travesseiro
e senti vontade de chorar
por ele não ter teu cheiro.
hoje acordei as nove
e passei meu próprio pé
sobre minhas unhas grandes
acariciei meu próprio peito peludo
e sussurrei antes de ir pro trabalho
que fui a pior escolha
que você poderia ter feito.
3.

ontem vi
nosso passado
caminhando sozinho
na orla da praia.
4.

de vez em quando
antes de dormir
eu me deito de ladinho no canto da cama
e imagino você dormindo
com esses cabelos negros
e esse hálito de vodca barata com suco de abacaxi
mas só vejo meu quarto vazio e sujo
e um punhado de livros de poesia
que descrevem você
e rasgam meu coração.
5.

abraçar forte
o travesseiro
como se fosse
alguém.
6.

você abre as pernas e tua buceta exala saudades.


você abre a boca e tua língua suplica pra dançar com a minha.
você fala e o tom triste da tua voz me diz em códigos
que ainda me quer
apesar de toda a destruição.
você me olha e teus olhos gigantes me rendem
e só o que posso fazer
é te olhar de pernas bambas
como um fracote
que te perde
repetidamente.
7.

o meu coração
é um museu de versões de mim
morrendo sem fôlego.
8.

eu tinha onze
quando eu disse pra mim
que ficar triste é coisa de criança
até que fiz quinze e disse pra mim que
ficar triste é coisa de adolescente
até que cheguei aos vinte
e percebi que
ficar triste é coisa de quem tá vivo
e isso me deixou triste
como nunca tinha deixado antes.
9.

agora te escrevo
um poema lindo
pra você ler com a cabeça
encostada no ombro
dele.
10.

li numa matéria
que pra ser um grande escritor
preciso escrever todo dia
e sem parar
como um ratinho correndo numa esteira em busca de um petisco.
disseram pra escrever qualquer coisa
tipo a primeira coisa que vier na minha cabeça
mas única coisa
que sempre vem
em primeiro lugar na minha cabeça
é a forma doce
como ela
existe.
11.

o tédio e a solidão
andam namorando
no teto do quarto.
12.

escritor sobe as escadas


escritor joga a mochila no sofá
escritor corta tomates
escritor acaricia sua tartaruga
escritor olha pra janela
escritor escreve um poema
que já foi escrito por milhares de escritores
chora antes de dormir
e ninguém vê
pra variar.
13.

às vezes um poema
é simplesmente
uma dor alheia
que decidiu ficar ali
paradinha
pra sempre
numa folha de papel.
14.

o histórico do meu computador


tem teu nome
tatuado.
15.

é impossível fugir da tua gargalhada.


está aqui no meu ouvido:
um berro escandaloso no tom da tua voz
emitindo uma felicidade límpida.
achei na lixeira do PC mais de mil fotos tua.
você sorrindo, você dormindo, você tocando violão, você
e esses teus olhos que borbulham meu corpo
e me fazem odiar o amor.
ainda escrevo sobre você.
às vezes nem é,
começo a falar de outra pessoa mas aí alguma coisa tua
aparece nas palavras e
ninguém é maior que você
dentro das cinzas do meu peito.
eu deveria te odiar.
malditos olhos negros e gigantes.
malditos peitos rosados.
maldito cabelo vermelho.
maldito amor patético.
é culpa do teu beijo.
é culpa dos áudios de dois minutos
que você me mandava às duas da manhã
explicando que me amava.
era tão mentira assim?
o tempo é outro filho da puta insensível.
“dê uma chance ao tempo”, o amor te diz
e o tempo vai embora com sua mulher.
e sobre seus lábios?
eles tinham um gosto inexplicável.
o doce da tua inocência
e o salgado da tua língua após dançar por meu corpo.
e sobre sua voz?
quando você falou
“eu te amo, mas você está destruindo minha vida”
soou como canários
assobiando na floresta.
16.

não existe tristeza eufórica.


17.

eu estava lendo um livro


sobre um futuro distópico onde
toda a humanidade acabava
e entrei em desespero
com essa possibilidade remota
afinal se o mundo acaba
pra quem diabos eu vou falar de ti?
18.

você me jura que vai durar pra sempre


e me fala que não vai se importar quando nossas mãos suarem
ao andarmos de mãos dadas duas da tarde.
então me liga toda madrugada
e me conta do seu dia
e me acalma
com essa voz sonolenta e tarja preta que funciona melhor que
Rivotril.
então me beija em praça pública
e diz que nada importa.
e fode comigo
na sala da tua casa
enquanto teus pais preparam a janta
e depois toca no teu violão preto “Quando fui Chuva” de Maria
Gadu
e deita tua cabeça no meu ombro
e me faz acreditar que de alguma maneira divina ou sei lá
nós nos encontramos e nos encaixamos de um jeito
que nada desencaixará.
você morde meus lábios e me ilude
e sussurra em meu ouvido
que cada pedaço do teu corpo é meu.
você me deixa ser o primeiro a tocar em sua boceta.
e começa a brigar comigo
por eu andar bebendo demais
e ficamos quinze dias sem se ver.
e aí a gente se encontra na rua por acaso e se estapeia e se beija e
vai pra casa foder
e você fala que me ama e que tudo ficará bem e eu vou embora.
mas o tempo bofeteia nossa cara
e as ligações de madrugada acabam
e sua voz sonolenta e tarja preta
fica cada vez mais dura
e os eu te amos
ficam cada vez mais transparentes
e a gente começa a notar que aquilo no nosso peito já quase
não existe mais.
então suas amigas
começam a me odiar
por te ver chorar tanto
e me fala que vai ser melhor eu me afastar.
então eu te peço outra chance.
então você me fala que eu destruí a sua vida
e chora na minha frente.
então nós nos beijamos e fodemos pela ultima vez.
e os meses passam e bofeteiam mais uma vez nossa cara
e você conhece uma pessoa
mas se decepciona sempre que acorda e não me vê.
19.

quando as paredes nos sufocam


a gente sai na calçada
pra fingir que entra em contato
com a natureza.
20.

agora sua falta perambula por aí.


você não acredita
que foi coincidência
chover no dia que você decidiu gritar enquanto chorava
que eu fodi com tua vida.
enquanto você gritava feito uma louca psicopata doente
que eu só pensava em poesia e isso não pagaria as contas
os pássaros da cidade rodeavam tua cabeça.
teu último abraço foi forte,
numa farofa de ódio ressentido
e um carinho apaixonado
em toques firmes que diziam discretamente
que nunca mais sorriríamos um pro outro.
lembro que interrompi sua despedida
pra anotar um poema no bloco de notas
e você voltou a chorar.
eu insistia em te fazer me amar de novo
como um maluco que rega uma flor de plástico.
agora tua falta perambula por aí.
lembro que quando saí da tua casa
segurei o choro até uma loja de conveniência
comprei uma caixa de cerveja
e bebi todas aos berros
sozinho no banco de praça
que nos beijamos pela primeira vez.
agora tua falta perambula por aí.
escrevi teu nome com lágrimas no banco
e depois cuspi cerveja por cima.
nosso último beijo tinha gosto de café com sal.
21.

sempre que alguém me beija


eu penso que
é quase aquilo.
22.

você foi embora


e no espaço do meu peito
que ficava a felicidade
restou apenas
uma bola de feno
rolando com o vento.
23.

os amigos
e os amores
devem ter se escondido
pra planejar
uma festa surpresa.
24.

registra isso no teu bloquinho de anotações verde:


acho que tuas digitais já saíram do meu corpo
acho que o beijo de língua sem sabor que você me dava de manhã
já saiu da minha memória
acho que os poemas que você escrevia em papeizinhos e colocava
no meu bolso
sem que eu percebesse
pra eu ler quando chegasse no trabalho
já com o peito borbulhando de saudade feito feijão fervendo
voaram pela janela.
registra isso no teu bloquinho de anotações verde:
já te esqueci tanto
que agora preciso inventar momentos nossos e coisas tuas
pra escrever meus poemas.
esqueci até a cor do teu bloquinho
ele nem é verde
é outra cor.

sei lá.
25.

covardia do universo
a gente não ter quem abraçar
em dia de chuva.
26.

todo mundo pede


pra que eu diminuía os palavrões nos poemas
mas quase sempre
a única coisa que descreve
quando ela passa
é puta que pariu.
27.

eu sou do tipo de pessoa


que se uma criança fosse
me desenhar numa folha de papel
faria o coração
quatro vezes maior que o corpo
e com certeza
estraçalhado
com alguém ali por perto
segurando os cacos com as mãos.
28.

tenho um livro de poemas


marcado na metade
pra tu ler o final pra mim
mas tem que ser
com a cabeça no teu colo.
deixei também a metade
de uma panela pequena na geladeira
com aquele macarrão
com molho de tomate
queijo ralado e salsicha
que a gente gostava de comer
imitando a dama e o vagabundo
só que a porra do macarrão sempre quebrava
fazendo a gente lembrar que filmes
não são reais.
você esqueceu seu violão aqui em casa
e eu nunca o afinei.
gosto de tocar aquele sol com nona
meio desafinado meio trastejado
que você usava em todas as suas músicas
mas soava feio pra caralho
e mesmo assim era lindo
já que era você quem tocava.
no fundo sei que você nunca mais vai voltar
e que aquele livro de poemas nunca mais será lido
e que o macarrão vai estragar
e que o braço do violão vai empenar
mas eu sou um romântico esperançoso e desesperado
e vou esperar por você
até meu corpo definhar
em esperança
ou solidão.
29.

todos os cigarros do mundo


deveriam vir com o filtro sujo
do teu batom.
30.

esse papo que


um abraço salva o dia de alguém
é pura falácia
mas quando um cão de rua
te para no meio da cidade
e te pede carinho
aí sim
até os corações mais cinzas
ficam feito arco-íris.
31.

minha casa anda tão bagunçada


que não consigo lembrar
onde guardei
as risadas.
32.

vou estudar pra virar astronauta


e quando chegar na lua
vou pichar com uma tinta vermelha
nossos nomes de uma ponta a outra
de um jeito bem brega
tipo “eu + vc = amor eterno”
só pra o planeta terra inteiro ler
e sair por aí
debochando de nós dois.
33.

quando você me despreza


sinto como se um armário
preenchido com chumbo
caísse na minha cabeça.
34.

é como se nada fosse capaz de matar a tristeza.


nem o gozo mais prazeroso
nem o sonho mais iludido
nem a cachaça mais forte.
é como se nada fosse
tão forte.
eu tenho uns amigos
que são tão tristes quanto eu
e sei que eles são tristes
pois quando a gente sai pra beber
a gente ri de uma forma patética.
como se de uma maneira desesperada
absurdamente desesperada
a gente necessitasse
gargalhar.
talvez assim
a tristeza pareça ter fim
mas no fundo
bem no fundo
a gente sabe
que não tem.
35.

se fizessem um filme
de duas horas
só de você dormindo
eu assistiria
e faria na internet
uma crítica positiva
de duas mil palavras.
36.

queima enquanto chora todas as fotos das férias


joga fora os livros, apaga do celular as músicas
livra-se de tudo que lembra o passado
mas chora sempre que vê a marca branca triste
da aliança no dedo anular.
37.

amar você
é esquentar uma faca no fogão
todo dia de manhã
e pressionar sobre o peito.
38.

quando eu tinha oito anos


escrevi numa folha de papel
que amava minha vizinha
e joguei o bilhete no quintal da casa dela.

esqueci de colocar meu nome


então ela nunca soube que fui eu
mas mesmo assim valeu a pena,
aquele foi meu primeiro

poema de amor.
39.

sempre que assisto da janela


você entrando no taxi
posso ouvir
a tristeza ao meu lado gargalhando alto
comemorando mais uma vitória.
40.

acho que a felicidade


não gosta de relacionamento meloso
por isso quase nunca
me abraça.
41.

já escrevi sonetos pra dizer que sinto tua falta


já escrevi crônicas pra dizer que sinto tua falta
já escrevi contos no qual o personagem sentia tua falta
agora eu já nem me esforço tanto
apenas escrevo numa folha enorme
teu nome com uma letra grande
imprimo e abraço.
isso já é doloroso
o bastante.
42.

você disse que amores grandes te assustavam


então te dei um amor tão pequeno
que cabia na palma da sua mão
mas você se cansou dele com o tempo
e fechou forte o punho
feito uma psicopata doente
só pra esmagar o sentimento que te dei
e ele não
servir pra mais ninguém.
43.

o milk shake
de cappuccino
não tem
o mesmo gosto
sem tua saliva
na ponta do canudo.
44.

ela escreveu nossos nomes no banco da praça


com a ponta da chave do nosso apartamento
e aí seis meses se passaram
ela foi embora
a chave do AP eu entreguei ontem pro dono do prédio
e onde era a praça
tão construindo um hospital.
45.

teu silêncio dança valsa


na parte vazia da nossa cama
e só me resta pra essa noite de sexta
esse gosto de ferrugem
do calmante que tomei
pra evitar mais uma insônia
com teu rosto que rasteja
feito uma cobra
na minha cabeça.
46.

estranho como o pão com manteiga


e café preto de manhã
tem um cheiro esquisito
de passado.

(mas o sabor não é mais o mesmo)


47.

o amor quando acaba


desaparece com o tempo
mas o último beijo
a gente leva pra cova.
48.

eu queria ser um desses poetas inteligentes


que escrevem com palavras difíceis
e usam um belo terno justo enquanto falam sobre vinhos
ou política ou música clássica ou carros.
mas não sou um desses nem de perto.
sou só um cara extremamente
apaixonado, sozinho e confuso
que não tem ao certo
pra quem se declarar.
49.

ela dormia e eu olhava


ela mijava e eu olhava
ela escovava os dentes e eu olhava
ela fritava um ovo e eu olhava
daí ela ainda teve audácia
a ousadia
a covardia
de ir embora do nada
e me deixar sem nada de interessante pra olhar.
50.

amo ver tua cara quando fica


vermelha de raiva
e sei que tua cara fica vermelha de raiva
sempre que derramo café no sofá
por isso sempre derramo de propósito
o sofá cada vez fede mais
mas vale a pena.
51.

queria muito
olhar pro céu no meio da tarde
e ver que as nuvens
formam teu rosto
mesmo que seja
pura ilusão de ótica.
52.

agora que não tem mais você


tocando violão perto da janela
os passarinhos daqui da rua
andam deprimidos.
53.

vou escrever até os dedos sangrarem.


vou escrever até a morte vir caminhando
e repousar a foice
na mesa do meu notebook
e pedir pra eu dar um tempo.
vou escrever
quando o amor me bater
como um médico estapeando o bumbum de um recém-nascido.
vou escrever
quando fizer sete dias que ninguém me liga
ou me manda mensagem.
vou escrever
quando o fedor de cerveja
e xícaras sujas de café
forem minhas únicas companhias.
vou escrever
como se houvesse uma rocha de duas toneladas
em cima das minhas costas
me empurrando pro magma da terra
pois há.
54.

é esse silêncio
dos primeiros segundos depois que a porta bate
que estraçalha tudo
dentro da gente.
55.

na minha vida
o amor sai do banheiro
com uma toalha na cabeça
e o amor sai pela porta da frente
e nunca mais volta
de uma forma dolorosamente
natural.
56.

o celular é o cigarro moderno.


57.

eu acho absurdamente perigoso


a frase “eu era feliz e não sabia”
ser um ditado popular.
58.

a vida anda previsível demais.


no bar sempre falamos sobre os mesmos assuntos
como se as palavras simplesmente fossem se repetindo
e se repetindo
e sempre que me apaixono
tem o mesmo final.
(aliás, sempre tem o mesmo
final trágico)
a vida anda previsível demais.
sempre que quero esquecer do mundo
caminho sozinho pelas mesmas ruas
e vejo as mesmas placas
os mesmos postes
e imagino as mesmas histórias
impregnadas nas mesmas paredes
e olho pra mesma lua
enquanto cantarolo as mesmas canções.
a vida anda previsível demais.
a rotina se repete
como um cata-vento que gira incansavelmente na mesma direção
e a única coisa que nunca permanece igual
é esse gosto seco de tristeza na minha garganta
que cresce mais a cada dia que vivo
e isso me assusta muito.
59.

não me lembro quando foi a última vez que me apaixonei


não tenho planos pra sábado
não tenho com quem fazer planos pra sábado
e o único motivo pra tomar banho de manhã
é ir pro trabalho.
acho que a vida adulta é insignificante
cinza
e gostosa.
60.

ela nunca me respondeu


se acredita ou não em deus.

sempre que a gente tá no trânsito


eu pergunto
e ela fica num silêncio paranoico
como se ficasse intensamente pensando na resposta
então depois de alguns segundos
mesmo que o trânsito esteja tranquilo
eu falo: porra, o trânsito hoje tá fodido.
e ela responde: pois é.

ela nunca me respondeu


se acredita ou não em deus.
mas a cara que faz pra pensar
é muito bonitinha,

por isso pergunto sempre.


61.

o gosto que tua língua fica


quando você toma café e me beija
é o melhor sabor do mundo.
62.

o coração quase
saindo pela boca
é meu estado de espírito
quando vejo você.
63.

todo homem adulto já chorou no chuveiro


mas eu odeio ser clichê
por isso ontem chorei no ônibus.
64.

quando o primeiro milímetro do teu corpo


toca no primeiro milímetro do meu corpo
a felicidade vira fundo musical
e toca na sala
no volume máximo.
65.

uma vez quando eu era criança


minha mãe não me deixou ir jogar bola
mas quando ela foi tomar banho
eu fugi de casa por trinta minutos.

se eu soubesse naquela época


da falta que minha mãe ia fazer atualmente
não teria fugido dela
nem durante aquele
tempinho.
66.

se o silêncio
realmente falasse
como dizem os poetas
provavelmente ele mesmo
iria até tua casa
te contar da saudade
que sinto.
67.

eu peguei uma mania chata


de ficar olhando pra janela por horas
na esperança do amor da minha vida
passar caminhando pela rua
precisando de ajuda.
é permanentemente proibida a comercialização desta obra sem autori-
zação prévia do autor.

a obra foi diagramada e corrigida por Ramai.

a capa foi ilustrada por Danielly Martins e finalizada por Ramai.

https://www.facebook.com/ramaieocaos/
https://www.instagram.com/ramaieocaos/

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