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I.Título
CDU: 82—1
Sumário
Nota da Autora.
Prólogo.
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Epílogo.
Agradecimentos.
Recado.
Nota da Autora.
Sejam muito bem-vindos ao universo de Fera que seria só mais um
clichê romântico se não fossem pelas reviravoltas.
Me chamo Brenda, e lá no Wattpad fiquei mais conhecida com meu
pseudônimo Endalik_ que são as quatro últimas letras do meu nome e as
três últimas do sobrenome Malik.
Fera não é o meu primeiro livro escrito, comecei a escrever no
Wattpad em 2015 e só comecei a escrever Fera em Novembro de 2018.
Um fato muito curioso sobre a minha pessoa, é que eu tenho 20
anos (2021) e sou apaixonada por contos de fadas, então a idéia inicial
de Fera, era fazer uma analogia ao conto muito famoso de Bela e a Fera
— por isso o título.
Espero que vocês se sintam dentro da história e vivam cada capítulo
junto com a Jane.
É importante que vocês saibam que apesar da história começar em
uma pegada mais leve estilo comédia romântica, ela também possui
gatilhos. Fera é um romance New Adult, que apresenta uso de bebidas
alcoólicas, linguagem imprópria, cenas de sexo, aborda assuntos como
depressão, esgotamento psicológico e suicídio, portanto não é
recomendada para menores de 18 anos — deixo claro que as cenas não
incentivam tais atos, mas servem como forma de conscientização.
Todos os comentários, situações e atitudes presentes neste livro que
passem idéia de qualquer outro tipo de abuso, faz parte do roteiro e da
personalidade criada para os personagens. Esclareço que não sou a
favor da romantização dos assuntos abordados.
A ideia da história é justamente o contrário.
Espero que consigam sentir e entender o significado que essa
história tem para mim e que acima de tudo possam finalizar todo o livro
acreditando que todos nós estamos lutando por algo, alguns só precisam
se lembrar disso.
Para todos aqueles que não enxergam uma saída para o
momento difícil que estão passando.
“Enquanto você respirar, ainda haverá uma solução.” — BRENDA
GOMES.
Prólogo.
|“Porque você estava tão empolgado que eu finalmente fosse dirigir
até sua casa, mas hoje eu dirigi pelos subúrbios, chorando porque você
não estava comigo” Drivers license/ Olivia Rodrigo.
Suspiro assim que passo pela portaria, torcendo para que Addam
não tenha voltado. Mas vou correr esse risco porque preciso de um
banho, de roupas limpas, e comer algo.
Subo pelo elevador e assim que ele se abre, suspiro decepcionada
com a chave da porta na mão. Entro e aparentemente não tem ninguém,
então volto a trancar a porta, largo a bolsa no sofá recolhendo as garrafas
de vodca do chão, colocando tudo sobre o balcão que divide a sala da
cozinha.
No quarto, abro o guarda-roupa e pego uma roupa caminhando para
o banheiro onde abro o chuveiro e deixo a água quente bater em meus
ombros até eles relaxarem.
Por Deus, eu nem sei para onde vou ir. Não posso voltar para casa
da minha mãe. Eu sei que ela vai falar que Addam era um safado e
defender minha irmã até a morte e não quero olhar para cara daquela
vaca da minha irmã nunca mais.
Também não posso ficar nesse apartamento, não quero nada que
me lembre àquele babaca, nem olhar na cara dele.
A única coisa que me resta é aceitar a proposta de Amanda minha
melhor amiga, e ir morar com ela em sua kitnet. Eu conheci ela no
estágio da editora. Ela trabalha na área da diagramação e apesar de
sermos tão diferentes uma da outra ficamos amigas quando eu tinha
pouquíssimo tempo lá.
Ela tem pinta de durona, usa jaquetas de couro, coturnos e ama
tatuagem, tem um braço completamente fechado de o quê eu chamo de
rabiscos pretos e sua clavícula é tatuada pela frase “Vivendo obrigada”.
Apesar de ter o rosto angelical, olhos azuis, pele branca cabelos
pretos longos e bochechas rosadas, Amanda sempre tem uma resposta
na ponta da língua se você contrariar ela e sabe dar uma boa surra em
um cara de 1,80 — não que ela já tenha dado. Mas ela é uma boa amiga
quando você conquista a amizade dela, e com toda certeza te defenderá
de caras de 1,80, porém, mesmo que sejamos super amigas, ainda sim,
preciso arrumar um emprego para ajudar ela nas despesas, considerando
que acabei de me demitir do meu estágio dos sonhos.
Jogo minhas roupas todas na mala que comprei para a viagem de
lua de mel, perfumes, maquiagens, sapatos, e enquanto carrego tudo
para sala, faço uma pausa quando ouço baterem na porta, já prevendo
ser Addam.
Agora ele vai querer ser educado e bater na porta antes de entrar
para vir se desculpar?
Abro a porta e meus lábios se abrem, porém, não emitem som
algum.
— Será que eu posso entrar para conversar? Acredito que
começamos mal e devo confessar que isso realmente é loucura, mas vou
precisar de você senhorita Johnson — o moreno profere a mim e eu
pigarreio surpresa ao vê-lo, ou melhor, muito surpresa.
Senhor Whitmore.
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|“Mas mesmo que as estrelas e a lua colidam, eu nunca vou querer
você de volta na minha vida. Pode pegar suas palavras e todas suas
mentiras, eu realmente não me importo.” Realy don’t Care/ Demi Lovato.
— Pode entrar — dou passagem para ele que entra hesitante como
se ao invés disso, estivesse supondo que eu o atacaria como uma
selvagem.
Fecho a porta atrás de mim enquanto ele observa o ambiente e repara
nos cacos de vidro de uma garrafa de bebida espalhados pelo tapete,
então antes que ele caminhe sobre esse campo minado de cacos de
vidro e se machuque mais uma vez por minha causa, enrolo o tapete
colocando em um canto enquanto ele em pé me observa.
— Você estava de saída? — nego para ele que se refere às minhas
malas.
— Como você sabia aonde eu... — antes que eu termine a pergunta,
ele me interrompe.
— Kurt te trouxe, ele sabia o endereço. Eu não tenho super poder, se
quer saber — e eu levanto às duas sobrancelhas com sua grosseria e
suspiro.
— Tá bom — escondo as mãos no bolso de trás da calça jeans e
relaxo os ombros — O que você quer falar comigo? Eu também não
tenho poderes mágicos para descobrir — pergunto no mesmo tom rude
que o dele que arqueia uma das sobrancelhas.
— Eu preciso que volte — o moreno da barba rala dispara a falar e eu
abro a boca, porém não emito som algum.
Surpresa.
— Voltar? Mas não foi você mesmo quem...
— Eu vim te pedir desculpas pelo quê ouviu. Creio que você deve ter
ficado chateada — ele comenta.
— Ah claro, e veio aqui só para pedir desculpas, como se você se
importasse, já que ia me demitir.
— Ainda acho isso, mas assim que eu me recuperar não vamos mais
precisar de você — ele dá os ombros e eu abro ainda mais a boca,
boquiaberta.
— E você acha que eu, vou voltar, só porque você pediu desculpas?
— dou ênfase como se não tivesse o entendido.
— A questão é que isso não estava nos meus planos — ele diz se
referindo ao braço engessado.
— Nem você estava nos meus planos — reviro os olhos.
— Mas você passou por cima de mim.
Ótimo ele é todo prepotente e tem resposta para tudo o que eu falo.
— Que seja, — resmungo caminhando até a porta — Mas eu não
tenho experiência como Babá nem em como aturar um... — me
interrompo assim que abro a porta para mandá-lo embora e dou de cara
com Addam.
— Jane, precisamos conversar — é o que o loiro diz e eu dou um
passo para trás tentando fechar a porta, mas ele a segura — Para com
isso, você não pode fugir para sempre Linda.
Sim, ele ainda tem a cara de pau, de me chamar pelo apelido
carinhoso. Ele é um imbecil de primeira.
— Addam, eu já disse para você que não temos mais nada para
conversar — retruco forçando a porta, mas ele é mais forte e entra
tentando se aproximar de mim — Não quero falar com você — digo
enquanto ele nota a presença do Senhor Whitmore que estava sentado
no sofá, mas agora se coloca de pé.
— Quem é esse cara? — Addam questiona semicerrando os olhos.
— Meu chefe, digo, meu ex-chefe, aliás, não é da sua conta, vai
embora — retruco caminhando até a porta, mas ele se aproxima do
Senhor Whitmore.
— Mal acabamos e você já trouxe outro para cá?!
— Outro não, Aidan Whitmore — o moreno o interrompe e eu engulo
o seco ao ver o moreno estender a mão para Addam.
Além de ser mestre em interromper as pessoas, ainda é um
debochado de primeira.
— Você está tirando uma com a minha cara? — Addam retruca
ignorando a mão do moreno que recolhe e guarda no bolso da calça
social.
— Já chega Addam, vai embora — bufo abrindo a porta.
— Que malas são essas? Já vai embora para casa desse aí? Ou já
deu as passagens da nossa lua de mel para ele para ir dar para ele no
avião?
— Ela não tem cara de quem dá para um cara dentro de um avião.
Você em compensação, tem cara de que come a aeromoça no banheiro...
— Addam interrompe Aidan partindo para cima dele e um grito agudo
escapa de minha boca assim que vejo dois no chão se atacando.
— ADDAM! — tento puxá-lo dali, mas o moreno revida, com seu
braço que ainda está bom.
Sim, ainda, porque pela vantagem de Addam, que usa os dois braços
para atingir ele, se eu não tirá-lo dali, Aidan vai ir embora com os dois
braços quebrados e mais algumas costelas fraturadas.
Mas esse pensamento se desfaz como névoa quando vejo Aidan
revidar, me fazendo dar um passo para trás, e Addam cai bem na minha
frente, desacordado, me fazendo arregalar os olhos.
— Essas malas, você consegue levar sozinha? — o Senhor Whitmore
se volta para mim e eu apenas assinto enquanto ele passa por mim
ofegante.
Pego as duas malas de rodinha e o acompanho, fechando a porta do
apartamento, deixando Addam lá no chão desacordado e em silêncio
entramos no elevador.
— O seu braço e a sua... Costela... Está, tudo bem? — pergunto baixo
quebrando o silêncio enquanto descemos.
— Não, mas vai ficar — Aidan responde — Namoradinho irritado esse
seu — ele comenta e eu bufo.
— Ele não é nada meu. — comento enquanto o acompanho pelo
estacionamento até seu carro onde Kurt nos aguarda — Me desculpe, eu
não sabia que meu ex iria aparecer aqui, eu...
— Se seu ex te procurar pedindo para voltar, quebre o nariz dele.
Estou brincando, peça para alguém fazer isso por você — Aidan me
interrompe com um sorriso sarcástico no rosto — Entre logo, eu preciso
de um analgésico — ele me apressa enquanto Kurt sai para guardar
minhas malas no porta malas.
— Eu estou desesperada — confesso quebrando o silêncio e ele ri,
por um breve instante.
— Só por que dei um soco no nariz do seu namorado?
— Ele não é meu namorado — corrijo — Não sei para onde eu vou
e... Você não está bem, devia estar de repouso — Aidan revira os olhos
— Pode me deixar nesse ponto, eu pego um ônibus e vou para casa de
uma amiga — digo tirando o cinto.
— Ponto... — ele ri como se estivesse querendo dizer inocente, ao
invés disso — Senhorita Johnson, eu disse que precisava de você, e já
que não tem para aonde ir, o ponto ideal, seria o da minha casa.
|05|
|“O olhar intenso e narcisista daquele homem em cima de mim, que
me faz querer queimar como chama, quando na verdade só consigo agir
como uma desajeitada, tropeçando nos próprios pés.”–Jane Johnson.
Cabelos limpos.
Sempre me acho a mulher mais linda desse mundo quando meus
cabelos estão limpos.
Foi um desastre aquilo.
Um banho de água gelada em plenas 07:00 da manhã.
Não vi mais o Senhor Whitmore, nem quero ver.
Ele é mesmo muito estranho e tem uma maneira bem peculiar de se
expressar, nunca sei se ele está dando um segundo sentido para as
coisas que fala. Dá-me arrepios e me deixa sem palavras.
Joanna chegou nos minutos seguintes e me instruiu que hoje, Lya não
teria aula.
Ainda acho isso uma ideia absurda.
Sobre eu ter que cuidar da garota só por atropelar o pai dela — Que,
aliás, é meu chefe. Meu ex-chefe.
Ou melhor. Ainda não assinei minha carta de demissão, então não fui
demitida da WTM, ainda.
Preciso falar com ele. Preciso pelo menos de uma prévia do que irá
acontecer de agora em diante. Já que, precisarei mais do que nunca de
dinheiro da minha rescisão.
Se for para me mandar embora que faça isso dentro dos meus
direitos.
Esse pensamento me faz suspirar quando despejo os poucos
trocados que restou esse mês.
Por Deus, preciso cancelar tantas coisas do casamento. Investi tanto
nessa droga que só me restou dinheiro para tomar um cappuccino no
Starbucks.
Por enquanto é o que preciso para me acalmar.
Desço as escadas e caminho até a grande porta principal, por onde
saio, porém antes que eu possa fechar, ouço a voz de Joanna.
— Vai a algum lugar Senhorita Johnson? — Joanna indaga, como
uma assombração que aparece do nada.
— Achei que não precisasse avisar — respondo dando meia volta —
Vou tomar um café, eu volto em trinta minutos, preciso fazer algumas
ligações — digo e espero uma resposta.
— Nós já servimos o café, junte-se conosco. Temos um telefone —
ela diz apontando para o telefone no canto da imensa sala, fazendo um
gesto para que eu volte a entrar e eu arqueio a sobrancelha.
— Não quero incomodar — dou os ombros.
— Na verdade, o Senhor Whitmore não quer que você saia da casa
até que tudo esteja resolvido.
Arqueio a sobrancelha incrédula.
— Não quer? Sou uma prisioneira agora? Do Senhor Whitmore? —
solto uma risada sarcástica cruzando o braço.
— Não se exalte, ele quer conversar com a senhorita depois do café.
— Tá, mas tenho assuntos para resolver — respondo e Joanna, sem
querer discutir encolhe os ombros e suspira.
— A senhorita pode fazer tudo isso aqui — ela tenta me convencer
novamente.
— Eu volto daqui trinta minutos. — anuncio bufando.
Desde quando ele decide o que faço ou deixo de fazer, ou aonde vou
tomar meu café?
— Diz para ele ir me buscar se eu não voltar — comento em deboche
fechando a porta atrás de mim.
Pelo caminho de pedras cruzo o gramado e Kurt o segurança, abre o
portão para que eu possa sair com meu carro que o mecânico consertou.
As ruas estão molhadas ainda, por conta da tempestade de ontem.
São 09:00 da manhã. O Starbucks não fica tão longe da casa do Senhor
Whitmore, depois da estrada que liga o centro das propriedades privadas
e torço para que meu carro não quebre no meio do nada enquanto me
aproximo do centro.
Peço o mesmo de sempre e me sento em uma mesinha isolada no
estabelecimento para me esconder do vento frio da manhã.
Abro minha lista de contatos dos preparativos do casamento e ligo
primeiro para o serviço de Buffet para cancelar.
Espero que Amanda tenha avisado todas as madrinhas que não será
preciso mais ir buscar os vestidos.
Acho melhor ligar na loja dos vestidos para verificar.
E na florista, para o DJ, para a assessoria da cerimônia
também. Cacete, é uma cerimônia inteira para cancelar.
São três anos de planejamento.
Jogados no lixo.
É frustrante ver tudo isso ser jogado no lixo. Ver o meu sonho ser
triturado, ver tudo se esvair das minhas mãos.
Sei que teria sido pior se eu tivesse me casado e tivesse descoberto
depois, mas dói do mesmo jeito. Sinto vontade de explodir isso tudo.
Mandar tudo pelos ares. Mas não tenho nem ao menos o direito de surtar.
Preciso engolir isso tudo, cancelar como uma mulher madura que
descobriu uma traição e agora precisa arrumar toda a bagunça para
seguir a vida. Sozinha.
E agora tenho essa outra bagunça para consertar. O chefe que
atropelei. O chefe que ia me demitir.
Por Deus, eu quase matei ele. E agora ele quer me aprisionar para
pagar minha pena. Cuidar da filha dele sendo que eu não soube cuidar
nem do meu casamento.
E agora estou tendo um surto interno, chorando baixinho, sozinha,
numa mesa dos fundos do Starbucks, me arrependendo de ter vindo
gastar meu único dinheiro com um cappuccino que já esfriou e que eu
nunca bebo tudo.
Eu só queria estar no meu estágio agora, lendo alguns exemplares e
passando para minha líder de revisão. Só queria voltar para casa e me
preparar para o meu casamento.
Não que eu morresse de amores por Addam, mas eu queria tanto
aquilo, quanto qualquer outra mulher de 25 anos. Um futuro, um marido,
uma família, estabilidade, e provar para minha mãe que cresci e que eu
não sou a Jane ingênua e fracassada.
Eu só queria que desse certo, igual deu com todo mundo.
Raios! Não consigo parar de chorar.
Mas preciso.
Levanto a cabeça e encaro o copo de cappuccino até agora intacto.
Porém, meus olhos se desviam para o sininho da porta que toca
anunciando a entrada de mais um cliente no estabelecimento.
Me engasgo com meu próprio choro, ao ver Addam e recolho
rapidamente minha carteira, deixando o dinheiro do cappuccino em cima
da mesinha.
Assim que passo por ele, o loiro segura em meu braço me impedindo
de sair.
— Jane, será que podemos, por favor, conversar? — ele pede mais
calmo do que um cordeirinho.
Percebo que há um hematoma roxo em seu rosto próximo ao nariz e
lembro-me do Senhor Whitmore o nocauteando.
— Não temos mais nada para conversar Addam, agora me solta.
— E o casamento Jane?
— Você ainda tem coragem de me perguntar de casamento Addam?
— berro atraindo a atenção de todos ali presentes — Quer mesmo que
eu te responda?
— Jane, passamos tanto tempo planejando isso, vamos esquecer o
que aconteceu e seguir em frente — ele insiste fazendo com que eu
gargalhe alto.
— Por que você não casa com a Jenna? — esbravejo ali no meio das
mesas, fazendo todos pararem o que estão fazendo para me ouvir.
— Vamos conversar em outro lugar.
— Não temos mais o que conversar — me solto das mãos dele e vou
em direção á porta.
— Então é assim? — ele indaga e eu me viro para ele de volta.
— Vai — retruco e saio pela porta batendo a mesma atrás de mim.
Engulo o seco deparando-me com a figura alta e forte, de postura
rígida, parado em frente ao estabelecimento.
Camisa branca, calça social azul-marinho, o braço engessado e a
outra mão escondida no bolso da calça.
Por Deus, é o Senhor Whitmore.
Hesito antes de atravessar a rua em sua direção, ele ergue a cabeça
assim que me vê e levanta uma das sobrancelhas.
— Que raios, você está fazendo aqui? — digo assim que atravesso a
rua ainda um tanto desconcertada pela presença dele.
— Você disse para vir te buscar caso não voltasse, não disse? Não
quis soar como alguém que quer controlar seus passos, quis soar como
alguém que não gostaria de te ver sozinha e no estado em que está por
alguém que nunca mereceu você, senhorita Johnson.
|08|
|“Não se esquece alguém que se amava tão rápido, mas ele eu seria
capaz de sofrer uma amnésia agora mesmo.”– Jane Johnson.
Antes que eu possa dizer algo, Aidan puxa o edredom dali, jogando
tudo sobre o chão.
Ele passa por mim, pega no braço da garota e sair puxando ela para
dentro do casarão.
— Senhor Whitmore! — chamo, mas ele dá as costas, pisando duro
no chão, dando passos largos fazendo Lya ter que correr enquanto ele
leva ela irritado lá para dentro.
Vou atrás subindo as escadas e a essas alturas, Lya chora tentando
olhar para trás, na esperança de que eu o pare, mas antes que eu possa
fazer qualquer coisa, Aidan entra com ela no quarto e bate a porta, atrás
de si.
— Senhor Whitmore! — forço a maçaneta — Aidan! — bato na porta
repetidas vezes e vejo Joanna surgir no corredor — Joanna, diz para ele
abrir a porta — peço para ela que suspira.
— Senhorita Johnson, peço que vá para seu quarto descansar, teve
um dia cansativo e…
— Não! Manda-o abrir a porta, por Deus Joanna! Ela não teve culpa
de nada, nós só estávamos lá fora! — berro forçando a maçaneta —
Senhor Whitmore, abra agora essa porta! — ordeno, mas não obtenho
resposta — Argh! — rosno batendo na porta — Por que ele está fazendo
isso? — questiono e Joanna dá as costas — Só estávamos lá fora, qual o
problema de vocês? — digo dessa vez sozinha no corredor.
Tento ouvir algo por entre a porta, mas não escuto som algum. A
única coisa que me resta, é esperar ele sair do quarto e após alguns
minutos de espera, sentada no chão ao lado da porta, ouço finalmente a
maçaneta ser aberta, e me coloco de pé no mesmo instante.
O Senhor Whitmore abre a porta dando passagem para Lya. E ao
contrário de um rosto inchado por lágrimas, a encontro de banho tomado
e roupas limpas.
— Peça para Evangeline te dar algo para comer — ele diz e Lya
assente descendo as escadas como um robô em silêncio.
Ele fez algo muito pior do que ter castigado ela. Ele simplesmente
colocou mais pilha nela e reprogramou a garota para novamente seguir
as regras imbecis dele sem levantar nenhum questionamento.
— O que você fez com ela? — questiono barrando o mesmo no
corredor.
— O que você pensa estar fazendo? — ele indaga e eu arqueio a
sobrancelha — Escute bem senhorita Johnson. Lya não sai da casa. Ela
fica aqui dentro. Segura — ele diz duramente e em alto e bom som,
fazendo com que eu dê um passo para trás — A próxima vez que isso
acontecer, os responsáveis serão punidos — e dá as costas entrando em
seu quarto.
Eu por minha vez, desço as escadas em disparada atrás de Lya que
está no balcão comendo Cookies acompanhados de um copo de leite.
— Lya, — chamo a mesma que se assusta com a minha presença —
O que houve? Ele te bateu?
— Não devíamos ter ido brincar lá fora Tia Jane — ela diz e eu
balanço a cabeça.
— Sinto muito por ele ter te feito pensar isso pequena, mas não foi
nada errado, a não ser que ele me dê um bom motivo.
Ele vai me explicar o que fez com a garota, ou melhor, ele não tinha
que ter feito nada.
— O que você fez com ela? — abro a porta de seu quarto e percebo
que o moreno estava prestes a desabotoar o primeiro botão da camisa
social branca, retirando a tala que mantém seu braço imóvel.
— Não é da sua conta o que fiz com a minha filha — ele me olha pelo
espelho.
— Não fizemos nada! Absolutamente nada. Ela estava brincando. Por
que raios você não quer que ela brinque lá fora? — questiono.
— Não discutirei com você.
— Ah, você vai. Porque quero uma explicação para todo esse circo
que você fez! Você é um ridículo! — ele se vira para mim ofendido e por
um momento não acreditando na ofensa.
Penso em sair correndo, mas permaneço firme.
Preciso fazer isso. Lya confiou em mim.
— Falei para ficar de olho nela. Não para brincar com ela — arqueio a
sobrancelha em deboche.
— E bateu nela por causa disso? — respondo.
— Ela sabe que não devia ter ido lá fora.
— Então você assume que bateu? — Aidan revira os olhos.
— Dei um banho nela, estava suja de grama.
— Você intimidou ela.
— Senhorita Johnson, saia daqui — nego.
— Isso foi errado.
— Não é errado, mas é uma regra.
— Fui eu quem a levei e a não ser que você me explique o por quê,
não vou sair daqui — bato o pé.
— Então fique — ele se vira para o espelho e desabotoa o primeiro
botão da camisa — Ela é minha filha e será punida sim, sempre que me
desobedecer. Não pense que não irei fazer isso porque você não sabia,
ou, porque você não vê uma explicação. Você pode até não ser punida,
mas ela será — ele diz duramente caminhando até a porta — Você é a
Babá, mas quem faz as regras aqui dentro dessa casa sou eu, não você
— Aidan abre a porta e faz um gesto com a mão para que eu saia.
Nossa.
— E por que ela não pode sair? — questiono me negando a sair.
— Não é da sua conta — ele perde a paciência bufando — Seu
trabalho é cuidar para que ela fique segura debaixo das minhas regras,
não debaixo de uma cabana — ergo a sobrancelha com seu desdém.
— Tá bom. Você é um arrogante — rosno — Não se assemelha medo
e respeito. Agora se quiser assemelhar o meu ‘Tá bom’ com ‘Não
concordo, mas você é imbecil demais para entender, tudo bem — saindo
pela porta pisando duro no chão
Entro em meu quarto e tranco a porta.
Raios! Qual o problema dele? Parece mais um general estúpido.
Não demora um minuto para que eu ouça batidas na porta, então me
preparo para mais um confronto e abro a porta bruscamente.
Agora ele vai vir pedir desculpas?
— Veio fazer mais proibições?! — berro abrindo a porta, porém me
deparo com a garotinha dos olhos verdes e cabelos ondulados com um
controle remoto na mão.
— Vamos assistir Barbie? — ergo as sobrancelhas me desarmando
na mesma hora sorrindo.
— Vamos pequena — pego o controle remoto das mãos dela, e a
acompanho pelas escadas.
Não consigo mais nem contar quantas vezes Lya já o chamou pelo
nome ao invés de pai. Raios! Odeio esses mistérios de filme, odeio
quando preciso fazer milhares de perguntas para entender as coisas.
Seria tão mais fácil se a vida fosse como um filme da Barbie, mais
colorida e mais fácil de entender e eu pudesse me transformar no que
quisesse quando precisasse enfrentar algum problema.
Com certeza me transformaria em um dragão de tanta raiva que
passei hoje.
Acordo com leves batidas na porta. Solto um gemido de dor no
pescoço e coloco a cabeça para fora da cabana, é o Senhor Whitmore
recostado no batente a me olhar com uma expressão divertida no rosto,
mas que ele se esforça para esconder.
— Você disse sobre armar cabanas lá fora, mas não fez restrições
sobre armar cabanas aqui dentro — dou os ombros e ele balança a
cabeça acendendo a luz do quarto.
— Você é inacreditável senhorita Johnson — Aidan ri pelo nariz.
— Está precisando de algo? — questiono mesmo sabendo que não
vou mover uma palha para ajudá-lo.
— Na verdade, quem precisa é você. Já passam das cinco e eu disse
que te levaria a um lugar. Vim cumprir minha palavra — eu hesito.
— Acho que não vou mais — respondo por birra.
Ainda estou chateada com o que aconteceu hoje.
— Não seja infantil. Não vou pedir desculpas por repreender minha
filha — ele dá as costas como se acabasse de ler minha mente e eu solto
um grunhido.
Ergo Lya nos braços, apoio sua cabeça no travesseiro, cubro ela com
as cobertas, abaixando o volume da TV, e depois de depositar um leve
beijo em seu testa, desço as escadas e encontro com o Senhor Whitmore
no último degrau.
— Decidiu? — ele diz assim que nota minha presença atrás dele na
escada.
Não respondo nada, apenas o acompanho por outro corredor onde ele
desce pequenas escadinhas, que levam á uma imensa porta de madeiro
envernizada, dessa vez há um anjo esculpido na madeira. Um anjo de
asas abertas. O mesmo anjo do chafariz de bronze do gramado da
entrada e da plantação de roseiras.
Pelo visto ele ama um anjo, mas é o próprio demônio.
A porta está trancada e ele tira uma chave antiga de dentro do bolso
abrindo a mesma, que range e cautelosa adentro ao lugar e meus olhos
se arregalam.
— Meu Deus... — divago boquiaberta.
— Me deixa adivinhar, você supôs que fosse a caverna aonde a fera
se escondia? — ele solta um leve riso.
— Senhor Whitmore… — levo a mão á boca.
— Ainda bem que anoiteceu, prefiro vir aqui de noite — ele diz e faz
uma pausa para acender as luzes e meu queixo cai quando as luzes
amareladas se acendem — Bom, o lugar é esse.
— Posso ficar aqui um pouco? — pergunto.
— Sim. Podemos ficar — ele fecha a porta atrás de si.
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|“Desculpa, sou complicada demais para abaixar a cabeça e
concordar com você”– Jane Johnson.
Segundo dia.
Suspiro antes de bater a porta levemente para não acordar Amanda.
Entro em meu carro, ele está na reserva e penso por um momento se
devo sair com ele ou não. Mas acabo por arriscar, não vou conseguir
chegar na hora se for de ônibus e o café não é tão longe assim que a
reserva não aguente ir e voltar.
Por um momento amaldiçoo a Time's Square, nunca odiei tanto um
lugar movimentado como estou odiando o movimento do café.
Mas para a minha alegria, hoje tem mais duas meninas com o mesmo
uniforme que o meu, já estão à todo o vapor quando chego o que me faz
pensar que estavam de folga ontem. Agradeço pela presença delas
mentalmente.
— Você é a novata? — assinto para uma baixinha de óculos
quadrados que passa por mim com uma bandeja com duas xícaras de
café — Sou a Nanda. Vai para máquina de café, o Patrick faltou hoje —
Já enviei os pedidos, são três cappuccinos expressos, um café forte, e
chá gelado — ela aponta para a tela de pedidos.
— Eu não sei mexer naquilo — digo, mas ela dá as costas e vai
atender outras pessoas.
Outra magrela, do braço tatuado se aproxima de mim, soltando um
leve riso.
— Relaxa ruiva, é só apertar o botão, acrescentar açúcar e esperar
ele sair. É só por nas bandejas e por no balcão, eu sou Tânica, se
precisar é só gritar socorro — Tânica dá as costas, apressada para limpar
uma das mesas livres.
Bom, pense pelo lado bom, Beatrice ainda não chegou, e eu só
preciso apertar um botão.
Hoje será mais tranquilo, pode acreditar. Vai dar tudo certo. Tem duas
garçonetes para ajudar. Vai dar tudo certo.
Digo para mim mesma olhando para o telão dos pedidos e aperto o
primeiro botão que indica chá gelado.
Respiro fundo enquanto espero a bebida sair e sinto algo gelado cair
no meu pé.
Ué.
Tem chá gelado caindo no meu pé.
No meu pé.
Meu Deus.
Olho para onde está saindo o chá e me bato mentalmente.
O copo.
Faltou colocar o copo.
— Tá legal. Calma — digo para mim mesma apertando novamente o
botão esperando que pare de cair chá no chão, mas ao invés disso, leio
no visor da máquina não retire o copo até que o seu chá fique pronto.
Desisto do chá e vou para o outro pedido, Cappuccino expresso.
Coloco o copo de baixo e leio no visor não retire a xícara até que seu
cappuccino fique pronto.
Cacete, tem que ser xícara para esse.
Estico a outra mão para pegar uma xícara enquanto com a outra
mantenho o copo em baixo da máquina que despeja o cappuccino e
troco, mas no momento em que despejo na xícara, a espuminha de cima
some e eu solto um grunhido.
Droga.
Encontro uma caixa de leite ali ao lado de jogo um pouquinho na
xícara, mas esqueço que ele está gelado.
Em uma tentativa de desespero coloco a xícara sobre o motorzinho de
bater Milk shake e a espuma sobe de novo e cai tudo no chão com a
pressão do motor que meche o leite e o café.
Tá, é melhor fazer outro, esse deu merda.
Coloco a xícara em cima do balcão e pego outra.
Vamos do zero.
Vai dar tudo certo.
Esse foi só o primeiro Jane, não é possível que você não saiba
segurar uma xícara e esperar sair café.
Respiro fundo e pressiono o botão de Cappuccino expresso.
Coloco a xícara de baixo.
Espero sair.
Espuminha do leite, okay.
Quentinho, okay.
Sem lambança, okay.
Primeiro pedido concluído com sucesso.
Agora, é só colocar no balcão de pedidos.
Viro-me para o balcão e coloco a xícara.
Não, espera.
Coloquei a primeira tentativa que deu ruim aqui.
No balcão de pedidos prontos.
Cadê aquela lambança que eu fiz?
Meus olhos se arregalam.
Tânica pegou a xícara.
— Não… Não… Não… — digo para mim mesma a cada passo que
ela dá até a mesa do cliente.
Meu Deus! O cliente.
Sinto minha respiração ficar cada vez mais desregulada assim que
vejo quem está sentado na mesa, minhas pernas fraquejam e eu fecho os
olhos fortemente.
Whitmore.
Tânica coloca a bandeja em cima da mesa dele e o vejo agradecer
com um gesto de cabeça, levar a xícara à boca com a maior classe e
fazer a cara mais feia que já vi alguém fazer bebendo café.
— MAS QUE CARALHO É ISSO AQUI?! — o ouço ele dizer
cuspindo o conteúdo de volta na xícara.
Não é possível que eu estou destinada a só me dar mal na vida.
|18|
|“Porque, meu bem, agora nós temos um rixa. Você sabe, isso
costumava ser um amor louco, então dê uma olhada no que você fez.
Porque, meu bem, agora nós temos uma rixa” Bad Bood/ Taylor Swift.
Já passou por um momento da sua vida que sentiu sua alma sair
correndo do corpo, mas viu que o corpo ficou parado e teve que voltar?
Eu podia ver minha alma olhando para meu corpo paralisado com a
situação e falando assim para ele “Vamos fugir, você está magra, dá para
passar pela entrada de ventilação.”
Mas eu não passo pela entrada da ventilação e a cada minuto que
passa, eu fico cada vez mais em choque ao ver que Tânica não saber o
que falar. Todos no estabelecimento olham para eles e o Senhor
Whitmore se levanta irritado.
— Onde está o gerente desse lugar? Que merda é essa que vocês
me fizeram? É uma brincadeira? — Tânica arqueia a sobrancelha.
— O que tem de errado senhor? — ela pergunta dando um passo
para trás e ele ri em deboche.
— Toma aí, essa merda que você me trouxe — ele estende a xícara
para ela que hesita.
Mas que droga ele está fazendo?
Vejo Tânica provar e arregalar os olhos.
— Me desculpa eu… Ãh, vou mandar fazer outro para o senhor, por
conta da casa. Sinto muito mesmo — ela diz envergonhada.
Droga, quando fazemos alguma cagada e Beatrice, a gerente se
desculpa falando que vai dar outro por conta da casa, significa que vão
descontar do salário de quem fez a cagada.
E Tânica não fez nada, fui eu.
— Eu não quero outra merda dessa, eu quero falar com a gerente
desse lugar — o Senhor Whitmore insiste.
— No momento ela ainda não chegou — Nanda a baixinha se
aproxima também tentando acalmar a situação.
— Você é nova aqui né — ele diz para Tânica, e posso ver todos os
outros clientes experimentarem seus pedidos receosos — Com certeza é.
Como contratam uma pessoa como você, que não sabe fazer a merda de
um simples café — ele repousa a xícara sobre a mesa com força e
Tânica dá mais um passo para trás.
O que ele pensa que está fazendo? Pelo visto o braço dele que
estava quebrado já está melhor.
— Sabe limpar essa merda pelo menos? — ele diz e todos arregalam
os olhos boquiabertos vendo a humilhação de Tânica.
Ah não. Não é para tanto. Foi só um café gelado com gosto de Milk
shake de menta.
Deve ter coalhado.
Mas e daí, ele merece outro braço quebrado.
— Quem vai limpar essa merda aqui é você — indago saindo de trás
do balcão secando a mão suja de leite no pano de prato.
Tânica tenta me barrar para que eu deixe quieto e Nanda me alerta
sobre o número de clientes ainda no estabelecimento, mas eu as ignoro e
caminho até ele, que em parte, está surpreso ao me ver.
— Você acha que é quem para humilhar ela assim na frente de todo
mundo? — ele contrai a mandíbula olhando ao redor e todo mundo olha
para nós, amando o ‘show’ em plenas 09 horas da manhã.
— Arrumou um empreguinho? Aliás, foi você né, incompetente e
selvagem como sempre — ele retruca debochando de mim e eu cerro os
punhos.
— Esqueceu do braço quebrado que te dei de presente né, meu carro
está ali do outro lado da rua se quiser ganhar outro — retruco — Pede
desculpas para ela.
— Pedir desculpas pela merda que você preparou para mim?
— Não foi culpa dela, foi minha, não precisa desse ‘show’ todo, era só
um café.
Nanda tenta me puxar dali, mas permaneço firme.
— Só um café, que, aliás, você não sabe fazer — ele ressalta.
Pego a xícara da mão de uma cliente ali ao lado e jogo no terno dele e
por um momento me assusto com minha atitude.
— Seu mal é achar que eu tenho vergonha de ser quem eu sou —
digo entre dentes.
Sendo otimista, ainda bem que não foi na cara se não ia queimar.
Perco o emprego, mas não perco a oportunidade de dar o que ele
merece. Solto um leve riso com esse pensamento e todo mundo arregala
os olhos.
— Não era café que você queria? — permaneço firme.
— Jane, o que… — ele diz ainda boquiaberto com o que fiz, olhando
sua roupa agora suja de café.
— Jane, você está louca? — Tânica consegue me puxar dali.
— Mil desculpas senhor, a gente vai… Vai dar um jeito… — Nanda se
desespera.
— Não vamos nada. Ele é um imbecil rico. Ele não precisa de
ninguém para cuidar dele não. Ele se vira, esse palhaço arrogante —
indago enquanto Tânica me puxa lá para dentro.
— Você está louca, Jane? — ela me repreende levando a mão á
cabeça — Você vai ser mandada embora. A Beatrice vai chegar e vai nos
matar. O café vai ficar mal falado. Esse homem é rico, ele pode mandar
fechar isso aqui — ela diz andando de um lado para o outro, desesperada
— Você tem problemas psiquiátricos menina? Da onde você conhece
ele? Você quebrou o braço dele? Ele é seu ex? — por um momento solto
um riso para o questionário dela e nego.
— Ex-chefe. Ele me demitiu duas vezes — reformulo a frase.
— A Beatrice vai chegar e…
— JANE JOHNSON! — ouço a voz de Beatrice ecoar pelo
estabelecimento inteiro.
|19|
|“Nunca mais. Repito. Nunca mais vou fazer barraco (e já estou
pensando no assunto para o próximo)” – Jane Johnson.
Nunca tive tanta certeza que uma pessoa não gosta de mim como
tenho de Beatrice.
Nunca achei que ela conseguiria me olhar com mais ódio do que
antes.
Nunca achei que seria mandada embora tão rápido de um emprego
como fui desse.
Nunca achei que seria capaz de fazer o que fiz. E agora que a
adrenalina passou, minha fixa caiu e estou abismada comigo mesma.
Nossa, eu sou mesmo uma barraqueira e nunca estive tão orgulhosa
e triste ao mesmo tempo.
Não vejo a hora de contar para Amanda.
Beatrice consegue amenizar a bagunça do café e me mandou embora
no final do expediente.
Por Deus, eu perdi mesmo meu emprego.
Por um momento tinha me esquecido que precisava me manter aqui
se quisesse sobreviver.
Nunca mais. Repito. Nunca mais vou fazer barraco.
Já dei o troco no Senhor Whitmore e provei para ele que sou uma
selvagem de classe baixa que defende a amiga mesmo que a única coisa
que saiba sobre ela é o nome.
Gargalho sozinha me lembrando dele sujo de café.
Ele teve o que merecia.
Imagine ele chegando em casa e Joanna o vendo todo sujo de café,
daria tudo para vê-la segurar o riso enquanto ele conta que fui eu a
responsável.
Recolho minhas coisas de meu armário no final do expediente e ajudo
Tânica a fechar o lugar.
Viramos a plaquinha do estabelecimento para fechado e gargalhamos
relembrando o episódio do começo da manhã.
— Você é uma estabanada mesmo menina — Nanda diz se
despedindo — Se cuide viu — sorrio como agradecimento e aperto o
controle automático de meu carro, mas não escuto ele apitar para
destravar as portas.
— Cadê o meu carro? — me viro para onde eu havia estacionado ele
e meu coração dispara — Ah não, só pode ser brincadeira cacete — levo
a mão a testa — Roubaram meu carro — anuncio — Ótimo, roubaram
meu carro — gargalho de nervoso — Seja lá qual macumba fizeram para
minha vida dar errado, já é hora de parar — digo para mim mesma.
— Chama a polícia Jane — Tânica diz preocupada — Tem certeza
que estacionou ali?
— É um carro, Tânica, um carro. Você nunca esquece aonde
estaciona o próprio carro. Ele estava ali. Por Deus aquele carro é a única
coisa que tenho — me sento na calçada sentindo meus olhos
lacrimejarem de nervoso — Por que levariam meu carro? Ele é tão
velhinho gente, o pára-choque estava amassado, a lataria meio
arranhada, mas era meu carro. Estava na reserva e o banco estava
manchado de sangue atrás, tem tanto carro melhor. Olha aquele? Por
que não levaram aquele vermelho ali? Aposto que o dono deve pagar um
seguro. Seria tão mais fácil para ele arrumar outro — choramingo e
Nanda, e Tânica se sentam ao meu lado.
— Por que estava manchado de sangue? — Nanda pergunta.
— Porque atropelei aquele imbecil e levei ele pro Hospital de carro
depois e… Espera, — me levanto da calçada — Foi ele, — ajeito minha
bolsa sobre o ombro e o sobretudo no braço — Obrigada por tudo
meninas — me despeço as pressas, mas elas me barram.
— Onde você está indo Jane?
— Buscar meu carro, tenho certeza que foi aquele imbecil — digo
entre dentes.
— Jane, para de ser doida, roubaram seu carro, você tem que ir á
delegacia. Para quê o Senhor Whitmore faria isso? — Nanda tenta me
frear, porém eu a ignoro.
— Porque ele sempre quer sair ganhando — digo dando as costas —
Eu vou buscar meu carro e podem apostar que vou passar por cima dele
de novo.
— Se precisar de mim, estarei em meu quarto — assinto para Joanna
que apaga as luzes e antes que eu me recolha para meu quarto, dou uma
passada no quarto de Lya.
Minha pequena já está dormindo. No teto vejo refletir as estrelinhas do
abajur aceso e eu me sento na beirada da cama para cobri-la.
Suspiro observando ela dormir.
Igualzinha á mãe.
Contraio a mandíbula e me levanto.
A casa está silenciosa e eu desço as escadas. Joanna já se
encarregou de deixar tudo trancado. Já apagou as luzes e as
empregadas já foram embora.
Odeio ver essa casa assim, enorme, vazia e em silêncio. Sinto falta
das coisas como eram antes e por mais que eu tente, sei que nunca vou
conseguir trazer isso de volta.
Já mudei a decoração, os móveis de lugar, trocar os quadros,
contratar pessoas para vir trabalhar aqui, mas tudo sempre volta depois
de um tempo, para a mesma estaca zero.
Penso em como será quando minha pequena crescer. Por Deus, a
Lya vai crescer, vai virar uma mulher igual á mãe dela e irá quebrar
minhas regras, vai ir embora e eu ficarei aqui sozinho. Não vou mais
precisar dos serviços de Joanna, talvez de uma empregada para limpar a
casa, mas a casa vai ficar, porque sempre fica. Essas paredes sempre
vão ficar, para me lembrar de como as coisas eram antes e por mais que
pessoas se vão, por mais que os móveis mudem, eu nunca vou conseguir
mudar isso.
Tomo um gole de whisky e caminho até o cercado que leva á minha
plantação de roseiras. Acendo a luz amarelada do poste de iluminação e
me sento na beira do chafariz com o anjo no meio e acabo por soltar um
leve riso desativando o sistema automático que rega as rosas, por um
momento posso ver a ruiva correr no meio deles espirrando água nela.
Em seguida, me frustro.
Ela jogou a droga de uma xícara de café em mim.
Aquela ruiva qualquer dia desses vai me fazer perder completamente
a cabeça. Se já não fez. Olho para o lado e solto um leve riso para o
carro no meio das rosas.
Que droga foi essa que mandei fazer?
Pára-choque amassado, lataria arranhada.
Entro colocando antes o copo de whisky em cima do capô.
O banco de trás está manchado com meu sangue, tem alguns livros
de auto ajuda para quem está solteira e um batom jogado no painel. No
porta-luvas algumas moedas de pouco valor, uma aliança com o nome do
ex noivo babaca dela Addam, no chão um par de sapatos de salto, uma
sombrinha, esmalte, lixa, um elástico de amarrar cabelo, absorventes,
shampoo e um vidro de perfume.
Julgo que ela deve morar aqui dentro.
Ligo os faróis para iluminar melhor o ambiente e me encosto no banco
observando a plantação de roseiras á minha frente.
O carro tem o cheiro dela, de perfume doce. Solto um leve riso me
lembrando dela tentando bater boca comigo como se fosse a dona do
universo com aqueles cabelos ruivos desarrumados, os olhos verdes
enormes me olhando como se fosse me dar uma facada a qualquer
momento e os punhos sempre cerrados, como se ela fosse uma lutadora,
uma vingadora que pode tudo e mais um pouco.
Por Deus, como pode ser tão desajeitada?
Solto um leve riso com esses pensamentos, mas me interrompo
quando batem no vidro da porta.
— Eu não achei graça nenhuma — contraio a mandíbula ao ver Jane
do lado de fora, com os braços cruzados, um pequeno arranhão na
bochecha e nos braços.
Certo. Eu nunca achei que ela seria capaz de pular o muro da minha
casa.
|20|
|“Ninguém vai vencer desta vez, estou balançando minha bandeira
branca, eu me rendo” Surrender/ Natalie Taylor.
— Kurt, por favor, me deixar entrar, eu sei que foi vocês quem
pegaram meu carro — junto as mãos encontrando Kurt na portaria,
implorando, mas ele se nega a abrir o portão.
— Já está tarde ruiva, acho melhor voltar para casa. Já estão todos
dormindo e… Se seu carro estivesse aqui, creio eu que você conseguiria
ver de longe.
— Ah pelo amor de Deus Kurt, como eu vou ver, se essa mansão
parece uma cidade — insisto.
— Por que ele roubaria seu carro? — Kurt cruza os braços.
— Porque é meu carro — cruzo os braços imitando ele que observa
meu avental da Time's coffe.
— Volta para casa ruiva, já está tarde — ele arremata e dá as costas,
voltando para sua cabine.
— Tudo bem — dou os ombros e assim que ele some na escuridão e
dou a volta no quarteirão.
Eu vou entrar, nem que eu tenha que ser presa depois.
Se não me engano, o terreno das roseiras ficava para esse lado e
como estou certa encontro o grande muro que cerca os arredores da
mansão, uso meu sobretudo para passar por cima do aramado e pulo me
arrependo amargamente.
O alarme dispara, porém, consigo ver os faróis DO MEU CARRO
ACESOS e antes que Kurt venha me deter, eu manco até lá e vejo o
bonito lá dentro mexendo nas MINHAS COISAS, rindo e balançando a
cabeça.
Então é assim? O braço dele melhora e ele aproveita para roubar um
carro?
— Eu não achei graça nenhuma — bato no vidro chamando atenção
dele que contrai a mandíbula surpreso ao me ver.
— Jane?
— Ela mesma, — ergo a sobrancelha abrindo a porta do carro —
Escuta, — suspiro como se estivesse com preguiça de dar um pau nele
ali mesmo — Só devolve a chave e me deixa ir embora tá? — estendo a
mão.
Tranquilizo-me ao ver que meu carrinho está ali e só agora sinto a dor
dos arranhões que ganhei gratuitamente pulando em cima de uma
roseira.
Vejo Kurt, surgir com uma arma na mão. O Senhor Whitmore salta de
dentro do carro se colocando na minha frente fazendo um gesto para Kurt
abaixar a arma que arqueia a sobrancelha para mim.
— Está tudo bem Kurt, pode voltar é a Jane — o Senhor Whitmore diz
e Kurt estreita os olhos para mim.
— Oi Kurt — dou um sorrisinho e suspiro.
— Deixa que resolvo isso, obrigado — o Senhor Whitmore diz
tranquilizando Kurt, que não diz nada, só dá as costas e encontra Joanna
pelo caminho com roupa de dormir, ele a leva de volta também e encosta
o cercado que saiu do batente com a pressa dele em pegar o suposto
bandido que invadiu a mansão.
Por fim Aidan se vira para mim.
— Você invadiu mesmo minha casa?
— E você roubou mesmo meu carro?! — digo no mesmo tom que o
dele.
— Olha para você… Sabia que o Kurt tem permissão para atirar? —
ele leva a mão á cintura ainda boquiaberto.
— Devia ter atirado em você então, não mandei você entrar na minha
frente, seu palhaço — abro a porta do carro e entro — Estava mexendo
nos meus absorventes? — desligo os faróis e ele respira fundo enquanto
saio de dentro novamente — Cadê minha chave?
— Sua chave tá com você ué, só mandei rebocar — ele ergue a
sobrancelha.
Procuro as chaves nos bolsos do meu sobretudo, mas não encontro.
— Tudo bem, manda rebocar de volta onde você pegou — anuncio
dando as costas, mas ele segura meu braço.
— Não senhora, leva seu carro, você não veio buscar? Não pulou o
muro? Fez o Kurt arrombar a porta? Agora você vai levar — ele me
repreende me fazendo dar meia volta.
— E você agora é meu chefe para mandar em mim? — indago me
soltando das mãos dele — O braço melhorou e você achou que poderia
colocar as asinhas de fora e roubar o meu carro? — empurro ele, mas ele
me segura firmemente.
— E você vai me agredir agora? Dentro da minha casa?
— Dentro da minha casa — imito ele, vendo o mesmo se irritar cada
vez mais — Eu devia chamar a polícia seu ladrãozinho — tento me soltar,
mas Aidan é mais forte do que eu — Ótimo, agora nós vamos ficar nessa
brincadeirinha de ficar se segurando? — reviro os olhos para o moreno
que me prensa na porta do carro.
— Acredite, isso é o que eu menos quero.
— E o que você quer então? — questiono e sem aviso, a boca dele se
choca contra a minha e dessa vez, ao invés dele continuar segurando
meus braços, suas mãos descem até minha cintura e eu ofego contra a
boca dele, como se ele tivesse me jogado em uma piscina sem aviso,
como se eu tivesse me afogando e me segurasse em sua nuca, com
força desesperada por aquilo, como se sempre estivesse esperando por
aquele momento.
Nossas línguas se entrelaçam e eu sinto meu corpo queimar e meu
coração quase sair pela boca.
O que estou fazendo?
Você está beijando seu ex-chefe gato, que você atropelou, que te
demitiu duas vezes, te fez perder seu 'empreguinho,' que faz você
parecer uma criança sem modos perto da classe dele.
Quebro o beijo olhando para ele por um momento, mas o moreno não
perde tempo e desce a boca até meu pescoço chupando minha parte
sensível me fazendo agarrar seus cabelos.
Não vou nem tentar lutar contra ele, nem vou tentar mentir para mim
mesma, porque quero isso. Quero mais do que qualquer coisa.
Ele desamarra meu avental da Time's coffe, sobre meu pescoço e o
joga para trás, ouço o copo de whisky se espatifar no chão quando ele
me ergue para sentar em cima do capô apertando a parte interna de
minhas coxas.
Ele volta a me beijar e por Deus antes que eu possa me dar conta,
estou desabotoando sua camisa social chupando seu pescoço tatuado.
Passo a mão em seu abdômen tatuado e cacete não consigo analisar
tatuagem por tatuagem eu nem sei o que faço, estou tão entregue a ele
que só consigo ofegar enquanto ele aperta meu seio beijando meu
pescoço.
Aidan leva a mão até a barra da minha blusa tirando ela abaixando a
alça do meu sutiã, fazendo uma trilha de beijos molhados até meu seio e
eu ofego mais uma vez levando o vendo tirar seus cinto e jogar ali no
cascalho.
— Você quer mesmo fazer isso aqui em cima do carro? — quebro o
beijo e ele me olha por um momento.
— Não era o carro que você queria senhorita Johnson? — ele diz e
minhas pernas se entrelaçam em sua cintura enquanto ele volta a morder
meus lábios levemente.
Chorando como uma criança perdida, sem uma mãe para consolar.
Aliás, ela deve estar lá agora no seu sofá de couro, com aquelas suas
roupas de oncinha, sapatos vermelhos e maquiagem sem retocar,
passando a mão na cabeça de Jenna a minha irmã caçula, enquanto a
vida me segura pelo braço e da várias bicudas.
Nunca imaginei que conseguiria me ferrar tanto em tão pouco tempo.
Por Deus, não consigo parar de chorar e rir de mim mesma ao mesmo
tempo, como posso me ferrar mais?
Não responde vida, eu não duvido mais de você.
Amanda está em casa quando chego, ela pausa a série que está
assistindo e volta sua atenção para mim.
— Amiga? Onde você estava? O que aconteceu com você? Eu…
Nossa pensei que… O que foi ein? — ela me puxa para sentar na cama e
eu só balanço a cabeça chorando.
— Fui despedida. Pela terceira vez essa semana — choramingo
enquanto ela me abraça.
— Calma tagarela… Relaxa — ela diz, mas sua voz de preocupação
soa mais como: a coisa tá feia mesmo ein.
— E… Você nem sabe o que aconteceu. Eu tô toda machucada e
meu corpo tá todo dolorido, aquele imbecil me beijou e… Transamos em
cima do meu carro — digo soluçando e ela arregala os olhos.
— O QUÊ? O NOSSO CHEFE GATO ESTUPROU VOCÊ JANE? —
nego limpando o rosto.
— Não, eu que fui uma troxa mesmo, e ele me dispensou hoje, me
ofereceu meu emprego de volta e… Eu queria tanto, mas falei que não…
— Amanda se levanta irritada com a mão na cintura.
— Ah não Jane, o que ele pensa que é? Como você… Em cima do
seu carro?! Em cima do carro? E ele te dispensou? Como que… Como
você conseguiu se machucar toda? — ela me enche de perguntas
batendo o pé freneticamente no chão, claramente nervosa com a
situação.
— Pulei o muro — explico — Ele roubou meu carro — choramingo.
— Tá bom, já chega, eu vou atrás desse louco. Onde ele mora? —
balanço a cabeça.
— Não, você não vai não. Você pode perder o seu emprego na editora
também. Não seja louca.
— Ele que é um louco, isso sim, Jane. Olha, tá bom, se não quer me
dizer onde ele mora eu mesma descubro e mando ele para o lugar de
onde nunca devia ter saído, para uma cama de hospital — ela anuncia
irritada e bate a porta atrás de si — E eu para uma delegacia, talvez.
Assim que me aproximo dos portões de minha casa uma mulher está
ao lado na portaria, ela dá na passagem batendo palmas e assim que
buzino, põe a mão na cintura e arqueia a sobrancelha. Tenho quase
certeza que já vi o rosto dela, na WTM.
— Então é nesse mausoléu, onde você traz suas escravas sexuais
para depois dispensar? Essa aí é a próxima? Olha se eu fosse você
corria enquanto há tempo, porque ele é um sem vergonha — ela dispara
a falar mirando seus olhos azuis em mim e eu saio do carro.
— Quem é você, por gentileza? — debocho e vejo ela cruzar os
braços.
— Eu quem te pergunto. Quem você acha que é para fazer o que fez
com a minha amiga?
A morena dona do braço tatuado e clavícula tatuada com a frase
“Vivendo obrigada” vestindo coturnos pretos, regata branca e calças
surradas usa o mesmo tom que o meu fazendo arquear a sobrancelha.
— Eu não sei quem é sua amiga — respondo dando a chave para
Kurt estacionar o carro e faço um gesto para Joanna levar Lya para
dentro.
— E essa é a sua filha? Você acha bonito colocar ela no meio das
suas safadezas?
Eu realmente não faço a menor ideia do porque essa mulher com
pinta de mafiosa está aqui, e de quem ela está se referindo.
— Como você pode fazer uma coisa daquela com a Jane? Meu, ela…
Ela é a JANE!
Ah claro, amiga da ruiva.
Tinha que ser.
Suspiro me lembrando de Jane.
Ela disse que não tinha nada. Pelo menos tem uma amiga marrenta
para defender ela que defende todo mundo.
— Escuta aqui seu… Empresário de merda, o que você tá querendo
com ela? — encolho os ombros.
— Qual seu nome? — digo sem dar muita atenção para o que ela está
falando.
— Amanda Willer, aquela que vai chutar seu saco se você não
responder minha pergunta e eu trabalho sim, na WTM, se quiser me
mandar embora, pode fazer, mas todo mundo naquela grande merda irá
saber que tipo de homem você é! — cruzo os braços.
— Como ela está? — pergunto e ela se desarma encolhendo os
ombros.
— Toda machucada? Se sentindo usada? Você queria dar o emprego
de volta para ela porque ela transou com você?! Você não tem o pingo de
vergonha na cara seu safado? Você faz isso toda vez que despede uma
funcionária sua?
Puta que pariu, fala mais que a Jane. Parece uma metralhadora.
— Você quer entrar? — tento manter o tom de voz com ela que
gargalha.
— Vai me pegar também? Em cima da sua mesinha de troféus
do babaca do ano? — reviro os olhos.
— Porra, me deixa falar? — perco a paciência — Escuta. Conversei
com ela. Eu não fui babaca Amanda, eu pedi para ela ficar aqui, porque
sei que não tem onde ficar. Eu não dispensei a Jane. Sei que é tudo
muito confuso, mas minha intenção não foi magoá-la — digo tudo de uma
vez antes que ela volte a me fuzilar com comentários.
— Tá, vocês estão enrolados, é isso? — confirmo com a cabeça —
Nossa, era só ter falado isso, não precisava gaguejar não — reviro os
olhos enquanto ela se vê por vencida pela minha explicação — Porém a
Jane tá mau com isso cara, o Addam foi o único homem dela e… Ela não
entende essas coisas, ela é a Jane — suspiro — Olha, eu conheço ela
não faz muito tempo, mas o jeito que ela tagarela sem parar quando o
assunto é você, me faz pensar que ela está mesmo gostando de você,
mas ela já sofreu muito por causa de caras que não mereciam ela, então
a menos que você não queira tomar uma surra minha, honre o
sentimento dela por você.
— É, eu sei.
— Fala com ela, por favor. Ela está lá em casa.
— Eu não posso ir, eu pedi para ela ficar.
— E por que não pode ir? — ela arqueia a sobrancelha.
— Porque eu preciso cuidar da minha filha. Preciso ficar com ela
agora. Se ela quiser voltar, tudo bem, mas vai precisar voltar sozinha —
Amanda volta a cruzar os braços irritada.
— Nossa, que protetor — debocha.
— Eu não vou Amanda. Diz para ela que vou esperar, mas não posso
sair daqui, não agora. — ela assente.
— E a Jane vai ficar assim até quando? — balanço a cabeça.
— Eu não consigo me desdobrar em dois e cuidar das duas. E por
Deus Amanda, peça para ela vir que eu consigo fazer duas ficarem bem
— ela assente.
— Tá.
— Tem certeza que não quer entrar?
— A única coisa que quero, é saber se você vai me mandar embora,
porque se for, eu nem acordo cedo amanhã — solto um leve riso.
— Fique tranquila.
Acordo com o barulho da campainha e uma imensa dor de cabeça.
Percebo que chorei até cair no sono e me levanto ainda um pouco
desorientada, caminhando até a porta. Amanda ainda não voltou e julgo
ser ela, mas a porta está aberta.
Tocam novamente e eu abro ainda tentando me acostumar com a luz.
— Mamãe?
|23|
|“Agora nós vamos ditar as regras, senhor Whitmore” – Amanda
Willer.
Amanda nos leva até uma mesa onde outros rapazes estão e me
sento ao seu lado.
— Pessoal essa aqui é a Jane — Amanda me apresenta enquanto
Alec, parece uma estátua, pálido ao meu lado.
Ele pega outra taça de vinho e toma em dois goles enquanto os outros
rapazes me observam como se eu fosse um frango assado numa vitrine.
— Esse é o Djosh da revisão, Bernard da ficha técnica e Morrish da
impressão — Amanda os apresenta e todos sorriem simpáticos para mim.
— E você? É a Jane do quê? — Morrish, o loiro de olhos azuis, do
setor de impressão da WTM pergunta se inclinando para mim.
— Eu… Na verdade, trabalhei aqui — respondo e ele assente
erguendo a sobrancelha — Eu era estagiária no setor de seleção de
originais — completo.
— Auxiliar da megera da Mabel? — assinto espremendo os lábios
para Djosh do setor de revisão de textos — Temos aqui uma sobrevivente
então — ele comenta e nós rimos — Mas por que você saiu Jane? —
contraio a mandíbula.
— Corte de funcionários — penso rápido e uso uma resposta padrão
para não ter que contar que atropelei o Senhor Whitmore, virei Babá da
sua filha, fui demitida de lá também, ele roubou meu carro, pulei o muro
da sua casa, transamos no capô do meu carro e agora estou aqui para
fazer ciúme para ele porque ele me dispensou e pode ser que estejamos
enrolados ainda, segundo minha amiga Amanda.
— Mas que bom que você saiu — Djosh o moreno forte que tem
algumas tatuagens no braço diz dando os ombros — Estamos dando
duro ultimamente e a WTM não sai do lugar, sem contar que parece que
o nosso chefe não está nem aí, suponho que foi por isso que ele vendeu
uma parte da empresa para outro sócio, porque não está dando conta de
segurar a falência, sozinho — ele diz e todo mundo fica em silêncio como
se tivessem concordando com isso.
— Ele vendeu? — questiono.
— Sim, hoje é noite de posse do novo sócio, como se isso fosse
mudar algo né — Morrish diz torcendo o nariz enquanto os outros
concordam.
— Sabe o que eu acho? Que o Senhor Whitmore quer largar. A WTM
está no mercado há anos e sempre foi administrada pela família
Whitmore, você sabe o avô, o pai, e agora o Senhor Whitmore quer
vender parte das ações para outro? E aquela história toda que ouvimos
quando entramos aqui? Sobre a WTM ser uma empresa de família, de
acolhimento e blá, blá, blá? Uma que o Senhor Whitmore nem liga para
gente, ele faz um recente corte de funcionários e nem deu motivos para
isso — Amanda comenta e eles conspiram contra a WTM como se
fossem cobras num ninho planejando um ataque.
Enquanto eles conversam, as luzes são diminuídas e um foco de luz
se destaca no palco do espaço onde Mabel aparece com um microfone.
— Boa noite. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a presença
de todos aqui essa noite, agradecer pelo esforço de vocês até aqui.
Sabemos que a WTM não está passando por uma fase fácil, mas quero
assegurar que virão dias melhores, dias de mudança — ela diz séria
como sempre e numa postura impecável — Fiquemos de pé e recebam o
Senhor Whitmore — ela diz e mais um foco de luz ilumina o moreno que
anda pelo corredor de mesas até Mabel.
— Boa noite colaboradores — ele diz e todos respondem enquanto
ele faz uma pausa para que possamos nos sentar novamente — Quero
primeiro expressar meus agradecimentos pela presença de todos e
reforçar o que todos vocês já devem estar cientes, que é a venda de 50%
das ações da WTM. Como muito de vocês que estão aqui já sabem,
estamos vivendo uma fase difícil na WTM e talvez a primeira desde que
ela se estruturou, mas esse não é o fim — ele faz mais uma pausa
quando algumas pessoas batem palmas para o que ele diz — A WTM
está passando por mudanças e assim como toda mudança algumas
coisas saem dos trilhos, mas fiquem tranquilos que ela vai permanecer.
Pedi que nos reuníssemos aqui desde o administrativo até o setor de
produção e até os que já foram cortados.
Ele só pode estar de brincadeira comigo.
Coro.
E o Senhor Whitmore ataca novamente.
— Para que vocês possam conhecer quem trabalhará comigo de
agora em diante visando que, 50% de vocês serão regidos por ele não
mais por mim, e isso não quer dizer que serão demitidos ou que irá haver
troca de registro, não. Vocês continuarão como estão, mas pedi que
fosse organizado essa confraternização porque a transparência da WTM
é uma das nossas marcas registradas. Não precisamos esconder nada
de vocês, até porque são vocês que fazem a WTM funcionar, não tem
nada encoberto dos olhos que vocês, porque não precisamos disso com
nossos colaboradores, vocês não precisam pular o muro para querer
saber de alguma informação, está tudo sendo esclarecido.
Tá legal, ele já tinha esse script escrito?
— Por favor, fiquem de pé e recebam Lemmond Talbot — o Senhor
Whitmore anuncia e todos se levantam rapidamente procurando o mesmo
pelo espaço, mas ele vem lá da frente e sem muita enrolação sorri
tomando o lugar do Senhor Whitmore no microfone.
Após as declarações de Lemmond, toda a programação do evento
torna a voltar e o Buffet libera o prato principal de noite, enquanto todos
voltam a conversar entre si.
Vejo Mabel se aproximar da nossa mesa e eu sinto vontade de correr
dali quando percebo que ela está apresentando o senhor Talbot junto
com o Senhor Whitmore de mesa em mesa e agora é a nossa mesa que
eles estão se direcionando.
— Mas e então, vocês estão juntos desde quando? — Djosh pergunta
e Alec me olha antes de responder e eu torço para que ele ignore a
pergunta, mas ele não nota a presença de Mabel e Aidan ao lado deles.
— Desde sempre, na verdade, é que era difícil ver a Jane já que a
Mabel não deixava ela ir me servir cafezinho — Alec diz e eu engulo o
seco olhando para os dois atrás dele.
O Senhor Whitmore me olha como se quisesse dizer “Bom saber.”
O moreno pigarreia atraindo nossa atenção e Alec contrai a
mandíbula cada vez mais fodido.
— Bom te ver Johnson — Mabel me cumprimenta me olhando como
se quisesse dizer que raios você está fazendo aqui com esse vestido? —
Esses são o senhor Talbot, novo chefe de vocês na parte de criação, —
Mabel apresenta — Este é o Djosh, Bernard, Morrish, Amanda e Alec —
Mabel diz ao senhor Talbot que observa todos com seu par de olhos
azuis, fazendo um gesto com a cabeça.
— E a bela moça? — Lemmond se refere a mim e eu sorrio.
Também queria saber o que estou fazendo aqui.
— Ah eu… Sou só,
— Uma funcionária que foi cortada — Aidan responde por mim e eu
coro sentindo minha fala descer pela garganta novamente.
Lemmond solta um leve riso também sem jeito com a intromissão do
Senhor Whitmore.
— Ela veio comigo — Alec intervém entrelaçando a mão na minha.
Ótimo, um constrangimento na frente do novo chefe.
— Ser agregada não é ser familiar — o Senhor Whitmore retruca para
Alec que pousa sua taça na mesa e o encara.
— Desconta do meu salário então o vinho que ela está bebendo —
Alec rosna irritado e eu seguro a mão dele por baixo da mesa.
— Não é para tanto Alec — o repreendo num tom de voz mínimo.
— Eu devia descontar do seu salário o café da manhã que ela tomou
na minha casa também? — Aidan retruca vitorioso e todos ali abrem a
boca num perfeito 'o' — Estou brincando pessoal — Aidan abre um
sorrisinho ao ver que meu rosto já está corado o suficiente para que ele
veja que ganhou mais essa.
Todos na mesa soltam leves risos me olhando, todos sem graça. Mas
por mais que ele tenha dito ser brincadeira, o clima não poderia ter ficado
pior e mais constrangedor para mim.
— Vou ao banheiro — anuncio e pego minha bolsa de mão deixando
a mesa.
Amanda vem atrás de mim, porém eu me tranco no banheiro
encarando meu rosto na frente do espelho.
Droga, estou chorando.
— Jane, não me diga que vai deixar isso barato — Amanda diz do
outro lado da porta.
— Quero ir embora, não quero participar mais disso — decido.
— Nós vamos ficar, quem tem que ir embora é esse babaca —
Amanda indaga.
— Ele não pode ir. A festa é dele e nada do que eu disser ou fizer, vai
chamar atenção dele o suficiente para ele colocar a mão na consciência e
conversar comigo sobre o que aconteceu entre nós dois — retruco
chateada me sentando na tampa da privada.
— Abre aqui senhorita Johnson.
Aidan.
Depois que abro a porta do banheiro, Amanda faz sinal de que vai me
esperar lá na nossa mesa para irmos embora depois e eu suspiro para
Aidan que me olha por alguns minutos, como se estivesse pensando num
terreno baldo mais próximo para desovar meu corpo depois de me
esganar.
— Podemos conversar? — ele diz quebrando o silêncio entre nós
dois.
Pego minha bolsa e saio dali acompanhando ele, enquanto os outros
funcionários também nos acompanha com os olhos.
— O que você veio fazer aqui? — ele diz enquanto se senta num
banco ali fora, mas permaneço de pé.
— Você vai sair falando para todo mundo agora que dormi com você?
Que baixaria Aidan — cruzo os braços para ele que fecha os olhos
respirando fundo.
— Você não está com aquele rapaz está?
— O que você acha?
— Suponho que não teria coragem de ter feito o que fizemos, estando
com outra pessoa.
— Pensa o que você quiser — dou as costas, mas ele me segura.
— Jane, que raios você está tentando fazer? — ele diz.
— Que raios eu estou tentando fazer? Que raios VOCÊ está tentando
fazer Aidan, será que é tão difícil para você largar esse orgulho e vir
conversar comigo sobre o que aconteceu entre a gente?! Todos esses
dias se passaram e você não pode vir atrás de mim como fez no
Starbucks, ou quando foi até meu apartamento? Ou para você isso é só
divertido quando está caçando uma nova presa e quando ela já está na
sua mão, você simplesmente larga? — retruco lavando os panos sujo.
— Por Deus Jane, olhe o que você está me dizendo. Sabe que não é
assim que funciona. Vai me dizer que não foi orgulhoso da sua parte
também vir até aqui para me fazer ciúme com um cara que não tem nada
a ver com você, quando na verdade você poderia ter ido até minha casa
para resolvermos isso, foi o que eu te pedi.
— Por que você é tão frio? Por que não pode simplesmente me dizer
o que sente por mim, sem ter medo que eu desconstrua essa barreira de
autoridade que você tem?
— Porque eu sou assim.
— Assim?! Um babaca? Que diz para todo mundo que eu dormi na
sua casa? Você faz essa brincadeira com todo mundo que dorme com
você?
— Você foi a única, Jane, por Deus — ele balança a cabeça — Você é
a única que eu quero, não existe a hipótese de eu ter te dispensado ou te
usado, tire isso da sua cabeça. Jane, isso não é um jogo.
— Só está me dizendo isso porque eu vim até aqui, o que você teria
feito se eu não tivesse aparecido aqui?
— Minha filha está doente e eu não posso ir atrás dos meus desejos e
perder ela para uma doença igual perdi minha esposa — ele diz me
deixando sem palavras, seu celular toca e ele atende com um alô baixo,
em seguida sua reação é como se o chão em baixo de seus pés tivesse
sido tirado e ele não conseguisse se mover — Estou indo — ele diz
guardando o celular dando uma última olhada para mim.
— O que houve? — pergunto podendo ver seus olhos lacrimejarem.
— É a Lya. Estou perdendo minha filha — ele diz dando as costas
caçando as chaves do carro nos bolsos e eu sinto meu coração apertar, o
vendo ir embora, correndo, desesperado, perdendo toda aquela postura
rígida e fria construída ao seu redor e eu me vejo sendo atraída como um
ímã atrás ele deixando Alec e Amanda para trás.
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|“Não há problema em chorar, até meu pai chora ás vezes. Então não
esfregue seus olhos, as lágrimas podem lembrar que você está vivo” —
Even My Dad Does Sometimes/ Ed Sheeran.
Aidan não falou mais nada depois que deu partida no carro. Meu
celular toca um milhão de vezes com o nome de Amanda na tela, mas
não atendo.
O moreno dirige o mais rápido possível até o hospital particular no
centro da cidade. Faço um coque nos cabelos assim que ele para o carro
no estacionamento e corre até a recepção.
— Sou o responsável da Lya Whitmore — ele se identifica e a mulher
imprime um adesivo escrito acompanhante, ela me olha por um
momento.
— Ela está comigo — ele informa e ela me entrega outro adesivo
onde colo no vestido.
Não consigo dar mais um passo sequer com esse salto.
Ando ao lado dele segurando a barra do vestido e o pessoal nos olha
assim que entramos no elevador. Eu parecendo um sinalizador com esse
vestido amarelo e o Senhor Whitmore impecável como sempre, de terno
e cabelos bem alinhados. Só a gravata afrouxada no pescoço denuncia
seu desespero.
Permaneço em silêncio ao lado dele e quando a porta do elevador se
abre, damos de cara com Joanna em pé, andando de um lado para o
outro.
Ela arqueia a sobrancelha quando me vê, mas não faz nenhuma
pergunta, só faz um gesto com a cabeça em sinal de cumprimento.
— Cadê ela? — Aidan pergunta assim que ela vem ao nosso
encontro.
— Acabou de fazer uma bateria de exames. Está no quarto, o médico
pediu para aguardar o resultado. O sangramento parou, mas ela está
muito fraca — Joanna diz e eu contraio a mandíbula.
— O que está havendo com ela? — pergunto pela primeira vez, mas
sou ignorada pelo Senhor Whitmore que se senta num do banco sem
saber o que fazer.
— O que aconteceu com ela? — ele pergunta para Joanna que
suspira.
— Reclamou de dor de cabeça, começou a vomitar. Aí coloquei ela
para dormir e acordou com o nariz sangrando. Pedi para Kurt para virmos
para cá, ela estava muito fraca e… Disse que não conseguia enxergar
direito — vejo Aidan assentir tombando a cabeça para trás — Quando
chegamos aqui, ela ficou agitada e convulsionou — ele contrai a
mandíbula balançando a cabeça e eu suspiro.
— Mas por que isso? Do nada? — Antes que Aidan possa me
responder, eles se voltam para o médico que aparece no corredor.
— Responsável por Lya Whitmore, por favor me acompanhe — ele
chama e Aidan se levanta — Você é a mãe? Pode vir também, por favor
— ele me chama, porém, eu nego.
— Não eu… Sou só uma amiga.
— Jane, vem. Por favor — ouço Aidan me chamar e eu me levanto.
Desisto dos saltos, os tiro e os levo na mão.
Agora todo mundo já sabe que sou do subúrbio e não tenho classe
nenhuma em um hospital de rico.
A cada passo que dou até a sala do médico, sinto o chão sendo tirado
dos meus pés.
Eu não estou surpreso. Não dessa vez.
Mas eu lutei. Fiz o que pude. E só agora vejo o quão inútil foi todo
meu esforço. Estou tão preocupado e cada vez que Jane olha para mim,
querendo saber o que está havendo, sinto o nó na minha garganta se
apertar cada vez mais.
Sei que não vou conseguir contar para ela. Eu não consigo nem ao
menos falar com o médico.
Jane se senta ao meu lado diante da mesa do médico que abre
alguns envelopes com resultado de exames.
— Na noite de hoje, às 20:45, Lya deu entrada nesse centro médico.
Ela teve uma pequena hemorragia que foi contida.
— Ai meu Deus doutor — Jane interrompe ele arregalando os olhos
pegando na minha mão por debaixo da mesa, ela me olha abrindo os
lábios.
— Calma Jane — faço um gesto para que o doutor continue e ele
assente.
— A hemorragia nasal foi contida, mas houve uma convulsão em
seguida. Segundo o histórico dela: dor nos ossos, indisposição, vômitos,
hemorragia e febre foi feito um teste de medula e pelo histórico de LLA na
família, foi feito um teste de medula e deu positivo — a cada palavra sinto
como se chutes estivessem sendo dados no meu estômago, mas eu me
mantenho firme enquanto Jane me olha sem ter a menor ideia do que é
isso.
Eu assinto de forma calma, mas não é o suficiente para conter as
lágrimas que escorrem de forma rápida pelo meu rosto.
— Senhor Whitmore, por ser aguda, eu irei recomendar os três tipos
de tratamentos e ela dará início imediato nos três, considerando que o
estágio dela está se avançando de forma rápida. Recomendo também a
lista de remédios para ela tomar, são corticóides que irão diminuir a dor
nos ossos e anticancerígenos para ajudar as células-tronco a combater
qualquer tipo de hemorragia que ela venha ter futuramente — assinto
pegando os papéis.
— E ela está aonde? — pergunto e minha voz falha denunciando
minha preocupação.
Jane ainda parece não ter sacado o que houve com Lya, mas não diz
nada, apenas segura os sapatos em seu colo e segura minha mão me
dando a maior força. Dá para ver como ela está mexida com isso mesmo
sem entender nada, está chateada e tenta ler o que está escrito nas
folhas que o médico me deu.
— Posso ver ela? — peço e o médico assente.
— Só familiares por enquanto — ele assente e se refere à Jane.
— Tá, eu… Espero lá fora — ela diz enquanto saímos da sala.
— Acho melhor você ir para casa Jane — digo quando voltamos para
a sala de espera.
— O quê?! Eu vou ficar aqui — ela nega.
— Você está cansada, e descalça. Pode pegar um resfriado, e, além
disso, isso não é problema seu.
— Claro que é problema meu Aidan — ela me repreende e por Deus,
como quero que ela fique, mas não quero ser mais um problema para ela
ter que resolver.
— A Joanna já está aqui para me ajudar.
— Eu vou ficar sim, mesmo sem ter a menor ideia do que ela tem. Por
que você não diz logo? Olha eu… Vou ter um surto se você não disser
que raios está acontecendo aqui — ela cruza os braços entregando o
sapato para Joanna.
— Você quer que eu conte o que Jane, a Lya está doente. E todos
esses anos eu lutei, eu fiz de tudo para proteger ela dessa doença,
mas… Olha onde estamos agora, olha esses remédios que eu vou ter
quer comprar tudo de novo, olha o médico me explicando todo esse
procedimento de novo, como se eu não soubesse o que é Leucemia,
como se eu não soubesse que a minha filha está morrendo igual
aconteceu com a mãe dela — contraio a mandíbula quando percebo que
aumentei meu tom de voz para Jane e todos ao redor me olham, com
pena — Vá para casa Jane, você não precisa fazer parte disso, aproveita
para ir logo, antes que você se apegue — dou as costas impedindo ela
de me ver chorando, mas ela vem atrás de mim e me puxa pelo ombro
fazendo eu me virar para ela novamente.
Sou pego de surpresa pelos seus braços miúdos me abraçando e eu
nem me lembro quando foi a última vez que alguém tinha me abraçado a
não ser para dizer “negócio fechado Senhor Whitmore” ela me abraça e
soluço junto às lantejoulas do seu vestido amarelo.
— Antes que eu me apegue? Eu já estou tão ligada a vocês e nem sei
quando foi que isso começou, — a ruiva diz junto ao meu terno e eu
assinto balançando a cabeça — Tudo bem em chorar Senhor Whitmore
— ela diz passando a mão em minhas costas — Todo mundo chora e…
Eu não faço a menor ideia do que estou falando, e você deve estar
passando vergonha comigo vestida assim, descalça nesse hospital, mas
não me peça para ir, porque… Isso não está acontecendo de novo
Senhor Whitmore, não vão ser igual, você não está sozinho dessa vez —
ela diz sem jeito acariciando meus cabelos usando suas unhas e eu
apenas assinto, mas arqueio as sobrancelhas e coço os olhos quando
vejo quatro mulheres saírem do elevador e virem até nós.
O que minha mãe e minhas irmãs estão fazendo aqui?
|28|
Jenna.
Mas a questão não é a presença dela. A questão é o por quê da
presença dela.
— Nossa que roupa é essa? Quer dizer, é a roupa que suas
madrinhas iriam usar? — ela diz me cumprimentando com um beijo no
rosto, mas eu não me movo para corresponder.
Como ela tem a audácia de aparecer assim como se nada tivesse
acontecido?
— O que está fazendo aqui? — cruzo os braços e Amanda sai para
ver com quem estou falando.
— Eu tentei dispensar ela, mas… Aqui está — Amanda tenta se
explicar.
Entramos e ela vem logo atrás, andando com seu par de botas de
salto alto.
Andando como uma gata de raça com medo de molhar os pés.
— Mamãe já falou para você parar de andar com essa garota
barraqueira e você insiste né.
— Olha aqui cabelo de salsicha, abaixa sua bola se não te coloco na
rua — Amanda enfrenta ela apontando o dedo e Jenna fingindo-se de
ofendida levanta as mãos com tom de ironia.
— Você bate em grávidas agora? — ela diz e eu ergo a sobrancelha.
— Você está grávida? — questiono guardando meus sapatos.
— Você será titia Jane! — Jenna se anima me dando a notícia e não
consigo esboçar nenhuma emoção.
— Veio aqui para me falar isso? — ela assente.
— Sim, eu pedi para mamãe trazer o convite, mas ela disse que não
ia voltar ao subúrbio, no fundo do poço onde você estava — assinto
erguendo a sobrancelha — Tentei te mandar o convite eletrônico, mas
você bloqueou eu e todo mundo né. Então vim pessoalmente te trazer o
convite. Quero muito que você vá maninha, e por mais que tenha
acontecido aquele ocorrido, Addam e eu fazemos questão de você no
chá de bebê — Amanda gargalha totalmente surpresa.
— Ah! — digo ainda chocada com o que ela acabou de falar.
Chocada não por ela estar grávida do Addam, mas pela naturalidade
com que ela está me convidando.
— Além de ter dado para noivo dela, ainda engravidou — Amanda
bate palmas — O que mais você fez? Se mudou para o apartamento
deles?
— Precisamos de um lugar para morar e já que a Jane não quis
atender os telefonemas de Addam para resolver, nem quis falar com ele
quando se viram, deduzimos que poderíamos ficar por lá.
Fico muda.
Não consigo dizer nada. Não que eu esteja abalada, mas… Minha
irmã literalmente ficou com tudo o que era meu.
Primeiro meu noivo, depois meu apartamento e agora meu sonho de
ser mãe.
— Addam não te ligou? Ele disse que conversou com você
pessoalmente, mas você não quis nem olhar na cara dele.
— Tentou conversar ou veio me pedir para voltar? — retruco.
— Você acha que ele é a fim de você ainda? Pelo amor de Deus né
Jane, ele nem gostava de você quando ainda estavam juntos e agora tá
me falando que ele pediu para voltar? — Jenna leva as mãos á cintura
irritando-se comigo e eu gargalho.
— Você está surpresa? Acha que vai demorar quanto até você pegar
ele na cama com outra? — cruzo os braços e Amanda faz um gesto com
a cabeça como se quisesse dizer “Caraca Jane, mandou bem agora ein”.
— Bem que a mamãe falou, você está louca. Você é uma obcecada
pelo Addam. Tenho mesmo que tomar cuidado — gargalho alto
propositalmente com a fala dela.
— Tomar cuidado comigo?! A nossa mãe veio aqui e falou mal dele
para mim, e agora é comigo que você tem que tomar cuidado?!
— Ela ama o Addam, sempre amou. Desde que, estavam juntos —
ela cruza os braços se justificando.
— Tá bom Jenna, muito obrigada pelo convite, mas não espere pela
minha presença, eu tenho muita coisa para fazer aqui nesse subúrbio do
fundo do poço onde estou, você já pode ir embora — perco a paciência e
caminho até a porta.
— Você está com inveja de mim — abro a boca como num perfeito 'o'
com o que ela acabou de dizer — Só porque eu vou ter um filho primeiro
e você nunca vai dar certo com ninguém, porque é infantil, lerda, burra,
louca e agora uma chifruda que perdeu para mim — ela se inclina para
mim se sentindo inferior — Você sempre perde para mim Jane, eu
sempre serei a preferida, e você sempre a fracassada — meu sangue
sobe e eu sinto meus olhos lacrimejarem de ódio.
— Por favor né, chega de palhaçada por hoje — Amanda intervém me
puxando dali.
— Volte para mansão das Blanchetthh e seja muito feliz com seu
noivo, e façam bom uso do dinheiro que NOSSO PAI, deixou para NÓS
DUAS e que VOCÊ E A MAMÃE gasta com a merda dessas roupas de
perua! — berro e bato a cara na porta dela.
— JANE BLANCHETTHH JOHNSON! ABRA AGORA ESSA PORTA!
— Jenna berra do lado de fora enquanto eu encostada na porta fecho os
olhos fortemente querendo abrir novamente a porta e dar uma lição nela.
Ela logo para de gritar e vai embora enquanto queimo o convite
chorando.
— Eu não devia fazer isso com esse convite Amanda, é um bebê, que
não tem culpa do que essa perua fez — choramingo enquanto Amanda
toma da minha mão e jogo pela janela — Eu sempre quis ser tia, mas não
desse jeito.
— Calma Jane, relaxa. Isso não te faz a pior pessoa do mundo — ela
diz apertando meu ombro num gesto de solidariedade — Isso é demais
para minha cabeça. Aquela garota mimada merecia uma bela de uma
lição — ela diz pegando um copo de água para mim — Como foi a sua
noite? — ela se senta animada esperando eu contar os detalhes e um
sorriso bobo escapa pelos meus lábios.
— Ele me beijou — digo e ela pula da cama gritando.
— EU SABIA JANE, EU SABIA! AAAAAAA VOCÊS VÃO TER
FILHOS LINDOS E RICOS! O SEU NOME VAI SER JANE WHITMORE
JOHNSON, Blanchetth nós tiramos. Estou tão feliz sabia? — ela segura
meu rosto com as duas mãos e beija minha testa.
— Ele falou para eu agradecer você por ter me obrigado a ir
assim linda para cacete — engrosso a voz imitando a postura dele e ela
pula de alegria.
— Viu! Falei que você ia amolecer o coração dele com esse vestido
amarelo garota — ela se gaba e eu gargalho me jogando na cama com
ela — Vocês estão bem agora? Vão namorar? Ele vai te dar uma
aliança? Vocês transaram para reconciliar? Vai tagarela abre essa boca
— Amanda pergunta animada.
— Não, só… Conversamos e… A filha dele está com Leucemia e pelo
que parece a mulher dele morreu disso também, o que eu não sabia e
que ele não falou, mas deduzi e achei melhor não perguntar. As irmãs
dele apareceram lá no hospital, uma das irmãs dele não gosta de mim, a
outra mais nova nos flagrou juntos depois dele ter dito para elas que
éramos só amigos, e a outra… Deve ser legal — explico suspirando —
Ele estava tão mal sabe. Sem chão, nem parecia o chefão da WTM.
Fiquei triste, e ele pediu para eu ir ajudar a cuidar de novo da Lya —
Amanda assente se sentando na cama em posição de índio.
— Isso só quer dizer uma coisa.
— O quê?
— Que vou voltar a ver o segurança-barra-motorista-barra-
gostosão de novo — ela brinca e eu reviro os olhos — Falando sério
agora, você está entrando num campo minado Jane, e para voltar para lá,
você tem que estar preparada.
— Preparada como?
— Filha doente, esposa morta, irmãs que não gostam de você, uma
governanta que parece que morreu e esqueceram de enterrar, um cara
sistemático e cheio de regras tentando te manter para todo o sempre
dentro daquela mansão… Você precisa saber onde está se metendo
amiga. Você precisa descobrir o que aconteceu no passado daquela
mansão ou vai ficar presa naquela casa com o Senhor Whitmore e o
passado dele e não vai conseguir ser feliz com ele. Já reparou que
sempre acontece algo e você sempre fica sabendo na hora? — ela diz
tirando a conclusão e por mais que ela esteja colocando drama demais
numa história simples, sinto fazer sentido o que ela diz.
Eu preciso saber o que aconteceu naquela casa, com aquelas
pessoas, ou vou me tornar só mais uma naquele lugar. Que não pode
perguntar, que segue as regras e que não contesta em nada.
Meu celular toca interrompendo nossa conversa secreta.
— Jane, o Senhor Whitmore quer saber se você já trocou de roupa e
arrumou suas roupas — arregalo os olhos enquanto Joanna pergunta.
Abafo o celular no peito.
— É da casa do senhor Whitmore — sussurro para Amanda.
— Fala que...
— Nem se arrumou ainda né — ouço o Senhor Whitmore assumir a
ligação e eu me engasgo.
— Eu… É, eu nem tirei a roupa — assumo — Tá legal aconteceu uma
coisa aqui, mas pode falar para o Kurt vir — suspiro.
— Aconteceu algo? — balanço a cabeça mesmo sabendo que ele não
pode ver e fechando os olhos, volto a me lembrar da visita de Jenna e
das coisas que ela me disse — Estou indo te buscar pessoalmente
— Aidan diz encerrando a ligação.
|31|
O moreno está sem camisa, e sua pele está quente e se mistura com
o cheiro único da sua colônia importada.
Ele estica o braço até o criado mudo para pegar o controle e desliga a
televisão deixando aceso só o abajur chique eu não sabia como ligar.
Tento conter meu choro, mas estou em crise. Não consigo sequer
conter um soluço sem que meu ouvido fique entupido. Ele acaricia meus
cabelos tirando eles do meu rosto.
— A chuva vai parar já, já — ele comenta se referindo aos raios e eu
assinto.
— Mas esses problemas não — digo em meio a um soluço.
— Depende de como você lida com eles.
— Aé? Então eu deveria simplesmente sentar a porrada em todo
mundo? — ele nega.
— Isso não acabaria com o que está aqui dentro — ele aponta para
meu peito — Nem com esse medo de raios — reviro os olhos — Jane,
você precisa parar de construir essa barreira que você tem — arqueio a
sobrancelha.
— E o que você sabe sobre barreiras?
— Eu sou assim Jane, sempre fui.
— Tá, tá, dane-se — interrompo secando o rosto.
— Já você, não. Você é frágil. Nunca daria uma surra em uma
pessoa. Muito menos faria mal para alguém. Você não é impaciente como
demonstra, sabe por quê? Porque suporta muita coisa e não faz nada —
ele diz e sinto como se tivesse tomando um chute no estômago com suas
palavras — Diz que não liga para muita coisa, mas sabe que te atinge —
espremo os lábios tentando conter minhas lágrimas que voltam a rolar
pelo meu rosto — Você não fala o que tem que ser falado, e depois fica
se flagelando quando está sozinha se perguntando o por quê das coisas
estarem assim, porque você não tem respostas para isso — ele diz sem
ter um fio sequer de pena das palavras duras que está me falando.
— E o que você quer que eu faça? — cubro o rosto — Essas
pessoas… Acabaram com a minha vida e eu não consigo agir como se
estivesse bem com isso.
— Você não precisa fazer nada ruiva. Você precisa deixar alguém
cuidar de você — balanço a cabeça.
— Quem? A última pessoa que disse que cuidaria de mim, me traiu.
— Eu jamais trairia você Jane, você é especial demais para pessoas
tão rasas como seu ex, sua irmã, sua mãe… Por favor, é o que eles
querem. Ver você assim. Eles falam desse seu jeitinho, mas — ele solta
um leve riso — É lindo. É lindo ver alguém que tinha prazer de trabalhar
como estagiária, mesmo sobre pressão e fala que sente falta mesmo
depois de ser mandada embora. Ver você defendendo uma amiga de
trabalho que acabou de conhecer, assumindo seus erros, pedindo para
eu não demitir seu amigo que disse para mim que vocês estavam juntos
— ele ri lembrando e eu cubro a cabeça — Jane, você é muito mais que
uma lerda, burra, mesquinha ou uma fracassada. Essa casa… Todos
esses anos me parecia tão escura e fria. E agora com você aqui, tudo
mudou. Olha para essa cicatriz na minha testa — ele brinca — Você
marca a vida das pessoas com esse seu jeito. Por onde você passar,
sempre vão lembrar de você. Por favor, não sofra com isso, essas
pessoas têm medo do seu potencial.
— Por que você está falando isso para mim? — choramingo dessa
vez emocionada e surpresa pelas palavras dele.
— Porque ninguém ilumina tanto um lugar como você ruiva. Eu não
quero te ver assim, nem vou deixar que te deixem assim. Você não é
qualquer uma como eles pensam. Pode não ter ninguém da sua família
que te apóie, mas você ainda tem a mim — ele me dá um breve sorriso
fazendo um gesto com a cabeça e eu estremeço puxando as cobertas
quando um raio corta o céu.
— Falta muito para amanhecer? — pergunto me encolhendo junto
dele.
— Depende do seu ponto de vista — ele diz apagando o abajur.
— Por quê?
— Porque seu problema com raios acaba quando a chuva passar e
amanhecer, o meu problema só acaba com você por perto — ergo a
sobrancelha com a cabeça coberta e há silêncio até eu descobrir a
cabeça e olhar para ver se ele está me zoando, mas ele está sério e me
olha só de volta.
Meus lábios se abrem, porém, não emitem som enquanto encaro seus
lábios tão perto dos meus. E ele sabe que é um pedido desesperado para
que ele os tome para si.
|33|
|“Porque eles dizem que lar é onde seu coração está gravado, é onde
você vai quando está sozinho, é onde você vai para descansar seus
ossos. Não é apenas onde você deita sua cabeça, não é apenas onde
você arruma sua cama. Contanto que estejamos juntos, importa pra onde
vamos? Lar”Home / Gabriele Aplin.
O café da manhã está sendo servido quando chego até a cozinha com
Aidan.
Willa e Trace já estão sentadas na mesa, e nós nos sentamos com
elas.
— Vou acordar Sky para ficar lá no quarto com Lya — Trace comenta.
— Não precisa mãe, Joanna já está lá — Aidan diz e ela assente
voltando a se sentar.
— Como você acha que Ryan avaliou a casa? — Trace pergunta a ele
que dá os ombros em resposta.
— Uma mansão do cacete né — Willa responde de boca cheia e
Trace repreende ela — Mas é verdade. Além de a menina estar na
própria casa, ainda tem duas Babás. Tem tudo aqui, e a melhor tia — ela
se gaba brincando.
— Vamos torcer para que ela continue aqui conosco né — Trace
responde.
— Ou talvez não — Dahlia comenta se sentando a mesa conosco.
Ótimo a fera acordou.
— E por que não? — Willa retruca erguendo a cabeça para ela.
— Porque a mãe dela se tratou em casa e nós tivemos que nos vestir
de preto — ela diz hostil e Aidan suspira.
— Mas a Lya é uma criança. Tem a imunidade mais baixa e estando
no hospital pode ser pior para ela — Aidan retruca e Dahlia, ri.
— A garota está doente, vocês têm que se preocupar com a cura
dela, não com conforto — Dahlia rebate e Willa larga as torradas no
prato e estreita os olhos.
— Pelo amor de Deus Dahlia, por que você odeia tanto a Rosalya e a
Lya? Cara, ela está morta, você não tem o menor respeito por ela?
— Já chega vocês duas, porra — Aidan se levanta da mesa sem
aviso fazendo Trace ir atrás dele e eu me vejo sem saber o que fazer.
Sky chega para tomar seu café e se senta junto á mesa devagar
observando a situação.
— De manhã a única coisa que eu consigo fazer é comer. Então por
favor, tentem ficar quietas — Sky diz se servindo com um pouco de café
preto.
— Você sabe que o Aidan não gosta que fale dela. Por Deus Dahlia,
respeita o Aidan — Willa continua o assunto.
— Não estou falando nada. Estou falando que se vocês não querem
que a garota morra, deixa o hospital fazer a parte dele — ela se levanta
da mesa nervosa largando o café e Willa agradece levantando as mãos
para os céus.
— Me desculpe por isso Jane. Nossa família só tem gente
problemática — Willa diz.
— Vocês querem cuidar da vida do Aidan, mas esquecem que ele já
tem tamanho para isso. Todo mundo sabe que a Dahlia morre de ciúme
dele. Ela faz isso só para chamar atenção. E a mamãe é uma mole que
não mete o tapa em vocês falando da Rosalya sem um pingo de
consideração — Sky desata a falar — Eu ein gente. Não estamos na
nossa casa não, se eu fosse o Aidan expulsava vocês daqui — ergo a
sobrancelha com a autoridade que a garota de 15 anos fala e há silêncio
na sala de jantar.
Silêncio esse que eu não deixo durar por muito tempo por curiosidade.
— A Rosalya era tão ruim assim? — pergunto e Sky me olha.
— Claro que não. A Rosalya era… Um amor de pessoa. Eu amava
ela. E… Nossa ela era uma mãe incrível para Lya — Sky diz com um
brilho nos olhos — O problema da Dahlia é que ela sempre teve muito
ciúme do Aidan, e ela sempre faz a cabeça da minha mãe. Quando meu
pai era dono ainda da WTM, ele até conseguia colocar as coisas em
ordem. Depois que o papai morreu e a empresa passou para o
primogênito, a Rosalya pediu para eles virem embora, porque ela não
aguentava mais a Dahlia e a minha mãe fazendo a cabeça do Aidan. O
casamento deles entrou em crise e quando a Rosalya descobriu estar
grávida da Lya, a Dahlia inventou que ela traiu o Aidan acredita? O Aidan
não acreditou claro. Na época isso deu a maior briga, por causa da nossa
cultura, você sabe, foi um escândalo para a família Whitmore. O Aidan
ficou entre escolher a Rosalya ou a nossa família. Ele escolheu a Rosalya
e eles vieram embora. Depois disso, ficamos anos sem ver ele. Tudo isso
por uma mentira e ciúmes da Dahlia, quando a Rosalya ficou doente e
veio a falecer elas apareceram no velório para provocar o Aidan. Jane,
não é porque é minha família, mas elas juntas são umas cobras. Minha
mãe é um amor de pessoa, mas é uma mole que vai pela cabeça da
Dahlia. A Willa vive brigando com elas, mas é em vão porque a Willa é a
ovelha negra da família, quebrou nossa cultura, fugiu com um
Canadense, se tornou advogada, aí deu errado, ela não conseguiu
exercer a profissão, voltou para casa com o rabo entre as pernas. Se
tornou aos olhos da nossa família uma impura e ninguém quer ela. Ela
não gosta dos nossos usos e costumes. Motivo esse para Dahlia odiar
mais a Rosalya que era estadunidense cristã que conheceu o Aidan no
intercâmbio. É uma loucura nossa família, não sei como o Aidan não
desce a madeirada em todo mundo. Mas ele é bem calmo sabe, deve ser
difícil ser o único homem numa família só de mulher — Sky finaliza
tomando uma xícara de seu café e me olha.
— E de onde veio o sobrenome Whitmore? — pergunto.
— Do meu pai, ele não era da nossa cultura.
— Nossa, é totalmente...
— Fora de ordem. Acostume-se, a nossa família parece ser a mais
tradicional, mas debaixo dos panos, é tudo podre — Sky suspira — Mas e
você e o Aidan estão juntos? — engasgo com a pergunta dela.
— Nós…
— Aconselho a não deixar a Dahlia saber, pelo menos até irmos
embora, minha irmã vai querer estragar o que vocês têm e meu irmão,
depois de todo esse tempo, merece ser feliz e ter alguém.
— Obrigada Sky — ela dá os ombros e nos levantamos da mesa
assim que terminamos.
Subo as escadas para ver se Joanna precisa de mim e ouço no final
do corredor, a voz de Dahlia, Trace e Willa conversando com Aidan.
— A única coisa que peço para vocês é não tocar no nome dela, será
isso tão difícil isso caralho? — a voz de Aidan ecoa grossa pelo corredor.
— Querido, calma. Ela só falou se referindo a saúde da Lya no
hospital — Trace diz intervindo.
— Nossa, ela se preocupa tanto com a Lya né, quer dizer, com o
bolso do Aidan que está pagando para ela ficar na casa e não no hospital
— Willa retruca e eu ainda não sei se ele está defendendo Aidan ou se
está ali só para por fogo na fogueira.
— Willa! Por favor! Não se meta! — Trace repreende ela e eu entro
em um quarto vazio para me esconder quando vejo Willa sair de dentro
do quarto de Aidan.
Assim que ouço ela descer as escadas, saio novamente.
— É a última vez que deixo passar. A próxima, eu não vou me
importar se a Jane vai estar lá para me ver eu colocando vocês para fora
— Aidan arremata o assunto saindo de dentro do quarto e eu me
escondo novamente quando ele desce as escadas e Trace vai atrás dele
deixando Dahlia.
Decido deixar isso para lá e ir até o quarto de Lya onde dispenso
Joanna para ficar um pouco com a garotinha que dorme.
Enquanto ajeito alguns fracos de remédios e abaixo o volume da TV,
reparo que Dahlia me observa da porta.
— Posso ajudar? — pergunto.
— Pode sim, Jane — ela da ênfase em meu nome e eu arqueio a
sobrancelha — Dê o seu jeito para tirar a garota dessa casa e levarem
ela para o hospital, porque eu não vou dar a minha parte das ações para
pagar hospital para ninguém ou advinha: eu vou descontar tudo do seu
salário — ela adentra no quarto como se quisesse me intimidar e eu solto
um leve riso.
— Deixa eu te explicar só uma coisinha — dou o mesmo ênfase
copiando ela — Eu não estou sendo paga e a Rosalya pode até ter
morrido, mas a Lya agora tem eu e se você encostar um dedo podre seu
nela, teremos que nos vestir de preto — cruzo os braços sorrindo
ironicamente e ela que cerra os punhos para mim.
— Você não sabe com quem você está mexendo ruiva. Sou uma
Whitmore — reviro os olhos para ela gargalhando.
— Você já ouviu falar das Blanchetthh? — enfrento e ela prende a
respiração.
— Você está começando uma guerra — ela rosna e na sua testa uma
veia salta demonstrando seu nervoso e ela sai do quarto me fazendo dar
um sorriso vitorioso.
Posso até não gostar do sobrenome que carrego, mas sei muito bem
representar ele quando necessário.
|36|
Ryan é uma das pessoas mais frias que eu já conheci. Como ele pode
me pedir uma coisa dessas?
No caminho encontro com Aidan que ergue a sobrancelha.
— Ele quer que eu dê uma injeção na menina Aidan! Eu não sei nem
segurar aquilo! Você me disse que eu só iria ficar aqui para ajudar ela.
Para animar ela um pouco e agora ele quer que eu dê uma injeção nela!
— digo desesperada jogando as luvas nele que pega me escutando em
silêncio — Olha, eu não vou fazer, e… Eu não sei como lidar — dou as
costas saindo pela porta e caminho até a cabine do Kurt — Posso ficar
um pouquinho aqui até aquele bruto ir embora? — pergunto.
— O que houve ruiva? — Kurt assente sem entender.
— Aquele tal de Ryan, ele quer que eu dê uma injeção na Lya, todo
dia. Mas eu não vou Kurt. Coitada.
Kurt me dá seu lugar dele para sentar e ainda sem entender a
situação, ele arqueia a sobrancelha para mim.
— Prometi que ia proteger ela daquele patife — murmuro.
— É o trabalho dele, ruiva. Ele é enfermeiro, precisa vir aqui para
medicar ela. Mesmo que seja um pouco doloroso entende?
— É eu sei, mas ela é tão novinha para entender — suspiro.
— Talvez se você parar de contar suas histórias e apresentar a ela um
pouco da realidade, pode ser que ela entenda ruiva — ele me aconselha
apertando meu ombro e a porta da mansão se abre revelando o Senhor
Whitmore e Ryan saindo de lá.
Eles estão a minha procura e caminham até a cabine.
— Jane, nós podemos falar um pouco? — Aidan diz e eu assinto indo
para o lado dele.
— Pode falar, mas não vou fazer nada do que Ryan disser — cruzo os
braços.
— A amostra que colhi ontem, o resultado saiu mais agravado, ela vai
precisar dessas medicações injetáveis agora Jane — contraio a
mandíbula em resposta ao quê Ryan diz — E algumas coisas vão
precisar mudar. Se você quer mesmo o bem da Lya, vai precisar encarar
essa nova fase ou vou precisar solicitar uma nova pessoa para assumir o
seu papel — ele diz como se estivesse batendo o martelo e sai pelo
portão.
Lya me puxa pela mão pelo sótão enquanto eu ainda olho para trás
pensando pela milésima vez em voltar, porém, a curiosidade me vence.
O lugar é escuro, e Lya como se já tivesse estado ali milhões de
vezes, acende uma luz fraca e amarelada que ilumina o lugar cheio de
teias e cheiro de mofo.
— Lya venha para cá agora! — chamo com medo de algum bicho
picar ela.
Olho ao redor, tem alguns móveis cobertos por lençóis brancos
encardidos, puxo o primeiro e vejo se revelar uma penteadeira de
madeira branca, porém Lya puxa outro lençol de um móvel mais alto que
se revelar um guarda-roupa também de madeira branca, ela abre e eu a
puxo para longe enquanto vemos sair de lá de dentro nada, só pó e o
meu susto com a porta que range.
Ela olha, alguns vestidos que estão nos cabides protegidos por um
plástico e puxa um de lá me entregando.
— Não Lya, para de mexer nisso — repreendo e ela me entrega um
longo vestido amarelo de festa.
— Por favor, tia Jane ele serve em você certinho e combina com a
minha roupa — ela insiste.
— Negativo garota — sussurro colocando o vestido de volta no cabide
e dou meia volta, mas um grito agudo da sai minha boca enquanto
sobressalto para trás ao ver Joanna de braços cruzados.
— Que raios vocês duas estão xeretando aqui? — Joanna me
repreende e eu me coloco atrás de Lya.
— Foi a Lya — me defendo e Joanna solta um leve riso.
— É claro que foi. Eu já falei para você parar de vir aqui não já falei
sua cabecinha de amendoim — Joanna dá um tapinha na cabeça.
— A tia Jane não tem nada para vestir na festa Jô — Lya se justifica e
Joanna se aproxima do guarda-roupa pegando o vestido e sorrindo para
ele.
— Este vestido está novinho, nunca foi usado — Joanna suspira como
se estivesse pensando no desperdício dele estar guardado.
— O Aidan gosta de se vestir de mulher a noite é? — Joanna
gargalha balançando a cabeça.
Mas é claro que sei muito bem de quem são essas coisas. Da falecida
esposa dele, com certeza.
— Acho melhor sairmos daqui — dou as costas puxando Lya dali e
Joanna assente soltando um leve riso.
— Eu também acho — ela arremata o assunto e nós descemos as
escadas.
— Muito bem! Fique paradinha bem aqui que eu vou tomar um banho
— Lya se senta na beirada da minha cama enquanto ligo a TV num canal
de desenho para ela.
Tomo um banho, tentando relaxar nem que seja por um momento.
Lya está de bem de mim, Ryan foi embora, as irmãs dele não
brigaram hoje — ou até agora — Aidan aceitou meu convite de ficar na
festa, e eu espero que corra tudo bem. Pelo menos para tirar um pouco
dessa vibe ruim dessa casa. Porque pelo que parece, tudo roda em volta
de dinheiro, de mortes e de solidão. É tão estranho e sufocante.
Desligo o chuveiro em busca da minha toalha, mas ela não está
pendurada no gancho.
— Lya pega a toalha para mim — peço abrindo um vão na porta, mas
não acho ela no quarto — Lya? — abro a porta procurando ela e encontro
na minha cama o vestido amarelo que ela pegou dentro daquele guarda-
roupa sinistro.
— Essa pestinha — rosno ignorando a presença do vestido em cima
da cama e procuro minha mala que trouxe com algumas roupas.
Cadê a minha mala?
Abro uma brecha na porta do quarto e olho pelo corredor.
— Lya? — chamo — Lya volta aqui com a minha mala — digo, mas
Sky caprichou no som lá em baixo — Aidan? — chamo, mas ele deve
estar lá embaixo também com o resto do pessoal.
Encaro o vestido amarelo em cima da cama.
Seco-me com o lençol da cama e até penso na probabilidade de me
enrolar nele e sair pela casa procurando minha mala. Mas não quero dar
de cara com as irmãs do Aidan desse jeito, elas são muito
conservadoras, devido sua religião islâmica e se escandalizariam se me
vissem desse jeito.
Suspiro subindo o zíper do vestido. Meu Deus eu nem sei andar com
isso. E Rosalya devia ser um pouco mais alta que eu, porque o vestido
arrasta no chão me obrigando a usar saltos.
Mas não me decepciono quando me olho no espelho. Por Deus é o
vestido amarelo mais lindo que eu já vi na minha vida.
Faço uma trança em meu cabelo e para não decepcionar na
maquiagem, finalizo com um batom vermelho.
Está muito exagerado.
Mas todo mundo é rico aqui né, ninguém vai vestido roupa básica. Eu
acho.
Suspiro abrindo a porta e meu coração está a ponto de sair pela boca.
Eu vou matar a Lya, que garotinha mais travessa.
Ela está no corredor sentada e se levanta quando me vê abrindo um
sorrisão.
— Lya, vai agora pegar minha mala — ordeno e ela leva a mão á
boca rindo se negando.
— Está parecendo uma princesa — ela diz e eu balanço a cabeça
enquanto ela me puxa pela mão até a ponta da escada aonde Sky para a
música, atraindo a atenção de todos os presentes na sala para mim.
|40|
“Fui embora. Não vem atrás de mim. Eu volto de tarde para ver a Lya
e ficar um pouco com ela.”
Porra.
|43|
— Nossa amiga, foi tão ruim assim ontem? Você sabe que depois
que toma whisky fica vomitando — Amanda diz me entregando um copo
de café.
— Se você visse o show que foi ontem, parecia aquelas tretas que
passam no reality show das Kardashians — comento saindo de dentro do
banheiro, onde passei a maior parte da manhã vomitando todo o whisky
que bebi ontem.
— A irmã dele tinha razão. É melhor você ficar longe Jane. Não tenta
dar uma de esposa falecida do Aidan e sair ajudando ele a fazer tudo.
Por mais que me doa as verdades que ela me diz eu concordo com a
cabeça em silêncio
— Ele é controlador, é rico e quer que tudo rode ao redor dele —
Amanda continua e eu me levanto incomodada com o assunto — De
qualquer forma, nunca mais, vou te deixar pegar essas malas e sair daqui
atrás de homem. Se apaixone, mas não vá dormir com ele — ela brinca
tentando descontrair a conversa.
E por mais que eu dê risada. Não deixo de ficar abalada.
Acho melhor esquecer mesmo toda essa história e ir ver Lya só no
período da tarde, quando ele não estiver.
Amanda tem razão, eu não posso mudar a vida dele. Não posso dar
uma de Rosalya e pensar que vou conseguir ajudar o Aidan quando, na
verdade, ele só liga para os próprios interesses e quando sai do controle
dele, ele estraga tudo.
— Ela não vai voltar, eu sei disso — digo enquanto Joanna se segura
para não balançar a cabeça decepcionada comigo.
— Posso ligar para ela e ver o que aconteceu — Joanna insiste e por
mais que eu queira, acabo negando.
— Acho melhor não, já basta tudo o que aconteceu ontem. Ela disse
que volta para ver a Lya. Cadê as minhas irmãs? Diz para elas que na
hora do almoço, eu quero conversar com todas — Joanna contrai a
mandíbula e se retira.
Porra, eu estou tão irritado hoje. Só agora que toda essa ressaca
passou que me dou conta da merda que eu fiz.
Como pude deixar as coisas chegarem a tal ponto? Como pude deixar
a Jane ir assim, sem mais?
E eu sei que ela tem todo o direito depois de ontem, depois do que
falei, depois de como terminou a festa que ela organizou com tanto
carinho, depois de eu ter permitido que a mãe e a irmã dela fizessem
parte daquilo.
Cacete, eu estou perdendo ela mais uma vez.
Desço as escadas, e caminho ao encontro das minhas irmãs que já
estão todas sentadas á mesa para o almoço ao lado de minha mãe.
— Já mandei Kurt preparar o carro, vocês vão embora hoje — informo
sem cerimônia.
Dahlia é a primeira a esboçar uma reação, largando o garfo sobre o
prato.
— Como assim?!
— É isso mesmo que vocês ouviram, eu já tenho problemas demais
para lidar com vocês e já que não estão ajudando em nada, acho por
bem, vocês voltarem para casa.
— Tudo isso porque sua namoradinha foi embora — Dahlia retruca.
— Ela não é minha namorada e eu não sou mais um moleque para
você decidir com quem devo me relacionar — retruco e Dahlia se levanta
em afronta.
— Queridos, nós estamos almoçando e já que o Aidan prefere
assim… — minha mãe intervém, mas Dahlia a interrompe.
— Já que ele prefere assim?! A culpa disso tudo é sua Aidan! Se
tivesse me escutado e não tivesse escolhido a Rosalya, você não estaria
aqui agora com aquela menina doente, precisando da ajuda daquela
mesquinha que não sabe de nada! Isso tudo é sua culpa, você gosta de
preferir as coisas? Olhe para sua vida de merda agora! — Dahlia berra se
inclinando sobre a mesa e eu espremo os lábios demonstrando deboche.
— Sabe o que eu também prefiro? Que você vá embora porra — digo
e ela contorna a mesa como se isso fosse me fazer correr.
— Gente, pelo amor de Deus — Sky resmunga.
— Vou embora e só voltarei no seu enterro Aidan, o da Lya está muito
próximo já — Dahlia diz enquanto é barrada por Trace e Willa.
— Contanto que você vá embora agora e eu não precise mais olhar
para você, está ótimo para mim — dou as costas subindo as escadas até
meu quarto sentindo o sangue subir e eu contraio a mandíbula
constantemente cerrando os punhos.
Dou uma olhada no quarto de Lya, ela está dormindo e eu encosto a
porta. Willa vem atrás de mim e me puxa para entrar em meu quarto
encostando a porta.
— É o seguinte Aidan, eu sinto muito pelo que aconteceu ontem e
sinto mais ainda pela Jane ter ido embora, eu sei que foi culpa minha e
que… Falei para ela ir embora.
— Não foi culpa sua, eu já tinha estragado tudo muito antes daquilo —
respondo frustrado.
— Eu sei, eu não devia ter bebido, não na sua casa.
— O que você quer? — questiono estranhando suas desculpas.
— 'Akhi la 'urid aleawdat 'iilaa almanzil¹* — (irmão, eu não quero voltar
para casa) — Willa diz e eu balanço a cabeça.
— Não Willa, eu não vou abrir exceções — ela suspira.
— Aidan, eu faço qualquer coisa para você me deixar ficar. Ajudo com
a Lya, ajudo na cozinha, na limpeza, no que você quiser, eu só não quero
voltar para casa — balanço a cabeça hesitante — Você sabe que somos
iguais, você foi embora com a Rosalya e eu fugi.
— Você vai me ajudar com a editora — acabo por ceder ao considerar
o que ela argumentou.
O carro que Kurt preparou para elas, já está estacionado em frente á
casa e peço para Kurt tirar Dahlia de dentro da minha casa, enquanto ela
escandaliza pedindo explicações do porque Willa vai ficar.
Minha mãe não discute. Ela já passou por isso mais vezes do que
posso contar. Porque é sempre assim, verdades em cima de verdades.
Nós nunca mais voltaremos a ser a família de antes e isso ela já não
contesta mais.
Ela não se despede de Willa, e para mim, faz apenas um gesto com a
cabeça dizendo.
— Aetuni bihim jydana — (cuide bem delas) e eu assinto dando as
costa de volta para casa.
Willa desce as escadas, receosa.
— E, aí? — dou os ombros.
— Já foram — Willa comemora — E você vai para escritório agora,
pensar em maneiras para acabar com a crise da WTM — respondo e ela
assente soltando um leve suspiro.
— E você vai fazer o que agora?
— Vou atrás da Jane — digo batendo a porta atrás de mim.
|44|
— Jane, não tem como dormir com você se mexendo desse jeito —
Amanda diz se sentando a cama, e eu suspiro fazendo o mesmo — O
que você tem amiga? — ela me pergunta ligando o abajur.
— Não sei, estou sem sono. Acho que vou dar uma volta, desculpa —
digo e ela balança a cabeça no mesmo instante.
— Você sabe que horas são? Dez da noite, só tem bar aberto essa
hora por aqui e seu carro, onde você estaciona, ele quebra, quieta o rabo
ai — ela me repreende jogando as cobertas para cima de mim
novamente — Vou fazer um chazinho, você vai dormir igual um bebê —
ela se levanta prendendo os cabelos pretos num coque.
— Não precisa, estou sem fome — me cubro me virando para a
parede.
— O que você tem? Não comeu nada hoje. Você vai passar mal —
suspiro em resposta — JANE! Você precisa conversar comigo já que não
vai me deixar dormir se revirando na cama desse jeito. Está preocupada
com a garota é isso? — ela deduz.
— Na verdade, não sei, só… Acho que acostumei tanto com a rotina
de ficar lá com ela a noite, que agora… Será que alguém vai ficar com ela
até ela dormir?
— Você precisa entender que as pessoas não são iguais a você, ela
vai ficar bem, se bobear já está no quinto sono e você ai, amanhã não vai
conseguir fazer nada porque não dormiu direito — ela diz se sentando ao
meu lado — Por que vão não dorme e amanhã bem cedo vai lá ver ela?
— Amanda sugere.
— Tudo bem — acabo cedendo.
Tento não pensar em nada para tentar dormir, mas meu celular vibra
em cima do criado mudo arrancando alguns resmungos de Amanda que
pega e me entrega, eu arqueio a sobrancelha ao ver o número da casa
de Aidan, atendo no mesmo instante.
— É o número da Jane? — arqueio a sobrancelha para a voz
desconhecida do outro lado da linha.
— Quem é? — pergunto.
— Jane é a Willa — só agora reconheço a voz da irmã do Aidan e me
sento na cama — Desculpa ligar essa hora é que…
— O que houve Willa?
— A Lya está no hospital, tem como você dar uma aparecida aqui?
Meu irmão, está meio frustrado e eu não sei o que fazer. Desculpa você
foi a primeira pessoa que me veio á mente — ela diz sem jeito e eu
assinto mesmo sabendo que ela não pode ver sentindo meu coração
disparar.
— Me manda o endereço, eu estou indo — me levanto pegando a
primeira roupa que encontro na minha mala e Amanda se levanta vindo
atrás de mim me barrando.
— Ou você sai da minha frente, ou vem comigo e coloca o cinto —
passo por ela vestindo minha jaqueta jeans e ela suspira vindo atrás de
mim, se sentando no banco carona, colocando o cinto.
Coloco meu celular no suporte enquanto Amanda liga o GPS. Mas o
caminho é o do mesmo hospital que Lya veio da primeira vez.
Dirijo em silêncio, tentando não imaginar o pior. Mas não consigo. Por
mais que Ryan tenha me tranquilizado mais cedo, quando se trata de
Lya, não consigo não me preocupar.
Só quando chegamos no hospital que Amanda se dá conta que veio
com sua blusa de alcinha e seu short de dormir.
— Tá legal, eu te espero aqui — ela me diz saio do carro caminhando
até a recepção, mas mudo meu caminho quando vejo Aidan e Willa
conversando logo a frente.
Ele me olha surpreso e de longe consigo ver o quanto seu semblante
está abalado. Por mais que não tenhamos nos resolvido eu o abraço forte
e ele encolhe os ombros como se um peso tivesse sido tirado de suas
costas.
Sei que nos chateamos, mas não quero pensar nisso agora.
— O que aconteceu?
— Ela teve uma hemorragia nasal, estava desacordada quando
cheguei — Aidan diz e eu suspiro.
— Cadê ela?
— Está no quarto, estamos esperando os exames saírem, talvez ela
precise de transfusão de plaquetas, ela pode estar com pneumonia.
— Puta que me pariu — Willa parece que ainda não sabia da notícia,
ela se senta num dos bancos levando as mãos á cabeça.
— Como você está? — pergunto para Aidan que me olha por um
instante e volta a encarar o chão.
— Não precisava ter vindo, me desculpe por Willa.
— Sei que está chateado comigo e eu com você, só que agora não é
hora de nós nos mantermos assim. Sinto muito pelo quê aconteceu —
aperto o ombro do moreno que cabisbaixo balança a cabeça.
Vejo Ryan se aproximar e me olhar surpreso.
— Ruiva? — sorrio como se quisesse dizer “Olha eu aqui de novo.”
— Como ela está? — pergunto.
— Ela está aparentemente bem. Tomando soro. Já vai ficar aqui para
começar a quimioterapia amanhã. E ela vai precisar de doação de
plaquetas de alguém compatível — Ryan anuncia para Aidan e Willa que
se aproximam.
— Já informei que vou realizar a coleta — Aidan comenta — Já saiu o
resultado dos exames?
— Sim, Senhor Whitmore, mas ela não tem seu sangue, pensei que
soubesse disso — Ryan arqueia a sobrancelha e Aidan empalidece sem
reação.
— Pois é Rosalya, além do chifre ainda deixou o bezerro — Willa diz.
Ótimo, isso era tudo o que Aidan precisava para surtar de vez.
Ele fica sem reação. Apenas pega os papéis do resultado dos exames
de sangue e olha diversas vezes como se aquilo não fosse verdade.
Lya não é filha dele. Por Deus como lidar com isso?
Não sei o que dizer, nem sei se devia dizer algo.
Willa não consegue parar de dizer “Puta merda” boquiaberta como se
tivesse tudo ferrado de vez.
Aidan não desiste, é como se ele acreditasse que uma hora ou outra
ele fosse olhar no papel e fosse dar compatível como num passe de
mágica.
Ele morde freneticamente o maxilar respirando pesadamente
balançando a cabeça.
— Aidan, — chamo puxando seu braço para que ele se sente no
banco e entrego um copo de água.
— Não é possível Jane, não pode ser. Ela não seria capaz disso —
ele diz amassando o copo descartável cheio de água — Como a Lya não
pode ser minha filha?
— Que pergunta mais óbvia maninho. A Dahlia e a mamãe sempre
estiveram certas — Willa ri de desespero e eu faço um gesto para ela se
conter nas palavras.
Aidan cobre o rosto.
— Quero outro teste — ele exige.
— Não Aidan. Você só vai se frustrar ainda mais — digo pegando as
folhas dele colocando-as no banco ao lado.
— O que eu vou fazer agora Jane? — vejo que ele treme enquanto
seus olhos vermelhos denunciam que lágrimas estão prestes a molhar o
seu rosto e ele cerra os punhos e cobre o rosto novamente, como se
tivesse se contendo para gritar.
Ryan é o que mais demonstra o quanto está chocado. Ele ainda não
se moveu desde que deu a notícia. Apenas olha para os lados como se
tivesse feito uma grande merda.
— Tem algo que eu possa fazer pelo senhor? — Ryan diz levando um
copo de água para Aidan.
— Você já fez o suficiente Ryan — Aidan diz passando a mão nos
cabelos e eu seguro sua mão.
— Calma tá, só… Por Deus — digo ainda chocada.
— Eu preciso sair daqui — Aidan se levanta.
— O quê?! — eu o barro — A Lya precisa de você. Você não pode
deixar ela aqui — Willa também se levanta concordando comigo.
— Acabei de descobrir que nunca tive uma filha de verdade, então
acho que posso sim, no mínimo ir tomar um ar aonde pessoas não olhem
com cara de pena — ele diz ríspido afrouxando a gravata no pescoço
esbarrando no meu ombro, saindo pela por do hospital que se abre
automaticamente.
Willa dá um passo para ir atrás dele.
— Deixa o cara respirar um pouco — Ryan segura ela.
— Ele precisará lidar com isso — suspiro frustrada para Willa que
senta o meu lado.
— Lidar? A mulher dele teve filho de outro, morreu e não teve a
coragem de falar Jane. Coloquei minha mão no fogo por ela — Willa fala
inconformada.
Eu por minha vez permaneço em silêncio perplexa. Foi tão de
repente, que parece que Ryan nocauteou a todos nós com um chute no
estômago.
Penso em ir para casa, mas não quero deixar Lya lá no hospital. Por
mais que Joanna esteja cuidando dela como sempre fez, parece que se
eu for embora vou deixar uma parte de mim lá e não quero fazer isso.
Então entro no banheiro e me encaro no espelho enquanto as
lágrimas escorrem pelo meu rosto de raiva e eu seguro o lavatório
firmemente.
Choro, me sentando no vaso, cobrindo o rosto para abafar meus
soluços.
Parece até que ele desistiu e só está esperando o pior acontecer.
Nem parece o Aidan que conheci o Aidan que não dá o braço a torcer.
Meu celular vibra, com o número de Ryan na tela, eu atendo como se
estivesse desesperada para pedir ajuda para alguém.
— Diz que lembrou o caminho até a casa do Senhor Whitmore —
solto um riso e não digo nada — Está tudo bem por aí?
— Sim, — minha voz de choro me entrega.
— O que houve ruivinha? — Ryan diz preocupado e eu respondo com
um soluço.
— Vou tentar sair mais cedo hoje — é o que ele diz.
— Tenta, por favor — e é o que eu digo.
— Vou fazer de tudo, eu juro — ele diz e eu assinto mesmo sabendo
que ele não pode ver antes de desligar.
|48|
Ela sempre soube que Lya não era minha filha. Desde o começo e
sempre tive medo de Dahlia conseguir provar isso.
Porra, estou sentindo tanto ódio. Sinto-me um idiota por achar esse
tempo todo ser pai da garota. Ela sempre foi tudo para mim e agora me
sinto triste só de pensar que ela tem outro pai.
Quem é então? Quem foi o homem que engravidou ela? Quando
isso aconteceu?
Suspiro.
Eu amo tanto a Lya. E cada vez que eu me lembro dos resultados
dos exames, sinto como se uma facada fosse enterrada no meu peito.
A única coisa que eu achava que tinha. Nunca foi minha.
Estou tão quebrado.
Não consigo me levantar. É como se todas as minhas forças
tivessem sido levadas.
Não faço a menor ideia de onde Jane possa estar. Preciso falar com
ela sobre o que aconteceu ontem e também, preciso ir até o hospital ver
como Lya está e me desculpar com Jane e Willa por deixar elas duas
ontem lá segurando aquela barra. Sei que estou deixando a desejar e
estou querendo fugir de todas essas responsabilidades, mas no
momento, eu só queria que isso não estivesse acontecendo.
Identifico-me na recepção e ganho um adesivo de acompanhante, o
qual colo em minha camisa. Joanna me atualiza dos últimos ocorridos e
Kurt a leva de volta para casa.
Hoje foi a primeira seção de quimioterapia da Lya e eu não estava
presente.
Frustrado, sento-me na poltrona ao lado da cama onde ela dorme,
cansada por conta da quimioterapia.
Nos dois braços contém acessos para medicamentos injetáveis. Ao
lado da poltrona tem uma bolsa com algumas coisas de Lya. Com certeza
foi Jane quem deve ter trazido.
— Você está triste? — Lya quebra o silêncio chamando minha
atenção.
— Não pequena, só… Preocupado — respondo sendo sincero.
— Com o quê? — dou os ombros.
— Coisas de adultos.
— Quando eu for adulta também vou ficar assim?
— Não. Vou sempre cuidar de você para não precisar se preocupar
com nada pequena — sorrio segurando sua mão.
— E você não tem ninguém para cuidar de você? — contraio a
mandíbula balançando a cabeça e um nó se forma em minha garganta.
Ela vê que não respondo e afasta para o lado.
— Vem cá, se você quiser, eu posso cuidar de você — ela diz
fazendo encolher os ombros, sentindo meus olhos marejarem.
E eu vou, antes encostando a porta do quarto. Deito na beirada da
cama ao lado dela e ela deita no meu peito pegando no sono. Minha
cabeça lateja a cada vez que pisco e eu só quero apagar. Coloco a TV do
quarto num volume mínimo e exausto demais para voltar para poltrona,
adormeço com ela.
Para uns, uma cena em câmera lenta, para mim, num segundo estou
rodeada pelos braços dele, no outro, o elevador chega e eu me afasto
dele entrando no elevador, já com algumas pessoas.
Ficamos parados um do lado do outro, em silêncio esperando o
elevador descer, o que me dá alguns minutos para processar o que ele
acabou de me falar.
Eu não estava mesmo preparada para isso, para essa conversa logo
cedo. Deve ser isso.
Ainda não acordei direito e estou imaginando possíveis situações.
— Jane, — ouço Aidan vir atrás de mim assim que as portas do
elevador se abrem e eu saio em disparada até a saída.
Ele me alcança, me pega pelo pulso, esperando uma resposta minha,
mas ainda estou em choque.
Deus! Por que estou em choque?
— Me desculpe, — é o que ele diz e eu balanço a cabeça — Só
pensei que… Vem comigo, — ele me chama estendendo a mão, e hesito
antes de entrar em seu carro.
Ele me dá passagem antes de fechar a porta atrás de si, e suspira me
olhando em silêncio. Aidan dá a partida no carro e assim que começa o
trajeto, noto que ele está me levando de volta para a mansão. O que ele
quer fazer?
Aidan estaciona na estrada de cascalho, enquanto os grandes portões
se fecham atrás de nós e em silêncio ele sai do carro. Faço o mesmo
acompanhando ele para dentro da casa, e o sigo até as plantações de
roseiras nos fundos da casa.
Por fim ele suspira se sentando na beirada do chafariz Que fica no
marco zero da plantação.
Fazia tempo que eu não vinha aqui e já tinha me esquecido do anjo
de bronze que parece proteger algo como num abraço.
— O que estamos fazendo aqui? — questiono.
— Lembro que assim que nos mudamos para essa casa, Rosalya
estava no segundo mês de gravidez. Antes dessa plantação, esse
espaço não passava de um terreno no qual eu pretendia usar para fazer
de garagem — ele explica apontando para um portão cheio de correntes
lá no fundo da plantação.
O portão que ele abriu para estacionar meu carro rebocado aqui
dentro, devo ressaltar.
— No dia que vim trazer ela para conhecer a casa, ela contestou,
porque a casa não tinha nenhum espaço verde. A não ser a grama da
entrada. Sem muito escutar ela, decidi que aqui realmente seria minha
garagem. Fomos embora, mas antes ela fincou um galhinho de rosa na
terra, e uma semana depois que voltamos para fazer a mudança, vi que o
pé de rosa tinha brotado. Ela insistiu e depois de muito custo acabei
desistindo da garagem, mas também nunca ajudei fazer nada nessa
plantação. Por eu ser um homem muito difícil de lidar, brigávamos muito
Jane, e apesar dela ter sido uma esposa tão dedicada, por ser tão boa e
paciente, isso não foi o suficiente, porque éramos um, e quando uma
parte não colabora, não tem um, tem só metade. Só descobri isso quando
ela adoeceu, e tudo dentro da minha casa e dentro do meu casamento
desabou, porque ela não tinha forças para me ouvir, não tinha forças para
cuidar de mim quando eu chegava da empresa. Não tinha forças para
resolver nossos problemas. Só depois disso percebi que era ela quem
fazia tudo, e eu nada. Só percebi isso quando via ela nervosa e
estressada, tendo que cuidar da Lya mesmo cansada pela quimioterapia,
quando via ela sentada naquele degrauzinho da porta, segurando a
tesoura de podar as rosas, porque estava fraca demais para cortar os
galhos mais altos — ele diz e vejo seus lábios tremerem enquanto sua
voz embarga aos poucos.
— Por que tá me contando isso? — questiono me sentando ao lado
dele.
— Porque meu casamento, só foi bom para mim. Eu tinha tudo.
Dinheiro, tinha uma esposa que fazia tudo por mim, tinha empregados
sempre a minha disposição. Mas para ela não foi. Ela não teve um
esposo presente em nada Jane, por isso ela deve ter me traído. Só
consigo pensar nisso agora. Depois que ela morreu e eu tive que fazer
tudo isso sozinho, vi como ela se sentiu em todos esses anos comigo. E
eu te afasto pelo mesmo motivo. Eu não quero que você faça tudo
sozinha, carregue tudo sozinha Jane. Porque não quero que seja bom só
para mim — assinto compreendendo onde ele quer chegar — É
exatamente o que está acontecendo conosco. Você e Ryan juntos, você
confundindo seus sentimentos por ele, você correndo para chorar nos
braços dele sempre que acontece alguma merda entre a gente.
— Você acabou de dizer que me ama e simplesmente vai terminar
comigo agora? — tento soar nervosa, mas minha voz embargada
denuncia o quanto estou sendo pega de surpresa e quero chorar.
Aidan balança a cabeça enquanto seus olhos fecham fortemente
numa tentativa de não deixar as lágrimas escorrerem.
— Eu só não quero mais segredos Jane, entre mim e você. Eu quero
que saiba tudo. Quero te incluir nisso de uma vez por todas e quero te
dar a liberdade de escolher ir.
— Você quer que eu vá embora Aidan? — me colocando de pé
inconformada sentindo uma lágrima escorrer rapidamente pelo meu rosto.
— Jane, eu estou cansado demais com tudo e não quero que você
continue sofrendo com isso — Aidan ergue a cabeça e pela primeira vez,
vejo seus olhos úmidos sem que ele esteja segurando para não
demonstrar o quanto está quebrado — Eu perdi o controle — meu peito
aperta na mesma hora em que vejo um soluço sair de seus lábios, como
se ao invés disso ele estivesse pedindo socorro.
Dá para ver o quanto essa história da Rosalya era só o que estava
faltando para ele perder a cabeça de vez.
Acontece que às vezes apostamos todas as nossas fichas em algo,
que não conseguimos enxergar mais nada, e ai quando o vento vem e
vira o nosso barco de ponta cabeça sem que estivéssemos esperando, é
isso que sobra, bagunça e alguém machucado.
Não sei o que dizer, então só o abraço em silêncio.
— Rosalya sempre foi a melhor parte de mim. Sempre tive bons
pensamentos dela. Ela nunca demonstrou sentimento de repulsa de mim,
ou ingratidão. Eu não consigo me lembrar quando isso pode ter
acontecido.
— Addam também não. Sempre achei que ele estivesse contente
comigo. Ele nunca demonstrou sinais que estava comendo a minha irmã
— solto um leve riso com a minha última frase e suspiro.
Ele se levanta se preparando para ir, mas eu seguro seu braço.
— Não consigo entender o que você quer dizer com isso Aidan.
Nossa, você me pegou de surpresa. O que eu tinha planejado era: ir até o
hospital mais cedo para não te encontrar lá, evitar Ryan, ver Lya e voltar
para casa. Eu não esperava um Eu Te Amo, e também não esperava
um “É por isso que eu te afasto, nem você me contando que Foi um
péssimo esposo para sua falecida mulher que você descobriu que te traiu
— confesso — Quero te entender, mas quanto mais você me conta as
coisas, menos consigo entrar. Parece que você tem medo do que possa
acontecer comigo se ficarmos juntos. Você fica se contradizendo,
arrumando justificativas para eu ficar com Ryan, me pedindo para ficar,
mas no segundo seguinte me manda embora Aidan. Desde que te
conheci você está sempre tentando consertar as coisas, com a sua filha,
na empresa, com o que fez com a sua esposa, comigo, e não consegue
enxergar você. Não são rosas que você precisa cultivar para consertar o
que aconteceu no seu passado, não é um quarto que você tem que
destruir para tirar ela da sua vida, não sou eu quem você tem que ter
medo de deixar ficar. É o seu medo de errar, que não te deixa viver. E
para ser bem sincera, não foi por esse Aidan que me apaixonei —
confesso frustrada.
— Está querendo dizer que não gosta mais de mim? — ele suspira
como se tivesse sido vencido.
— Não, estou querendo dizer que e eu não vou embora, enquanto
não tê-lo de volta — antes que eu possa dizer algo mais, ele sela nossos
lábios novamente me puxando pela cintura, mas acabo por me
desequilibrar e nós dois caímos na fonte do chafariz.
— Corra o mais rápido que puder, porque quando eu te pegar… — ele
diz vindo atrás mim, correndo pela sala todo molhado e eu subo as
escadas, apressada até o quarto dele gargalhando.
|51|
Amanda não gosta de mim e não faz o menor esforço para disfarçar
isso.
Desde que Jane entrou no banheiro ela está parada no mesmo lugar
batendo o pé no chão freneticamente, mas depois de alguns minutos, ela
não se contém.
— Por que ela estava com aquelas roupas? Cadê as dela? E por que
você veio trazer ela se não estão mais juntos? — ela pergunta e eu ergo
a sobrancelha impressionado com a capacidade dela de fazer tantas
perguntas em pouquíssimo tempo.
— As roupas dela ficaram molhadas, emprestei uma roupa para
poder trazer ela para cá, e pode ser que tenhamos nos acertado —
respondo sem muita cerimônia.
Ela me olha duvidosa.
— Nós não transamos, acredite Amanda — respondo antes que ela
pergunte.
— Essa é sua última chance comigo. Aliás, se você chatear a Jane
de novo, vou mandar os caras daqui da vizinhança te darem um pau
certo? — assinto soltando um leve riso.
— Certo.
— Sinto muito pelo quê aconteceu com sua filha. A Jane me contou,
foi um porre, digo, não que sejamos fofoqueiras, mas porquê a Jane é
uma tagarela — ela comenta totalmente sem jeito abrindo a geladeira
para pegar um copo de suco e eu aceito fazendo um gesto com a
cabeça, como agradecimento — Só cuida da Jane certo? Sei que ela já é
bem crescida, mas vejo que ela está bem apegada a sua filha e Deus o
livre de acontecer algo, ela vai sofrer muito — Amanda manda na lata e
eu engulo o suco que desce grosso pela minha garganta.
Nossa ela é bem direta nas palavras.
— Entendo que você se preocupa com ela, mas isso não está no
meu controle. Se minha filha morrer, nós dois teremos que lidar com a
perda, não tem como eu controlar as emoções dela Amanda.
— Eu sei, eu sei, mas nos últimos dias, vi ela bem cansada por conta
de toda essa situação. Eu sei que a Jane é a Babá dela, mas não deixa
ela tomar conta de tudo sozinha, ela é muito frágil Aidan — Amanda diz
se sentando na mesa de dois lugares próximo á porta e faz um gesto
para que eu me sente também.
— Tudo bem — corto o assunto ao ver Jane sair do banheiro
— Vamos? — Jane.
— Posso ir com vocês? Não quero passar minha folga inteira dentro
dessa mini-casa — Amanda pede e Jane espera que eu responda.
— Por mim tudo bem — respondo destravando as portas do carro.
Aidan faz um gesto para que eu diga levando em conta que fiquei
paralisada desde a hora que ele chegou.
— Podemos conversar em outro lugar? A garota está dormindo —
Amanda diz por mim e Aidan faz um gesto para passarmos pela porta.
— Subi para trazer algo para a Jane comer — Aidan diz pedindo o
elevador.
Fico em silêncio enquanto entramos em seu carro e ele nos leva até a
kitnet para deixar Amanda. Depois pergunta se quero ir até o casarão
com ele — deduzo que seja para conversar, então digo que sim.
Ele dirige até a mansão, em silêncio e sei que ouviu nossa conversa e
vai ficar desapontado com essa ideia, mas tive tempo para pensar numa
melhor explicação agora.
A casa está silenciosa como sempre. Provavelmente Willa está no
escritório trabalhando e o carro que Kurt dirige não está na garagem,
deve ter ido levar Joanna até o hospital para ficar com Lya.
— Você ouviu nossa conversa? — quebro o silêncio caminhando até
ele que vai até à cozinha, abre a geladeira e enche um copo com água
gelada.
— Você quer ir atrás do pai verdadeiro da Lya? — assinto enquanto
ele fecha a geladeira.
— Aidan, você não parou para pensar que pode ser uma chance para
ela? — digo mantendo o tom na voz, na tentativa de alcançar ele.
— Eu sei, vamos fazer isso — gelo.
Sim, isso mesmo. Ele topou sem nem discutir ou aumentar a voz,
nem debochar da ideia.
— O quê? — gaguejo ainda tentando processar sua aprovação.
— Não vou deixar você sair sozinha atrás desse cara, sei que você
vai ir mesmo que eu não aprove e se essa é uma saída para Lya, vou
fazer o que for. Vou com você — ele diz convicto e eu ergo a
sobrancelha.
— Você não sabe o quanto isso me deixou feliz — confesso me
sentando num dos banquinhos do balcão.
— E você sabe o quanto isso me frustra, mas preciso fazer. Por ela —
assinto enquanto ele fala — Nesses últimos dias, percebi que ela está
mais cansada que o normal, principalmente depois da quimioterapia.
Nunca consegue descansar o suficiente para próxima seção no outro dia.
Falei com o médico para dar um dia para ela, mas ele disse que um dia
de descanso, pode ser menos um dia para ela — o vejo contrair a
mandíbula ao terminar de falar e aperto seu ombro — Alguém precisa
lutar com ela, e se ir atrás do pai verdadeiro seja uma das opções de
cura, então vou lutar contra o que estou sentindo para lutar por ela,
mesmo que eu corra o risco dele querer levar ela de mim — vejo ele se
frustrar dando um longo gole no copo de água.
— Não Aidan. Não vou deixar que ele leve ela de você — tento o
tranquilizar — Mas não podemos descartar essa opção que Amanda deu
— vejo seus olhos transbordarem enquanto ele olha para o vazio
tentando com todas as forças segurar o choro.
— Não faço a menor ideia de quem possa ter sido — ele responde e
uma lágrima escorre rapidamente por seu rosto.
— Aidan, eu sei que é difícil para você. Sei que é recente demais e
que você quer fazer de tudo para não tocar nessa ferida. Mas você
precisa se lembrar de qualquer coisa que possa ajudar a descobrir quem
pode ser o pai dela — coloco a mão em seu ombro enquanto ele
frustrado segura o copo e ele fecha os olhos fortemente.
— Amanhã conversamos, preciso pensar nisso sozinho — ele diz se
levantando.
— Não vou te deixar aqui assim — permaneço firme.
— Eu preciso ficar sozinho Jane, por favor — nego.
— Não vou ficar de escanteio hoje. Não hoje e muito menos agora —
cruzo os braços.
— Estou cansado, preciso comer e vou voltar para o hospital á noite.
Você precisa ir casa, amanhã vai acordar cedo para começar no estágio
e não quero te atrapalhar — Aidan afrouxa a gravata desabotoando os
dois primeiros botões de sua camisa social azul-claro, quase puxando
para o branco.
— Você quer ficar sozinho para destruir tudo de novo? — ele me olha
surpreso.
— Não. O que eu tinha para destruir eu já destruí.
— Então me deixe ficar — Aidan suspira.
— Quem pode teimar com você ein Jane — eu o abraço soltando um
leve riso.
— Eu não vou deixar você aqui sozinho com esses pensamentos que
não definem você, nem o que fez pela Lya. Você é um homem bom, só
está numa fase ruim e não saber lidar com isso, não significa que deva
ficar sozinho — envolvo o rosto dele com as mãos colando nossas testas.
Eu o beijaria no mesmo instante se ele não estivesse tão vulnerável
como agora. Porém, como se tivesse lido meus pensamentos, Aidan
toma meus lábios para si, me puxando pela cintura e eu me rendo, como
se aquilo fosse tudo o que eu precisava.
Nos últimos dias ele tem se sentido imponente a praticamente tudo. Á
saúde da filha, empresa falindo, sua família, ao ter tido seu tapete puxado
pela pessoa que ele mais admirava e amava.
Eu sei exatamente como ele está se sentindo. Perdi meu emprego
dos sonhos, fui traída pelo noivo, pela minha família… E se você não
enxergar esperança nesse buraco, você pode acabar se afundando mais.
Dá para ver que ele não é mais o mesmo que antes, e eu quero ajudá-lo
a aguentar isso.
— Quando se sentir pronto, vamos atrás do pai da Lya — o tranquilizo
beijando seu pescoço.
— Lembro que assim que fiz a festa de um lançamento na WTM ela
quis se mudar da casa onde morávamos, geralmente eu sempre fazia as
reuniões e confraternizações mais íntimas de empresa lá, por ter
bastante espaço, piscina, salão — Aidan diz como se estivesse tentando
se lembrar de algo — Ela que decidiu parar com as festas em casa, parar
de ir na WTM. A biblioteca da casa, foi ideia dela, porque ela parou de ir à
editora e sentia falta dos livros e sempre lia um original antes de ser
lançado. Isso tudo um pouco depois do nosso casamento entrar em crise,
foi quando ela me contou da gravidez.
— Então um pouco antes dela engravidar, ela pediu para se
mudarem, proibiu as festas da empresa na casa e parou de ir à editora?
Pode ser alguém da editora, que trabalha lá — concluo.
Ele se levanta e eu o acompanho até o escritório aonde ele bate na
porta e encontramos Willa com um óculos de grau no rosto lendo alguns
originais.
— Willa, preciso que peça para o RH um relatório de todos os
funcionários contratados entre 2012 á 2016 — Willa não questiona,
apenas abre o email e solicita o relatório.
— Vai fazer corte de funcionários? — ela pergunta após enviar.
— Não, estamos á procura de informações — Aidan diz e não demora
muito até o email ser respondido.
— Filtre, por administrativo, edição, diagramação, editores, designer
gráfico. Só lideres, que iam nas reuniões e festas mais íntimas — Aidan
parece falar sozinho e Willa segue as orientações dele no comando do
computador — Filtre só homens.
— De homens todos já foram desligados. Hoje a equipe está toda
formada por mulheres admitidas recentemente — Willa diz depois do
resultado da pesquisa — Entre 2012 e 2016 tiveram nove justas causas,
de homens tiveram dois, uma por faltas sem justificativas e outra por más
condutas empresariais, — Willa diz enquanto lê na tela do computador.
Aidan faz sinal para ela clicar na segunda justa causa e alguns
arquivos são abertos.
— Foi flagrado fazendo ações impróprias com colega no ambiente de
trabalho. Os dois levaram justa causa, foi assinado
pela Rosalya as duas demissões — Aidan faz mais um gesto para ela
abrir o formulário dos dois funcionários e vejo ele empalidecer.
— Chefe da equipe de diagramação e secretária — Willa finaliza a
conclusão.
— Imprime esses dois relatórios — a voz dele falha.
Aidan dá as costas pisando duro no chão.
— O que aconteceu? — Willa me pergunta, mas eu não respondo,
vou atrás de Aidan que está sentado no primeiro degrau da escada com
os olhos marejando e dá para ver que seus punhos cerrados tremem por
conta do ódio.
— Este funcionário foi demitido na primeira semana do mês 04. Você
se lembra quando foi a festa do lançamento?
— Não me lembro, mas as festas que eu fazia eram sempre depois da
semana de corte — ele diz.
— Então a festa foi na semana do dia 12. Você se lembra a data que
ela anunciou a gravidez? — Aidan demora um pouco para responder.
— Um mês depois.
— Com quantos meses ela descobriu estar grávida?
— Ela ia fazer duas semanas de gestação.
— Então foi um mês depois que ele havia sido demitido e por ela. Ela
sabia que ele estava com outra secretária, ela engravidou depois da festa
de lançamento.
— Isso se chama, recaídas Jane — Aidan me corta.
— A não ser que ela não tenha te traído — Aidan arqueia a
sobrancelha para Willa que ouvia tudo do escritório e se aproxima de nós
dois — Quero dizer, não por culpa dela — digo me levantando, mas
Aidan ainda parece não entender — Você disse que quando se mudaram
para cá não estavam numa fase boa certo?
— Sim, ela estava de dois meses. Mas o que tem a ver?
— Ninguém descobre tão recente uma gravidez, a não ser que ela
soubesse que poderia engravidar. Vocês estavam tentando? — Aidan
nega para minha pergunta.
— Não. Nós não estávamos tentando.
— Se ela tivesse tido uma recaída com ele no dia da festa e soubesse
que teria a possibilidade de engravidar, se eu fosse ela, eu teria pedido
para você para começarmos a tentar ter um filho, para quando eu
anunciasse a gravidez, você realmente pensasse que nossa tentativa deu
certo — Willa pensa andando de um lado para outro.
— Mas espera. Ele não foi demitido uma semana antes da festa?
Você não disse que a festa era feita depois da semana de corte? Ele não
estava na festa então.
— Mas a Rosalya sim. — Willa completa meu raciocínio.
— Meu Deus Aidan — me levanto após ter a minha conclusão — Eu
acho que sei exatamente o que aconteceu — Willa assente contraindo a
mandíbula — A Rosalya não te traiu Aidan. Ela demitiu um funcionário
que tinha um cargo alto na empresa, meteu uma justa causa nele, ele se
vingou e abusou dela, no dia da festa de lançamento, onde você
chamava todo mundo para ir na sua casa.
— Foi por isso que ela quis mudar de casa depois e não quis mais
festas da empresa em casa. Descobriu a gravidez rapidamente, porque
foi abusada e ficou com medo, e não te falou o que aconteceu, porque
estavam numa fase ruim do casamento de vocês e para não piorar tudo,
ela escondeu — Willa completa e Aidan não reage, está em choque
demais para dizer qualquer coisa, lágrimas escorrem pelos seus olhos de
forma rápida e ele é desarmado completamente.
No lugar dos punhos cerrados agora tem duas mãos cobrindo os
ouvidos enquanto ele começa a dizer várias vezes.
— Não, não, não, não quero ouvir mais nada.
Willa me olha séria soltando um longo suspiro.
— Eu vou procurar os exames e ultrassons da Lya. Vamos fazer
essas contas tudo de novo e se for isso mesmo…
— Eu vou matar ele. Eu juro que eu vou acabar com ele — Aidan diz
completamente fora de si enquanto eu em silêncio volto a olhar a foto do
formulário do rapaz e seu nome no alto da folha.
Emett Stuart.
|53|
|“Haverá paz quando você estiver terminado. Coloque sua cabeça
cansada para descansar, não chore mais” Carry on My Wayward Son /
Kansas.
Ainda estou sem fala. Não faço mais a menor ideia do que pensar
sobre isso, que é muito pior do que imaginei ser desde o começo.
Aidan está devastado. Não quer comer, não quer conversar, se
trancou no quarto, e por mais que Willa diga que para eu ir para casa que
ela vai cuidar dele, não consigo.
A situação piora a cada vez que tentamos melhorar ela. Não sei
como Willa consegue ser tão neutra nessa situação toda. Ela encontrou
os exames da gestação de Lya com algumas coisas de Rosalya que
Aidan ia jogar fora. Ela está sentada no sofá do meu lado com todos os
papéis em mãos, uma calculadora, os óculos de grau no rosto, mordendo
a tampa da caneta enquanto pensa em silêncio, refazendo tudo o
caminho que fizemos para chegar àquela conclusão.
— Acha que ele vai ficar bem? — faço a pergunta mais óbvia dessa
terra.
— Claro que não. Mas ele precisa enfrentar isso colega. Faz parte da
vida, decepções fazem parte, você sabe como é não sabe? — ela
comenta fazendo uma pausa.
— Entendo. Mas isso é tão cruel. Eu não suportaria — Willa suspira.
— É por isso que é com ele. Cada um tem a sua barra para enfrentar
na vida, Aidan tem a dele, eu tenho a minha, você tem a sua, Lya tem a
dela, e Rosalya também teve a dela, a única diferença, é que Rosalya
não merecia o que aconteceu com ela, e ela teve medo — Willa diz me
mostrando os resultados das contas e eu suspiro, porém, nosso momento
é interrompido pelo telefone que toca e eu Willa atende.
— Oi Joanna, agora não é uma boa hora para falar com o Aidan —
ela responde após atender — Mas ele precisa ir aí agora? — mais uma
pausa para que Joanna fale e Willa me olha por um instante — Cara, o
Aidan não tá bem para isso, a Jane pode ir no lugar? Sim, ela quem
assinou o termo quando a Lya foi internada aí.
— O que aconteceu? — pergunto antes mesmo de ela finalizar a
ligação.
— Tudo bem, vou pedir para o Kurt levar ela. Obrigada Joanna —
Willa finaliza a ligação — O médico quer conversar com o responsável da
Lya, sobre a quimioterapia — suspiro.
— Aconteceu algo com ela? — Willa nega.
— Não sei, mas acho melhor você ir agora, eu vou tentar falar com o
Aidan.
Depois de muitos dias, por mais que tudo isso tenha acontecido,
consigo dormir sem acordar a noite, mas o bip do despertador hoje não
toca ao amanhecer.
Atrasada e com uma terrível enxaqueca.
Meus pés tocam o chão gelado e eu corro até o chuveiro. Estou
horrível.
Sei que não deveria nem sair da cama hoje, mas preciso ir a esse
estágio. Não posso esquecer os óculos que eu só usava na WTM para
ficar na frente do computador o dia inteiro lendo.
Saio do banheiro e pego a primeira roupa que encontro no guarda-
roupa. Tudo bem, não foi a primeira. Uma calça social preta, uma camisa
de linho amarela e o par de scarpin bege. A chave do carro.
Raios, onde estão as chaves do carro?!
Lembro que Aidan havia enfiado dentro da minha bolsa as chaves do
carro dele e sim, não foi um sonho, elas estão mesmo dentro da minha
bolsa. Estou com tanta dor de cabeça…
— Ai está você — sorrio vitoriosa para a chave e antes de sair, visto
meu sobretudo preto, destravo as portas automáticas do carro e entro
batendo a porta forte demais brigando comigo mesma, como se fosse
Aidan ao meu lado dizendo — isso, quebra mesmo.
Nada de pensar em Aidan, nada de pensar em Aidan. Ele te fez
prometer, você vai conseguir aquele estágio e pronto! Acabou, para de
pensar nele. Aliás… Merda! Por que eu vesti essa camisa amarela que
me faz lembrar Lya?!
— Argh! — rosno para mim mesma dando partida no carro que é tão
confortável que eu poderia dormir nele se não tivesse que dirigir até o
hospital.
Vejo que horas são no relógio de pulso e percebo que não peguei o
relógio de pulso.
Piso no acelerador e dirijo o mais depressa que consigo, segurando
firmemente o couro do volante.
Seja lá quem esteja me esperando para o meu primeiro dia, vai me
matar.
Logo hoje, no primeiro dia Jane.
Isso me faz lembrar o estágio lá na WTM quando eu sempre me
atrasava e Mabel sempre me dava várias tarefas para fazer ao mesmo
tempo, como se quisesse descontar de mim os meus minutos de
ausência. Mas eu gostava tanto de viver na correria, me atrapalhando em
quase tudo.
Sinto tanto por aquela editora.
Fecho os olhos fortemente com este pensamento
e buzino apressando o motorista da frente que me xinga me olhando pelo
retrovisor.
A cidade está um caos, de vez em quando, há engarrafamentos e
motoqueiros buzinando pedindo espaço entre as faixas para passarem,
sem contar nos pingos grossos de chuva que caem do lado de fora.
Ninguém disse mesmo que segunda-feira era o melhor dia para ir
trabalhar.
Sinto meu celular vibrar na bolsa e na pressa para atender, deixo a
bolsa cair no assoalho do carro, e alguns carros buzinam desviando da
minha direção que parei o carro para pegar a bolsa.
Assim que pego o celular, vejo o nome de Mabel, minha supervisora
no visor da tela e suspiro.
Não posso perder essa chance de estágio.
O farol logo a frente sinaliza que está prestes a se fechar, então
acelero mais buzinando, porém, antes que todos os pedestres possam
atravessar a rua com guarda-chuvas, meu carro se choca contra um
rapaz de branco que atravessa a rua.
Tiro o cinto e abro a porta receosa enquanto um círculo de pessoas
curiosas nos cercam. Caminho até onde o rapaz está no chão contraindo
a mandíbula e de olhos fechados fortemente, como se estivesse se
esforçando para não gemer de dor.
— Meu Deus, v-você, está bem Ryan?Ryan? — chamo tocando sua
barba rala com as pontas dos dedos e a essa altura meu cabelo já está
escorrendo por conta da chuva e por Deus, as roupas brancas dele
estão encharcadas.
Um dono de uma padaria sai de seu estabelecimento e abre espaço
entre as pessoas para me acudir.
Ele leva dois dedos ao pescoço do moreno desacordado e sorri para
mim como se quisesse me tranquilizar.
— Ele está respirando. Você precisa levar ele para o hospital, agora
— franzo cenho.
— Mas estou atrasada para… O hospital mesmo — digo confusa.
— Vamos colocar ele no carro, rapazes — o senhor diz e o três caras
obedecem me olhando feio.
Observo Ryan ser colocado no banco de trás do carro, enquanto eu
tento acalmar meus batimentos cardíacos e minhas mãos que tremem
enquanto dirijo até o hospital em silêncio, às vezes dando uma olhada no
banco de trás, colocando os dedos no pescoço de Ryan para ver se ele
ainda respira.
Não espera.
Ryan?
Acordo num súbito e acendo o abajur. O bip do despertador
programado para 07 da manhã agora marca 05 horas e o dia vejo pela
janela embasada pela neblina que ainda está amanhecendo.
Levanto e vou pegar um copo de água. Meus olhos estão tão pesados
e ao lado do filtro de água, encontro uma cartela de calmantes e um
triturador.
Bufo.
Eu sabia que Amanda tinha me dado calmantes para dormir.
— Ei, acorda — me aproximo da cama dela que salta num susto —
Então quer dizer você agora dopa suas amigas? — questiono de braços
cruzados.
— Por Deus Jane, que horas são? — Amanda boceja se sentando
apagando o abajur que acendi.
Caminho para o banheiro.
— Hora de você levantar e ir por uma roupa, nós vamos sair às 06 em
ponto — anuncio.
— Sair para onde? — ela diz arqueando as sobrancelhas enquanto
procuro algo nas minhas malas para vestir.
— Nós vamos passar na casa do Aidan para pegar Willa. Vamos atrás
do Emett Stuart — Amanda arqueia a sobrancelha.
— E a sua entrevista?
— Eu não vou. Não vou conseguir ir. Lá não é lugar para mim. Sinto
isso. E antes que você me venha com sermões, não é medo. O Ryan
trabalha lá e eu sei que ele me daria a maior força até eu me adaptar.
Mas não dá, eu… É diferente lidar só com a Lya, lá é um hospital e eu…
Vou me apegar com todas elas e vou sofrer sempre que perder alguém.
Isso não é para mim, meu negócio é ler Amanda, é passar horas lendo
novas histórias mordendo a ponta da caneta enquanto anoto pontos
fortes e características de personagens que podem conquistar o público,
eu não quero trabalhar num hospital, mesmo que não precise dar
injeções. E eu sei que o Ryan queria me ajudar, mas sempre vai ser o
Aidan entende? Não tem nada a ver com o que ele está passando agora,
nos conhecemos bem antes disso e ele estava certo, não importa
quantos caras eu beije ou com quantos eu converse. Sempre vai ser o
moreno e eu não posso ignorar o fato dele estar precisando de mim
agora. Podemos perder horas se eu for e não quero pensar no fato de
que quando eu voltar lá, Lya pode já não mais estar — fuzilo Amanda
antes que ela diga qualquer coisa contra mim e ela suspira sendo
desarmada quando termino de falar.
— Estarei pronta em cinco minutos. Já ligou para Willa?
— Precisa ir para casa nem que seja para trocar de roupa senhor
Whitmore — Joanna diz, mas nego — O senhor precisa descansar, está
na cara que não pregou o olho essa noite.
Não quero sair nem que seja por um segundo de perto de Lya, por
mais que não troquemos muitas palavras, ou por mais que ela passe a
maior parte do tempo dormindo. Sinto que a qualquer momento é hora de
dizer adeus.
Ela está tão fraca que nem contestou ou me encheu de perguntas
quando falei que precisaríamos raspar o cabelo dela. Ela só falou para a
médica “Posso escolher um lenço de abelhinha?” fazendo os outros
enfermeiros se surpreenderem com a resposta.
Achei que nunca tivesse me sentido tão triste quando Rosalya partiu,
mas com Lya essa dor parece que está sendo em proporções muito
maiores, é como se eu pudesse sentir parte de mim, morrendo com tudo
isso. Como se a única parte que ainda me restava estivesse se esvaindo
por entre meus dedos como névoa e eu não pudesse fazer nada para
tentar segurar.
Já são duas da tarde, e deduzo isso quando vejo Jane surgir na porta
do quarto. Ela está devastada e me levanto da poltrona num súbito para
consolá-la num abraço apertado.
— O que houve? — pergunto enquanto ela soluça junto ao meu peito.
— Nós tentamos Aidan, nós tentamos — ela repete enquanto acaricio
seus cabelos.
— O que houve? Não conseguiu a vaga lá no estágio? Foi o carro?
Bateu ele? — questiono enquanto ela balança a cabeça — Por Deus,
precisa me dizer o que houve.
— Fomos atrás do Emett, mas, — ela soluça novamente — Ele não
pode ser um doador — contraio a mandíbula.
— Você foi lá sozinha? — ela nega e vejo no corredor Amanda e Kurt
se aproximarem.
— Tentei convencer ela de ir para casa, mas ela queria vir ver você —
Kurt explica.
— Leva ela de volta Kurt, — chamo — Precisa ir para casa — ela
nega.
— Eu não quero.
— Mas precisa. Precisa comer algo e se recompor, ou você quer que
a Lya te veja desse jeito?
— Sinto muito Aidan — Jane continua a dizer, como se aquilo que
tivesse acontecendo fosse culpa dela.
— Tudo bem. Estou orgulhoso de você por ter feito isso por mim —
digo segurando seu rosto com as duas mãos.
— Pessoal — ouço Ryan chamar — Não posso deixar tudo isso de
acompanhantes aqui nesse andar, vou precisar que vocês desçam, antes
que algum segurança venha — Ryan que orienta — Tudo bem aqui? —
nós assentimos.
— Jane, por Deus, eu juro que queria mesmo te levar para casa, mas
não posso sair daqui. Preciso que vá agora — peço mais uma vez.
Vejo os três entrarem novamente no elevador e Ryan suspirar junto
comigo.
— Jane não desiste né — Ryan comenta e eu assinto.
— Só queria que ela não precisasse passar por isso — respondo e
Ryan aperta meu ombro.
— Você não tem culpa senhor Whitmore, ninguém tem.
— É eu sei. Me dói ver tudo isso e não poder fazer nada.
— Não perca todas as esperanças assim senhor Whitmore, eu já vi
muitos casos de aparecer uma medula de última hora, sempre
priorizamos casos assim — Ryan diz e eu balanço a cabeça.
— Eu não quero me frustrar mais Ryan. Jane é o reflexo disso. Ela
não vai parar enquanto isso não acabar. Por favor, se quiser ver o bem
dela, pare de falar essas coisas perto dela. Ela perdeu hoje o estágio,
para ir atrás do pai da Lya e não sei o que ela achou lá, mas não foi algo
bom, é por isso que estava desse jeito. Tenta conversar com ela, ou ela
vai se frustrar cada vez que as chances estiverem acabando. Ela não vai
parar Ryan, e tenho medo dela sair muito machucada disso.
— Você acha então que eu deveria dizer para ela que…
— Acabou para Lya — completo a frase e Ryan contrai a mandíbula.
— Tudo bem senhor Whitmore.
— Eu não sei usar isso — dou uma desculpa e ele segura minha mão
me guiando, quando termino, ele se olha no espelho e termina de fazer o
resto dos acabamentos.
— Vem cá — ele me chama para frente do espelho e eu solto um riso.
— Ai meu Deus, — balanço a cabeça enquanto ele faz uma pose em
frente ao espelho como se tivéssemos prestes a bater uma foto e nós
dois rimos.
— Percebe-se que isso deu mais certo para você — Aidan brinca
passando a mão na cabeça e gargalhamos enquanto ele se aproxima dos
meus lábios deixando um beijo calmo nos mesmo, colando nossas testas.
— Obrigado por esse dia Jane. Eu amei o chantilly no nariz — sorrio
assentindo — Eu tinha certeza que se desse a chave do meu carro em
suas mãos, você tornaria isso em algo que eu poderia me lembrar e
sempre sorrir.
— Quando tudo isso acabar, vamos levar Lya lá para comer cupcakes
— comento e o vejo contrair a mandíbula.
Ele hesita olhando para o vazio, mas quando percebe a pausa que
fez, suspira e me beija como nunca antes.
Com pressa, com desespero, com intensidade.
Aidan segura meu rosto com as duas mãos e num momento, sinto o
gosto de suas lágrimas se misturarem com seu beijo. Tento quebrar o
beijo e tentar consolar ele, mas ele me abraça e soluça alto escondendo
o rosto em meu peito.
— Jane, eu não tenho mais força para isso.
Eu compreendo. Ele aguentou firme por mais tempo do que acreditei
que pudesse.
— Se eu tivesse feito algo diferente? Seria melhor? — ele continua,
mas não consigo dizer nada por conta do nó que se forma em minha
garganta ao vê-lo desse jeito.
Frustro-me por não ter o que eu possa fazer ou dizer para melhorar
isso.
— Isso precisa melhorar amor, de alguma forma, porque não aguento
mais — Aidan soluça contra meu peito.
Balanço a cabeça para ele mesmo sabendo que ele não pode ver, e
as minhas lágrimas me vencem escorrendo pelo meu rosto de forma
rápida.
É a primeira vez que o vejo chorar assim e noto que é o que ele
estava segurando por muito tempo. Então o deixo se livrar desse peso. O
vejo soluçar, fechar os olhos com força, gemer angustiado, me abraçar
fortemente como estivesse se segurando para não cair num buraco.
Fraco, vulnerável e cansado.
Ele estava entrando em declínio e a única coisa que faço é guiá-lo até
uma cadeira, abro a geladeira e entrego um copo de água, para ele que
segura com a mão trêmula e olhos inchados.
Eu e ele ficamos em silêncio por um pouco de tempo, eu em pé ao
seu lado acariciando sua cabeça e ele olhando para o nada.
O celular dele quebra o silêncio com o nome de Joanna no visor.
Aidan recusa a chama e depois de pouquíssimos instantes um aviso de
mensagens aparece na tela.
“Senhor Whitmore, você precisa vir para o hospital.
Chegou a hora.”
E meu celular toca segundos depois com o nome dela também me
ligando.
|58|
|“Porque eu não estou desistindo, nunca vou desistir mesmo se eu
estiver no último suspiro, mesmo quando eles disserem que não há mais
nada. Então não desista, porque eu não vou, mesmo quando ninguém
mais acreditar. Então não desista de mim.”
Don't give up on me/ Andy Grammer.
Quando era mais nova, perdi alguém que eu amava muito e que eu
acreditava ser imortal e que eu nunca o perderia. Meu pai.
Não me via sem ele, e não havia outra pessoa para correr para os
braços quando eu estivesse com medo. Ele se foi e eu não pude dizer
adeus, nem que nos veríamos em breve.
Precisei lidar com a perda aos seis anos e isso sempre levei
comigo. O ir sem se despedir. Porque eu queria ter me despedido dele,
mas hoje, vivendo isso com a Lya, eu vi que teria sido muito pior. Eu não
seria capaz de dizer adeus para ela. Eu não estou e nunca vou estar
pronta para despedidas.
Só quero segurar ela nos meus braços o quanto eu puder aguentar.
Acordo sem nem saber onde estou ou como cheguei a esse quarto. A
única coisa que sei é que o baque de toda essa situação foi tão grande, o
choque da notícia foi tão grande, que quando me acalmei meu corpo não
aguentou e apagou. É só disso que eu sei.
Sento-me na cama com um pouco de dificuldade com um acesso de
soro ligado ao meu braço. Não encontro Ryan e quando aperto o botão
solicitando ajuda de alguém, não é ele quem aparece. É um médico com
alguns papéis na mão.
— Jane Johnson, como você está?
— Acho que bem, onde está a Lya? — pergunto e o doutor sorri em
resposta.
— Vamos falar de você por enquanto, pode ser?
— O que tem eu doutor?
— Parabéns, você será mamãe.
Estou grávida.
Será que já posso desmaiar de novo?
Só estou esperando acordar e o médico falar que bati muito forte com
a cabeça quando desmaiei.
Mas os papéis não deixam nenhuma sombra de dúvidas que isso é
real.
— Como assim?! Grávida? — questiono me sentando na cama e o
médico me entrega alguns papéis de exames prontos — Como isso pode
ser… Ah Deus — olho para o médico novamente esperando que ele me
explique como isso aconteceu, mas é algo muito óbvio para ser explicado
— Desde quando isso?
— Você está de cinco semanas — ele diz — Precisamos dar início ao
seu pré-natal, irei te passar um cardápio com refeições equilibradas que
vão favorecer sua pressão. Seu desmaio aconteceu devido à sua má
alimentação. Você vai precisar ficar uns dias de repouso também — ele
me orienta.
Por Deus eu vou ser mãe e preciso contar isso para o Aidan e contar
para ele sobre a Lya. Ele vai ficar tão feliz e vamos dar um jeito na WTM
e em tudo.
Alguém bate na porta e a abre em seguida, é Amanda.
— Escutei a voz dela, ela está bem? Eu já posso ver ela? — Amanda
pergunta para o médico e ele assente fazendo sinal para ela entrar e nos
deixa sozinha — Meu Deus Jane, que susto. Ryan me ligou falando que
você tinha sei lá, apagado.
— Que horas são? Quanto tempo fiquei apagada? A Ângela já
ganhou o bebê dela? — levo a mão á testa fechando os olhos por um
instante sentindo minha cabeça doer num começo de enxaqueca —
Alguém já avisou o Aidan sobre… Sobre a Lya? — suspiro — Por Deus, o
que será que ele vai dizer quando eu contar isso para ele?
— Tá, vamos com calma, porque você acabou de descobrir a
gravidez. Você precisa pensar um pouco em vocês — Amanda diz
ajeitando os travesseiros trás de mim, mas não quero me deitar, já
anoiteceu e meu celular está sem bateria.
— Nossa, estou acabada — me encosto nos travesseiros, mas volto a
me lembrar de Lya e me ponho de pé — Eu preciso muito ir ver minha
pequena e… Meu bebê está seguro aqui — aponto para minha barriga e
guardo os papéis dentro da minha bolsa, mas Amanda toma a bolsa da
minha mão e a coloca em cima da poltrona.
— Jane,
— O que foi? Aconteceu algo com a Lya? — Amanda nega.
— Não. Só estou pedindo por favor, para você ficar aqui e sei lá. Só
fica aqui — arqueio a sobrancelha sem entender absolutamente nada do
que ela está falando.
— Por que eu deveria ficar aqui?
— Porque você deveria ficar aqui e me escutar — Amanda retruca,
mas não vejo o porquê disso.
Levanto-me da cama balançando a cabeça.
— Eu sinceramente não estou te entendendo, então a não ser que
você me dê um bom motivo para ficar parada aqui nessa cama olhando
para você, eu vou atrás da Lya e ver se Joanna está aqui para avisar o
Aidan que ela vai ficar bem — tomo minha bolsa da mão dela.
— O Aidan não vem — ouço ela dizer antes que eu saia pela porta.
— É claro que ele não vem, ele me disse que não ia vir se despedir da
Lya, nós brigamos antes de eu vir para cá, mas, quando ele souber da
Lya e do bebê ele…
— Jane, nós precisamos conversar — Amanda me interrompe.
— Mas que merda Amanda, por que está tão agoniada?! Vai falar que
o Aidan não vai gostar? Da gravidez?!
— Porra Jane! Será que uma vez na vida você poderia deixar de ser
tagarela?! — vejo ela soluçar e cobrir o rosto ao perceber que estamos
entrando na nossa primeira discussão — Eu não vou conseguir de falar
isso. Me desculpa, por favor.
— Me falar o quê? — recuo antes de sair do quarto — O que
Amanda? — questiono mais uma vez — O que aconteceu com você? —
volto a me aproximar dela e ela balança a cabeça.
— Não consigo pensar numa maneira melhor de te contar que o Aidan
tentou se matar, faz algumas horas. Agora ele está internado em estado
grave e os médicos não sabem se ele vai sair bem dessa. Era de tarde
ainda, você estava aqui quando Willa o encontrou lá na mansão. Falei
para o Ryan te dizer isso da melhor forma, mas, não liberaram ele ainda
do plantão.
Balanço a cabeça sentindo meus olhos lacrimejarem e as lágrimas
escorrerem pelo meu rosto de forma rápida.
— Ele não pode ter feito isso — digo para mim mesma olhando ao
redor como se por um momento eu já não soubesse mais onde estou —
Meu Deus! — um soluço escapa pelos meus lábios enquanto espero
Amanda dizer que é só uma brincadeira que eles pregaram em mim.
Levo a mão á testa e percebo que estou trêmula e sinto o ar pesado,
como se tivessem sugado o ar do quarto e agora eu estivesse sendo
sufocada aos poucos.
— Você precisa ficar calma agora — Amanda pega em meu braço
fazendo um gesto para eu me sentar na cama, mas eu me solto das
mãos dela e saio do quarto sem que ela tenha tempo de reagir e me
barrar.
Já anoiteceu e subo de elevador apertando diversas vezes o botão
para subir.
Não é possível. Não mesmo.
Procuro por Ryan e não demoro a encontrá-lo. Como sempre, ele está
pelos corredores, apressado, sempre dando passos largos.
Quando me vê, ele para antes de se aproximar, contrai a mandíbula e
respira fundo, como se eu fosse a última pessoa que ele quisesse
encontrar agora.
— Jane, — é o que ele diz, só que pela primeira vez, ele não sorri.
— Estou grávida Ryan — ele empalidece com o que eu disse, mas
não demonstra alegria, só surpresa e preocupação.
— Grávida?
— Sim. Eu tenho um bebê aqui dentro há um mês e uma semana, que
doideira né. Eu só… Preciso dar um jeito de falar com o Aidan. Ele já
sabe da Lya? — Ryan apenas balança a cabeça — Ryan, que brincadeira
é essa que vocês estão fazendo comigo? Como assim, eu apaguei esse
tempo todo e vocês não avisaram ele? — minha voz embargada
denuncia o quanto estou tentando me segurar para não chorar, mas Ryan
não diz nada, ele apenas larga os papéis que trás consigo e me abraça
forte.
— Jane, por Deus, eu sinto muito.
— Não. Não sinta, eu… Vou falar com ele e… Meu Deus — minhas
pernas bambeiam, mas é como se Ryan já soubesse disso e me segura
forte — Ele não pode ter feito isso, não pode mesmo — minhas pernas
fraquejam novamente e me solto dos braços de Ryan caindo prostrada no
chão cobrindo o rosto — Manda ele vir para cá, ver a Lya — choramingo
— Por favor — Ryan tenta pegar em minhas mãos para me levantar dali,
mas eu me nego a dar um passo sequer, e vejo Amanda aparecer no final
do corredor com Joanna e Willa ao seu lado aos prantos.
Paro por um minuto tentando ao menos respirar e reunir os meus
pedaços que restaram, mas não consigo, como se tudo isso não
passasse de um pesadelo e eu não conseguisse acordar.
— Meu Deus — é a única coisa que sai da minha boca, enquanto
algumas pessoas desviam de mim, passando pelo corredor.
— Você precisa se levantar Jane — Ryan pede enquanto outra
enfermeira recolhe os papéis que ele deixou cair no chão — Você está
em choque, eu preciso que você venha comigo — ele diz envolvendo
meu rosto com as duas mãos.
— Eu só vou sair daqui quando o Aidan aparecer e me disser que isso
tudo é uma brincadeira.
— Sei que é difícil, mas você precisa se levantar agora e vir comigo —
ele pede mais uma vez e Amanda põe a mão em minhas costas como
gesto de incentivo.
— Não, eu… — não consigo mais falar, eu estou completamente sem
chão.
Vejo Ryan fazer um gesto para a enfermeira e em seguida, sinto uma
picada em meu braço, eu tento afastar a seringa que ela usa em mim,
mas minha vista escurece, Ryan me toma nos braços e antes de apagar
por completo ouço ele dizer para Amanda.
— Ela vai ficar bem, é só um calmante. Ela está grávida agora e
todo esse choque pode fazer mal para ela e para o bebê.
|61|
|“Havia algo que eu poderia ter dito para fazer o seu coração bater
melhor?” Before you go/Lewis Capaldi.
— Não pode ficar doze horas do seu dia no hospital sorrindo para a
Lya e as outras doze horas encarando essa pasta que o Aidan deixou
para você — Amanda me repreende assim que a encontro na recepção
do hospital segurando a pasta com os papéis — Se não quer ler a carta
que Aidan deixou para você, por que não a joga fora de uma vez? — ela
questiona.
— Eu não vou ler, hoje vou conversar com o advogado, para devolver
tudo para o nome do Aidan — respondo num suspiro, caminhando com
ela até a cantina.
— Como está a Lya? — Amanda pergunta.
— Ela tem respondido bem ao transplante, está vez mais apreensiva
para ver Aidan e mesmo que já tinha passado duas semanas desde que
tudo aconteceu, ele ainda não tem apresentado nenhuma melhora
significativa. E logo, Lya volta para casa, e é disso que eu mais tenho
medo. — comento e ela assente fazendo um pedido enquanto procuro
com os olhos, um lugar na praça de alimentação para podermos nos
sentar.
Eu não quero voltar naquela casa, não depois de tudo o que já
aconteceu ali. Pode ser que seja besteira, mas para mim, não existe mais
a hipótese de entrar naquele lugar.
Posso estar traumatizada, que seja, mas nada vai me fazer voltar ali.
Nem a Lya, nem ninguém.
— Não sei o que fazer, quando a Lya tiver alta — confesso — Ela tem
alta no final da semana.
— Por que você não vende aquela casa? — Amanda dá os ombros —
Está tudo no seu nome agora, basta você assinar.
— As coisas não são bem assim. A casa é do Aidan, eu não posso, ir
lá e vender simplesmente porque ele cometeu um equívoco. Além do
mais, hoje vou devolver tudo para o nome dele. Não quero as irmãs dele
falando que dei golpe.
— Da mesma forma ele vai precisar vender amiga, você não vai mais
querer ir morar lá. Vai ter que vender agora ou depois.
— Mas lá é a casa dele — suspiro.
— E que logo, logo, vai se tornar a casa de vocês. Amiga, eu sei que
o que aconteceu, poderia ter sido muito pior do que está agora, mas você
precisa levantar sua cabeça. O Aidan não morreu e você está deixado o
que poderia ter acontecido com ele te consumir. Olha, a Lya está bem,
vocês vão ter um bebê, agora você está rica, até preparam banhos para
você, o Aidan vai se recuperar e vocês vão comprar uma casa nova linda
para família de vocês. Por que me parece que você está querendo parar
de lutar?
— Você tem noção do que é andar para lá e para cá, o dia inteiro
segurando uma pasta cheia de papéis que dizem que agora você é dona
do patrimônio de alguém que você conheceu em menos de três meses?
Alguém que tentou se matar e deixou uma carta para você, mas que está
vivo, e você simplesmente não sabe o que é pior, ler e saber o motivo de
tudo aquilo ou não ler e ver a culpa nos olhos dele, quando ele acordar e
perceber o quanto de coisa ele iria deixar por uma atitude precipitada.
Você não sabe o que estou sentindo. Você não sabe o que aconteceria
se ele realmente tivesse morrido. Amanda, você não sabe o tamanho da
barra que estou segurando para não largar tudo e desaparecer, mas eu
simplesmente não posso fazer isso, por que eles são tudo o que tenho, e
não consigo medir o tamanho da dor que eu estaria sentindo agora se
tivesse perdido os dois. Sinto como se ele não ligasse em me deixar
sozinha, como se não importasse para ele morrer e me deixar aqui
vivendo um luto duplo, com tudo dele sendo passado para o meu nome, e
o pior de tudo, é que eu não posso falar isso para ele quando ele acordar,
porque não sei o que ele estava sentindo esse tempo todo.
— Por que você não lê a carta? — Amanda bufa, mas balanço a
cabeça negativamente — Jane, não foi por sua causa. Você precisa
saber disso — continuo a balançar a cabeça para ela — Você está se
torturando por uma coisa que você não teve culpa estar no meio. Ele não
tinha como saber que a Lya ia se recuperar, e você não tinha como saber
o que ele iria fazer. Por que não quer pegar a droga da carta, ler de uma
vez, jogar fora e seguir em frente?
— Porque não vou conseguir ficar depois de ler ele me dizendo
adeus, quando ainda estava comigo.
— Mais um motivo para ler essa carta. Se você foi forte o suficiente
para deixar o Aidan entrar na sua vida, você precisa ser forte para deixá-
lo ir.
— Mas eu não quero — solto um soluço cobrindo o rosto.
— Você precisa se curar, e talvez essa carta, seja o que você precisa
— Amanda abre a pasta e me entrega a mesma me incentivando a abrir.
— Jane, o quadro do senhor Whitmore, apresentou melhoras. O
médico autorizou visitas. Achei melhor te avisar primeiro, caso queira vê-
lo antes que eu entre em contato com a família dele — Ryan anuncia
apressado, se aproximando da nossa mesa na praça de alimentação —
Você quer visitá-lo agora? — assinto antes dando uma última olhada para
Amanda e pego a carta acompanhando Ryan até o elevador.
|64|
|“Eu estou realmente encurralado desta vez, nunca deveria ter dito
adeus, mas talvez seja isso que as pessoas estúpidas fazem.Porque
você me deu paz e eu a desperdicei. Eu estou aqui para admitir que você
era meu remédio. Obrigado pelo ano mais feliz da minha vida” Happiest
Hear/ Jaymes Young.
Jane,
Eu não consigo pensar em nada agora.
Não vou transformar essa folha nem o que está escrito nela em
lamentações ou em puro sentimentalismo. O intuito dessa carta é te
tranquilizar nem que seja um pouco.
Você pode me odiar mesmo que eu peça o contrário agora, mas quero
que saiba que eu não estou sendo egoísta. Estou fazendo o que é melhor
para mim. Essa carta é o seu alvará de liberdade ruiva, você deve e
precisa sair do meu mundo e voltar para o seu.
Eu e a Lya seremos para sempre gratos.
Quando essa carta acabar, jogue fora. Eu não quero me tornar um
pedaço de papel e uma caligrafia tremida. Em hipótese alguma fique com
algo que é meu. Não se prenda. Acredito que está lendo essa carta
depois do meu enterro então cruze os dedos agora, e leia em voz alta:
“Eu te prometo Aidan, que essa foi a última vez que usei preto na
vida. Fico muito mais linda de amarelo”.
Eu já sinto sua falta escrevendo isso.
A WTM agora é exclusivamente sua. Eu já cuidei de tudo o que você
precisa para seguir em frente. Mantenha-se firme diante das minhas
irmãs. Diante da sua mãe, diante do Addam.
. Faça o que bem entender com a minha casa, com meus carros, com
meus funcionários. Você tem direito sobre tudo isso agora, basta assinar
os papéis que estão com você.Minha irmã Willa, irá te ajudar, confie
apenas nela.
Não se diminua quando se perguntar por quê fiz isso. Você foi o
melhor para mim em todo o tempo, e agora quero que viva o melhor, que
tenha o melhor e que continue dando o seu melhor.
Só de saber que não estarei aí quando estiver lendo isso, e saber
ainda mais que deve estar sofrendo, tenho mais certeza de que fui o
homem que tirou a sorte grande no momento errado.
Tenho sorte sabia? Em ter tido a chance de conhecer uma mulher tão
corajosa como você. Eu só queria uma segunda chance, de começar
tudo de novo, sem dor, sem precisar ver o seu desgaste por nós. Isso era
tudo o que eu mais queria, uma segunda chance para te amar melhor e
construir uma história melhor.
Jane, eu quero que saiba que tudo o que você fez até aqui, não foi em
vão. Eu não poderia ter escolhido alguém melhor para cuidar da Lya do
que você. Por favor, não deixe o que você está sentindo agora consumir
o que você carrega de bom dentro de você. Você é persistente, sempre
tem uma razão para continuar lutando e é o quero que continue fazendo.
Viva a perda se for preciso, mas quando isso passar, não feche seu
coração para novos amores.
Conheça alguém que antes de te amar, te respeite, cuide de você,
mas reconheça que antes dele, você já sabia se defender sozinha.
Alguém que te coloque do lado, não em baixo. Alguém que te dê flores,
que seja seu amigo antes de se tornar amante, alguém que veja seu
sorriso como uma missão, alguém que te toque toda vez como se fosse a
primeira, alguém que seja sua rotina preferida.
Eu te vejo casando e acompanhada de madrinhas vestidas de
amarelo, sendo esposa, mas sendo bem sucedida e independente.
Sendo a mãe mais coruja de todos os tempos, sendo amada tão
profundamente e eu juro que se eu tivesse uma chance de começar de
novo, eu faria isso milhões de vezes mais, eu te amaria melhor e seria o
seu maior apoiador e admirador.
Quando essas linhas acabarem, quero que você volte para o seu
mundo, eu não quero você toda triste pelos cantos, eu quero que você
saiba que foi amada com todas as forças que eu tinha e que se eu
tivesse uma segunda chance para começar tudo de novo eu voltaria até a
Times Square e atravessaria aquela faixa de pedestre bem em frente ao
seu carro novamente.
— Com amor Aidan — ouço a voz dele que me observa da cama onde
está e eu soluço cobrindo o rosto jogando a carta no chão me
aproximando dele no mesmo instante.
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|"A única coisa que quero e nada mais, é ouvir você bater na minha
porta, porque se pudesse ver seu rosto mais uma vez tenho certeza que
eu morreria sendo um homem feliz" — All I Want/ Kodaline
Mais de uma semana sem ouvir o som da voz dele, sem ao menos
poder ver como ele estava, ou poder observá-lo dormir.
Qual seria a sensação de não poder fazer isso nunca mais?
De não poder nunca mais ver a pessoa que você ama? Á sete
palmos abaixo dos seus pés?
— Diga que está bem, que está tudo bem agora — peço ainda
tentando processar o que li na carta.
Sei que ele ainda está tentando digerir o que aconteceu com ele,
mas preciso que ele me diga que está mesmo ali, que vamos ficar bem
agora, que tudo isso vai acabar, e que poderemos ter nossa segunda
chance.
Eu estive á espera disso há muito tempo. Estive com medo por muito
tempo. Eu só quero acordar desse pesadelo agora.
Acordar.
Abrir os olhos e ver que o inferno tem som de uma máquina de
detector de batimentos cardíacos foi como se decepcionar por esperar
algo melhor.
Olhar para o lado e ver a moça dona de um lenço florido sobre a
cabeça, olhos marejantes focados numa folha de pólen soft de que
planejei escrever na intenção de acalmá-la e vê-la a cada palavra, ficar
cada vez mais desesperada, me faz querer morrer de novo.
Esperei por desespero, castigo e dor. Mas nunca imaginei que a
primeira coisa que fosse ver depois que partisse, seria a Jane.
A não ser que nesse exato momento, eu esteja passando na triagem
para o inferno e estivesse tendo que ver, como ela está neste exato
momento.
Mas se isso for o céu ou o inferno, quero continuar aqui pelos
minutos que eu conseguir me manter acordado.
Minha visão ainda está turva e me sinto fraco, muito fraco, como se
tivesse faltado apenas um fio para eu fechar os olhos e não acordar
nunca mais.
Noto que ela acompanha com o dedo sua leitura. Com toda a
certeza, a pior coisa que já deve ter lido.
— Com Amor, Aidan — solto todo ar dos meus pulmões para
impulsionar a frase para fora, chamando a atenção dela assim que ela
termina de passar o dedo pela última linha, e ela me olha prendendo o ar,
se aproximando de mim no mesmo instante.
Lembro-me bem como foi doloroso escrever essa última frase, o
último contato que eu teria com ela, mas posso tocá-la agora, e sentir o
cheiro do seu óleo corporal sobre o pescoço enquanto ela tenta de
alguma forma me abraçar, quebrando a agulha no meu braço interligada
num acesso de soro.
Eu não a julgo e nem de dor consigo gemer.
Mas posso sentir seu toque.
É ela. Eu sei que sim.
— Diga que está bem, que está tudo bem agora — dessa vez ela
toca meu rosto como se estivesse me gravando novamente na mente
dela.
Como saber se estou mesmo aqui e agora ou apenas num sono da
morte?
Não consigo reunir minhas últimas memórias, só consigo olhar para
ela e tentar de alguma forma não fechar os olhos para não perdê-la de
vista. Quero que ela fique. Para sempre, mas estou fraco demais para
segurá-la, quando ela dá as costas e vai até à porta saindo pelo corredor.
— J-Jane — tento chamá-la, mas minha voz sai baixa e em seguida,
vejo três enfermeiros entrarem no quarto, dando-me meu veredito.
Ouço eles conversarem entre si e uma luz é apontada na direção dos
meus olhos.
— Senhor Whitmore? Você consegue me ouvir? Consegue me falar
seu nome completo? — ouço meu nome como no final de um túnel.
— Aid… Aidan… Whitmore…
— Consegue me dizer sua idade?
— Trinta.
— Você ficou doze dias em coma, consegue se lembrar o motivo? —
faço uma pausa antes de responder, como se a pergunta fosse um
gatilho que acabara de ser apertado, e olhando para Jane, no canto do
quarto observando os médicos me examinarem, consigo me lembrar do
que me trouxe para cá. E o pior de tudo, é que eu não queria me lembrar
de mais nada disso.
— Lembro.
Fecho os olhos sentindo eles pesando, me forçando a entrar em um
sono profundo novamente.
— Senhor Whitmore? Você pode abrir os olhos? Preciso que fique
consciente comigo certo? Você está se sentindo fraco por conta de uma
lavagem que fizemos no seu estômago, em pouco tempo você vai se
sentir um pouco melhor. Confie em mim — a médica diz no segundo
seguinte após eu fechar os olhos — Vamos transferir você para o quarto.
Você irá receber visita dos seus familiares e da sua filha nas próximas
horas. Se sente preparado?
Filha?
— Filha?
— Sim. Consegue se lembrar? Você tem uma filha de cinco anos,
está de repouso neste hospital, ela fez uma cirurgia para receber o
transplante de medula, aquela é Jane Johnson, mãe do seu bebê, vocês
vão ter um filho, o senhor consegue se lembrar dela? — enquanto a
médica fala pausadamente para que eu possa processar tudo o que ela
me diz, eu olho para Jane, que assente para tudo, me confirmando, como
se quisesse me dizer “É real Aidan, isso é real.” enquanto as lágrimas
escorrem de forma rápida sobre o rosto dela e sobre o meu.
Esse é o meu veredito? Uma segunda chance?
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|“Pegue, pegue tudo e comece de novo. Você tem uma segunda
chance, você pode ir para casa, ainda pode ser o que você disse que era
quando te conheci. Você tem um coração afetuoso, tem uma alma linda.
Você tem uma segunda chance agora, era só medicamento.” Medicine /
Daughter.
Ainda me sinto deslocado depois que acordei. Mesmo que Jane diga
que está feliz, eu não estou.
Sinto-me completamente chateado pelo que fiz com ela. Mas após
uma conversa com a psicóloga sei que vai levar tempo para tudo voltar a
ficar bem dentro de mim.
Ir até a casa de Amanda e dizer “Cuide dela, só por mais alguns
minutos” é como se agora, tudo fosse realmente começar entre nós dois.
Quero recomeçar tudo de novo. Quero estar ao lado da Jane a todo
momento, não apenas nos bons. Quero conhecer ela em cada detalhe do
dia e cada fase que ela tiver durante a gravidez.
Não quero que ela precise nunca mais correr para a casa de Amanda
quando as coisas ficarem ruins e sim que corra para os meus braços.
Nunca vi Lya tão animada como hoje. Ela tem planos de presentear
Jane, e mimar ela como forma de agradecimento por tudo o que ela já fez
por nós.
Preciso ainda resolver algumas coisas com as minhas irmãs e pedir
para que Joanna contrate um corretor de imóveis para encontrar uma
nova casa o mais rápido possível.
Paro o carro em frente aos portões do casarão e caminho com Lya até
lá, cruzando o gramado que já está alto por falta de manutenção.
Minhas irmãs parecem balas de metralhadora que correm em minha
direção e faço um gesto para que não se aproximem tanto e me deem
espaço para falar.
Abraço minha mãe, que me beija na testa e me olha, checando se
está tudo bem mesmo comigo.
— Meu Deus querido, — minha mãe diz me abraçando novamente e
me sento para conversar com ela enquanto Joanna sobe as escadas com
Lya para ajudá-la no banho.
— Antes de qualquer coisa. Por favor, me deixem falar e depois
estarei disposto a ouvir o que for — digo já notando Dahlia se armando
contra mim — Eu primeiro peço desculpas pelo que aconteceu, estou
ciente de todo o transtorno que causei — digo e as quatro se sentam no
sofá.
— Tudo bem Aidan, você não tem que justificar. Estar nessa família
para qualquer um, é loucura — Willa diz sendo fuzilada pela minha mãe e
Dahlia.
— Não quero fazer parte dessa reunião, será que podemos nos falar
depois? Vou ajudar Joanna — Sky diz subindo as escadas antes que eu
peça para ela ficar.
— Mais alguém quer ir? — pergunto e elas negam — Sei que depois
que tudo aquilo aconteceu, vocês vieram para cá e agradeço por isso,
mas também sei que vocês não vieram por mim, mas pelo dinheiro.
Fiquei sabendo de tudo o que vocês falaram para Jane e que a Dahlia em
especial, queria os papéis que eu deixei. Fico extremamente feliz
pela preocupação de vocês com a herança da família. Mas o papai
morreu e deixou as ações da WTM para mim e não é minha obrigação
deixar elas para vocês. Essa casa está à venda agora e o dinheiro irá ser
a repartido entre mamãe, Dahlia e Sky. A Willa agora trabalha para mim
no setor jurídico da WTM e como minha advogada, ela está passando
todas as ações da WTM para o nome da Jane. Então tudo o que vocês
achavam ter, não é e nunca foi de vocês, e sim da mulher que vai se
tornar minha esposa e mãe do meu filho e da Lya. Agora, o que ela quiser
fazer com as ações, só diz respeito a ela — vejo Dahlia arregalar os
olhos a cada palavra que digo, minha mãe empalidece e Willa levantar de
braços cruzados, como se fizesse parte de uma gangue dona da porra
toda.
— Como você tem coragem de rebaixar sua família à nada? — Dahlia
diz boquiaberta — Você quer repartir uma casa que foi comprada pelo
dinheiro da nossa família?
— Meu dinheiro — corrijo — Essa casa foi comprada com os
investimentos que fiz na WTM. A Empresa que era da família, mas que
depois que o vovô e o papai morreram, foi jogada nas minhas mãos com
uma bomba, porque ninguém mais via futuro nela e que se deixasse por
vocês, simplesmente fechariam e gastariam todo o dinheiro sem freio —
respondo, mas Dahlia balança a cabeça discordando de tudo.
— Não vou aceitar uma palhaçada dessa. Aquela bruaca te deu o
golpe da barriga e você caiu como um idiota — ela retruca para mim se
levantando irritada.
— Bom, qualquer objeção que você tenha a fazer, abra um processo
contra mim que a minha advogada vai resolver — finalizo o assunto
apertando o ombro de Willa e subo as escadas atrás de Lya.
Espero ela terminar o banho e vestir roupas limpas, agradeço Joanna
que já fez nossas malas e peço um momento a sós com Lya que se senta
na cama e balança seus pés.
— Precisamos ter uma conversinha senhorita abelhinha — digo me
sentando ao lado dela que assente hesitante.
— É bronca? — nego soltando um riso.
— Não pequena. Eu preciso te contar algumas coisas antes de ir
buscar a Jane. Como você deve saber, o papai gosta muito dela.
— Sim, vocês são namorados? — ergo a sobrancelha.
— Sim, Lya — respiro fundo enquanto ela me fuzila curiosa — A Jane,
está grávida — Lya arregala os olhos e pula da cama — E você terá um
irmãozinho ou uma irmãzinha — digo aos poucos para ela entender
enquanto festeja a notícia — Nós vamos comprar uma nova casa onde
eu, você e a Jane possamos morar — explico — O papai e a Jane…
— Vão se casar?! — confirmo.
— Sim querida, ela será sua nova mãe. Não é isso que você sempre
quis? — ela assente me abraçando — Mas preciso que você seja uma
mocinha agora, pois precisamos cuidar da Jane, igual ela já cuidou de
nós. Você será irmã mais velha e as irmãs mais velhas são pessoas
responsáveis, ajudam a cuidar do irmão menor, aprende a tomar banho
sozinha, obedece a nova mãe, divide o quarto e os brinquedos — digo
enquanto ela mexe em seu baú de brinquedos.
— Posso emprestar minha fantasia de abelhinha, não serve em mim
mais — sorrio ao ver que ela está entendendo o que estou dizendo e
temia que ela fosse se enciumar ou não entender a conversa.
— Tem outra coisa também que quero te dizer — bato no colchão
para que ela volte a se sentar — Sinto muito por não ter estado com você
antes da cirurgia, eu tive medo de perder você entende? E eu acreditei
que fosse melhor eu ficar longe para não te ver sofrer nunca mais.
— Não tem problema pai. Você deveria ter ido dormir comigo. Lembra
quando eu tinha medo e ia dormir com você? Deveria ter feito isso. Eu
não estava com medo, poderia ter cuidado de você igual fiz com a tia
Jane. Eu não tenho mais medo do escuro sabia? Nem de raios. A tia
Jane tem, mas agora ela tem eu para cuidar dela — ela explica me
puxando para deitar no seu colo.
— Sim querida, nós temos você agora. Tenho vocês três — divago
fechando os olhos por um momento respirando fundo — Nós vamos
buscar a Jane para que eu faça uma surpresa e eu entregue um anel a
ela — mostro a caixinha para ela que me olha cúmplice.
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|”Eu sei que o amor é doloroso
Mas nós não podemos simplesmente tirar ele de nós,
Então eu vou apagar as luzes e você vai trancar as portas
Nós não vamos sair desse quarto até eu te ver insana
Eles dizem que o amor é doloroso, então, querida, me deixe te curar esta
noite" / Let's hurt tonight.
Não faço a menor ideia para onde Aidan irá me levar, e apesar dele
ser elegante sempre, coloco um vestido de poá cor de goiaba com
bolinhas brancas. Ele sorri ao me ver assim que para o carro em frente á
kitnet de Amanda.
Senti falta dos meus cabelos, mas ainda sim, me sinto estranha com o
presente que Aidan me deu, é como se meus cabelos costurados sobre
uma tela, não fizessem parte de mim. Mas agora, por mais que eu queira
tirar, não posso mais. Não trouxe nenhum lenço e não me sinto
confortável sem ele.
Por Deus! Estou completamente nervosa, e minhas mãos estão
suando. Sinto como se hoje fosse a primeira vez que estou dentro desse
carro recebendo breves olhadas dele em minha direção.
— Está tudo bem? — Aidan rompe o silêncio repousando a mão
sobre minha perna.
— Sim, está. — respondo virando o rosto para o vidro.
— Parece nervosa ou algo assim — Aidan comenta voltando a olhar
para a direção do volante.
— Impressão sua — respondo dando-lhe um sorriso mínimo, mas ele
ergue uma sobrancelha duvidando da minha resposta e eu bufo — Certo,
certo. Para onde você está me levando? Minha roupa é adequada?
Minha Lace está torta? Sinto que ela está torta. Raios! Eu não sei usar
isso. — disparo como uma metralhadora o fazendo rir.
— Te disse que irei vender a casa? — Aidan me olha por um
momento — Pedi para Joanna encontrar um corretor. Irei vender aquela
casa e comprar outra. — comenta.
— Você irá dispensar o Kurt, a Joanna e as empregadas? —
pergunto.
— Não sei ainda. O que você acha?
— Você está me levando para aquela casa? — questiono
desconfortável ao reconhecer o caminho que ele está fazendo.
— Só quero que veja algo — ele justifica tocando minha perna — Por
favor — balanço a cabeça negativamente.
— Eu não quero voltar lá Aidan — repreendo ele.
— Podemos só conversar lá então? E te trago de volta. — suspiro,
mas acabo cedendo.
O trajeto até lá é feito em silêncio até descermos do carro e entrarmos
na mansão.
— Onde está Lya? — tento quebrar o silêncio entre nós dois.
— Deve estar na cozinha comendo algo com Joanna — Aidan
responde subindo pelas escadas, porém hesito e Aidan nota isso se
virando para mim e respira fundo antes da primeira palavra. — Eu sei que
você não queria voltar aqui. E sei mais ainda o motivo — ele comenta e
ao perceber que não irei dizer nada, ele continua — Não quero que esse
lugar se torne algo sombrio para você. Eu mais do que ninguém sei isso,
eu só quero que você não veja essa casa como algo que vai te
assombrar amor.
— Eu sei. Só que não quero subir. Você não sabe como fiquei, não
tem como sentir — retruco — Aidan, essa casa não é boa para mim, eu
não quero ficar desse jeito aqui, com nossos filhos e você não vai me
convencer do contrário.
— Eu sei disso. Vou vender a casa e vamos começar tudo em outro
lugar. Mas tenho coisas para te falar, eu quero encerrar isso, e quero que
seja aqui.
— Encerrar o quê Aidan? — pergunto.
— Entra comigo lá, por favor? — ele diz e sei que está se referindo ao
seu quarto.
— Você não deveria me pedir isso — nego dando um passo para trás.
— Só vem até a porta então, — ele insiste estendendo a mão para
mim e eu aceito pegando em sua mão, subindo a escada logo atrás dele.
A porta está entreaberta e quando ele a abre, cubro os lábios
impedindo que a frase “Meu Deus! Que lindo” sair da minha boca.
O quarto está completamente diferente. Ele alterou os móveis de
lugar. O guarda-roupa espelhado, a cama o criado mudo. Mas não foi
isso que me surpreendeu.
Foram as pétalas de rosas na cama, os balões em formato de
coração, o buquê de girassóis ao lado uma pequena caixinha branca.
Abro, e encontro dois sapatinhos de bebê amarelo com um cartão
dentro escrito “Vocês me aceitam na vida de vocês para sempre?” Na
cama também tem outro cartão e quando abro meu queixo cai.
— Jane, quer ser minha esposa? — Aidan diz ao mesmo tempo em
que leio o cartão e ao tirar os olhos da caligrafia dele, o encontro
ajoelhado bem na minha frente com uma caixinha na mão estendida para
mim e eu o abraço no mesmo instante.
É lindo. Um anel minimalista como eu gostaria de ter, com apenas um
brilhante na ponta.
— Sim, eu… Nossa, é simplesmente, lindo e caro — digo tirando um
riso de Aidan que coloca o anel em meu dedo anelar.
Não consigo parar de chorar olhando para o anel. É simplesmente o
dia mais feliz que tivemos juntos. Jamais achei que ele pudesse me
surpreender desse jeito.
O buquê de girassóis é simplesmente a coisa mais linda que eu já vi.
Tem uma pequena bandeja ao lado com duas taças e ele as enche.
— Não é vinho, é suco de uva. Não podemos nos esquecer que agora
você vai ser mamãe — ele diz me entregando a taça.
Não consigo nem falar. Só consigo olhar para tudo e sentir meu
coração transbordar. Não consigo pegar a taça, coloco na cama o buquê
e o abraço mais uma vez.
Ele está aqui e isso é realmente real. Só consigo chorar, mas dessa
vez de felicidade.
Choro como se tivesse me desfazendo de todo aquele peso que
estava carregando. Como se só agora, minha ficha tivesse caído de que
todo aquele sofrimento realmente chegara ao fim.
Sei que Aidan ainda precisa se recuperar por conta de tudo o que
aconteceu e eu sei que esses demônios vão assombrá-lo por muito
tempo ainda. Sei que vai fazer terapia, sei que precisará de remédios
antidepressivos, sei que a Editora ainda está em ruínas, sei que ele ainda
tem uma família problemática, mas sei também que agora vai ser tudo
diferente.
Temos a Lya, nós temos um filho, temos um ao outro até o fim, eu não
me importo se ele desistiu de lutar no meio do caminho. Todos estamos
lutando por algo, alguns só precisam se lembrar pelo quê estavam
lutando e isso não tem problema algum também. Somos pessoas
diferentes, com problemas diferentes, a única coisa que tenho certeza é
que se você ainda estiver respirando, ainda existe uma solução.
Eles me ensinaram exatamente o que é amar. Me ensinaram a ser
mãe antes mesmo de eu começar a gerar um bebê, ensinaram que amor
é escolher ficar mesmo tendo a chance de ir.
— Você está bem? — Aidan pergunta me guiando para sentar na
cama e confirmo com a cabeça — Está chorando por quê?
— Não acredito que vocês estão aqui. Em um momento parecia que
eu não tinha mais vocês dois — cubro o rosto completamente emotiva.
Aidan me puxa para seu peito.
— Sim, eu sei amor, eu sei. Sinto muito por isso, mas estamos aqui
agora, nunca mais vou te deixar sozinha. Nunca mais ouviu? — ele diz
secando minhas lágrimas, envolvendo meu rosto com as duas mãos —
Eu só quero que você confie em mim agora, porque nunca mais vou te
deixar e quem vai cuidar de você agora vai ser eu, não importa o quão
difícil seja. Todos estamos lutando, e você nunca mais vai precisar fazer
isso sozinha. — Aidan diz colando nossas testas e fecho os olhos por
alguns instantes — Eu sei que nos conhecemos tão de repente e num
momento tão doloroso nas nossas vidas, mas nos vamos começar do
zero e eu vou cumprir com tudo o que você leu naquela carta. Eu sei que
você nunca vai esquecer daquilo que aconteceu, deste lugar, ou daquele
banheiro. Mas quero que saiba que foi aqui onde tudo aquilo terminou
amor e aqui onde vamos começar tudo. A partir de hoje vocês são os
meus motivos para lutar e eu nunca vou me esquecer disso. Nunca —
um soluço escapa dos meus lábios e ele me aperta contra seu peito tão
forte, que posso sentir seu coração bater depressa — Eu te amo Jane.
Sei que ainda tem feridas aí dentro que vamos precisar lidar, mas estou
aqui para te curar — assim que ele diz isso, agarro sua nuca selando
nossos lábios.
Aidan me puxa para junto de si, ofegando contra minha boca e eu
faço o mesmo com a respiração desregulada em poucos minutos. Apesar
de desesperados um pelo outro, nosso beijo se acalma, porém, o seu
toque intenso e firme na minha nuca permanece o mesmo.
Nossas línguas se movem em total sincronia num perfeito encaixe.
Seus lábios se direcionam sobre meu pescoço depositando beijos
molhados sobre ele e eu fecho os olhos com isso aproveitando cada vez
que sua boca suga a pele sensível do meu pescoço.
Eu estava com tanta saudade disso, tanta vontade de tê-lo só para
mim de novo como se mais nada existisse, sem mais nenhuma
preocupação, sem mais nenhuma dúvida, de que chegou a hora de viver
isso, me vejo mais pronta do que nunca.
Eu e Aidan apesar de tão diferentes, temos o nosso ponto de
equilíbrio. A organização dele da jeito na minha bagunça e o meu barulho
rompe o seu silêncio. A minha euforia o tira do lugar e ele a sua sensatez
coloca meus pés no chão quando estou perto da minha queda.
Sinto que agora ele se libertou de toda aquela história que o fez se
fechar dentro dessas paredes frias, e que agora tudo irá voltar para seu
devido lugar.
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|“Ela só me dizia: Louve entre quatro paredes, mas agora, o único
paraíso para onde serei enviado, vai ser quando eu estiver sozinho com
você.” Take me church/ Hozier.
Pode parecer loucura, mas toda situação ruim que acontece na nossa
vida, nós ganhamos algo no final, seja um aprendizado, uma mudança,
força, maturidade… Já eu, ganhei eles, ganhei alguém que me amará de
verdade, alguém que me fez mais do que o suficiente, antes de tudo,
para mim mesma.
Aidan me ensinou a me enxergar, de uma forma que eu não
enxergava. Alguém forte, e com sensibilidade para lidar com situações
delicadas e ao contrário do que eu ouvi minha vida inteira, demonstrar
sensibilidade não é um problema sensibilidade não é ser mesquinha, se
doar em relações, não é ser burra. Agir com intensidade não é um ponto
fraco e a cada segundo que passo de frente para o espelho o qual estou
agora, vestida de noiva enquanto Amanda se enrola com meu véu, tenho
cada vez mais certeza de que tudo o que passamos foi necessário para
que eu chegasse até aqui acreditando que fases ruins são passageiras e
necessárias para o nosso crescimento.
— Já imaginou que me veria vestida de amarelo? Porque olha, grave
bem essa imagem na sua mente, porque vai ser a primeira e última vez
— Amanda diz finalmente terminando de prender meu véu sobre o
penteado que escolhi.
Um coque com alguns fios soltos.
Consegui me acostumar com a Lace e devido à gravidez, deduzo que
não precisarei dela por mais de um ano, apesar de que estou me
acostumando com meus cabelos curtos, tem sido prático para correria
que vivi nos últimos três meses.
Solto um leve riso ao ver Amanda se olhar no espelho. Ela está linda,
só não está acostumada a usar roupas com cores vivas. Seu vestido de
madrinha amarelo é apenas de um ombro, deixando seu braço tatuado á
mostra, e seu cabelo preto está preso no alto da cabeça num rabo de
cavalo.
Lya para no batente da porta com o queixo caído. Ela também está
linda vestida de florista e nós duas paramos de frente uma da outra se
admirando.
— Meu pai vai ficar louco quando te ver assim — Lya diz cúmplice.
— Senhorita Johnson, já está quase na hora — Joanna informa.
Joanna está com as roupas de sempre, prestando a acessoria do
nosso casamento. Já está quase na hora de começar a cerimônia e sinto
um frio na barriga dando uma última olhada no espelho acariciando
minha barriga que nestes três meses já tomou forma evidenciando a
gravidez.
— Se eu ficar mais um minuto olhando você desse jeito, vou chorar
antes da cerimônia começar, estou tão orgulhosa e feliz por você amiga,
droga, você está me fazendo ser emotiva também — Amanda diz me
abraçando — Sabe que não posso ocupar o lugar de uma mãe neste
momento, mas quero que você saiba que é forte minha menina e sempre
será minha ruiva tagarela — ela diz fazendo meus olhos lacrimejarem e
nós duas erguemos a cabeça na intenção de não deixar as lágrimas
escorrerem pela nossa maquiagem.
— Somos péssimas nisso, péssimas — dou risada enquanto ela me
abraça beijando minha testa.
— Meu sonho era que muitas outras pessoas presenciassem esse
casamento, essa história, você merece tanto Jane — Amanda diz dessa
vez pegando um lenço desistindo de segurar as lágrimas.
— As pessoas certas estão aqui, eu não poderia ter escolhido
pessoas melhores — sorrio para ela enquanto nos preparamos para sair.
Joanna me ajuda com o véu e Amanda caminha na nossa frente
enquanto nos direcionamos até a frente da mansão.
A cerimônia será ao ar livre, no gramado da mansão. Foi montada
uma passarela espelhada no chão que reflete o céu. É uma cerimônia
intimista, apenas para nós e as pessoas mais próximas. Willa e Kurt e
Amanda e Ryan, são nossos padrinhos, e Lya é nossa florista.
Onde Aidan e o celebrante me esperam, foi montada uma pequena
estrutura de madeira com véus brancos, que remetem muito á cabana
que montei num dos primeiros dias que vim para essa casa, e a
decoração de flores é composta por alecrins e girassóis.
É um dos dias mais feliz da minha vida inteira, ver todas as pessoas
que fizeram parte da minha história se emocionarem ao me ver entrar
segurando um buquê, olhando diretamente para Aidan Whitmore que se
prostra de joelhos, tampando a boca ao me ver enquanto Dont’ give up
on me toca ao som de um violino, um piano e um violoncelo ali ao lado.
Consigo tirar uma lágrima de Joanna também que a seca rapidamente
para que ninguém veja. Ao chegar até o altar, Aidan me toma pela mão e
o celebrante sorri para nós dois ainda mudo ao ver minha entrada.
— Você está completamente perfeita — Aidan diz beijando minha
testa.
Vejo tudo passar diante dos meus olhos em câmera lente, como se
cada segundo daquele momento estivesse sendo registrado detalhe por
detalhe na minha mente.
Força.
Nunca me considerei uma mulher forte e acredito que força não é
tudo o que uma pessoa precisa ter para se manter de pé. Força para mim
não é bater, nem brigar ou insistir por algo que quer muito. Força para
mim, é permanecer apesar de tudo.
Sou impulsiva, emotiva, mas forte, nunca pensei que seria.
Eu descobri que meu noivo me traia com a minha irmã, uma semana
antes do meu casamento, perdi meu emprego dos sonhos, não tinha um
lugar para morar, era esnobada por minha mãe e minha irmã que
gastavam toda a herança do meu pai que morreu — mas eu tinha um
carro pelo menos, que vivia quebrado e rebocado — Perdi muita coisa
em pouco tempo e descobri estar construindo um castelo de cartas.
Você vai erguendo as cartas aos poucos, mas quando desaba, cai
tudo de uma vez e você tem uma crise existencial, e passa dias se
perguntando onde você errou, quando, na verdade, só mergulhou de
cabeça em relações rasas demais. E até você reconhecer isso, você
sofre, para caramba, e se não decidir virar esse jogo, você afunda.
Foi o que eu fiz.
Eu não me contentei em só dirigir até empresa onde eu amava
trabalhar só para ser demitida, eu fui lá e atropelei o chefe. Não que você
precise fazer isso com o seu também. Mas é uma boa se você for
demitida mesmo assim e ele tiver uma filha precisando de uma Babá.
Eu tinha experiência? Não. Mas virei o jogo. Me tornei a Babá
preferida da casa, da governanta, do segurança. Mesmo que isso queira
dizer, “JANE, VOCÊ LEVOU A LYA VESTIDA DE ABELHINHA PARA
COLÉGIO?” ou “VOCÊ ESTÁ DEMITIDA PELA SE SEGUNDA VEZ” ou
transar com chefe no capô do carro no jardim após ter pulado o muro da
casa dele.
Cada um dá um jeito diferente na vida. O meu foi no improviso,
mesmo que inconsciente agora vejo que eu sempre tive um pelo quê lutar
na minha vida.
De onde veio essa força? Eu nunca consegui enxergar, força para
mim, era o que eu via no Aidan.
Sempre vi o Aidan como a figura mais forte que eu já conheci. Ele
vivia o luto da esposa falecida há anos, tinha uma empresa que era tudo
para ele caindo em ruínas sem ele poder fazer nada para arrumar, tinha
uma família que há muito tempo já não se tratava como família e tinha
uma filha desenganada em estágio terminal, lutando com a mesma
doença pela segunda vez, sabendo que iria perder novamente.
Mas todos sempre o víamos como o Senhor Whitmore. O chefe, o
pai rígido, o homem calculista e controlador. Rótulos que ele vestiu à vida
inteira devido ao cenário onde vivia.
Depois da sua esposa falecida, talvez eu tenha sido a única pessoa
que o viu sangrar, que tomou o chocolate quente que ele preparou numa
noite chuvosa, que viu sua camisa sempre bem alinhada sobre o corpo
suja de café, que o fez roubar um carro e esconder no jardim, que o viu
sentir ciúme, que o viu chorar, que o ouviu gemer de prazer, que o viu
correr na chuva, que o viu com o nariz sujo de chantilly. A única que o viu
tentar virar o jogo do cenário aonde ele vivia.
Tínhamos tudo a perder. E eu acreditava que talvez por sermos tão
parecidos em azar e em perdas, pudéssemos arrumar tudo juntos,
reerguer tudo o que estava destruído, lutar até o final pela Lya como fiz e
reconstruir tudo.
O que eu não sabia é que ele já tinha parado de lutar há muito tempo
e quando não se tem pelo quê lutar, você perde.
Foi isso o que aconteceu.
Lutei tanto pela Lya, e acreditei que ele ficaria bem, porque ele era o
Aidan Whitmore.
Quis tanto salvar uma vida e fechei os olhos para alguém que já
estava morrendo desde que tudo começou. E não, eu não vou me culpar.
Não vou me culpar por lutar. Não somos super-heróis, não podemos
salvar todo mundo, não somos fortes o tempo todo e sim, nós caímos.
A única diferença entre mim e ele, é que eu tinha pelo quê lutar e ele
já tinha parado de lutar há muito tempo. E tudo bem por isso também,
pois todos estamos lutando por algo, alguns só precisam se lembrar
disso.
Tudo bem estar em uma fase ruim. Fases ruins geram pessoas fortes
e pessoas fortes, lutam por pessoas que esqueceram seus motivos para
continuar lutando.