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Copyright © 2021 BRENDA GOMES

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similar sem a devida autorização do autor. — Lei Nº 9.610/98, de 19 de
Fevereiro de 1998.

Esta é uma obra de ficção. Os nomes, pessoas, lugares e fatos que


ocorrem no enredo, são produtos da mente do autor. Qualquer analogia
com pessoas e situações da vida real terá sido mera coincidência.

G633 Gomes, Brenda, 2000 —


FERA / Brenda Gomes; Pixaby — São Paulo; 1º
ED, 2021.

1. Romance 2. Literatura Brasileira 3. New Adult


4.Ficção

I.Título
CDU: 82—1
Sumário
Nota da Autora.
Prólogo.
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Epílogo.
Agradecimentos.
Recado.
Nota da Autora.
Sejam muito bem-vindos ao universo de Fera que seria só mais um
clichê romântico se não fossem pelas reviravoltas.
Me chamo Brenda, e lá no Wattpad fiquei mais conhecida com meu
pseudônimo Endalik_ que são as quatro últimas letras do meu nome e as
três últimas do sobrenome Malik.
Fera não é o meu primeiro livro escrito, comecei a escrever no
Wattpad em 2015 e só comecei a escrever Fera em Novembro de 2018.
Um fato muito curioso sobre a minha pessoa, é que eu tenho 20
anos (2021) e sou apaixonada por contos de fadas, então a idéia inicial
de Fera, era fazer uma analogia ao conto muito famoso de Bela e a Fera
— por isso o título.
Espero que vocês se sintam dentro da história e vivam cada capítulo
junto com a Jane.
É importante que vocês saibam que apesar da história começar em
uma pegada mais leve estilo comédia romântica, ela também possui
gatilhos. Fera é um romance New Adult, que apresenta uso de bebidas
alcoólicas, linguagem imprópria, cenas de sexo, aborda assuntos como
depressão, esgotamento psicológico e suicídio, portanto não é
recomendada para menores de 18 anos — deixo claro que as cenas não
incentivam tais atos, mas servem como forma de conscientização.
Todos os comentários, situações e atitudes presentes neste livro que
passem idéia de qualquer outro tipo de abuso, faz parte do roteiro e da
personalidade criada para os personagens. Esclareço que não sou a
favor da romantização dos assuntos abordados.
A ideia da história é justamente o contrário.
Espero que consigam sentir e entender o significado que essa
história tem para mim e que acima de tudo possam finalizar todo o livro
acreditando que todos nós estamos lutando por algo, alguns só precisam
se lembrar disso.
Para todos aqueles que não enxergam uma saída para o
momento difícil que estão passando.
“Enquanto você respirar, ainda haverá uma solução.” — BRENDA
GOMES.
Prólogo.
|“Porque você estava tão empolgado que eu finalmente fosse dirigir
até sua casa, mas hoje eu dirigi pelos subúrbios, chorando porque você
não estava comigo” Drivers license/ Olivia Rodrigo.

O ‘bip’ do despertador hoje não tocou. Atrasada e com uma tremenda


ressaca.
Meus pés tocam o chão gelado e eu corro até o chuveiro. Estou
horrível.
Sei que não deveria nem sair da cama hoje, mas tenho tantos
originais para selecionar. Não posso esquecer os óculos.
Saio do banheiro e pego a primeira roupa que encontro no guarda-
roupa. Tudo bem, não foi a primeira.
Uma calça social preta, a camisa do departamento e o par de scarpin
bege. O crachá. Merda! Onde está o crachá?
Josh o guarda, me barra toda vez quando esqueço o crachá — todo
dia — mas ele já até me conhece, Jane maluca, é o que ele diz sempre
que chego correndo de salto revirando a bolsa em busca do crachá.
Corro pela casa á procura dele e tropeço em algumas garrafas de
vodca espalhadas pelo chão. Estou com tanta dor de cabeça…
— Ai está você! — anuncio vitoriosa para o crachá jogado no sofá ao
lado de meu sobretudo. Recolho a bolsa e a chave do carro em cima do
balcão da cozinha.
Nada de pensar em Addam.
Nada de pensar em Addam.
Ele te traiu você bebeu e pronto! Pare de pensar nele e tire essa
aliança, aliás… Merda! Por que eu ainda estou usando essa aliança?!
— Argh! — rosno arrancando a aliança do dedo e bato no volante do
carro que insiste em não pegar — Por favor, senhor carro,
estou tããão atrasada… — choramingo encostando a testa no volante —
Por que aquele cretino acabou com tudo? — me descabelo — O
casamento estava praticamente todo planejado, nós teríamos dois filhos
e ele acabou com tudo — percebo que a buzina é acionada por conta da
pressão da minha testa na buzina, então bufo olhando a hora no relógio
de pulso.
Merda, eu me esqueci de pegar meu relógio!
Piso no acelerador e dirijo o mais depressa que consigo, segurando
firmemente o couro do volante.
Mabel vai me matar se eu me atrasar mais uma vez nessa semana,
logo hoje, na reunião com o chefe que eu nunca vi.
Eu simplesmente amo trabalhar naquela editora. Por conta da minha
paixão pela leitura, sempre quis ser paga para ler, e agora que eu
consegui esse estágio, preciso agarrá-lo com unhas e dentes, mesmo
que Mabel tenha dito que talvez hoje o chefão, do qual eles sempre
comentam sobre, talvez faça um corte de funcionários por conta da crise
em que a editora está vivendo.
Fecho os olhos fortemente com este pensamento e buzino
apressando o motorista da frente que me xinga me olhando pelo
retrovisor.
Nova York está um caos, por vezes há engarrafamentos e
motoqueiros buzinando pedindo espaço entre as faixas para passar, sem
contar nos pingos grossos de chuva que caem do lado de fora.
Ninguém disse que segunda-feira era o melhor dia para ir trabalhar.
Sinto meu celular vibrar na bolsa e na pressa para atender, deixo a
bolsa cair no assoalho do carro. Alguns carros buzinam desviando do
meu carro parado no meio da avenida e assim que pego o celular, vejo o
nome da minha Editora Chefe no visor da tela e suspiro. Mabel.
— Já estou chegando — digo assim que atendo, tentando controlar
minha respiração ofegante.
— Jane, era para você estar aqui á meia hora, se esqueceu da
reunião com o chefe?! — Mabel berra do outro lado da linha.
— Eu, já estou virando a esquina — minto — O despertador não tocou
— assumo e vejo que ela ainda faz silêncio para que eu continue
— Peguei Addam na cama com outra, bebi demais e me atrasei,
satisfeita? — suspiro quando ela não responde — Mabel, por tudo o que
é mais sagrado, eu chegarei, não precisa me mandar embora.
— Jane, essa é a sua última oportunidade, o carro do Senhor
Whitmore quebrou, então ele deixou o carro e está vindo correndo para
não atrasar a reunião, você precisa chegar antes dele — ela diz
duramente e eu assinto mesmo sabendo que ela não pode ver.
— Mabel, eu já estou chegando — digo e ela desliga depois disso.
Jogo o celular no banco de trás do carro e ligo o ar quente, sentindo
calafrios enquanto os pára-brisa se mechem para lá e para cá, para que
eu possa enxergar lá fora.
Não posso perder esse emprego agora que vou alugar outro
apartamento e deixar Addam. Voltar para a casa de minha mãe está fora
de questão.
O farol logo a frente sinaliza que está prestes a se fechar, então
acelero buzinando, porém, antes que todos os pedestres possam
atravessar a rua com seus guarda-chuvas, meu carro se choca contra um
rapaz de terno que atravessa a rua.
Prendo a respiração por alguns segundos com os olhos arregalados e
meus cabelos ruivos cobrem metade do meu rosto por conta da freada
brusca.
Em segundos, milhares de pessoas começam a se aproximar e três
homens que estão ali próximos, gritam comigo, para que eu saia do carro
para prestar socorro.
Tiro o cinto e abro a porta do carro receosa, enquanto um círculo de
pessoas curiosas nos cerca. Caminho até onde o rapaz está no chão
contraindo a mandíbula com os olhos fechados fortemente, como se
estivesse se esforçando para não gemer de dor.
— Meu Deus! — me abaixo junto a ele receosa para tocá-lo — Você…
Você está bem? — pergunto tocando seu braço, mas ele não responde.
Olho para os lados, para as pessoas cochichando coisas do tipo
“Nossa ela atropelou ele” “Meu Deus, logo hoje, nessa chuva” “Olha a
cara dela, ela nem sabe o que fazer.” Eles comentam como se eu não
estivesse presente.
— Moço? — chamo tocando sua barba rala com as pontas dos dedos
e a essa altura meu cabelo já está escorrendo por conta da chuva e por
Deus, o paletó dele está encharcado e a testa sangra, e ele não me
responde.
— Eu acho que ele morreu — alguém comenta e eu arregalo os olhos
levando a mão á testa.
— Alguém me ajuda, por favor — me desespero ali diante ao moreno
que desacordado parece não respirar.
O dono de uma padaria sai de seu estabelecimento e abre espaço
entre as pessoas para me acudir. Ele leva dois dedos ao pescoço do
moreno desacordado e sorri para mim como se me quisesse tranquilizar.
— Ele está respirando. Você precisa levar ele para o hospital, agora
— franzo cenho.
— Mas estou atrasada para…
— Como você se chama? — ele faz uma pausa para que eu diga meu
nome.
— Jane, eu sou a J-Jane — digo e ele assente.
— Precisa levar ele agora Jane — ele diz e faz sinal para que alguns
homens que nos rodeia possam ajudar — Vamos colocar ele no carro,
rapazes — ele orienta e os três o ajuda a erguer o rapaz de terno que
atropelei para dentro do meu carro.
Observo o moreno ser colocado no banco de trás e tento acalmar
minha respiração. Minhas mãos tremem enquanto eu dirijo até o hospital
em silêncio, às vezes dando uma olhada no banco de trás, colocando os
dedos no pescoço da minha vítima para ver se ele ainda respira.
Ouço meu celular tocar, mas quando vou em busca dele, lembro-me
que o jogara no banco de trás e agora ele vibra com a música da Britney
Spears, Toxic, bem debaixo do corpo do moreno de cílios grandes, barba
rala, testa sangrando, e POR DEUS! E se ele morrer dentro do meu
carro?
– Ãh, – um gemido de dor ecoa rouco do banco de trás do meu carro
e eu deixo o carro morrer no meio da rua antes de passar na lombada.
– Moço? Está tudo bem? Desculpa tá? Eu… Você não vai morrer
tá? Já estamos chegando, e você não vai morrer – digo olhando para trás
e encontro pelo caminho o par de olhos cor de mel que se estreitam ao
me ver, mas que se fecham fortemente logo em seguida – Moço? Fica
acordado – peço como se ele pudesse decidir entre ficar vivo ou não.
Ele respira com dificuldade e eu arregalo os olhos assim que ele abre
os olhos minimamente.
– Desculpa moço, por Deus, desculpa, por favor, não morre – o vejo
contrair a mandíbula enquanto eu falo com ele.
– Fique quieta e olhe para o volante ou vai acabar atropelando mais
alguém – ouço sua voz rouca dizer num tom firme, que me faz
literalmente virar para frente e continuar dirigir em silêncio.
|01|
|“Prazer em conhecê-lo, onde você esteve? Vi você lá e pensei ‘Oh
minha nossa, olha aquele rosto’ Você se parece com o meu próximo erro”
Blank Space / Taylor Swift.

Ando de um lado para o outro inquieta, tremendo devido ao frio, — e


de nervoso também — na sala de espera, aguardando alguém dar um
sinal de vida do moço que eu atropelei.
O médico surge no corredor e prendo a respiração assim que ele faz
um sinal para que eu o acompanhe até sua sala.
— Onde está o rapaz? — pergunto assim que entro na sala que só
tem a mesa do médico e uma maca vazia.
Claro, é a sala do médico, não a necrotério onde está o cadáver do
rapaz.
— Está no quarto — o médico interrompe meus pensamentos e eu
solto todo ar que estava guardando com este pensamento.
— Vivo né — digo e o vejo soltar um leve riso assentindo — Tudo
bem, mas agora preciso ir — digo me levantando, tirando meus cabelos
molhados da cara e colocando atrás da orelha, mas o médico ainda
continua.
— Tem uma lista de remédios, se você for arcar com eles — ele me
entrega uma lista de analgésicos para dor e materiais para curativos.
— Por Deus, ele precisa disso tudo? — o médico assente — Mas
você não disse que ele estava bem? — meus olhos se arregalam.
— Bom, ele quebrou um braço, e fraturou duas costelas, tomou quatro
pontos na testa — o médico diz e eu levo a mão á boca — Foi você
quem o atropelou? — assinto.
— Eu quase o matei. É mais fácil dizer isso — penso alto — Arcarei
com todas as despesas, remédios… — digo me levantando — Posso ver
ele? Eu gostaria de me desculpar — pergunto e o médico assente.
O acompanho até o corredor, onde ele abre a porta do quarto
silencioso, e eu entro em choque ao ver o rapaz na cama todo enfaixado
e com gesso no braço, fico ali em silêncio ao lado dele e choro cobrindo o
rosto como uma criança que fez merda e agora não sabe como resolver.
Fico por alguns minutos pensando no que eu vou fazer, com ele, com
meu emprego, com Addam, com a minha mãe quando ficar sabendo...
Com a minha vida.
— Olha, eu sinto muito — digo e ele pisca, porque é só isso que ele
consegue fazer no estado em que está.
Mas de algum modo, sei que ele não está gostando da minha
presença — não que ele devesse sorrir — Oh céus, eu estou em choque.
Será que ele tem família, filhos? E se a mulher dele quiser me bater,
será que já foram avisados? Meu Deus.
Meu celular toca fazendo eu me desesperar ainda mais para abaixar o
volume do toque.
Droga, eu sempre me esqueço de alterar esse toque da Britney
Spears.
É Mabel. E no desespero para fazer o celular parar de tocar eu
atendo.
— Alô, — digo me retirando do quarto, fechando os olhos fortemente
afastando um pouco o celular do ouvido.
— TRINTA MINUTOS JANE! TRINTA MINUTOS DE ATRASO, VOCÊ
ESQUECEU O CAMINHO?! — ela berra do outro lado da linha.
— Aconteceu um imprevisto — suspiro.
— Não quero mais ouvir sua voz Jane — ela grunhi, e sei que agora
ela está com os punhos cerrados, e contraindo a mandíbula tentando
manter o controle — Escute, nós recebemos uma ligação da governanta
da casa do senhor Whitmore. Ela está indo para o hospital, parece que
ele sofreu um acidente. A reunião foi adiada, estou esperando ela me
ligar com mais informações, onde você está? — demoro um pouco para
responder, observando pelas persianas, o moço dentro do quarto —
Jane, você está aí ainda?
— Sim — gaguejo.
Não pode ser.
Não mesmo.
— Já está chegando?
— Não, eu... Estou aqui no hospital — digo sentindo minhas pernas
bambearem.
— Fazendo o quê aí Johnson?
Quando Mabel me chama assim é porque acabou de perder seu único
fio de paciência.
— Mabel, eu atropelei um cara a caminho da editora — digo e há
silêncio do outro lado da linha.
— Jane, eu não... — pelo corredor vejo surgir o médico novamente,
mas dessa vez acompanhado de uma mulher alta, de meia idade e eu
guardo o celular encerrando a chamada.
— Senhorita Johnson, essa é a governanta da casa do senhor
Whitmore, o homem que você atropelou — o médico nos apresenta e eu
empalideço de vez, mas mantenho o controle e estendo a mão para ela
apertar, mas ela não retribui o aperto de mão, então recolho o braço.
— Eu... Vou arcar com todas as despesas — digo antes que ela possa
dizer o quanto fui imprudente ou agarre os meus cabelos por ter
arrebentado o chefe dela com meu carro — Eu sinto muito, não queria
machucar ele nem quebrar a perna e o braço dele ou quase ter aberto o
crânio dele.
Meu Deus, que droga é essa que eu estou falando?
— Não são de remédios que eu preciso — ela responde e eu arqueio
a sobrancelha — O Senhor Whitmore tem uma filha, e ela precisa de uma
Babá.
— Você está sugerindo que eu cuide de uma criança? — interrompo.
— A filha dele — ela me corrige — Ele cuidava dela, porém agora,
creio que irá ficar inválido por um tempo e não irei conseguir uma Babá
do dia para noite — ela diz com palavras firmes como se estivesse com
pressa.
— Eu não posso simplesmente cuidar da filha de um estranho, só
porque... Olha, não dá, eu tenho um... Um emprego — digo gaguejando
sentindo-me uma perrapada por conta da minha roupa toda encharcada e
meu cabelo molhando grudento por conta do laquê que usei ontem,
comparado a mulher dos cabelos cor de marsala, impecáveis.
Ela veste uma saia lápis social preta, uma camisa branca e um blazer
cinza, os óculos bem alinhados no rosto e sobrancelhas bem
modeladas... Ela cheira gente com classe.
— Você trabalha aonde? Eu posso te arrumar um atestado — ela diz
como se fosse a dona do universo com aquele par de Prada nos pés.
— Faço estágio remunerado na editora WTM — retruco.
— Ah, que ótimo, me deixa adiantar uma novidade, você vai ser
demitida, WTM, faliu. — arqueio a sobrancelha mais uma vez — Você
atropelou seu chefe senhorita Johnson, e já que agora você não vai ter
nem um emprego, nem dinheiro para arcar com os remédios, vai ter que
cuidar da filha do Senhor Whitmore — acabo por me sentar num dos
bancos ali do corredor sentindo minha pressão baixar, observando pelas
brechas da persiana do quarto o meu chefe que eu quase matei.
— Eu acho que eu vou desmaiar.
|02|
|“Rico, novo, terno e gravata. Sou capaz de ler você como uma
revista. Não é engraçado? Rumores voam e eu sei que você já ouviu
sobre mim”Blank Space/ Taylor Swift.

Foi tudo tão rápido. Rápido demais.


Eu não consegui nem explicar. Para ninguém.
Não consegui nem negar. Para aquela mulher cheia de si, dona do
mundo, que me olha como se eu fosse estranha demais — na verdade,
ela quem parece uma estátua, que anda em cima de um par de Prada
que custa quase todo o salário do meu estágio.
Quando fui me dar conta, eu estava dirigindo, sendo guiada pelo
GPS do meu celular, morrendo de sono.
Eu nem dormi a noite passada, fiquei acordada e quando cochilei,
sempre me levantava no susto, como se acabara de ter atropelado de
novo o senhor Whitmore, como se tivesse dirigindo às pressas até o
hospital pedindo para ele não morrer, por favor.
Como se ele tivesse escolha, “Fui atropelado e quero morrer, mas
não vou por que uma estranha não cala a boca me pedindo para não
fazer isso.”
E vestindo a mesma roupa de ontem, já que fui direto para casa de
minha amiga — eu não pisaria naquele apartamento mais nem morta,
quer dizer, só para buscar minhas roupas, mas eu ia pedir isso para
Amanda, minha melhor amiga que conheci trabalhando na WTM — e as
roupas dela não servem em mim, a não ser as camisetas de banda, mas
eu não apareceria na casa do meu chefe com uma camiseta do The
Killers — não hoje na situação em que me meti.
Meus cabelos ruivos rebeldes estão presos numa trança, e eu
peguei as maquiagens de Amanda para dar uma melhorada na minha
cara, blush para dar uma saúde, rímel, batom e só, já que sou mais clara
que Amanda e a base dela não dá em mim, mas estava tudo okay,
comparando aos batimentos que aumentam cada vez que eu me
aproximo mais de meu destino.
Sem saber aonde deixar meu carrinho sujo de lama, por conta das
poças que eu não consegui desviar pelo trajeto, estaciono em frente aos
grandes portões de ferro automatizados por um sensor que não abrem
para mim, ao invés disso a pequena janela da cabine onde fica o
segurança, se abre, revelando um homem que parece que foi socado ali
dentro. Ele é forte e é alto, dá para ver que ele só cabe sentado ali
dentro.
Seu cabelo está bem cortado, como se ele tivesse acabado de sair
do cabeleireiro, a barba também está bem feita o deixando com uma
aparência de alguém de poucas palavras e que seria capaz de me
apagar ali mesmo se eu fizer algum movimento que demonstre suspeita
ou ameaça para a casa de seu patrão.
— Posso te ajudar em algo? — ele pergunta me olhando dos pés à
cabeça e depois faz a mesma coisa com meu carro erguendo a
sobrancelha para lama respingada na lataria.
— É aqui a casa do senhor Whitmore?
— Sim. Propriedade privada.
— Eu tinha que ter marcado um horário? — pergunto e ele arqueia
a sobrancelha.
— Qual o nome da senhorita?
— Jane Johnson — respondo.
Ele demora alguns minutos desviando seu olhar verde para o que
eu julgo ser um computador dentro da cabine.
— Pode me mostrar sua identidade? — ele volta a me olhar
estendendo a mão e eu rapidamente entrego a ele — Olhe para cá, — o
segurança fortão pede mirando uma pequena câmera para mim e eu
sorrio o fazendo rir.
— Nossa, o que mais falta? Vai me revistar? — brinco e ele dá os
ombros — Vai?! — digo boquiaberta.
— Não senhorita Johnson, pode entrar. O senhor Whitmore já está
a sua espera — ele diz me abrindo um sorriso que desmonta todo o
julgamento que eu tinha sobre ele ser alguém mal humorado e que seria
capaz de me esmagar com seus braços fortes.
O segurança aciona o botão que abre os grandes portões da
propriedade e volto a entrar no carro. Dou a partida, mas o carro morre e
eu respiro fundo tentando ser otimista, novamente girando a chave, mas
o carro pifa mesmo e eu solto um grunhido frustrada apertando o volante.
Tiro a chave da ignição e saio do carro, deixando ele bem ali, entre
o limite do portão que agora é impedido de se fechar.
— Algum problema? — novamente o segurança pergunta saindo
da cabine.
— O carro é o problema, moço — digo nervosa.
— Pode me chamar de Kurt. Me deixar tentar? — ele pede a chave
me estendendo a mão e assim que entra no carro, Kurt dá a partida
confirmado que o carro está mesmo com problemas.
— Vou tirar ele daqui. O senhor Whitmore está esperando e
Joanna não tolera atrasos — assim que ele diz, eu assinto engolindo o
seco — Pode entrar lá, eu cuido do carro — Kurt me lança uma piscadela
e dou as costas, mas dou meia volta para ele.
— Pode me dar a minha bolsa? — peço e ele assente pegando a
mesma no banco de trás, porém hesita arqueando a sobrancelha.
— Isso é sangue no banco de trás do seu carro, senhorita? — ele
pergunta e eu arregalo os olhos.
— Oh sim, eu, esqueci de limpar… É do senhor Whitmore, eu
atropelei ele ontem, mas devo ressaltar que prestei socorro — explico e
ele assente surpreso.
— Você é a mulher que o atropelou? — confirmo o fazendo rir
pelo nariz.
— Bom, eu… Vou entrar — anuncio apontando para a casa.
Ando pelo caminho de pedras que levam até a porta da mansão. A
grama que percorre todo o caminho ao lado é de um verde tão intenso
que deduzo que tudo aquilo possa ser artificial. Em frente á entrada,
também deparo-me com um chafariz com um anjo de bronze a jorrar
água por entre suas asas, é tudo num ar muito sombrio, chique e frio.
Dou duas batidas na porta de cinco metros de altura, — pelo
menos eu acho que tenha cinco metros. Fico imaginando quanto possa
ter custado a grande porta branca que mais parece um portal para outra
vida — para uma vida de alguém que tem muito dinheiro.
Não demora muito para uma mulher vir abrir, ela usa uniforme de
empregada, e sorri para mim — sorri como se fosse treinada para isso,
não porque realmente ficou feliz em me ver.
— Sou a senhorita…
— Ah, Johnson, que bom vê-la, — Joanna surge, acompanhada
pelo som de seu par de saltos, dessa vez, vermelhos ao invés de pretos,
caminhando até o centro da grande sala forrada por um grande tapete
persa.
Ela usa um vestido vinho com abotoamento frontal num tecido que
não é desse mundo, ou devo dizer, que não é da minha classe.
— Fico feliz que tenha aceitado o convite — convite?
Como se eu tivesse tido escolha de estar aqui, ela praticamente
me intimidou.
— Lya está no colégio agora, enquanto isso, vou te explicar tudo o
que o senhor Whitmore solicita para o dia da garota — contraio a
mandíbula e assinto.
— Ela tinha uma Babá antes? — questiono.
— Não. Nunca tivemos uma Babá aqui desde… — ela se cala e dá
as costas — Fique a vontade, eu vou ver se o senhor Whitmore precisa
de algo — ela diz e antes que eu possa assentir, Joanna sobe as
escadas.
Caminho pelo casarão dando passos suaves como se a qualquer
momento eu fosse escorregar no piso de mármore limpo sem qualquer
vestígio de sujeira — eu deveria ter tirado os sapatos? Sim, eu deveria.
Chego até a cozinha, aonde duas mulheres comentam aos
cochichos coisas sobre Joanna, elas me olham se calam assim que eu
pigarreio.
— Você é a senhorita Johnson? — elas perguntam secando as
mãos num pano de prato.
— Sim, ãh — respondo sem jeito.
— Beth, temos que terminar logo o almoço, você sabe que ele não
gosta de atrasos — uma delas repreende a outra e as duas voltam às
suas tarefas.
— Ãh, eu acho que… Vou atrás de Joanna — comento.
Dou as costas ainda um pouco desorientada na imensa casa e
subo as escadas.
O corrimão de madeira envernizada brilha e eu imagino a garotinha
descendo a escada usando ele como escorregador, esse pensamento me
faz rir, porém me calo assim que caminho pelo corredor de três portas e
hesito antes de bater uma só vez na porta, de onde vem a voz feminina
desgastada de Joanna e uma rouca que deduzo ser do senhor Whitmore.
— Eu não quero essa tal de Johnson aqui Joanna, qual o seu
problema? Eu sempre cuidei da minha filha. Posso muito bem cuidar
sozinho dela! Você não pode simplesmente colocá-la na minha casa e
deixar ela cuidar da minha filha. Ela é uma estranha!
— Entendo senhor, mas você está inválido por enquanto, e a
senhorita Johnson irá auxiliar com os cuidados com Lya.
— Cuidados? Ela quase me matou, eu não a quero perto da minha
filha, nem da minha casa.
Contraio a mandíbula, cerrando os punhos.
— Mabel, minha supervisora lá na empresa, disse que a senhorita
Johnson é estagiária da WTM, eu quero que ela seja a primeira a ser
cortada de lá, não faço questão dela aqui, nem arcando com remédio
algum, eu… — abro a porta bruscamente.
— Pois bem! Eu não queria mesmo estar aqui e já que o SENHOR
WHITMORE não precisará de mim, vai se foder e, aliás, eu me demito.
Não quero presenciar a falência da WTM — digo e bato a porta atrás de
mim, sentindo meu sangue ferver.
|03|
|“Eu não quero pensar em mais nada agora que pensei em você”
Daylight/Taylor Swift.

Desço as escadas pisando duro no chão, pego minha bolsa de cima


do sofá e saio pela imensa porta atravessando o gramado ao invés de
andar pela trilha de pedras que formam o caminho até os portões.
Kurt, o segurança que havia me recebido surge enquanto tento dar a
partida no carro.
— O mecânico está a caminho — ele diz.
— Argh! — rosno batendo no volante observando Joanna, a senhora
de cabelos cor de marsala, olhos verdes e óculos vermelhos vem em
minha direção, com seu vestido vinho toda cheia de postura.
Está decidido, ela me irrita.
— Senhorita Johnson, — Joanna me chama.
— Eu escutei tudo, eu já estou me retirando — digo, mas ela balança
a cabeça em negação.
— Eu sinto muito pelo quê o Senhor Whitmore disse, ele...
— É um ingrato — completo a frase.
— Eu sei que está nervosa, mas precisamos de você. O Senhor
Whitmore está inválido.
— Eu nem sei cuidar de uma criança, e esse Senhor Whitmore
é um... Um... — retruco fuçando no meu porta-luvas, como se a solução
para os meus problemas estivesse ali — Cacete! Estou com tanta raiva
dele! — digo para mim mesma e ela faz sinal para que Kurt volte para
sua cabine.
— Senhorita Johnson, será que podemos conversar? Lá dentro. A
senhorita precisa se acalmar — ela toca meu braço por um instante, mas
assim que nota minha selvageria, recolhe a mão — Esqueça o que o
Senhor Whitmore disse, ele só está um pouco sensível aos últimos
acontecimentos — ela diz enquanto faz sinal para que eu a acompanhe,
mas eu me nego a ir.
— Sensível? Ele é um ingrato, eu atropelo ele e é assim que ele me
agradece... Digo, eu... Eu... Prontifico-me a cuidar da filha dele, até que
ele se recupere e ele diz que não me quer aqui e que vai me demitir? Eu
nem fui efetivada ainda — indago irritada e Joanna assente
demonstrando que está entendendo meu lado.
Entende, mas não dá a mínima.
— O Senhor Whitmore só está chateado pelo que aconteceu — sim,
pelo visto ela vai passar pano para ele até a morte.
— Eu sei que isso é tudo culpa minha Joanna, mas, eu... Eu estou
perdida, ele é meu chefe que eu nem conhecia e quando eu ia conhecer,
era para uma reunião onde ele ia sair demitindo funcionários devido a
uma suposta falência e eu simplesmente atropelei ele no meio do
caminho. Agora estou aqui na mansão dele para cuidar da filha dele.
— Eu sei, nem eu consigo processar tudo isso de uma vez, mas eu
vou conversar com ele.
— Sei que só está falando isso para que eu fique — interrompo
novamente — Mas não dá, eu tenho tantos assuntos para resolver do
meu casamento, quer dizer, eu não vou casar mais então... Bem, você
sabe, Buffet para cancelar, decoradores para dispensar, o meu vestido
para devolver — faço uma pausa espremendo os olhos para que as
lágrimas não escorram pelas minhas bochechas.
Eu prometi para mim mesma que não choraria mais nenhuma
lágrima por aquele babaca.
Como Addam foi capaz de me trair assim, com a minha irmã? Como
ela pode fazer isso comigo?
— Olha, eu não posso ficar — digo e Joanna se mantém na mesma
postura rígida e profissional, como uma verdadeira governanta.
Pelo que parece o Senhor Whitmore treina todos seus funcionários
como se fossem cachorros que ele põe uma coleira e dá ordens.
— Vou mandar Kurt te levar até sua casa senhorita Johnson, mas
não terminamos essa conversa, e sinto muito pelo seu casamento
— Joanna diz fazendo sinal para Kurt, como se ele soubesse exatamente
o que aquele sinal significa.
— Vamos lá ruiva, — Kurt o segurança dos olhos verdes e ombros
largos, abre a porta do carro para que eu entre e eu faço secando meus
olhos borrados pela maquiagem — Assim que seu carro ficar bom de
novo eu te levo — Kurt comenta.
— Vou ter que pagar pelo mecânico? — pergunto e Kurt ri antes de
responder.
— Não, isso fica por conta do Senhor Whitmore — ele responde e eu
suspiro.
— Então eu mando um guincho ir buscar ele quebrado mesmo, não
quero nada desse Whitmore — murmuro.
— O que ele disse para você? — Kurt pergunta me olhando por um
breve instante enquanto eu digo a direção em que ele deve seguir.
— Ele disse que não queria eu perto da filha dele e que ia me demitir
da empresa — não vejo Kurt ficar surpreso, como se essa atitude fosse
normal por aqui.
— Bem, o Senhor Whitmore é um pai meio coruja. E é ele quem
sempre cuidou da Lya, mesmo sendo muito atarefado. Joanna ajuda no
básico, mas contratar uma Babá sempre esteve fora de cogitação para
ele desde que sua esposa... Faleceu.
— Mas isso não quer dizer que ele não vá precisar de ajuda agora.
— Se um cara atrapalhado te atropelasse, você o deixaria cuidar do
seu filho?
— Me chamou de atrapalhada? — ele dá os ombros divertindo-se
comigo — Kurt, eu jamais demitiria um funcionário meu por isso, ou...
Que seja Kurt! Ele estava tramando contra mim com aquela governanta!
Mas de qualquer forma, já acabou, ele não me quer lá, e nem eu quero
ficar, eu só queria ajudar — encerro o assunto — Pode parar ali em frente
ao prédio — explico e ele assente.
— De qualquer forma, foi um prazer conhecê-la senhorita Johnson —
Kurt diz assim que eu desço do carro e eu sorrio para ele me despedindo.
— Tem noção do quanto foi imprudente? — Joanna me repreende de
braços cruzados.
— Que seja — murmuro — Essa mulher é doida Joanna, imagine o
que não pode fazer com a Lya.
— Ela era a única coisa que tínhamos no momento ou você acredita
que desse jeito conseguirá cuidar da garota?
— Aquela mulher é uma desequilibrada, você não viu ela me
mandando se foder? Assim, como se fosse normal ela mandar todo
mundo que desaponta ela.
— Tudo bem, sabe que não irei contestar sua decisão, mas também,
você irá se responsabilizar por alguém que possa ficar esses dias com a
Lya — Joanna finaliza como se estivesse batendo o martelo para mim e
eu me calo enquanto ela bate a porta atrás de si.
Suspiro balançando a cabeça.
Onde ela estava com a cabeça quando cogitou a hipótese de trazer
aquela doida para minha casa e achar que ela seria a pessoa ideal para
cuidar da Lya?
Apesar de eu sempre confiar nas decisões de Joanna e muitas vezes
deixá-la tomar a frente de decisões importantes, dessa vez, preciso
intervir nessa atitude desprovida de juízo.
Levanto-me com certa dificuldade da cama ao ouvir Lya chegar do
colégio. Ela vem até mim, me abraçando, porém, ao me ver soltar um
gemido de dor, a pequena se afasta.
— O que vamos fazer hoje? — ela pergunta com seus grandes olhos
verdes curiosos em minha direção — Você já sarou?
— Ainda não querida, o papai precisará descansar alguns dias.
Recolha sua bolsa do chão.
— Então o nosso passeio no parque amanhã, não vai ter? — ela se
entristece ao me ver assentir.
— É melhor ficarmos em casa. A previsão para o tempo é de chuva,
podemos marcar quando melhorar a estação. Estamos no inverno, você
pode pegar um resfriado — explico acariciando seus cabelos.
— Podemos brincar de chazinho então? — ela sugere tentando se
animar novamente.
— Hoje não querida — Lya encolhe os ombros.
— Pode fazer um chocolate quente? — confirmo com a cabeça, mas
ao me lembrar que terei de descer as escadas, sento-me com calma na
cama e envolvo seu rosto com as mãos.
— Você pode pedir para a Joanna? E depois assistimos filme juntos
— negocio.
— Okay! — ela diz dando as costas e ouço ela descer correndo as
escadas.
Recosto-me na cabeceira da cama, alcançando o controle remoto da
TV, procurando a coletânea de filmes da Barbie, esperando ela voltar.
Meu telefone toca e eu suspiro ao ver o nome de Mabel no visor da
tela.
— Senhor Whitmore, está confirmado a reunião adiada para hoje? —
ela pergunta e apesar de estar inválido, ainda continuo sendo dono da
WTM e tendo obrigações a cumprir.
— Sim, abra o chat corporativo em grupo, eu entro em dez minutos e
não vou tolerar atrasos — encerro a ligação e volto a me levantar da
cama, caminhando até meu guarda-roupa onde seleciono uma camisa
social, e me vejo em completo desespero sem saber como vou vesti-la,
considerando que esqueci meu estado de invalidez atual.
Caralho.
— Papai, a tia Jô saiu, e o Kurt disse que não pode fazer chocolate
— Lya surge novamente.
Viro-me para ela.
— Vai ao escritório do papai e aperta o botãozinho vermelho do
notebook, quando a tela acender, não mecha em mais nada e volte aqui
— ordeno e vejo ela arregalar os olhos.
— Mas eu não posso entrar lá.
— Mas agora estou dizendo que você pode — respondo ainda
encarando a camisa com um dos braços engessados, sem poder fazer
movimentos bruscos.
A única coisa que se passa em minha cabeça agora é a ruiva que
me deixou neste estado. Nunca me atraso para um compromisso e não é
um braço quebrado que me fará atrasar.
Acredito que toda a cultura de uma empresa, deve ser aplicada
primeiro a quem vem de cima. Eu nunca cobraria nada de alguém sem
antes aplicar isso em mim e isso sempre foi algo que levo desde muito
novo em minha vida, algo que meu pai sempre me educou, para assumir
os negócios quando chegasse o tempo. Algo que sempre foi cobrado de
mim, enquanto minhas irmãs, eram mimadas com o que queriam, e isso
me fez odiar falta de planejamento, atrasos e desordem.
Posso ser julgado e titulado como alguém extremamente calculista,
mas sempre garanto que tudo sempre esteja impecável, no seu devido
lugar e sobre o meu controle.
Talvez possa soar como algo controlador, mas quando se é único
filho homem, rodeado por mulheres ambiciosas sem qualquer tipo de
educação financeira e os negócios da família são colocados em suas
mãos. Se você não tiver pulso firme, e souber frear todos os gastos de
uma vida de luxo que elas querem ter, tudo começa a desabar e adivinhe
só quem precisa reerguer o sobrenome mais forte no mercado editorial:
Aidan Whitmore, o chatão que terá que cortar custos para não deixar a
editora falir.
Se aquela ruiva pensou que iria me derrubar quase me esmagando
sobre o asfalto, ela terá que fazer melhor do que isso. Penso descendo
degrau por degrau, até chegar no último. Caminho devagar até meu
escritório onde Lya me barra parada em frente á porta.
— Ligou o notebook? — pergunto fazendo um gesto para que a
garotinha de cinco anos me dê passagem e ela sai fechando os olhos
fortemente à medida que abro a porta e deparo-me com o notebook no
chão.
— O vento derrubou ele, e quando voltei, estava assim, mas estou
fazendo um chocolate para você — ela se justifica antes mesmo que eu
processe a imagem à minha frente.
— Você está fazendo quê?! — indago me virando para ela.
— Chocolate, para você ficar calminho — ela diz inocente e eu rosno
caminhando até a cozinha, como uma lesma que não consegue correr
até o bule de leite que transborda no fogão, escorrendo até o chão.
— Como você aprendeu mexer nisso? — pergunto retirando o bule,
jogando na pia.
— Eu sempre vejo a tia Jô fazendo — me viro para ela irritado, mas
me desmonto ao vê-la orgulhosa do seu ato nada heróico.
— Tudo bem pequena, estou orgulhoso que aprendeu, mas você é
uma criança, e crianças do seu tamanho não podem mexer nessas
coisas de adultos — respiro fundo e ela assente — Precisamos resolver
essa sujeira, você pode chamar a Beth? Ela deve estar na lavanderia —
pergunto e ela assente correndo ligeiramente até lá.
Volto até meu escritório, mas não consigo me abaixar para pegar o
notebook à tempo de fechar a câmera ou avisar Mabel sobre meu
imprevisto.
Vejo a reunião ser iniciada e a câmera ser aberta mostrando a todos
presentes eu vestido com apenas um lado da camisa social, com uma
luva térmica de estampas de galinhas.
— Eu preciso arrumar uma Babá — murmuro me esquecendo do
microfone ligado e ouço todos gargalharem na minha cara e a primeira
coisa que me vem à mente é essa tal de Jane Johnson.

Suspiro assim que passo pela portaria, torcendo para que Addam
não tenha voltado. Mas vou correr esse risco porque preciso de um
banho, de roupas limpas, e comer algo.
Subo pelo elevador e assim que ele se abre, suspiro decepcionada
com a chave da porta na mão. Entro e aparentemente não tem ninguém,
então volto a trancar a porta, largo a bolsa no sofá recolhendo as garrafas
de vodca do chão, colocando tudo sobre o balcão que divide a sala da
cozinha.
No quarto, abro o guarda-roupa e pego uma roupa caminhando para
o banheiro onde abro o chuveiro e deixo a água quente bater em meus
ombros até eles relaxarem.
Por Deus, eu nem sei para onde vou ir. Não posso voltar para casa
da minha mãe. Eu sei que ela vai falar que Addam era um safado e
defender minha irmã até a morte e não quero olhar para cara daquela
vaca da minha irmã nunca mais.
Também não posso ficar nesse apartamento, não quero nada que
me lembre àquele babaca, nem olhar na cara dele.
A única coisa que me resta é aceitar a proposta de Amanda minha
melhor amiga, e ir morar com ela em sua kitnet. Eu conheci ela no
estágio da editora. Ela trabalha na área da diagramação e apesar de
sermos tão diferentes uma da outra ficamos amigas quando eu tinha
pouquíssimo tempo lá.
Ela tem pinta de durona, usa jaquetas de couro, coturnos e ama
tatuagem, tem um braço completamente fechado de o quê eu chamo de
rabiscos pretos e sua clavícula é tatuada pela frase “Vivendo obrigada”.
Apesar de ter o rosto angelical, olhos azuis, pele branca cabelos
pretos longos e bochechas rosadas, Amanda sempre tem uma resposta
na ponta da língua se você contrariar ela e sabe dar uma boa surra em
um cara de 1,80 — não que ela já tenha dado. Mas ela é uma boa amiga
quando você conquista a amizade dela, e com toda certeza te defenderá
de caras de 1,80, porém, mesmo que sejamos super amigas, ainda sim,
preciso arrumar um emprego para ajudar ela nas despesas, considerando
que acabei de me demitir do meu estágio dos sonhos.
Jogo minhas roupas todas na mala que comprei para a viagem de
lua de mel, perfumes, maquiagens, sapatos, e enquanto carrego tudo
para sala, faço uma pausa quando ouço baterem na porta, já prevendo
ser Addam.
Agora ele vai querer ser educado e bater na porta antes de entrar
para vir se desculpar?
Abro a porta e meus lábios se abrem, porém, não emitem som
algum.
— Será que eu posso entrar para conversar? Acredito que
começamos mal e devo confessar que isso realmente é loucura, mas vou
precisar de você senhorita Johnson — o moreno profere a mim e eu
pigarreio surpresa ao vê-lo, ou melhor, muito surpresa.
Senhor Whitmore.
|04|
|“Mas mesmo que as estrelas e a lua colidam, eu nunca vou querer
você de volta na minha vida. Pode pegar suas palavras e todas suas
mentiras, eu realmente não me importo.” Realy don’t Care/ Demi Lovato.

— Pode entrar — dou passagem para ele que entra hesitante como
se ao invés disso, estivesse supondo que eu o atacaria como uma
selvagem.
Fecho a porta atrás de mim enquanto ele observa o ambiente e repara
nos cacos de vidro de uma garrafa de bebida espalhados pelo tapete,
então antes que ele caminhe sobre esse campo minado de cacos de
vidro e se machuque mais uma vez por minha causa, enrolo o tapete
colocando em um canto enquanto ele em pé me observa.
— Você estava de saída? — nego para ele que se refere às minhas
malas.
— Como você sabia aonde eu... — antes que eu termine a pergunta,
ele me interrompe.
— Kurt te trouxe, ele sabia o endereço. Eu não tenho super poder, se
quer saber — e eu levanto às duas sobrancelhas com sua grosseria e
suspiro.
— Tá bom — escondo as mãos no bolso de trás da calça jeans e
relaxo os ombros — O que você quer falar comigo? Eu também não
tenho poderes mágicos para descobrir — pergunto no mesmo tom rude
que o dele que arqueia uma das sobrancelhas.
— Eu preciso que volte — o moreno da barba rala dispara a falar e eu
abro a boca, porém não emito som algum.
Surpresa.
— Voltar? Mas não foi você mesmo quem...
— Eu vim te pedir desculpas pelo quê ouviu. Creio que você deve ter
ficado chateada — ele comenta.
— Ah claro, e veio aqui só para pedir desculpas, como se você se
importasse, já que ia me demitir.
— Ainda acho isso, mas assim que eu me recuperar não vamos mais
precisar de você — ele dá os ombros e eu abro ainda mais a boca,
boquiaberta.
— E você acha que eu, vou voltar, só porque você pediu desculpas?
— dou ênfase como se não tivesse o entendido.
— A questão é que isso não estava nos meus planos — ele diz se
referindo ao braço engessado.
— Nem você estava nos meus planos — reviro os olhos.
— Mas você passou por cima de mim.
Ótimo ele é todo prepotente e tem resposta para tudo o que eu falo.
— Que seja, — resmungo caminhando até a porta — Mas eu não
tenho experiência como Babá nem em como aturar um... — me
interrompo assim que abro a porta para mandá-lo embora e dou de cara
com Addam.
— Jane, precisamos conversar — é o que o loiro diz e eu dou um
passo para trás tentando fechar a porta, mas ele a segura — Para com
isso, você não pode fugir para sempre Linda.
Sim, ele ainda tem a cara de pau, de me chamar pelo apelido
carinhoso. Ele é um imbecil de primeira.
— Addam, eu já disse para você que não temos mais nada para
conversar — retruco forçando a porta, mas ele é mais forte e entra
tentando se aproximar de mim — Não quero falar com você — digo
enquanto ele nota a presença do Senhor Whitmore que estava sentado
no sofá, mas agora se coloca de pé.
— Quem é esse cara? — Addam questiona semicerrando os olhos.
— Meu chefe, digo, meu ex-chefe, aliás, não é da sua conta, vai
embora — retruco caminhando até a porta, mas ele se aproxima do
Senhor Whitmore.
— Mal acabamos e você já trouxe outro para cá?!
— Outro não, Aidan Whitmore — o moreno o interrompe e eu engulo
o seco ao ver o moreno estender a mão para Addam.
Além de ser mestre em interromper as pessoas, ainda é um
debochado de primeira.
— Você está tirando uma com a minha cara? — Addam retruca
ignorando a mão do moreno que recolhe e guarda no bolso da calça
social.
— Já chega Addam, vai embora — bufo abrindo a porta.
— Que malas são essas? Já vai embora para casa desse aí? Ou já
deu as passagens da nossa lua de mel para ele para ir dar para ele no
avião?
— Ela não tem cara de quem dá para um cara dentro de um avião.
Você em compensação, tem cara de que come a aeromoça no banheiro...
— Addam interrompe Aidan partindo para cima dele e um grito agudo
escapa de minha boca assim que vejo dois no chão se atacando.
— ADDAM! — tento puxá-lo dali, mas o moreno revida, com seu
braço que ainda está bom.
Sim, ainda, porque pela vantagem de Addam, que usa os dois braços
para atingir ele, se eu não tirá-lo dali, Aidan vai ir embora com os dois
braços quebrados e mais algumas costelas fraturadas.
Mas esse pensamento se desfaz como névoa quando vejo Aidan
revidar, me fazendo dar um passo para trás, e Addam cai bem na minha
frente, desacordado, me fazendo arregalar os olhos.
— Essas malas, você consegue levar sozinha? — o Senhor Whitmore
se volta para mim e eu apenas assinto enquanto ele passa por mim
ofegante.
Pego as duas malas de rodinha e o acompanho, fechando a porta do
apartamento, deixando Addam lá no chão desacordado e em silêncio
entramos no elevador.
— O seu braço e a sua... Costela... Está, tudo bem? — pergunto baixo
quebrando o silêncio enquanto descemos.
— Não, mas vai ficar — Aidan responde — Namoradinho irritado esse
seu — ele comenta e eu bufo.
— Ele não é nada meu. — comento enquanto o acompanho pelo
estacionamento até seu carro onde Kurt nos aguarda — Me desculpe, eu
não sabia que meu ex iria aparecer aqui, eu...
— Se seu ex te procurar pedindo para voltar, quebre o nariz dele.
Estou brincando, peça para alguém fazer isso por você — Aidan me
interrompe com um sorriso sarcástico no rosto — Entre logo, eu preciso
de um analgésico — ele me apressa enquanto Kurt sai para guardar
minhas malas no porta malas.
— Eu estou desesperada — confesso quebrando o silêncio e ele ri,
por um breve instante.
— Só por que dei um soco no nariz do seu namorado?
— Ele não é meu namorado — corrijo — Não sei para onde eu vou
e... Você não está bem, devia estar de repouso — Aidan revira os olhos
— Pode me deixar nesse ponto, eu pego um ônibus e vou para casa de
uma amiga — digo tirando o cinto.
— Ponto... — ele ri como se estivesse querendo dizer inocente, ao
invés disso — Senhorita Johnson, eu disse que precisava de você, e já
que não tem para aonde ir, o ponto ideal, seria o da minha casa.
|05|
|“O olhar intenso e narcisista daquele homem em cima de mim, que
me faz querer queimar como chama, quando na verdade só consigo agir
como uma desajeitada, tropeçando nos próprios pés.”–Jane Johnson.

Os portões da mansão se abrem para que o moreno entre com o


carro e eu ainda perplexa com o que aconteceu há minutos atrás, desço
do carro e carrego minhas malas até a porta principal.
— Senhorita Johnson, — se não parecesse um robô treinado, eu
diria que Joanna quase pulou alegre quando me viu entrar pela porta.
— Joanna, mostre á senhorita Johnson o quarto de hóspedes, ela vai
passar essa noite conosco — o Senhor Whitmore diz subindo as escadas
— Onde está minha filha? — ele pergunta se voltando para ela.
— Lya está no quarto, dormindo — Joanna diz enquanto o moreno
sobe as escadas devagar — O senhor está bem?
— Preciso de um analgésico apenas — ele diz deslizando a mão no
corrimão para subir vagarosamente como se qualquer movimento
realizado de forma errada, fosse o levar para um leito novamente.
— Venha senhorita Johnson, vou mostrar o quarto de hóspedes —
ela se apressa e subo as escadas junto dela.
Joanna abre a primeira porta do corredor silencioso, e me dá
passagem para entrar.
— Vou mandar Kurt trazer sua mala, — ela diz fazendo uma pausa,
retirando dos bolsos uma caixinha de medicamentos — Leve esses
analgésicos para o Senhor Whitmore, estou terminando de fazer um chá,
após isso, se precisar, aguarde até eu voltar e não o incomode. Vou voltar
ao supermercado, estava fazendo algumas compras para repor a
dispensa e precisei voltar para ficar com Lya — Joanna dá as instruções
e antes de fechar a porta atrás de si ela hesita — Obrigada por voltar, —
ela sorri minimamente e eu apenas balanço a cabeça e digo de
nada, antes dela fechar a porta.
Observo o quarto branco com um papel de parede cinza em
destaque onde há uma TV enorme presa em um suporte e me sento na
grande cama de casal a minha frente, penso por um segundo em me
esparramar e dormir na mesma hora, porém mantenho a sanidade e
suspiro me lembrando que preciso ir até o senhor Whitmore levar seus
analgésicos que eu na minha linguagem chamaria de remédio para dor.
Há uma cômoda branca ao lado de outra porta aonde eu deduzo que
seja a suíte. E minha boca se abre num perfeito “o” assim que abro a
porta, e vejo que o banheiro é maior que o meu quarto lá do apartamento.
A cuba de mármore branca tem formato de uma folha, e eu me vejo numa
luta para descobrir como faço para ligar a torneira. Desisto e volto para o
quarto onde abro as cortinas blecaute e me deparo com um lindo jardim
cheio de rosas.
É lindo mesmo. Nunca vi tanta rosa junta num mesmo lugar, as luzes
amareladas de um poste de iluminação estão acesas iluminando elas e
eu fico ali por alguns minutos a olhar o lugar bem cuidado.
Me distraindo mais uma vez do que preciso fazer.
O senhor Whitmore.
Deixo o quarto e vou ao encontro dele. A última porta do corredor
está entreaberta e ele repousando na cama, com as mesmas roupas de
antes.
— Você não toma banho não? — penso alto demais e cubro os
lábios ao vê-lo espremer os lábios insatisfeito com meu comentário — A
Joanna me pediu para trazer seus remédios — enquanto falo, retiro um
comprimido da cartela e estendo até a boca dele, pegando um copo de
água em cima do criado mudo, mas ele toma o pequeno remédio da
minha mão e leva á boca, como se quisesse mostrar que não precisa de
mim ali — Quer ajuda para tirar a roupa? Digo, a blusa. Já calça... em
todo caso você vai precisar da ajuda de alguém certo? — coro e ele bufa.
— Você fala demais ás vezes — ele resmunga — Preciso de uma
Babá para minha filha, não para mim.
— Vai dizer que não vai tomar banho mais?
— Senhorita Johnson, quando o remédio fizer efeito e eu estiver
melhor, eu mesmo irei tirar. Obrigado.
— Tudo bem senhor “não preciso de ajuda” — engrosso a voz — Só
queria ajudar — me preparo para sair do quarto encostando a porta atrás
de mim.
— Se puder me ajudar com o cinto, — ouço ele dizer e eu assinto
olhando para a fivela de couro no cós de sua calça.
— Certo — digo para mim mesma tentando manter meu real foco,
considerando que me distraio facilmente com qualquer coisa que me
chame demais atenção, e sua tatuagem na entrada da cintura próxima á
virilha me chama atenção de tal forma que eu fico paralisada antes de
retirar todo o cinto do cós de sua calça.
— Algum problema com o cinto?
Com o cinto não, mas com a sua tatuagem sexy, sim.
— Não, hã — pigarreio — Tudo bem — repouso o cinto em cima de
seu criado mudo e esbarro a mão no copo fazendo o mesmo se espatifar
no chão — Droga! Me desculpe, eu vou limpar tudo.
— Nunca viu uma tatuagem na vida? — engasgo com sua pergunta.
— Vou buscar uma vassoura — saio imediatamente do quarto
ouvindo sua risada, se divertindo com a situação.
Meu celular vibra dentro de meu bolso, com o nome de Amanda e eu
volto a me sentar na cama novamente para atender.
— Por onde você anda? Não vá me dizer que foi beber de novo?
— Amanda diz antes que eu possa dizer alô.
— Não, eu... Estou na casa do chefe — ouço ela engasgar do outro
lado da linha.
— Como assim?
— Eu fui para o meu apartamento, ele chegou lá, o Addam também e
ele bateu no Addam, aí nós saímos de lá, deixamos o Addam lá no chão
inconsciente e ele me trouxe para cá — termino de contar.
— Quem bateu em quem? Ele foi atrás de você? O Addam ou o...
Está falando do nosso patrão? Você vai dormir aí na casa do dono da
editora?! JANE JOHNSON, VOCÊ BEBEU? — Amanda dispara a falar e
eu nego mesmo sabendo que ela não pode ver.
— O Addam chegou lá querendo se desculpar e quando viu ele, deu
ataque de ciúmes, e tomou um soco na cara — explico.
— Me explique isso direito, Jane tagarela.
— E aí que eu estou aqui agora no quarto dos hóspedes, você tem
que ver a vista da tatuagem dele, digo, a vista para a plantação de
roseiras. Essa cama parece que foi feita para uma família dormir nela, de
tão grande — digo completamente deslocada — A governanta parece um
robô, tem um tapete enorme na sala, aqueles persas de rico e a porta é
como um portal mágico — continuo me aproximando da janela.
— Nossa, Jane, calma, o chefe é legal pelo menos? — contraio a
mandíbula em frustração.
— Ele é um grosso e ele não fala, ele manda nas pessoas como se
fossem programadas para cumprir as ordens dele, ele tem barba. Nossa
que barba — perco o foco.
— Hmm isso tem cara de cilada — ela comenta — Como você foi
parar aí?
— Eu o atropelei.
— Isso não está fazendo sentido nenhum amiga.
— Muito menos para mim — confesso e um raio rasga céu
acompanhado de um grito agudo que ecoa no quarto ao lado.
— Amanda, depois eu te ligo — finalizo a ligação para ver o que
aconteceu e saio para o corredor.
Entro na porta do quarto ao lado aonde encontro uma garotinha
chorando, e assim que ela me vê, cobre a cabeça.
Aproximo-me da cama, descobrindo a cabeça dela e deparo-me com
olhinhos verdes e cabelos castanhos.
— Está tudo bem, foi só um raio — digo acalmando a garotinha que
praticamente pula em meu colo, amedrontada.
Ouço a porta ser aberta novamente e engulo o seco assim que vejo
a figura do Senhor Whitmore entrar no quarto e acender a luz.
— Lya, — ele a chama e me olha como se estivesse esperando eu
dar uma explicação, mas eu me encolho junto á garota assim que outro
relâmpago ilumina o céu.
— Aidan, ela pode ficar aqui? Estou com medo dos relâmpagos —
ela diz se agarrando ao meu pescoço e eu fecho os olhos fortemente
quando um raio corta o céu lá fora.
— Acho que ela também está Lya — o moreno diz se aproximando
da janela para fechar as cortinas.
Ótimo, ele conseguiu notar o terror nos meus olhos.
— Não tenho medo não — minto e ele ri pelo nariz — Ela gritou e eu
vim ver o que houve — explico e outro raio rasga o céu me
interrompendo.
— Sei — ele debocha e se aproxima da cama onde Lya está no meu
colo — Vem, vamos descer, no andar de baixo o barulho é mais abafado
— o moreno pega Lya pela mão e dá as costas me deixando ali — Você
também Jane.
O casarão está todo apagado e ele caminha, ligando os disjuntores.
Os empregados já foram para casa e a única coisa que se escuta é o
estrondo dos raios que rasgam o céu iluminado por relâmpagos.
Estremeço enquanto olho pela janela de vidro.
— Não é como se um raio fosse entrar aqui para te pegar.
Cacete, ele parece que lê meus pensamentos.
O senhor Whitmore liga a grande TV da sala e me olha como se
estivesse esperando eu fazer algo.
— É para fazer chocolate quente? — ele solta um riso com a minha
pergunta.
Estou conseguindo ser mais desastrada do que nunca.
— Não, era só para sentar no sofá e... Ficar aí assistindo Barbie.
Após isso, o vejo se sentar cautelosamente numa poltrona de couro
cor de creme, parece até um rei, no seu trono. Ele leva a mão à barba,
me encarando, ou melhor, me flagrando observar ele e viro rapidamente
o rosto em direção á TV.
— Por que me olha como se eu fosse fazer algo com você? — ele
comenta quebrando o silêncio.
— Porque você tem cara que faria — retruco.
— O quê, por exemplo? — tropeço em meus próprios pés, quando
noto que ele se levanta da poltrona, mas me engano feio achando que
ele virá em minha direção, quando, na verdade, ele, só está indo até a
pequena adega próxima á estante e abre um Whisky.
— Vou ir preparar chocolate. Você me espera aqui Lya? — decido
puxar assunto com a pequena, que ainda está assustada com a
tempestade que cai lá fora.
— Sim, tia Jane.
Ela assente puxando sua mantinha peluda cor de rosa até o pescoço
e assim que o senhor Whitmore se senta ao lado dela, Lya logo se
encolhe junto a ele.
Mais um raio corta o céu lá fora, e diferente do andar de cima, o som
é menos estrondoso, porém é como se ele fosse percorrer o chão até
meus pés e me fritar ali mesmo.
Sento-me num dos banquinhos do balcão da cozinha e respiro fundo.
Melhor um raio do que o olhar intenso e narcisista daquele homem em
cima de mim, que me faz querer queimar como chama, quando na
verdade só consigo agir como uma desajeitada, tropeçando nos próprios
pés.
Ele é sério demais. É rígido demais. E perto dele eu me sinto uma
criança que não sabe fazer nada sem tropeçar nos próximos pés. Talvez
seja por conta do olhar dele. Olhar de lobo prestes a avançar sobre a
presa, ele só sabe debochar e balançar a cabeça para mim. Isso me faz
questionar minhas próprias ações, só comprovando o quanto eu sou uma
desajeitada.
— O chocolate fica na despensa — sobressalto do banquinho e me
coloco de pé diante da figura do moreno bem atrás de mim — O fogo liga
bem ali no botão digital e as canecas, ali em cima.
— Tá certo — engulo o seco enquanto ele se senta no banquinho ao
lado do que eu estava sentada.
— Está esperando o que para ir pegar?
— Eu não sou sua empregada — ele gargalha como se eu tivesse
contado uma piada muito engraçada.
— Foi você quem disse ia vir fazer o chocolate — reviro os olhos com
a resposta dele e dou as costas caminhando até a porta de metal aonde
ele diz ser a dispensa.
Abro a mesma e me deparo com as prateleiras onde os alimentos são
organizados perfeitamente, grãos, líquidos, doce, salgado, abertos,
fechados, chocolate... Achei.
— Pegou o leite? — Aidan levanta uma sobrancelha quando volto.
Eu realmente estou começando a odiá-lo.
— Esqueci o leite — confesso colocando o chocolate em cima do
balcão e volto até a dispensa — Feliz? — Coloco a caixinha de leite em
cima do balcão quando volto de lá.
Viro-me de costas e ligo o fogão, colocando o caneco na primeira
boca que acende, quer dizer, é estranho, parece uma chama artificial.
— Tá esquentando? — pergunto.
— Não, estou com frio ainda — ele levanta uma sobrancelha e eu
coro.
— Eu me referi ao fogo senhor Whitmore — reformulo a frase e ele
levanta novamente a sobrancelha — É estranho.
Cacete, o que eu estou falando?
— Não é estranho, é que você não deve ser acostumada com esse
fogo — solto um grunhido.
— Você não é engraçado.
— Mas não é para ser engraçado — ele dá os ombros e eu me viro
para o fogão — Você que é engraçada — apago o fogo apertando no
símbolo vermelho e despejo o leite nas duas canecas.
— Pronto — anuncio.
— A Lya dormiu — me viro séria e ele dá os ombros — Esqueci de te
falar.
— Você está brincando comigo né? — resmungo.
— Não, eu não brinco.
— Tá, e agora quem vai beber esse leite? — cruzo os braços — Não
vou jogar fora, tem muita gente passando fome por aí.
— Beba então — ele diz num tom de ordem, como se eu fosse um
dos robôs que trabalham aqui para ele.
— Eu deveria fazer você beber esse leite por outro lugar — largo as
duas canecas em cima do balcão e caminho pelo corredor subindo a
escada nervosa, mas aí hesito olhando pela janela segurando firme no
corrimão.
Os raios pararam e a tempestade já se foi.
— Obrigado Senhor Whitmore por conseguir me distrair durante a
chuva, já seria um bom começo — ouço a voz dele que surge na sala
com as canecas na mão, irônico, me fazendo recuar — Bebe o leite —
ele estende uma caneca e eu pego dando um gole na xícara e o moreno
dos ombros largos e fortes faz mesmo voltando a se sentar na poltrona
para observar Lya dormindo no sofá.
— Obrigada, me desculpe eu não queria ter sido tão grossa.
— Você está com bigode de leite — ele me interrompe e eu levo a
mão á boca para limpar sentindo meu rosto corar.
— Tá bom, vou dormir — digo sem jeito dando as costas e subo
correndo as escadas.
|06|
|“Os espinhos dela sempre irão machucar alguém, mesmo que eles
estejam sempre aqui e eu já estivesse acostumado com eles.”– Aidan
Whitmore.

Acordo com o toque do meu celular despertando, na mesma hora em


que eu sempre acordo para ir para o estágio.
São 07:00 da manhã e eu abro as cortinas para que a luz do dia entre
pelas janelas. Em uma das malas, procuro uma roupa e caminho até o
grande banheiro onde tomo um banho rápido.
Sem saber o que fazer com meus cabelos ruivos rebeldes, faço uma
trança e calço meu par de sapatilhas floridas, uma saia jeans e uma blusa
de mangas bufantes cor amarela.
Abro a porta silenciosamente e desço as escadas. Como sempre está
tudo em silêncio, só escuto uma leve movimentação na cozinha quando
caminho até lá, onde encontro as duas empregadas preparando o café.
— Bom dia, senhorita Johnson — elas me saúdam fazendo uma
breve pausa no que estão fazendo.
— Ãh, podem me chamar de Jane — respondo — Precisam de ajuda?
— pergunto me aproximando do balcão, mas elas negam.
— Oh não, nós só estamos preparando o café — elas respondem
dessa vez, voltadas para suas tarefas.
Sem querer atrapalhar elas, dou as costas dali e sento-me no imenso
sofá da sala, passando a observar a grande TV desligada. Suspiro
observando a tela do celular desbloqueado.
Tem ligações de minha mãe. E só.
Não tenho tantas pessoas das quais se importam muito comigo,
Amanda é uma das únicas, mas deve estar trabalhando essa hora.
Nunca fui uma pessoa de muitas amizades, que participa de grupos
de três melhores amigas ou que sai por aí com elas á noite para voltar só
de madrugada.
Isso nunca foi um problema para mim, já que eu tinha Addam e bem,
ele me levava para tantos lugares, mas agora, que não tenho mais ele,
sinto que estou voltando a solidão na qual eu vivia há cinco anos, na
companhia de um livro, um estágio, minha mãe e uma amiga.
Aliás, posso ver essa pequena lista ser diminuída.
Livro, não trouxe nenhum comigo, o estágio, perdi há dois dias. Minha
mãe está do lado da vagabunda da minha irmã, e minha amiga, atarefada
demais para lidar com meu drama.
Bloqueio o celular novamente. Não vou retornar as ligações de minha
mãe. Sei muito bem o que ela quer falar. Sobre a minha irmã não ter
culpa de nada e falar que tinha razão o tempo todo sobre Addam não ter
caráter.
Levanto-me do sofá e subo as escadas, olhando o meu reflexo na
grande janela de vidro que dá vista para a entrada do casarão, com um
enorme chafariz de bronze no formato de um anjo bem no centro do
gramado, o caminho de pedras e o imenso portão automatizado.
Também consigo ver Kurt, o segurança gentil, lá em sua pequena
cabine, falando em um rádio e assim que ele me encontra o observando,
eu aceno e ele retribui o gesto soltando um riso.
É enorme mesmo, eu nunca estive em uma casa tão grande como
essa, cheia de portas, sem nenhum vestígio de sujeita. Parece que foi
decorada pelo melhor ‘designer’ de interiores do mundo.
Caminho em silêncio pelo corredor e volto para meu quarto de
hóspedes, onde da janela, consigo observar a enorme extensão de
plantações de rosas.
Decido descer até lá, ainda é cedo e não faço a menor ideia do que
fazer ou se devo fazer algo.
Ainda não vi Joanna e o Senhor Whitmore deve estar dormindo e
se Joanna ainda não deu as caras, é porque ainda não é hora de levar
Lya para o colégio.
Abro a imensa porta da sala e me deparo com o gramado e o caminho
em pedras, o chafariz logo à frente, mas nada da extensão de plantações
de roseiras, nadinha, nenhum vestígio.
— Procurando algo senhorita Johnson? — Kurt diz saindo de sua
cabine.
— Bem, eu queria ir á plantação de roseiras que vi do meu quarto, lá
de cima — explico.
— A entrada é pela área de serviços, na cozinha — ele me orienta.
— Obrigada Kurt — agradeço e volto lá para dentro.
As empregadas me olham esperando que eu solicite algo, porém eu
passo pela porta da área de serviço.
Assim que passo pela porta, encontro a lavanderia e um pequeno
cercado de madeira com uma corrente e cadeado. Está aberto e eu
passo por ele encostando atrás de mim, encontrando pela frente um
caminho de pedras, assim como o que tem na entrada.
O caminho se prolonga e abre outros caminhos que dá dão para
corredores aonde as roseiras crescem. Uma do lado da outra, um galho
se entrelaçando no outro, um espinho se unindo a outro, formando quase
uma cerca viva perigosa.
De cima parece bem mais harmonioso e menos agressivo. Mas o
cheiro do local não poderia ser mais agradável. O verde das folhas se
contrastando com o vermelho das flores o vento que bate nelas trazendo
o cheiro suave de terra úmida, alguns passarinhos que cantam pousando
num dos bancos de madeira ali ao lado.
Caminho mais um pouco me aproximando de outro chafariz, como o
que tem na entrada do casarão. Está no centro do toda a plantação
também. Todos os caminhos de pedra ligam a ele. E o anjo está com as
asas fechadas como se estivesse querendo proteger alguém. É uma bela
escultura de bronze e a água sai de algo que as asas do anjo estão
protegendo, me aproximo mais do chafariz para tentar ver e me inclino
sobre ele para olhar o que há debaixo das asas do anjo.
— O anjo não está pelado senhorita Johnson — ouço sibilar atrás de
mim e eu sobressalto para trás.
— Por Deus! Você me assustou! — digo dando um passo para trás —
Eu só estava tentando...
— Ver se o anjo estava pelado — o Senhor Whitmore revira os olhos
duvidando de mim e eu arqueio a sobrancelha.
Ele veste uma camiseta preta, está de jeans, um jeans rasgado e
tênis sujos de terra. Em sua cintura ele carrega um cinto com algumas
ferramentas penduradas e os cabelos por estarem desalinhados,
parecem que foram a menor preocupação dele hoje quando acordou. Na
mão ele carrega uma tesoura de jardinagem enquanto o outro braço
permanece engessado e um pouco sujo de terra.
— Não vai me dizer o que veio fazer aqui? Ou estou certo sobre o que
você está tentando ver no anjo? — ele solta um leve riso dando as
costas.
Eu o acompanho desviando de alguns galhos no caminho.
— Eu só... Vi a plantação ontem do quarto dos hóspedes e quis ver de
perto. É lindo — respondo.
— Aquele é seu quarto agora — ele me corrige se virando para mim e
eu tropeço.
— Do quarto dos hóspedes — corrijo voltando a acompanhá-lo.
— Seu quarto — dessa vez ele soa como correção se voltando para
um dos galhos á sua frente.
— Deveria estar repousando. Você tem costelas fraturadas.
— Você é enfermeira? — reviro os olhos para ele — Vim aparar os
galhos, — ele diz usando um único braço cortando um dos galhos — A
tempestade de ontem deu uma bagunçada — diz jogando o galho no
chão, voltando a caminhar pelo caminho de pedras.
Percebo que ele caminha devagar, como se um passo em falso fosse
o suficiente para levá-lo a gemer de dor.
— Sabe que não é certo né, tomar um analgésico e depois dele fazer
efeito, você ficar se esforçando desse jeito.
Ele não deveria mesmo estar aqui. Não hoje, depois de eu ter
atropelado ele ou depois do que aconteceu ontem no meu apartamento.
Abaixo-me para pegar o galho, para ajudá-lo, já que não é bom que o
mesmo fique se esforçando demais, porém solto o galho no chão no
mesmo segundo, sentindo um espinho penetrar em um de meus dedos e
o Senhor Whitmore se vira para mim.
— Não pegue — dessa vez ele chuta o galho do caminho e pega
minha mão para o olhar — Os espinhos machucam — assim que o
mesmo diz, aperta meu dedo que sangra, caindo um pequeno pingo de
sangue no chão e eu levo o mesmo à boca o fazendo contrair a
mandíbula.
— É por isso que não gosto que ninguém venha para cá — ele diz
segurando o galho — Os espinhos dela sempre vão machucar alguém,
mesmo que eles estejam sempre aqui e eu esteja acostumado com eles
— Aidan me entrega uma luva de borracha presa em seu cinto.
Dessa vez ele guarda a tesoura de jardinagem e após colocar a luva,
recolhe alguns galhos ali do chão, se abaixando devagar, mordendo o
lábio discretamente para que eu não perceba o esforço que ele faz para
não gemer de dor.
— Você tem uma luva, claro — penso alto e ele se levanta segurando
os galhos.
— Sim, porque sem proteção, machuca, e...
— E sangra — o interrompo revirando os olhos.
— É. É perigoso. Parece ser indefesa, mas se você pegar ela errado,
pode machucar — o Senhor Whitmore diz, arrancando uma rosa do pé
com força e a mesma se desfaz em pétalas que caem no chão — É
preciso delicadeza — ele tenta outra dessa vez tirando uma das luvas —
Lentamente — ele posiciona a mão na flor e a retira com cuidado
enquanto eu acompanho cada movimento que ele realiza — Em cima
você pega com delicadeza, em baixo, você precisa tomar cuidado
ou machuca — ele me entrega a rosa e eu assinto.
— Obrigada.
— Não agradeça. Não quero você aqui — Aidan dá as costas me
fazendo contrair a mandíbula, enquanto eu o observo ir segurando com
uma das mãos os galhos dos quais aparara e o outro braço engessado.
Ele deve mesmo ter raiva de mim. Está praticamente inválido. Não
consegue fazer nada sem que sinta um pingo sequer de dor.
— Deveria sair daí — ele diz se aproximando do cercado de madeira
passando por ele, fazendo um gesto para que eu o acompanhe, mas
antes que eu chegue até lá, o sensor de água que rega as roseiras é
acionado e eu arregalo os olhos assim que eles começam a espirrar
água. — Eu avisei — ele solta um leve riso e dá as costas deixando o
cercado encostado enquanto eu corro até ela para sair da mira dos
sensores.
|07|
|“Eu sei que você está mentindo, porque seus lábios estão se
movendo . Me diga, você acha que sou idiota? Posso ser jovem, mas não
sou estúpida. Falando a mesma coisa várias vezes. Eu te dei o meu
melhor, você me deu sua lábia.” — Lips Are movin’/ Megan Trainor.

Cabelos limpos.
Sempre me acho a mulher mais linda desse mundo quando meus
cabelos estão limpos.
Foi um desastre aquilo.
Um banho de água gelada em plenas 07:00 da manhã.
Não vi mais o Senhor Whitmore, nem quero ver.
Ele é mesmo muito estranho e tem uma maneira bem peculiar de se
expressar, nunca sei se ele está dando um segundo sentido para as
coisas que fala. Dá-me arrepios e me deixa sem palavras.
Joanna chegou nos minutos seguintes e me instruiu que hoje, Lya não
teria aula.
Ainda acho isso uma ideia absurda.
Sobre eu ter que cuidar da garota só por atropelar o pai dela — Que,
aliás, é meu chefe. Meu ex-chefe.
Ou melhor. Ainda não assinei minha carta de demissão, então não fui
demitida da WTM, ainda.
Preciso falar com ele. Preciso pelo menos de uma prévia do que irá
acontecer de agora em diante. Já que, precisarei mais do que nunca de
dinheiro da minha rescisão.
Se for para me mandar embora que faça isso dentro dos meus
direitos.
Esse pensamento me faz suspirar quando despejo os poucos
trocados que restou esse mês.
Por Deus, preciso cancelar tantas coisas do casamento. Investi tanto
nessa droga que só me restou dinheiro para tomar um cappuccino no
Starbucks.
Por enquanto é o que preciso para me acalmar.
Desço as escadas e caminho até a grande porta principal, por onde
saio, porém antes que eu possa fechar, ouço a voz de Joanna.
— Vai a algum lugar Senhorita Johnson? — Joanna indaga, como
uma assombração que aparece do nada.
— Achei que não precisasse avisar — respondo dando meia volta —
Vou tomar um café, eu volto em trinta minutos, preciso fazer algumas
ligações — digo e espero uma resposta.
— Nós já servimos o café, junte-se conosco. Temos um telefone —
ela diz apontando para o telefone no canto da imensa sala, fazendo um
gesto para que eu volte a entrar e eu arqueio a sobrancelha.
— Não quero incomodar — dou os ombros.
— Na verdade, o Senhor Whitmore não quer que você saia da casa
até que tudo esteja resolvido.
Arqueio a sobrancelha incrédula.
— Não quer? Sou uma prisioneira agora? Do Senhor Whitmore? —
solto uma risada sarcástica cruzando o braço.
— Não se exalte, ele quer conversar com a senhorita depois do café.
— Tá, mas tenho assuntos para resolver — respondo e Joanna, sem
querer discutir encolhe os ombros e suspira.
— A senhorita pode fazer tudo isso aqui — ela tenta me convencer
novamente.
— Eu volto daqui trinta minutos. — anuncio bufando.
Desde quando ele decide o que faço ou deixo de fazer, ou aonde vou
tomar meu café?
— Diz para ele ir me buscar se eu não voltar — comento em deboche
fechando a porta atrás de mim.
Pelo caminho de pedras cruzo o gramado e Kurt o segurança, abre o
portão para que eu possa sair com meu carro que o mecânico consertou.
As ruas estão molhadas ainda, por conta da tempestade de ontem.
São 09:00 da manhã. O Starbucks não fica tão longe da casa do Senhor
Whitmore, depois da estrada que liga o centro das propriedades privadas
e torço para que meu carro não quebre no meio do nada enquanto me
aproximo do centro.
Peço o mesmo de sempre e me sento em uma mesinha isolada no
estabelecimento para me esconder do vento frio da manhã.
Abro minha lista de contatos dos preparativos do casamento e ligo
primeiro para o serviço de Buffet para cancelar.
Espero que Amanda tenha avisado todas as madrinhas que não será
preciso mais ir buscar os vestidos.
Acho melhor ligar na loja dos vestidos para verificar.
E na florista, para o DJ, para a assessoria da cerimônia
também. Cacete, é uma cerimônia inteira para cancelar.
São três anos de planejamento.
Jogados no lixo.
É frustrante ver tudo isso ser jogado no lixo. Ver o meu sonho ser
triturado, ver tudo se esvair das minhas mãos.
Sei que teria sido pior se eu tivesse me casado e tivesse descoberto
depois, mas dói do mesmo jeito. Sinto vontade de explodir isso tudo.
Mandar tudo pelos ares. Mas não tenho nem ao menos o direito de surtar.
Preciso engolir isso tudo, cancelar como uma mulher madura que
descobriu uma traição e agora precisa arrumar toda a bagunça para
seguir a vida. Sozinha.
E agora tenho essa outra bagunça para consertar. O chefe que
atropelei. O chefe que ia me demitir.
Por Deus, eu quase matei ele. E agora ele quer me aprisionar para
pagar minha pena. Cuidar da filha dele sendo que eu não soube cuidar
nem do meu casamento.
E agora estou tendo um surto interno, chorando baixinho, sozinha,
numa mesa dos fundos do Starbucks, me arrependendo de ter vindo
gastar meu único dinheiro com um cappuccino que já esfriou e que eu
nunca bebo tudo.
Eu só queria estar no meu estágio agora, lendo alguns exemplares e
passando para minha líder de revisão. Só queria voltar para casa e me
preparar para o meu casamento.
Não que eu morresse de amores por Addam, mas eu queria tanto
aquilo, quanto qualquer outra mulher de 25 anos. Um futuro, um marido,
uma família, estabilidade, e provar para minha mãe que cresci e que eu
não sou a Jane ingênua e fracassada.
Eu só queria que desse certo, igual deu com todo mundo.
Raios! Não consigo parar de chorar.
Mas preciso.
Levanto a cabeça e encaro o copo de cappuccino até agora intacto.
Porém, meus olhos se desviam para o sininho da porta que toca
anunciando a entrada de mais um cliente no estabelecimento.
Me engasgo com meu próprio choro, ao ver Addam e recolho
rapidamente minha carteira, deixando o dinheiro do cappuccino em cima
da mesinha.
Assim que passo por ele, o loiro segura em meu braço me impedindo
de sair.
— Jane, será que podemos, por favor, conversar? — ele pede mais
calmo do que um cordeirinho.
Percebo que há um hematoma roxo em seu rosto próximo ao nariz e
lembro-me do Senhor Whitmore o nocauteando.
— Não temos mais nada para conversar Addam, agora me solta.
— E o casamento Jane?
— Você ainda tem coragem de me perguntar de casamento Addam?
— berro atraindo a atenção de todos ali presentes — Quer mesmo que
eu te responda?
— Jane, passamos tanto tempo planejando isso, vamos esquecer o
que aconteceu e seguir em frente — ele insiste fazendo com que eu
gargalhe alto.
— Por que você não casa com a Jenna? — esbravejo ali no meio das
mesas, fazendo todos pararem o que estão fazendo para me ouvir.
— Vamos conversar em outro lugar.
— Não temos mais o que conversar — me solto das mãos dele e vou
em direção á porta.
— Então é assim? — ele indaga e eu me viro para ele de volta.
— Vai — retruco e saio pela porta batendo a mesma atrás de mim.
Engulo o seco deparando-me com a figura alta e forte, de postura
rígida, parado em frente ao estabelecimento.
Camisa branca, calça social azul-marinho, o braço engessado e a
outra mão escondida no bolso da calça.
Por Deus, é o Senhor Whitmore.
Hesito antes de atravessar a rua em sua direção, ele ergue a cabeça
assim que me vê e levanta uma das sobrancelhas.
— Que raios, você está fazendo aqui? — digo assim que atravesso a
rua ainda um tanto desconcertada pela presença dele.
— Você disse para vir te buscar caso não voltasse, não disse? Não
quis soar como alguém que quer controlar seus passos, quis soar como
alguém que não gostaria de te ver sozinha e no estado em que está por
alguém que nunca mereceu você, senhorita Johnson.
|08|

|“Não se esquece alguém que se amava tão rápido, mas ele eu seria
capaz de sofrer uma amnésia agora mesmo.”– Jane Johnson.

O silêncio é quase que ensurdecedor no carro do Senhor Whitmore,


porém apesar disso me incomodar muito, sei que ele só está esperando
que eu diga alguma estupidez para retrucar e me deixar sem palavras.
— Sei que quer dizer algo — ele parece ler minha mente e eu
pigarreio.
— Como sabe? — questionou e o vejo soltar um leve riso dando os
ombros enquanto reduz a velocidade do carro para passar por uma falha
no asfalto.
— Na verdade, eu não sabia, mas vocês mulheres geralmente sempre
tem algo para falar, é meio que universal — ele comenta dando uma
breve olhada para mim.
— Certo, mas não tenho nada para falar. Você se enganou. — corto o
assunto, ainda nervosa pela confusão com Addam há minutos atrás.
— Pelo que parece seu noivo quer voltar — ele comenta e eu o
encaro.
— Mas eu não — respondo seca.
— Você parece gostar bastante dele — o Senhor Whitmore responde
e eu bufo claramente aborrecida.
— E por que acha isso?! — solto um leve riso de deboche.
— Porque não se esquece alguém que se amava tão rápido, ainda
mais um noivo.
— Não se esquece alguém que se amava tão rápido, mas ele eu seria
capaz de sofrer uma amnésia agora mesmo — vejo o Senhor Whitmore
contrair a mandíbula depois da minha fala e dar os ombros.
— Sinto muito — ele corta a conversa e volta a mesma postura rígida
e indiferente, de frente para o volante, dirigindo com apenas uma mão,
reduzindo sempre a velocidade para conseguir trocar de marcha.
— Quer que eu dirija? — me solidarizo.
— Com certeza não — ele responde no mesmo momento.
— Eu estava brincando quando disse para vir me buscar — comento.
— Levo as coisas que me dizem bem a sério, senhorita Johnson —
ele retruca duramente — Depois peço para o Kurt vir buscar seu carro.
Injuriada com a conversa, fico em silêncio e ele contrai a mandíbula
me flagrando enquanto o observo dirigir.
— Acontece que eu gostava mesmo dele sabe, Addam foi meu
primeiro homem, fez coisas que jamais fariam por mim, jamais chegou a
passar pela minha cabeça a hipótese de que ele seria capaz de fazer isso
— desabafo e o moreno ao meu lado apenas assente.
— Eu sei. Geralmente é mais difícil aceitar que quem mais
amávamos, seria capaz de nos decepcionar — apenas assinto — Hoje
tenho uma reunião. Aquela que adiei quando você me atropelou — ele
muda o assunto — Consegue ficar de olho na garota até eu voltar? —
confirmo com a cabeça — Não tem língua para responder com a boca?
— reviro os olhos.
— Grosso — resmungo.
— Eu preciso de você até 17:00.
— Tudo bem. Na verdade, eu pretendia mesmo, sair essa hora — ele
assente.
— E vai fazer o que depois das cinco?
— Na verdade, não sei. Eu só, preciso sair um pouco para relaxar a
mente — Aidan solta um leve riso.
— O que você faz para relaxar, senhorita Johnson?
— Leio.
— Certo, você lê — ele está debochando de mim?
Claro, ele está sim.
— E você? — o moreno dá os ombros.
— Me espere às 17:00. Quando eu chegar, vou te levar ao lugar
aonde costumo relaxar minha mente.
|09|
|“Como vou chutar o pau da barraca se eu já atropelei ele?”– Jane
Johnson.

Subo as escadas ao encontro de Lya. Ela está no quarto mexendo em


seu baú de brinquedos. Ela sobressalta assim que bato na porta.
— Ãh, oi — sorrio.
— Cadê o Aidan? — pergunta ela e me sento na cama.
— Ele foi resolver algumas coisas — respondo.
— E você?
— Eu vou ficar com você, até ele chegar — respondo.
— Ele deixou? — assinto como se fosse o óbvio e ela dá os ombros,
se sentando no chão ao redor de algumas bonecas enquanto abro as
cortinas.
— Por que você não brinca lá fora? Olha que dia lindo — comento.
— Não posso — ela suspira penteando o cabelo de uma de suas
bonecas.
— Por que não?
— Aidan disse que os brinquedos precisam ficar no quarto e que
tenho que ficar em casa para não me machucar — a garotinha diz
cabisbaixa e arqueio a sobrancelha.
— Você não pode brincar lá fora? — ela nega.
Por Deus, é sério que o Senhor Whitmore proíbe a garota de sair da
casa para brincar, com aquele gramado que mais parece um colchão?
— Quer ir lá? — pergunto e ela receosa se levanta com a boneca na
mão.
— Lá fora?
— Sim, — abro o guarda-roupa e pego um de seus edredons —
Vamos fazer uma cabana para se esconder da Joanna? A bruxa má que
come crianças? — vejo os olhos verdes dela se arregalaram e ela
assentir largando a boneca no chão — Então vamos! Mas lembre-se: não
faça barulho, se não podemos acordar a bruxa, e não é o que queremos
certo? — fecho as cortinas sussurrando como se fosse um segredo só
nosso e ela assente pegando alguns brinquedos no baú.
— Na ponta dos pés? — sussurra ela saindo pela porta.
— Na ponta dos pés — abro um sorriso cúmplice.
Descemos as escadas e eu abro a imensa porta, por onde saímos nos
deparando com o gramado do lado de fora do casarão.
Lya joga os brinquedos ali e me olha esperando a próxima instrução.
— Precisamos armar a barraca, venha, me ajude, abra rápido — digo
entregando o edredom para ela e vou em direção á cabine de Kurt e
sorrio para ele.
— Kurt, como faço uma barraca com aquilo?
Questiono e ele arregala os olhos ao ver Lya pisotear o edredom
Rose florido pelo gramado.
— É verdade que ela nunca brincou aqui fora? — ele assente — Você
tem algo que possa suspender? Sei lá, não dá para amarrar um varal ali
perto, só para erguer o edredom? Podemos amarrar no chafariz — Kurt ri
e caminha ao meu lado até onde vamos armar uma cabana.
— O Senhor Whitmore chega às 17:00, ainda são 14:00 — tento
acalmá-lo.
— Tá. Se ele chegar, você achou armou isso tudo sozinha certo? —
assinto para ele.
— Isso está firme? — pergunto enquanto Lya entra ligeiramente.
— Firme. Mas não vai esconder vocês do lobo mau — ele responde
sorrindo para Lya e eu contraio a mandíbula.
Não é o fim do mundo.
Só estou levando a garota para brincar um pouco do lado de fora. É
só uma cabana. O Senhor Whitmore não vai se importar. Afinal, eu sou a
Babá dela agora não sou? Estou cuidando para que ela fique bem, e sem
querer me gabar, ela está muito mais animada e feliz do que dentro
daquele quarto frio.
— Missão concluída, agora eu vou roubar alguns doces da casa da
bruxa má e você fique aqui.
Saio da cabana caminhando para dentro da casa.
As duas cozinheiras como sempre estão sempre na boca do fogão,
ela se viram ao notar minha presença e falam em coro.
— Precisando de algo senhorita Johnson? — nego para as duas que
secam as mãos no pano de prato sobre o ombro e voltam às suas
tarefas.
A mais nova tem cabelos pretos enrolados num coque preso pela
redinha e a mais velha de fios grisalhos, vestida num avental branco de
botões dourados.
— Eu e Lya estamos brincando lá fora, será que poderiam preparar
um lance da tard… — sou interrompida antes de terminar de falar.
— Estão brincando aonde? — as duas falam em coro novamente,
espantadas.
— Lá fora — dou os ombros arqueando a sobrancelha para as duas
que parecem terem visto um fantasma.
— Joanna sabe disso? — a mais velha diz e eu dou os ombros
novamente — Evangeline, vá chamar Joanna — diz ela e a moça mais
nova assente secando as mãos no pano de prato — Ande logo! — ela
ordena e Evangeline passa por mim como uma flecha.
E como se o mundo fosse acabar, Evangeline sobe as escadas e
depois desce, acompanhada de Joanna, a governanta séria e me olha,
como se eu tivesse cometido um crime.
— O que houve aqui? — Joanna questiona e a cozinheira mais velha
aponta para a janela.
— Vocês duas, voltem para a cozinha. E senhorita Johnson… O
que é aquilo? — ela aponta para a janela arregalando os olhos se virando
para mim logo em seguida, me olhando claramente sem jeito e
incomodada com a minha cabana no gramado — Por que a senhorita
montou uma cabana no gramado?
Por que ela está falando como se nunca tivesse visto uma cabana?
— Só levei a garota para brincar um pouco lá foram. É verdade que
ela nunca sai lá para brincar? — Joanna suspira e me pega pelo braço
me levando pelo corredor, ela abre a primeira porta revelando um
escritório onde fecha a porta atrás de si e me encara como se estivesse
fazendo a maior força do mundo para não me esganar.
— Escute senhorita Johnson, — ela respira o mais fundo que
consegue mantendo a paciência — É uma regra do Senhor Whitmore, a
garota fica na casa.
— Mas lá no gramado é a casa dela ainda — retruco.
— O Senhor Whitmore não gosta que a Lya vá lá para fora, por favor,
recolha aquela coisa do gramado, antes que ele chegue, ou as coisas
fiquem feias, para Lya. Por favor, resolva isso antes dele chegar, não
complique mais uma vez a convivência de vocês dois chutando o pau da
barraca dessa jeito — suspiro negando.
— Como vou chutar o pau da barraca se eu já atropelei ele? — sou
irônica — Por que isso? Acabamos de montar é só uma… — ela me olha
sem ceder e eu suspiro — O Senhor Whitmore só chega às 17:00, eu
guardo antes dele chegar, eu só estou tentando me aproximar da garota,
— tento me explicar e ela suspira — Por favor, prometi para ela que viria
roubar doces da bruxa má, não me deixe falhar nessa missão — Joanna
solta um leve riso, mas volta a ficar séria.
— A bruxa má? — assinto — Quem é a bruxa má? — dou os ombros
saindo do escritório soltando um leve riso.
Lya está na cabana ajeitando uma boneca ao lado da outra quando
volto com uma bandeja com Cookies e suco de laranja.
Comemos e em seguida passo o resto do tempo vendo Lya pentear
os cabelos das bonecas e trocar as roupinhas a cada cinco minutos,
depois disso, entediada com as bonecas, ela resolve mexer no meu
cabelo pelo resto da tarde, e só me dou conta do passar do tempo,
quando já estou prestes a adormecer ali, com a cabeça cheia de
presilhas, glitter e laços que prendem minha franja para cima, com
tranças nas mechas.
— Precisamos guardar tudo agora — anuncio desfazendo uma das
tranças em meu cabelo — Prometi para Joanna que guardaríamos antes
das cinco e precisamos cumprir nossas promessas, ou iremos
desapontá-la, e não é o que queremos certo? Vamos voltar lá para dentro
— recolho as roupinhas, colocando na pequena mochila lilás.
— Voltar para dentro da casa da bruxa má? Mas, isso quer dizer que
nunca fugimos, sempre estivemos nas mãos dela — Lya retruca se
negando sair da cabana.
— Lya, precisamos entrar antes que o Senhor Whitmore chegue, se
ele nos pegar aqui fora, ficará furioso e vai pegar a gente — sou o mais
paciente possível com ela que acaba por ceder.
— É, ele fica furioso. Igual o lobo mau.
— Exato. Igual o lobo mau, precisamos ir para casa de tijolos, essa
aqui, é muito frágil — Lya se anima, e eu aliviada por convencer ela, saio
da barraca, mas cambaleio para trás caindo de quatro na grama do lado
de fora da cabana, ao esbarrar em algo atrás de mim.
Ergo a cabeça e sem perceber, prendo a respiração ao ver a figura
alta do Senhor Whitmore, na minha frente me olhando duramente me
fazendo engolir o seco enquanto fico de pé.
— Tia Jane! O lobo mal achou a gente, corre! Ele vai comer a gente!
— Lya indaga voltando para dentro da cabana.
— É, achei vocês — o Senhor Whitmore responde e eu engulo o
seco sorrindo minimamente.
|10|
|“Não se assemelha medo e respeito. Agora se quiser assemelhar o
meu ‘Tá bom’ com ‘Não concordo, mas você é imbecil demais para
entender, tudo bem.”– Jane Johnson.

Antes que eu possa dizer algo, Aidan puxa o edredom dali, jogando
tudo sobre o chão.
Ele passa por mim, pega no braço da garota e sair puxando ela para
dentro do casarão.
— Senhor Whitmore! — chamo, mas ele dá as costas, pisando duro
no chão, dando passos largos fazendo Lya ter que correr enquanto ele
leva ela irritado lá para dentro.
Vou atrás subindo as escadas e a essas alturas, Lya chora tentando
olhar para trás, na esperança de que eu o pare, mas antes que eu possa
fazer qualquer coisa, Aidan entra com ela no quarto e bate a porta, atrás
de si.
— Senhor Whitmore! — forço a maçaneta — Aidan! — bato na porta
repetidas vezes e vejo Joanna surgir no corredor — Joanna, diz para ele
abrir a porta — peço para ela que suspira.
— Senhorita Johnson, peço que vá para seu quarto descansar, teve
um dia cansativo e…
— Não! Manda-o abrir a porta, por Deus Joanna! Ela não teve culpa
de nada, nós só estávamos lá fora! — berro forçando a maçaneta —
Senhor Whitmore, abra agora essa porta! — ordeno, mas não obtenho
resposta — Argh! — rosno batendo na porta — Por que ele está fazendo
isso? — questiono e Joanna dá as costas — Só estávamos lá fora, qual o
problema de vocês? — digo dessa vez sozinha no corredor.
Tento ouvir algo por entre a porta, mas não escuto som algum. A
única coisa que me resta, é esperar ele sair do quarto e após alguns
minutos de espera, sentada no chão ao lado da porta, ouço finalmente a
maçaneta ser aberta, e me coloco de pé no mesmo instante.
O Senhor Whitmore abre a porta dando passagem para Lya. E ao
contrário de um rosto inchado por lágrimas, a encontro de banho tomado
e roupas limpas.
— Peça para Evangeline te dar algo para comer — ele diz e Lya
assente descendo as escadas como um robô em silêncio.
Ele fez algo muito pior do que ter castigado ela. Ele simplesmente
colocou mais pilha nela e reprogramou a garota para novamente seguir
as regras imbecis dele sem levantar nenhum questionamento.
— O que você fez com ela? — questiono barrando o mesmo no
corredor.
— O que você pensa estar fazendo? — ele indaga e eu arqueio a
sobrancelha — Escute bem senhorita Johnson. Lya não sai da casa. Ela
fica aqui dentro. Segura — ele diz duramente e em alto e bom som,
fazendo com que eu dê um passo para trás — A próxima vez que isso
acontecer, os responsáveis serão punidos — e dá as costas entrando em
seu quarto.
Eu por minha vez, desço as escadas em disparada atrás de Lya que
está no balcão comendo Cookies acompanhados de um copo de leite.
— Lya, — chamo a mesma que se assusta com a minha presença —
O que houve? Ele te bateu?
— Não devíamos ter ido brincar lá fora Tia Jane — ela diz e eu
balanço a cabeça.
— Sinto muito por ele ter te feito pensar isso pequena, mas não foi
nada errado, a não ser que ele me dê um bom motivo.
Ele vai me explicar o que fez com a garota, ou melhor, ele não tinha
que ter feito nada.
— O que você fez com ela? — abro a porta de seu quarto e percebo
que o moreno estava prestes a desabotoar o primeiro botão da camisa
social branca, retirando a tala que mantém seu braço imóvel.
— Não é da sua conta o que fiz com a minha filha — ele me olha pelo
espelho.
— Não fizemos nada! Absolutamente nada. Ela estava brincando. Por
que raios você não quer que ela brinque lá fora? — questiono.
— Não discutirei com você.
— Ah, você vai. Porque quero uma explicação para todo esse circo
que você fez! Você é um ridículo! — ele se vira para mim ofendido e por
um momento não acreditando na ofensa.
Penso em sair correndo, mas permaneço firme.
Preciso fazer isso. Lya confiou em mim.
— Falei para ficar de olho nela. Não para brincar com ela — arqueio a
sobrancelha em deboche.
— E bateu nela por causa disso? — respondo.
— Ela sabe que não devia ter ido lá fora.
— Então você assume que bateu? — Aidan revira os olhos.
— Dei um banho nela, estava suja de grama.
— Você intimidou ela.
— Senhorita Johnson, saia daqui — nego.
— Isso foi errado.
— Não é errado, mas é uma regra.
— Fui eu quem a levei e a não ser que você me explique o por quê,
não vou sair daqui — bato o pé.
— Então fique — ele se vira para o espelho e desabotoa o primeiro
botão da camisa — Ela é minha filha e será punida sim, sempre que me
desobedecer. Não pense que não irei fazer isso porque você não sabia,
ou, porque você não vê uma explicação. Você pode até não ser punida,
mas ela será — ele diz duramente caminhando até a porta — Você é a
Babá, mas quem faz as regras aqui dentro dessa casa sou eu, não você
— Aidan abre a porta e faz um gesto com a mão para que eu saia.
Nossa.
— E por que ela não pode sair? — questiono me negando a sair.
— Não é da sua conta — ele perde a paciência bufando — Seu
trabalho é cuidar para que ela fique segura debaixo das minhas regras,
não debaixo de uma cabana — ergo a sobrancelha com seu desdém.
— Tá bom. Você é um arrogante — rosno — Não se assemelha medo
e respeito. Agora se quiser assemelhar o meu ‘Tá bom’ com ‘Não
concordo, mas você é imbecil demais para entender, tudo bem — saindo
pela porta pisando duro no chão
Entro em meu quarto e tranco a porta.
Raios! Qual o problema dele? Parece mais um general estúpido.
Não demora um minuto para que eu ouça batidas na porta, então me
preparo para mais um confronto e abro a porta bruscamente.
Agora ele vai vir pedir desculpas?
— Veio fazer mais proibições?! — berro abrindo a porta, porém me
deparo com a garotinha dos olhos verdes e cabelos ondulados com um
controle remoto na mão.
— Vamos assistir Barbie? — ergo as sobrancelhas me desarmando
na mesma hora sorrindo.
— Vamos pequena — pego o controle remoto das mãos dela, e a
acompanho pelas escadas.

— Céus essa casa me dá calafrios — digo passando a mão em


meu braço arrepiado de frio.
Vejo a figura do Senhor Whitmore descer as escadas em silêncio, ele
para por um momento como se quisesse me dizer algo, mas segue
caminho até outro corredor, percebo que Lya assume uma postura mais
rígida e, ao mesmo tempo, chateada.
Suspiro ainda inconformada com o que aconteceu hoje.
— Por que não vamos lá para cima, no meu quarto? Tem uma TV,
podemos deitar na cama e fazer outra cabana — sussurro e ela
arregalara os olhos, animada como da última vez — Vem — pego na mão
da mesma e subimos as escadas correndo entrando em meu quarto.
Lya sobe em minha cama enquanto ligo a TV para colocar o filme.
Pego em edredom grosso no guarda-roupa e amarro as pontas na
cabeceira da cama. Jogamos os travesseiros no chão e nos sentamos
em cima para assistir ao filme.
— O Senhor Whitmore brigou com você? — pergunto enquanto
assistimos ao filme.
— Ele disse que eu não devia sair lá fora, ou ia acontecer a mesma
coisa que aconteceu com a mamãe e falou para eu tomar banho e tirar
toda aquela sujeira do corpo — ela comenta e eu ergo a sobrancelha.
— E o que aconteceu com a sua mãe?
— Eu não sei, o Aidan não gosta que fale dela aqui — Lya responde e
eu assinto enquanto vejo Barbie se transformar numa sereia.
O que aconteceu com mãe da garota?
Não digo mais nada. Lya deita em meu colo e depois de alguns
minutos percebo que ela dorme. Sem querer acordá-la, apoio minha
cabeça na cabeceira da cama e durmo também.

Não consigo mais nem contar quantas vezes Lya já o chamou pelo
nome ao invés de pai. Raios! Odeio esses mistérios de filme, odeio
quando preciso fazer milhares de perguntas para entender as coisas.
Seria tão mais fácil se a vida fosse como um filme da Barbie, mais
colorida e mais fácil de entender e eu pudesse me transformar no que
quisesse quando precisasse enfrentar algum problema.
Com certeza me transformaria em um dragão de tanta raiva que
passei hoje.
Acordo com leves batidas na porta. Solto um gemido de dor no
pescoço e coloco a cabeça para fora da cabana, é o Senhor Whitmore
recostado no batente a me olhar com uma expressão divertida no rosto,
mas que ele se esforça para esconder.
— Você disse sobre armar cabanas lá fora, mas não fez restrições
sobre armar cabanas aqui dentro — dou os ombros e ele balança a
cabeça acendendo a luz do quarto.
— Você é inacreditável senhorita Johnson — Aidan ri pelo nariz.
— Está precisando de algo? — questiono mesmo sabendo que não
vou mover uma palha para ajudá-lo.
— Na verdade, quem precisa é você. Já passam das cinco e eu disse
que te levaria a um lugar. Vim cumprir minha palavra — eu hesito.
— Acho que não vou mais — respondo por birra.
Ainda estou chateada com o que aconteceu hoje.
— Não seja infantil. Não vou pedir desculpas por repreender minha
filha — ele dá as costas como se acabasse de ler minha mente e eu solto
um grunhido.
Ergo Lya nos braços, apoio sua cabeça no travesseiro, cubro ela com
as cobertas, abaixando o volume da TV, e depois de depositar um leve
beijo em seu testa, desço as escadas e encontro com o Senhor Whitmore
no último degrau.
— Decidiu? — ele diz assim que nota minha presença atrás dele na
escada.
Não respondo nada, apenas o acompanho por outro corredor onde ele
desce pequenas escadinhas, que levam á uma imensa porta de madeiro
envernizada, dessa vez há um anjo esculpido na madeira. Um anjo de
asas abertas. O mesmo anjo do chafariz de bronze do gramado da
entrada e da plantação de roseiras.
Pelo visto ele ama um anjo, mas é o próprio demônio.
A porta está trancada e ele tira uma chave antiga de dentro do bolso
abrindo a mesma, que range e cautelosa adentro ao lugar e meus olhos
se arregalam.
— Meu Deus... — divago boquiaberta.
— Me deixa adivinhar, você supôs que fosse a caverna aonde a fera
se escondia? — ele solta um leve riso.
— Senhor Whitmore… — levo a mão á boca.
— Ainda bem que anoiteceu, prefiro vir aqui de noite — ele diz e faz
uma pausa para acender as luzes e meu queixo cai quando as luzes
amareladas se acendem — Bom, o lugar é esse.
— Posso ficar aqui um pouco? — pergunto.
— Sim. Podemos ficar — ele fecha a porta atrás de si.
|11|
|“Desculpa, sou complicada demais para abaixar a cabeça e
concordar com você”– Jane Johnson.

Penduro minha blusa num suporte de casacos e caminho pelo lugar.


— Aqui é lindo, eu poderia morar aqui — comento.
Ele não diz nada, apenas me acompanha enquanto caminho pelas
prateleiras de livros.
São milhares, fileiras e fileiras. O Senhor Whitmore, tem uma
fantástica biblioteca na própria casa.
— Você já leu todos? — ele dá os ombros.
— Nem todos — responde e eu passo as pontas dos dedos por entre
as lombadas dos livros perfeitamente organizados nas prateleiras.
Têm poltronas pelo lugar, com luminárias. Tudo em móveis antigos e
em tons amadeirados, dando ao ambiente um ar mais quente e
aconchegante. Na parede há um quadro com o símbolo da WTM, o anjo
olhando para baixo, com as letras WTM gravadas no próprio peito
Então é isso. Eu sabia que já vira aquele anjo em algum lugar. É a
logo da editora, eu só fui lerda demais para perceber isso.
Há uma mesa lá no fundo. Uma máquina de escrever, um notebook,
uma impressora e uma pilha de folhas sulfite.
— Quem é a bibliotecária que cuida daqui? — pergunto.
— Eu. Mas nenhum livro sai daqui — ele responde antes que eu
possa pedir um emprestado — É por isso que é o lugar aonde relaxo, se
eu os levasse para outro lugar, não teria graça — Aidan comenta —
Costumo dizer que aqui é uma parte da minha mente.
— Como assim? — questiono me virando para ele por um momento.
— Tudo precisa ficar aqui, guardado, caso contrário, vira bagunça —
assinto mesmo sem saber o que ele quer dizer.
— Você diz os livros? — ele solta um leve riso.
— Escute Jane, eu preciso de você aqui, mas isso não quer dizer que
pode sair mexendo no que está quieto — arqueio a sobrancelha confusa.
Ele está novamente levando as coisas para um segundo sentindo e
eu sempre demoro saber à quê ele se refere.
— Você diz sobre levar Lya para fora? Tudo bem, não vou mais fazer
isso, mas achei uma estupidez o que fez. Não vi nenhum problema
naquilo — me justifico vendo que voltaremos na discussão novamente.
— Quando me refiro a livros, estou me referindo a tudo. As roseiras,
às minhas regras…
— Então não posso vir aqui também?
— Só eu venho.
— Não posso ir a nenhum lugar da casa, nem nas plantações de
roseiras, nem na biblioteca…
— Não pode porque você é igual á Lya, não sabe apenas olhar, tem
que mexer também — ele me repreende e toma o livro da minha mão,
mas eu não solto e ele me puxa com o livro para mais perto dele que
contrai a mandíbula enquanto meus olhos se arregalam, demonstrando
meu nervosismo.
Na distância em que estou, consigo sentir o cheiro da sua colônia
mais forte, sobre a pele morena, a barba rala que encosta por um mínimo
segundo na minha bochecha e o livro que separa meu corpo de encostar
no dele.
Cacete, por que estou irritada com esse livro?
— Ãh, — pigarreio me afastando novamente e solto o livro me
virando, sentindo minhas bochechas corarem.
— Não vai me explicar o por quê dela não poder brincar do lado de
fora? — ele suspira colocando novamente o livro na prateleira.
— Porque ela nunca teve ninguém que cuidasse dela — ele diz
caminhando de volta para a porta por onde entramos.
Ergo a sobrancelha, como se a resposta que ele me deu fosse a
última que eu esperasse.
— Espero que tenha entendido o recado — ele me dá passagem para
que eu saia.
Suspiro desistindo de insistir no assunto.
— Já entendi que não gosta de mim — resmungo passando por ele.
— Só não estou acostumado com a presença de alguém tão…
— Tão o quê? — o enfrento.
— Afrontosa — ele responde e eu uso todas as minhas forças para
não demonstrar satisfação pela sua confissão.
— Isso não quer dizer que pode me tratar dessa forma, eu não sou
suas empregadas, não estou aqui porque quero e eu espero que saiba,
que eu não estou acostumada a abaixar a cabeça para assuntos dos
quais, discordo, então sim, vamos discutir quantas vezes forem
necessárias. Desculpa, sou complicada demais para abaixara cabeça e
concordar com você — retruco um tanto ríspida, mas ele parece não
sentir a dureza das minhas palavras.
— Se não fosse você, seria qualquer outra no lugar — ergo a
sobrancelha completamente surpresa pela sua fala.
— Nossa! — exclamo — Claro que seria — ironizo — Até porque você
não precisaria ir atrás de mim no meu apartamento confessar que precisa
de mim — o deixo mudo e dou as costas antes que ele retruque e eu não
tenha mais outra resposta para dar outro cheque-mate nele.
— Você está certa. Poderia ter sido qualquer outra no seu lugar, mas
escolhi você.
|12|
|“Você descobre que uma pessoa é tóxica para você, quando pensar
nela e só vierem problemas na sua cabeça.”– Jane Johnson.

No dia seguinte, acordo com os braços ao redor do meu pescoço e


cabeça apoiada em meu peito.
Nunca pensei acabaria dormindo com uma criança, não no estágio
em que minha vida está.
Repouso ela na cama e me levanto saindo do quarto para chamar
Joanna, mas dou de cara com ela prestes a abrir a porta.
— Acorde a Lya daqui vinte minutos, pede para ela tomar banho,
trança nos cabelos e hoje é o dia do uniforme, Evangeline já passou. Está
no guarda-roupa. Consegue fazer isso? Agora cedo o Senhor Whitmore
irá fazer uma avaliação no braço, creio que já não precisará mais —
Joanna orienta e eu assinto vendo que ainda posso ficar mais alguns
minutos deitada.

Vinte minutos. Um cochilo de cinco minutos e eu acordo Lya.


Deito-me novamente e apago, acordando uma hora depois de Lya
tacar o braço na minha cara por acidente enquanto dorme.
Olho a hora no celular.
— POR DEUS — pulo da cama — Lya? — chacoalho a mesma que
acorda na mesma hora — Tenho uma nova brincadeira, se você
conseguir se trocar em cinco minutos deixo você comer besteira antes do
almoço — anuncio limpando a baba da cara — Vai, vai, vai, vai — bato
palminhas apressando a mesma e ela sai correndo.
Troco de roupa e me certifico que Joanna e o Senhor Whitmore já
saíram, já que ela vai me engolir se eu atrasar com essa garota no
colégio.
— Que roupa eu ponho? — ela grita lá do quarto.
— Qualquer uma, vai menina, vai. Já estou indo chamar o Kurt —
desço as escadas correndo e ando em direção á cabine dele — Tenho
que levar a Lya para o colégio — digo ofegante.
— Há uma hora você quis dizer né — ele ri de mim e me acompanha
até o carro.
— Espera, está faltando a garota — grito e ela sai pela porta vestida
de abelhinha.
— Muito bem, você se vestiu de abelhinha — divago levando a mão
á cintura — Tá bom assim. Vamos que estamos um pouquinho atrasadas
— entro com ela no banco detrás e Kurt dá a partida enquanto tranço os
cabelos da pequena no trajeto.
Assim que paramos em frente ao colégio, desço do carro e despacho
ela pelo portão, como uma mala num aeroporto.
Ela me abraça e diz que sou boazinha e eu volto para o carro
suspirando.
— Por pouco.
— Por pouco você não se atrasa né — Kurt gargalha.
— Esse será nosso segredo — comento e Kurt assente.

De volta á casa, me vejo sem saber o que fazer. As empregadas


como sempre estão na cozinha e a casa não precisa de reparos na
limpeza. Então fico sem saber o que fazer para me ocupar. Fico alguns
minutos sentada na poltrona do senhor Whitmore na sala, levando em
conta que talvez essa seja minha única oportunidade de me sentar
naquele trono e aproveito para pensar um pouco no que ele me disse
ontem. Sobre ter me escolhido.
Passei a noite inteira tentando decifrar o que ele quis dizer com isso,
já que, sempre usa um segundo sentido para o que fala. Mas dessa vez
eu não consigo achar outra forma, a não ser romantizar o que ele disse.
Ou ironizar.
Foi você quem escolhi para infernizar nesse mausoléu.
Está decidido, a segunda opção é mais válida para o contexto.
Ele adora me desafiar e eu também sei que o desafio de alguma
forma. Ele mesmo disse que não estava acostumado com as minhas
afrontas. Mas o que posso fazer? Ir embora? Eu nem tenho para aonde ir,
já começa por aí. Então se ele precisa de mim e eu não tenho para aonde
ir, ele terá sim que me aturar.
Às vezes parece que estou presa aqui, mas a verdade é que tenho
fugido de todos os outros problemas que estão do lado de fora dos
portões dessa casa. Addam não pode me achar aqui, nem minha mãe,
nem nenhum problema que eu precise lidar se sair daqui.
E sim, eu me sinto uma covarde por isso, porque sei que terei que
encarar eles, uma hora ou outra.
Estou exausta, não tenho conseguido dormir direito e por ficar com
Lya a noite passada, meu corpo está dolorido por ela ter ficado nos meus
braços. Na verdade, minha exaustão não vem apenas pelo físico, mas
também pela parte mental. Parece que foi só voltar a pensar em tudo o
que aconteceu que sinto voltar um enorme fardo nas minhas costas.
Só de pensar em todas essas pessoas tóxicas que me rodeavam.
Addam, Jenna, minha mãe, a minha supervisora lá da WTM. Tenho a
sensação que só esses dias que fiquei longe deles, mesmo que seja
passando raiva com o senhor Whitmore e Joanna no meu pé, tenham
sido bom para mim.
E agora estou começando a afirmar que realmente, eles me faziam
mal estando tão perto.
Pessoas tóxicas são assim, e você só percebe isso depois que elas
consumirem todas as suas energias, seu estado mental.
Você descobre que uma pessoa é tóxica para você, quando pensar
nela e só vierem problemas na sua cabeça. Só preocupações, cansaço
mental, estresse e vontade de sumir.
E é exatamente assim que me sinto quando penso neles e sim, se
for covardia querer me esconder deles, ou querer ignorá-los, então sim,
eu sou uma grande covarde.
Com estes pensamentos, acabo por cochilar sentada na poltrona
confortável do senhor Whitmore, mas meu cochilo dura pouco e eu
desperto num sobressalto, assim que ouço Joanna abrir a porta da
entrada da casa bruscamente.
— ABELHINHA JANE?! VOCÊ VESTIU A GAROTA DE ABELHINHA
NO DIA DO UNIFORME?!
|13|
|“Pelo visto você é boa mesmo nesse ramo de ser mandada embora
de um emprego” – Aidan Whitmore.

Meu pé bate freneticamente no chão enquanto na sala espero


Joanna que tenta conversar algo com o Senhor Whitmore dentro de seu
escritório.
Por fim ela sai e eu endireito a postura, mas aí invés dela surgir
nervosa como um leão, é o Senhor Whitmore quem sai.
— Jane,
— Antes que você diga qualquer coisa, eu sinto muito, eu acordei
atrasada e deixei ela vestir qualquer roupa, me desculpa, sinto muito, eu
não queria...
— Kurt já pegou suas malas, estão no carro — ele me corta e eu
ergo as sobrancelhas — Não vamos precisar mais de você — e dá as
costas sem dar a menor chance de me justificar.
O Senhor Whitmore entra de volta em seu escritório, bate a porta, e
Joanna sai em seguida.
— Sinto muito Jane — ela diz caminhando até a grande porta, abre a
mesma e espera que eu saia.
Fui mandada embora de um emprego que eu nem havia sido
contratada.
Por que estou triste por isso?
Hesito antes de sair. Mas saio em silêncio e vou até Kurt que me
espera em seu carro.
— Nossa, — digo assim que Kurt da á partida no carro.
— Onde você quer ficar senhorita Johnson? — Kurt pergunta.
— Não sei, eu... Não tenho um lugar — suspiro e vejo o mesmo
contrair a mandíbula — Mas pode me deixar na casa da minha amiga,
vira aqui, por favor — digo apontando a direção para ele.
— Primeira vez que você diz algo séria — Kurt comenta tentando
descontrair a situação.
— Obrigada Kurt, a gente se vê — digo descendo do carro e ele
desce logo em seguida para pegar minhas malas.
— A gente se vê ruiva — sorrio minimamente para ele e toco a
campainha da casa de Amanda enquanto Kurt da á partida no carro.
— Jane? — Amanda diz assim que abre a porta, eu suspiro
enquanto ela dá uma breve olhada para minha mala ao meu lado e me
puxa para entrar — O que houve?
— O que houve é que ele me mandou embora só porque eu deixei
ela se vestir de abelhinha no dia do uniforme do colégio. Não estava tão
ruim assim. Ele nem deixou que eu me explicasse — respondo num
suspiro — E só agora me dei conta que não tenho mais nada
Amanda. Eu estava lá sem eu querer e agora percebi que não estava lá
porque não queria, eu estava lá porque não tinha escolha, e agora eu não
sei o que fazer. Não quero voltar para aquele apartamento, nem para
casa minha mãe, nem atrapalhar você aqui — me desespero e cubro o
rosto com as mãos sem saber o que fazer, e Amanda me abraça me
acalmando.
— Calma Jane, você pode sim, ficar aqui. Vamos dar um jeito. Tem
vários lugares precisando de gente para trabalhar aqui no centro,
podemos arrumar algo para você, e não precisa voltar para o
apartamento. Conversa com Addam para vocês venderem e dividirem a
grana — ela começa a dar sugestões enquanto caminha até o filtro de
água e pega água para mim — Esse Whitmore também, parece que
nunca viu a filha vestida de abelhinha, eu ein — ela se senta á mesa
junto comigo — Você foi mandada embora não foi? Dá para você ir se
mantendo com seu seguro desemprego até arrumar algo. Você pode ficar
aqui por enquanto, não vai atrapalhar — ela diz e eu arqueio a
sobrancelha.
— Espera, mas eu não... Eu não assinei carta de demissão, então...
AINDA TENHO AQUELE ESTÁGIO — anuncio — Vou ligar para Mabel
— digo desbloqueando o celular.
— Johnson?
— Mabel? Sou eu, hã, eu... Ainda tenho um emprego certo? — vou
direto ao ponto me levantando da cadeira apreensiva.
— Emprego? VOCÊ SIMPLESMENTE DESAPARECE DO MAPA E
ACHA QUE AINDA VAI TER UM EMPREGO SE FUGIR E NÃO
ASSINAR SUA CARTA DE DEMISSÃO JANE JOHNSON?! — ela berra e
eu encolho os ombros.
— Eu...
— Estou te esperando desde a semana passada para vir dar baixa
na sua carteira.
— Tá bom eu... Amanhã eu posso ir aí... Cedo — sinto novamente o
nó na minha garganta se formar e ela desliga na minha cara — É, eu
acho que agora estou oficialmente sem nada — anuncio e Amanda
suspira me abraçando novamente.

No dia seguinte, acordo antes do despertador tocar. Na verdade, não


consegui dormir preocupada com o que vai ser de mim daqui para frente.
Mas já decidi. Vou procurar outro estágio, ou outro emprego. Não
quero ter que levantar a hipótese de ter que me humilhar para Addam
vender aquele apartamento ou ter que voltar para lá.
Engulo o seco assim que chego na editora e levanto a cabeça como
se realmente não precisasse desse emprego.
Kurt trouxe meu carro na noite passada e eu dirijo ele até a WTM,
caminho até o elevador e me direciono até o RH, bato na porta aonde
Laura deveria estar sentada, porém, ninguém abre a porta e eu bato
novamente.
O que ela está fazendo? Aqui sempre está vazio.
Bato na porta.
— Posso entrar? É só para assinar a droga da minha demissão,
aliás, fui demitida duas vezes — comento para outra pessoa ali na fila de
espera enquanto abro a porta — Demitida duas vezes, pela mesma
pessoa — entro na sala soltando um leve riso irônico — Bom, pelo menos
eu posso te contar o quanto o dono disso aqui é um mala — fecho a porta
atrás de mim e quase me entalo quando percebo que Laura está em
reunião.
Ela, mais alguns homens de terno e o moreno dos ombros largos e
fortes que me olha como se quisesse dizer você de novo?
— Ai cacete me desculpa gente, eu...
— É, pelo visto você é boa mesmo nesse ramo de ser mandada
embora — o Senhor Whitmore diz num resmungo e eu bato a porta atrás
de mim, correndo até o elevador para sair dali imediatamente antes que
ele me alcance.
|14|
|“É péssima em disfarçar a vontade que você está para eu te pegar
aqui “ – Aidan Whitmore.

Meu coração nunca bateu tão depressa, e o elevador nunca


demorou tanto para chegar.
— Por que está com tanta pressa de ir embora? — gelo com a voz
do Senhor Whitmore bem atrás de mim.
Distancio-me do botão e dessa vez é ele quem aperta, e o elevador
se abre para que ele entre. Eu por minha vez, estou igual uma estátua
sem saber como me mexer.
— Não vai entrar? — ele questiona.
— V-Vou, — digo entrando e respiro fundo quando a porta se abre,
como se ela fosse fechar toda a entrada de ar e eu tivesse que ficar com
a respiração presa.
Tudo bem Jane, ele nem deve ter escutado, está agindo da mesma
forma estúpida de sempre.
— Já ouvi coisas piores sobre mim — ele quebra o silêncio no
elevador e eu me engasgo.
— Então tudo bem? — ele assente.
— Não vou te ver nunca mais mesmo, não me importo com o que
acha de mim — reviro os olhos.
— Se é assim então, sim, você é um mala — o afronto.
— E você é uma desajeitada. Não sabe fazer nada direito.
— Infelizmente eu só aprendi a tratar as pessoas com gentileza, ao
contrário de você — digo apontando o dedo para ele que se coloca sobre
a parede de modo sarcástico.
A porta se abre, mas eu o impeço de sair e aperto o botão do 12.º
andar de novo.
Não vou deixá-lo sair impune, não mesmo. Vou embora mesmo, não
tenho nada a perder.
— Só aprendeu isso mesmo, porque é péssima no resto — ele
retruca e abro os lábios, porém eles não saem som, estou boquiaberta
com sua ofensa — É isso mesmo, uma desajeitada e… — ele faz uma
pausa se aproximando de mim que dou um passo para trás — Uma
péssima Babá, e… No que mais? — ele dá mais um passo me deixando
ilhada, encostada no ferro de apoio do elevador — Uma péssima
motorista também — ele finaliza já tão perto a ponto d'eu sentir sua barba
rala raspar na minha bochecha, a minha respiração se desregula, e eu
tenho certeza, de que ele vai me beijar.
O Senhor Whitmore olha para minha boca, eu olho para a dele e por
Deus, eu nunca quis tanto isso. Sei que não deveria, porque temos uma
rixa, mas o cheiro do seu perfume é inebriante, quase impossível de
passar imperceptível e seu toque firme faz meu coração disparar, quase
podendo sentir uma corrente elétrica percorrer meu corpo.
— É péssima em disfarçar a vontade que você está para eu te pegar
aqui — contraio a mandíbula e empurro seu peito para longe, assim que
a porta do elevador se abre, e alguns executivos entram apressados e eu
saio correndo de volta para o RH, segurando meu vestido rodado de
tecido fino. E tenho certeza que ele está olhando de longe.
Por Deus, ele está me olhando fugir igual uma criança.
|15|
|“Habilidade: Consigo fazer quantas coisa me pedirem.
(PS: Faço tudo mal feito)” – Jane Johnson.

Ajeito meu blazer, prestes a entrar na pequena sala, nos fundos


do Time's Coffe, um café no centro da Time Square onde está sendo
realizado as entrevistas para garçonete.
A semana passou rápido, e a única vaga que fui selecionada de
todas as candidaturas que fiz, foi essa e no momento, eu preciso desse
emprego se eu quiser sobreviver. É uma questão de vida ou morte.
— Estou indo para a WTM, se não, serei a próxima a ser mandada
de embora de lá. Me liga depois para me atualizar do que aconteceu,
certo? — Amanda diz se despedindo.
Encaro meus pés ao deparar-me com uma pequena fila de outras
meninas.
Aos poucos a fila diminui e minha vez se aproxima.
— Jane Johnson? — uma mulher loira de óculos quadrados e
expressão dura no rosto anuncia com uma prancheta e eu faço um sinal
com a mão.
Ela solta um leve riso me olhando de cima a baixo, reparando
minhas roupas um tanto formais, mas não diz nada, só faz um sinal para
que eu a siga até o fim do corredor e eu a acompanho até a última porta
aonde ela bate uma só vez e abre a porta me colocando lá dentro.
— Jane Johnson? — assinto me sentando na cadeira a frente de
uma mesa e um homem de mais ou menos 40 anos, barbudo, barrigudo
e eu juro por Deus que se ele respirar com muita força os botões da
camisa xadrez dele vão voar por esta sala.
— Com licença — digo colocando minha bolsa no colo e ele me
encara por alguns minutos.
A barba dele é horrível, toda falhada e a sobrancelha dá para fazer
uma trança de tão grande que está.
Grrr! Quero sair desse lugar quanto antes.
— Por que você veio em busca dessa vaga? — ele questiona e eu
contraio a mandíbula.
Devo ser sincera? Ou mentir?
Droga eu devia ter me preparado para isso.
Consegui o estágio escrevendo uma redação, não teve esse tipo de
pergunta. Nem um velho gordo me olhando com segundas intenções.
— Eu… Estou precisando e…
— Formada em Letras? — assinto enquanto ele analisa meu
currículo — No que você acha que sua faculdade vai ajudar sendo uma
garçonete?
— Na verdade, eu não… — me interrompo — Garçonete precisa se
comunicar com o cliente e eu tenho um bom vocabulário e sou bem…
comunicativa — pauso minha fala assim que o vejo gargalhar com minha
resposta — Desculpa, não entendi — me refiro ao por quê dele estar
rindo e ele encontra uma posição melhor para se sentar.
— Quantos anos você tem gracinha?
— Tenho 25 anos — respondo.
— Bom, você pode começar amanhã — ele responde e eu pigarreio
surpresa.
Quê?
— Você é bonitinha — ele se levanta abre a porta e chama a loira
que me espera lá fora — Beatrice, dispensa essas outras aí, a vaga é da
ruiva — ele diz para a loira e ela ri pelo nariz.
— Essa aí? — ela debocha — Tudo bem, vem comigo ruiva — ela dá
as costas fazendo com que eu a siga novamente — Quais são suas
experiências? — ela questiona e eu dou os ombros.
— Trabalhei na editora WTM — Beatrice me dá passagem por uma
porta e assim que passamos por ela, vejo se tratar do lugar aonde é feito
os pedidos dos clientes.
— E fazia o que lá? — ela pergunta enquanto passamos por um
corredor de máquinas de café.
— Revisava livros, mas — antes que ela gargalhe, completo — E
servia café também.
— Nenhuma experiência, ótimo — ela resmunga — Bom, aqui é
onde preparamos os cafés. Cappuccino expresso de chocolate, chá
gelado — ela começa a falar enquanto anda e passamos por mais outra
porta — Aqui é a confeitaria, onde é preparado tudo o que for doce,
desde as rosquinhas á bolos temáticos — ela atravessa o lugar aonde
algumas mulheres correm para lá e para cá com aventais com o logotipo
da Time's coffe — Aqui fica a parte dos gelatos, e naquela tela lá em cima
aparecem todos os pedidos dos clientes. A cor marrom você precisa
saber que é café, cor rosa, confeitaria, e cor azul gelato. Você vai receber
um tablet, é só clicar na cor do pedido que ele mostrará a você,
quantidade e o que está sendo pedido. Nosso tempo de espera é de
cinco a dez minutos dependendo da porção do pedido. Os pedidos serão
colocados no balcão de pedidos. Todas as mesas precisam estar limpas
na chegada de novos clientes, eles precisam ter lugares para escolher
entendeu? Cada mesa tem um número, no pedido vai constar isso
também, com o tempo você decora onde fica cada uma, seu uniforme é
esse. — ela me entrega um avental, uma saia e sapatos eu assinto e ela
sorri — Espero que goste. Estamos precisando de garçonete urgente
então você começa agora. Tem cara de ser esperta, não irá precisar de
treinamento — Beatrice diz — Vá vestir seu uniforme — ela ordena e
aponta para uma portinha que julgo ser o vestiário.
Minha saia é curta e eu tive que subir ela ainda mais para conseguir
andar de tão apertada que está, a blusa por baixo do avental está quase
me deixando com falta de ar, o avental foi o único que salvou, já que eu
consigo disfarçar pelo menos a parte curta da frente.
Preciso me atentar quando for me abaixar. Aliás, preciso de outro
uniforme maior.
O café fica escondido numa rua estreitinha perto da avenida. A
entrada é bonita, olhando assim nem parece que o dono do lugar é um
gordo nojento que escolhe garçonetes porque o fazem rir, nem que quem
trabalha no lugar não tem, nem um tipo de treinamento ou um uniforme
digno.
Por Deus, aonde fui me meter?
Calma, preciso focar no por quê estou aqui. Preciso desse dinheiro.
— Jane! Vai logo, estão reclamando da demora! — Beatrice que
agora com crachá escrito gerente, berra lá de dentro enquanto olho ao
meu redor com a bandeja na mão, o tablet de baixo do braço e o pano de
limpar as mesas no ombro.
Alguém me ajuda.
|16|
|“E ainda não sei por que estou pensando tanto nele e em seus
caprichos. Quanto tempo será que vai levar até ele se tornar uma vaga
lembrança na minha memória?” – Jane Johnson.

Coloco-me de frente ao espelho e suspiro, estou quebrada, não


aguento mais nenhum segundo neste lugar.
Aproveito meus poucos minutos da hora de almoço para me trancar
no banheiro e tentar dizer para mim mesma olhando de frente para o
espelho, que irá ficar tudo bem.
Beatrice é bem pior que Mabel. Ela não me deixa respirar nem por um
minuto. Ao contrário de Mabel que só me gritava quando eu se esquecia
de organizar a sala, ou deixava minhas coisas jogadas, ou quando
confundia a garrafa de café com a de chá.
Apesar de que Mabel sempre parecia estar estressada com algo mais.
Ela é uma senhora de mais ou menos quarenta e cinco anos, que tem
cabelos os crespos sempre presos num coque, a pele negra dela é tão
perfeita que a mesma não precisava de tanta maquiagem, e sempre
fiquei imaginando como não deveria ser seu guarda-roupa, ou devo dizer
closet, já que a mesma nunca repetia blazer, nem saia lápis.
Sinto falta dela sempre segurar o riso quando me atrapalhava com
algo, ou às vezes do tanto de nervoso que passava, acabava por rir e
balançar a cabeça para mim.
Dava para ver que, no fundo, ela tinha problemas familiares, e
descontava em mim, e, ao mesmo tempo, eu a divertia.
Já Beatrice, dá para ver em como ela se esforça para manter o
estabelecimento no lugar. Ela é dedicada, mas por Deus, ela se acha
superior a todo mundo aqui.
Mas entre essas duas, ainda prefiro Joanna, a governanta da casa do
Senhor Whitmore.
Ela não é de gritar, apesar de sempre me olhar como se estivesse
gritando internamente. Sempre me olha como se quisesse dizer eu não
acredito que você fez isso. Dou risada com este pensamento e me olho
no espelho.
Não imagino com deve ser difícil para eles liderar, sempre manter a
mesma postura, saber lidar com os problemas que aparecem. Entendo
que muitas vezes os problemas em casa podem acabar se tornando em
evidência e pode ser muito difícil para eles saber separar, mas alguém
que devo confessar ser impecável nesta parte é o senhor Whitmore.
Ele é centrado e nunca vi sua postura mudar independente do que ele
vive em sua vida pessoal. Ele está sempre neutro e lida individualmente
com cada problema. Apesar de ser um estúpido, ele nunca deixa a
emoção falar mais alto.
Se bem que até certo ponto isso pode se tornar algo negativo, se ele
não souber lidar diferente com os problemas de sua vida pessoal. Ele age
com as pessoas como se mandasse nelas, como se elas não pudessem
opinar e sua vontade sempre precisasse prevalecer. E ainda não sei
porque estou pensando tanto nele e em seus caprichos. Quanto tempo
será que vai levar até ele se tornar uma vaga lembrança na minha
memória?
Mas eu não ligo. Eu nem trabalho mais para ele e nem precisarei mais
lidar com seu jeito irritante.
Estou com frio e só quero vestir meu sobretudo quentinho. Beatrice
não me deu outro uniforme maior alegando não ter, mas me pergunto até
agora onde estão os outros uniformes já que neste lugar a única
garçonete é eu. Aliás, eu acredito que nem deve ter, eles devem ser
acostumados a contratar meninas magrinhas com muita disposição, mas
quer saber, eu estou mesmo enferrujada para isso.
Estou em choque, acabei de derrubar o pedido no cliente.
Por Deus, não é possível que eu não vá aguentar um dia aqui.
Quero chorar, por Deus, como quero, mas uma batida brusca na porta
faz com que eu sobressalte.
— Johnson! Tem pedido acumulado, você não vai dar conta! —
Beatrice anuncia e eu engulo o choro e assinto mesmo sabendo que ela
não pode ver.
Saio do banheiro e volto para a correria, mas dessa vez resolvo me
desdobrar para cada tarefa.
Primeiro entrego todos os pedidos acumulados, em seguida limpo as
mesas vagas, guardando o tablet na cintura e suspiro respirando um
pouco até o próximo pedido ficar pronto, o expediente está chegando ao
fim e o movimento no estabelecimento está mais tranquilo.
Aproveito que o último cliente saiu e limpo a mesa, levando a bandeja
com os pratos até a cozinha aonde Cecília uma mulher de mais ou
menos trinta anos recolhe com um sorriso no rosto, ela sempre sorri para
mim quando me vê, mesmo que já tenha sido a milésima vez que estou
levando mais louça para ela lavar.

Não me lembrava como era ficar assim quebrada depois de um longo


dia no trabalho.
Com o sobretudo no braço, e a chave do carro na mão, destravo a
porta do carro e demoro meia hora para tirá-lo da vaga que havia
colocado.
Dou uma leve batida antes de entrar na casa de Amanda e ela pausa
a série, animada para me perguntar como foi o primeiro dia no trabalho,
mas faço um gesto para que ela nem comece.
— Foi um pesadelo — digo antes que ela diga qualquer coisa.
|17|
|“Não é possível que eu esteja destinada a só me dar mal na vida.” –
Jane Johnson.

Segundo dia.
Suspiro antes de bater a porta levemente para não acordar Amanda.
Entro em meu carro, ele está na reserva e penso por um momento se
devo sair com ele ou não. Mas acabo por arriscar, não vou conseguir
chegar na hora se for de ônibus e o café não é tão longe assim que a
reserva não aguente ir e voltar.
Por um momento amaldiçoo a Time's Square, nunca odiei tanto um
lugar movimentado como estou odiando o movimento do café.
Mas para a minha alegria, hoje tem mais duas meninas com o mesmo
uniforme que o meu, já estão à todo o vapor quando chego o que me faz
pensar que estavam de folga ontem. Agradeço pela presença delas
mentalmente.
— Você é a novata? — assinto para uma baixinha de óculos
quadrados que passa por mim com uma bandeja com duas xícaras de
café — Sou a Nanda. Vai para máquina de café, o Patrick faltou hoje —
Já enviei os pedidos, são três cappuccinos expressos, um café forte, e
chá gelado — ela aponta para a tela de pedidos.
— Eu não sei mexer naquilo — digo, mas ela dá as costas e vai
atender outras pessoas.
Outra magrela, do braço tatuado se aproxima de mim, soltando um
leve riso.
— Relaxa ruiva, é só apertar o botão, acrescentar açúcar e esperar
ele sair. É só por nas bandejas e por no balcão, eu sou Tânica, se
precisar é só gritar socorro — Tânica dá as costas, apressada para limpar
uma das mesas livres.
Bom, pense pelo lado bom, Beatrice ainda não chegou, e eu só
preciso apertar um botão.
Hoje será mais tranquilo, pode acreditar. Vai dar tudo certo. Tem duas
garçonetes para ajudar. Vai dar tudo certo.
Digo para mim mesma olhando para o telão dos pedidos e aperto o
primeiro botão que indica chá gelado.
Respiro fundo enquanto espero a bebida sair e sinto algo gelado cair
no meu pé.
Ué.
Tem chá gelado caindo no meu pé.
No meu pé.
Meu Deus.
Olho para onde está saindo o chá e me bato mentalmente.
O copo.
Faltou colocar o copo.
— Tá legal. Calma — digo para mim mesma apertando novamente o
botão esperando que pare de cair chá no chão, mas ao invés disso, leio
no visor da máquina não retire o copo até que o seu chá fique pronto.
Desisto do chá e vou para o outro pedido, Cappuccino expresso.
Coloco o copo de baixo e leio no visor não retire a xícara até que seu
cappuccino fique pronto.
Cacete, tem que ser xícara para esse.
Estico a outra mão para pegar uma xícara enquanto com a outra
mantenho o copo em baixo da máquina que despeja o cappuccino e
troco, mas no momento em que despejo na xícara, a espuminha de cima
some e eu solto um grunhido.
Droga.
Encontro uma caixa de leite ali ao lado de jogo um pouquinho na
xícara, mas esqueço que ele está gelado.
Em uma tentativa de desespero coloco a xícara sobre o motorzinho de
bater Milk shake e a espuma sobe de novo e cai tudo no chão com a
pressão do motor que meche o leite e o café.
Tá, é melhor fazer outro, esse deu merda.
Coloco a xícara em cima do balcão e pego outra.
Vamos do zero.
Vai dar tudo certo.
Esse foi só o primeiro Jane, não é possível que você não saiba
segurar uma xícara e esperar sair café.
Respiro fundo e pressiono o botão de Cappuccino expresso.
Coloco a xícara de baixo.
Espero sair.
Espuminha do leite, okay.
Quentinho, okay.
Sem lambança, okay.
Primeiro pedido concluído com sucesso.
Agora, é só colocar no balcão de pedidos.
Viro-me para o balcão e coloco a xícara.
Não, espera.
Coloquei a primeira tentativa que deu ruim aqui.
No balcão de pedidos prontos.
Cadê aquela lambança que eu fiz?
Meus olhos se arregalam.
Tânica pegou a xícara.
— Não… Não… Não… — digo para mim mesma a cada passo que
ela dá até a mesa do cliente.
Meu Deus! O cliente.
Sinto minha respiração ficar cada vez mais desregulada assim que
vejo quem está sentado na mesa, minhas pernas fraquejam e eu fecho os
olhos fortemente.
Whitmore.
Tânica coloca a bandeja em cima da mesa dele e o vejo agradecer
com um gesto de cabeça, levar a xícara à boca com a maior classe e
fazer a cara mais feia que já vi alguém fazer bebendo café.
— MAS QUE CARALHO É ISSO AQUI?! — o ouço ele dizer
cuspindo o conteúdo de volta na xícara.
Não é possível que eu estou destinada a só me dar mal na vida.
|18|
|“Porque, meu bem, agora nós temos um rixa. Você sabe, isso
costumava ser um amor louco, então dê uma olhada no que você fez.
Porque, meu bem, agora nós temos uma rixa” Bad Bood/ Taylor Swift.

Já passou por um momento da sua vida que sentiu sua alma sair
correndo do corpo, mas viu que o corpo ficou parado e teve que voltar?
Eu podia ver minha alma olhando para meu corpo paralisado com a
situação e falando assim para ele “Vamos fugir, você está magra, dá para
passar pela entrada de ventilação.”
Mas eu não passo pela entrada da ventilação e a cada minuto que
passa, eu fico cada vez mais em choque ao ver que Tânica não saber o
que falar. Todos no estabelecimento olham para eles e o Senhor
Whitmore se levanta irritado.
— Onde está o gerente desse lugar? Que merda é essa que vocês
me fizeram? É uma brincadeira? — Tânica arqueia a sobrancelha.
— O que tem de errado senhor? — ela pergunta dando um passo
para trás e ele ri em deboche.
— Toma aí, essa merda que você me trouxe — ele estende a xícara
para ela que hesita.
Mas que droga ele está fazendo?
Vejo Tânica provar e arregalar os olhos.
— Me desculpa eu… Ãh, vou mandar fazer outro para o senhor, por
conta da casa. Sinto muito mesmo — ela diz envergonhada.
Droga, quando fazemos alguma cagada e Beatrice, a gerente se
desculpa falando que vai dar outro por conta da casa, significa que vão
descontar do salário de quem fez a cagada.
E Tânica não fez nada, fui eu.
— Eu não quero outra merda dessa, eu quero falar com a gerente
desse lugar — o Senhor Whitmore insiste.
— No momento ela ainda não chegou — Nanda a baixinha se
aproxima também tentando acalmar a situação.
— Você é nova aqui né — ele diz para Tânica, e posso ver todos os
outros clientes experimentarem seus pedidos receosos — Com certeza é.
Como contratam uma pessoa como você, que não sabe fazer a merda de
um simples café — ele repousa a xícara sobre a mesa com força e
Tânica dá mais um passo para trás.
O que ele pensa que está fazendo? Pelo visto o braço dele que
estava quebrado já está melhor.
— Sabe limpar essa merda pelo menos? — ele diz e todos arregalam
os olhos boquiabertos vendo a humilhação de Tânica.
Ah não. Não é para tanto. Foi só um café gelado com gosto de Milk
shake de menta.
Deve ter coalhado.
Mas e daí, ele merece outro braço quebrado.
— Quem vai limpar essa merda aqui é você — indago saindo de trás
do balcão secando a mão suja de leite no pano de prato.
Tânica tenta me barrar para que eu deixe quieto e Nanda me alerta
sobre o número de clientes ainda no estabelecimento, mas eu as ignoro e
caminho até ele, que em parte, está surpreso ao me ver.
— Você acha que é quem para humilhar ela assim na frente de todo
mundo? — ele contrai a mandíbula olhando ao redor e todo mundo olha
para nós, amando o ‘show’ em plenas 09 horas da manhã.
— Arrumou um empreguinho? Aliás, foi você né, incompetente e
selvagem como sempre — ele retruca debochando de mim e eu cerro os
punhos.
— Esqueceu do braço quebrado que te dei de presente né, meu carro
está ali do outro lado da rua se quiser ganhar outro — retruco — Pede
desculpas para ela.
— Pedir desculpas pela merda que você preparou para mim?
— Não foi culpa dela, foi minha, não precisa desse ‘show’ todo, era só
um café.
Nanda tenta me puxar dali, mas permaneço firme.
— Só um café, que, aliás, você não sabe fazer — ele ressalta.
Pego a xícara da mão de uma cliente ali ao lado e jogo no terno dele e
por um momento me assusto com minha atitude.
— Seu mal é achar que eu tenho vergonha de ser quem eu sou —
digo entre dentes.
Sendo otimista, ainda bem que não foi na cara se não ia queimar.
Perco o emprego, mas não perco a oportunidade de dar o que ele
merece. Solto um leve riso com esse pensamento e todo mundo arregala
os olhos.
— Não era café que você queria? — permaneço firme.
— Jane, o que… — ele diz ainda boquiaberto com o que fiz, olhando
sua roupa agora suja de café.
— Jane, você está louca? — Tânica consegue me puxar dali.
— Mil desculpas senhor, a gente vai… Vai dar um jeito… — Nanda se
desespera.
— Não vamos nada. Ele é um imbecil rico. Ele não precisa de
ninguém para cuidar dele não. Ele se vira, esse palhaço arrogante —
indago enquanto Tânica me puxa lá para dentro.
— Você está louca, Jane? — ela me repreende levando a mão á
cabeça — Você vai ser mandada embora. A Beatrice vai chegar e vai nos
matar. O café vai ficar mal falado. Esse homem é rico, ele pode mandar
fechar isso aqui — ela diz andando de um lado para o outro, desesperada
— Você tem problemas psiquiátricos menina? Da onde você conhece
ele? Você quebrou o braço dele? Ele é seu ex? — por um momento solto
um riso para o questionário dela e nego.
— Ex-chefe. Ele me demitiu duas vezes — reformulo a frase.
— A Beatrice vai chegar e…
— JANE JOHNSON! — ouço a voz de Beatrice ecoar pelo
estabelecimento inteiro.
|19|
|“Nunca mais. Repito. Nunca mais vou fazer barraco (e já estou
pensando no assunto para o próximo)” – Jane Johnson.

Nunca tive tanta certeza que uma pessoa não gosta de mim como
tenho de Beatrice.
Nunca achei que ela conseguiria me olhar com mais ódio do que
antes.
Nunca achei que seria mandada embora tão rápido de um emprego
como fui desse.
Nunca achei que seria capaz de fazer o que fiz. E agora que a
adrenalina passou, minha fixa caiu e estou abismada comigo mesma.
Nossa, eu sou mesmo uma barraqueira e nunca estive tão orgulhosa
e triste ao mesmo tempo.
Não vejo a hora de contar para Amanda.
Beatrice consegue amenizar a bagunça do café e me mandou embora
no final do expediente.
Por Deus, eu perdi mesmo meu emprego.
Por um momento tinha me esquecido que precisava me manter aqui
se quisesse sobreviver.
Nunca mais. Repito. Nunca mais vou fazer barraco.
Já dei o troco no Senhor Whitmore e provei para ele que sou uma
selvagem de classe baixa que defende a amiga mesmo que a única coisa
que saiba sobre ela é o nome.
Gargalho sozinha me lembrando dele sujo de café.
Ele teve o que merecia.
Imagine ele chegando em casa e Joanna o vendo todo sujo de café,
daria tudo para vê-la segurar o riso enquanto ele conta que fui eu a
responsável.
Recolho minhas coisas de meu armário no final do expediente e ajudo
Tânica a fechar o lugar.
Viramos a plaquinha do estabelecimento para fechado e gargalhamos
relembrando o episódio do começo da manhã.
— Você é uma estabanada mesmo menina — Nanda diz se
despedindo — Se cuide viu — sorrio como agradecimento e aperto o
controle automático de meu carro, mas não escuto ele apitar para
destravar as portas.
— Cadê o meu carro? — me viro para onde eu havia estacionado ele
e meu coração dispara — Ah não, só pode ser brincadeira cacete — levo
a mão a testa — Roubaram meu carro — anuncio — Ótimo, roubaram
meu carro — gargalho de nervoso — Seja lá qual macumba fizeram para
minha vida dar errado, já é hora de parar — digo para mim mesma.
— Chama a polícia Jane — Tânica diz preocupada — Tem certeza
que estacionou ali?
— É um carro, Tânica, um carro. Você nunca esquece aonde
estaciona o próprio carro. Ele estava ali. Por Deus aquele carro é a única
coisa que tenho — me sento na calçada sentindo meus olhos
lacrimejarem de nervoso — Por que levariam meu carro? Ele é tão
velhinho gente, o pára-choque estava amassado, a lataria meio
arranhada, mas era meu carro. Estava na reserva e o banco estava
manchado de sangue atrás, tem tanto carro melhor. Olha aquele? Por
que não levaram aquele vermelho ali? Aposto que o dono deve pagar um
seguro. Seria tão mais fácil para ele arrumar outro — choramingo e
Nanda, e Tânica se sentam ao meu lado.
— Por que estava manchado de sangue? — Nanda pergunta.
— Porque atropelei aquele imbecil e levei ele pro Hospital de carro
depois e… Espera, — me levanto da calçada — Foi ele, — ajeito minha
bolsa sobre o ombro e o sobretudo no braço — Obrigada por tudo
meninas — me despeço as pressas, mas elas me barram.
— Onde você está indo Jane?
— Buscar meu carro, tenho certeza que foi aquele imbecil — digo
entre dentes.
— Jane, para de ser doida, roubaram seu carro, você tem que ir á
delegacia. Para quê o Senhor Whitmore faria isso? — Nanda tenta me
frear, porém eu a ignoro.
— Porque ele sempre quer sair ganhando — digo dando as costas —
Eu vou buscar meu carro e podem apostar que vou passar por cima dele
de novo.
— Se precisar de mim, estarei em meu quarto — assinto para Joanna
que apaga as luzes e antes que eu me recolha para meu quarto, dou uma
passada no quarto de Lya.
Minha pequena já está dormindo. No teto vejo refletir as estrelinhas do
abajur aceso e eu me sento na beirada da cama para cobri-la.
Suspiro observando ela dormir.
Igualzinha á mãe.
Contraio a mandíbula e me levanto.
A casa está silenciosa e eu desço as escadas. Joanna já se
encarregou de deixar tudo trancado. Já apagou as luzes e as
empregadas já foram embora.
Odeio ver essa casa assim, enorme, vazia e em silêncio. Sinto falta
das coisas como eram antes e por mais que eu tente, sei que nunca vou
conseguir trazer isso de volta.
Já mudei a decoração, os móveis de lugar, trocar os quadros,
contratar pessoas para vir trabalhar aqui, mas tudo sempre volta depois
de um tempo, para a mesma estaca zero.
Penso em como será quando minha pequena crescer. Por Deus, a
Lya vai crescer, vai virar uma mulher igual á mãe dela e irá quebrar
minhas regras, vai ir embora e eu ficarei aqui sozinho. Não vou mais
precisar dos serviços de Joanna, talvez de uma empregada para limpar a
casa, mas a casa vai ficar, porque sempre fica. Essas paredes sempre
vão ficar, para me lembrar de como as coisas eram antes e por mais que
pessoas se vão, por mais que os móveis mudem, eu nunca vou conseguir
mudar isso.
Tomo um gole de whisky e caminho até o cercado que leva á minha
plantação de roseiras. Acendo a luz amarelada do poste de iluminação e
me sento na beira do chafariz com o anjo no meio e acabo por soltar um
leve riso desativando o sistema automático que rega as rosas, por um
momento posso ver a ruiva correr no meio deles espirrando água nela.
Em seguida, me frustro.
Ela jogou a droga de uma xícara de café em mim.
Aquela ruiva qualquer dia desses vai me fazer perder completamente
a cabeça. Se já não fez. Olho para o lado e solto um leve riso para o
carro no meio das rosas.
Que droga foi essa que mandei fazer?
Pára-choque amassado, lataria arranhada.
Entro colocando antes o copo de whisky em cima do capô.
O banco de trás está manchado com meu sangue, tem alguns livros
de auto ajuda para quem está solteira e um batom jogado no painel. No
porta-luvas algumas moedas de pouco valor, uma aliança com o nome do
ex noivo babaca dela Addam, no chão um par de sapatos de salto, uma
sombrinha, esmalte, lixa, um elástico de amarrar cabelo, absorventes,
shampoo e um vidro de perfume.
Julgo que ela deve morar aqui dentro.
Ligo os faróis para iluminar melhor o ambiente e me encosto no banco
observando a plantação de roseiras á minha frente.
O carro tem o cheiro dela, de perfume doce. Solto um leve riso me
lembrando dela tentando bater boca comigo como se fosse a dona do
universo com aqueles cabelos ruivos desarrumados, os olhos verdes
enormes me olhando como se fosse me dar uma facada a qualquer
momento e os punhos sempre cerrados, como se ela fosse uma lutadora,
uma vingadora que pode tudo e mais um pouco.
Por Deus, como pode ser tão desajeitada?
Solto um leve riso com esses pensamentos, mas me interrompo
quando batem no vidro da porta.
— Eu não achei graça nenhuma — contraio a mandíbula ao ver Jane
do lado de fora, com os braços cruzados, um pequeno arranhão na
bochecha e nos braços.
Certo. Eu nunca achei que ela seria capaz de pular o muro da minha
casa.
|20|
|“Ninguém vai vencer desta vez, estou balançando minha bandeira
branca, eu me rendo” Surrender/ Natalie Taylor.

— Kurt, por favor, me deixar entrar, eu sei que foi vocês quem
pegaram meu carro — junto as mãos encontrando Kurt na portaria,
implorando, mas ele se nega a abrir o portão.
— Já está tarde ruiva, acho melhor voltar para casa. Já estão todos
dormindo e… Se seu carro estivesse aqui, creio eu que você conseguiria
ver de longe.
— Ah pelo amor de Deus Kurt, como eu vou ver, se essa mansão
parece uma cidade — insisto.
— Por que ele roubaria seu carro? — Kurt cruza os braços.
— Porque é meu carro — cruzo os braços imitando ele que observa
meu avental da Time's coffe.
— Volta para casa ruiva, já está tarde — ele arremata e dá as costas,
voltando para sua cabine.
— Tudo bem — dou os ombros e assim que ele some na escuridão e
dou a volta no quarteirão.
Eu vou entrar, nem que eu tenha que ser presa depois.
Se não me engano, o terreno das roseiras ficava para esse lado e
como estou certa encontro o grande muro que cerca os arredores da
mansão, uso meu sobretudo para passar por cima do aramado e pulo me
arrependo amargamente.
O alarme dispara, porém, consigo ver os faróis DO MEU CARRO
ACESOS e antes que Kurt venha me deter, eu manco até lá e vejo o
bonito lá dentro mexendo nas MINHAS COISAS, rindo e balançando a
cabeça.
Então é assim? O braço dele melhora e ele aproveita para roubar um
carro?
— Eu não achei graça nenhuma — bato no vidro chamando atenção
dele que contrai a mandíbula surpreso ao me ver.
— Jane?
— Ela mesma, — ergo a sobrancelha abrindo a porta do carro —
Escuta, — suspiro como se estivesse com preguiça de dar um pau nele
ali mesmo — Só devolve a chave e me deixa ir embora tá? — estendo a
mão.
Tranquilizo-me ao ver que meu carrinho está ali e só agora sinto a dor
dos arranhões que ganhei gratuitamente pulando em cima de uma
roseira.
Vejo Kurt, surgir com uma arma na mão. O Senhor Whitmore salta de
dentro do carro se colocando na minha frente fazendo um gesto para Kurt
abaixar a arma que arqueia a sobrancelha para mim.
— Está tudo bem Kurt, pode voltar é a Jane — o Senhor Whitmore diz
e Kurt estreita os olhos para mim.
— Oi Kurt — dou um sorrisinho e suspiro.
— Deixa que resolvo isso, obrigado — o Senhor Whitmore diz
tranquilizando Kurt, que não diz nada, só dá as costas e encontra Joanna
pelo caminho com roupa de dormir, ele a leva de volta também e encosta
o cercado que saiu do batente com a pressa dele em pegar o suposto
bandido que invadiu a mansão.
Por fim Aidan se vira para mim.
— Você invadiu mesmo minha casa?
— E você roubou mesmo meu carro?! — digo no mesmo tom que o
dele.
— Olha para você… Sabia que o Kurt tem permissão para atirar? —
ele leva a mão á cintura ainda boquiaberto.
— Devia ter atirado em você então, não mandei você entrar na minha
frente, seu palhaço — abro a porta do carro e entro — Estava mexendo
nos meus absorventes? — desligo os faróis e ele respira fundo enquanto
saio de dentro novamente — Cadê minha chave?
— Sua chave tá com você ué, só mandei rebocar — ele ergue a
sobrancelha.
Procuro as chaves nos bolsos do meu sobretudo, mas não encontro.
— Tudo bem, manda rebocar de volta onde você pegou — anuncio
dando as costas, mas ele segura meu braço.
— Não senhora, leva seu carro, você não veio buscar? Não pulou o
muro? Fez o Kurt arrombar a porta? Agora você vai levar — ele me
repreende me fazendo dar meia volta.
— E você agora é meu chefe para mandar em mim? — indago me
soltando das mãos dele — O braço melhorou e você achou que poderia
colocar as asinhas de fora e roubar o meu carro? — empurro ele, mas ele
me segura firmemente.
— E você vai me agredir agora? Dentro da minha casa?
— Dentro da minha casa — imito ele, vendo o mesmo se irritar cada
vez mais — Eu devia chamar a polícia seu ladrãozinho — tento me soltar,
mas Aidan é mais forte do que eu — Ótimo, agora nós vamos ficar nessa
brincadeirinha de ficar se segurando? — reviro os olhos para o moreno
que me prensa na porta do carro.
— Acredite, isso é o que eu menos quero.
— E o que você quer então? — questiono e sem aviso, a boca dele se
choca contra a minha e dessa vez, ao invés dele continuar segurando
meus braços, suas mãos descem até minha cintura e eu ofego contra a
boca dele, como se ele tivesse me jogado em uma piscina sem aviso,
como se eu tivesse me afogando e me segurasse em sua nuca, com
força desesperada por aquilo, como se sempre estivesse esperando por
aquele momento.
Nossas línguas se entrelaçam e eu sinto meu corpo queimar e meu
coração quase sair pela boca.
O que estou fazendo?
Você está beijando seu ex-chefe gato, que você atropelou, que te
demitiu duas vezes, te fez perder seu 'empreguinho,' que faz você
parecer uma criança sem modos perto da classe dele.
Quebro o beijo olhando para ele por um momento, mas o moreno não
perde tempo e desce a boca até meu pescoço chupando minha parte
sensível me fazendo agarrar seus cabelos.
Não vou nem tentar lutar contra ele, nem vou tentar mentir para mim
mesma, porque quero isso. Quero mais do que qualquer coisa.
Ele desamarra meu avental da Time's coffe, sobre meu pescoço e o
joga para trás, ouço o copo de whisky se espatifar no chão quando ele
me ergue para sentar em cima do capô apertando a parte interna de
minhas coxas.
Ele volta a me beijar e por Deus antes que eu possa me dar conta,
estou desabotoando sua camisa social chupando seu pescoço tatuado.
Passo a mão em seu abdômen tatuado e cacete não consigo analisar
tatuagem por tatuagem eu nem sei o que faço, estou tão entregue a ele
que só consigo ofegar enquanto ele aperta meu seio beijando meu
pescoço.
Aidan leva a mão até a barra da minha blusa tirando ela abaixando a
alça do meu sutiã, fazendo uma trilha de beijos molhados até meu seio e
eu ofego mais uma vez levando o vendo tirar seus cinto e jogar ali no
cascalho.
— Você quer mesmo fazer isso aqui em cima do carro? — quebro o
beijo e ele me olha por um momento.
— Não era o carro que você queria senhorita Johnson? — ele diz e
minhas pernas se entrelaçam em sua cintura enquanto ele volta a morder
meus lábios levemente.

— Não, eu nunca quis o carro Senhor Whitmore — sussurro em seu


ouvido cravando as unhas nas suas costas sentindo ele me penetrar
segurando a parte interna das minhas coxas.
|21|
|“Por acaso ele fez um curso na faculdade dos babacas?” – Jane
Johnson.

Meus olhos se abrem preguiçosamente e pela janela, vejo que já


amanheceu. Espreguiço-me e no criado mudo encontro uma bandeja de
prata com um comprimido e um copo de água. Tem um bilhete ao lado,
escrito a mão.
“Toma assim que acordar. Não usamos preservativo ontem”
Contraio a mandíbula e tomo o comprimido, ainda sentada na cama
eu tento conter um sorriso enquanto o flashback da maior loucura que já
fiz na vida invade minha mente.
Transei com ele.
No meio de um monte de mato.
Em cima do meu carro.
Será que alguém ouviu?
Ai meu Deus, que vergonha.
Volto a me deitar e cubro a cabeça, mas a porta se abre e descubro a
cabeça.
— O café já está na mesa — Joanna anuncia.
— Ah... Já desço — digo envergonhada e me levanto.
Pronto. Agora ela já sabe que o Senhor Whitmore me pegou. Não tem
nem como inventar alguma desculpa.
Por que eu estaria deitada na cama dele?
Com sorriso bobo no rosto e com o rosto corado?
Decido não descer de imediato. Não quero encontrar todos reunidos
na mesa.
Não quero olhar para cara da Lya agora. E se ela ouviu lá do quarto
dela?
Ela é uma criança. E crianças sempre soltam as coisas na nossa cara
e nos enchem de perguntas.
Tomo um banho primeiro e quando saio do chuveiro, encaro minhas
roupas de ontem, o uniforme da times coffe, sujo de cascalho e todo
rasgado com a minha queda em cima das roseiras.
E por falar nisso, estou toda arranhada, espero que esse arranhão no
meu rosto não fique a marca. Posso sentir cada arranhão desses arder
sobre minha pele molhada.
Caminho até o imenso guarda-roupa espelhado do Senhor Whitmore
e o abro. Tem uma coleção de camisas nos cabides, desde tons mais
claros a tons mais escuros.
Quem será que arruma assim?
Pego uma e visto.
Como vou embora para casa? Quer dizer, nem casa eu tenho. Para
casa da Amanda, com essas roupas rasgadas e essa saia curta que mal
cabe em mim.
Essa saia… Nunca pensei que ela iria cooperar na noite passada.
A noite passada.
A noite passada.
A noite passada.
Meu Deus, eu sou uma safada.
Sobressalto para trás assim que ouço o moreno soltar um leve riso da
porta.
— Que cara é essa de pânico? — ele diz entrando no quarto e eu dou
os ombros.
— Estava me olhando aí desde quando? — digo abotoando a camisa.
— Cheguei agora. Não quer ir tomar café?
— Não desse jeito — me refiro as minhas roupas e ele solta um leve
riso se direcionando a uma parte do guarda-roupa, tirando de lá uma
maleta.
Aidan faz um gesto para que eu me sente e abre ela, revelando uma
maleta de primeiros socorros.
Ele tira de lá um band-aid e aproxima do meu rosto.
— Seu carro já foi rebocado de volta — assinto e ele se agacha
ficando da minha altura para enfaixar minha batata da perna, aonde há
um ferimento maior — Você podia ter se machucado feio sabia — dou os
ombros.
— E você não deveria se esforçar tanto, pode deixar que eu faço um
curativo depois. Só vim atrás do meu carro — respondo — Por que você
pegou ele? — questiono.
— Porque você me afrontou no meio daquelas pessoas — reviro os
olhos enquanto ele explica.
— E você humilhou minha amiga — digo o fazendo espremer os
lábios como quem não liga.
Ficamos em silêncio. E eu encaro minhas mãos enquanto decido se
devo ficar no assunto do que fizemos na noite de ontem.
Não sei lidar com esse tipo de situação. Addam foi meu primeiro
homem e não foi assim nossa primeira vez, em cima de um carro, e ele
era tão aberto para o assunto, falava com tanta naturalidade como se
fosse normal para ele, então eu nunca fiz muita questão de tocar nesse
assunto com ele. Pelo contrário, sempre me senti mal vendo ele falar.
Como se para ele não fosse nada especial.
Mas com o Aidan Whitmore, sobre o que fizemos ontem e aonde
fizemos, sinto que devo perguntar, porque nunca nos demos bem e a
forma como fui pega de surpresa, me faz pensar que talvez ele me trate
assim para se defender do que sente.
Meu Deus que paranóia é essa?
Se ele realmente gosta de mim por que me trataria assim? Por acaso
ele fez um curso na faculdade dos babacas? Não é justificável.
— No que está pensando? — ele quebra o silêncio.
— Nada.
— E por que está arqueando a sobrancelha e espremendo os lábios?
Ótimo ele já sacou que sou péssima em disfarçar minha cara.
— Por que você… Fez aquilo? Ontem — ele ergue as sobrancelhas
encolhendo os ombros, como se tivesse esquecido.
— Eu não sei Jane.
— Você gosta de mim Aidan? — ele ergue novamente a sobrancelha.
— Nossa, bem direta você.
— Gosta?
— Jane, mal nos conhecemos e o tempo que nos conhecemos, foi
brigando.
— Tá, mas, você me beijou e depois…
— Você também me beijou. Você gosta de mim?
Como assim, eu gosto dele?
— E-Eu… Não sei a gente…
— Escuta Jane, acredito que nos precipitamos no calor de momento
— assinto contraindo a mandíbula — Eu não sei o que sinto por você,
nem você sabe o que sente por mim, acho que sentimos atração um pelo
outro.
— Você fez aquilo por impulso? Ou por que já queria?
— Não sei dizer.
— Por impulso. Certo — corrijo ele já que está com receio de admitir.
— Claro que não Jane. Nós dois queríamos.
— Nós dois, ou você agiu por impulso por que sabia que eu já queria?
— Aidan? — Lya adentra o quarto e arregala os olhos verdes para
mim — Tia Jane! — e me abraça.
Sorrio para ela que me mostra a trança que Joanna acabou de fazer.
— Você voltou tia Jane? — ela pergunta feliz, mas eu nego.
— Não, eu… Só me machuquei e o seu pai fez um curativo em mim
— sorrio para ela segurando seu rosto com as duas mãos.
— Podemos brincar um pouquinho? — nego encolhendo os ombros,
chateada.
— Nossa você está queimando — comento colocando a mão na testa
dela — Está com febre — comento e Aidan faz a mesma coisa se virando
para ela e colocando sua mão na testa da pequena.
Ele faz cara de preocupado, caminha até a porta e chama Joanna que
leva a garota para o quarto e em seguida o mesmo se vira para mim.
— Eu já volto.

Nossa, nos precipitamos, curto e grosso.


Mas foi a verdade. Eu nem sei o que sinto por ele, e nem ele sabe.
Fizemos uma grande merda e agora to me sentindo uma doida louca por
sexo que transa num jardim.
— Vou levar Lya ao hospital, mas você pode ficar se quiser — ele
pede, mas eu nego.
— Não Aidan, eu preciso ir. Preciso resolver algumas coisas e… Ir
atrás de outro emprego — respondo o fazendo suspirar.
— Jane posso te ajudar, a WTM…
— Não. Não sou daquelas que transam por um 'empreguinho' —
respondo pegando minhas roupas saindo do quarto.
Que droga pensei estar fazendo ontem? Aidan tem razão, eu nem sei
o que sinto por ele e… Ontem parecia tão certo, e agora isso parece a
maior idiotice que eu já fiz.
— Jane, — Aidan desce as escadas atrás de mim assim que saio do
banheiro com minhas coisas — Calma, eu não te dispensei. Eu só falei
que não sei ainda o que sinto, nem sei por que fizemos… Desculpa —
balanço a cabeça.
Nossa, estou completamente constrangida.
— Tá, eu só… Vou para casa, quer dizer, eu nem tenho casa — solto
um leve riso e sinto uma lágrima rolar pelo meu rosto, mas rapidamente
eu a limpo.
— Por Deus Jane, você pode ficar aqui.
— Não Senhor Whitmore, eu não sei fazer nada, preciso correr atrás
de algo, eu não tenho nada — ele balança a cabeça discordando comigo.
— Você tem a mim.
|22|
|“Como posso me ferrar mais? Não responde vida, eu não duvido
mais de você.” – Jane Johnson.

Chorando como uma criança perdida, sem uma mãe para consolar.
Aliás, ela deve estar lá agora no seu sofá de couro, com aquelas suas
roupas de oncinha, sapatos vermelhos e maquiagem sem retocar,
passando a mão na cabeça de Jenna a minha irmã caçula, enquanto a
vida me segura pelo braço e da várias bicudas.
Nunca imaginei que conseguiria me ferrar tanto em tão pouco tempo.
Por Deus, não consigo parar de chorar e rir de mim mesma ao mesmo
tempo, como posso me ferrar mais?
Não responde vida, eu não duvido mais de você.
Amanda está em casa quando chego, ela pausa a série que está
assistindo e volta sua atenção para mim.
— Amiga? Onde você estava? O que aconteceu com você? Eu…
Nossa pensei que… O que foi ein? — ela me puxa para sentar na cama e
eu só balanço a cabeça chorando.
— Fui despedida. Pela terceira vez essa semana — choramingo
enquanto ela me abraça.
— Calma tagarela… Relaxa — ela diz, mas sua voz de preocupação
soa mais como: a coisa tá feia mesmo ein.
— E… Você nem sabe o que aconteceu. Eu tô toda machucada e
meu corpo tá todo dolorido, aquele imbecil me beijou e… Transamos em
cima do meu carro — digo soluçando e ela arregala os olhos.
— O QUÊ? O NOSSO CHEFE GATO ESTUPROU VOCÊ JANE? —
nego limpando o rosto.
— Não, eu que fui uma troxa mesmo, e ele me dispensou hoje, me
ofereceu meu emprego de volta e… Eu queria tanto, mas falei que não…
— Amanda se levanta irritada com a mão na cintura.
— Ah não Jane, o que ele pensa que é? Como você… Em cima do
seu carro?! Em cima do carro? E ele te dispensou? Como que… Como
você conseguiu se machucar toda? — ela me enche de perguntas
batendo o pé freneticamente no chão, claramente nervosa com a
situação.
— Pulei o muro — explico — Ele roubou meu carro — choramingo.
— Tá bom, já chega, eu vou atrás desse louco. Onde ele mora? —
balanço a cabeça.
— Não, você não vai não. Você pode perder o seu emprego na editora
também. Não seja louca.
— Ele que é um louco, isso sim, Jane. Olha, tá bom, se não quer me
dizer onde ele mora eu mesma descubro e mando ele para o lugar de
onde nunca devia ter saído, para uma cama de hospital — ela anuncia
irritada e bate a porta atrás de si — E eu para uma delegacia, talvez.

Solto um longo suspiro depois que o médico termina de examinar Lya.


— Ela está com a imunidade baixa. A febre é só um alerta sobre isso
— contraio a mandíbula olhando pela persiana do quarto Lya sentada
num banco ao lado de Joanna me esperando.
— Como imunidade baixa? Eu… Doutor eu sempre fui muito
cuidadoso, nenhuma vacina com vírus vivo eu a deixo tomar, alimentos
cru, verduras, legumes é sempre bem cozido, carne também sempre
cozida e bem frita, ela não fica exposta a… Ao ar livre eu… Por que ela
estaria assim? — disparo a falar e o médico suspira assentindo.
— E o histórico da família?
— Foda-se o histórico, eu sempre cuidei dela eu… Não é uma gripe?
— Pedirei exames, e aqui está um encaminhamento, é importante
levá-la no psicólogo para…
— Por que ela precisa de um psicólogo agora?
— Escute Senhor Whitmore, eu peço que se acalme. Ela precisa de
alguém para se abrir, ela é uma criança e não tem como eu encher ela de
perguntas das quais ela não vai entender, nem saber o que é — ele diz
enquanto assina os papéis.
— Tá, eu posso perguntar em casa — rebato.
— Senhor Whitmore, ela nem te chama de pai — ele me nocauteia e
eu me levanto.
— Tudo bem.
Filho da puta.
Pego os exames, papéis de encaminhamento e saio da sala, Lya
suspira, está cansada. Mal saímos de casa ela já fadigada, pálida e
quietinha ao lado de Joanna.
— Vamos para casa pequena? Está tudo bem rum? Está com fome?
— ela não diz nada, só assente e me dá a mão.
Enquanto caminhamos até o carro, checo o que tem na ficha de
exames, uma bateria de exames de sangue, um teste de nível celular, e
um terceiro teste de laboratório.
Contraio a mandíbula.
Estou tão preocupado.
Entrego a folha para Joanna e ela me olha como se algo tivesse
errado na folha. Mas é isso mesmo, é exatamente isso que está na folha
e só quero fazer exames nela logo, para ter certeza de que está tudo bem
com ela.

Assim que me aproximo dos portões de minha casa uma mulher está
ao lado na portaria, ela dá na passagem batendo palmas e assim que
buzino, põe a mão na cintura e arqueia a sobrancelha. Tenho quase
certeza que já vi o rosto dela, na WTM.
— Então é nesse mausoléu, onde você traz suas escravas sexuais
para depois dispensar? Essa aí é a próxima? Olha se eu fosse você
corria enquanto há tempo, porque ele é um sem vergonha — ela dispara
a falar mirando seus olhos azuis em mim e eu saio do carro.
— Quem é você, por gentileza? — debocho e vejo ela cruzar os
braços.
— Eu quem te pergunto. Quem você acha que é para fazer o que fez
com a minha amiga?
A morena dona do braço tatuado e clavícula tatuada com a frase
“Vivendo obrigada” vestindo coturnos pretos, regata branca e calças
surradas usa o mesmo tom que o meu fazendo arquear a sobrancelha.
— Eu não sei quem é sua amiga — respondo dando a chave para
Kurt estacionar o carro e faço um gesto para Joanna levar Lya para
dentro.
— E essa é a sua filha? Você acha bonito colocar ela no meio das
suas safadezas?
Eu realmente não faço a menor ideia do porque essa mulher com
pinta de mafiosa está aqui, e de quem ela está se referindo.
— Como você pode fazer uma coisa daquela com a Jane? Meu, ela…
Ela é a JANE!
Ah claro, amiga da ruiva.
Tinha que ser.
Suspiro me lembrando de Jane.
Ela disse que não tinha nada. Pelo menos tem uma amiga marrenta
para defender ela que defende todo mundo.
— Escuta aqui seu… Empresário de merda, o que você tá querendo
com ela? — encolho os ombros.
— Qual seu nome? — digo sem dar muita atenção para o que ela está
falando.
— Amanda Willer, aquela que vai chutar seu saco se você não
responder minha pergunta e eu trabalho sim, na WTM, se quiser me
mandar embora, pode fazer, mas todo mundo naquela grande merda irá
saber que tipo de homem você é! — cruzo os braços.
— Como ela está? — pergunto e ela se desarma encolhendo os
ombros.
— Toda machucada? Se sentindo usada? Você queria dar o emprego
de volta para ela porque ela transou com você?! Você não tem o pingo de
vergonha na cara seu safado? Você faz isso toda vez que despede uma
funcionária sua?
Puta que pariu, fala mais que a Jane. Parece uma metralhadora.
— Você quer entrar? — tento manter o tom de voz com ela que
gargalha.
— Vai me pegar também? Em cima da sua mesinha de troféus
do babaca do ano? — reviro os olhos.
— Porra, me deixa falar? — perco a paciência — Escuta. Conversei
com ela. Eu não fui babaca Amanda, eu pedi para ela ficar aqui, porque
sei que não tem onde ficar. Eu não dispensei a Jane. Sei que é tudo
muito confuso, mas minha intenção não foi magoá-la — digo tudo de uma
vez antes que ela volte a me fuzilar com comentários.
— Tá, vocês estão enrolados, é isso? — confirmo com a cabeça —
Nossa, era só ter falado isso, não precisava gaguejar não — reviro os
olhos enquanto ela se vê por vencida pela minha explicação — Porém a
Jane tá mau com isso cara, o Addam foi o único homem dela e… Ela não
entende essas coisas, ela é a Jane — suspiro — Olha, eu conheço ela
não faz muito tempo, mas o jeito que ela tagarela sem parar quando o
assunto é você, me faz pensar que ela está mesmo gostando de você,
mas ela já sofreu muito por causa de caras que não mereciam ela, então
a menos que você não queira tomar uma surra minha, honre o
sentimento dela por você.
— É, eu sei.
— Fala com ela, por favor. Ela está lá em casa.
— Eu não posso ir, eu pedi para ela ficar.
— E por que não pode ir? — ela arqueia a sobrancelha.
— Porque eu preciso cuidar da minha filha. Preciso ficar com ela
agora. Se ela quiser voltar, tudo bem, mas vai precisar voltar sozinha —
Amanda volta a cruzar os braços irritada.
— Nossa, que protetor — debocha.
— Eu não vou Amanda. Diz para ela que vou esperar, mas não posso
sair daqui, não agora. — ela assente.
— E a Jane vai ficar assim até quando? — balanço a cabeça.
— Eu não consigo me desdobrar em dois e cuidar das duas. E por
Deus Amanda, peça para ela vir que eu consigo fazer duas ficarem bem
— ela assente.
— Tá.
— Tem certeza que não quer entrar?
— A única coisa que quero, é saber se você vai me mandar embora,
porque se for, eu nem acordo cedo amanhã — solto um leve riso.
— Fique tranquila.
Acordo com o barulho da campainha e uma imensa dor de cabeça.
Percebo que chorei até cair no sono e me levanto ainda um pouco
desorientada, caminhando até a porta. Amanda ainda não voltou e julgo
ser ela, mas a porta está aberta.
Tocam novamente e eu abro ainda tentando me acostumar com a luz.
— Mamãe?
|23|
|“Agora nós vamos ditar as regras, senhor Whitmore” – Amanda
Willer.

— Mamãe? — antes que eu termine de dizer, ela abre passagem e


passa por mim, entrando.
— Alguém tinha que ver o que está se passando nessa sua cabecinha
— disse ela num resmungo — Já te liguei milhares de vezes, Addam foi
atrás de você, sua irmã foi até o apartamento não te achou… Você
esqueceu do seu casamento Jane? — ela diz autoritária analisando o
local em que está — Que lugarzinho é esse que você foi se enfiar? Uma
kitnet Jane? É sério isso? — arqueio a sobrancelha — O que aconteceu
com você? Você está horrível.
— Mamãe… Estou bem e se veio aqui para me convencer a casar
com Addam… Não vai ter casamento mais. Ele me traiu!
— A Jenna não teve culpa coitada.
— Não teve culpa mãe?! Peguei os dois juntos e ela não estava
gemendo pouco não — suspiro me encostando na porta vendo que esse
assunto vai demorar a acabar.
— E você vai me envergonhar na frente da família toda?
— Eu vou te envergonhar? — cruzo os braços — A Jenna que fica de
baixaria com meu noivo, e eu que vou te envergonhar? — indago.
— Você sabe o quanto gastei com organizando esse casamento? —
solto um leve riso, indignada — Suas primas nunca mais ousariam em
falar da nossa família. Nunca mais abririam a boca para falar de mim, a
viúva e as filhas encalhadas — suspiro — Você está colocando a honra
da família em jogo. Você acha que seu pai se orgulharia de você? Você
sabe o que ele achava sobre desperdício de dinheiro.
Como se ela não tivesse falido o que meu pai deixou, comprando sofá
e roupa de couro legítimo.
— Mamãe. Eu não vou me casar com Addam, ele me traiu com a
minha irmã. Será que você não entendeu isso ainda? — digo perdendo a
paciência.
— Você diz como se sua irmã tivesse culpa do lixo que você arrumou.
Só foi reparar agora, que vai casar? Ele sempre deu em cima dela e você
sempre fechou seus olhos, Jane — reviro os olhos.
— A Jenna fez mesmo sua cabeça né — afirmo.
— Minha cabeça? Você é uma louca obcecada por ele. Gastou o
dinheiro todinho do seu pai, para agora não querer mais nada. Olha para
sua cara de fracassada Jane, o que está acontecendo com você? Você
está horrível — ela diz ajeitando meu cabelo.
— Estou horrível? — afasto o toque dela — Por que será? Porque
tenho que correr atrás de tudo sozinha desde que meu pai morreu e você
só olha para o seu nariz e para Jenna, que parece que não cresce e não
sai do seu pé — retruco sentindo um nó invisível na garganta.
— E ainda por cima, está virando uma rebelde igual sua amiguinha
dona desse ovo que ela chama de casa — ela lamenta pegando sua
bolsa de cima da mesa.
A porta se abre, revelando Amanda que surpresa olha para minha
mãe, que percorre ela com os olhos de cima a baixo.
— Senhora Johnson — Amanda cumprimenta.
— Blanchetthh — ela corrige e Amanda nervosa levanta as mãos.
— Nossa, desculpa aí Blanchetthh — Amanda ironiza dando as
costas.
— Espero que você esteja ciente do que está fazendo Jane.
— E eu espero que você vá embora! Não vou participar do seu
teatrinho. Não mais — abro a porta e dou passagem para ela.
— E também espero que não venha me procurar quando sua
amiguinha te deixar. — por fim ela dá as costas — Você é igualzinha ao
seu pai. Uma fracassada — bato a porta na cara dela e fecho os olhos
fortemente tentando impedir que as lágrimas escorram pelo meu rosto
novamente.
— Calma amiga. Ela nem sabe o que está falando — Amanda disse
se sentando na cama — Vem cá vem. Por que você deixou essa perua
entrar? — balanço a cabeça cobrindo o rosto.
— Ela tem razão. Sou uma fracassada — choramingo.
— Não é não amiga. Você é incrível, e vai dar a volta por cima. Vou te
ajudar a correr atrás dos seus direitos do apartamento que você comprou
com Addam e você tem um empresário podre de rico te querendo, mil
vezes mais gato que o escroto do Addam, e que de brinde vem com o
segurança bonitão — solto um leve riso com o otimismo dela.
— Só queria que fosse verdade.
— Amiga, eu fui lá. E ouvi da boca dele que quer que você volte para
lá. Mas vamos fazer assim, você não vai, não agora. Porque não
queremos que ele seja o controlador da situação. Daremos um jeito em
você primeiro e dar um jeito dele te ver linda em algum lugar com outro
cara. A semana que vem, vai ter uma confraternização na WTM, e você
vai — ela me orienta segurando no meu rosto com as duas mãos e
enxuga minhas lágrimas me incentivando — Agora nós vamos ditar as
regras senhor Whitmore.
|24|
|“ Infelizmente não temos controle sobre algumas coisas, e o que
podemos fazer em relação a isso é esperar e lidar com os resultados.” –
Joanna Marie.

Já faz uma semana.


Jane não voltou.
Achei que ela fosse me entender.
Cacete. Tentei me explicar.
Porra, queria ter tido mais tempo para viver isso.
Agora parece que nada daquilo foi real.
Nada parece que está sendo real, há anos.
Lya está piorando.
Os resultados dos exames ainda não saíram, e hoje, ela já nem teve
disposição para sair da cama.
Minha vontade é de cancelar todos os compromissos que tenho, mas
hoje, tenho uma confraternização. A WTM agora tem mais um novo
sócio, que comprou uma parte da empresa e por mais que nesse
momento eu só queira ficar do lado da minha filha, preciso estar presente
já que agora, o novo comprador será a nova coluna que irá me ajudar a
sustentar a editora por mais tempo.
Num momento como esse, isso era tudo o que eu precisava, já que
agora cada dia que passa, as vendas só pioram e não tenho tido cabeça
para pensar em nada para alavancar novamente as vendas, e este novo
sócio, já chegou trazendo um lançamento e por mais que ainda não
tivemos nenhuma reunião para oficializar esse novo negócio, já aprovei
seu primeiro projeto.
Por um lado, isso foi um peso tirado das minhas costas, de tantos
outros problemas que ainda tenho para lidar.
Suspiro lavando o rosto. Não tenho dormido direito. Estou com fundas
olheiras, preciso fazer a barba, saber o que está acontecendo na
empresa, apressar o laboratório onde foram feitos os exames, levar Lya
no hospital de novo. Ela tem sentido muita dor no corpo e só eu, não
consigo cuidar dela.
O clima na casa tem estado cada vez mais pesado. Cada vez mais
em silencioso e eu me sinto cada vez mais sozinho e imponente.
Sei que Joanna faz demais por mim. Ela trabalha para mim há anos.
Tempo suficiente para me conhecer bem e saber como me sinto numa
situação como essa.
Joanna passou todos esses anos pedindo para que eu arrumasse
uma Babá, como se eu não fosse capaz de cuidar da minha própria filha
a ponto de precisar pagar uma pessoa.
E por mais que eu tenha trabalho demais, prometi que não deixaria
minha filha com um estranho, que pode não saber o que ela precisa e
educar do jeito que achar melhor. Quando, na verdade, eu sei o que fazer
para deixá-la segura.
De uma semana para cá, eu literalmente, sinto como se tudo o que
fizemos em todos esses anos tivessem indo para o lixo, quando vejo
minha menina ficar cada vez pior e eu não sei o que fazer para melhorar.
Que porra de pai eu sou? Quando nem notei que ela nunca me chama
de pai?
— Senhor Whitmore? — Joanna me chama e eu volto para realidade
com o barbeador na mão contraindo a mandíbula, meus olhos estão
lacrimejando e eu baixo a cabeça.
— Não posso deixar isso acontecer com a Lya, não com a Lya — ela
assente — Ela é tudo o que tenho Joanna.
— Eu sei. Você está fazendo o que pode. Precisamos esperar o
resultado dos exames.
— E se ela não melhorar? Vão querer que ela fique lá e… De novo
isso, de novo… E o pior, é que cuidei para não acontecer. Dei o meu
melhor porra — ela assente passando a mão nas minhas costas de modo
solidário.
— Eu sei garoto, infelizmente não temos controle sobre algumas
coisas, e o que podemos fazer em relação a isso é esperar e lidar com os
resultados. Prometo que tentarei animá-la hoje, fique tranquilo — assinto
olhando para Joanna pelo espelho — E, além disso, ela é nova e se
tratarmos do começo…
— Por Deus, não quero nem imaginar — interrompo num suspiro.

Dou uma última olhada no espelho e contraio a mandíbula.


— Não acho que eu deva ir com esse vestido amarelo — mordo o
lábio.
— Por Deus Jane, ele é a coisa mais linda que já vi. É tendência, vai
por mim, não vai ter só você de amarelo lá. Mas é claro que vai ser a
mais bonita — Amanda comenta enquanto termina de fazer uma trança
que só ela sabe fazer nos meus longos cabelos.
— Como era o nome mesmo do seu amigo? — pergunto e ela dá os
ombros.
— O Alec, ele é ‘designer’ de capas lá na WTM.
— Como eu nunca vi ele lá?
— A Mabel não deixava você nem olhar para o lado. Mas isso não
importa. Falei com ele, ele topou te levar na festa de lançamento, é a
oportunidade perfeita para mostrar ao Senhor Whitmore que já que ele
não te quis, tem quem queira, e funcionário dele ainda — Amanda
comenta arrumando minha maquiagem.
Ela já está devidamente vestida para irmos. Usa um vestido preto de
alcinha que deixa á mostra suas tatuagens do braço e clavícula com uma
fenda do lado e coturno nos pés, os cabelos longos pretos estão lisos e
soltos. Está de cílios postiços e os olhos azuis estão bem destacadas,
devido á sua sombra dourada sobre os olhos e um batom forte, dá uma
última olhada no espelho como se estivesse pronta para matar e me dá
um sorrisinho diabólico.
— Você sabe que o Senhor Whitmore pode mandar esse tal de Alec
embora né.
— Isso o Alec não precisa saber sua tagarela. Você só vai
acompanhar o Alec na festa. Vou estar do seu lado.
Suspiro quando tocam a campainha e quando Amanda abre, quase
caio para trás com o tremendo gato que se revela.
— Pelo amor de Deus, fala que sua amiga é bonita… Nossa... — ele
diz assim que me vê — Como tiveram coragem de dispensar você? — eu
coro.
— Vamos embora logo, não quero que isso demore — digo passando
por ele que vem atrás de mim junto de Amanda.
— Escuta, eu sei que a noite vai ser longa, que a Amanda está te
obrigando a usar esse vestido e fazer esse teatrinho por ego dela. Mas
vai ser legal po. — Alec comenta dando os ombros destravando as portas
do carro.
— Já que estamos indo, e vamos mesmo fazer isso, a regra vai ser se
divertir certo? — Amanda diz confiante apertando meu ombro.
— Tudo bem. Posso adicionar outra regra? — pergunto — Não me
deixa fazer nenhuma merda se eu ficar bêbada?
— Você quem manda — Amanda responde e Alec dá a partida no
carro.
|25|
|“Eu adorei o amigo dela quando vi o filme dele. Ele tem uma cara
engraçada, mas eu gosto disso, porque ele ainda parece ser legal, mas
ela tem um namorado, de qualquer maneira.” Sex/ The 1975.

— Mas e então, quem é nossa vítima? — Alec puxa assunto no carro


e eu suspiro.
— Amanda colocou na cabeça que ele gosta de mim e que estamos
numa espécie de “estamos enrolados.” E você sabe, quando ela põe algo
na cabeça não tira até comprovar que está certa.
— Mas é a verdade, quando você está enrolado com uma pessoa e
não sabe o que sente por ela, a tendência é: se a pessoa te ver com
outra e sentir ciúme, é porque tem uma boa chance dela ter sentimentos
a mais por você e se ele não ligar, é porque realmente te usou e se isso
for verdade, eu vou dar um pau nele por usar minha amiga — Amanda
conclui no banco de trás e eu reviro os olhos.
Mas por dentro, desejando que isso não seja verdade.
— Eu só tenho um ponto á destacar, se ele vier para cima de mim por
ciúme, eu vou sentar a porrada — Alec me lança uma piscadela e eu
solto um leve riso imaginando a surra que o Senhor Whitmore não
tomaria se Alec partisse para cima dele com esses braços que dão dez
do meu se juntar.
— Tudo bem Alec — respondo enquanto ele estaciona o carro e em
seguida o mesmo me ajuda a descer do carro considerando meu vestido
longo amarelo que com certeza, todos vão olhar quando entrarmos.
Mas era o único vestido para uma ocasião como essa que tínhamos.
O vestido que Amanda ia usar para ser madrinha do meu casamento.
Sempre amei amarelo, por ser alegre e por ser a única escolha que
minha mãe me deixou fazer por mim mesma, para a cor das madrinhas
do meu casamento e ainda deu errado.
— Posso te apresentar como minha namorada?
— Pode — antes que eu pense na infantilidade disso respondo e dou
o braço para ele, segurando minha bolsa de mão ao lado e eu juro por
Deus, que se Alec não estivesse me segurando fortemente eu cairia para
trás quando a primeira pessoa que vejo no nosso caminho é o Senhor
Whitmore de costas, mas Alec o chama e eu só não saio correndo porque
o vestido é longo e eu tomaria um tombo, o que chamaria muito mais
atenção.
— Senhor Whitmore, — Alec o chama fazendo ele se virar e ele ergue
a sobrancelha como sempre faz quando me encontra em lugares
inusitados.
Por Deus, achei que nem precisaria falar com ele.
— Alec Williams — o Senhor Whitmore diz com os olhos focados em
mim.
— Essa é Jane, minha namorada — assim que Alec profere as
palavras, Aidan solta a mão dele levantando uma sobrancelha.
— Ah, — é tudo o que eu consigo dizer.
Amanda do nosso lado repara o desespero no meu rosto, mas ao
invés dela dar um jeito de nos tirar dali, ela endireita ainda mais a postura
e ergue uma sobrancelha, encarando Aidan de cima a baixo com uma
expressão no rosto de “E aí, vai fazer o que agora?”
— Amanda, bom te ver também — Aidan rompe o silêncio ali presente
no nosso meio e aperta a mão dela também.
— Quanto tempo, não é mesmo chefe? — a tom que Amanda usa soa
com ironia, mas Aidan não cai na pilha dela, ele apenas assente
concordando.
— É um prazer revê-la Johnson — ele aperta minha mão, firmemente
sem demonstrar muita emoção ou indícios de que partirá para cima de
Alec.
Eu não estava preparada ainda. Achei que daria tempo de pelo menos
tomar um vinho, mas agora, eu pareço uma estátua olhando para ele,
estasiada.
Ele está tão lindo com esse terno caro que daria para pagar um
apartamento para mim, o cabelo está impecável e o cheiro da colônia
importada dele vence o cheiro da de Alec e me deixa paralisada fazendo
com que eu me lembre de como era esse cheiro, como se nunca tivesse
esquecido.
Aidan me dá uma última olhada levantando a sobrancelha num tom de
repulsa e, ao mesmo tempo, surpreso, eu sei que ele quer perguntar o
que estou fazendo ali, mas não vai. Não na frente de Alec, ele é
orgulhoso demais para se dar por vencido na frente de todos.
O Senhor Whitmore dá as costas e caminha para cumprimentar outras
pessoas que chegam e eu solto todo ar que estava guardando aliviada.
— O que raios foi aquilo? — repreendo Amanda e Alec que se
entreolham cúmplices.
— Vou te apresentar para quantas pessoas eu puder, não é sempre
que tem uma ruiva, de olho verde, gostosa e gata para cacete podendo
ser apresentada como minha namorada — Alec brinca comigo.
O grande espaço está é bem decorado por flores naturais em vasos
luxuosos espalhados por cima das mesas no lugar iluminado por luzes
amareladas tornando o ambiente aconchegante. Foi montada uma
estrutura como uma espécie de palco onde uma música completamente
agradável é tocada por um pianista, violinista e um saxofonista.
Numa das paredes do lugar tem um jardim vertical todo florido, onde
os convidados aproveitam para tirar foto de suas roupas elegantes. E
numa parte do salão o Buffet, pronto a nos servir com todos os tipos de
petiscos.
— Cadê o babaca que te usou? Quero te apresentar com prazer para
ele — contraio a mandíbula enquanto Alec percorre o lugar com os olhos.
— Você acabou de me apresentar para ele — respondo e vejo Alec
gelar do meu lado.
— O quê?! Só te apresentei para Senhor Whitmore — assinto
confirmando — Você… Jane,
— Nossa, você sabe meu nome — ironizo pegando uma taça de
vinho.
— Você pegou o patrão? O patrão da porra toda? — assinto e vou
para o inferno por estar orgulhosa disso — Você sabe o que isso quer
dizer? — Alec toma a taça da minha mão e toma todo o conteúdo num
gole só.
— Quer dizer que um cara gato, forte, musculoso de olho azul, me
apresentou como namorada para o cara que me dispensou, — respondo
tentando enxergar alguma vantagem nessa situação toda que me enfiei e
se eu não for para o inferno por estar orgulhosa disso, vou agora por
estar me animando com essa situação.
— Não Jane, quer dizer que além de fazer ciúme para ele, você vai
me fazer perder o emprego. O cara já sabe até meu sobrenome, e eu
nem sabia que ele sabia disso — Alec se frustra encontrando uma
cadeira para se sentar.
|26|
|“Você tem algo a dizer? Por que não falar em voz alta em vez de
guardar tudo na sua cabeça? É sempre a mesma coisa. Por que você
não abre os seu coração?” — Heart out/ The 1975

Amanda nos leva até uma mesa onde outros rapazes estão e me
sento ao seu lado.
— Pessoal essa aqui é a Jane — Amanda me apresenta enquanto
Alec, parece uma estátua, pálido ao meu lado.
Ele pega outra taça de vinho e toma em dois goles enquanto os outros
rapazes me observam como se eu fosse um frango assado numa vitrine.
— Esse é o Djosh da revisão, Bernard da ficha técnica e Morrish da
impressão — Amanda os apresenta e todos sorriem simpáticos para mim.
— E você? É a Jane do quê? — Morrish, o loiro de olhos azuis, do
setor de impressão da WTM pergunta se inclinando para mim.
— Eu… Na verdade, trabalhei aqui — respondo e ele assente
erguendo a sobrancelha — Eu era estagiária no setor de seleção de
originais — completo.
— Auxiliar da megera da Mabel? — assinto espremendo os lábios
para Djosh do setor de revisão de textos — Temos aqui uma sobrevivente
então — ele comenta e nós rimos — Mas por que você saiu Jane? —
contraio a mandíbula.
— Corte de funcionários — penso rápido e uso uma resposta padrão
para não ter que contar que atropelei o Senhor Whitmore, virei Babá da
sua filha, fui demitida de lá também, ele roubou meu carro, pulei o muro
da sua casa, transamos no capô do meu carro e agora estou aqui para
fazer ciúme para ele porque ele me dispensou e pode ser que estejamos
enrolados ainda, segundo minha amiga Amanda.
— Mas que bom que você saiu — Djosh o moreno forte que tem
algumas tatuagens no braço diz dando os ombros — Estamos dando
duro ultimamente e a WTM não sai do lugar, sem contar que parece que
o nosso chefe não está nem aí, suponho que foi por isso que ele vendeu
uma parte da empresa para outro sócio, porque não está dando conta de
segurar a falência, sozinho — ele diz e todo mundo fica em silêncio como
se tivessem concordando com isso.
— Ele vendeu? — questiono.
— Sim, hoje é noite de posse do novo sócio, como se isso fosse
mudar algo né — Morrish diz torcendo o nariz enquanto os outros
concordam.
— Sabe o que eu acho? Que o Senhor Whitmore quer largar. A WTM
está no mercado há anos e sempre foi administrada pela família
Whitmore, você sabe o avô, o pai, e agora o Senhor Whitmore quer
vender parte das ações para outro? E aquela história toda que ouvimos
quando entramos aqui? Sobre a WTM ser uma empresa de família, de
acolhimento e blá, blá, blá? Uma que o Senhor Whitmore nem liga para
gente, ele faz um recente corte de funcionários e nem deu motivos para
isso — Amanda comenta e eles conspiram contra a WTM como se
fossem cobras num ninho planejando um ataque.
Enquanto eles conversam, as luzes são diminuídas e um foco de luz
se destaca no palco do espaço onde Mabel aparece com um microfone.
— Boa noite. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a presença
de todos aqui essa noite, agradecer pelo esforço de vocês até aqui.
Sabemos que a WTM não está passando por uma fase fácil, mas quero
assegurar que virão dias melhores, dias de mudança — ela diz séria
como sempre e numa postura impecável — Fiquemos de pé e recebam o
Senhor Whitmore — ela diz e mais um foco de luz ilumina o moreno que
anda pelo corredor de mesas até Mabel.
— Boa noite colaboradores — ele diz e todos respondem enquanto
ele faz uma pausa para que possamos nos sentar novamente — Quero
primeiro expressar meus agradecimentos pela presença de todos e
reforçar o que todos vocês já devem estar cientes, que é a venda de 50%
das ações da WTM. Como muito de vocês que estão aqui já sabem,
estamos vivendo uma fase difícil na WTM e talvez a primeira desde que
ela se estruturou, mas esse não é o fim — ele faz mais uma pausa
quando algumas pessoas batem palmas para o que ele diz — A WTM
está passando por mudanças e assim como toda mudança algumas
coisas saem dos trilhos, mas fiquem tranquilos que ela vai permanecer.
Pedi que nos reuníssemos aqui desde o administrativo até o setor de
produção e até os que já foram cortados.
Ele só pode estar de brincadeira comigo.
Coro.
E o Senhor Whitmore ataca novamente.
— Para que vocês possam conhecer quem trabalhará comigo de
agora em diante visando que, 50% de vocês serão regidos por ele não
mais por mim, e isso não quer dizer que serão demitidos ou que irá haver
troca de registro, não. Vocês continuarão como estão, mas pedi que
fosse organizado essa confraternização porque a transparência da WTM
é uma das nossas marcas registradas. Não precisamos esconder nada
de vocês, até porque são vocês que fazem a WTM funcionar, não tem
nada encoberto dos olhos que vocês, porque não precisamos disso com
nossos colaboradores, vocês não precisam pular o muro para querer
saber de alguma informação, está tudo sendo esclarecido.
Tá legal, ele já tinha esse script escrito?
— Por favor, fiquem de pé e recebam Lemmond Talbot — o Senhor
Whitmore anuncia e todos se levantam rapidamente procurando o mesmo
pelo espaço, mas ele vem lá da frente e sem muita enrolação sorri
tomando o lugar do Senhor Whitmore no microfone.
Após as declarações de Lemmond, toda a programação do evento
torna a voltar e o Buffet libera o prato principal de noite, enquanto todos
voltam a conversar entre si.
Vejo Mabel se aproximar da nossa mesa e eu sinto vontade de correr
dali quando percebo que ela está apresentando o senhor Talbot junto
com o Senhor Whitmore de mesa em mesa e agora é a nossa mesa que
eles estão se direcionando.
— Mas e então, vocês estão juntos desde quando? — Djosh pergunta
e Alec me olha antes de responder e eu torço para que ele ignore a
pergunta, mas ele não nota a presença de Mabel e Aidan ao lado deles.
— Desde sempre, na verdade, é que era difícil ver a Jane já que a
Mabel não deixava ela ir me servir cafezinho — Alec diz e eu engulo o
seco olhando para os dois atrás dele.
O Senhor Whitmore me olha como se quisesse dizer “Bom saber.”
O moreno pigarreia atraindo nossa atenção e Alec contrai a
mandíbula cada vez mais fodido.
— Bom te ver Johnson — Mabel me cumprimenta me olhando como
se quisesse dizer que raios você está fazendo aqui com esse vestido? —
Esses são o senhor Talbot, novo chefe de vocês na parte de criação, —
Mabel apresenta — Este é o Djosh, Bernard, Morrish, Amanda e Alec —
Mabel diz ao senhor Talbot que observa todos com seu par de olhos
azuis, fazendo um gesto com a cabeça.
— E a bela moça? — Lemmond se refere a mim e eu sorrio.
Também queria saber o que estou fazendo aqui.
— Ah eu… Sou só,
— Uma funcionária que foi cortada — Aidan responde por mim e eu
coro sentindo minha fala descer pela garganta novamente.
Lemmond solta um leve riso também sem jeito com a intromissão do
Senhor Whitmore.
— Ela veio comigo — Alec intervém entrelaçando a mão na minha.
Ótimo, um constrangimento na frente do novo chefe.
— Ser agregada não é ser familiar — o Senhor Whitmore retruca para
Alec que pousa sua taça na mesa e o encara.
— Desconta do meu salário então o vinho que ela está bebendo —
Alec rosna irritado e eu seguro a mão dele por baixo da mesa.
— Não é para tanto Alec — o repreendo num tom de voz mínimo.
— Eu devia descontar do seu salário o café da manhã que ela tomou
na minha casa também? — Aidan retruca vitorioso e todos ali abrem a
boca num perfeito 'o' — Estou brincando pessoal — Aidan abre um
sorrisinho ao ver que meu rosto já está corado o suficiente para que ele
veja que ganhou mais essa.
Todos na mesa soltam leves risos me olhando, todos sem graça. Mas
por mais que ele tenha dito ser brincadeira, o clima não poderia ter ficado
pior e mais constrangedor para mim.
— Vou ao banheiro — anuncio e pego minha bolsa de mão deixando
a mesa.
Amanda vem atrás de mim, porém eu me tranco no banheiro
encarando meu rosto na frente do espelho.
Droga, estou chorando.
— Jane, não me diga que vai deixar isso barato — Amanda diz do
outro lado da porta.
— Quero ir embora, não quero participar mais disso — decido.
— Nós vamos ficar, quem tem que ir embora é esse babaca —
Amanda indaga.
— Ele não pode ir. A festa é dele e nada do que eu disser ou fizer, vai
chamar atenção dele o suficiente para ele colocar a mão na consciência e
conversar comigo sobre o que aconteceu entre nós dois — retruco
chateada me sentando na tampa da privada.
— Abre aqui senhorita Johnson.
Aidan.

Depois que abro a porta do banheiro, Amanda faz sinal de que vai me
esperar lá na nossa mesa para irmos embora depois e eu suspiro para
Aidan que me olha por alguns minutos, como se estivesse pensando num
terreno baldo mais próximo para desovar meu corpo depois de me
esganar.
— Podemos conversar? — ele diz quebrando o silêncio entre nós
dois.
Pego minha bolsa e saio dali acompanhando ele, enquanto os outros
funcionários também nos acompanha com os olhos.
— O que você veio fazer aqui? — ele diz enquanto se senta num
banco ali fora, mas permaneço de pé.
— Você vai sair falando para todo mundo agora que dormi com você?
Que baixaria Aidan — cruzo os braços para ele que fecha os olhos
respirando fundo.
— Você não está com aquele rapaz está?
— O que você acha?
— Suponho que não teria coragem de ter feito o que fizemos, estando
com outra pessoa.
— Pensa o que você quiser — dou as costas, mas ele me segura.
— Jane, que raios você está tentando fazer? — ele diz.
— Que raios eu estou tentando fazer? Que raios VOCÊ está tentando
fazer Aidan, será que é tão difícil para você largar esse orgulho e vir
conversar comigo sobre o que aconteceu entre a gente?! Todos esses
dias se passaram e você não pode vir atrás de mim como fez no
Starbucks, ou quando foi até meu apartamento? Ou para você isso é só
divertido quando está caçando uma nova presa e quando ela já está na
sua mão, você simplesmente larga? — retruco lavando os panos sujo.
— Por Deus Jane, olhe o que você está me dizendo. Sabe que não é
assim que funciona. Vai me dizer que não foi orgulhoso da sua parte
também vir até aqui para me fazer ciúme com um cara que não tem nada
a ver com você, quando na verdade você poderia ter ido até minha casa
para resolvermos isso, foi o que eu te pedi.
— Por que você é tão frio? Por que não pode simplesmente me dizer
o que sente por mim, sem ter medo que eu desconstrua essa barreira de
autoridade que você tem?
— Porque eu sou assim.
— Assim?! Um babaca? Que diz para todo mundo que eu dormi na
sua casa? Você faz essa brincadeira com todo mundo que dorme com
você?
— Você foi a única, Jane, por Deus — ele balança a cabeça — Você é
a única que eu quero, não existe a hipótese de eu ter te dispensado ou te
usado, tire isso da sua cabeça. Jane, isso não é um jogo.
— Só está me dizendo isso porque eu vim até aqui, o que você teria
feito se eu não tivesse aparecido aqui?
— Minha filha está doente e eu não posso ir atrás dos meus desejos e
perder ela para uma doença igual perdi minha esposa — ele diz me
deixando sem palavras, seu celular toca e ele atende com um alô baixo,
em seguida sua reação é como se o chão em baixo de seus pés tivesse
sido tirado e ele não conseguisse se mover — Estou indo — ele diz
guardando o celular dando uma última olhada para mim.
— O que houve? — pergunto podendo ver seus olhos lacrimejarem.
— É a Lya. Estou perdendo minha filha — ele diz dando as costas
caçando as chaves do carro nos bolsos e eu sinto meu coração apertar, o
vendo ir embora, correndo, desesperado, perdendo toda aquela postura
rígida e fria construída ao seu redor e eu me vejo sendo atraída como um
ímã atrás ele deixando Alec e Amanda para trás.
|27|
|“Não há problema em chorar, até meu pai chora ás vezes. Então não
esfregue seus olhos, as lágrimas podem lembrar que você está vivo” —
Even My Dad Does Sometimes/ Ed Sheeran.

Aidan não falou mais nada depois que deu partida no carro. Meu
celular toca um milhão de vezes com o nome de Amanda na tela, mas
não atendo.
O moreno dirige o mais rápido possível até o hospital particular no
centro da cidade. Faço um coque nos cabelos assim que ele para o carro
no estacionamento e corre até a recepção.
— Sou o responsável da Lya Whitmore — ele se identifica e a mulher
imprime um adesivo escrito acompanhante, ela me olha por um
momento.
— Ela está comigo — ele informa e ela me entrega outro adesivo
onde colo no vestido.
Não consigo dar mais um passo sequer com esse salto.
Ando ao lado dele segurando a barra do vestido e o pessoal nos olha
assim que entramos no elevador. Eu parecendo um sinalizador com esse
vestido amarelo e o Senhor Whitmore impecável como sempre, de terno
e cabelos bem alinhados. Só a gravata afrouxada no pescoço denuncia
seu desespero.
Permaneço em silêncio ao lado dele e quando a porta do elevador se
abre, damos de cara com Joanna em pé, andando de um lado para o
outro.
Ela arqueia a sobrancelha quando me vê, mas não faz nenhuma
pergunta, só faz um gesto com a cabeça em sinal de cumprimento.
— Cadê ela? — Aidan pergunta assim que ela vem ao nosso
encontro.
— Acabou de fazer uma bateria de exames. Está no quarto, o médico
pediu para aguardar o resultado. O sangramento parou, mas ela está
muito fraca — Joanna diz e eu contraio a mandíbula.
— O que está havendo com ela? — pergunto pela primeira vez, mas
sou ignorada pelo Senhor Whitmore que se senta num do banco sem
saber o que fazer.
— O que aconteceu com ela? — ele pergunta para Joanna que
suspira.
— Reclamou de dor de cabeça, começou a vomitar. Aí coloquei ela
para dormir e acordou com o nariz sangrando. Pedi para Kurt para virmos
para cá, ela estava muito fraca e… Disse que não conseguia enxergar
direito — vejo Aidan assentir tombando a cabeça para trás — Quando
chegamos aqui, ela ficou agitada e convulsionou — ele contrai a
mandíbula balançando a cabeça e eu suspiro.
— Mas por que isso? Do nada? — Antes que Aidan possa me
responder, eles se voltam para o médico que aparece no corredor.
— Responsável por Lya Whitmore, por favor me acompanhe — ele
chama e Aidan se levanta — Você é a mãe? Pode vir também, por favor
— ele me chama, porém, eu nego.
— Não eu… Sou só uma amiga.
— Jane, vem. Por favor — ouço Aidan me chamar e eu me levanto.
Desisto dos saltos, os tiro e os levo na mão.
Agora todo mundo já sabe que sou do subúrbio e não tenho classe
nenhuma em um hospital de rico.

A cada passo que dou até a sala do médico, sinto o chão sendo tirado
dos meus pés.
Eu não estou surpreso. Não dessa vez.
Mas eu lutei. Fiz o que pude. E só agora vejo o quão inútil foi todo
meu esforço. Estou tão preocupado e cada vez que Jane olha para mim,
querendo saber o que está havendo, sinto o nó na minha garganta se
apertar cada vez mais.
Sei que não vou conseguir contar para ela. Eu não consigo nem ao
menos falar com o médico.
Jane se senta ao meu lado diante da mesa do médico que abre
alguns envelopes com resultado de exames.
— Na noite de hoje, às 20:45, Lya deu entrada nesse centro médico.
Ela teve uma pequena hemorragia que foi contida.
— Ai meu Deus doutor — Jane interrompe ele arregalando os olhos
pegando na minha mão por debaixo da mesa, ela me olha abrindo os
lábios.
— Calma Jane — faço um gesto para que o doutor continue e ele
assente.
— A hemorragia nasal foi contida, mas houve uma convulsão em
seguida. Segundo o histórico dela: dor nos ossos, indisposição, vômitos,
hemorragia e febre foi feito um teste de medula e pelo histórico de LLA na
família, foi feito um teste de medula e deu positivo — a cada palavra sinto
como se chutes estivessem sendo dados no meu estômago, mas eu me
mantenho firme enquanto Jane me olha sem ter a menor ideia do que é
isso.
Eu assinto de forma calma, mas não é o suficiente para conter as
lágrimas que escorrem de forma rápida pelo meu rosto.
— Senhor Whitmore, por ser aguda, eu irei recomendar os três tipos
de tratamentos e ela dará início imediato nos três, considerando que o
estágio dela está se avançando de forma rápida. Recomendo também a
lista de remédios para ela tomar, são corticóides que irão diminuir a dor
nos ossos e anticancerígenos para ajudar as células-tronco a combater
qualquer tipo de hemorragia que ela venha ter futuramente — assinto
pegando os papéis.
— E ela está aonde? — pergunto e minha voz falha denunciando
minha preocupação.
Jane ainda parece não ter sacado o que houve com Lya, mas não diz
nada, apenas segura os sapatos em seu colo e segura minha mão me
dando a maior força. Dá para ver como ela está mexida com isso mesmo
sem entender nada, está chateada e tenta ler o que está escrito nas
folhas que o médico me deu.
— Posso ver ela? — peço e o médico assente.
— Só familiares por enquanto — ele assente e se refere à Jane.
— Tá, eu… Espero lá fora — ela diz enquanto saímos da sala.
— Acho melhor você ir para casa Jane — digo quando voltamos para
a sala de espera.
— O quê?! Eu vou ficar aqui — ela nega.
— Você está cansada, e descalça. Pode pegar um resfriado, e, além
disso, isso não é problema seu.
— Claro que é problema meu Aidan — ela me repreende e por Deus,
como quero que ela fique, mas não quero ser mais um problema para ela
ter que resolver.
— A Joanna já está aqui para me ajudar.
— Eu vou ficar sim, mesmo sem ter a menor ideia do que ela tem. Por
que você não diz logo? Olha eu… Vou ter um surto se você não disser
que raios está acontecendo aqui — ela cruza os braços entregando o
sapato para Joanna.
— Você quer que eu conte o que Jane, a Lya está doente. E todos
esses anos eu lutei, eu fiz de tudo para proteger ela dessa doença,
mas… Olha onde estamos agora, olha esses remédios que eu vou ter
quer comprar tudo de novo, olha o médico me explicando todo esse
procedimento de novo, como se eu não soubesse o que é Leucemia,
como se eu não soubesse que a minha filha está morrendo igual
aconteceu com a mãe dela — contraio a mandíbula quando percebo que
aumentei meu tom de voz para Jane e todos ao redor me olham, com
pena — Vá para casa Jane, você não precisa fazer parte disso, aproveita
para ir logo, antes que você se apegue — dou as costas impedindo ela
de me ver chorando, mas ela vem atrás de mim e me puxa pelo ombro
fazendo eu me virar para ela novamente.
Sou pego de surpresa pelos seus braços miúdos me abraçando e eu
nem me lembro quando foi a última vez que alguém tinha me abraçado a
não ser para dizer “negócio fechado Senhor Whitmore” ela me abraça e
soluço junto às lantejoulas do seu vestido amarelo.
— Antes que eu me apegue? Eu já estou tão ligada a vocês e nem sei
quando foi que isso começou, — a ruiva diz junto ao meu terno e eu
assinto balançando a cabeça — Tudo bem em chorar Senhor Whitmore
— ela diz passando a mão em minhas costas — Todo mundo chora e…
Eu não faço a menor ideia do que estou falando, e você deve estar
passando vergonha comigo vestida assim, descalça nesse hospital, mas
não me peça para ir, porque… Isso não está acontecendo de novo
Senhor Whitmore, não vão ser igual, você não está sozinho dessa vez —
ela diz sem jeito acariciando meus cabelos usando suas unhas e eu
apenas assinto, mas arqueio as sobrancelhas e coço os olhos quando
vejo quatro mulheres saírem do elevador e virem até nós.
O que minha mãe e minhas irmãs estão fazendo aqui?
|28|

Afasto-me do Senhor Whitmore quando percebo que há algo de


errado com ele e vejo se tratar das quatro mulheres atrás de nós. Outra
um pouco mais de idade e outras três que se aproximam de Aidan ao
mesmo tempo.
— O que vocês estão fazendo aqui? — ele diz dando um beijo em
cada uma delas.
— Ficamos sabendo da Lya — a mais velha diz enquanto o abraça e
beija sua testa.
— Quem é essa? — uma das três questiona me olhando e o olhar das
quatro se direciona até mim, fazendo com que eu tropece nos meus
próprios pés mesmo estando parada.
— Essa é a Jane — ele me apresenta — E essas são Trace, minha
mãe. Sky, Willa e…
— Dahlia — a própria interrompe Aidan me estendendo a mão —
Somos irmãs dele — assinto apertando a mão dela.
Willa é a mais diferente das quatro. Enquanto as três usam roupas de
cultura mulçumana e tem sua cabelos cobertos por um véu, Willa usa um
max blazer em modelo de vestido, na cor mostarda, amarrado na cintura
por um cinto grosso da mesma cor. Usa saltos e tem os cabelos longos
com mechas cor de mel. Ela tem os olhos cor de avelã como os de Aidan
e é muito cheirosa. O cheiro do cabelo com o da colônia e o creme
corporal se unem em uma perfeita mistura de cheiros importados fazendo
com que ela se destaque quando gesticula.
Já Dahlia tem os cabelos cobertos por um véu, usa roupas escuras,
um macacão preto e jaqueta vinho, é a que mais julgo pela aparência ser
alguém com um ar de mal humorada e amarga.
Já Sky, sabe aliar os usos e costumes com a moda. A garota que
deduzo ser a caçula, usa uma calça jeans, all star, e um blusão de
moletom, o cabelo também está coberto por um lenço.
E a mãe deles por fim, usa um vestido longo verde musgo de mangas
compridas, os cabelos estão cobertos como os das filhas e ela tem
feições de alguém que é muito calma, assim como sua voz mansa.

— É um prazer — digo amigavelmente para as quatro.


— Vocês estão juntos? Até que fim ein Aidan, pensei que ia ficar de
luto para sempre por causa da…
— Willa, controle-se — Trace, apresentada como mãe do Senhor
Whitmore repreende ela — Ficamos sabendo das vendas das ações, e
ligamos para a casa para saber de você e recebemos a notícia pela
governanta. O que aconteceu? — ela pergunta e eu resolvo me sentar
num dos bancos da sala de espera dando-lhes mais privacidade
considerando que é um assunto de família.
Por Deus, ele tem três irmãs, só agora me cai a ficha de que não
sabemos nada um do outro. Quer dizer, ele sabe muito mais sobre mim,
sobre o cúmulo que é a minha vida e sobre ele, não sei nada, tudo é
sempre jogado no ar para mim na hora que acontece.
— O que aconteceu com a Lya? Você sabe? — uma das irmãs dele
se senta ao meu lado, se afastando deles que conversam — Sou a Sky,
irmã mais nova do charlatão — ela sorri para mim como se tivesse
adivinhando que eu estivesse tentando saber seu nome — É Jane seu
nome né — confirmo com a cabeça.
— Bom, eu devia ser direta ou você aguenta o baque? — pergunto e
ela solta um leve riso.
— Ela está internada?
— Ela já estava há alguns dias mal e essa noite piorou, pelo que
entendi no histórico familiar ela já estava sujeita a…
— Leucemia? A Lya tá com Leucemia? — Sky indaga se virando para
Aidan, interrompendo a conversa deles — Os médicos já confirmaram
isso Aidan? — ele assente sério e elas ficam em choque sem saber o que
falar.
— E você pelo visto não ia avisar a gente se não tivéssemos ligado né
— Willa, a mais maquiada entre as três indaga se sentando num dos
bancos, levando a mão á cabeça — Puta merda viu — ela resmunga.
— Se desesperar não vai ajudar em nada gente. Leucemia tem
tratamento — Trace intervém apertando o ombro de Aidan o acalmando.
— Por que vocês não vão para casa? Tem muita gente aqui — ele diz
e as quatro negam.
— Queremos visitar ela, ficaremos com você querido — Trace diz e eu
sorrio com sua fala e sua postura de mãe.
Ela tem a voz tão doce e é tão calma que eu ficaria a noite toda
ouvindo ela falar.
— Vocês podem ficar lá em casa, Kurt virá buscar vocês — ele insiste.
— Se você prefere assim, podemos voltar amanhã para ver ela. Ela
vai vir para casa? — Willa pergunta.
— Bem provável que sim — Aidan responde.
— Aonde é que vocês estavam que essa garota está vestida assim?
— Dahlia a outra irmã de Aidan questiona.
Já decidi. Não gosto dela. Como é grossa e gosta de intrometer aonde
não é chamada.
— Apresentação do novo dono de 50% das ações da WTM — Aidan
responde duramente e ela arqueia a sobrancelha.
— Você é o quê? — ela me pega de surpresa e sem saber o que
responder, apenas me levanto de onde estou sentada segurando meus
sapatos.
— Ela é uma amiga Dahlia, eu já disse — o Aidan responde.
— Ah, então é assim, você chama uma amiga para ir numa festa onde
você vendeu a empresa sem falar com a sua família e quem você deveria
ter chamado, que somos nós, e temos parte disso, você não chama —
Dahlia retruca ele e Sky a irmã mais nova suspira saindo de perto
resmungando “Vocês não dão uma folga nem dentro do hospital.”
— Gente, aqui não é lugar para brigas, estamos aqui pela Lya. Vamos
resolver coisas da empresa em casa. Por favor Dahlia, nós combinamos
que seria sem briga. Acho melhor irmos para casa, como o Aidan falou.
Nossa prioridade agora é a Lya — a mãe intervém.
— É, vamos para casa e o deixar torrar todo o dinheiro com
mulherzinhas. Aliás, já está falindo mesmo né — Dahlia cospe as
palavras se referindo a mim e eu respiro fundo dando um passo na
direção dela, mas Aidan segura minha mão como se quisesse conter
minha fúria que no momento desce pela minha garganta e eu engulo tudo
calada.
Mas só hoje.
Só porque é a Lya.
Só porque isso é um hospital.
— Vou para casa — anuncio e dou as costas antes que o Aidan possa
dizer qualquer coisa.
Entro no elevador e antes que a porta se feche ele entra ofegante.
— Me desculpe por isso — ele pede e eu aperto o botão do térreo —
Você vai para casa? — Aidan pergunta e eu o olho como se fosse muito
óbvio — Espera o Kurt vir.
— Para quê?
— Jane, eu sei que minha irmã Dahlia é complicada. Mas, será que
não podia ficar lá em casa? — nego no mesmo instante — Olha, eu sei
que você não conhece elas, mas, eu preciso tanto de você agora. Eu me
sinto deslocado perto da minha família e também nunca nos vemos, eu
nem sabia que elas viriam.
— E por que precisa de mim? — questiono cruzando os braços —
Elas não gostam de mim e faltou isso para eu não fazer um barraco
naquele lugar Senhor Whitmore.
— Você pode me chamar de Aidan, — ele me corrige — Eu preciso de
você porque você deixa tudo melhor entende? Eu não vou aguentar ficar
meia hora com elas naquela casa sem ter ninguém para…
— Para sua irmã ficar esnobando?
— Não Jane, por Deus. Elas não vão ficar muito tempo. Só não quero
ficar sozinho lá com a Lya.
— E eu não posso ir só depois que forem embora? — ele nega.
— Não, porque quero apresentar você para elas.
|29|
|“Minha jaqueta fica tão bem quando ela está pendurada sobre suas
costa” Sex/ The 1975.

— Está querendo dizer o que com isso? — paro no meio do caminho


e ele se vira para mim.
— Jane, — o moreno faz uma pausa para respirar fundo — Quero
esclarecer que é você quem vai me ajudar a cuidar da Lya. Que não é
uma qualquer que estou saindo.
Ah claro. Me apresentar como a Babá.
Até parece que ele me pediria em namoro.
— Você faria isso? Aceitaria voltar a cuidar da Lya? Ela gosta
bastante de você — ele pergunta.
— Sim eu... Claro — assinto ainda desiludida com o que achei que ele
faria — Mas preciso ir para casa, Eu... Preciso trocar de roupa e...
Chorar um pouco.
— E?
— Depois eu passo lá — pigarreio sentindo um nó em minha garganta
se formar — Você vai ficar bem sozinho?
— Sim, eu preciso assinar uns papéis e resolver com os médicos se
ela vai ser liberada mesmo hoje ou se a Lya vai ficar alguns dias em
observação — assinto — Tem dinheiro para o táxi? Ou quer que o Kurt te
leve?
Levando em conta que eu estava com Alec e ele estava de carro e eu
não tenho grana nenhuma na carteira...
Meu Deus, se ele não tivesse vindo atrás de mim eu ia ficar jogada na
porta do hospital pedindo carona.
Eu me submeto a cada papel de otária.
— Se quiser pode subir, — comento me abraçando devido ao frio da
noite.
— Obrigado Jane, por ter vindo. Eu fiquei tão... — e aí ele suspira
lembrando o real motivo que o trouxe aqui.
— Por nada.
— Leva isso — ele diz tirando seu terno.
— Não precisa. Sério, de verdade. Já estou estilosa demais para usar
esse terno de mil dólares — brinco me negando a pegar, mas ele não
discute e põe sobre os meus ombros ficando só de camisa e gravata —
Obrigada — agradeço.
— É o que um cavalheiro faria — ele dá os ombros tentando
descontrair.
— E você por acaso é um cavalheiro? — debocho.
— Eu sou, mas só quando encontro uma mulher descalça, vestida de
amarelo cintilante num hospital — o moreno responde e eu assinto em
ironia.
— Uma vez na vida pelo menos — ele assente se divertindo — Olha,
eu não queria colocar isso, eu fui obrigada — me explico puxando um
pouco para cima a barra do vestido para não pisar nele.
— Foi obrigada também aparecer numa festa com um cara para me
fazer ciúme?
— Você poderia não demitir ele? — junto às mãos o fazendo soltar um
riso em divertimento.
— Só se assumir o que fez — ele levanta uma sobrancelha.
— Eu não fiz nada — me nego.
— Tudo bem, — e aí ele dá os ombros sem se importar muito.
— Foi idéia da Amanda — digo caminhando para fora do hospital
levando em conta que estávamos na entrada impedindo as portas
automáticas de se fecharem.
— Então faça um favor para mim? — ele se vira e eu assinto.
— Você me demite, mas vive pedindo meus serviços né — brinco e
ele sem aviso ele me puxa pela cintura e beija meus lábios levemente,
colando sua testa na minha e me permito fechar os olhos por um
momento.
— Agradeça a Amanda por mim, por ela ter te obrigado a ir naquela
confraternização desse jeito, linda para cacete — ele diz ainda com a
testa colada na minha e eu sorrio assentindo.
Na rua, ouço Kurt buzinar e noto que Sky a irmã mais nova de Aidan
está parada na entrada do hospital com a boca aberto num perfeito 'o'
— Tá legal, já vi coisa demais aqui — ela diz descendo as escadinhas
que levam á rua e entra no carro — Se ninguém pode saber disso, então
se separem logo que a mamãe e as meninas já estão descendo — ela diz
nos avisando abrindo o vidro do carro.
— Kurt vai te deixar em casa — Aidan me leva até o carro e evito ao
máximo puxar assunto com Sky, com medo de que ela me pergunte o
que eu e Aidan temos e eu não saiba responder.

O percurso no carro com as três irmãs de Aidan é feito em silêncio.


Trace ficou para fazer companhia, e eu sinto como se não pudesse
respirar, caso contrário sua irmã Dahlia irá questionar porque estou
respirando e eu acabe por jogar ela para fora do carro.
Kurt deixa primeiro elas na mansão percebendo que estou de alguma
forma incomodada. Quando elas saem do carro, vou para o banco da
frente e abro os vidros.
— Não aguentava mais ficar em silêncio — comento quando ele dá a
partida.
— Achei estranho que não puxou assunto — Kurt solta um leve riso.
— Não sei o que conversar com gente chique assim — murmuro.
— Claro que sabe. Você fala sobre tudo, até sobre esquilos se duvidar
— nego rindo.
— Mas acho que hoje o clima não está favorável para falar sobre
esquilos — ele gargalha com meu comentário.
— Como está a pequena? — Kurt pergunta.
— Em observação. O médico disse que o exame testou positivo para
Leucemia — Kurt levanta as sobrancelhas.
— O Senhor Whitmore está bem? — dou os ombros.
— Eu acho que a presença das irmãs dele ajudou um pouco.
— Ou não né — ele comenta.
— Quando chegamos ele estava sem chão sabe — Kurt assente
esperando que eu continue — Quando elas chegaram ele ficou
mais... caramba Kurt, ele me beijou, tipo não foi um beijo, só um selinho,
mas foi um selinho demorado e molhado — vejo Kurt fazer uma cara de
nojo como se quisesse dizer 'não precisa entrar em detalhes.
Mas eu estava tão louca para falar para alguém. E se esse alguém é o
Kurt, tudo bem.
Kurt solta um leve riso.
— Isso não quer dizer que ele ficou mais tranquilo por causa da
família dele. Mas por causa de você. O Senhor Whitmore não vê as irmãs
há anos, e eu trabalho há muito tempo para ele e só vi elas no enterro
da... — e aí ele se cala — Mas enfim, que bom que você voltou — ele me
dá uma breve olhada estacionando em frente á casa de Amanda.
— Levando em conta que você quase me deu um tiro — comento
antes de sair do carro ele gargalha balançando a cabeça.
— Tinha quase me esquecido que você é uma criminosa — ele
comenta antes que eu saia do carro.
— E você um cúmplice de um roubo de carro — retruco e me despeço
dele.
— A gente se vê árvore de Natal — ele me zoa pelo vidro.
— Árvore de Natal é verde, esse vestido é amarelo.
— A de rico é dourada — ele ri dando partida — A gente se vê ruiva
— sorrio de volta.
— A gente se vê Kurt — me despeço e vejo Amanda correr para fora.
— Kurt? — ouço a voz da última pessoa que eu queria ver na minha
frente agora — Fico feliz que tenham superado seu término com
Addam maninha.
|30|
|“Porque eu tô vivendo tão bem, mesmo você tendo partido meu
coração, baby. Mas eu me recompus, estou novinha em folha, meu bem.
Cara, leia meus lábios, eu já superei, superei.” — Shout Out To My Ex/
Little Mix.

Jenna.
Mas a questão não é a presença dela. A questão é o por quê da
presença dela.
— Nossa que roupa é essa? Quer dizer, é a roupa que suas
madrinhas iriam usar? — ela diz me cumprimentando com um beijo no
rosto, mas eu não me movo para corresponder.
Como ela tem a audácia de aparecer assim como se nada tivesse
acontecido?
— O que está fazendo aqui? — cruzo os braços e Amanda sai para
ver com quem estou falando.
— Eu tentei dispensar ela, mas… Aqui está — Amanda tenta se
explicar.
Entramos e ela vem logo atrás, andando com seu par de botas de
salto alto.
Andando como uma gata de raça com medo de molhar os pés.
— Mamãe já falou para você parar de andar com essa garota
barraqueira e você insiste né.
— Olha aqui cabelo de salsicha, abaixa sua bola se não te coloco na
rua — Amanda enfrenta ela apontando o dedo e Jenna fingindo-se de
ofendida levanta as mãos com tom de ironia.
— Você bate em grávidas agora? — ela diz e eu ergo a sobrancelha.
— Você está grávida? — questiono guardando meus sapatos.
— Você será titia Jane! — Jenna se anima me dando a notícia e não
consigo esboçar nenhuma emoção.
— Veio aqui para me falar isso? — ela assente.
— Sim, eu pedi para mamãe trazer o convite, mas ela disse que não
ia voltar ao subúrbio, no fundo do poço onde você estava — assinto
erguendo a sobrancelha — Tentei te mandar o convite eletrônico, mas
você bloqueou eu e todo mundo né. Então vim pessoalmente te trazer o
convite. Quero muito que você vá maninha, e por mais que tenha
acontecido aquele ocorrido, Addam e eu fazemos questão de você no
chá de bebê — Amanda gargalha totalmente surpresa.
— Ah! — digo ainda chocada com o que ela acabou de falar.
Chocada não por ela estar grávida do Addam, mas pela naturalidade
com que ela está me convidando.
— Além de ter dado para noivo dela, ainda engravidou — Amanda
bate palmas — O que mais você fez? Se mudou para o apartamento
deles?
— Precisamos de um lugar para morar e já que a Jane não quis
atender os telefonemas de Addam para resolver, nem quis falar com ele
quando se viram, deduzimos que poderíamos ficar por lá.
Fico muda.
Não consigo dizer nada. Não que eu esteja abalada, mas… Minha
irmã literalmente ficou com tudo o que era meu.
Primeiro meu noivo, depois meu apartamento e agora meu sonho de
ser mãe.
— Addam não te ligou? Ele disse que conversou com você
pessoalmente, mas você não quis nem olhar na cara dele.
— Tentou conversar ou veio me pedir para voltar? — retruco.
— Você acha que ele é a fim de você ainda? Pelo amor de Deus né
Jane, ele nem gostava de você quando ainda estavam juntos e agora tá
me falando que ele pediu para voltar? — Jenna leva as mãos á cintura
irritando-se comigo e eu gargalho.
— Você está surpresa? Acha que vai demorar quanto até você pegar
ele na cama com outra? — cruzo os braços e Amanda faz um gesto com
a cabeça como se quisesse dizer “Caraca Jane, mandou bem agora ein”.
— Bem que a mamãe falou, você está louca. Você é uma obcecada
pelo Addam. Tenho mesmo que tomar cuidado — gargalho alto
propositalmente com a fala dela.
— Tomar cuidado comigo?! A nossa mãe veio aqui e falou mal dele
para mim, e agora é comigo que você tem que tomar cuidado?!
— Ela ama o Addam, sempre amou. Desde que, estavam juntos —
ela cruza os braços se justificando.
— Tá bom Jenna, muito obrigada pelo convite, mas não espere pela
minha presença, eu tenho muita coisa para fazer aqui nesse subúrbio do
fundo do poço onde estou, você já pode ir embora — perco a paciência e
caminho até a porta.
— Você está com inveja de mim — abro a boca como num perfeito 'o'
com o que ela acabou de dizer — Só porque eu vou ter um filho primeiro
e você nunca vai dar certo com ninguém, porque é infantil, lerda, burra,
louca e agora uma chifruda que perdeu para mim — ela se inclina para
mim se sentindo inferior — Você sempre perde para mim Jane, eu
sempre serei a preferida, e você sempre a fracassada — meu sangue
sobe e eu sinto meus olhos lacrimejarem de ódio.
— Por favor né, chega de palhaçada por hoje — Amanda intervém me
puxando dali.
— Volte para mansão das Blanchetthh e seja muito feliz com seu
noivo, e façam bom uso do dinheiro que NOSSO PAI, deixou para NÓS
DUAS e que VOCÊ E A MAMÃE gasta com a merda dessas roupas de
perua! — berro e bato a cara na porta dela.
— JANE BLANCHETTHH JOHNSON! ABRA AGORA ESSA PORTA!
— Jenna berra do lado de fora enquanto eu encostada na porta fecho os
olhos fortemente querendo abrir novamente a porta e dar uma lição nela.
Ela logo para de gritar e vai embora enquanto queimo o convite
chorando.
— Eu não devia fazer isso com esse convite Amanda, é um bebê, que
não tem culpa do que essa perua fez — choramingo enquanto Amanda
toma da minha mão e jogo pela janela — Eu sempre quis ser tia, mas não
desse jeito.
— Calma Jane, relaxa. Isso não te faz a pior pessoa do mundo — ela
diz apertando meu ombro num gesto de solidariedade — Isso é demais
para minha cabeça. Aquela garota mimada merecia uma bela de uma
lição — ela diz pegando um copo de água para mim — Como foi a sua
noite? — ela se senta animada esperando eu contar os detalhes e um
sorriso bobo escapa pelos meus lábios.
— Ele me beijou — digo e ela pula da cama gritando.
— EU SABIA JANE, EU SABIA! AAAAAAA VOCÊS VÃO TER
FILHOS LINDOS E RICOS! O SEU NOME VAI SER JANE WHITMORE
JOHNSON, Blanchetth nós tiramos. Estou tão feliz sabia? — ela segura
meu rosto com as duas mãos e beija minha testa.
— Ele falou para eu agradecer você por ter me obrigado a ir
assim linda para cacete — engrosso a voz imitando a postura dele e ela
pula de alegria.
— Viu! Falei que você ia amolecer o coração dele com esse vestido
amarelo garota — ela se gaba e eu gargalho me jogando na cama com
ela — Vocês estão bem agora? Vão namorar? Ele vai te dar uma
aliança? Vocês transaram para reconciliar? Vai tagarela abre essa boca
— Amanda pergunta animada.
— Não, só… Conversamos e… A filha dele está com Leucemia e pelo
que parece a mulher dele morreu disso também, o que eu não sabia e
que ele não falou, mas deduzi e achei melhor não perguntar. As irmãs
dele apareceram lá no hospital, uma das irmãs dele não gosta de mim, a
outra mais nova nos flagrou juntos depois dele ter dito para elas que
éramos só amigos, e a outra… Deve ser legal — explico suspirando —
Ele estava tão mal sabe. Sem chão, nem parecia o chefão da WTM.
Fiquei triste, e ele pediu para eu ir ajudar a cuidar de novo da Lya —
Amanda assente se sentando na cama em posição de índio.
— Isso só quer dizer uma coisa.
— O quê?
— Que vou voltar a ver o segurança-barra-motorista-barra-
gostosão de novo — ela brinca e eu reviro os olhos — Falando sério
agora, você está entrando num campo minado Jane, e para voltar para lá,
você tem que estar preparada.
— Preparada como?
— Filha doente, esposa morta, irmãs que não gostam de você, uma
governanta que parece que morreu e esqueceram de enterrar, um cara
sistemático e cheio de regras tentando te manter para todo o sempre
dentro daquela mansão… Você precisa saber onde está se metendo
amiga. Você precisa descobrir o que aconteceu no passado daquela
mansão ou vai ficar presa naquela casa com o Senhor Whitmore e o
passado dele e não vai conseguir ser feliz com ele. Já reparou que
sempre acontece algo e você sempre fica sabendo na hora? — ela diz
tirando a conclusão e por mais que ela esteja colocando drama demais
numa história simples, sinto fazer sentido o que ela diz.
Eu preciso saber o que aconteceu naquela casa, com aquelas
pessoas, ou vou me tornar só mais uma naquele lugar. Que não pode
perguntar, que segue as regras e que não contesta em nada.
Meu celular toca interrompendo nossa conversa secreta.
— Jane, o Senhor Whitmore quer saber se você já trocou de roupa e
arrumou suas roupas — arregalo os olhos enquanto Joanna pergunta.
Abafo o celular no peito.
— É da casa do senhor Whitmore — sussurro para Amanda.
— Fala que...
— Nem se arrumou ainda né — ouço o Senhor Whitmore assumir a
ligação e eu me engasgo.
— Eu… É, eu nem tirei a roupa — assumo — Tá legal aconteceu uma
coisa aqui, mas pode falar para o Kurt vir — suspiro.
— Aconteceu algo? — balanço a cabeça mesmo sabendo que ele não
pode ver e fechando os olhos, volto a me lembrar da visita de Jenna e
das coisas que ela me disse — Estou indo te buscar pessoalmente
— Aidan diz encerrando a ligação.
|31|

O trajeto até a casa do Senhor Whitmore é feito em silêncio.


Tem tantas coisas passando pela minha cabeça. Coisas que fazem
tanto sentido e ao mesmo tempo não.
Ás vezes faz todo o sentido eu ter conhecido o Senhor Whitmore e
viver tudo isso que estou vivendo agora. Mas ao mesmo tempo, parece
que está tudo uma bagunça na minha vida.
Addam, Jenna grávida, minha mãe, meu emprego, o Senhor
Whitmore, Lya, a família dele...
— Está chateada com o que? — ele quebra o silêncio me dando
uma breve olhada.
Suspiro.
— Minha irmã apareceu lá hoje. E ela está grávida — ele assente.
— E o que tem?
— É do Addam — Aidan ergue a sobrancelha e por um momento
fica em silêncio.
— O que ela foi fazer lá? — Aidan pergunta depois de alguns
minutos.
— Esfregar na minha cara a barriga dela e me chamar para chá de
bebê.
Aidan assente em ironia.
— Entendi — ele diz e me olha por um instante — Espero que não
fique triste por isso. Cada um tem aquilo que merece e você não é o tipo
que precisa competir por um homem de pouco caráter como ele — Aidan
repousa a mão sobre a minha coxa e dá um breve sorriso.
A casa tem apenas algumas luzes acesas, o casarão é todo
iluminado por fora e os sensores são ativados para regar ao gramado.
Estou de volta.
Assim que Aidan estaciona o carro, abro a porta, mas ele não a
destrava.
— Você está assim por que... Você sente ainda alguma coisa pelo
seu noivo? — ele pergunta sem aviso e eu me viro para ele.
— Claro que não. Eu só... Acontece que você não ouviu o que ela
me disse — me defendo enquanto ele me olha duvidoso.
— Você está tão abalada. Se tivesse só nervosa, tudo bem. Mas
está abalada, e pensativa — suspiro com a fala dele.
— Abalada pelo quê? Pela minha irmã ter esfregado na minha
cara que ela sempre vai ser a melhor? Sempre vai ganhar de mim?
Sempre vai a preferida? Vai ter um filho primeiro que ao contrário de mim,
que nunca vou me dar bem porque sou uma, lerda, burra, chifruda e
mesquinha? Ah claro, quer saber, estou abalada mesmo, porque é a pura
verdade — respondo saindo de dentro do carro e ele vem atrás de mim.
— Jane, claro que não — solto um riso em ironia.
— Ah não? Me diz então por que droga você não me fala merda
nenhuma da sua vida? Por que sou lerda demais para entender? Por que
me mandou embora duas vezes? Por que eu sou burra e não sei fazer
nada direito? Por que não me apresenta logo para sua família? Ah não,
só como Babá né, — engrosso a voz — E eu sou mesquinha demais para
voltar aqui, sabendo que se você quiser me beijar, eu vou corresponder!
— solto um grunhido irritada com a idéia que ele deu sobre eu ainda ser
afim do Addam.
— Vai chorar agora? — ele cruza os braços e eu assinto.
— Sim — eu bufo.
Aidan estende o braço para mim e eu praticamente desabo nos
braços dele.
— Eu nem devia estar chorando — tento me justificar em meio aos
soluços.
— Tudo bem Jane. É a sua fragilidade que me faz ser forte — ele
confessa num suspiro acariciando meus cabelos em meio a um abraço
apertado enquanto nossas roupas molhadas pelos sensores colam em
nosso corpo.
A porta de entrada se abre e nós nos separamos por um momento.
— Já está tarde queridos, vão se secar — é Trace, com duas
toalhas nos esperando na porta.
Ela veste um roupão de seda vinho de dormir. O mesmo que tem no
meu quarto de visitas que no tempo que estive aqui, nunca usei e sempre
achei que ficaria parecendo uma velha madame fresca vestida nele. Mas
ele está completamente elegante.
Não tem ninguém na sala, o que deduzo que já que foram todos
dormir, para minha felicidade, já que agora, não estou com cabeça para
lidar com as irmãs dele. Não agora.
Entro em meu quarto. O primeiro do corredor no segundo andar. Ligo
a TV num volume baixo e me deito por um momento tentando me
concentrar no reality show de culinária que passa no canal, mas me
frustro.
Por Deus, como minha irmã teve a coragem de aparecer lá? E ainda
me fazer um convite daquele?
O que mais ela vai querer? Que eu seja a madrinha dela quando eles
forem se casar?
Me reviro na cama irritada com essa idéia e me forço a dormir, porém
minha mente passa e repassa respostas que eu devia ter dado a Jenna e
agora perdi a chance.
Daria tudo para voltar naquela cena de novo e dar um tapa na cara
dela.
Por Deus, eu estou tão triste. Sinto como se nada desse certo na
minha vida e tudo sempre virasse confusão, porque é o que acontece.
Se algo embolar, tropeçar, rolar uns três lances de escadas e ainda
bater com a cara numa porta de vidro, pode crer que essa pessoa sou eu,
e quem me empurrou foi a vida.
E agora mais essa. Relâmpagos.
Tem algo pior do que relâmpagos?
Ah sim, minha irmã grávida do cara que era para ser meu futuro
marido ou ter sido mandada embora do emprego dos meus sonhos.
Quer dizer, dois empregos.
Tudo bem que na cafeteria eu seria mandada uma hora ou outra,
porém é frustrante a forma como não consigo manter nada na minha vida
por muito tempo.
E agora estou chorando e sujando o travesseiro chique da mansão do
Senhor Whitmore de catarro enquanto abafo meus soluços para ninguém
ouvir.
Eu só queria acabar com tudo isso logo de uma vez e eu sei que
consigo levar isso numa boa, como a Jane faria. Mas às vezes cansa dar
uma de doida, às vezes só queremos encarar uma situação, resolver ela
e ficar bem, ao invés de ignorar e achar que nada está acontecendo.
Porque isso não resolve nada. Pelo contrário eu sinto isso tudo me
consumir cada vez mais.
Eu só queria não precisar encarar. Só queria ter alguém para cuidar
de mim como quando tinha meu pai.
Só queria isso agora, alguém que me protegesse da droga dessa
vida adulta, alguém que me ajudasse a lidar com isso pelo menos com
um abraço apertado e quentinho, enquanto a chuva cai lá fora e os raios
tentam me partir no meio.
Os raios não param. Nem lá fora, nem aqui dentro.
Por um momento prendo a respiração quando sinto algo rodear minha
cintura. Com a cabeça coberta continuo imóvel até escutar sibilarem no
meu ouvido.
— Impossível dormir com você chorando desse jeito — o Senhor
Whitmore diz tirando a coberta da minha cabeça me puxando para junto
de seu peito.
|32|
|“É engraçado, você é quem está destruído, mas eu sou a única que
precisava ser salva, porque quando você nunca vê a luz é difícil saber
qual de nós está desabando.” Stay/ Rihanna feat. Mikky Ekko.

O moreno está sem camisa, e sua pele está quente e se mistura com
o cheiro único da sua colônia importada.
Ele estica o braço até o criado mudo para pegar o controle e desliga a
televisão deixando aceso só o abajur chique eu não sabia como ligar.
Tento conter meu choro, mas estou em crise. Não consigo sequer
conter um soluço sem que meu ouvido fique entupido. Ele acaricia meus
cabelos tirando eles do meu rosto.
— A chuva vai parar já, já — ele comenta se referindo aos raios e eu
assinto.
— Mas esses problemas não — digo em meio a um soluço.
— Depende de como você lida com eles.
— Aé? Então eu deveria simplesmente sentar a porrada em todo
mundo? — ele nega.
— Isso não acabaria com o que está aqui dentro — ele aponta para
meu peito — Nem com esse medo de raios — reviro os olhos — Jane,
você precisa parar de construir essa barreira que você tem — arqueio a
sobrancelha.
— E o que você sabe sobre barreiras?
— Eu sou assim Jane, sempre fui.
— Tá, tá, dane-se — interrompo secando o rosto.
— Já você, não. Você é frágil. Nunca daria uma surra em uma
pessoa. Muito menos faria mal para alguém. Você não é impaciente como
demonstra, sabe por quê? Porque suporta muita coisa e não faz nada —
ele diz e sinto como se tivesse tomando um chute no estômago com suas
palavras — Diz que não liga para muita coisa, mas sabe que te atinge —
espremo os lábios tentando conter minhas lágrimas que voltam a rolar
pelo meu rosto — Você não fala o que tem que ser falado, e depois fica
se flagelando quando está sozinha se perguntando o por quê das coisas
estarem assim, porque você não tem respostas para isso — ele diz sem
ter um fio sequer de pena das palavras duras que está me falando.
— E o que você quer que eu faça? — cubro o rosto — Essas
pessoas… Acabaram com a minha vida e eu não consigo agir como se
estivesse bem com isso.
— Você não precisa fazer nada ruiva. Você precisa deixar alguém
cuidar de você — balanço a cabeça.
— Quem? A última pessoa que disse que cuidaria de mim, me traiu.
— Eu jamais trairia você Jane, você é especial demais para pessoas
tão rasas como seu ex, sua irmã, sua mãe… Por favor, é o que eles
querem. Ver você assim. Eles falam desse seu jeitinho, mas — ele solta
um leve riso — É lindo. É lindo ver alguém que tinha prazer de trabalhar
como estagiária, mesmo sobre pressão e fala que sente falta mesmo
depois de ser mandada embora. Ver você defendendo uma amiga de
trabalho que acabou de conhecer, assumindo seus erros, pedindo para
eu não demitir seu amigo que disse para mim que vocês estavam juntos
— ele ri lembrando e eu cubro a cabeça — Jane, você é muito mais que
uma lerda, burra, mesquinha ou uma fracassada. Essa casa… Todos
esses anos me parecia tão escura e fria. E agora com você aqui, tudo
mudou. Olha para essa cicatriz na minha testa — ele brinca — Você
marca a vida das pessoas com esse seu jeito. Por onde você passar,
sempre vão lembrar de você. Por favor, não sofra com isso, essas
pessoas têm medo do seu potencial.
— Por que você está falando isso para mim? — choramingo dessa
vez emocionada e surpresa pelas palavras dele.
— Porque ninguém ilumina tanto um lugar como você ruiva. Eu não
quero te ver assim, nem vou deixar que te deixem assim. Você não é
qualquer uma como eles pensam. Pode não ter ninguém da sua família
que te apóie, mas você ainda tem a mim — ele me dá um breve sorriso
fazendo um gesto com a cabeça e eu estremeço puxando as cobertas
quando um raio corta o céu.
— Falta muito para amanhecer? — pergunto me encolhendo junto
dele.
— Depende do seu ponto de vista — ele diz apagando o abajur.
— Por quê?
— Porque seu problema com raios acaba quando a chuva passar e
amanhecer, o meu problema só acaba com você por perto — ergo a
sobrancelha com a cabeça coberta e há silêncio até eu descobrir a
cabeça e olhar para ver se ele está me zoando, mas ele está sério e me
olha só de volta.
Meus lábios se abrem, porém, não emitem som enquanto encaro seus
lábios tão perto dos meus. E ele sabe que é um pedido desesperado para
que ele os tome para si.
|33|
|“Porque eles dizem que lar é onde seu coração está gravado, é onde
você vai quando está sozinho, é onde você vai para descansar seus
ossos. Não é apenas onde você deita sua cabeça, não é apenas onde
você arruma sua cama. Contanto que estejamos juntos, importa pra onde
vamos? Lar”Home / Gabriele Aplin.

Nunca senti precisar tanto de uma pessoa como essa noite.


Não vou mentir, o Addam foi meu único homem e por cinco anos
acreditei que ele era o homem da minha vida e que eu estava destinada a
ele, até ser traída.
Addam me ensinou que o tempo não quer dizer nada.
Com ele, posso ter passado por todos os processos. Primeiro
encontro, primeiro beijo, buquê de flores, cartões, pedido de namoro,
nossa primeira vez, alianças, noivado… Nada disso importa se o
sentimento não for real. Nada disso importa se a pessoa te faz se sentir
insuficiente o tempo todo. Nada disso importa se você não se sentir
verdadeiramente amada.
Porém, por mais que ele tenha marcado todas as minhas primeiras
vezes, não consigo esperar que todo esse processo aconteça. A única
coisa que eu consigo fazer é me entregar e é surreal.
Desde aquele dia em que ficamos em cima do meu carro, não
consegui parar de pensar em como fui uma irresponsável tomando uma
atitude precipitada como aquela. Mas agora, é como se eu pudesse sentir
o mesmo sentimento, a mesma vontade, como se agora todas as minhas
incertezas estivessem ficando para trás.
Nunca achei que ele seria capaz de me falar coisas tão lindas como
agora. Por Deus, eu precisava tanto disso. Me sentia tão perdida e agora
parece que encontrei meu lugar. Aqui, e com ele.
Um gemido com o nome dele escapa pelos meus lábios enquanto
agarro suas costas rodeando minhas pernas em sua cintura.
Ouço ele ofegar junto ao meu ouvido enquanto abafo meus gemidos
na curvatura de seu pescoço tatuado.
Parece que sempre sabemos exatamente o que o outro quer, desde
um beijo até a nossa respiração que desregulada se torna uma só
ecoando pelo quarto.
E tudo bem se ainda não temos nada sólido, eu sei que ele quer isso
tanto quanto eu e tudo bem se não for isso que estou premeditado, eu
não ligo para o que vem depois, nem para o que veio antes, só consigo
pensar no agora, aqui, com ele me amando, ouvindo voz rouca chamar
meu nome, seus lábios chuparem a pele sensível de meu pescoço, só
consigo pensar nos nossos corpos suados se chocando um do outro,
como se tivessem esperado anos por esse momento.
Os raios lá fora se tornam meros raios em meio aos nossos gemidos e
ele joga os travesseiros para longe apoiando minha cabeça em seu
antebraço e com o outro, ele segura na cabeceira da cama enquanto
imploro por mais, e ele acelera os movimentos saindo e entrando em
mim.
Ele me olha por um instante colando a testa na minha e por Deus,
como amo quando ele junta nossas testas. Fecho os olhos enquanto
juntos acalmamos nossas respirações.
— Não acredito que tenho você — ele sibila ainda ofegante — Quero
que saiba de uma vez por todas que você não foi o meu azar. Sou um
homem que tirou a sorte grande — sorrio com a fala dele e fecho os
olhos enquanto ele me beija mais uma vez.
O moreno se deita ao meu lado me puxando para seu peito e
enquanto encaramos o teto, ele acaricia meus cabelos até eu dormir.
|34|
|“Você parece tão rico, aquele rostinho e aquela tatuagem. Seus olhos
castanhos me agarraram. Eu não quero mais ninguém que não seja você
na minha cama” Tatoo/ Rauw Alejandro

No dia seguinte, levanto da cama quando Aidan ainda dorme. Eu o


observo dormir por alguns minutos enquanto os flashes da noite passada
percorrem minha mente e me vejo sorrindo ao olhar para o moreno dos
ombros largos e fortes.
Aproveito também para apreciar sua beleza estonteante. Sua pele
morena bronzeada é tão linda que chega a fazer qualquer mulher perder
o fôlego. Os braços são fortes e veias grossas se sobressaem pela sua
pele cheia de traços pretos que delineiam até as mãos.
O braço do qual eu havia quebrado no acidente é completamente
fechado por desenhos que você quase não consegue decifrar se não
olhar fixamente e por mais que sejam desenhos distintos um dos outros,
juntos na pele dele, parecem fazer todo o sentido estarem ali.
O desenho que mais chama a minha atenção é a rosa tatuada no seu
antebraço. O desenho é formado apenas por linhas minimalistas. O galho
da rosa é formado pelo nome Lya e a estrutura da flor forma um W de
onde as pétalas se unem. É uma verdadeira obra de arte, que define bem
quem Aidan Whitmore é. Alguém extremamente calculista e
perfeccionista.
O moreno se meche e antes que ele acorde e me flagre ali, vou para o
banheiro tomar um banho rápido e quando saio do banheiro Aidan já não
está mais no quarto.
Visto-me com um vestido leve florido e tranço meus cabelos.
Saio para o corredor e vou até o quarto de Lya que está com a porta
aberta, Joanna está lá com uma bandeja com um copo de água e alguns
comprimidos enquanto ela se nega a tomar.
— Querida, se quiser melhorar, você precisar tomar os remédios
certinho — Joanna orienta ela enquanto eu as observo da porta — Você
prefere os comprimidos ou prefere voltar para o hospital e tomar várias
injeções? — arregalo os olhos junto de Lya.
Essa mulher sabe mesmo como assustar uma criança.
— Mas eu estou melhor já, tia Jô — Lya explica tampando a boca.
Dá para ver que ela não está melhor. Ela está pálida, com os olhos
fundos, emagreceu muito da última vez em que estive aqui na casa e
pela quantidade de coisa que tem no quarto, maleta de primeiros
socorros, uma TV em cima da sua cômoda rosa onde ficam seus
perfumes. Garrafa de água, uma bandeja de café da manhã, presumo
que ela não vai sair do quarto nem tão cedo.
Joanna suspira dando as costas, vindo em minha direção.
— Fale com ela antes que passe da hora de tomar os remédios, e o
enfermeiro auxiliar chegue. Ele vem para analisar o ambiente para ver se
o lugar é apto para o tratamento dela, caso contrário ela voltará para o
hospital. Então se ele chegar e essa bolinhas não estiverem no estômago
dela… Você já sabe né — Joanna diz descendo as escadas antes
mesmo que eu possa assentir.
— Bom! — exclamo chamando atenção dela e me sento na beirada
da cama — Já ouviu falar de bolinhas mágicas? — ele nega — Pois é, eu
vou te contar uma história então — solto um longo suspiro encarando a
bandeja cheia de remédios.
Por Deus, tem muito remédio aqui.
— Mas quem me garante que eu vou ter super poderes? — Lya me
questiona e eu suspiro.
— Se você não tomar, nunca vai saber — ela assente para mim a
cada palavra que digo — Então se você quiser algum dia ser uma garota
super poderosa, vai precisar tomar todos — ela levanta as sobrancelhas
— Vamos lá? — ela assente e eu dou o primeiro segundo, terceiro,
quarto, até o que não teste mais nenhum comprimido na bandeja e
quando ela toma o último gole no copo de água, me sinto orgulhosa.
Viro-me para a porta e só agora percebo estar sendo observada por
um rapaz branquelo de olhos verdes vestido de branco.
— Ãh, — pigarreio — Posso te ajudar em algo? — pergunto me
levantando.
— Ah claro, eu quero uma bolinha para virar o Superman, você tem
dessa aí? — ele brinca entrando no quarto, colocando sua maleta branca
em cima da cama.
O rapaz abre a maleta, pega um algodão molha num pote de álcool
que trouxe também, põe as luvas, tira um garrote de lá de dentro e sem
aviso amarra no braço de Lya.
— Tudo bem minha linda, é só não olhar — ele diz para Lya que se
apavorada quando ele tira a agulha — Olha para sua tia ali. O tio só vai
dar uma picadinha — ele coloca no diminutivo o estrago que vai fazer
com a história que acabei de contar.
— O que você está fazendo? — pergunto me aproximando de Lya que
agarra minha mão com todas as forças que tem.
— Vou colher uma amostra de sangue para análise bioquímica — ele
nota que não faço a menor ideia do que ele está falando e prossegue —
Para medir a quantidade de certas substâncias químicas que circulam no
sangue, é para ajudar na detecção de problemas hepáticos ou renais
causados pela disseminação de células leucêmicas ou efeitos colaterais
de certos medicamentos quimioterápicos que ela está tomando, ou
melhor, as bolinhas mágicas.
Certo ele está debochando de mim enquanto tira cruelmente do
bracinho dela uma amostra de sangue. Que grosso!
— Olha aqui, qual é o seu nome meu querido? — ponho a mão na
cintura.
— Ryan — ele diz guardando a amostra na maleta, limpando o braço
de Lya que tenta conter algumas lágrimas que caem de seu rosto.
— Você não pode fazer isso. Ela é uma criança sabia? Ela é frágil e…
Olha essa agulha — defendo Lya e Ryan parece não se importar com
meus argumentos.
— Eu não tenho tempo para historinhas, nem ela. Como é seu nome
minha querida?
— Meu nome é não é da sua conta seu grosseiro — retruco me
sentando puxando Lya para meu colo e o Senhor Whitmore aparece na
porta.
— Tudo bem aqui? — nego no mesmo instante.
— Claro que não está, olha para ela! Olha para o que esse grosseiro
fez! — indago para ele que dá as costa e cumprimenta Aidan com um
aperto de mão.
— Obrigado senhor Whitmore, eu espero lá em baixo — Ryan diz me
ignorando.
— O que está havendo Jane? — Aidan entra no quarto e enquanto
Lya soluça junto ao meu peito.
— Esse maluco, entrou aqui, tirou um litro de sangue do braço dela
sem nem avisar. Esse grosso.
— Jane, é o trabalho dele — Aidan tenta me acalmar.
— Pois ele faz um péssimo trabalho — retruco — Debochou por
causa da minha história de bolinhas mágicas — Aidan ri com meu
comentário — Como você o deixa ir entrando assim?
— Calma Jane. Eu já sabia que ele viria colher a amostra de sangue.
— Ele foi um bruto com ela — protesto — Tudo bem pequena? — ela
assente secando o rosto enquanto Aidan pega ela no colo.
— Desça para tomar café. Eu fico com ela um pouquinho. Estou aqui
agora. Ninguém vai furar você mais, certo? — Aidan diz atencioso para
Lya.
— Já tomou suas bolinhas mágicas, maluquinha? — o tal enfermeiro
Ryan brinca enquanto desço as escadas.
— Não foi embora ainda ogro? — retruco para ele que preenche
alguns papéis na sala.
— Estou preenchendo um formulário de estadia da paciente — ele
responde e eu me aproximo.
— Ambiente limpo? Paciente confortável? Lugar para dar suporte?
Acesso fácil para ser socorrido? Babá competente para ausência de
auxiliar? — leio tudo o que ele está preenchendo em voz alta e ele vai
riscando em confere, porém, hesita na última pergunta.
Qual é, eu sou legal.
— Olha, eu sei que você é enfermeiro, mas eu não sei nada e preciso
que você me dê uma forcinha, e eu tenho a leve impressão de que não
devia ter falado o que acabei de te falar né — ele assente repousando a
caneta em cima da prancheta.
Engulo seco.
— Quem te contratou?
— Digamos que eu esteja aqui para ajudar.
— E onde está a Babá, tipo. A oficial? — olho para os lados.
— Sou eu — respondo tentando consertar a merda que eu falei.
Nunca que o hospital permitirá que a Lya se trate em casa. E o Aidan
vai me matar.
— O que eu preciso fazer para você confiar em mim? — ele ergue a
sobrancelha para minha pergunta.
— Como é seu nome mesmo minha querida? — rosno.
— Jane, meu nome é Jane Johnson — forço um sorriso — Acho que
começamos mal tá. Me desculpa se eu te ofendi — ele ignora tudo o que
eu disse e me entrega algumas folhas grampeadas.
— Tá bom meu amor, decora isso. Eu já conheci a Joanna, ela é a
responsável pela Lya e por você né, ela é a Babá oficial. Você é a auxiliar
dela só para a sua informação, porque pelo que parece você é meio
desorientada — ele diz fazendo meu queixo cair — Não precisava me
pedir desculpas, mas está desculpada tá ruivinha — ele se levanta assim
que repara que o Senhor Whitmore desce as escadas e dá um tapinha
em minhas costas.
— Obrigado Senhor Whitmore, melhoras para a nossa guerreira, eu
volto amanhã — ele diz e Aidan sorri levando ele até a porta.
Tenho até amanhã para bolar respostas rápidas para dar a ele, ou
bolar um plano para o matar, qual dos dois será mais prático?
|35|
|“Vista seu vestido e coloquem seus rostos de bonecas, todos pensam
que nós somos perfeitos. Por favor, não deixe eles olharem através das
cortinas” Dollhouse / Melanie Martinez.

O café da manhã está sendo servido quando chego até a cozinha com
Aidan.
Willa e Trace já estão sentadas na mesa, e nós nos sentamos com
elas.
— Vou acordar Sky para ficar lá no quarto com Lya — Trace comenta.
— Não precisa mãe, Joanna já está lá — Aidan diz e ela assente
voltando a se sentar.
— Como você acha que Ryan avaliou a casa? — Trace pergunta a ele
que dá os ombros em resposta.
— Uma mansão do cacete né — Willa responde de boca cheia e
Trace repreende ela — Mas é verdade. Além de a menina estar na
própria casa, ainda tem duas Babás. Tem tudo aqui, e a melhor tia — ela
se gaba brincando.
— Vamos torcer para que ela continue aqui conosco né — Trace
responde.
— Ou talvez não — Dahlia comenta se sentando a mesa conosco.
Ótimo a fera acordou.
— E por que não? — Willa retruca erguendo a cabeça para ela.
— Porque a mãe dela se tratou em casa e nós tivemos que nos vestir
de preto — ela diz hostil e Aidan suspira.
— Mas a Lya é uma criança. Tem a imunidade mais baixa e estando
no hospital pode ser pior para ela — Aidan retruca e Dahlia, ri.
— A garota está doente, vocês têm que se preocupar com a cura
dela, não com conforto — Dahlia rebate e Willa larga as torradas no
prato e estreita os olhos.
— Pelo amor de Deus Dahlia, por que você odeia tanto a Rosalya e a
Lya? Cara, ela está morta, você não tem o menor respeito por ela?
— Já chega vocês duas, porra — Aidan se levanta da mesa sem
aviso fazendo Trace ir atrás dele e eu me vejo sem saber o que fazer.
Sky chega para tomar seu café e se senta junto á mesa devagar
observando a situação.
— De manhã a única coisa que eu consigo fazer é comer. Então por
favor, tentem ficar quietas — Sky diz se servindo com um pouco de café
preto.
— Você sabe que o Aidan não gosta que fale dela. Por Deus Dahlia,
respeita o Aidan — Willa continua o assunto.
— Não estou falando nada. Estou falando que se vocês não querem
que a garota morra, deixa o hospital fazer a parte dele — ela se levanta
da mesa nervosa largando o café e Willa agradece levantando as mãos
para os céus.
— Me desculpe por isso Jane. Nossa família só tem gente
problemática — Willa diz.
— Vocês querem cuidar da vida do Aidan, mas esquecem que ele já
tem tamanho para isso. Todo mundo sabe que a Dahlia morre de ciúme
dele. Ela faz isso só para chamar atenção. E a mamãe é uma mole que
não mete o tapa em vocês falando da Rosalya sem um pingo de
consideração — Sky desata a falar — Eu ein gente. Não estamos na
nossa casa não, se eu fosse o Aidan expulsava vocês daqui — ergo a
sobrancelha com a autoridade que a garota de 15 anos fala e há silêncio
na sala de jantar.
Silêncio esse que eu não deixo durar por muito tempo por curiosidade.
— A Rosalya era tão ruim assim? — pergunto e Sky me olha.
— Claro que não. A Rosalya era… Um amor de pessoa. Eu amava
ela. E… Nossa ela era uma mãe incrível para Lya — Sky diz com um
brilho nos olhos — O problema da Dahlia é que ela sempre teve muito
ciúme do Aidan, e ela sempre faz a cabeça da minha mãe. Quando meu
pai era dono ainda da WTM, ele até conseguia colocar as coisas em
ordem. Depois que o papai morreu e a empresa passou para o
primogênito, a Rosalya pediu para eles virem embora, porque ela não
aguentava mais a Dahlia e a minha mãe fazendo a cabeça do Aidan. O
casamento deles entrou em crise e quando a Rosalya descobriu estar
grávida da Lya, a Dahlia inventou que ela traiu o Aidan acredita? O Aidan
não acreditou claro. Na época isso deu a maior briga, por causa da nossa
cultura, você sabe, foi um escândalo para a família Whitmore. O Aidan
ficou entre escolher a Rosalya ou a nossa família. Ele escolheu a Rosalya
e eles vieram embora. Depois disso, ficamos anos sem ver ele. Tudo isso
por uma mentira e ciúmes da Dahlia, quando a Rosalya ficou doente e
veio a falecer elas apareceram no velório para provocar o Aidan. Jane,
não é porque é minha família, mas elas juntas são umas cobras. Minha
mãe é um amor de pessoa, mas é uma mole que vai pela cabeça da
Dahlia. A Willa vive brigando com elas, mas é em vão porque a Willa é a
ovelha negra da família, quebrou nossa cultura, fugiu com um
Canadense, se tornou advogada, aí deu errado, ela não conseguiu
exercer a profissão, voltou para casa com o rabo entre as pernas. Se
tornou aos olhos da nossa família uma impura e ninguém quer ela. Ela
não gosta dos nossos usos e costumes. Motivo esse para Dahlia odiar
mais a Rosalya que era estadunidense cristã que conheceu o Aidan no
intercâmbio. É uma loucura nossa família, não sei como o Aidan não
desce a madeirada em todo mundo. Mas ele é bem calmo sabe, deve ser
difícil ser o único homem numa família só de mulher — Sky finaliza
tomando uma xícara de seu café e me olha.
— E de onde veio o sobrenome Whitmore? — pergunto.
— Do meu pai, ele não era da nossa cultura.
— Nossa, é totalmente...
— Fora de ordem. Acostume-se, a nossa família parece ser a mais
tradicional, mas debaixo dos panos, é tudo podre — Sky suspira — Mas e
você e o Aidan estão juntos? — engasgo com a pergunta dela.
— Nós…
— Aconselho a não deixar a Dahlia saber, pelo menos até irmos
embora, minha irmã vai querer estragar o que vocês têm e meu irmão,
depois de todo esse tempo, merece ser feliz e ter alguém.
— Obrigada Sky — ela dá os ombros e nos levantamos da mesa
assim que terminamos.
Subo as escadas para ver se Joanna precisa de mim e ouço no final
do corredor, a voz de Dahlia, Trace e Willa conversando com Aidan.
— A única coisa que peço para vocês é não tocar no nome dela, será
isso tão difícil isso caralho? — a voz de Aidan ecoa grossa pelo corredor.
— Querido, calma. Ela só falou se referindo a saúde da Lya no
hospital — Trace diz intervindo.
— Nossa, ela se preocupa tanto com a Lya né, quer dizer, com o
bolso do Aidan que está pagando para ela ficar na casa e não no hospital
— Willa retruca e eu ainda não sei se ele está defendendo Aidan ou se
está ali só para por fogo na fogueira.
— Willa! Por favor! Não se meta! — Trace repreende ela e eu entro
em um quarto vazio para me esconder quando vejo Willa sair de dentro
do quarto de Aidan.
Assim que ouço ela descer as escadas, saio novamente.
— É a última vez que deixo passar. A próxima, eu não vou me
importar se a Jane vai estar lá para me ver eu colocando vocês para fora
— Aidan arremata o assunto saindo de dentro do quarto e eu me
escondo novamente quando ele desce as escadas e Trace vai atrás dele
deixando Dahlia.
Decido deixar isso para lá e ir até o quarto de Lya onde dispenso
Joanna para ficar um pouco com a garotinha que dorme.
Enquanto ajeito alguns fracos de remédios e abaixo o volume da TV,
reparo que Dahlia me observa da porta.
— Posso ajudar? — pergunto.
— Pode sim, Jane — ela da ênfase em meu nome e eu arqueio a
sobrancelha — Dê o seu jeito para tirar a garota dessa casa e levarem
ela para o hospital, porque eu não vou dar a minha parte das ações para
pagar hospital para ninguém ou advinha: eu vou descontar tudo do seu
salário — ela adentra no quarto como se quisesse me intimidar e eu solto
um leve riso.
— Deixa eu te explicar só uma coisinha — dou o mesmo ênfase
copiando ela — Eu não estou sendo paga e a Rosalya pode até ter
morrido, mas a Lya agora tem eu e se você encostar um dedo podre seu
nela, teremos que nos vestir de preto — cruzo os braços sorrindo
ironicamente e ela que cerra os punhos para mim.
— Você não sabe com quem você está mexendo ruiva. Sou uma
Whitmore — reviro os olhos para ela gargalhando.
— Você já ouviu falar das Blanchetthh? — enfrento e ela prende a
respiração.
— Você está começando uma guerra — ela rosna e na sua testa uma
veia salta demonstrando seu nervoso e ela sai do quarto me fazendo dar
um sorriso vitorioso.
Posso até não gostar do sobrenome que carrego, mas sei muito bem
representar ele quando necessário.
|36|

Depois de toda a discussão, a casa voltou ao silêncio de sempre. Por


conta dos remédios fortes, Lya dorme a tarde toda e quando a tarde
começa a findar, Joanna surge na porta me dispensando e por mais que
Lya tenha dormido o dia inteiro, foi cansativo passar o dia no silêncio, de
frente para a televisão de vez enquanto acordando ela para tomar
medicação ou se alimentar.
Passei o dia inteiro com as folhas que Ryan me deu, com instruções,
para quê serve cada medicamento, horários, rotinas, cuidados.
Nunca pensei que uma garota tão nova fosse ter que passar por uma
fase tão difícil como essa. E infelizmente essa realidade faz parte de
muitas pessoas por aí a fora. É tão desgastante ver quem amamos num
estado desse e só poder sentar e esperar os resultados, sejam positivos
ou negativos.
Mas algo que aprendi nesses últimos dias, é que não temos o controle
do que acontece nas nossas vidas. Nós não sabemos o que vem depois.
A única coisa que podemos controlar na nossa vida, é como reagimos a
tudo isso, e por mais que seja difícil, se você perder o único controle que
você tem, das suas emoções, pode esperar que tudo irá desabar em
cima de você.
O Senhor Whitmore, por mais que não comente comigo como se
sente mediante a isso, dá para ver que ele não está no controle também.
No hospital quando recebeu a notícia de que Lya estava doente, ele
estava desesperado no caminho, mas chegando lá, deu para ver que o
único controle que ele tinha era o das suas emoções, de como ele agiria
com aquilo tudo, com as suas irmãs, com a filha, comigo.
Aidan tem tanto autocontrole, e cada vez que ele demonstra isso,
consigo ver o tanto que falta isso em mim. Ele tem uma empresa
desabando nas próprias mãos, tem um passado que doloroso na família,
tem uma filha doente, tem irmãs que não o ajudam em nada, tem um rolo
com uma ruiva que se desespera com tudo e mesmo assim, ele
consegue manter o controle das suas emoções.
Por Deus, como ele consegue manter sempre a mesma postura, o
mesmo tom de voz, a mesma calma mesmo com tudo isso?
Desço as escadas torcendo para não esbarrar com Dahlia, mas ao
chegar na cozinha, as cozinheiras comentam que elas saíram, então
aproveito meu tempo livre para me encontrar com Amanda e colocar
minha cabeça no lugar.

— Vocês estão apaixonados, não tem outro nome para isso —


Amanda diz tomando seu chopp enquanto dou um gole em meu
cappuccino e o atendente do Starbucks nos encara a vendo ela dar
longos goles na sua caneca de outro estabelecimento — Mas como estão
as coisas lá na casa? — dou os ombros.
— Nem sei dizer. Considerando a situação em geral. Está um clima
bem pesado. Para completar a irmã dele me odeia, a Lya só fica no
quarto, tem um enfermeiro que vai lá agora todo dia me atazanar e eu já
paguei mico com ele, fico o dia inteiro no quarto com a Lya, já decorei
todas as orientações que me passaram, nome dos remédios, número de
doses. Estou entediada e preocupada — suspiro e Amanda assente
pensativa.
— Por que você não dá uma festa? — arqueio a sobrancelha.
— Você está louca né, eles não estão em clima de festa.
— Por isso mesmo, quebra esse clima amiga, de repente ajuda até a
menina doente. Aposto que o Senhor Whitmore depois que essa tal
de Rosalya morreu, nunca deve ter levado a menina a uma festa, ou
dado uma festa naquela mansão — Amanda diz dando os ombros sem
desistir da ideia — Fala com ele. Pelo menos quebra o gelo da casa.
Acabo por considerar a ideia e quando estamos nos preparando para
ir embora, digito o número que Joanna sempre me liga, salvo como Casa
do Senhor Arrogante.
Preciso trocar esse nome.
— Jane? — ouço a voz de Joanna do outro lado da linha.
— Joanna, me deixa falar com o Aidan, digo, com o Senhor Whitmore
— respondo animada e depois de alguns minutos o vejo assumir a
ligação.
— Sim, Jane — ele diz — Aconteceu algo?
— Vamos dar uma festa hoje? — pergunto.
— Dar o quê?! — ele indaga.
— Uma festa. Ia ser legal para animar todo mundo — respondo
entrando no carro aonde Kurt me espera.
— E por que daríamos uma festa?
— Porque a Lya está mal — dou os ombros e ele não responde então
percebo que não me expliquei direito — Digo, porque a Lya está mal e
seria bom ela se distrair — ele não diz nada do outro lado da linha — Eu
me responsabilizo. O Kurt pode me levar para comprar algumas coisas e
eu organizo tudo com a Sky, sei que ela vai gostar de me ajudar e você
não vai precisar fazer nadica de nada, e eu nem vou te atrapalhar, eu
faço tudo bem quietinha — digo sem dar espaço para ele fazer objeções
e consigo tirar um riso dele.
— Diz para o Kurt que ele tem a permissão para te levar não sei lá
onde para comprar essas coisas — comemoro em silêncio para Kurt que
dirige e ele ri balançando a cabeça.
— Tudo bem! — digo e encerro a ligação — Advinha quem vai dar
uma festa hoje? — pergunto para Kurt fazendo um coque em meus
cabelos.
— Claro que é você — ele diz sem estar muito surpreso — Do que
você precisa?
— Vamos de balões coloridos, de um bolo, bebidas para os adultos…
— Aperitivos, senhorita Johnson — Kurt me corrige.
— Não senhor, salgados, bolo, balões coloridos e decoração feita á
mão, vocês são ricos, mas a festa quem vai dar sou eu — repreendo o
mesmo que ri assentindo com a cabeça.
Dou a direção para Kurt de uma loja de festas que sempre costumava
ir quando ia fazer algo surpresa para Addam e ele estaciona bem em
frente.
— TEMOS UMA FESTA HOJE KURT! — comemoro com ele que
assente segurando o riso.
|37|

A casa como sempre está silenciosa e por conta do ar condicionado,


sempre que passo pela porta, sinto um calafrio que sempre me leva até
meu quarto para colocar um casaco, mesmo que lá fora esteja calor.
Assim que abro a porta do quarto de Lya, deparo-me com Ryan
limpando o bracinho dela com um algodão.
— Eu já estava de saída — me explico dando as costas.
— Volta aqui! Vou precisar de você — ele diz me fazendo dar meia
volta — Como está a Lya? Conseguiu decorar o manual que te dei —
assinto — Tudo bem mesmo?
— Sim, eu… Só estou pensando na festa.
— Que festa?
— Que eu vou dar — me gabo e ele arqueia a sobrancelha.
— Aonde?
— Aqui — ele solta um leve riso.
— Para comemorar que decorou o manual? — Ryan debocha.
— O que você vai fazer com a Lya hoje? — ignoro seu comentário.
— Decorou mesmo o manual? — reviro os olhos.
— Nossa como você é chato ein.
— O que diz na parte do Duoflan? — ele me testa e que ponho a mão
na cintura.
— Injetável sobre o músculo intramuscular para doenças que
respondem aos corticóides sistêmi… cos. você vai dar outra injeção
nela?!
— Não, hoje eu vou ensinar você a dar as injeções nela.
— Ryan… Eu não…
— Sim, você consegue. Você precisa fazer isso. Depois é só falar
para ela da festa que você vai dar e que vai ficar tudo bem — ele dá um
tapinha em meu ombro me entregando um par de luvas.
— Eu não vou fazer Ryan. Esse é o seu trabalho, não me coloca no
meio não — me esquivo enquanto ele solta um leve riso.
— Jane, facilita para mim — ele revira os olhos e dá um mínimo
sorrisinho para ela que mim.
— Bom dia, bonequinha, como você está? — digo entrando no quarto
enquanto Ryan abre a maleta como da última vez, mas saio do quarto
descendo as escadas correndo para Ryan não ter a chance de me
alcançar.
|38|

Ryan é uma das pessoas mais frias que eu já conheci. Como ele pode
me pedir uma coisa dessas?
No caminho encontro com Aidan que ergue a sobrancelha.
— Ele quer que eu dê uma injeção na menina Aidan! Eu não sei nem
segurar aquilo! Você me disse que eu só iria ficar aqui para ajudar ela.
Para animar ela um pouco e agora ele quer que eu dê uma injeção nela!
— digo desesperada jogando as luvas nele que pega me escutando em
silêncio — Olha, eu não vou fazer, e… Eu não sei como lidar — dou as
costas saindo pela porta e caminho até a cabine do Kurt — Posso ficar
um pouquinho aqui até aquele bruto ir embora? — pergunto.
— O que houve ruiva? — Kurt assente sem entender.
— Aquele tal de Ryan, ele quer que eu dê uma injeção na Lya, todo
dia. Mas eu não vou Kurt. Coitada.
Kurt me dá seu lugar dele para sentar e ainda sem entender a
situação, ele arqueia a sobrancelha para mim.
— Prometi que ia proteger ela daquele patife — murmuro.
— É o trabalho dele, ruiva. Ele é enfermeiro, precisa vir aqui para
medicar ela. Mesmo que seja um pouco doloroso entende?
— É eu sei, mas ela é tão novinha para entender — suspiro.
— Talvez se você parar de contar suas histórias e apresentar a ela um
pouco da realidade, pode ser que ela entenda ruiva — ele me aconselha
apertando meu ombro e a porta da mansão se abre revelando o Senhor
Whitmore e Ryan saindo de lá.
Eles estão a minha procura e caminham até a cabine.
— Jane, nós podemos falar um pouco? — Aidan diz e eu assinto indo
para o lado dele.
— Pode falar, mas não vou fazer nada do que Ryan disser — cruzo os
braços.
— A amostra que colhi ontem, o resultado saiu mais agravado, ela vai
precisar dessas medicações injetáveis agora Jane — contraio a
mandíbula em resposta ao quê Ryan diz — E algumas coisas vão
precisar mudar. Se você quer mesmo o bem da Lya, vai precisar encarar
essa nova fase ou vou precisar solicitar uma nova pessoa para assumir o
seu papel — ele diz como se estivesse batendo o martelo e sai pelo
portão.

O clima na casa depois disso ficou de mal a pior.


As irmãs com a mãe de Aidan chegam assim que eu e Kurt já
estamos acabando de decorar a grande sala para a festa que
supostamente seria para comemorar algo e agora eu já nem sei por que
é que estou fazendo isso.
Fiquei completamente chateada pelo quê Ryan me disse e agora
estou a questionar se realmente devo estar aqui, ou ceder meu lugar para
alguém que seja mais competente.
— Precisa de ajuda Jane? — Sky pergunta me ajudando a suspender
uma faixa que eu mesma escrevi a mão “Você pode ser o que você
quiser ser hoje á noite.”
Eu apenas assinto e ela sobe na escada que Kurt trouxe para amarrar
a faixa no corrimão das escadas.
— O que é isso? — Dahlia questiona voltando para a sala.
— Uma festa — sorrio fechado para ela que arqueia a sobrancelha.
— De quem? — ela põe a mão na cintura e Willa responde por mim.
— Se a Jane está organizando é óbvio que é dela né.
— Eu cuido do som Jane — Sky intervém percebendo as duas
querendo começar a discutir.
— Bom se é uma festa para todos nós, vamos nos arrumar certo? —
Trace diz e Sky assente animada.
— Graças a Deus! Alguma coisa boa nessa casa — ela anuncia
subindo as escadas com as outras três.
— Bem, temos quatro convidadas já — Kurt comenta fazendo os
últimos preparativos tentando me reanimar.
Aidan desce as escadas e o vejo sorrir olhando tudo.
— Você não estava mesmo brincando né senhorita Johnson? —
ele se aproxima de mim me puxando por um instante cheirando meu
cabelo num gesto discreto em frente ao Kurt — Por que não sobe e avisa
a Lya sobre a festa?
— Você não contou para ela? — pergunto.
— Você deveria falar, a festa é de vocês — ele sorri e eu arqueio a
sobrancelha.
— Nossa? Como assim? Você não vai? — Aidan nega.
— Com certeza não.
— Por quê? — questiono — Fiz a festa para todos vocês — explico e
ele dá os ombros.
— Tenho umas coisas para resolver com o Talbot — suspiro.
— Não dá para esperar até amanhã? Já está anoitecendo — ele
nega.
— Não Jane, mas pode ficar a vontade — nego.
— Por favor. Até as suas irmãs toparam, não me deixa sozinha nessa
Aidan — junto as mãos.
— Minhas irmãs?
— Claro. Uma festa precisa de convidados — ele solta um leve riso
balançando a cabeça para mim.
— E é uma festa do quê?
— De qualquer coisa. Só, por favor, vai. É na sala da sua casa poxa,
põe qualquer roupa — Aidan gargalha dessa vez suspirando.
— Tudo bem senhorita Johnson — ele cede — Mas depois da festa,
você será toda minha — ele sibila em meu ouvido e eu sorrio fechado.
Por mais que a porta esteja aberta bato antes de entrar e como se
fossemos duas adultas que tiveram uma briga feia, sento-me na beirada
da cama ao lado de Lya que faz o mesmo esperando eu dar a primeira
palavra.
— Precisamos conversar não acha? — quebro o silêncio — Lya, —
suspiro — Sinto muito por hoje cedo. Ryan só estava fazendo o trabalho
dele e… As bolinhas mágicas não são mágicas, elas são remédios.
— E por que você ficou mentindo para mim?
— Porque você é uma criança, e crianças precisar ter algo para
acreditar, mesmo que não exista. Mas a partir de hoje nós vamos
começar a levar um pouquinho mais a sério, mas eu te prometo que eu
vou continuar te defendendo do Ryan — ela assente e eu seguro seu
rostinho com as duas mãos, arrumando seus cabelos — Eu sei que você
está doente, que está fraquinha, mas você vai ficar bem e você não vai
morrer, sabe por quê? — ela nega — Porque você é um anjinho e
anjinhos não morrem — sussurro para ela como se fosse um segredo só
nosso e arregala os olhos.
— É mesmo? — assinto para ela.
— É sim. Mas para você melhorar, você precisa tomar os remédios.
Vamos fazer um combinado? Você vai tomar todos os remédios para ficar
boazinha e eu te conto um segredo — ela aperta minha mão rindo
travessa — Lembra da fantasia de abelhinha que não te deixaram usar
no dia do uniforme do colégio? — Lya assente para mim — O que você
acha de colocar ela para ir á minha festa hoje? — Lya arregala os olhos
— Vamos dar uma festa hoje, e você está atrasada — vejo ela se animar
e eu a ajudo a levantar da cama — Vou te dar um banho, você vai por
aquela fantasia e vamos por glitter no seu cabelo.
— Vamos tia Jane! — Lya anuncia caminhando até o banheiro e eu
pego todas as coisas fechando a porta do quarto dela, enquanto Aidan
observa tudo da porta de seu quarto sorrindo de braços cruzados.
Lya dá uma última olhada no espelho arrumando suas asinhas da
fantasia enquanto termino ajeitar seu cabelo com um penteado, uma
trança com um pouco de glitter que eu ainda não sei como vou fazer para
tirar quando for lavar.
Sky já tratou de ligar o som e pela janela do quarto, vejo que já
anoiteceu.
— Vamos? — chamo ela para descer.
— Mas, e você tia Jane, não vai se arrumar para nossa festa? — Lya
pergunta enquanto me agacho junto dela passando um batom clarinho
em seus lábios pequenos.
— Não pequena, eu vou servir vocês, ajudar as cozinheiras.
— Mas a festa não é sua? — dou os ombros — Poderíamos ir
combinando — ela dá a ideia.
— Não mesmo Lya — nego soltando um leve riso e ela me puxa pela
mão até o final do corredor, aonde há uma cordinha pendurada no teto, e
deduzo ser uma escada embutida que leva até um sótão, eu puxo e ela
sobe a escada de madeira branca com um pouco de dificuldade, e eu
sem entender apenas vou atrás.
— Lya, que lugar é esse? — sussurro olhando para trás sentindo que
o que estamos fazendo é algo errado, muito errado.
|39|

Lya me puxa pela mão pelo sótão enquanto eu ainda olho para trás
pensando pela milésima vez em voltar, porém, a curiosidade me vence.
O lugar é escuro, e Lya como se já tivesse estado ali milhões de
vezes, acende uma luz fraca e amarelada que ilumina o lugar cheio de
teias e cheiro de mofo.
— Lya venha para cá agora! — chamo com medo de algum bicho
picar ela.
Olho ao redor, tem alguns móveis cobertos por lençóis brancos
encardidos, puxo o primeiro e vejo se revelar uma penteadeira de
madeira branca, porém Lya puxa outro lençol de um móvel mais alto que
se revelar um guarda-roupa também de madeira branca, ela abre e eu a
puxo para longe enquanto vemos sair de lá de dentro nada, só pó e o
meu susto com a porta que range.
Ela olha, alguns vestidos que estão nos cabides protegidos por um
plástico e puxa um de lá me entregando.
— Não Lya, para de mexer nisso — repreendo e ela me entrega um
longo vestido amarelo de festa.
— Por favor, tia Jane ele serve em você certinho e combina com a
minha roupa — ela insiste.
— Negativo garota — sussurro colocando o vestido de volta no cabide
e dou meia volta, mas um grito agudo da sai minha boca enquanto
sobressalto para trás ao ver Joanna de braços cruzados.
— Que raios vocês duas estão xeretando aqui? — Joanna me
repreende e eu me coloco atrás de Lya.
— Foi a Lya — me defendo e Joanna solta um leve riso.
— É claro que foi. Eu já falei para você parar de vir aqui não já falei
sua cabecinha de amendoim — Joanna dá um tapinha na cabeça.
— A tia Jane não tem nada para vestir na festa Jô — Lya se justifica e
Joanna se aproxima do guarda-roupa pegando o vestido e sorrindo para
ele.
— Este vestido está novinho, nunca foi usado — Joanna suspira como
se estivesse pensando no desperdício dele estar guardado.
— O Aidan gosta de se vestir de mulher a noite é? — Joanna
gargalha balançando a cabeça.
Mas é claro que sei muito bem de quem são essas coisas. Da falecida
esposa dele, com certeza.
— Acho melhor sairmos daqui — dou as costas puxando Lya dali e
Joanna assente soltando um leve riso.
— Eu também acho — ela arremata o assunto e nós descemos as
escadas.
— Muito bem! Fique paradinha bem aqui que eu vou tomar um banho
— Lya se senta na beirada da minha cama enquanto ligo a TV num canal
de desenho para ela.
Tomo um banho, tentando relaxar nem que seja por um momento.
Lya está de bem de mim, Ryan foi embora, as irmãs dele não
brigaram hoje — ou até agora — Aidan aceitou meu convite de ficar na
festa, e eu espero que corra tudo bem. Pelo menos para tirar um pouco
dessa vibe ruim dessa casa. Porque pelo que parece, tudo roda em volta
de dinheiro, de mortes e de solidão. É tão estranho e sufocante.
Desligo o chuveiro em busca da minha toalha, mas ela não está
pendurada no gancho.
— Lya pega a toalha para mim — peço abrindo um vão na porta, mas
não acho ela no quarto — Lya? — abro a porta procurando ela e encontro
na minha cama o vestido amarelo que ela pegou dentro daquele guarda-
roupa sinistro.
— Essa pestinha — rosno ignorando a presença do vestido em cima
da cama e procuro minha mala que trouxe com algumas roupas.
Cadê a minha mala?
Abro uma brecha na porta do quarto e olho pelo corredor.
— Lya? — chamo — Lya volta aqui com a minha mala — digo, mas
Sky caprichou no som lá em baixo — Aidan? — chamo, mas ele deve
estar lá embaixo também com o resto do pessoal.
Encaro o vestido amarelo em cima da cama.
Seco-me com o lençol da cama e até penso na probabilidade de me
enrolar nele e sair pela casa procurando minha mala. Mas não quero dar
de cara com as irmãs do Aidan desse jeito, elas são muito
conservadoras, devido sua religião islâmica e se escandalizariam se me
vissem desse jeito.
Suspiro subindo o zíper do vestido. Meu Deus eu nem sei andar com
isso. E Rosalya devia ser um pouco mais alta que eu, porque o vestido
arrasta no chão me obrigando a usar saltos.
Mas não me decepciono quando me olho no espelho. Por Deus é o
vestido amarelo mais lindo que eu já vi na minha vida.
Faço uma trança em meu cabelo e para não decepcionar na
maquiagem, finalizo com um batom vermelho.
Está muito exagerado.
Mas todo mundo é rico aqui né, ninguém vai vestido roupa básica. Eu
acho.
Suspiro abrindo a porta e meu coração está a ponto de sair pela boca.
Eu vou matar a Lya, que garotinha mais travessa.
Ela está no corredor sentada e se levanta quando me vê abrindo um
sorrisão.
— Lya, vai agora pegar minha mala — ordeno e ela leva a mão á
boca rindo se negando.
— Está parecendo uma princesa — ela diz e eu balanço a cabeça
enquanto ela me puxa pela mão até a ponta da escada aonde Sky para a
música, atraindo a atenção de todos os presentes na sala para mim.
|40|

Um copo espatifando no chão é a primeira coisa que escuto quando


desço o primeiro degrau. Dahlia.
— Nossa — escuto Sky dizer boquiaberta atrás da mesa de som e
Kurt parar o que está mastigando.
Willa e Trace erguem a sobrancelha enquanto desço as escadas
segurando a mão de Lya. Aidan, na ponta da escada me olha contraindo
a mandíbula sem demonstrar emoção nenhuma.
Ele é muito bom mesmo nisso.
Eu e Lya descemos as escadas na direção de Aidan e o som alto volta
a tocar com Trace toda hora pedindo para abaixar.
Eu me aproximo de Aidan que não diz nada apenas me observa
parada na frente dele.
— Você já pode dizer algo — digo receosa.
— Não tem o que dizer, você me deixou sem palavras Jane — ele diz
e eu surpresa por não ser uma bronca ergo a sobrancelha soltando todo
ar que estava segurando.
— Ãh, nunca tive tanto medo de levar uma bronca como agora Aidan
— confesso estragando todo o clima e ele solta um leve riso como se
tivesse pensado isso também.
— Você só vai me explicar como você achou isso depois — ele diz
baixo dando a mão para mim.
Por mais simples que eu tenha organizado a festa, estão todos
vestidos num traje a rigor. E eu nunca me senti tão patética e linda ao
mesmo tempo.
Aidan está impecável como sempre, de terno, cabelo bem alinhado,
barba rala, a colônia importada que eu nunca esqueço o cheiro, ele é tão
lindo.
Mas justamente essa noite. Estamos sem assunto, como dois
desconhecidos, vendo Kurt fazer aviãozinho com Lya pela sala.
Não sei o que aconteceu, mas apesar de os últimos dias ele ter se
mostrado mais emotivo, sinto que ele me parece distante.
De ontem para hoje quase não o vi, e quase não falei com ele, que
também tem referido á mim, poucas palavras, e se mostrado neutro para
tudo.
Só queria chegar nele, jogar ele contra a parede e perguntar qual é a
dele. Mas sei qual é a resposta. A Lya é a resposta, as irmãs dele são a
resposta, a empresa falindo é a resposta, a esposa dele que está sendo
trazida a memória é a resposta e eu só queria que ele voltasse a me
irritar e a falar frases de efeito das quais não sou capaz de responder.
Mas ele não diz nada, só fica do meu lado observando tudo em
silêncio com um copo de whisky na mão.
Sentadas no sofá do outro lado no canto da sala Trace e Dahlia
conversam algo com as pernas cruzadas, segurando suas taças que eu
tinha falado para o Kurt não pegar, já que a festa era simples, e ele
aproveitou minha boa vontade para colocar de volta o grande tapete
persa na sala, empurrar os sofás para o canto, tirar a mesinha do centro
aonde eu tinha colocado o bolo e transformou isso numa coisa que é
tudo, menos uma festa simples.
Aliás, começando pela minha roupa nada simples. Mas ainda bem,
caso contrário eu ia parecer uma desajeitada perto deles, nem Kurt ficou
para trás.
Ele está casualmente vestido com uma calça cor creme jeans, uma
camisa azul-marinho, e um blazer por cima calçando alpargatas.
Dahlia veste um vestido preto de lantejoulas pretas e sapatos
vermelhos. Fico imaginando ela esmagando meu dedo mindinho com
eles.
Trace veste um vestido rosê longo de linho que acompanha um cinto.
Veste um Scarpa mude não tão alto quanto de Dahlia.
Willa veste um longo vestido vermelho carmim, justo com uma fenda
na perna. O cabelo dela, castanho com algumas luzes cor de mel está
ondulado é o único que não está coberto por um véu. Está linda e veste
saltos pretos, porém que ela deixou encostados de canto, pois pelo que
parece, ela já exagerou na bebida e dança sozinha no meio da sala com
uma taça na mão e uma pessoa invisível que ela parece abraçar.
Como Sky havia dito, Willa é a única delas que não segue os
costumes de sua religião e penso que deve ser por conta disso que ela é
mais próxima a Aidan que também deixou os usos e costumes quando foi
embora com Rosalya.
Sky por mais durona que seja hoje está uma gracinha com um vestido
preto rodado de tule que com certeza foi obrigada a usar ou por Trace, ou
por Dahlia, mas ela veste a rebeldia no pé. Um par de ALL star cano alto
branco todo escrito com canetinha, fones de ouvido pendurado no
pescoço enquanto ela escolhe as músicas, o cabelo está coberto por um
véu estampado e na maquiagem só fez um delineado.
E a pequena Lya, a abelhinha, cheia de brilho no cabelo que cai no
blazer de Kurt e que eu estarei ferrada para tirar depois.
Ignoro a presença de Ryan até ele vir falar comigo, na verdade, com
Aidan.
— Parece que você errou o endereço do baile.
— Oi Ryan — digo revirando os olhos sem entender o que ele está
fazendo aqui.
Não sei por que Aidan o convidou, já que Lya se esconde atrás de
Kurt, toda vez que vê ele, mas agora, Ryan não está todo vestido de
branco. Ele usa calça preta, e camisa cinza com as mangas dobradas.
Passa por mim com sua colônia forte e marcante e cumprimenta Aidan
com um aperto de mão.
— Senhor Whitmore, é um prazer estar aqui á seu convite
considerando que a dona da festa não foi humilde o suficiente para isso
— Ryan diz e Aidan dá um sorriso fechado assentindo.
— Humilde? Não foi esse o problema, é empatia mesmo — sorrio
sinicamente ele assente.
Resolvo me retirar quando vejo Kurt se aproximar. Deixo-os conversar
e vou até a cozinha onde as cozinheiras estão terminando de preparar os
comes e bebes.
Pego uma bandeja já pronta para ser servida e caminho até a sala
aonde as irmãs do Aidan me olham como se eu estivesse fazendo algo
errado, muito errado.
— Nunca servi coxinha numa bandeja de prata. Isso é tão estranho e
chique — brinco me aproximando de Sky que sorri em agradecimento.
Caminho até o sofá aonde Trace e Dahlia estão, mas Dahlia arqueia a
sobrancelha quando ofereço a ela um guardanapo para pegar.
— Nossa é isso que vai ser servido? — ela debocha de recusando e
Trace faz as honras pegando uma — Aidan tá no vermelho mesmo ein —
ela continua e eu dou os ombros.
— Fique com fome então — respondo comendo uma coxinha e me
viro para Willa.
— Por Deus, faz tanto tempo que não como isso — ela diz pegando
com a mão mesmo — Sério, eu tava cansada dessas comidas
melequentas sabe, você pode perguntar para qualquer uma aqui, mulher
rica só pensa em uma coisa, fritura e massa — Willa diz de boca cheia e
eu sorrio vendo que pelo menos uma pessoa consegui agradar.
Vou até os rapazes que conversam e eles abrem o círculo.
— Obrigado Jane — Kurt agradece pegando uma, em seguida Aidan
faz o mesmo e Ryan também.
— Jane, peça para as empregadas vir servir essas coisas — Aidan
diz..
— Tudo bem, elas estão tão ocupa…
— Elas são pagas para isso — ele me corta e eu engulo o seco,
surpresa pela resposta dele.
— Tudo bem, Senhor Whitmore — respondo dando meia volta.
Volto para a sala e fico ao lado de Sky no som.
— Que festa sem graça essa, já coloquei de tudo para tocar — Sky
resmunga observando todos conversando sem dar muito a mínima para a
música, sem estar no menor clima de festa.
— Mas olha ali — aponto para Lya dançando no colo da tia Willa
bêbada pela sala.
Fico ali com Sky até a campainha tocar, e eu faço um sinal para Kurt
deixar que eu atendo.
Me aproximo da porta e assim que eu a abro quase caio para trás.
— Então é aqui que você está trabalhando? Ou devo
dizer, festejando? — minha mãe diz num tom impressionada me olhando
de cima a baixo ao lado de Jenna.
O que elas estão fazendo aqui?
Noto que a atenção de todos se voltarem para a porta, curiosos para
saber quem é. Aidan vem até a porta, mas minha mãe, entra antes
mesmo que eu dê passagem para ela.
— Senhor Whitmore? — ela diz apertando a mão dele, olhando para o
interior da casa — É um prazer te conhecer, eu sou Janice, Janice
Blanchetthh, mãe da Jane e essa é Jenna, irmã mais nova dela — ela
sorri para ele que se mantém com a mesma expressão séria no rosto.
— A que devo a honra, senhoritas? — Aidan pergunta ao meu lado.
— Vim saber com quem e por onde a minha filha anda — ela diz
esboçando simpatia, simpatia que mais me parece antipatia.
— Mãe, não temos nada para conversar, é melhor vocês irem embora.
— Deixe-as entrar Jane, a casa é grande — Dahlia diz se levantando
abrindo passagem entre mim e Aidan.
— Oi sou a irmã do Aidan. Dahlia Whitmore, — ela diz puxando minha
mãe pela mão — Que bom que vocês vieram, fiquem a vontade, a festa
acabou de começar — troco olhares com Aidan, mas ele se mantém na
mesma maldita postura.
— É, a festa acabou de começar.
|41|
|“Você já não sabe demais? Só vou te machucar se você me deixar.
Me chame de amiga, mas me mantenha mais perto” When The Party’s
Over / Billie Eilish.

— Aidan, o que você está fazendo — puxo ele de canto e ele dá


os ombros.
— Uma hora ou outra eu ia precisar conhecer elas, o que posso
fazer? — ele diz indiferente.
— A questão não é o que elas podem fazer. A questão é, o que elas
fizeram Aidan — tento explicar como se agora ele fosse colocar elas para
fora.
— Você ainda está chateada pelo seu noivo? Achei já estivesse em
outra, aliás, em outro — ele diz dando ênfase, mas como se quisesse
dizer outra coisa e estivesse zangado comigo.
— O quê? Como assim em outro? — pergunto e ele balança a
cabeça como se eu tivesse me fazendo de desentendida e dá as costas
me deixando ali sem saber o que fazer, já que minha mãe e Jenna são
acolhidas pelas garras da megera Dahlia.
Dou um longo gole num copo de whisky repousado ali sobre um dos
móveis, que não sei de onde é e por mais que eu saiba que não posso
beber, parece ser a melhor opção agora.
Aproximo-me delas, mas não puxo assunto, apenas fico ali de canto
ouvindo elas conversarem sobre marca de sapato que pelo visto, elas
sabem mais do que qualquer coisa.
— Jane nunca comentou sobre a família — Dahlia indaga para minha
mãe forçando simpatia — Aliás, uma família tão fina igual a vocês duas.
Gastando a minha parte da herança até eu conseguiria ser fina assim.
— Ah, a Jane não é muito de falar mesmo. Ela não é chegada em
uma vida assim — minha mãe diz sem se importar e eu assinto hesitante.
— Acredito que a senhora se enganou se não ela não estaria aqui
com o meu irmão — Dahlia afirma.
— Eu e seu irmão…
Tá eu não devia falar isso, não perto do Aidan, mas… Dahlia já quer
estragar tudo até sem saber e se minha mãe descobre que eu e Aidan
temos algo, vai crescer o olho para cima dele, vai ficar me pressionando
a ter algo mais sério com ele, vai querer impor regras e planos, vai querer
se reaproximar e eu não quero mais ela nem Jenna tentando me
ensinar como se dar bem na vida.
— Nós não estamos juntos, eu estou aqui porque preciso do dinheiro
— intervenho na conversa delas e Aidan que observa tudo de longe ao
lado de Ryan e Kurt, dá uma leve erguida na sobrancelha.
— Mas pelo que parece, meu irmão está bem afim de você, só você
não vê. Você faz tanta burrice e ele está sempre acobertando — respiro
fundo depois que Dahlia diz isso e me mantenho firme.
— Porque ele entende que estou começando agora, e que não tenho
experiência na área de enfermagem — ironizo em resposta para Dahlia.
Eu a odeio mais do que tudo.
— Bom, você não tem experiência com enfermagem, mas o Ryan
está louquinho para te ensinar né — respiro fundo novamente.
— O quê? — finjo que não escutei e Dahlia ri dando um gole em seu
suco natural observando Ryan de longe.
— Ah, qual é Jane. Tá na cara que ele está afim de você também.
Mas me diz, quem você prefere? O rico, ou o serviçal dele? — contraio a
mandíbula.
— Nossa, a Jane está arrasando corações por aqui então né — minha
mãe sorri forçado e Trace apenas sorri.
— O Aidan é tranquilão. Sempre foi. É muito difícil ele se interessar
por uma mulher. Ele é mais na dele sabe, bastante calado. Desde a
escola — Trace comenta pela primeira vez e Willa decide se sentar ali ao
lado delas para descansar os pés, enquanto fico ali ao lado em pé.
— Estão falando do Aidan? — Willa pergunta e Dahlia assente.
— Mamãe falou que ele é tranquilo para arrumar mulher. Mas quando
arruma também é sempre uma louca que quer acabar com a reputação
da nossa família — arqueio a sobrancelha quando ela me dá uma breve
olhada.
— A esposa falecida dele não era uma má reputação para vocês —
retruco.
— E o que você sabe sobre ela? — Dahlia indaga se virando para
mim.
— Eu sei mais do que o suficiente para saber que ela era uma boa
pessoa — minha mãe ri tentando descontrair.
— Mas é verdade. A Rosalya era uma boa pessoa — Willa intervém e
eu dou um leve toque no ombro dela tentando contê-la.
— E a Willa gosta de defender todo mundo contanto que fique contra
mim né — Dahlia retruca num sorriso sínico.
— Não, só estou concordando com a Jane — Willa dá os ombros.
— Mas enfim, a Jane não respondeu quem ela prefere — Dahlia
insiste no assunto.
— Não tem nada rolando entre mim e Ryan, ele é só o enfermeiro da
Lya.
— E o Aidan?
— O Aidan é meu patrão. Mal conversando durante o dia — me
explico.
— E se você pudesse escolher?
— Não vai dizer que ainda está na do Addam? — Jenna comenta e eu
arqueio a sobrancelha.
— O quê?! Ai meu Deus agora pronto — anuncio — Pode ficar com o
pai do seu filho todinho para você — dou as costas dali e vejo os rapazes
ali perto voltarem para a conversa quando os flagro bem interessados na
conversa.
— Jane, chame a Lya lá para cima, eu preciso de mais uma amostra
para teste. Consegue fazer esse favorzinho para mim? — Ryan me
aborda pegando sua mala e subindo as escadas e eu assinto indo ao
encontro de Lya que está no sofá no colo de Sky, ela já está fadigada e
parece que suas baterias já estão descarregadas.
— Querida, nós precisamos subir lá em cima um pouquinho — digo e
ela assente já coçando os olhos e consigo notar o quanto ela se cansou
rápido.
Decido tirar meus saltos e subir com ela no colo até seu quarto aonde
Ryan nós espera, mas ela agarra minha nuca, se negando ir para a
cama.
— Vamos lá minha pequena guerreira, o tio precisa de uma amostra
— suspiro com a frase dele.
— Seja mais carinhoso — sussurro como se ela não estivesse
ouvindo.
— Pequena? Vem cá, me deixa… Te contar uma história — ele diz
pausadamente me olhando e eu mexo os lábios sem emitir som 'ela não
vai acreditar.'
— Lya, eu sei que fui uma pessoa má com você, mas… Dessa vez
prometo que não vai doer, eu juro de dedinho — arqueio a sobrancelha e
ele diz — O que foi? — sem jeito ao demonstrar sua sensibilidade.
Ela se senta na cama ainda receosa e olha para ele semicerrando os
olhos.
— Só uma picadinha? — ela pergunta e Ryan assente.
— Só uma — ele cruza os dedos, mas vejo ele direcionar a seringa
para mim — Quer que a tia Jane faça? — ele pergunta para Lya.
— Ryan — repreendo ele e Lya assente aceitando — Ryan, eu não
sei fazer isso, posso acabar machucando ela — me nego, mas ele me
pega de leve pelo pulso.
— Amarra o garrote cinco dedos a cima da onde vamos fazer a coleta
— ele me orientar colocando o dedo aonde devo amarrar e assim eu
faço.
— Vamos escolher a veia. Por sorte, as veias dela são de bom calibre,
caso contrário, teríamos que tentar na mão — ele explica enquanto
coloco o par de luvas.
Ryan me dá um algodão molhado no álcool e passa no braço aonde
será feita a coleta, em seguida pega a seringa e tira da embalagem, viro
o rosto de Lya dali para que ela não veja, já que dá última vez, ela ficou
assustada com isso.
— Existem vários tipo de agulhas, essa que nós vamos usar, é
específica para coleta certo? — assinto enquanto ele me mostra — Ao
redor do bisel tem uma camada de borracha, ou seja, a agulha abre
caminho, mas volta para dentro da seringa e fica só essa camada de
borracha lá — Agora você vai pegar sem medo Jane, — ele dá as
orientações enquanto Lya vira o rosto para o outro lado.
Mas Ryan não entrega para mim a seringa, ele só narra para mim o
que está fazendo.
— Mão leve, e… — ele faz uma pausa furando o braço dela, enquanto
o sangue escoa no pequeno tubo de amostra — Solte o garrote — ele diz
e eu faço — Prepara o algodão e… — num gesto rápido ele tira a agulha
e estanca o sangue antes que ele escorre e coloca um stopper — Agora
você diz para pequena segurar o braço esticado para evitar hematoma —
ele diz me lançando uma piscadela e eu assinto — Viu como foi rápido?
— Vi — digo respirando fundo — Por Deus, eu achei que você ia falar
para eu fazer…
— A tia Jane leva jeito ou não pequena Lya? — Ryan me interrompe e
Lya assente.
— Sim, nem doeu — ela sorri segurando o braço na posição que
Ryan orientara e boceja se recostando na cabeceira da cama.
Suspiro aliviada enquanto Ryan descarta e guarda as coisas dentro
da sua maleta.
— Bom, minha hora já deu, — ele diz numa tentativa de se despedir
enquanto ele dá as costas.
— Obrigada Ryan, de verdade, eu fiquei mesmo muito apavorada,
achei que…
— Mas é claro que eu não ia deixar você fazer. Isso exige experiência
ruivinha — ele sorri repousando sua maleta no chão — Foi você que não
me deixou explicar o meu plano, costumo fazer isso com crianças, para
deixar elas mais calmas, na companhia de quem elas confiam. Se eu não
fizesse com você, faria com o Senhor Whitmore — assinto.
— Ela achou mesmo que tivesse sido eu — ele assente.
— Dá para ver como ela se sente segura com você, mesmo que você
seja meio desnaturada — nós rins juntos.
— É, ela é um amor mesmo.
— Espero mesmo que ela fique bem — ele suspira — Está se
espalhando rápido. Você viu como ela já está cansada?
— É, mas, pelo menos ela se divertiu um pouco — sou otimista —
Ryan, você acha que ela vai aguentar? — Ryan ergue a sobrancelha com
minha pergunta.
— Que isso ruivinha, não pensa essas coisas não — ele tenta se
esquivar da minha pergunta.
— Você já tratou crianças assim? — ele assente.
— Trabalho nessa área, já sou acostumado.
— Ah claro, com mortes.
— Não Jane. Ai cacete, não quis dizer isso — ele tenta se explicar
quando não consigo segurar minha vontade de chorar — Jane, não
chora, por favor — assinto.
— Ela nova demais Ryan.
— Ruiva, eu não disse que ela vai morrer. Fica calma, estamos
fazendo o possível — Ryan me abraça — Só dela já entender que
precisa dos remédios, já é mais fácil. Escuta, olha para mim — ele diz
segurando meu rosto — Não chora, nem pensa essas coisas, tá bom? —
e me abraça de novo se saber o que falar — É que faço sempre no
automático.
— Aidan não pode perder ela Ryan, o que vai ser dele?
— Eu sei Jane, eu sei que ele já perdeu a esposa. Olha, eu juro que
vou fazer o for preciso para ajudar tá? — assinto cobrindo os lábios.
— Obrigada Ryan — digo tentando me recompor quando vejo que
Aidan sobe as escadas e Ryan se afasta pegando sua maleta.
— Boa noite Senhor Whitmore, obrigado pelo convite — Ryan aperta
a mão dele que apenas faz um gesto com a cabeça.
Fico parada no mesmo lugar, esperamos Aidan dizer algo, mas ele
passa reto, entra no quarto de Lya, cobre ela que pegou no sono, tira as
asinhas da fantasia presas nas costas dela e apaga a luz.
— Eu já ia cobrir ela — me explico ainda com a voz embargada.
— Ah, claro que ia — debochando, de novo.
— O que eu fiz para você Aidan? — enfrento ele quando ele sai do
quarto encostando a porta atrás de si.
— Você está aqui só pelo dinheiro? — ele indaga.
— Não vou falar que estamos juntos. Não agora Aidan, sua irmã Sky
me alertou sobre Dahlia e…
— Você é boa em explicar que não estamos juntos, que sou só seu
patrão, que mal nos falamos, mas para falar de Ryan, ele “é só um
enfermeiro” esqueceu de falar que ele é um enfermeiro que você chora
nos braços agora, eu estava bem certo sobre você estar em outro —
arqueio a sobrancelha.
— Puta merda ein Aidan, ciúme? Do Ryan? Logo do Ryan?
— Eu te conheço Jane, quando nos conhecemos você implicava com
tudo o que eu fazia e com Ryan não é diferente — ele diz, porém, sem
aumentar o tom de voz.
— Aidan, menos — ainda chocada com a atitude dele, suspiro — Meu
Deus! Você está louco sabia?
— Pelo que parece, ele deve bem gostar — ele retruca rápido, como
se já tivesse pensado exatamente o que ia me falar.
— Por que você não me falou antes isso? Que sente cume dele?
— Porque não temos nada, sou só seu patrão e eu não me importo
com isso, porra.
— Sabe o que acho, que você bebeu para cacete, e está falando
merda. Você deixou aquelas duas entrarem por birra Aidan, por uma
coisa que não tem nada a ver uma com a outra. Agora você está bêbado,
e eu vou ter que descer lá e engolir desaforo da sua irmã, da minha irmã,
da minha mãe contando para todo mundo coisa da minha vida — ele dá
os ombros — Você tem noção do quanto você bebeu?
Passo por ele esbarrando seu braço no meu e desço as escadas
pisando firme.
— Jane! Você veio na hora certa — Willa vem até mim capengando
me entregando um papel.
— O que é isso?
— Sabe aquela brincadeira, do Quem sou eu? Não me fala quem
você pegou, funciona assim, cada um vai falar o que acha da pessoa que
sorteou — hesito, mas quando leio o nome que está no pequeno de
papel, eu assinto.
— Tudo bem — digo pegando o copo de whisky da mão de Willa —
Quem começa?
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|“A festa é minha e eu choro se eu quiser, choro se eu quiser, choro,
choro, choro. Eu vou chorar até as velas queimarem este lugar. Eu vou
chorar até que minha festa de dar pena esteja em chamas” Pity Party /
Melanie Martinez.

Aidan desce as escadas logo em seguida e Willa impõe que ele


participe do jogo, já que todos vão participar.
Ryan já foi embora e só lembrar da hipótese, que Aidan levantou
sobre eu sentir algo por Ryan fico com vontade de bater de frente com
ele novamente e terminar de resolver esse assunto de vez.
Como ele pode pensar uma coisa dessa? Quando dei qualquer tipo de
indício?
Ele só pode estar bêbado, muito bêbado mesmo.
Aidan não diz nada, apenas se senta no sofá ao lado de Kurt e espera
Willa mais bêbada que tudo, dar as instruções para começarmos.
Dou mais um gole no copo de bebida e olho para a hora no relógio
torcendo para minha mãe e minha irmã irem logo embora.
— Bom a pessoa que sorteei é jovem e… Bem diferente — Kurt diz e
Sky levanta a mão já adivinhando ser ela.
— Eu sou… Muito calma. Calma até demais e de vez em sempre
concordo com tudo o que Dahlia diz — Sky dá as dicas e Trace não
demora a levantar sem jeito.
— A pessoa que sorteei… Conheci agora e pelo que eu vi, eu sou
muito elegante e amo um animal print — Trace diz e minha mãe se
levanta animada com seu papel na mão.
— Eu sou… Muito decidida e… Esperta, inteligente, ai eu amei essa
garota, eu sou a Dahlia — minha mãe anuncia e Dahlia se levanta
abraçando ela.
Meu segundo copo de whisky desce rasgando enquanto espero
alguém anunciar meu nome.
— Bem, a pessoa que eu tirei… É nova na casa. Vem de uma família
incrível, mas ainda não sei se ela é incrível. Essa pessoa tem muito a
desenvolver. Tem as atitudes que me parecem inocente demais. Jane
querida, espero que esse feedback te ajude — Dahlia se vira para mim e
eu me levanto na direção dela usando todas as minhas forças para não
revirar os olhos.
Pensei que ia conseguir ficar bêbada até minha vez, mas não está
legal, não tem nada divertido nisso.
— A pessoa que eu tirei… — suspiro encarando o papel — Não
conheço — assumo e Willa dá os ombros achando ser ela — Ou pelo
menos escuto coisas demais sobre ele, sobre a história dele e… Quando
acho que conheço, ele sempre me surpreende — digo e Willa se levanta
se escorando em meu pescoço — E não, não é você Willa — solto um
leve riso e ela se senta ali mesmo nos meus pés, na barra do meu
vestido — E não é por falta de oportunidades que não conheço essa
pessoa, é por falta de espaço, sinto que não tenha tanto espaço entre
nós dois que não consigo alcançar quem ele realmente…
— Tá bom, sabemos que é o Aidan — Dahlia diz me interrompendo e
eu me sento ao vê-lo se levantar.
— A pessoa que… — ele se interrompe me encontrando com seus
olhos cor de avelã — Desculpa, vem logo Willa, vamos terminar logo
essa brincadeira — Aidan anuncia e Willa dá um pulo se levantando
completamente desorientada festejando ser a vez dela.
— Eu sou… A irmã invejosa da Jane né, não tem muito o quê falar…
Sobrou só você né cobrinha — Willa anuncia sem muito aviso e todo
mundo arregala os olhos.
Jenna se levanta sem jeito e minha mãe solta uma alta gargalha
chamando todo mundo para rir também, mas Willa prossegue
interrompendo todo mundo.
— E Dahlia, você vai me desculpar, mas sério, você vai morrer
sozinha enquanto não parar de querer destruir a vida das outras pessoas
— Willa diz com a voz meia embargada e confusa claramente
embriagada.
Dahlia revira os olhos para ela, se levantando e Willa continua.
— Aidan, você devia começar a se impor sabia, você é muuuito
parado, a mamãe pinta e borda com você, para de deixar a Dahlia decidir
quem é melhor para você, e… Jane, todo mundo já sabe que você e o
Aidan estão juntos e que você está fodida porque a nossa família está
toda lascada e sua mãe… Cara, no brechó tem roupas muito melhores
que essa, está parecendo uma perua. — seguro o riso.
Vejo Sky se levantar para ligar o som novamente, mas Willa faz sinal
para ela se sentar.
— Willa, — tento conter ela, mas ela berra.
— Que porra de festa é essa gente?! Jane, compreendo suas
intenções, mas por favor, da próxima vez, chame pessoas melhores para
sua festa. Ninguém aqui está dando a mínima para união. Minha mãe é
uma morta, a Dahlia usa ela para fazer a cabeça do Aidan que pelo visto,
não abre a boca nem quando está bêbado, e Kurt, arruma um emprego
melhor. Você é gostoso demais para ser só um motorista. Sky, por que
você não assume logo que você gosta de garotas? Não há problema
nenhum nisso! E vocês duas, está na cara que vocês só aparecem para
foder a vida da Jane, e você pelo visto transou com o noivo dela e tá aí
agora grávida e querendo esfregar na cara dela então por favor Jane, por
que você não dá na cara dela logo? Puta que pariu ein, a Rosalya foi a
única que morreu nessa porra, por que vocês não vivem a porra da vida
de vocês direito então? A Lya vai morrer e vocês só sabem pensar na
porra da grana da família, Jane, um conselho que eu te dou, vai embora
antes de começar a se apegar, porque essa família é uma merda. Todo
mundo que é bom morre, o vovô morreu, o papai morreu, a Rosalya
morreu e agora a Lya vai morrer e… — Willa é interrompida com um tapa
no rosto que Trace dá e ela cai no chão bêbada, com a maquiagem
borrada, batom para retocar, e cabelo fora de ordem.
Minha mãe e Jenna vão embora imediatamente, sem dizer muitas
palavras. Kurt gentilmente leve elas até a portaria enquanto eu ainda sem
saber o que fazer recolho os cacos de vidro do chão para ajudar Willa se
levantar.
Trace se recolhe para o quarto enquanto Joanna sai de seu quarto
para ver o que houve.
Sky sai enquanto Dahlia chora ao lado de Aidan que se mantém
neutro com seu copo de bebida na mão.
Levo Willa para o quarto e ajudo a mesma a tomar um banho frio
enquanto ela chora, falando coisas do tipo, “Eles são todos tóxicos”
“Quando essa família se transformou nisso?” “Jane, vai embora daqui,
você é boa demais” “Jane, a sua irmã tem inveja de você.”
Eu não respondo a nada, apenas a coloco na cama e vou para meu
quarto, onde Lya esqueceu de me dizer aonde minhas malas estão
escondidas, e eu me sento na cama ainda com o longo vestido amarelo.
Meus lábios tremem enquanto eu seguro o choro, mas não consigo, e
choro sem nem saber o motivo ao certo.
Alguém bate na porta me interrompendo e não faço questão de abrir
quando vejo se tratar de Aidan.
Ele trouxe minhas malas. Se senta na outra ponta da cama e antes
que ele diga qualquer coisa eu me levanto, caminho até a porta e faço
sinal para ele sair.
— Você está bêbado, não se dirija a mim Aidan — ele faz um gesto
para falar — Não quero te escutar, vai embora — abro mais a porta e ele
passa por ela, antes dando uma última olhada para mim que encaro
minhas malas, tirando aquele vestido do corpo imediatamente.

Acordo no susto. O bip no criado mudo marca que já passaram das


onze da manhã e eu me sento na cama.
Minha cabeça está prestes a explodir. Caminho para o banho ainda
sonolento.
No meu celular tem mensagens de Talbot e chamadas perdidas.
Perdi a reunião de ontem.
No corredor, encontro Ryan deixando o quarto de Lya sem fazer muito
barulho. Ele se vira quando nota minha presença.
— Bom dia Senhor Whitmore, a festa foi até tarde ontem ein — ele
brinca observando minha cara de sono.
Eu apenas confirmo com a cabeça em resposta.
Olho para dentro do quarto e não vejo Jane.
— A Jane não ajudou você hoje?
— Não, deve ter se atrasado — ele solta um leve riso — Ela é uma
comédia né.
— É.
— Julguei que não iria me acostumar com esse jeitinho dela, mas até
que ajuda — ele puxa assunto caminhando comigo até as escadas.
— Eu também achava no começo — respondo.
— Ela é bem dedicada nas coisas, é bem sensível também com a Lya
— ele diz enquanto o levo até a porta — Hoje em dia é difícil achar
alguém assim — mordo os maxilar e não respondo nada — Ontem ela
ficou…
— Não precisa ficar falando dela para mim Ryan, eu vi vocês dois
ontem — corto ele abrindo a porta — Só espero que você volte a próxima
vez como um profissional, ou você não vai mais voltar para lugar nenhum
— Ryan ergue a sobrancelha para mim.
— Está querendo dizer o que com isso?
— Estou querendo dizer que o hospital não vai querer um funcionário
que vai á casa dos pacientes dar em cima das Babás.
— De onde você está tirando isso Senhor Whitmore?
— Me diz você Ryan.
— Tá legal, você tem um caso com ela? — ele deduz, mas não
respondo — Sabe o que é da minha conta? Que a Jane não é do tipo que
fica com homens manipuladores iguais a você — Ryan retruca dando as
costas, pisando duro no chão e eu bato a porta.
Joanna passa por mim sem muitas palavras e vejo se tratar da
bandeja de remédios.
— Pede para Jane — ordeno e Joanna me olha por um instante.
— A Jane saiu cedo — Joanna diz e eu arqueio a sobrancelha.
— Como assim cedo?
— Deixou um bilhete — Joanna diz e eu subo as escadas até o quarto
dela e no criado mudo encontro um pedaço de papel.

“Fui embora. Não vem atrás de mim. Eu volto de tarde para ver a Lya
e ficar um pouco com ela.”

Porra.
|43|

— Nossa amiga, foi tão ruim assim ontem? Você sabe que depois
que toma whisky fica vomitando — Amanda diz me entregando um copo
de café.
— Se você visse o show que foi ontem, parecia aquelas tretas que
passam no reality show das Kardashians — comento saindo de dentro do
banheiro, onde passei a maior parte da manhã vomitando todo o whisky
que bebi ontem.
— A irmã dele tinha razão. É melhor você ficar longe Jane. Não tenta
dar uma de esposa falecida do Aidan e sair ajudando ele a fazer tudo.
Por mais que me doa as verdades que ela me diz eu concordo com a
cabeça em silêncio
— Ele é controlador, é rico e quer que tudo rode ao redor dele —
Amanda continua e eu me levanto incomodada com o assunto — De
qualquer forma, nunca mais, vou te deixar pegar essas malas e sair daqui
atrás de homem. Se apaixone, mas não vá dormir com ele — ela brinca
tentando descontrair a conversa.
E por mais que eu dê risada. Não deixo de ficar abalada.
Acho melhor esquecer mesmo toda essa história e ir ver Lya só no
período da tarde, quando ele não estiver.
Amanda tem razão, eu não posso mudar a vida dele. Não posso dar
uma de Rosalya e pensar que vou conseguir ajudar o Aidan quando, na
verdade, ele só liga para os próprios interesses e quando sai do controle
dele, ele estraga tudo.
— Ela não vai voltar, eu sei disso — digo enquanto Joanna se segura
para não balançar a cabeça decepcionada comigo.
— Posso ligar para ela e ver o que aconteceu — Joanna insiste e por
mais que eu queira, acabo negando.
— Acho melhor não, já basta tudo o que aconteceu ontem. Ela disse
que volta para ver a Lya. Cadê as minhas irmãs? Diz para elas que na
hora do almoço, eu quero conversar com todas — Joanna contrai a
mandíbula e se retira.
Porra, eu estou tão irritado hoje. Só agora que toda essa ressaca
passou que me dou conta da merda que eu fiz.
Como pude deixar as coisas chegarem a tal ponto? Como pude deixar
a Jane ir assim, sem mais?
E eu sei que ela tem todo o direito depois de ontem, depois do que
falei, depois de como terminou a festa que ela organizou com tanto
carinho, depois de eu ter permitido que a mãe e a irmã dela fizessem
parte daquilo.
Cacete, eu estou perdendo ela mais uma vez.
Desço as escadas, e caminho ao encontro das minhas irmãs que já
estão todas sentadas á mesa para o almoço ao lado de minha mãe.
— Já mandei Kurt preparar o carro, vocês vão embora hoje — informo
sem cerimônia.
Dahlia é a primeira a esboçar uma reação, largando o garfo sobre o
prato.
— Como assim?!
— É isso mesmo que vocês ouviram, eu já tenho problemas demais
para lidar com vocês e já que não estão ajudando em nada, acho por
bem, vocês voltarem para casa.
— Tudo isso porque sua namoradinha foi embora — Dahlia retruca.
— Ela não é minha namorada e eu não sou mais um moleque para
você decidir com quem devo me relacionar — retruco e Dahlia se levanta
em afronta.
— Queridos, nós estamos almoçando e já que o Aidan prefere
assim… — minha mãe intervém, mas Dahlia a interrompe.
— Já que ele prefere assim?! A culpa disso tudo é sua Aidan! Se
tivesse me escutado e não tivesse escolhido a Rosalya, você não estaria
aqui agora com aquela menina doente, precisando da ajuda daquela
mesquinha que não sabe de nada! Isso tudo é sua culpa, você gosta de
preferir as coisas? Olhe para sua vida de merda agora! — Dahlia berra se
inclinando sobre a mesa e eu espremo os lábios demonstrando deboche.
— Sabe o que eu também prefiro? Que você vá embora porra — digo
e ela contorna a mesa como se isso fosse me fazer correr.
— Gente, pelo amor de Deus — Sky resmunga.
— Vou embora e só voltarei no seu enterro Aidan, o da Lya está muito
próximo já — Dahlia diz enquanto é barrada por Trace e Willa.
— Contanto que você vá embora agora e eu não precise mais olhar
para você, está ótimo para mim — dou as costas subindo as escadas até
meu quarto sentindo o sangue subir e eu contraio a mandíbula
constantemente cerrando os punhos.
Dou uma olhada no quarto de Lya, ela está dormindo e eu encosto a
porta. Willa vem atrás de mim e me puxa para entrar em meu quarto
encostando a porta.
— É o seguinte Aidan, eu sinto muito pelo que aconteceu ontem e
sinto mais ainda pela Jane ter ido embora, eu sei que foi culpa minha e
que… Falei para ela ir embora.
— Não foi culpa sua, eu já tinha estragado tudo muito antes daquilo —
respondo frustrado.
— Eu sei, eu não devia ter bebido, não na sua casa.
— O que você quer? — questiono estranhando suas desculpas.
— 'Akhi la 'urid aleawdat 'iilaa almanzil¹* — (irmão, eu não quero voltar
para casa) — Willa diz e eu balanço a cabeça.
— Não Willa, eu não vou abrir exceções — ela suspira.
— Aidan, eu faço qualquer coisa para você me deixar ficar. Ajudo com
a Lya, ajudo na cozinha, na limpeza, no que você quiser, eu só não quero
voltar para casa — balanço a cabeça hesitante — Você sabe que somos
iguais, você foi embora com a Rosalya e eu fugi.
— Você vai me ajudar com a editora — acabo por ceder ao considerar
o que ela argumentou.
O carro que Kurt preparou para elas, já está estacionado em frente á
casa e peço para Kurt tirar Dahlia de dentro da minha casa, enquanto ela
escandaliza pedindo explicações do porque Willa vai ficar.
Minha mãe não discute. Ela já passou por isso mais vezes do que
posso contar. Porque é sempre assim, verdades em cima de verdades.
Nós nunca mais voltaremos a ser a família de antes e isso ela já não
contesta mais.
Ela não se despede de Willa, e para mim, faz apenas um gesto com a
cabeça dizendo.
— Aetuni bihim jydana — (cuide bem delas) e eu assinto dando as
costa de volta para casa.
Willa desce as escadas, receosa.
— E, aí? — dou os ombros.
— Já foram — Willa comemora — E você vai para escritório agora,
pensar em maneiras para acabar com a crise da WTM — respondo e ela
assente soltando um leve suspiro.
— E você vai fazer o que agora?
— Vou atrás da Jane — digo batendo a porta atrás de mim.
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Recarrego incansavelmente a página de pesquisa atrás de vagas de


emprego. Entrego currículos para todas as editoras que encontro, vagas
para balconistas, estágios, Babá, e escrevo que já trabalhei no ramo, e
que tenho experiência, o que não é mentira, já que eu realmente cuidava
de Lya.
Meu celular toca com o número desconhecido e eu atendo receosa
achando ser Aidan.
— Ruiva? — eu não respondo nada, apenas espero a pessoa
prosseguir — Sou eu, Ryan.
— Ryan? — respondo surpresa.
— Eu sei, eu sei, parece meio psicopata, mas peguei seu número com
a governanta. Ela está preocupada com você, e você não atende os
telefonemas dela — ele diz rápido, como se estivesse com medo que eu
encerre a ligação.
— Tudo bem, eles são assim mesmo, controladores com todo mundo
que trabalha para eles — solto um leve riso com a pressa em que ele
fala.
— Podemos assim dizer que eu tenha pedido seu número, quando
cheguei lá e não te vi com remela no olho — ele brinca — Está tudo
bem? — assinto mesmo sabendo que ele não pode ver — Aconteceu
algo na festa ontem? Hoje aconteceu um fato curioso como Senhor
Whitmore.
— O que houve? — fecho o notebook.
— Abre a porta para mim — eu gelo.
— Quê? — me faço de desentendida enquanto pulo da cama e abro
minha mala procurando uma roupa descente.
— Estou aqui fora Ruiva.
Repouso o celular em cima da mesa enquanto visto o primeiro vestido
que encontro na minha mala. Faço um coque nos cabelos e abro a porta.
— Pode falar agora — tento não demonstrar surpresa ao vê-lo.
— Acredito que já podemos encerrar a ligação agora — ele diz e eu
encerro cruzando os braços.
— Como você descobriu onde eu moro? — questiono dando
passagem para ele.
— Perguntei para o Kurt — ele dá os ombros.
— Agora pode ter certeza que parece sim muito psicopata —
comento.
— É eu sei, mas mais psicopata foi o que o Senhor Whitmore me
falou hoje — ele dá os ombros.
— E o que ele te disse? — questiono curiosa.
— Ele tem ciúme de nós. Ameaçou meu emprego, falou que eu
estava dando em cima de você. Fiquei preocupado. Sinto muito por ele
ter te mandado embora por minha causa ruiva, eu precisava vir me
desculpar — Ryan diz e eu arqueio a sobrancelha.
— Não, eu… Não fui demitida, quer dizer, ele já me demitiu duas
vezes e dessa vez eu mesma vim embora — explico ainda processando
o que Ryan acabou de dizer.
Como ele pode ser tão manipulador a ponto de ameaçar o emprego
dele por ciúmes?
— Me desculpe você estar no meio disso Ryan, — suspiro — Como
está a Lya? — Ryan demora um pouco para responder.
— Hoje ela estava mais cansadinha que o normal, por conta da festa
de ontem. Colhi mais amostras e ela tomou mais algumas injetáveis. Hoje
foram duas. Essa semana ela iniciará a quimio, — Ryan faz uma pausa e
ao ver que não tenho o que comentar, prossegue — Vai ser uma semana
mais difícil para ela, você sabe, os remédios são bem fortes, fora as
reações do tratamento.
— Ela vai perder cabelo? — Ryan assente e eu suspiro — Quanto
tempo demora?
— Vai ser diária pelo estágio com que tem se avançado. Vai durar
uma semana seguida de um descanso de três, e depois voltamos
novamente, como um ciclo. Depende de como ela vai reagir.
— Mas ela é criança certo? Como vai ser a quimioterapia dela? —
Ryan balança a cabeça.
— Via venosa — ele responde e se lembrando que não entendo nada
que ele fala, ele traduz — Vai ser na veia Jane, porque tem o efeito mais
rápido.
— Meu Deus! — balanço a cabeça respirando fundo, como se eu
fosse ter que passar por aquilo — Quantas doses por seções?
— Duas — contraio a mandíbula.
— Não tem como… Sei lá, um em cada dia?
— Não temos tempo Jane.
— Tá, é melhor pararmos de falar disso — corto ele sentindo um nó
se formar em minha garganta — Por Deus Ryan.
— Eu sei, é difícil.
— Eu só queria que fosse diferente — confesso preocupada.
— Ela é forte Ruiva, você vai ver — Ryan limpa uma lágrima solitária
que escorre pelo meu rosto.
— Eu não queria fazer parte disso. De nada disso, mas por mais que
eu não esteja lá, eu quero ficar lá, por eles — Ryan me abraça.
A campainha toca e eu não demoro a atender dando de cara com
Aidan, me fazendo gelar surpresa.
— Podemos conversar? — ele diz sem muita cerimônia e ao olhar
para o interior da kitnet, contrai a mandíbula ao ver Ryan.
Eu não digo nada. Porque, na verdade, não sei o que dizer. Ele
espera que eu diga algo, mas não faço a menor ideia. Sei o que ele vai
pensar, mas depois de ontem, não devo satisfações para ele, nem quero
falar com ele, apesar de saber o que ele está passando com Lya, ele não
pode usar isso de desculpa para babaquices que não envolvem ela.
Por Deus, o que estou pensando? Ele ainda está bem na minha frente
encarando Ryan com sangue nos olhos.
— O que você disse? — é o que falo e ele balança a cabeça e dando
as costas.
Quero chamá-lo, mas não o faço. O mundo não gira ao redor dele,
como Amanda mesmo disse. Ele não pode me tratar como quer e depois
achar que vou voltar a ser como era antes, porque não é assim.
Ele ameaçou o emprego de Ryan por ciúmes. Será que ele não vê
que Ryan está lá para cuidar da filha dele?
Bato a porta atrás de mim me esquecendo que Ryan ainda está
presente, e me vê chorar como uma criança tola.
— Desculpa — peço desejando correr para algum lugar, mas não tem
como correr dentro de uma kitnet para se esconder — Eu sei que você
não tem nada a ver, mas, cara eu realmente não consigo mais entender
Ryan, eu não sei o que ele quer, não sei mesmo, eu só quero… Sumir —
digo em crise — Não quero ter que lidar com ele desse jeito. Temos o
caso da Lya para resolver que é muito mais importante que crises de
ciúmes — desabafo para Ryan que atenciosamente, me ouve em
silêncio.
— Talvez não seja uma boa ideia ela ficar naquela casa — arqueio a
sobrancelha para ele.
— Como assim?
— A Lya fica sozinha naquela casa Jane, não sai do quarto e só vão
lá para levar remédios. Isso não vai ajudar muito. Entendo que as
intenções do Senhor Whitmore são as melhores, mas olha o tanto de
problemas que aquela casa já tem. A garota fica no meio disso tudo, é
tão tóxico. No hospital o ambiente é sim, mais carente por conta do
estado das crianças, mas o que não falta é gente para abraçar a causa
ruiva.
— Você acha?
— Acho que ela ficaria mais animada com o tratamento vendo
pessoas que tem a mesma coisa que ela, ficaria se sentindo
mais normal. Eu sei que o Senhor Whitmore quer que ela tenha toda a
atenção, mas deixá-la num quarto e pagar alguém para ir levar os
comprimidos para ela, não é dar atenção, Jane. Ela precisa ver gente,
conversar, comer, brincar — Ryan aconselha — Você poderia aproveitar
que tem um vínculo maior com ele e tentar convencê-lo — coro com a
última frase dele.
— Não temos mais nada e, ele não vai querer me escutar. Ele tinha
me chamado para ajudar lá para Lya não precisar disso, e agora se eu
chegar e falar isso ele culpará você, e você pode perder seu emprego, eu
acho melhor não.
— Parece que você conhece ele o bastante para ter medo das
atitudes dele, isso é tão estranho para mim.
— Eu só não quero estragar o que tenho com a Lya, nem que ele me
prive de ver ela — me justifico.
— Ele quer disciplinar todo mundo em torno daquela casa, para não
perder o controle — Ryan comenta.
Cada vez que ele diz algo, começo a sentir algo que não sei explicar,
como se quisesse defender Aidan e, ao mesmo tempo, algo me diz que
Ryan está certo.
Mas o que ele diz faz sentido, no hospital Lya pode ter mais atenção e
se distanciar da tensão daquela casa. Porque por mais que Aidan lute
para fazê-la ficar lá, ainda sim, ela está sozinha.
— Obrigada Ryan — agradeço pela conversa assim que ele se
prepara para ir embora.
— Jane, eu sei que vocês têm seus problemas, mas não deixe
influenciar com o que você tem com a Lya. Isso não é sobre você e ele, é
você ficar bem com isso tudo — ele faz um gesto para ver se entendi e
eu confirmo com a cabeça.

Amanda chega logo em seguida e quando abre a porta da kitnet e me


encontra, solta um alívio.
— Graças a Deus! Achei que você não estaria aqui. Porque você
sempre é levada pelo seu Ex, é assim que podemos chamar o Aidan
agora né — hesito por um minuto.
— Sim, Amanda. É assim que podemos chamar ele agora.
|45|

Não sei mais o que eu faço.


Lya não come, não quer levantar da cama, não quer tomar os
remédios, não quer fazer porra nenhuma e isso está a me por louco.
Estou tão preocupado. Eu estava mesmo disposto a consertar as
coisas com a Jane hoje, mas foi tudo por água a baixo.
O fato de ver eles dois juntos hoje na casa dela só comprovou o que
eu estava pensando.
Estou com tanta raiva de mim mesmo por ter me dado o trabalho de
ter ido lá.
Levo a mão á testa irritado com esses pensamentos.
— Aidan, ela não vai tomar os remédios, só se eu forçar o maxilar
dela e enfiar pela garganta — Willa diz num suspiro enquanto desce as
escadas.
— A Jane faz isso todo dia Willa — resmungo.
— Porém eu não sou a Jane — tomo a bandeja da mão dela e subo
as escadas entrando no quarto de Lya.
— Filha, — mantenho a calma — Por que isso agora ein? — sento-me
na beirada da cama.
— Você disse que a tia Jane viria hoje — ela faz birra.
— Ela vem amanhã Lya — explico estendendo o copo de água para
ela, mas ela recusa.
— Por que ela foi embora?
— Porque ela precisava de um tempo para ela filha, a tia Jane tem
uma casa… E às vezes, ela precisa ir lá — ela parece se convencer com
a minha teoria — E se ela souber que você não tomou seus remédios, ela
vai ficar muito brava, como estou também — tento ser o mais
compreensivo estendendo os comprimidos para ela que não resiste por
muito tempo e acabar por os tomar — Isso querida — incentivo me
levantando.
— Aidan? — ela me chama.
— Oi pequena.
— Posso dormir com você hoje no quentinho? — ergo a sobrancelha
surpreso.
— Claro que pode filha — acendo a luz e ela se levanta me
acompanhando até meu quarto.
Ela sobe na cama alta, arruma os travesseiros e me espera pegar as
cobertas, desisto de trocar de roupa para dormir, só arregaço as mangas
da camisa e me deito ao lado dela que pousa a cabeça no meu peito,
passando as pontas dos pequeninos dedos por cima das minhas
tatuagens.
— O que você tem? — pergunto, já que ela nunca pediu para dormir
comigo.
— Não quero ficar sozinha — ela diz puxando as cobertas até o
pescoço.
— Mas você não está sozinha filha.
— Queria que a tia Jane não precisasse ir á casa dela. De noite ela
sempre me deixa quentinha e me traz leite.
— Quer que eu faça? — ela nega enquanto acaricio seus cabelos.
— Queria que você pedisse para Jane voltar rapidinho.
— Por quê?
— Porque ela cuida de mim, igual à mamãe. Eu queria que ela fosse
minha mãe, porque ela é boazinha — sorrio com o comentário dela.
Tão sincera e inocente. Demonstrando como Jane conquistou ela,
como ela tem tanto cuidado com a minha pequena.
— Espera aqui que eu vou fazer seu leite — digo me levantando e ela
assente.
Desço para cozinha. A casa já está toda apagada e eu vou até à
despensa pegar as coisas para preparar o leite dela e me lembro do dia
em que Jane se atrapalhou toda para fazer. Sorrio com esse pensamento
e na hora de voltar para o quarto, me assusto com a presença de Willa.
— Cadê a Lya?
— No meu quarto.
— Que susto — ela diz aliviada — Está fazendo o quê?
— Leite
— Isso é leite ou é uma gororoba? — Willa diz se referindo ao leite em
pó — Primeiro você bate, depois adiciona mais água — ela toma o copo
da minha mão para mostrar como se faz — Nunca fez isso não?
— É, a Jane sempre leva para ela — justifico-me.
— Nossa aquela ruiva faz uma falta né. Não sei o que faço para
entreter a Lya, tudo é tia Jane daqui, de lá, elas se deram muito bem.
— A Jane gosta bastante de crianças — comento enquanto pego a
caneca de leite que Willa preparou.
Porém, quando chego no quarto Lya já adormeceu e eu puxo as
cobertas para me cobrir, mas percebo que estão úmidas. Ligo o abajur
meu coração dispara.
É sangue.
Sangue escorrendo pelo nariz dela.
Ela não acorda, não reage e estou a um fio de surtar de vez em
desespero.
— Porra — descubro ela erguendo sua cabeça — WILLA! — minha
irmã não demora muito para vir até o quarto — Acorda o Kurt, chama
uma… Ambulância, liga para Ryan, a Lya ela está…
— Calma Aidan — ela diz percebendo meu desespero — Não dá
tempo, leva agora ela para hospital — minha irmã orienta correndo até o
quarto dela pegando uma bolsa, descendo as escadas atrás de mim que
desço com Lya no colo.
Nunca estive tão desesperado como agora, é como se eu visse as
coisas como um borrão diante dos meus olhos.
Willa diz coisas como “Aidan, dirige devagar”, “fica calmo.”
Mas a única coisa que consigo fazer é ultrapassar todos os sinais
vermelhos, e acelerar o máximo que consigo. Porque não tem como ficar
calmo, não tem como não pensar o pior.
Quando chego á recepção, passo direto antes de falar no balcão, eu
encontro Ryan se aproximando da saída. Creio que seu horário já acabou
e está indo para casa, mas ele para a me ver — Senhor Whitmore? — e
diz olhando para Lya em meu colo.
— Ryan, pelo amor de Deus, eu não sei o que está acontecendo com
ela — digo e ele larga sua bolsa ali mesmo, olhando para os lados, ele a
toma dos meus braços e anda apressadamente pelo corredor entrando
em um quarto, colocando ela sobre a cama e puxando um acesso de
soro rapidamente.
— Isso são as plaquetas dela que estão baixas — Ryan diz
amarrando o garrote no braço dela — Ela comeu hoje? Está desacordada
por estar fraca — ele comenta.
— Ela estava bem. Estava comigo deitada. Fui buscar leite e ela está
assim — explico e ele assente.
— Ela dormiu e teve uma hemorragia nasal — uma médica entra no
quarto — Ela já começou a quimioterapia? — nego — O senhor é pai
dela? — confirmo com a cabeça.
— Ela começa amanhã a quimioterapia.
— Ela vai fazer exames. Talvez precise de uma transfusão de
plaquetas — contraio a mandíbula enquanto ela deixa a sala apressada
para fazer a ficha de Lya e chamar algum enfermeiro para colher as
amostras.
— Eu vou ficar para acompanhar os exames — Ryan anuncia para a
doutora, pegando dela a prancheta.
— Obrigado cara — agradeço.
— Você está de jejum? Eu preciso colher uma amostra de sangue
para ver se é compatível, caso ela precise de doação de sangue — Ryan
ignora completamente o meu agradecimento demonstrando ainda
aborrecimento pelo que eu disse para ele mais cedo.
Ele não troca muitas palavras comigo, apenas amarra o garrote em
meu braço e faz o mesmo procedimento que fez em Lya.
— Você avisou a Jane? — Ryan quebra o silêncio enquanto procura
minha veia.
— Acho melhor agora não — respondo e ele assente.
— Não estávamos fazendo nada hoje, quando você foi lá. Só fui ver
porque ela não foi trabalhar hoje. Achei que tinha demitido ela — ele se
justifica.
— Não precisa me explicar nada sobre isso.
— Eu sei. Mas não quero correr o risco de perder meu emprego — ele
faz questão de jogar na minha cara o que eu havia dito.
— Eu jamais faria isso Ryan. Eu estava nervoso. Devo desculpas, sei
que nem deveria estar aqui — ele assente sério colhendo minha amostra.
— É o meu trabalho, e eu prometi a Jane que tudo ficaria bem com a
ela — ele diz se referindo a Lya e eu assinto sem ter muito que dizer.
Não estou com cabeça para lidar com o sarcasmo dele, nem com o ar
de superioridade que ele me olha agora. Como se eu dependesse dele.
Como se ele fosse o salvador da Lya, o herói da Jane, e isso me deixa
ferrado. Ver que não posso fazer na em relação a isso sem sair como o
orgulhoso da história.
E agora não quero nada, eu só quero que minha filha fique bem. Não
me importo se ele vai sair como o herói, como o salvador, como qualquer
porra. Eu só quero que minha filha fique bem.
Cada dia que passa isso acaba comigo, quebra meu coração em
pedaços cada vez mais.
Eu só quero que ela fique bem. Lya é parte de mim e sinto que cada
vez que vejo ela dependendo de outra pessoa para me ajudar, é como se
essa parte estivesse querendo me matar.
E se precisar eu vou doar cada gota do meu sangue para vê-la mais
forte passa do por isso. Por Deus, que castigo é esse? Porque ela tem
que passar por isso e não eu? Ela é tão pequena, tão miúda para
entender isso tudo.
— Quanto tempo sai o resultado? — pergunto antes de Ryan sair da
sala.
— Poucos minutos, vou priorizar o caso — apenas assinto com a
cabeça respirando fundo.
Vou até à recepção aonde Willa me espera e ela vem ao meu
encontro.
— Cadê ela?
— No quarto, ela vai precisar fazer exames, talvez precise de
transfusão de plaquetas — ela assente preocupada.
— Ai meu Deus, que droga — Willa joga a cabeça para trás.
— Não sei o que fazer Willa.
— Fica calmo Aidan, — minha irmã me tranquiliza e eu arqueio a
sobrancelha ao ver Jane adentrar pelas portas do hospital apressada, ela
caminha até a recepção, mas ao me ver ela caminha até mim —
Desculpa, eu chamei ela, não sabia o que fazer — Willa diz enquanto
Jane sem aviso, me abraça forte.
|46|

— Jane, não tem como dormir com você se mexendo desse jeito —
Amanda diz se sentando a cama, e eu suspiro fazendo o mesmo — O
que você tem amiga? — ela me pergunta ligando o abajur.
— Não sei, estou sem sono. Acho que vou dar uma volta, desculpa —
digo e ela balança a cabeça no mesmo instante.
— Você sabe que horas são? Dez da noite, só tem bar aberto essa
hora por aqui e seu carro, onde você estaciona, ele quebra, quieta o rabo
ai — ela me repreende jogando as cobertas para cima de mim
novamente — Vou fazer um chazinho, você vai dormir igual um bebê —
ela se levanta prendendo os cabelos pretos num coque.
— Não precisa, estou sem fome — me cubro me virando para a
parede.
— O que você tem? Não comeu nada hoje. Você vai passar mal —
suspiro em resposta — JANE! Você precisa conversar comigo já que não
vai me deixar dormir se revirando na cama desse jeito. Está preocupada
com a garota é isso? — ela deduz.
— Na verdade, não sei, só… Acho que acostumei tanto com a rotina
de ficar lá com ela a noite, que agora… Será que alguém vai ficar com ela
até ela dormir?
— Você precisa entender que as pessoas não são iguais a você, ela
vai ficar bem, se bobear já está no quinto sono e você ai, amanhã não vai
conseguir fazer nada porque não dormiu direito — ela diz se sentando ao
meu lado — Por que vão não dorme e amanhã bem cedo vai lá ver ela?
— Amanda sugere.
— Tudo bem — acabo cedendo.
Tento não pensar em nada para tentar dormir, mas meu celular vibra
em cima do criado mudo arrancando alguns resmungos de Amanda que
pega e me entrega, eu arqueio a sobrancelha ao ver o número da casa
de Aidan, atendo no mesmo instante.
— É o número da Jane? — arqueio a sobrancelha para a voz
desconhecida do outro lado da linha.
— Quem é? — pergunto.
— Jane é a Willa — só agora reconheço a voz da irmã do Aidan e me
sento na cama — Desculpa ligar essa hora é que…
— O que houve Willa?
— A Lya está no hospital, tem como você dar uma aparecida aqui?
Meu irmão, está meio frustrado e eu não sei o que fazer. Desculpa você
foi a primeira pessoa que me veio á mente — ela diz sem jeito e eu
assinto mesmo sabendo que ela não pode ver sentindo meu coração
disparar.
— Me manda o endereço, eu estou indo — me levanto pegando a
primeira roupa que encontro na minha mala e Amanda se levanta vindo
atrás de mim me barrando.
— Ou você sai da minha frente, ou vem comigo e coloca o cinto —
passo por ela vestindo minha jaqueta jeans e ela suspira vindo atrás de
mim, se sentando no banco carona, colocando o cinto.
Coloco meu celular no suporte enquanto Amanda liga o GPS. Mas o
caminho é o do mesmo hospital que Lya veio da primeira vez.
Dirijo em silêncio, tentando não imaginar o pior. Mas não consigo. Por
mais que Ryan tenha me tranquilizado mais cedo, quando se trata de
Lya, não consigo não me preocupar.
Só quando chegamos no hospital que Amanda se dá conta que veio
com sua blusa de alcinha e seu short de dormir.
— Tá legal, eu te espero aqui — ela me diz saio do carro caminhando
até a recepção, mas mudo meu caminho quando vejo Aidan e Willa
conversando logo a frente.
Ele me olha surpreso e de longe consigo ver o quanto seu semblante
está abalado. Por mais que não tenhamos nos resolvido eu o abraço forte
e ele encolhe os ombros como se um peso tivesse sido tirado de suas
costas.
Sei que nos chateamos, mas não quero pensar nisso agora.
— O que aconteceu?
— Ela teve uma hemorragia nasal, estava desacordada quando
cheguei — Aidan diz e eu suspiro.
— Cadê ela?
— Está no quarto, estamos esperando os exames saírem, talvez ela
precise de transfusão de plaquetas, ela pode estar com pneumonia.
— Puta que me pariu — Willa parece que ainda não sabia da notícia,
ela se senta num dos bancos levando as mãos á cabeça.
— Como você está? — pergunto para Aidan que me olha por um
instante e volta a encarar o chão.
— Não precisava ter vindo, me desculpe por Willa.
— Sei que está chateado comigo e eu com você, só que agora não é
hora de nós nos mantermos assim. Sinto muito pelo quê aconteceu —
aperto o ombro do moreno que cabisbaixo balança a cabeça.
Vejo Ryan se aproximar e me olhar surpreso.
— Ruiva? — sorrio como se quisesse dizer “Olha eu aqui de novo.”
— Como ela está? — pergunto.
— Ela está aparentemente bem. Tomando soro. Já vai ficar aqui para
começar a quimioterapia amanhã. E ela vai precisar de doação de
plaquetas de alguém compatível — Ryan anuncia para Aidan e Willa que
se aproximam.
— Já informei que vou realizar a coleta — Aidan comenta — Já saiu o
resultado dos exames?
— Sim, Senhor Whitmore, mas ela não tem seu sangue, pensei que
soubesse disso — Ryan arqueia a sobrancelha e Aidan empalidece sem
reação.
— Pois é Rosalya, além do chifre ainda deixou o bezerro — Willa diz.

Ótimo, isso era tudo o que Aidan precisava para surtar de vez.
Ele fica sem reação. Apenas pega os papéis do resultado dos exames
de sangue e olha diversas vezes como se aquilo não fosse verdade.
Lya não é filha dele. Por Deus como lidar com isso?
Não sei o que dizer, nem sei se devia dizer algo.
Willa não consegue parar de dizer “Puta merda” boquiaberta como se
tivesse tudo ferrado de vez.
Aidan não desiste, é como se ele acreditasse que uma hora ou outra
ele fosse olhar no papel e fosse dar compatível como num passe de
mágica.
Ele morde freneticamente o maxilar respirando pesadamente
balançando a cabeça.
— Aidan, — chamo puxando seu braço para que ele se sente no
banco e entrego um copo de água.
— Não é possível Jane, não pode ser. Ela não seria capaz disso —
ele diz amassando o copo descartável cheio de água — Como a Lya não
pode ser minha filha?
— Que pergunta mais óbvia maninho. A Dahlia e a mamãe sempre
estiveram certas — Willa ri de desespero e eu faço um gesto para ela se
conter nas palavras.
Aidan cobre o rosto.
— Quero outro teste — ele exige.
— Não Aidan. Você só vai se frustrar ainda mais — digo pegando as
folhas dele colocando-as no banco ao lado.
— O que eu vou fazer agora Jane? — vejo que ele treme enquanto
seus olhos vermelhos denunciam que lágrimas estão prestes a molhar o
seu rosto e ele cerra os punhos e cobre o rosto novamente, como se
tivesse se contendo para gritar.
Ryan é o que mais demonstra o quanto está chocado. Ele ainda não
se moveu desde que deu a notícia. Apenas olha para os lados como se
tivesse feito uma grande merda.
— Tem algo que eu possa fazer pelo senhor? — Ryan diz levando um
copo de água para Aidan.
— Você já fez o suficiente Ryan — Aidan diz passando a mão nos
cabelos e eu seguro sua mão.
— Calma tá, só… Por Deus — digo ainda chocada.
— Eu preciso sair daqui — Aidan se levanta.
— O quê?! — eu o barro — A Lya precisa de você. Você não pode
deixar ela aqui — Willa também se levanta concordando comigo.
— Acabei de descobrir que nunca tive uma filha de verdade, então
acho que posso sim, no mínimo ir tomar um ar aonde pessoas não olhem
com cara de pena — ele diz ríspido afrouxando a gravata no pescoço
esbarrando no meu ombro, saindo pela por do hospital que se abre
automaticamente.
Willa dá um passo para ir atrás dele.
— Deixa o cara respirar um pouco — Ryan segura ela.
— Ele precisará lidar com isso — suspiro frustrada para Willa que
senta o meu lado.
— Lidar? A mulher dele teve filho de outro, morreu e não teve a
coragem de falar Jane. Coloquei minha mão no fogo por ela — Willa fala
inconformada.
Eu por minha vez permaneço em silêncio perplexa. Foi tão de
repente, que parece que Ryan nocauteou a todos nós com um chute no
estômago.

Minha vista embaça pela milésima vez e fecho os olhos fortemente


me impedindo de chorar, mas não consigo. Estou sentindo tanto ódio
agora. Ainda não consigo acreditar nisso. Como ela nunca teve a
coragem de me falar sobre Lya?
Passei esses anos todos defendendo ela, me colocando na frente das
acusações de Dahlia, acreditando que Lya era única coisa boa dela que
me restou, para agora descobrir que a única coisa que aquela vagabunda
me deixou, foram mentiras em cima de mentiras.
Joanna é a primeira a sair de seu quarto quando eu, sem conseguir
achar a pequena chave que abre a parte da adega onde ficam minhas
bebidas atrás do vidro, se quebra com a força que colocou num soco,
acertando o vidro.
— Senhor Whitmore? — ela pergunta assustada, se abraçando por
conta do frio que entra pela porta aberta.
— Volta para seu quarto — ordeno enquanto subo as escadas com
algumas garrafas na mão.
Puxo a cordinha trazendo a escada que dá para o sótão.
Chega de guardar o que havia de melhor em mim, eu vou acabar
com isso tudo.
|47|
|“Despedaçado, cheio de dor, de algum modo, nossa juventude
levaria a culpa. Esgotado, do jeito que deixamos que ficasse. Vazio, uma
dúvida poderia torná-lo emprestado. Um amor que nunca veio. Eu segui
qualquer outra sombra” Carry You / Novo Amor.

— Jane? Tia Jane? — meus olhos se abrem preguiçosamente


enquanto sinto um leve toque no meu braço me acordando.
Um gemido de dor escapa dos meus lábios e eu percebo que dormi
de mau jeito na poltrona de acompanhante.
Sento-me ainda abrindo os olhos, me acostumando com a claridade
que entra no quarto e vejo se tratar de Lya me chamando.
— Pequena, — sorrio ao vê-la tomando café da manhã.
— O que aconteceu? — ela pergunta.
— Você não se lembra?
Lya nega olhando para seu braço ligado a um acesso de soro.
— Cadê o Aidan? — ela olha ao redor não o encontrando.
Também gostaria de saber.
— Eu vou chamar um enfermeiro para tirar isso de você, — anuncio
me levantando saindo da sala e no corredor encontro Ryan.
— Dormiu bem ruiva?
— O Aidan já voltou? — ele nega — Cadê a irmã dele? — pergunto
e Ryan faz força para se lembrar numa careta.
— A doida dormindo lá na recepção? — eu solto um riso.
— Deve ser. A Lya já acordou, e o soro já acabou também. Vou atrás
de Willa — anuncio.
Como ele havia dito, encontro Willa sentada num dos bancos
cochilando num dos braços, ela acorda assim que sente eu me
aproximar.
— Já podemos voltar para casa? Não aguento mais colega — solto
um leve riso.
— Liga para o Kurt vir te buscar — ela dá os ombros.
— Se eu tivesse outro número com certeza já teria feito isso, mas
ninguém atende o telefone da casa — ela diz num bocejo.
— Bom, a Lya vai começar a quimioterapia agora cedo, é bem
provável que o Aidan volte até lá — tranquilizo e volto para o quarto
aonde Ryan tira o acesso do braço de Lya.
Tem uma TV no quarto e ele liga num desenho.
— Vou pedir para irmã do Senhor Whitmore ficar aqui com ela, quer
vir tomar um café comigo? — Ryan me chama e eu hesito.
— Vai lá colega — Willa diz se sentando na poltrona e eu
acompanho Ryan até o refeitório.
— Noite cansativa? — ele puxa assunto.
— Para quem não estava conseguindo dormir, até que dormi bem.
Você fez plantão até mais tarde?
— Eu nem dormi — Ryan solta um riso — Quando estava indo
embora o Senhor Whitmore chegou com a Lya então eu fiquei. Vou
trabalhar o dia todo ainda — ergo a sobrancelha.
— Mas você precisa descansar.
— Você também precisa descansar ruivinha e eu não me importo de
ficar. Sem isso aqui eu não tenho mais nada.
— Sem ela eu também não tenho mais nada.
— Sei como é — Ryan aperta meu ombro.
— Sabe?
— Você se sente útil — assinto com o comentário dele — É assim
que me sinto também trabalhando. Você daria uma ótima doutora da
alegria sabia? — dou risada com o comentário dele.
— Eu não aguento ver nem uma seringa na minha frente — Ryan
gargalha assentindo.
— Realmente, mas você não precisaria mexer com essas coisas.
Você podia se inscrever, eles pagam uma boa remuneração por isso —
ele explica — Posso indicar você aqui para o hospital das crianças —
hesito — Você pode tentar ruiva, você é boa com crianças e, além disso,
não interferiria nos horários para ver a Lya.
— Você faria isso por mim?
— E por que não faria ruiva? — ele sorri gentil.
— Obrigada Ryan — agradeço.
— Hoje saio às 21:00. Você gosta de música ao vivo? — dou os
ombros — Conheço um barzinho que não fica tão longe daqui, topa? Eu
te pego às 21:30, vamos?
— E a…
— A Lya tem a Willa, o Aidan, a governanta… E você tem uma vida
fora daquela casa, você precisa respirar um pouco — assinto
concordando — Isso é um sim?
—É
— Eu te pego as 21:30 certo?
— Tudo bem — aceito.

A quimioterapia foi mais puxada que o planejado. Depois do que


aconteceu na noite de ontem, o médico decidiu que pela forma que a
Leucemia tem se avançado, será melhor Lya permanecer no hospital
para ficar em observação sem previsão para voltar para casa.
Foi decidido também que seria melhor intensificar a quimioterapia e
acelerar todos os processos.
Aidan não voltou e eu como segunda responsável, assinei o termo
de estadia dela, no hospital, já que Aidan não apareceu.
Estou começando a ficar preocupada.
Por Deus, estou exausta. Na casa, ninguém atende o telefone para
que eu pedir para vir alguém para o hospital para que eu e Willa
possamos ir para casa descansar um pouco.
Suspiro. Só quero que o dia acabe logo para que eu possa
finalmente descansar. Parece que trator passou por cima de mim.
No fim da tarde, consigo falar com Joanna e finalmente ela vem para
o hospital ficar com Lya enquanto Kurt leva eu e Willa de volta para a
mansão.
Despeço-me com Ryan e me arrependo de ter aceitado o convite
dele para sair a noite. Só quero deitar e descansar as pernas. Hoje não
parei e Willa não fez merda nenhuma, eu não a julgo, ela não entende
nada, mas é uma boa pessoa em apoiar.
Só espero que Aidan tenha uma ótima desculpa para me dar quando
eu chegar lá.

O casarão está mais silencioso que o normal. Kurt abre os portões e


estaciona o carro no gramado ao lado do carro de Aidan. Sinal que ele
está em casa.
Menos mal. É o que penso entrando com Willa e ela se joga no sofá,
exausta. Antes de me sentar para descansar um pouco ou comer algo,
subo para o quarto de Lya para fazer a bolsa de Lya para levar para o
hospital amanhã, mas paro no último degrau lá em cima. Não dá para
passar.
Tem muito pó no chão, e pedaços de madeira.
— O que aconteceu? — digo para mim mesma dando meia volta e
chamo Willa para ver e talvez me ajudar a desvendar o que raios
aconteceu lá em cima.
— Com certeza foi meu irmão, isso é a cara dele — Willa deduz e eu
arqueio a sobrancelha enquanto ela abre caminho em meio á bagunça —
Ele fez isso por causa daquela vadia da Rosalya, com certeza. Descobriu
que a Lya não é filha dele, perdeu o controle e destruiu tudo — Willa diz e
eu empalideço — Não sei como não suspeitei que ele fosse fazer isso.
Mas não agora com o que a Lya está passando... — Willa diz
preocupada.
— Como assim, perdeu o controle? — questiono.
— Meu irmão Jane. Quando Rosalya morreu, você não tem noção do
quanto ele ficou mal, só não aconteceu coisa pior porque ele fez
tratamento psicológico. O psicólogo dele deu exercícios práticos para ele
tentar ver o lado bom de toda a situação. Por isso que ele construiu o
sótão. Para se lembrar dela em momentos difíceis, Jane — ela dá as
costas, transtornada voltando a descer as escadas e eu suspiro.
— Eu vou falar com ele — anuncio, mas ela se vira.
— Acho melhor não Jane, você viu bem que ele não queria
conversar ontem.
— Eu não me importo se ele não quer falar comigo. Sou eu quem
tenho o quê falar para ele — respondo passando pelos bloqueios no meio
do corredor e subo as escadinhas de madeira que rangem ainda mais
agora depois de tudo ser arremessado lá em baixo.
— Aidan? — chamo no meio da grande bagunça que aquele sótão
se tornou, está muito pior que o corredor lá em baixo.
Eu só chamo uma única vez e enquanto caminho a procura dele, no
escuro, tropeço em uma garrafa de vidro vazia e as pego, colocando ao
lado.
Tento me lembrar aonde foi que Lya havia ligado o disjuntor, mas o
sótão já não é mais o mesmo. Willa tinha razão. Ele destruiu tudo. Uso
meu celular para iluminar o local e encontro ele no canto.
As roupas dele da noite passada estão irreconhecíveis. A camisa
branca está suja, a calça a mesma coisa e os punhos sangram enquanto
ele segura uma garrafa de bebidas a poucos goles de ser finalizada.
— Meu Deus Aidan — digo, mas ele parece não me ouvir por mais
que esteja com os olhos abertos.
— Vai embora Jane, por favor — nego me abaixando junto a ele.
— É assim que você disse que precisava respirar? — tomo a garrafa
da mão dele.
— Eu não quero falar sobre isso, por favor, desce — ele diz seco
com o olhar vago.
— Por Deus Aidan, olha para você — encontro o disjuntor e ele
fecha os olhos enquanto eu boquiaberta conto quantas garrafas ele foi
capaz de beber sozinho — Você quer morrer? — ele me ignora — Aidan,
você não pode fazer isso. Não pode mesmo! — tento de alguma forma
arrumar a bagunça, pegando algumas coisas do chão, mas não dá, está
tudo destruído e eu aproveito alguns panos para enfaixar a mão dele.
— Jane porra, para de chorar, volta para sua casa — nego e ele
recolhe a mão, não me deixando ajudá-lo.
— Não, não vou não, eu devia te dar uma surra. Você é um… Um
cretino Aidan — ele ri em deboche.
— Agora não Jane, agora não.
— Agora não?! Não é hora disso! Você quer beber? Você pode beber
Aidan, mas… Agora não, a sua filha precisa de você caralho — berro
irritada, e sei que não deveria, não no estado que ele está, mas estou
com tanta raiva por ele estar assim.
Ele não diz nada apenas balança a cabeça. Por Deus, ele bebeu
tanto que não consegue nem focar o olhar em algo.
— Se quer destruir tudo, que seja, mas não é hora de se isolar de
todo mundo e bancar o pai revoltado.
— Eu nunca fui um bom pai mesmo. Aliás, nem filha ela é minha.
— Claro que ela é, para de ser um estúpido. Foi você quem cuidou
dela a vida toda porra!
— Eu nunca cuidei dela Jane, só servi para… Eu não servi nem para
cuidar dela por uma noite, ela tem sorte em não ser minha filha.
— Mas que merda você está falando?
— Estou falando que… Eu não sirvo para cuidar dela, não sirvo
como porra nenhuma Jane, nem para doar nada, nem para salvar ela. A
única coisa que sirvo é sentar e vê-la ela sofrer todo dia Jane, todo dia,
até ela não conseguir mais ter força nem para levantar da cama,
— Eu não vou deixar isso acontecer com ela nem que…
— Você não pode controlar quem fica e quem sai da sua vida Jane.
— Eu posso. E eu juro para você Aidan, que se você falar isso mais
uma vez, eu te mando para fora da minha de uma vez por todas — solto
a garrafa de bebida no chão fazendo ela se estilhaçar e desço as
escadas.

Penso em ir para casa, mas não quero deixar Lya lá no hospital. Por
mais que Joanna esteja cuidando dela como sempre fez, parece que se
eu for embora vou deixar uma parte de mim lá e não quero fazer isso.
Então entro no banheiro e me encaro no espelho enquanto as
lágrimas escorrem pelo meu rosto de raiva e eu seguro o lavatório
firmemente.
Choro, me sentando no vaso, cobrindo o rosto para abafar meus
soluços.
Parece até que ele desistiu e só está esperando o pior acontecer.
Nem parece o Aidan que conheci o Aidan que não dá o braço a torcer.
Meu celular vibra, com o número de Ryan na tela, eu atendo como se
estivesse desesperada para pedir ajuda para alguém.
— Diz que lembrou o caminho até a casa do Senhor Whitmore —
solto um riso e não digo nada — Está tudo bem por aí?
— Sim, — minha voz de choro me entrega.
— O que houve ruivinha? — Ryan diz preocupado e eu respondo com
um soluço.
— Vou tentar sair mais cedo hoje — é o que ele diz.
— Tenta, por favor — e é o que eu digo.
— Vou fazer de tudo, eu juro — ele diz e eu assinto mesmo sabendo
que ele não pode ver antes de desligar.
|48|

Willa se trancou no escritório de Aidan e creio que ela assumiu os


negócios da editora. Como ela havia me explicado, parece que eles tem
um trato sobre ela tentar dar um jeito na queda da WTM e em troca ele
deixar ela aqui morando na casa, ao invés de voltar a morar com a mãe e
as irmãs dele.
Aidan não saiu de dentro do sótão. Sinto-me agoniada o dia inteiro
com as palavras duras que proferi para ele. Sei que deveria ter tentado
amenizar a situação, mas ele não pode só pensar nele e no que ele quer
sentir.
De volta ao hospital e sem descansar, Lya dorme a tarde inteira. Ela
está exausta por conta da quimioterapia e eu caminho de um lado para o
outro no enorme hospital procurando algo para fazer.
— Você precisa relaxar ruiva — Ryan diz tocando minha mão por
cima da mesa.
Ele me trouxe para comer, num lugar mais reservado e calmo, sem
música ao vivo.
— Tem vários enfermeiros que vão ver como Lya está durante o dia.
Você não precisa se preocupar com isso. É por esse motivo que fiquei
feliz com a decisão do médico dela precisar ficar aqui no hospital. Será
menos trabalho para vocês. Você está cansada Jane, exausta
psicologicamente. Está ansiosa demais — ele diz e eu encolho os
ombros.
— É eu sei — digo dando um gole em meu suco.
— Como o Aidan está?
— Podemos não falar dele?
— Vamos fazer assim, me diz o que você gosta de fazer — ele muda
o assunto.
— Ler e… é gosto bastante de ler — Ryan solta um leve riso — E
você?
— Gosto de espetar braços — ergo a sobrancelha — Brincadeira, por
mais que pareça que eu não tenha tempo para isso, eu gosto de sentar
diante de paisagens e passar horas olhando para elas.
— E quando você faz isso? — duvido dele.
— Raramente. E quando você lê?
— Raramente — imitando o mesmo tom dele — Mas eu trabalhava
lendo, então basicamente, só não faço isso porque não tenho tempo
agora — me justifico.
— Você era paga para ler? — ele arqueia a sobrancelha — Que
massa, era editora?
— Estagiária na WTM.
— Então você era a secretária do Senhor Whitmore? — Ryan deduz.
— Ai meu Deus, não, eu… Atropelei ele. Não tem nada a ver com
romance ou sexo em cima da mesa — Ryan gargalha comigo que já vou
me explicando.
— Nossa você atropelou ele? Que diabos uma pessoa atropela a
outra e vira Babá da filha dele?
— É uma longa história.
— Por favor, me conte.
— Atropelei ele, ele me demitiu, aí depois ele foi atrás de mim e pediu
para eu ser Babá. Não pera. Foi a Joanna que eu me pediu para ir lá, aí
ele disse que não queria que eu cuidasse da filha dele, e só depois foi
atrás de mim. Ai ele bateu no meu ex noivo que me traiu com a minha
irmã, me levou para casa dele, depois levei ela de abelha para o colégio,
ele me demitiu de novo, aí arrumei um emprego num café, joguei café
nele, ele mandou rebocar meu carro, eu pulei o muro da casa dele, o Kurt
quase me apagou com uns tiros, a gente… Ficou e… Você sabe,
aconteceu isso tudo e agora eu só consigo sentir raiva dele — finalizo e
Ryan mudo, dá um gole em seu suco ante de comentar sobre.
— Nossa. Você olhou para ele e falou nada de clichês aí virou essa
salada — Ryan me zoa e eu bato em seu braço — Você derrubou café
nele, ele roubou seu carro, você invadiu a casa, você pulou o muro da
casa dele e vocês ainda ficaram? — confirmo e dou risada só de lembrar.
— É — digo terminando meu lanche enquanto meu celular toca com o
nome de Amanda.
— Fala para quem quer que esteja com você, que você é uma
humana, e que você precisa se alimentar e dormir — Amanda diz curta e
grossa e finaliza a ligação.
— Acho melhor eu ir. Tenho uma amiga preocupada comigo e muito
curiosa me esperando — me justifico enquanto nos preparamos para ir
embora.
— E eu tenho mais quatro horas de plantão — Ryan suspira abrindo a
porta do carro para mim.
O caminho até a casa de Amanda é feito em silêncio enquanto eu de
um a um minuto, tento decidir se ligo ou não para Joanna dar uma olhada
em Lya, mas ela me assegurou que ia dormir no quarto com ela, então
resolvo aderir ao que Ryan havia me dito. Eu preciso relaxar.
Estou morta de sono e o lanche só fez aumentar mais ainda a minha
vontade de cair na cama e só acordar no dia seguinte.
— Você vai ficar bem ruivinha? — Ryan pergunta estacionando em
frente à casa de Amanda.
— Obrigada por vir mais cedo Ryan — ele balança a cabeça.
— Não foi nada. Você me deixou bem preocupado, trouxe até umas
seringas caso precisasse — ele brinca apontando para o banco de trás e
eu caio na piada dele olhando para ver se ele realmente trouxe.
— Trouxe é? Cadê? — ele segura meu queixo fazendo com que eu o
olho.
— Aqui — ele diz selando seu lábio no meu e eu por um momento
arregalo os olhos, mas Ryan não me dá espaço para processar.
Ele segura meu rosto, sugando meus lábios me fazendo fechar os
olhos relaxando os ombros e eu ver que não reluto contra ele, Ryan
encontra passagem e sua língua toca a minha aonde as duas se
entrelaçam.
Nosso beijo não dura muito, eu quebro o beijo quando me dou conta
do que estou fazendo e ele me dá mais dois selinhos molhados, no
terceiro, viro o rosto sem graça.
— Ryan, me desculpe eu... Não devia...
— Tudo bem, achei que... A culpa foi minha, eu que... Fui um babaca.
— Não, você... Não foi, tudo bem. Só estou confusa.
— Você ama o Aidan e não importa o que aconteça, sempre vai ser
ele — Ryan conclui olhando para frente — Boa noite ruiva — ele diz, mas
não respondo, apenas saio do carro, deixo as chaves caírem para depois
conseguir abrir a porta, fechar ela atrás de mim e me encostar nela.
— O que foi dessa vez Jane tagarela Johnson? — Amanda diz
arqueando a sobrancelha.
— Acabaram de me beijar. E não foi o Aidan — Amanda ergue a
sobrancelha recém modelada.
— E lá vamos nós de novo — ela suspira puxando um banquinho
aonde se senta para que eu conte tudo o que aconteceu.
|49|
|“Não consigo dormir, fico acordando sem a mulher ao meu lado. A
culpa está queimando dentro de mim. No fundo, estou sofrendo e esse
não é um sentimento que eu possa conviver, então coloque a culpa na
noite, não coloque a culpa em mim”Blame / Calvin Harris.

— Você terá duas mulheres em casa gora — Rosalya diz enquanto


acaricio sua barriga sentindo um alto-relevo sobre sua pele.
— Isso é um chute né — pergunto e ela assente.
— Sinto demasiadamente por não ser o garotinho que você queria
moreno.
— Mas podemos continuar tentando certo?
— Sim, amor — ela toca meu rosto e eu fecho os olhos com seu
toque suave.
Por Deus, tudo o que ela faz é bom. O toque, a voz, o beijo… A
presença.
Rosalya é a melhor pessoa que já conheci. Ela é tudo o que eu
precisava. Só não consigo entender o porquê Dahlia odiá-la tanto.
Talvez por nunca conseguir ser o que ela é.
— Lya — dou uma sugestão — Vamos colocar o nome de Lya. Tem
um pedacinho de você.
— Eu gosto — ela concorda e mais uma vez o bebê chuta me
fazendo sorrir — Aidan, promete para mim que vai sempre cuidar da Lya,
como você cuida de mim?
— Mas é claro, por que eu não faria isso?
— Eu não sei — ela desvia o olhar — Eu só… Sua família não gosta
de mim e também não vão gostar dela.
— Para de pensar essas coisas. Não importa o que minha família
acha, vocês são tudo para mim amor, não vou deixar que me façam
pensar o contrário. Nunca entendeu? — por um momento vejo em seu
rosto a expressão de preocupação.

Ela sempre soube que Lya não era minha filha. Desde o começo e
sempre tive medo de Dahlia conseguir provar isso.
Porra, estou sentindo tanto ódio. Sinto-me um idiota por achar esse
tempo todo ser pai da garota. Ela sempre foi tudo para mim e agora me
sinto triste só de pensar que ela tem outro pai.
Quem é então? Quem foi o homem que engravidou ela? Quando
isso aconteceu?
Suspiro.
Eu amo tanto a Lya. E cada vez que eu me lembro dos resultados
dos exames, sinto como se uma facada fosse enterrada no meu peito.
A única coisa que eu achava que tinha. Nunca foi minha.
Estou tão quebrado.
Não consigo me levantar. É como se todas as minhas forças
tivessem sido levadas.
Não faço a menor ideia de onde Jane possa estar. Preciso falar com
ela sobre o que aconteceu ontem e também, preciso ir até o hospital ver
como Lya está e me desculpar com Jane e Willa por deixar elas duas
ontem lá segurando aquela barra. Sei que estou deixando a desejar e
estou querendo fugir de todas essas responsabilidades, mas no
momento, eu só queria que isso não estivesse acontecendo.
Identifico-me na recepção e ganho um adesivo de acompanhante, o
qual colo em minha camisa. Joanna me atualiza dos últimos ocorridos e
Kurt a leva de volta para casa.
Hoje foi a primeira seção de quimioterapia da Lya e eu não estava
presente.
Frustrado, sento-me na poltrona ao lado da cama onde ela dorme,
cansada por conta da quimioterapia.
Nos dois braços contém acessos para medicamentos injetáveis. Ao
lado da poltrona tem uma bolsa com algumas coisas de Lya. Com certeza
foi Jane quem deve ter trazido.
— Você está triste? — Lya quebra o silêncio chamando minha
atenção.
— Não pequena, só… Preocupado — respondo sendo sincero.
— Com o quê? — dou os ombros.
— Coisas de adultos.
— Quando eu for adulta também vou ficar assim?
— Não. Vou sempre cuidar de você para não precisar se preocupar
com nada pequena — sorrio segurando sua mão.
— E você não tem ninguém para cuidar de você? — contraio a
mandíbula balançando a cabeça e um nó se forma em minha garganta.
Ela vê que não respondo e afasta para o lado.
— Vem cá, se você quiser, eu posso cuidar de você — ela diz
fazendo encolher os ombros, sentindo meus olhos marejarem.
E eu vou, antes encostando a porta do quarto. Deito na beirada da
cama ao lado dela e ela deita no meu peito pegando no sono. Minha
cabeça lateja a cada vez que pisco e eu só quero apagar. Coloco a TV do
quarto num volume mínimo e exausto demais para voltar para poltrona,
adormeço com ela.

Não consigo dormir á noite e muito menos esperar o horário das


10:00 para ir ver Lya. São sete e eu vi o sol nascer, sem fazer nenhum
barulho para acordar Amanda.
Posso aproveitar para ir mais cedo e voltar antes das 10:00 que é o
horário que Ryan chega lá.
Sim, vou evitar ele e sim, Jane não foge de uma guerra, mas foge
quando o assunto se chama “Deixei o Ryan me beijar e não faço a menor
ideia do por que o deixei fazer isso.”
Se nem a Amanda tem uma opinião formada sobre isso, quem dirá
eu.
Identifico-me na recepção e mais uma vez ganho o adesivo de
acompanhante. Abro a porta do quarto me esforçando para não fazer
barulho, mas ela bate atrás de mim quando me deparo com Aidan e Lya
dormindo juntos na cama.
Sim, isso mesmo, Aidan e Lya, juntos na cama. Ele veste uma
camisa azul-marinho, e Lya está encolhida junto dele, como um tatu
bolinha.
Observo os dois por um momento e não consigo deixar de me sentir
mais aliviada por vê-lo aqui com ela. Mas não posso deixá-los dormindo
assim, ainda bem que não foi uma enfermeira que os flagrou assim, e sim
eu.
— Aidan, — eu o desperto e ele ainda sonolento, me olha se
sentando na cama — Não pode dormir com ela, vai tomar uma bronca
feia se um médico te pega — digo e ele assente se sentando na poltrona.
— Me desculpe por ontem — ele diz ignorando completamente o que
acabei de dizer como se só estivesse esperando me ver para dizer isso.
Mas as desculpas dele não vão mudar o que ele fez ontem, nem o
que falei, nem o que estou sentindo, nem o que permiti que Ryan fizesse.
— Me desculpe também pelo quê eu disse — peço e ele assente,
então abro as persianas e tiro da sacola que eu trouxe. Um vaso e
algumas rosas para colocar li ao lado da cama dela.
— Fui fazer leite para ela naquela noite — ele diz quebrando o
silêncio entre nós — Obrigado por ficar com ela ontem. Não sei o que
seria dela sem você Jane.
— O que você está tentando fazer Aidan? — viro o rosto para olhar
ele.
— Nada Jane, eu só… Eu Realmente não sei — ele confessa
passando a mão no rosto.
— Eu sei o que está tentando fazer. Está tentando consertar tudo.
Como sempre, você agiu como um adolescente ontem. Você me deixou
preocupada, me deixou lá sozinha, me deixou com raiva de você e me
deixou ir Aidan, como sempre.
— Eu não deixei você ir Jane, por Deus, ficar com você é o que mais
quero — ele diz e eu balanço a cabeça incrédula — Só preciso que
espere tudo isso passar.
— Eu não posso te esperar para sempre Aidan.
— Por que está falando assim? — Aidan me questiona e eu caminho
para fora do quarto como se tivesse querendo fugir do assunto.
— Estou querendo dizer que tenho uma vida e… — dou as costas,
mas ele me segura no meio do corredor.
— Conheceu outra pessoa? — nego imediatamente, mas ele parece
não se convencer — Eu te conheço Jane.
— Ryan me beijou — não consigo guardar para mim e ele me solta
surpreso.
— Ryan te beijou? Quando?
— Quando eu saí com ele.
— Você saiu com o Ryan? — ele começa a repetir o que eu disse
com a sobrancelha arqueada, tentando processar o que estou dizendo.
— Aidan eu precisava disso, minha cabeça anda muito cheia com
tudo o que está acontecendo, o Ryan só achou que seria bom sairmos
para comer algo, para que eu pudesse…
— Ser manipulada por ele — Aidan completa a frase balançando a
cabeça.
— O quê?!
— É o que ele está fazendo né, falando mal de mim, sendo um bom
ombro amigo para você, falando que você tem uma vida — bufo com as
deduções dele.
— Não foi invenção da parte dele falar que você ameaçou o emprego
dele por ciúme de mim — ele levanta os braços como sinal de rendição,
mas logo abaixa levando em conta que não estamos em casa, e sim num
corredor movimentado de um hospital.
— Jane, por Deus, você acha mesmo que eu faria isso? O que
aconteceu entre eu e Ryan foi porque eu estava bêbado e o vi te abraçar,
quando na verdade eu poderia ter feito. Se eu fosse capaz mesmo disso
eu teria mandado embora também o Alec no dia que você usou ele para
me fazer ciúme, não deixaria você andando com Kurt, não deixaria
nenhum homem chegar perto de você, mas não me importo com nada
disso porque você honra com seus sentimentos, eu sei que você gosta de
mim, ou já teria ido embora e não teria mais voltado há muito tempo.—
dou uma risada irônica com a insinuação dele convencida.
— Nossa, então você está mesmo dizendo que eu sou caidinha por
você? — debocho.
— Não estou dizendo. Eu sei — gargalho.
— Nossa você é mesmo um idiota ao pensar isso. Realmente, estou
aqui por que gosto de você — digo dando as costas, caminhando até o
elevador e ele vem atrás de mim — Você está super certo. Nada de Lya,
nada de estou apegada demais a ela para ir embora. Nada de Babá. É
tudo porque eu sou caidinha por você — digo em deboche levando a mão
á cintura esperando o elevador — Quer saber, você realmente é o certão
e eu vou embora porque eu sou muito caidinha por você, e vou voltar só
quando você não estiver, tudo isso porque eu sou muiiito caidinha por
você… — ele me interrompe me puxando para ele pela cintura.
— Eu não quis dizer isso Jane. Quis dizer que não ligo para esses
caras. Eu não ligo se Ryan te beijou, ou se você adora contar as coisas
para o Kurt e tratá-lo como um melhor amigo, por que eu sei que sou eu
quem te irrito ao ponto de você começar a tagarelar nervosinha usando
deboche para se defender, porque eu sei que só eu te calo desse jeito —
contraio a mandíbula enquanto ele tira uma mecha de meu rosto
colocando atrás da orelha, eu reluto tentando tirar as mãos dele de cima
de mim, mas perco.
Eu sempre vou perder quando o assunto for ele. Quando o assunto
for nossas testas coladas, quando for o cheiro da colônia dele invadindo o
ar ao meu redor, sempre vou perder vendo seu peito tatuado descer e
subir enquanto ele respira profundamente olhando para minha boca.
Sempre vou perder quando tocar sua barba rala e sentir sua boca tocar a
minha. Não tem como não dizer que posso beijar quantos caras for, só
ele vai conseguir fazer com que eu perca a noção do lugar, do tempo, da
situação…
— Você tem uma vida sim, Jane, e por Deus, eu quero que você viva
ela comigo — gelo quando ele profere essas palavras assim que
quebramos o beijo — Quero que você seja sim, caidinha por mim. Quero
que me olhe desse jeito, com as bochechas coradas, ofegante, que
desvie o olhar para meu peito toda vez que eu olhar para você depois
que eu te fizer minha. Quero que puxe seus vestidos floridos mais para
baixo toda vez que der as costas para mim, sabendo que vou olhar para
as suas pernas. Quero que você olhe exatamente como agora.
— Eu sei que você quer que eu fique, mas não quero ficar só quando
você acordar de uma noite mal dormida, não quero ficar só quando você
já tiver resolvido tudo, Aidan, você não pode me afastar quando a coisa
ficar feia — ele assente contraindo a mandíbula.
— Eu sei. Eu sei droga, mas eu não quero que você sofra isso. Jane,
você mesma já disse hoje, você precisa sair, precisa viver, e comigo
agora, isso não dá. Não posso sair com você, te levar para jantar como
você merece sem me preocupar com Lya. Não podemos passar o dia
inteiro juntos porque ela tem quimioterapia de tarde, e de manhã ela tem
os remédios, tem exames.
— E você acha que eu ligo? Aidan eu não quero um cara para me
levar para sair, não quero ficar o dia inteiro deitada vendo filme com uma
pessoa se declarando para mim, eu só quero…
— O que você quer? — ele me pede para prosseguir, mas balanço a
cabeça — Diz o que você quer Jane.
— Só quero alguém que me ame independente das dificuldades que
passemos.
— E você acha que eu não amo? — ele questiona — Se eu não te
amasse você acha que eu mandaria rebocar o seu carro só para poder te
ver? Se eu não te amasse você acha que eu sairia da minha casa para ir
num café pedir um cappuccino que eu nem gosto, só para ver você?
Você acha mesmo que se eu não te amasse eu teria colocado você para
dormir no quarto que era da governanta, mas eu pedi para ela desocupar
só para você poder dormir nele, lá em cima, mais perto de mim? — meus
olhos se arregalam a medida que ele vai falando — Acho que eu estou
caidinho o suficiente para dizer que eu te amo Jane, e eu nem sei quando
foi que isso começou.
|50|
|“Eu estive sem dormir à noite, porque eu não sei como me sinto. Não
sei por que, nós nos magoamos tão duramente, Mas se somos fortes o
suficiente para deixá-lo entrar. Nós somos fortes o suficiente para deixá-lo
ir.”Let It All Go / Birdy feat. Rhodes.

Para uns, uma cena em câmera lenta, para mim, num segundo estou
rodeada pelos braços dele, no outro, o elevador chega e eu me afasto
dele entrando no elevador, já com algumas pessoas.
Ficamos parados um do lado do outro, em silêncio esperando o
elevador descer, o que me dá alguns minutos para processar o que ele
acabou de me falar.
Eu não estava mesmo preparada para isso, para essa conversa logo
cedo. Deve ser isso.
Ainda não acordei direito e estou imaginando possíveis situações.
— Jane, — ouço Aidan vir atrás de mim assim que as portas do
elevador se abrem e eu saio em disparada até a saída.
Ele me alcança, me pega pelo pulso, esperando uma resposta minha,
mas ainda estou em choque.
Deus! Por que estou em choque?
— Me desculpe, — é o que ele diz e eu balanço a cabeça — Só
pensei que… Vem comigo, — ele me chama estendendo a mão, e hesito
antes de entrar em seu carro.
Ele me dá passagem antes de fechar a porta atrás de si, e suspira me
olhando em silêncio. Aidan dá a partida no carro e assim que começa o
trajeto, noto que ele está me levando de volta para a mansão. O que ele
quer fazer?
Aidan estaciona na estrada de cascalho, enquanto os grandes portões
se fecham atrás de nós e em silêncio ele sai do carro. Faço o mesmo
acompanhando ele para dentro da casa, e o sigo até as plantações de
roseiras nos fundos da casa.
Por fim ele suspira se sentando na beirada do chafariz Que fica no
marco zero da plantação.
Fazia tempo que eu não vinha aqui e já tinha me esquecido do anjo
de bronze que parece proteger algo como num abraço.
— O que estamos fazendo aqui? — questiono.
— Lembro que assim que nos mudamos para essa casa, Rosalya
estava no segundo mês de gravidez. Antes dessa plantação, esse
espaço não passava de um terreno no qual eu pretendia usar para fazer
de garagem — ele explica apontando para um portão cheio de correntes
lá no fundo da plantação.
O portão que ele abriu para estacionar meu carro rebocado aqui
dentro, devo ressaltar.
— No dia que vim trazer ela para conhecer a casa, ela contestou,
porque a casa não tinha nenhum espaço verde. A não ser a grama da
entrada. Sem muito escutar ela, decidi que aqui realmente seria minha
garagem. Fomos embora, mas antes ela fincou um galhinho de rosa na
terra, e uma semana depois que voltamos para fazer a mudança, vi que o
pé de rosa tinha brotado. Ela insistiu e depois de muito custo acabei
desistindo da garagem, mas também nunca ajudei fazer nada nessa
plantação. Por eu ser um homem muito difícil de lidar, brigávamos muito
Jane, e apesar dela ter sido uma esposa tão dedicada, por ser tão boa e
paciente, isso não foi o suficiente, porque éramos um, e quando uma
parte não colabora, não tem um, tem só metade. Só descobri isso quando
ela adoeceu, e tudo dentro da minha casa e dentro do meu casamento
desabou, porque ela não tinha forças para me ouvir, não tinha forças para
cuidar de mim quando eu chegava da empresa. Não tinha forças para
resolver nossos problemas. Só depois disso percebi que era ela quem
fazia tudo, e eu nada. Só percebi isso quando via ela nervosa e
estressada, tendo que cuidar da Lya mesmo cansada pela quimioterapia,
quando via ela sentada naquele degrauzinho da porta, segurando a
tesoura de podar as rosas, porque estava fraca demais para cortar os
galhos mais altos — ele diz e vejo seus lábios tremerem enquanto sua
voz embarga aos poucos.
— Por que tá me contando isso? — questiono me sentando ao lado
dele.
— Porque meu casamento, só foi bom para mim. Eu tinha tudo.
Dinheiro, tinha uma esposa que fazia tudo por mim, tinha empregados
sempre a minha disposição. Mas para ela não foi. Ela não teve um
esposo presente em nada Jane, por isso ela deve ter me traído. Só
consigo pensar nisso agora. Depois que ela morreu e eu tive que fazer
tudo isso sozinho, vi como ela se sentiu em todos esses anos comigo. E
eu te afasto pelo mesmo motivo. Eu não quero que você faça tudo
sozinha, carregue tudo sozinha Jane. Porque não quero que seja bom só
para mim — assinto compreendendo onde ele quer chegar — É
exatamente o que está acontecendo conosco. Você e Ryan juntos, você
confundindo seus sentimentos por ele, você correndo para chorar nos
braços dele sempre que acontece alguma merda entre a gente.
— Você acabou de dizer que me ama e simplesmente vai terminar
comigo agora? — tento soar nervosa, mas minha voz embargada
denuncia o quanto estou sendo pega de surpresa e quero chorar.
Aidan balança a cabeça enquanto seus olhos fecham fortemente
numa tentativa de não deixar as lágrimas escorrerem.
— Eu só não quero mais segredos Jane, entre mim e você. Eu quero
que saiba tudo. Quero te incluir nisso de uma vez por todas e quero te
dar a liberdade de escolher ir.
— Você quer que eu vá embora Aidan? — me colocando de pé
inconformada sentindo uma lágrima escorrer rapidamente pelo meu rosto.
— Jane, eu estou cansado demais com tudo e não quero que você
continue sofrendo com isso — Aidan ergue a cabeça e pela primeira vez,
vejo seus olhos úmidos sem que ele esteja segurando para não
demonstrar o quanto está quebrado — Eu perdi o controle — meu peito
aperta na mesma hora em que vejo um soluço sair de seus lábios, como
se ao invés disso ele estivesse pedindo socorro.
Dá para ver o quanto essa história da Rosalya era só o que estava
faltando para ele perder a cabeça de vez.
Acontece que às vezes apostamos todas as nossas fichas em algo,
que não conseguimos enxergar mais nada, e ai quando o vento vem e
vira o nosso barco de ponta cabeça sem que estivéssemos esperando, é
isso que sobra, bagunça e alguém machucado.
Não sei o que dizer, então só o abraço em silêncio.
— Rosalya sempre foi a melhor parte de mim. Sempre tive bons
pensamentos dela. Ela nunca demonstrou sentimento de repulsa de mim,
ou ingratidão. Eu não consigo me lembrar quando isso pode ter
acontecido.
— Addam também não. Sempre achei que ele estivesse contente
comigo. Ele nunca demonstrou sinais que estava comendo a minha irmã
— solto um leve riso com a minha última frase e suspiro.
Ele se levanta se preparando para ir, mas eu seguro seu braço.
— Não consigo entender o que você quer dizer com isso Aidan.
Nossa, você me pegou de surpresa. O que eu tinha planejado era: ir até o
hospital mais cedo para não te encontrar lá, evitar Ryan, ver Lya e voltar
para casa. Eu não esperava um Eu Te Amo, e também não esperava
um “É por isso que eu te afasto, nem você me contando que Foi um
péssimo esposo para sua falecida mulher que você descobriu que te traiu
— confesso — Quero te entender, mas quanto mais você me conta as
coisas, menos consigo entrar. Parece que você tem medo do que possa
acontecer comigo se ficarmos juntos. Você fica se contradizendo,
arrumando justificativas para eu ficar com Ryan, me pedindo para ficar,
mas no segundo seguinte me manda embora Aidan. Desde que te
conheci você está sempre tentando consertar as coisas, com a sua filha,
na empresa, com o que fez com a sua esposa, comigo, e não consegue
enxergar você. Não são rosas que você precisa cultivar para consertar o
que aconteceu no seu passado, não é um quarto que você tem que
destruir para tirar ela da sua vida, não sou eu quem você tem que ter
medo de deixar ficar. É o seu medo de errar, que não te deixa viver. E
para ser bem sincera, não foi por esse Aidan que me apaixonei —
confesso frustrada.
— Está querendo dizer que não gosta mais de mim? — ele suspira
como se tivesse sido vencido.
— Não, estou querendo dizer que e eu não vou embora, enquanto
não tê-lo de volta — antes que eu possa dizer algo mais, ele sela nossos
lábios novamente me puxando pela cintura, mas acabo por me
desequilibrar e nós dois caímos na fonte do chafariz.
— Corra o mais rápido que puder, porque quando eu te pegar… — ele
diz vindo atrás mim, correndo pela sala todo molhado e eu subo as
escadas, apressada até o quarto dele gargalhando.
|51|

Aidan me alcança antes que eu chegue até seu quarto.


— Eu disse para correr, não para se esconder no meu quarto, Jane
— ele sibila no pé do meu ouvido e um arrepio percorre meu corpo dos
pés a cabeça.
— Não quero correr de você — respondo.
— Acho que vamos precisar colocar esse vestido para secar —
Aidan abaixa as alças do meu vestido e me viro para ele.
— Sua camisa também está bem molhada — respondo
desabotoando ela.
— Não mais molhada do que você vai ficar já, já — ele diz atacando
meu pescoço enquanto entramos no quarto dele e ele fecha porta atrás
de sim, antes de tirar meu vestido por completo.
Porém, antes que ele volte a beijar meu pescoço, vejo a hora marcar
no bip e o afasto.
— A quimioterapia da Lya é daqui a pouco — suspiro e ele assente
controlando sua respiração ofegante.
— Quer que eu te leve em casa para pegar roupas secas? — ele
caminha até seu guarda-roupa para pegar uma camiseta.
Aidan me entrega, com uma calça de moletom que jamais imaginei
que ele seria capaz de usar, já que, só o vi vestir calça social.
Torço para que Amanda não esteja em casa quando Aidan estaciona
lá em frente, mas ela abre a porta antes mesmo que eu leve a mão na
maçaneta.
— Vai ficar esperando aí fora? Acho melhor entrar — Amanda
convida Aidan, do jeito arisco dela e fecha a porta enquanto caminho até
uma de minhas malas para pegar uma roupa seca.
Enquanto tomo um banho quente percebo que o silêncio na kitnet se
instala.

Amanda não gosta de mim e não faz o menor esforço para disfarçar
isso.
Desde que Jane entrou no banheiro ela está parada no mesmo lugar
batendo o pé no chão freneticamente, mas depois de alguns minutos, ela
não se contém.
— Por que ela estava com aquelas roupas? Cadê as dela? E por que
você veio trazer ela se não estão mais juntos? — ela pergunta e eu ergo
a sobrancelha impressionado com a capacidade dela de fazer tantas
perguntas em pouquíssimo tempo.
— As roupas dela ficaram molhadas, emprestei uma roupa para
poder trazer ela para cá, e pode ser que tenhamos nos acertado —
respondo sem muita cerimônia.
Ela me olha duvidosa.
— Nós não transamos, acredite Amanda — respondo antes que ela
pergunte.
— Essa é sua última chance comigo. Aliás, se você chatear a Jane
de novo, vou mandar os caras daqui da vizinhança te darem um pau
certo? — assinto soltando um leve riso.
— Certo.
— Sinto muito pelo quê aconteceu com sua filha. A Jane me contou,
foi um porre, digo, não que sejamos fofoqueiras, mas porquê a Jane é
uma tagarela — ela comenta totalmente sem jeito abrindo a geladeira
para pegar um copo de suco e eu aceito fazendo um gesto com a
cabeça, como agradecimento — Só cuida da Jane certo? Sei que ela já é
bem crescida, mas vejo que ela está bem apegada a sua filha e Deus o
livre de acontecer algo, ela vai sofrer muito — Amanda manda na lata e
eu engulo o suco que desce grosso pela minha garganta.
Nossa ela é bem direta nas palavras.
— Entendo que você se preocupa com ela, mas isso não está no
meu controle. Se minha filha morrer, nós dois teremos que lidar com a
perda, não tem como eu controlar as emoções dela Amanda.
— Eu sei, eu sei, mas nos últimos dias, vi ela bem cansada por conta
de toda essa situação. Eu sei que a Jane é a Babá dela, mas não deixa
ela tomar conta de tudo sozinha, ela é muito frágil Aidan — Amanda diz
se sentando na mesa de dois lugares próximo á porta e faz um gesto
para que eu me sente também.
— Tudo bem — corto o assunto ao ver Jane sair do banheiro
— Vamos? — Jane.
— Posso ir com vocês? Não quero passar minha folga inteira dentro
dessa mini-casa — Amanda pede e Jane espera que eu responda.
— Por mim tudo bem — respondo destravando as portas do carro.

Não demoramos a chegar no hospital e assim que piso o pé na


calçada, passo mal fazendo Amanda resmungar.
— Você precisa começar a se alimentar direito Jane, ou terá
um problemão no estômago — ela me policia.
— Você está bem? — Aidan me pergunta — Tem se alimentado
direito?
— Estou bem.
— Sobe lá com a Amanda enquanto eu vou comprar algo para você
comer — Aidan diz e nós duas prometemos não demorar muito.
Nos identificamos na recepção, e enquanto esperamos para sermos
liberadas, meu celular toca na bolsa e não demoro a atender.
— Jane Blanchetth Johnson? — diz a voz desconhecida do outro
lado da linha.
— Sim, quem gostaria? — pergunto me levantando.
— Você foi indicada e selecionada pela nossa equipe de seleção, para
uma vaga de estágio remunerado, poderia comparecer amanhã no
endereço que vou enviar para seu email, para podermos fazer uma breve
entrevista para conhecer mais sobre o seu perfil?
— Sim, claro — respondo surpresa — Você pode anotar aí?
— Pode falar.
Digo meu endereço de email para a moça que logo em seguida
agradece pelo contato e desliga.
— Quem era? — Aidan pergunta.
— Consegui uma entrevista para uma vaga aqui no hospital — explico
— Me chamaram para uma entrevista.
— Não sabia que tinha se candidatado — ele comenta surpreso —
Fico feliz Jane — ele elogia e o elevador chega, então entro no mesmo
com Amanda e assim que as portas se fecham, aperto o botão
correspondente ao andar em que vamos.
Assim que a porta se abre, damos de cara com Ryan.
— O pessoal do hospital me ligou — comento com Ryan numa
tentativa de quebrar o gelo entre nós dois que ficou de ontem, depois
dele ter me beijado.
— Jura?! — Ryan diz feliz — E aí?
— Me pediram para fazer uma entrevista.
— Que bom ruiva! — Ryan me abraça contente — Eu disse que eles
iam te chamar. Lya acordou para comer algo, vocês querem dar uma
passadinha lá?
— Essa é a Amanda, veio ver a Lya também — eu os apresento.
— Oi famosa amiga coruja — Ryan cumprimenta ela que cora.
— Me chamar de Amanda é melhor — ela sorri para ele.
— Amanda, esse é o Ryan — apresento.
— Ah, então esse é o famoso Ryan? — Amanda diz no mesmo tom
que ele.
— Bem, se precisarem, só me chamar — Ryan diz se retirando do
quarto — E Jane, eu espero que o que aconteceu entre nós não acabe
com a nossa amizade — ele dá um sorriso fechado.
— Tudo bem Ryan, já esqueci essa história — sorrio de volta.
— Isso mesmo ela já esqueceu e por favor, não aproxime mais da
boca dela, seu sanguessuga — Amanda intervém na nossa conversa
fazendo Ryan gargalhar com sua afronta.
— Gostei da afronta. — ele balança a cabeça dando as costas. — Se
precisarem, já sabe, só chamar.
— Como se fosse fácil achar um enfermeiro no meio de um hospital
desse tamanho — Amanda resmunga.
— É só apertar esse botãozinho — Lya explica para Amanda e Ryan
solta um leve riso encostando a porta atrás de si.
— Então essa é a famosa princesa? — Amanda se aproximando da
cama de Lya.
— Essa é a Amanda, Lya. Minha amiga — apresento.
— Vocês fazem festa do pijama? — Lya pergunta e eu e Amanda nos
entreolhamos.
— Todo dia — Amanda responde — Você já foi a uma?
— Não. Posso ir qualquer dia na de vocês? — Lya pergunta.
— Vamos marcar uma festa do pijama quando você sair daqui, lá na
minha casa — Amanda lança uma piscadela para ela.
— Quer pudim? Estou sem fome e é sem gosto — Lya oferece para
Amanda.
Realmente, ela emagreceu muito em pouco tempo, e precisa se
alimentar para se manter forte. Porém, antes que eu insista para ela
tomar o café, Lya dorme repentinamente e Amanda se senta na cama de
Lya puxando ela que dorme para seu colo.
— Gostei dela. Achei que fosse uma mimada rica insuportável. Mas,
ela é bem tagarela e curiosa, parece você — Amanda diz acariciando os
cabelos dela — Me espera amanhã para vir? Venho com você de novo
quando chegar da editora — ela pede me surpreendendo.
Nunca vi Amanda se relacionando com crianças. Para mim, isso é um
fato inédito, ver a Amanda durona fazendo carinho nos cabelos de Lya
que está agora com a cabeça apoiada no colo dela dormindo.
— Ela dorme super rápido né — Amanda continua.
— A quimioterapia tem cansado ela bastante, fora os outros remédios
que são bem fortes — explico.
— Se for olhar mesmo, ela não parece nenhum pouco mesmo com o
Aidan. Nem o jeito, nem cabelo, nem nada — olho em repreensão para
ela ficar quieta e ela dá os ombros — Se fosse, teríamos a esperança das
medulas serem compatíveis — assinto.
— Mas não é só a família que pode ser compatível, tem outros
doadores por aí — comento.
— Eles não vão aparecer aqui na porta e fazer fila para doar Jane.
Temos que ser realistas. O Aidan pode ter quanto dinheiro for, se não
tiver uma medula compatível, ela morre.
— Eu sei, mas, não posso fazer nada em relação a isso, meu sangue
não é o mesmo que o dela, nem o do Aidan, e nem o de ninguém que
conhece ela — Amanda assente.
— Ou podemos ir atrás do pai dela. Sei lá, deve ter alguma pista
sobre o paradeiro dele. Se ele for compatível, ele não vai negar, é
obrigação dele como pai — Amanda começa a falar como se estivesse
falando sozinha bolando um plano.
— Aidan não vai gostar nada disso — respondo, porém, não posso
negar que essa é uma boa hipótese.
Mais uma ponta solta que precisa ser resolvida, e que pode ser a
solução para a recuperação de Lya, ou não.
Mas nenhuma hipótese pode ser descartada em uma situação como
essa.
— Posso tentar achar algo lá na casa da Rosalya, posso falar com
a governanta se ela sabe de algo para ajudar. Mas acho melhor não
falarmos para o Aidan, não enquanto não acharmos o pai dela e falarmos
com ele — Amanda assente.
— Falar com o pai de quem? — Aidan surge na porta eu gelo.
— Descobriu mais rápido do que pensei — Amanda suspira se
levantando enquanto Aidan cruza os braços esperando que eu me
explique — Graças a Jane tagarela.
|52|

Aidan faz um gesto para que eu diga levando em conta que fiquei
paralisada desde a hora que ele chegou.
— Podemos conversar em outro lugar? A garota está dormindo —
Amanda diz por mim e Aidan faz um gesto para passarmos pela porta.
— Subi para trazer algo para a Jane comer — Aidan diz pedindo o
elevador.
Fico em silêncio enquanto entramos em seu carro e ele nos leva até a
kitnet para deixar Amanda. Depois pergunta se quero ir até o casarão
com ele — deduzo que seja para conversar, então digo que sim.
Ele dirige até a mansão, em silêncio e sei que ouviu nossa conversa e
vai ficar desapontado com essa ideia, mas tive tempo para pensar numa
melhor explicação agora.
A casa está silenciosa como sempre. Provavelmente Willa está no
escritório trabalhando e o carro que Kurt dirige não está na garagem,
deve ter ido levar Joanna até o hospital para ficar com Lya.
— Você ouviu nossa conversa? — quebro o silêncio caminhando até
ele que vai até à cozinha, abre a geladeira e enche um copo com água
gelada.
— Você quer ir atrás do pai verdadeiro da Lya? — assinto enquanto
ele fecha a geladeira.
— Aidan, você não parou para pensar que pode ser uma chance para
ela? — digo mantendo o tom na voz, na tentativa de alcançar ele.
— Eu sei, vamos fazer isso — gelo.
Sim, isso mesmo. Ele topou sem nem discutir ou aumentar a voz,
nem debochar da ideia.
— O quê? — gaguejo ainda tentando processar sua aprovação.
— Não vou deixar você sair sozinha atrás desse cara, sei que você
vai ir mesmo que eu não aprove e se essa é uma saída para Lya, vou
fazer o que for. Vou com você — ele diz convicto e eu ergo a
sobrancelha.
— Você não sabe o quanto isso me deixou feliz — confesso me
sentando num dos banquinhos do balcão.
— E você sabe o quanto isso me frustra, mas preciso fazer. Por ela —
assinto enquanto ele fala — Nesses últimos dias, percebi que ela está
mais cansada que o normal, principalmente depois da quimioterapia.
Nunca consegue descansar o suficiente para próxima seção no outro dia.
Falei com o médico para dar um dia para ela, mas ele disse que um dia
de descanso, pode ser menos um dia para ela — o vejo contrair a
mandíbula ao terminar de falar e aperto seu ombro — Alguém precisa
lutar com ela, e se ir atrás do pai verdadeiro seja uma das opções de
cura, então vou lutar contra o que estou sentindo para lutar por ela,
mesmo que eu corra o risco dele querer levar ela de mim — vejo ele se
frustrar dando um longo gole no copo de água.
— Não Aidan. Não vou deixar que ele leve ela de você — tento o
tranquilizar — Mas não podemos descartar essa opção que Amanda deu
— vejo seus olhos transbordarem enquanto ele olha para o vazio
tentando com todas as forças segurar o choro.
— Não faço a menor ideia de quem possa ter sido — ele responde e
uma lágrima escorre rapidamente por seu rosto.
— Aidan, eu sei que é difícil para você. Sei que é recente demais e
que você quer fazer de tudo para não tocar nessa ferida. Mas você
precisa se lembrar de qualquer coisa que possa ajudar a descobrir quem
pode ser o pai dela — coloco a mão em seu ombro enquanto ele
frustrado segura o copo e ele fecha os olhos fortemente.
— Amanhã conversamos, preciso pensar nisso sozinho — ele diz se
levantando.
— Não vou te deixar aqui assim — permaneço firme.
— Eu preciso ficar sozinho Jane, por favor — nego.
— Não vou ficar de escanteio hoje. Não hoje e muito menos agora —
cruzo os braços.
— Estou cansado, preciso comer e vou voltar para o hospital á noite.
Você precisa ir casa, amanhã vai acordar cedo para começar no estágio
e não quero te atrapalhar — Aidan afrouxa a gravata desabotoando os
dois primeiros botões de sua camisa social azul-claro, quase puxando
para o branco.
— Você quer ficar sozinho para destruir tudo de novo? — ele me olha
surpreso.
— Não. O que eu tinha para destruir eu já destruí.
— Então me deixe ficar — Aidan suspira.
— Quem pode teimar com você ein Jane — eu o abraço soltando um
leve riso.
— Eu não vou deixar você aqui sozinho com esses pensamentos que
não definem você, nem o que fez pela Lya. Você é um homem bom, só
está numa fase ruim e não saber lidar com isso, não significa que deva
ficar sozinho — envolvo o rosto dele com as mãos colando nossas testas.
Eu o beijaria no mesmo instante se ele não estivesse tão vulnerável
como agora. Porém, como se tivesse lido meus pensamentos, Aidan
toma meus lábios para si, me puxando pela cintura e eu me rendo, como
se aquilo fosse tudo o que eu precisava.
Nos últimos dias ele tem se sentido imponente a praticamente tudo. Á
saúde da filha, empresa falindo, sua família, ao ter tido seu tapete puxado
pela pessoa que ele mais admirava e amava.
Eu sei exatamente como ele está se sentindo. Perdi meu emprego
dos sonhos, fui traída pelo noivo, pela minha família… E se você não
enxergar esperança nesse buraco, você pode acabar se afundando mais.
Dá para ver que ele não é mais o mesmo que antes, e eu quero ajudá-lo
a aguentar isso.
— Quando se sentir pronto, vamos atrás do pai da Lya — o tranquilizo
beijando seu pescoço.
— Lembro que assim que fiz a festa de um lançamento na WTM ela
quis se mudar da casa onde morávamos, geralmente eu sempre fazia as
reuniões e confraternizações mais íntimas de empresa lá, por ter
bastante espaço, piscina, salão — Aidan diz como se estivesse tentando
se lembrar de algo — Ela que decidiu parar com as festas em casa, parar
de ir na WTM. A biblioteca da casa, foi ideia dela, porque ela parou de ir à
editora e sentia falta dos livros e sempre lia um original antes de ser
lançado. Isso tudo um pouco depois do nosso casamento entrar em crise,
foi quando ela me contou da gravidez.
— Então um pouco antes dela engravidar, ela pediu para se
mudarem, proibiu as festas da empresa na casa e parou de ir à editora?
Pode ser alguém da editora, que trabalha lá — concluo.
Ele se levanta e eu o acompanho até o escritório aonde ele bate na
porta e encontramos Willa com um óculos de grau no rosto lendo alguns
originais.
— Willa, preciso que peça para o RH um relatório de todos os
funcionários contratados entre 2012 á 2016 — Willa não questiona,
apenas abre o email e solicita o relatório.
— Vai fazer corte de funcionários? — ela pergunta após enviar.
— Não, estamos á procura de informações — Aidan diz e não demora
muito até o email ser respondido.
— Filtre, por administrativo, edição, diagramação, editores, designer
gráfico. Só lideres, que iam nas reuniões e festas mais íntimas — Aidan
parece falar sozinho e Willa segue as orientações dele no comando do
computador — Filtre só homens.
— De homens todos já foram desligados. Hoje a equipe está toda
formada por mulheres admitidas recentemente — Willa diz depois do
resultado da pesquisa — Entre 2012 e 2016 tiveram nove justas causas,
de homens tiveram dois, uma por faltas sem justificativas e outra por más
condutas empresariais, — Willa diz enquanto lê na tela do computador.
Aidan faz sinal para ela clicar na segunda justa causa e alguns
arquivos são abertos.
— Foi flagrado fazendo ações impróprias com colega no ambiente de
trabalho. Os dois levaram justa causa, foi assinado
pela Rosalya as duas demissões — Aidan faz mais um gesto para ela
abrir o formulário dos dois funcionários e vejo ele empalidecer.
— Chefe da equipe de diagramação e secretária — Willa finaliza a
conclusão.
— Imprime esses dois relatórios — a voz dele falha.
Aidan dá as costas pisando duro no chão.
— O que aconteceu? — Willa me pergunta, mas eu não respondo,
vou atrás de Aidan que está sentado no primeiro degrau da escada com
os olhos marejando e dá para ver que seus punhos cerrados tremem por
conta do ódio.
— Este funcionário foi demitido na primeira semana do mês 04. Você
se lembra quando foi a festa do lançamento?
— Não me lembro, mas as festas que eu fazia eram sempre depois da
semana de corte — ele diz.
— Então a festa foi na semana do dia 12. Você se lembra a data que
ela anunciou a gravidez? — Aidan demora um pouco para responder.
— Um mês depois.
— Com quantos meses ela descobriu estar grávida?
— Ela ia fazer duas semanas de gestação.
— Então foi um mês depois que ele havia sido demitido e por ela. Ela
sabia que ele estava com outra secretária, ela engravidou depois da festa
de lançamento.
— Isso se chama, recaídas Jane — Aidan me corta.
— A não ser que ela não tenha te traído — Aidan arqueia a
sobrancelha para Willa que ouvia tudo do escritório e se aproxima de nós
dois — Quero dizer, não por culpa dela — digo me levantando, mas
Aidan ainda parece não entender — Você disse que quando se mudaram
para cá não estavam numa fase boa certo?
— Sim, ela estava de dois meses. Mas o que tem a ver?
— Ninguém descobre tão recente uma gravidez, a não ser que ela
soubesse que poderia engravidar. Vocês estavam tentando? — Aidan
nega para minha pergunta.
— Não. Nós não estávamos tentando.
— Se ela tivesse tido uma recaída com ele no dia da festa e soubesse
que teria a possibilidade de engravidar, se eu fosse ela, eu teria pedido
para você para começarmos a tentar ter um filho, para quando eu
anunciasse a gravidez, você realmente pensasse que nossa tentativa deu
certo — Willa pensa andando de um lado para outro.
— Mas espera. Ele não foi demitido uma semana antes da festa?
Você não disse que a festa era feita depois da semana de corte? Ele não
estava na festa então.
— Mas a Rosalya sim. — Willa completa meu raciocínio.
— Meu Deus Aidan — me levanto após ter a minha conclusão — Eu
acho que sei exatamente o que aconteceu — Willa assente contraindo a
mandíbula — A Rosalya não te traiu Aidan. Ela demitiu um funcionário
que tinha um cargo alto na empresa, meteu uma justa causa nele, ele se
vingou e abusou dela, no dia da festa de lançamento, onde você
chamava todo mundo para ir na sua casa.
— Foi por isso que ela quis mudar de casa depois e não quis mais
festas da empresa em casa. Descobriu a gravidez rapidamente, porque
foi abusada e ficou com medo, e não te falou o que aconteceu, porque
estavam numa fase ruim do casamento de vocês e para não piorar tudo,
ela escondeu — Willa completa e Aidan não reage, está em choque
demais para dizer qualquer coisa, lágrimas escorrem pelos seus olhos de
forma rápida e ele é desarmado completamente.
No lugar dos punhos cerrados agora tem duas mãos cobrindo os
ouvidos enquanto ele começa a dizer várias vezes.
— Não, não, não, não quero ouvir mais nada.
Willa me olha séria soltando um longo suspiro.
— Eu vou procurar os exames e ultrassons da Lya. Vamos fazer
essas contas tudo de novo e se for isso mesmo…
— Eu vou matar ele. Eu juro que eu vou acabar com ele — Aidan diz
completamente fora de si enquanto eu em silêncio volto a olhar a foto do
formulário do rapaz e seu nome no alto da folha.
Emett Stuart.
|53|
|“Haverá paz quando você estiver terminado. Coloque sua cabeça
cansada para descansar, não chore mais” Carry on My Wayward Son /
Kansas.

Ainda estou sem fala. Não faço mais a menor ideia do que pensar
sobre isso, que é muito pior do que imaginei ser desde o começo.
Aidan está devastado. Não quer comer, não quer conversar, se
trancou no quarto, e por mais que Willa diga que para eu ir para casa que
ela vai cuidar dele, não consigo.
A situação piora a cada vez que tentamos melhorar ela. Não sei
como Willa consegue ser tão neutra nessa situação toda. Ela encontrou
os exames da gestação de Lya com algumas coisas de Rosalya que
Aidan ia jogar fora. Ela está sentada no sofá do meu lado com todos os
papéis em mãos, uma calculadora, os óculos de grau no rosto, mordendo
a tampa da caneta enquanto pensa em silêncio, refazendo tudo o
caminho que fizemos para chegar àquela conclusão.
— Acha que ele vai ficar bem? — faço a pergunta mais óbvia dessa
terra.
— Claro que não. Mas ele precisa enfrentar isso colega. Faz parte da
vida, decepções fazem parte, você sabe como é não sabe? — ela
comenta fazendo uma pausa.
— Entendo. Mas isso é tão cruel. Eu não suportaria — Willa suspira.
— É por isso que é com ele. Cada um tem a sua barra para enfrentar
na vida, Aidan tem a dele, eu tenho a minha, você tem a sua, Lya tem a
dela, e Rosalya também teve a dela, a única diferença, é que Rosalya
não merecia o que aconteceu com ela, e ela teve medo — Willa diz me
mostrando os resultados das contas e eu suspiro, porém, nosso momento
é interrompido pelo telefone que toca e eu Willa atende.
— Oi Joanna, agora não é uma boa hora para falar com o Aidan —
ela responde após atender — Mas ele precisa ir aí agora? — mais uma
pausa para que Joanna fale e Willa me olha por um instante — Cara, o
Aidan não tá bem para isso, a Jane pode ir no lugar? Sim, ela quem
assinou o termo quando a Lya foi internada aí.
— O que aconteceu? — pergunto antes mesmo de ela finalizar a
ligação.
— Tudo bem, vou pedir para o Kurt levar ela. Obrigada Joanna —
Willa finaliza a ligação — O médico quer conversar com o responsável da
Lya, sobre a quimioterapia — suspiro.
— Aconteceu algo com ela? — Willa nega.
— Não sei, mas acho melhor você ir agora, eu vou tentar falar com o
Aidan.

Kurt e eu dessa vez não conversamos no trajeto até o hospital e ele


demora menos que o habitual para chegar lá. Não me identifico no
guichê, peço o elevador e assim que saio dele, dou de cara com Joanna.
— O que aconteceu? — pergunto de imediato.
— O médico da quimioterapia precisa conversar com você — ela diz
e eu caminho apressada pelo corredor a procura dele, dando de cara
com Ryan.
— Onde está o médico da quimioterapia e a Lya que não está
quarto?
— Vem comigo — ele me orienta até uma porta, aonde ele abre e eu
dou de cara com uma mesa, e um senhor com um pouco mais de idade
sentado por trás dela.
— Responsável por Lya Whitmore? — confirmo e Ryan deixa a sala
fechando a porta atrás de si, me deixando a sós com o doutor.
— Sou Jane — me apresento e vejo num dos papéis meu nome
escrito — O que aconteceu?
— Bom. Como já sabe, Lya tem feito quimioterapias bem intensivas e
sem intervalos e por mais que tenhamos juntado isso mais os
medicamentos, o quadro dela não tem apresentado melhoras, ela tem se
mostrado bem indisposta, tem demonstrado perda do apetite e hoje na
troca de roupa de cama, percebeu-se que ela tem perdido muito cabelo
— contraio a mandíbula — O mais recomendo é que se raspe. O estágio
da leucemia tem se avançado rápido demais e por mais que seja feito por
via intravenosa na intenção de fazer efeitos mais rápidos, não estamos
tendo resultados. Como a senhorita já tem o conhecimento esses ciclos
precisam ser feitos por um descanso. Um período para que ela fique sem
tomar medicação, como ela não está tendo descanso e tem feito esse
tratamento muito intensivo, minhas considerações são que paremos, já
que ela não tem apresentado boas reações, eu preciso de uma decisão
dos responsáveis. Trabalhamos incansavelmente para alcançar a cura,
mas às vezes é hora de um descanso para eles, a pequena Lya
Whitmore está caminhando para estágio terminal e quando isso acontece
com nossos pacientes, orientamos a família para que ele possa viver
esses últimos momentos de forma menos cansativa — ele fala tudo de
uma vez, grampeando algumas folhas e me entregando após carimbar e
assiná-las.
Não consigo reagir após tanta informação. Apenas pego as folhas,
dobro elas ao meio, coloco na bolsa, dou um sorriso mínimo como sinal
de que entendi tudo o que ele disse, me levanto e saio da sala, me
encostando nela assim que a fecho atrás de mim.
Respiro fundo, fechando os olhos e quando os abro novamente
percebo que um casal espera para serem os próximos a entrarem.
Eles me olham sem dizer nada e eu saio da frente da porta me
sentando num dos bancos em frente à sala onde eles estavam.
Por Deus, reaja Jane! Meu subconsciente grita me chacoalhando,
mas permaneço segurando firmemente a alça da bolsa usando todas as
forças que ainda me restam para não desabar ali mesmo.
Encontro Joanna, ou melhor, ela me encontra e se senta ao meu
lado.
— O que o médico disso? — ela pergunta.
— Eu não serei capaz de dar essa notícia Joanna — balanço a
cabeça, pegando as folhas e entregando para ela ver.
— Meu Deus! — é o que ela diz ao ver sobre o quê as folhas se
tratam — O que aconteceu com o Senhor Whitmore? Onde ele está?
— Joanna, eu não vou dar essa notícia para ele — digo ainda sem
reação.
— Você quer ver ela? Ela já está no quarto — Joanna pergunta.
Caminho de volta pelo corredor parando em frente ao quarto dela.
— Tia Jane, você voltou! — Lya comemora assim que entro no
quarto e eu sorrio.
— Sim, pequena, eu voltei — me aproximo da cama e me sento na
beirada.
— Pode fechar a janela? Estou com frio e a água daqui não é tão
quentinha igual lá na minha casa — ela pede puxando as cobertas,
porém percebo que a janela já está fechada e lá fora, o dia está
ensolarado.
Verifico o ar condicionado também não está tão gelado para dar frio.
Suspiro.
— Como você está?
— Com um pouco de dor de cabeça e, — ela faz uma pausa
fechando os olhos — Quando respiro dói — assinto enquanto ela fala.
— Quer assistir algo? — pergunto ligando a TV desviando o olhar
dela, para que a pequena não me veja fungar, enquanto lágrimas rápidas
escorrem pelo meu rosto.
— Por que você não come um pouco pequena?
— Tô sem fome tia Jane.
— Mas você precisa comer algo se quiser ficar forte — insisto
aproximando dela a bandeja do almoço que ela colocou de lado —
Vamos lá mocinha, coloque isso tudo para dentro — ela em resposta
tomba a cabeça para trás se negando.
Pego a colher pegando um pouco de comida e aproximo de sua
boca.
— Onde o Aidan está? — ela pergunta de boca cheia.
— Foi para casa comer, coisa que você também deve fazer senhorita
abelhinha — digo pegando mais uma colher.
Termino de dar a comida para ela e poucos minutos depois uma
enfermeira vem recolher o carrinho, ficamos alguns minutos em silêncio
no quarto e ela pega no sono.
Não consigo nem ao menos me levantar para ir embora, não quero
ter que dar essa notícia para Aidan, porque sei que não terei forças para
consolar ele. É agora mesmo que nós vamos ter que achar esse tal de
Emett Stuart para tentar um transplante de medula.
São tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, que temo não
conseguir dar conta alguma hora.
Com esses pensamentos acabo por adormecer na poltrona e só me
dou conta que apaguei, quando acordo e a luz do por do sol bate nas
persianas enquanto o único som que se ouve é o do desenho aleatório
passando na TV e Lya dorme com o braço esticado segurando minha
mão, alegando que toda vez que ela dorme eu sempre vou embora. Dou
risada com esse pensamento e me levanto para abrir as persianas.
Já passam das cinco da tarde e a visão do por do sol aqui está linda
e as nuvens se misturam uma nas outras em tons de rosa, vermelho,
roxo é quase uma obra-prima. Fazia tempo que eu não via o céu tão lindo
como hoje.
Olho para Lya dormindo e sem fazer muito barulho tiro debaixo da
janela a pequena mesinha onde fica o vasinho de flores, a mochila e os
livrinhos de colorir de Lya, coloco sobre a outra parede e destravo as
rodinhas da cama manobrando a mesma com cuidado para não acordá-la
até a janela.
Travo as rodinhas novamente e observo os botões ao lado da
mesa, inclinar e levantar. Aperto um de cada vez até que a cama se
iguale na altura da janela e ela acorda assim que a cama começa a se
inclinar, deixando em uma posição quase sentada.
Seus pequenos olhinhos demoram um pouco para se acostumar com
a claridade. Assim que ela vê do quê se trata, ela arregala eles olhando
para trás de si me procurando e eu me coloco ao seu lado.
— Tia Jane! — ela diz quase sem fala, maravilhada com a vista —
Olha o céu cor de rosa! — ela anuncia maravilhada.
— É tão bonito né. Sim. Isso se chama por do sol — digo acariciando
seus cabelos.
— O que significa?
— Significa que o sol está indo embora, para a noite poder chegar —
explico enquanto ela não prega os olhos como se não quisesse perder
nenhum momento.
— Ele desce lá na terra? — solto um leve riso com o comentário
dela.
— Ele está indo descansar — digo sem querer entrar em muito
detalhes, considerando que eu nem sei explicar.
— Como será que deve ser o por do sol?
— Bem, não sei — respondo enquanto observamos tudo juntas.
— Eu acho que sei como é — ela me olha por um instante e logo
volta a focar os olhos pelo vidro da janela — Eu acho que ele é bem
bonzinho e todo dia ele põe a sua roupa preferida que seja amarela igual
aquela minha de abelhinha, mas a dele brilha muito mais, aí ele sai da
casa dele e vai lá para o céu, para todo mundo ver a roupa dele que é
bem quentinha, aí quando fica escuro a mãe dele o chama ele para casa
para ele não se perder no caminho — ela diz convicta como se alguém
acabasse de ter contado isso para ela.
Ergo a sobrancelha.
— Deve ser isso mesmo — concordo com ela.
Noto alguém entrando no quarto e vejo se tratar de Ryan, ele arqueia
a sobrancelha ao ver que o quarto está diferente e balança a cabeça para
mim quando para diante da janela também.
— Bela vista meninas.
— A tia Jane que fez — Lya diz como se quisesse dizer que eu que
colori o céu e eu Ryan soltamos um leve riso juntos.
— Bom, vim tirar essa belezinha do seu braço — Ryan diz se
referindo ao acesso do braço dela e eu arqueio a sobrancelha para ele.
— Mas ela não vai precisar? — questiono.
— Por enquanto não — ouço a voz de Aidan atrás de mim que
espera Ryan fazer o trabalho dele e assim que Ryan se retira, Aidan se
coloca ao meu lado para observar o por do sol.
— Joanna me entregou os papéis — ele passa a mãos nos cabelos
de Lya que voltou a dormir.
— Você assinou? — pergunto.
— Ela está cansada, o médico deixou claro nos papéis que a
quimioterapia não está ajudando que ela está em estágio terminal. Não
quero ela sofrendo até isso acabar, não mesmo — ele diz frio, como se
tivesse conseguido reerguer a muralha ao redor de si novamente, mas
por mais que suas roupas estejam bem alinhadas sobre o corpo e bem
passadas, eu o abraço sem me importar se minha maquiagem vai
manchar sua camisa branca enquanto choro no seu peito e ele me puxa
para si.
— Ela tem tanto para viver ainda — choramingo.
— Vocês estavam vendo o por do sol? — ele desvia o assunto.
— Sim. Ela disse que o sol estava indo para casa, antes que
anoitecesse e ele se perdesse no caminho — Aidan solta um leve riso ao
ouvir isso.
— Nem um pouco parecida com o pai dela — ele comenta num tom
brincalhão, mas logo volta a ficar sério.
— Como você está se sentindo? — pergunto secando o rosto.
— Quebrado — ele responde e eu assinto enquanto ele leva a mão
ao meu rosto secando uma lágrima que escorre rapidamente — Mas eu
precisava vir, Joanna disse que você estava aqui sozinha, e sei que você
não é de ferro amor — ele me abraça novamente enquanto o sol se põe e
Lya se remexe na cama.
— Papai? — ela diz sonolenta e Aidan sorri para ela — O céu está
rosa! — ela diz para Aidan que se senta na beirada da cama ao lado
dela.
— Eu vi filha.
— A mamãe está lá? — vejo Aidan contrair a mandíbula, mas ele
assente passando a mão nos cabelos dela — Lá é muito alto, será? —
ele assente e fecha os olhos fortemente assim que olha para sua mão e
vê um tufo de cabelo emaranhado em seus dedos, e só percebo que ele
está chorando quando as lágrimas começam a molhar seu rosto — Por
que você está chorando? — Lya pergunta — Está triste? — Aidan nega.
— Não, só… — a voz dele falha e Lya volta a olhar pela janela.
— Está vendo como eu estava certa, o sol está quase chegando em
casa, antes da noite — ela diz.
— Sim, ele está indo descansar, já brilhou demais hoje — Aidan diz
com a voz embargada.
— Quando eu vou poder voltar para casa pai? — ela pergunta e eu
cubro o rosto tentando abafar um soluço.
É tão triste ver isso acontecer e não poder fazer nada. Estou
devastada, sinto meu peito apertar a cada minuto que passa, a cada
lágrima que vejo escorrer pelo rosto dele e a cada vez que os olhos
inocentes de Lya olham para a nós, com tanto carinho.
— Em breve pequena. Muito em breve, isso vai acabar — Aidan diz
e ela se anima e num gesto rápido ela se inclina sobre a cama, colocando
para fora toda comida que eu havia dado a ela mais cedo, Aidan se
levanta, apertando o botãozinho que aciona algum enfermeiro e segura
os cabelos dela, enquanto ela vomita chorando.
— Por Deus — digo assim que Ryan entra e ele pede para que eu
espere do lado de fora do quarto.
Corro até o banheiro e como se estivesse sentindo a mesma coisa
que ela, me estômago implora e me impulsiona a jogar tudo para fora
também, mas me lembro que não comi nada e encaro o lavatório notando
como minhas feições estão exaustas e fico ali alguns minutos tentando
acalmar meu choro.
Como as coisas foram chegar a esse ponto? Eu não esperava
mesmo que isso fosse acontecer, não hoje. Pensei que ela estava
melhorando, achei que os médicos tinham tudo sob controle, mas é como
se de uma hora para outra, tudo aquilo que eu acreditava escorreu pelo
ralo sem que eu pudesse impedir de acontecer.
Aidan vai passar a noite aqui, é o que deduzo quando o horário de
visitas acaba e Willa não chega. Não quero ir para casa, não quero deixar
eles dois, mas depois das seis só um acompanhante pode ficar no quarto
e Aidan coloca as mãos no bolso e me entrega a chave de seu carro.
— Quero que vá para o estágio amanhã com ele — ele diz me
entregando as chaves, mas me nego a pegar.
— Eu não vou — Aidan me olha em desaprovação.
— Você precisa ir Jane. Use o carro, está abastecido — ele enfia a
chave dentro da minha bolsa e segura nos meus dois braços como se
fosse me dar um chacoalhão, mas ele apenas os segura, olha nos meus
olhos e profere — Prometa para mim, que amanhã você vai acordar
cedo, vai colocar sua melhor roupa, vai fazer cachos nos seus cabelos, e
quando voltar aqui, quero te ouvir dizer que eles amaram seu jeitinho de
lidar com crianças e te deram a vaga — ele faz uma pausa esperando
que eu responda, mas eu nego — E não vai pensar em nós quando
estiver lá.
— Eu não quero nada disso — choramingo sentindo as lágrimas
escorrerem de forma rápida pelo meu rosto.
Aidan prossegue.
— Quando chegar em casa, peça para Amanda cuidar de você amor
— ele diz beijando minha testa — Por favor, não se preocupe comigo
hoje, só tente ficar bem, para se sair bem amanhã — Aidan diz beijando
meus lábios antes que eu volte para casa.

Vejo Amanda quase entrar em colapso quando passo pela porta e


me jogo na cama em prantos.
— O que houve amiga?
— Ela vai morrer Amanda — digo enquanto ela me dá colo em
silêncio.
— Quem te disse isso? — ela pergunta séria.
— O médico. Ele me deu a notícia, e falou sem parar, como se
fizesse isso todo dia — choramingo para ela.
— Mas ele faz isso todo dia amiga, só… Tenta não ficar assim, nós
vamos atrás do pai dela, não vamos? Então, isso só vai ter um fim depois
que acharmos ele e pedir para ele fazer o teste — ela tenta me acalmar.
— Você nem sabe o que descobrimos sobre o pai dela
— Descobriram o quê? — ela pergunta e volto a chorar.
— É terrível Amanda, terrível — ela respira fundo assentindo
acariciando meus cabelos.
— Como o Aidan está?
— Parece que a ficha dele ainda não caiu. Ele foi lá, tomou a decisão
de parar com a quimioterapia, já que não está tendo mais resultados, me
deu a chave do carro dele para ir amanhã para o estágio, e falou que não
era para eu pensar neles, nem me preocupar com ele — Amanda não diz
nada, apenas se levanta e depois de alguns minutos volta com uma
bandeja com chocolate quente e Cookies.
— Coma isso enquanto preparo a janta, você está pálida — ela diz e
eu aceito notando que a fome está vindo — Eu vou pedir uma folga
amanhã e quando você chegar do estágio, falamos com a irmã do Aidan
para ver se ela conseguiu localizar o endereço do cara da medula,
podemos chamar ele assim né, já que ele é um cara cruel?
— Sim, podemos o chamar ele de tudo, menos de um homem, ou de
pai, ou de ser humano, ele é um monstro — Amanda não pergunta o
porquê, apenas se mantém em silêncio sentada ao meu lado.
— Tudo bem, então agora você vai fazer exatamente o que Aidan te
pediu para fazer. Amanhã é um novo dia e você precisa descansar.
— Eu sei Amanda, eu sei — digo e depois de alguns minutos, sinto
meus olhos pesarem e eu caio no sono desconfiando que Amanda tenha
colocado algum calmante no meu leite.
|54|

Depois de muitos dias, por mais que tudo isso tenha acontecido,
consigo dormir sem acordar a noite, mas o bip do despertador hoje não
toca ao amanhecer.
Atrasada e com uma terrível enxaqueca.
Meus pés tocam o chão gelado e eu corro até o chuveiro. Estou
horrível.
Sei que não deveria nem sair da cama hoje, mas preciso ir a esse
estágio. Não posso esquecer os óculos que eu só usava na WTM para
ficar na frente do computador o dia inteiro lendo.
Saio do banheiro e pego a primeira roupa que encontro no guarda-
roupa. Tudo bem, não foi a primeira. Uma calça social preta, uma camisa
de linho amarela e o par de scarpin bege. A chave do carro.
Raios, onde estão as chaves do carro?!
Lembro que Aidan havia enfiado dentro da minha bolsa as chaves do
carro dele e sim, não foi um sonho, elas estão mesmo dentro da minha
bolsa. Estou com tanta dor de cabeça…
— Ai está você — sorrio vitoriosa para a chave e antes de sair, visto
meu sobretudo preto, destravo as portas automáticas do carro e entro
batendo a porta forte demais brigando comigo mesma, como se fosse
Aidan ao meu lado dizendo — isso, quebra mesmo.
Nada de pensar em Aidan, nada de pensar em Aidan. Ele te fez
prometer, você vai conseguir aquele estágio e pronto! Acabou, para de
pensar nele. Aliás… Merda! Por que eu vesti essa camisa amarela que
me faz lembrar Lya?!
— Argh! — rosno para mim mesma dando partida no carro que é tão
confortável que eu poderia dormir nele se não tivesse que dirigir até o
hospital.
Vejo que horas são no relógio de pulso e percebo que não peguei o
relógio de pulso.
Piso no acelerador e dirijo o mais depressa que consigo, segurando
firmemente o couro do volante.
Seja lá quem esteja me esperando para o meu primeiro dia, vai me
matar.
Logo hoje, no primeiro dia Jane.
Isso me faz lembrar o estágio lá na WTM quando eu sempre me
atrasava e Mabel sempre me dava várias tarefas para fazer ao mesmo
tempo, como se quisesse descontar de mim os meus minutos de
ausência. Mas eu gostava tanto de viver na correria, me atrapalhando em
quase tudo.
Sinto tanto por aquela editora.
Fecho os olhos fortemente com este pensamento
e buzino apressando o motorista da frente que me xinga me olhando pelo
retrovisor.
A cidade está um caos, de vez em quando, há engarrafamentos e
motoqueiros buzinando pedindo espaço entre as faixas para passarem,
sem contar nos pingos grossos de chuva que caem do lado de fora.
Ninguém disse mesmo que segunda-feira era o melhor dia para ir
trabalhar.
Sinto meu celular vibrar na bolsa e na pressa para atender, deixo a
bolsa cair no assoalho do carro, e alguns carros buzinam desviando da
minha direção que parei o carro para pegar a bolsa.
Assim que pego o celular, vejo o nome de Mabel, minha supervisora
no visor da tela e suspiro.
Não posso perder essa chance de estágio.
O farol logo a frente sinaliza que está prestes a se fechar, então
acelero mais buzinando, porém, antes que todos os pedestres possam
atravessar a rua com guarda-chuvas, meu carro se choca contra um
rapaz de branco que atravessa a rua.
Tiro o cinto e abro a porta receosa enquanto um círculo de pessoas
curiosas nos cercam. Caminho até onde o rapaz está no chão contraindo
a mandíbula e de olhos fechados fortemente, como se estivesse se
esforçando para não gemer de dor.
— Meu Deus, v-você, está bem Ryan?Ryan? — chamo tocando sua
barba rala com as pontas dos dedos e a essa altura meu cabelo já está
escorrendo por conta da chuva e por Deus, as roupas brancas dele
estão encharcadas.
Um dono de uma padaria sai de seu estabelecimento e abre espaço
entre as pessoas para me acudir.
Ele leva dois dedos ao pescoço do moreno desacordado e sorri para
mim como se quisesse me tranquilizar.
— Ele está respirando. Você precisa levar ele para o hospital, agora
— franzo cenho.
— Mas estou atrasada para… O hospital mesmo — digo confusa.
— Vamos colocar ele no carro, rapazes — o senhor diz e o três caras
obedecem me olhando feio.
Observo Ryan ser colocado no banco de trás do carro, enquanto eu
tento acalmar meus batimentos cardíacos e minhas mãos que tremem
enquanto dirijo até o hospital em silêncio, às vezes dando uma olhada no
banco de trás, colocando os dedos no pescoço de Ryan para ver se ele
ainda respira.
Não espera.

Ryan?
Acordo num súbito e acendo o abajur. O bip do despertador
programado para 07 da manhã agora marca 05 horas e o dia vejo pela
janela embasada pela neblina que ainda está amanhecendo.
Levanto e vou pegar um copo de água. Meus olhos estão tão pesados
e ao lado do filtro de água, encontro uma cartela de calmantes e um
triturador.
Bufo.
Eu sabia que Amanda tinha me dado calmantes para dormir.
— Ei, acorda — me aproximo da cama dela que salta num susto —
Então quer dizer você agora dopa suas amigas? — questiono de braços
cruzados.
— Por Deus Jane, que horas são? — Amanda boceja se sentando
apagando o abajur que acendi.
Caminho para o banheiro.
— Hora de você levantar e ir por uma roupa, nós vamos sair às 06 em
ponto — anuncio.
— Sair para onde? — ela diz arqueando as sobrancelhas enquanto
procuro algo nas minhas malas para vestir.
— Nós vamos passar na casa do Aidan para pegar Willa. Vamos atrás
do Emett Stuart — Amanda arqueia a sobrancelha.
— E a sua entrevista?
— Eu não vou. Não vou conseguir ir. Lá não é lugar para mim. Sinto
isso. E antes que você me venha com sermões, não é medo. O Ryan
trabalha lá e eu sei que ele me daria a maior força até eu me adaptar.
Mas não dá, eu… É diferente lidar só com a Lya, lá é um hospital e eu…
Vou me apegar com todas elas e vou sofrer sempre que perder alguém.
Isso não é para mim, meu negócio é ler Amanda, é passar horas lendo
novas histórias mordendo a ponta da caneta enquanto anoto pontos
fortes e características de personagens que podem conquistar o público,
eu não quero trabalhar num hospital, mesmo que não precise dar
injeções. E eu sei que o Ryan queria me ajudar, mas sempre vai ser o
Aidan entende? Não tem nada a ver com o que ele está passando agora,
nos conhecemos bem antes disso e ele estava certo, não importa
quantos caras eu beije ou com quantos eu converse. Sempre vai ser o
moreno e eu não posso ignorar o fato dele estar precisando de mim
agora. Podemos perder horas se eu for e não quero pensar no fato de
que quando eu voltar lá, Lya pode já não mais estar — fuzilo Amanda
antes que ela diga qualquer coisa contra mim e ela suspira sendo
desarmada quando termino de falar.
— Estarei pronta em cinco minutos. Já ligou para Willa?

A resposta fica clara que não, quando chegamos á mansão e eu bato


na porta do quarto de Willa ao lado de Joanna que veio abrir a porta para
que eu entrasse.
— Jane? — Willa diz sonolenta — O que está fazendo aqui?
— Conseguiu alguma localização do Emett Stuart? — Willa demora
um pouco para me responder como se ainda não estivesse acreditando
que estou lá.
— Sim, eu… Peguei o endereço dele no histórico demissional. Que
horas são ein? — Willa diz fazendo um coque nos cabelos.
— Eu vou ir até lá, agora — digo e ela engasga dessa vez acordando
de vez.
— Agora? Mas… Jane… — Willa caminha até o escritório e me
entrega uma cópia da homologação dele, aonde tem o endereço de sua
residência e alguns dados — Você não pode ir lá sozinha.
— Vou com minha amiga Amanda — explico e Willa me olha
hesitante.
— Vai ir com outra mulher também não é uma boa idéia.
— Fique tranquila a Amanda é quase um Kurt de cabelo longo — digo
guardando a folha — Não o preocupe. Ficaremos bem — oriento.
— Me ligue se precisarem de qualquer coisa — Willa segura meu
braço antes de se despedir como se não quisesse me deixar ir e isso
fosse uma péssima ideia.
Despeço-me de Kurt, mas ele curioso ao ver Amanda no carro que
Aidan me emprestou, não consegue se conter e pergunta.
— Aonde vão essa hora da manhã? — abro a folha com o endereço.
— Lenox Hill, do outro lado da Times Square — digo e ele arqueia a
sobrancelha pegando a folha da minha mão, vendo se tratar de dados de
outra pessoa.
— O Senhor Whitmore tem ciência disso?
— Não, e nem vai ter enquanto não voltarmos com boas notícias —
tomo da mão dele a folha.
— Ele te emprestou o carro dele, senhorita Johnson? — Kurt diz
abismado e eu assinto.
— Kurt, não posso perder tempo.
— Eu não vou deixar as duas saírem daqui para ir nesse endereço
com o carro do Senhor Whitmore que ele não deixa nem eu mesmo dirigir
para ir atrás de… Emett Stuart? Quem é ele? — Kurt me barra.
— Venha conosco que eu te explico — ele não pensa duas vezes até
entrar no carro — É melhor ele vir conosco do que contar para o Aidan. É
o que menos precisamos agora — Amanda assente para mim.
Dou partida no carro passando dentro de uma vala e Kurt parece
infartar no banco de trás.
— Põe o cinto Kurt, é a primeira vez que dirijo um carro chique e eu
estou com pressa.
|55|

Não demora muito até chegarmos no endereço que Willa havia


localizado. Paro o carro em frente ao número correspondente da
residência e fico alguns minutos em silêncio.
Não sei se devo descer do carro, se devo chamar Amanda para ir
comigo ou Kurt para nos acompanhar, considerando que ele não disse
mais nada depois que contei toda a história.
— E aí, vamos lá ou não? — Amanda quebra o silêncio retirando o
cinto e Kurt é o primeiro a sair do carro fazendo com que eu me apresse
para sair na frente dele e tocar o botão da campainha.
Ficamos em silêncio na espera. Amanda ao meu lado com as duas
sobrancelhas arqueadas numa postura nada amigável e Kurt atrás de nós
duas, de braços cruzados, menos amigável ainda.
A porta se abre, mas para nossa surpresa, é uma moça loira, da
minha idade talvez, está gestante e Amanda e Kurt pigarreiam, como se
estivessem preparados para tudo, menos para serem atendidos por uma
moça.
— Pois não? — ela diz sorridente enquanto seca as mãos em um
pano de prato.
Ela tem minha altura, tem os cabelos loiros presos por um lápis, sua
pele clara sem maquiagem alguma, evidencia suas linhas de expressões
e algumas marcas mais escuras abaixo dos olhos.
— Emett se encontra? — pergunto.
— Quem são vocês? — a moça questiona.
— Somos amigos dele — Amanda diz soando completamente
antipática e eu piso em seu pé, quando a moça fica séria ao olhar para
ela.
— Sou Jane, ela é Amanda e esse é Kurt — eu nos apresento — Ele
está?
— Não ele… deu uma saída — ela diz desconfiada eu assinto
decepcionada, mas aliviada por não ter visto ele.
É como se eu não estivesse preparada ainda.
— Podemos entrar? — pergunto e ela meio hesitante, assente dando
passagem para passarmos pela porta.
— Trabalhávamos na mesma empresa — minto sem dar muito espaço
para Amanda falar, levando em conta que Amanda não está causando
boas impressões.
— Meu nome é Ângela, eu sou mulher dele. Ex, na verdade. — gelo
como se mais uma vez não esperasse isso.
A casa é pequena. Todos os móveis ficam bem próximos por conta da
falta de espaço, a iluminação também é bem pouca e por mais que no
teto tenha uma lâmpada ajudando, ela é bem amarelada e fraca, Ângela
liga a TV, porém ela tem a imagem bem distorcida e de vez em quando o
sinal cai. Em uma das paredes há uma infiltração, fazendo com que o
cheiro de umidade se mostre evidente no ambiente tornando nítido em
como a vida deles por aqui é bem simples e com algumas dificuldades.
Dá para ver que Ângela está bem inquieta na cozinha, procurando
algo nos armários, arrumando algumas coisas, enquanto Amanda está
me olhando séria como se quisesse dizer “Vamos embora daqui”,
mas ignoro ela me fuzilando e caminho até a cozinha aonde Ângela se
encontra.
— Você quer ajuda com algo? — pergunto percebendo a dificuldade
com que ela se abaixa e anda levando em conta sua gravidez que pelo
visto já deve estar perto do bebê chegar, mas num movimento brusco
vejo Ângela pegar uma faca em cima da pia fazendo eu levantar as duas
mãos e Kurt se aproximar tirando da cintura uma arma.
Ótimo, o Kurt trouxe uma arma.
— Eu não sei quem vocês são, nem quanto Emett está devendo a
vocês, mas não temos dinheiro — ela diz apontando a faca para mim,
como num modo de defesa e eu balanço a cabeça — Nós terminamos já
fazem meses e eu não ligo para as dívidas dele.
— Nós não… Não viemos fazer mal a você — acalmo ela — Kurt!
Abaixa isso — ordeno fazendo um gesto com a mão — Está tudo bem,
não viemos cobrar nada de vocês — continuo e Amanda está paralisada
com a mão na cabeça — Ângela, só nos dê uma chance de tentar
explicar. Nós não conhecemos Emett, mas viemos em nome de outra
pessoa.
— Que pessoa? — ela pergunta ainda em posição de defesa — Diz
para ele que não vamos voltar mais e que o ordem dele se manter
distante de mim, vale para amigos também.
— Abaixe a faca para podermos conversar — Amanda diz se
aproximando.
— Manda esse cara ir lá para fora — Ângela ordena se referindo a
Kurt e eu faço sinal para que ele vá — Agora me digam a verdade sobre
onde vocês o conheceram — ela abaixa a faca.
— Emett trabalhou na editora WTM há seis anos. Precisamos fazer
algumas perguntas sobre algumas coisas, porque pode ser que ele seja a
nossa última esperança para achar uma medula compatível, com a de
uma garotinha — explico e ela arqueia a sobrancelha.
— Como assim? Medula compatível? Por favor, vão embora, e me
deixe em paz, já temos problemas demais para lidar, — Ângela diz
acariciando sua barriga, se referindo a ela e ao bebê.
— Essa garotinha é filha do Emett — Amanda interrompe curta e
grossa — Emett estuprou uma mulher quando trabalhava na empresa.
Você não sabia? — Ângela parece perder o ar quando Amanda dispara a
falar — Olha, eu sei que você conheceu ele depois, sei que você não tem
nada a ver com isso. Mas tem uma pessoa sofrendo em estágio terminal,
e eu sei que você deve não se importar porque já tem problemas demais
para lidar, mas estamos aqui para pedir isso para ele e o mínimo que ele
tem que fazer é nos escutar, antes de denunciarmos ele — Amanda diz.
— Ele não pode ser um doador. O Emett é usuário de drogas e álcool.
Sinto muito, mas vocês devem estar confundindo ele com outro Emett. Eu
e ele não estamos mais juntos já faz alguns meses. Eu me separei dele e
pedi uma medida de proteção contra ele — Ângela explica para Amanda
e nós somos todos pegos de surpresa com a resposta dela, como se
estivéssemos levando um chute no estômago — Me desculpe, eu não
posso ajudar vocês.
— Tudo bem — me rendo suspirando — Me desculpe pelo incômodo
— tento sorrir, mas estou cabisbaixa demais para isso — Aqui está meu
telefone se precisar de algo — anoto rapidamente em um papel e me
direciono até porta.
— Era a única chance que a Lya tinha e agora… Não temos mais
nenhuma — um soluço sai da minha boca enquanto estamos no carro
nos preparando para ir embora.
— Jane, você precisa ficar calma — Kurt diz assumindo o volante,
abrindo a porta do bando do motorista para que eu saia, nos levando de
volta para casa.
— O que vou dizer para o Aidan? — choramingo.
— Que tentamos Jane — Kurt me dá uma breve olha.

— Precisa ir para casa nem que seja para trocar de roupa senhor
Whitmore — Joanna diz, mas nego — O senhor precisa descansar, está
na cara que não pregou o olho essa noite.
Não quero sair nem que seja por um segundo de perto de Lya, por
mais que não troquemos muitas palavras, ou por mais que ela passe a
maior parte do tempo dormindo. Sinto que a qualquer momento é hora de
dizer adeus.
Ela está tão fraca que nem contestou ou me encheu de perguntas
quando falei que precisaríamos raspar o cabelo dela. Ela só falou para a
médica “Posso escolher um lenço de abelhinha?” fazendo os outros
enfermeiros se surpreenderem com a resposta.
Achei que nunca tivesse me sentido tão triste quando Rosalya partiu,
mas com Lya essa dor parece que está sendo em proporções muito
maiores, é como se eu pudesse sentir parte de mim, morrendo com tudo
isso. Como se a única parte que ainda me restava estivesse se esvaindo
por entre meus dedos como névoa e eu não pudesse fazer nada para
tentar segurar.
Já são duas da tarde, e deduzo isso quando vejo Jane surgir na porta
do quarto. Ela está devastada e me levanto da poltrona num súbito para
consolá-la num abraço apertado.
— O que houve? — pergunto enquanto ela soluça junto ao meu peito.
— Nós tentamos Aidan, nós tentamos — ela repete enquanto acaricio
seus cabelos.
— O que houve? Não conseguiu a vaga lá no estágio? Foi o carro?
Bateu ele? — questiono enquanto ela balança a cabeça — Por Deus,
precisa me dizer o que houve.
— Fomos atrás do Emett, mas, — ela soluça novamente — Ele não
pode ser um doador — contraio a mandíbula.
— Você foi lá sozinha? — ela nega e vejo no corredor Amanda e Kurt
se aproximarem.
— Tentei convencer ela de ir para casa, mas ela queria vir ver você —
Kurt explica.
— Leva ela de volta Kurt, — chamo — Precisa ir para casa — ela
nega.
— Eu não quero.
— Mas precisa. Precisa comer algo e se recompor, ou você quer que
a Lya te veja desse jeito?
— Sinto muito Aidan — Jane continua a dizer, como se aquilo que
tivesse acontecendo fosse culpa dela.
— Tudo bem. Estou orgulhoso de você por ter feito isso por mim —
digo segurando seu rosto com as duas mãos.
— Pessoal — ouço Ryan chamar — Não posso deixar tudo isso de
acompanhantes aqui nesse andar, vou precisar que vocês desçam, antes
que algum segurança venha — Ryan que orienta — Tudo bem aqui? —
nós assentimos.
— Jane, por Deus, eu juro que queria mesmo te levar para casa, mas
não posso sair daqui. Preciso que vá agora — peço mais uma vez.
Vejo os três entrarem novamente no elevador e Ryan suspirar junto
comigo.
— Jane não desiste né — Ryan comenta e eu assinto.
— Só queria que ela não precisasse passar por isso — respondo e
Ryan aperta meu ombro.
— Você não tem culpa senhor Whitmore, ninguém tem.
— É eu sei. Me dói ver tudo isso e não poder fazer nada.
— Não perca todas as esperanças assim senhor Whitmore, eu já vi
muitos casos de aparecer uma medula de última hora, sempre
priorizamos casos assim — Ryan diz e eu balanço a cabeça.
— Eu não quero me frustrar mais Ryan. Jane é o reflexo disso. Ela
não vai parar enquanto isso não acabar. Por favor, se quiser ver o bem
dela, pare de falar essas coisas perto dela. Ela perdeu hoje o estágio,
para ir atrás do pai da Lya e não sei o que ela achou lá, mas não foi algo
bom, é por isso que estava desse jeito. Tenta conversar com ela, ou ela
vai se frustrar cada vez que as chances estiverem acabando. Ela não vai
parar Ryan, e tenho medo dela sair muito machucada disso.
— Você acha então que eu deveria dizer para ela que…
— Acabou para Lya — completo a frase e Ryan contrai a mandíbula.
— Tudo bem senhor Whitmore.

Por que as coisas precisam ser desse jeito? Choramingo enquanto


me encaro no espelho, penteando os cabelos, ensaiando uma cara
menos mal para encarar Lya.
Nunca pensei que fosse passar por isso. Estou triste por Lya, por
Aidan, por Rosalya.
A pior coisa que existe no mundo é ver quem você ama sofrer e não
conseguir fazer absolutamente nada para ajudar, a não ser sentar e
observar tudo.
A única chance que tínhamos não tivemos a menor chance de agarrá-
la. Eu tinha agarrado tanto minhas esperanças nisso, que agora que deu
errado, estou sem chão, não consigo pensar em mais nada.
É como se a qualquer minuto fosse chegar a hora. Por Deus, conheci
Lya a tão pouco tempo, mas eu a amo tanto, ela é tão pequena e já
passou por tanta coisa e mesmo assim mantém seu jeito doce com todos,
mesmo assim continua sendo uma menina tão inocente e forte.
Sim, ela foi forte. Esteve lutando esse tempo todo, e agora, é como se
estivesse perdendo isso. Como se sua vista embasada, ou a dor no
corpo, os vômitos, a perda de peso, a falta de apetite, os cabelos
caindo… Cada parte de seu corpo estivesse gritando por socorro já sem
o mínimo de forças para continuar mantendo-a de olhos abertos.
— Amiga, vem comer algo — Amanda me chama se encostando no
batente da porta do banheiro.
— Raspa meu cabelo Amanda — peço e vejo ela empalidecer — Por
favor.
|56|

As horas passam como segundos. Noto isso quando acordo e já


amanheceu. Lya ainda está dormindo e duvido muito que acorde tão
cedo.
Eu a observo dormir por alguns minutos até notar a presença de Ryan
na porta.
— Você não quer ir para casa comer algo, tomar um banho? — nego
para ele — A Jane está lá em baixo, por que não desce um pouco? —
dou uma última olhada em Lya e suspiro — Fico aqui com ela senhor
Whitmore.
— Tudo bem — acabo cedendo e saio do quarto caminhando em
direção ao corredor.
Meu corpo está todo dolorido por conta da poltrona, sinto meu
estômago queimar de fome e meus olhos ardem de cansaço. Por mais
que eu tenha dormido sinto que só cochilei cinco minutos tendo o sono
interrompido por qualquer tipo de ruído que escutei a noite, pensando ser
Lya.
Coço os olhos no mesmo instante que encontro Jane na recepção.
— Por Deus, — é só o que eu consigo dizer quando ela vem até mim,
usando um lenço na cabeça verde como a cor de seus olhos.
— Está muito chamativo? — ela pergunta — Acha que a Lya vai
gostar? — meus olhos lacrimejam e antes que eu possa reunir forças, as
lágrimas escorrem de forma rápida pelos meus olhos.
— Não acredito que fez isso — abraço ela.
— Eu também não — Jane confessa — Mas se essa é a única coisa
que eu puder fazer agora, eu não ligo se você não me olhar mais como
antes — ela diz no meio de um suspiro que falha fazendo ela ficar em
silêncio olhando para cima, impedindo seus olhos de lacrimejarem e em
seguida me olha engolindo o choro — Você está de saída?
— Estamos — digo puxando ela pela mão até o carro e do bolso,
retiro as chaves do carro estendendo para ela.
— Não Aidan, pode dirigir, eu sempre erro a marcha — ela se nega
arrancando um leve riso meu.
— É seu agora.

Arqueio a sobrancelha para Aidan que repete.


— Vamos, pegue — hesito para ele.
— Não Aidan, eu… Não posso aceitar — ele insiste colocando a
chave em minha mão.
— Por favor Jane. Posso comprar outro depois, você sabe disso, não
vai me fazer falta — Aidan destrava as portas do carro no pequeno
controle e faz um gesto para que eu me sente no banco do motorista.
— Tá, mas depois vou te devolver quando comprar o meu — digo
mesmo sabendo que talvez isso nem aconteça — Para onde você quer
ir? — pergunto e ele dá os ombros.
— Quero aproveitar esse tempo que tenho com você — ele diz — Me
leva para qualquer lugar, você escolhe — por um momento paro sem
fazer a menor ideia para aonde ir.
— Qualquer lugar mesmo?
— Qualquer lugar — Aidan confirma e eu dou partida no carro para
não ficarmos ali parados no estacionamento mesmo, já que não faço a
menor ideia para aonde ir.
O trajeto é feito em silêncio até eu parar vinte minutos depois em uma
confeitaria. Aidan sai do carro e espera eu sair do carro também para me
acompanhar.
Sei que ele quer esquecer nem que seja por alguns minutos o que
está acontecendo e o que ele vai precisar enfrentar mais para frente. E só
consigo pensar em um lugar para levar ele.
— Me trouxe para comer doce? — Aidan sorri enquanto nos
aproximamos do balcão para fazer nossos pedidos.
— No fim da rua tem um colégio, eu estudava lá. Meu pai sempre que
vinha me buscar, me trazia aqui — explico — Por favor, dois cupcakes —
peço e a atendente registra nosso pedido, enquanto Aidan escolhe a
mesa mais reservada para nos sentarmos — Faz anos que não venho
aqui — comento enquanto esperamos nosso pedido chegar — Essa é
minha melhor lembrança, foi a primeira coisa que me veio a mente
quando disse que eu podia escolher — confesso observando a rua aonde
uma fina garoa varre o chão.
— Por que decidiu me trazer aqui depois de anos? — dou os ombros.
— Meu pai sempre me trazia aqui quando eu estava triste, ele falava
que não havia nada melhor do que cupcakes no nariz — comento
enquanto a garçonete repousa sobre nossa mesa os dois cupcakes e eu
sujo o dedo no chantilly levando o mesmo até o nariz dele que me olha
em repreensão, mas não diz nada e faço o mesmo comigo — Comíamos
cupcakes com o nariz sujo de chantilly — explico dando a primeira
mordida e ele assente.
— Por que não me conta mais sobre seu pai? Como ele se chamava?
— Alfred, eu o chamava de Fred — digo e sorrio me lembrando.
— Vocês eram bem apegados né. Me desculpe, ele morreu de quê?
— Aidan pergunta e eu suspiro.
— Foi num assalto. Os bandidos invadiram minha casa para roubar e
ele foi atingido com um… Tiro.
— Me desculpe a pergunta.
— Tudo bem, isso não é minha única lembrança dele. E você? Qual
seu melhor lembrança? — Aidan para por um momento.
— Minhas melhores lembranças, sempre são cobertas por algo ruim
depois — ele responde dando a primeira mordida.
— Mas te fazem sorrir não fazem? — ele assente.
— Sim, mas, parece que nunca consigo ser feliz por muito tempo —
ele comenta desviando o olhar para a rua.
— Você não deveria pensar assim — ele assente em ironia — Não
sofra com suas lembranças, elas servem para nos fazer sorrir, apenas
isso. E por mais que elas sejam ruins, você está aí! Você tem outra
chance, você aprendeu e isso só mostra uma coisa, o quanto você é forte
— vejo ele me olhar por um minuto como se quisesse concordar comigo,
mas ele muda o assunto.
— Acho que vou usar sempre chantilly no nariz, eu gostei — nós
dois rimos terminando de comer o cupcake.
Penso em comentar que depois de muito tempo o vi sorrir, nem que
seja de mim, mas não digo nada apenas sorrio com ele me entalando
com o cupcake e nós dois gargalhamos.
Eu me levanto, coloco a quantia dos cupcakes em cima da mesinha e
o puxo pela mão para fora, aonde a garoa agora está um pouco mais
grossa, mas não vamos até o carro, eu o puxo pela rua.
— A garoa está engrossando — ele hesita.
— Acho que o senhor Whitmore nunca tomou banho de chuva —
brinco pulando numa poça de água sujando sua calça social.
— Aé mocinha? — ele diz correndo atrás de mim pela rua vazia me
encurralando entre um carro e uma bica de onde a água cai, molhando
toda minha cabeça.
— Aidan! — berro irritada, voltando a correr atrás dele que corre
afrouxando a gravata no pescoço, enquanto a chuva molha seu terno.
Desisto de correr atrás dele e apoio as mãos nos joelhos tentando
acalmar minha respiração. Ele para mais a frente balançando a cabeça
para mim.
— Começa as coisas e depois não aguenta — ele brinca se
aproximando de mim bruscamente sem querer puxando o lenço da minha
cabeça que cai na poça de água.
— Aidan! — o repreendo, mas ele segura meu braço, me impedindo
de abaixar para pegar o lenço.
— Me deixe olhar para você — ele me interrompe antes mesmo que
eu diga algo — Gostei de você assim, seus olhos parecem mais verdes
que antes — ele comenta — O fato de você ter ou não seus cabelos não
te deixa menos interessante. Para mim, só me faz te admirar mais como
mulher, Jane, não tenha vergonha de mim por isso, eu não me apaixonei
pelo seu cabelo, me apaixonei pelo seu jeito de estar sempre lutando
pelo quê você acredita — ele acaricia meu rosto com as pontas dos
dedos me fazendo fechar os olhos por um instante.
— Todos estamos lutando por algo Aidan — respondo.
— A única diferença é que uns acreditam em saídas, já outros… Nem
tanto — ele conclui fazendo um gesto com a cabeça, dando as costas e
eu pego meu lenço molhado do chão indo atrás dele que espera eu
destravar o carro para entrar — Vou te levar para casa para trocar de
roupa — ele anuncia.
O trajeto até a casa de Amanda não demora muito.
Ela não está em casa e solto um leve riso quando Aidan solta um
suspiro de alívio ao perceber isso.
— A Amanda é legal, ela só lida um pouco mais friamente com as
situações em que ela não tem tanto controle — comento colocando a
chave em cima da geladeira.
— É, eu sei. E também sei que ela só quer cuidar de você, para que
não sofra de novo. Ela tem todos os motivos do mundo para não confiar
em mim do seu lado — Aidan comenta e eu arqueio a sobrancelha —
Talvez o Ryan fosse melhor para você — me viro para ele.
— Aidan, eu e Ryan somos só amigos — suspiro e ele assente.
— Que seja — ele corta o assunto e a maquininha que Amanda usou
para raspar meu cabelo, em cima da pia no banheiro chama atenções
dele que se direciona até lá.
— Já fez isso alguma vez na sua vida? — nego.
— Você não precisa… — divago segurando a maquininha enquanto
ele liga a mesma na tomada.
— Pode raspar tudo Jane.
|57|
|“Tem que ficar mais fácil, mais fácil, de alguma forma, porque eu
estou caindo, e eu sei que não acabou, estou clamando porque isso
precisa melhorar, ou eu vou cai”— Not today/ Imagine Dragons

— Eu não sei usar isso — dou uma desculpa e ele segura minha mão
me guiando, quando termino, ele se olha no espelho e termina de fazer o
resto dos acabamentos.
— Vem cá — ele me chama para frente do espelho e eu solto um riso.
— Ai meu Deus, — balanço a cabeça enquanto ele faz uma pose em
frente ao espelho como se tivéssemos prestes a bater uma foto e nós
dois rimos.
— Percebe-se que isso deu mais certo para você — Aidan brinca
passando a mão na cabeça e gargalhamos enquanto ele se aproxima dos
meus lábios deixando um beijo calmo nos mesmo, colando nossas testas.
— Obrigado por esse dia Jane. Eu amei o chantilly no nariz — sorrio
assentindo — Eu tinha certeza que se desse a chave do meu carro em
suas mãos, você tornaria isso em algo que eu poderia me lembrar e
sempre sorrir.
— Quando tudo isso acabar, vamos levar Lya lá para comer cupcakes
— comento e o vejo contrair a mandíbula.
Ele hesita olhando para o vazio, mas quando percebe a pausa que
fez, suspira e me beija como nunca antes.
Com pressa, com desespero, com intensidade.
Aidan segura meu rosto com as duas mãos e num momento, sinto o
gosto de suas lágrimas se misturarem com seu beijo. Tento quebrar o
beijo e tentar consolar ele, mas ele me abraça e soluça alto escondendo
o rosto em meu peito.
— Jane, eu não tenho mais força para isso.
Eu compreendo. Ele aguentou firme por mais tempo do que acreditei
que pudesse.
— Se eu tivesse feito algo diferente? Seria melhor? — ele continua,
mas não consigo dizer nada por conta do nó que se forma em minha
garganta ao vê-lo desse jeito.
Frustro-me por não ter o que eu possa fazer ou dizer para melhorar
isso.
— Isso precisa melhorar amor, de alguma forma, porque não aguento
mais — Aidan soluça contra meu peito.
Balanço a cabeça para ele mesmo sabendo que ele não pode ver, e
as minhas lágrimas me vencem escorrendo pelo meu rosto de forma
rápida.
É a primeira vez que o vejo chorar assim e noto que é o que ele
estava segurando por muito tempo. Então o deixo se livrar desse peso. O
vejo soluçar, fechar os olhos com força, gemer angustiado, me abraçar
fortemente como estivesse se segurando para não cair num buraco.
Fraco, vulnerável e cansado.
Ele estava entrando em declínio e a única coisa que faço é guiá-lo até
uma cadeira, abro a geladeira e entrego um copo de água, para ele que
segura com a mão trêmula e olhos inchados.
Eu e ele ficamos em silêncio por um pouco de tempo, eu em pé ao
seu lado acariciando sua cabeça e ele olhando para o nada.
O celular dele quebra o silêncio com o nome de Joanna no visor.
Aidan recusa a chama e depois de pouquíssimos instantes um aviso de
mensagens aparece na tela.
“Senhor Whitmore, você precisa vir para o hospital.
Chegou a hora.”
E meu celular toca segundos depois com o nome dela também me
ligando.
|58|
|“Porque eu não estou desistindo, nunca vou desistir mesmo se eu
estiver no último suspiro, mesmo quando eles disserem que não há mais
nada. Então não desista, porque eu não vou, mesmo quando ninguém
mais acreditar. Então não desista de mim.”
Don't give up on me/ Andy Grammer.

Chegou a hora e sinto meu corpo paralisar.


Continuo a olhar para meu celular que chama com o nome de Joanna
na tela, mas não tenho forças para atender.
Vejo Aidan lançar o copo no qual tomou água na parede e o mesmo
se estilhaçar no chão. Tremo e só quero me encolher num canto e chorar.
Mas pego um dos lenços que Amanda comprou para mim. Um
amarelo vibrante. Dou uma última olhada no espelho e observo meu rosto
horrível vermelho e inchado.
Nem me lembro quando foi a última vez que tive uma boa noite de
sono ou a última vez que sentei aonde Aidan está sentado para almoçar
com tranquilidade, ou quando foi que tomei banho sem chorar pensando
no dia em que esse momento chegasse.
Chegou a hora.
Chegou a hora de quê? De se despedir? Da última vez que vou vê-la
com vida? Chegou o último dia que vou entrar naquele quarto? A última
vez que vamos precisar do auxílio de Ryan? A hora em que Ryan vai se
libertar dessa família?
Chegou a hora do meu último dia trabalhando para o senhor Whitmore
para pagar a dívida por tê-lo atropelado?
O que vem depois disso?
Meus cabelos vão crescer novamente e eu vou seguir em frente?
Como se nunca tivesse enfrentado isso?
— Não Aidan, não é possível — digo balançando a cabeça — Ela
só… Só está precisando dos remédios novamente, você vai ver, ela vai
ficar boa. Só precisa dos corticóides, de soro. Nós vamos lá e você vai
assinar o termo e ela vai continuar a quimioterapia e a tomar os remédi…
— Eu não vou lá Jane.
— O quê?
— Eu não vou me despedir.
— Por que você está desistindo?! — berro — Você é o pai dela! —
bato em seu peito e ele me segura.
— É exatamente por isso. Eu não aguento mais vê-la daquele jeito —
ele diz e eu balanço a cabeça arqueando a sobrancelha.
— Que tipo de ser humano você é porra? — indago.
— Você quer que eu chegue lá e fale o que para ela? Filha você vai
morrer e eu vim dizer tchau — Aidan retruca — Sou tudo, menos um
hipócrita. Eu não quero ter que assumir isso na frente dela.
— Aidan por favor, não faz isso. Você vai se arrepender tanto —
balanço a cabeça.
— Eu já tomei essa decisão há muito tempo Jane. Eu não quero ver.
Não quero ouvir. Não quero ver os olhos dela se fechando para sempre,
como foi com Rosalya. Não quero sentir seus dedos soltando os meus
aos poucos. Não me peça para fazer isso pela segunda vez.
— Sabe o que eu acho que você está sendo? A porra de covarde. É
por isso que você vai morrer sozinho — dou as costas pegando meu
celular, a chave do carro e bato a porta atrás de mim.
Assim que entro no carro, espero alguns minutos na esperança de
que ele venha atrás de mim, mas ele não vem e eu soco o volante
chorando.
Dou a partida no carro e saio catando pneu.
Infelizmente eu não posso ficar e tentar colocar algo na cabeça dele.
Eu não tenho tempo para desistir agora.
Na verdade, me vejo desesperada a cada vez que me aproximo mais
do hospital e me distancio mais da casa de Amanda.
Eu não consigo acreditar que ele não veio. Ele simplesmente jogou as
cartas na mesa.
E todas as histórias que contei para ela sobre ficar bem e voltar para
casa para podermos dar uma festa do pijama?
Eu não quero que isso acabe.
Meu celular toca com um número desconhecido. Recuso a ligação
jogando mesmo no banco, mas ele volta a tocar e recuso mais uma vez
acelerando mais o carro.
Na terceira vez eu atendo deduzindo ser alguém da vaga do estágio
que eu faltei. Então atendo de vez para falar que eu desisti.
— Alô? — ouço uma voz feminina perguntar do outro lado da linha.
— Quem é?
— Oi? É a Jane? — novamente a voz feminina pergunta do outro lado
da linha.
— Sim, quem gostaria?
— Jane é a Ângela. Me desculpe mesmo te… — ela faz uma pausa e
ouço um gemido alto de dor — Jane, você lembra que quando veio aqui
em casa me deixou seu telefone e disse que se eu precisasse de algo
podia te ligar?
Ângela, a esposa de Emett. Lembro enquanto ela fala.
— Oi Ângela, eu posso te ligar mais tarde?
— Não, não, não, não! — ela diz de forma rápida para que eu não
desligue — Jane, eu preciso de ajuda agora. A minha bolsa estourou e eu
não consigo ir sozinha ao hospital. Não tem nenhum vizinho que possa
me levar de carro, e eu liguei para emergência, eles perguntaram se eu já
tinha dilatação, eu disse que não, então eles disseram que priorizam
casos maiores, e que eu precisaria ir até lá — ela faz outra pausa — Jane
por favor eu preciso que você venha me ajudar — fico em silêncio sem
saber o que fazer — Você ainda está aí? — Ângela pergunta e ouço um
grito de dor fazendo eu fechar os olhos afastando o celular do ouvido.
Eu preciso ir ver a Lya. Não posso desviar meu caminho, não agora.
— Jane, por favor.
— Ângela, eu sinto muito. Eu não posso ir agora aí do outro lado da
Time Square. Está trânsito, se eu voltar… — fecho os olhos — Me
desculpe.
Não posso largar uma mulher em trabalho de parto, chorando por
ajuda.
Repenso.
— Ângela, eu tenho um amigo. Ele é enfermeiro. Estou indo até ele e
ele vai até você, até a emergência chegar certo? — respondo e ela faz
uma pausa ao gemer de dor.
— Muito obrigada.
— Só mais vinte minutos e ele chega aí tudo bem? — tranquilizo ela
mesmo sem ter certeza de que Ryan vai poder deixar seu plantão para
dirigir até lá.
Assim que desligo, ligo para Ryan. O celular dele chama por uma
eternidade, mas ele me atende depois de uns minutos.
— Jane? Onde você e o senhor Whitmore se meteram? Estamos
tentando ligar e ninguém atende — ele diz num tom de repreensão.
— Ryan, eu preciso que faça algo por mim, preciso que você dirija até
o outro lado da time Square, tem uma mulher em trabalho de parto em
casa. Ela precisa de um médico. Preciso que fique com ela até a
emergência chegar. Prometi que a ajudaria quando precisasse, mas
quero ver Lya — explico com rapidez.
— Como assim? Eu não posso deixar o plantão e eu não sou
obstetra. Preciso de autorização para sair com medicamentos, Ruiva —
ele questiona.
— Eu sei, eu sei. Mas não tem outro recurso. Você sabe como é
demorado essa questão da saúde pública, ela não tem quem possa
ajudar. Ryan, por Deus, eu sei que você não é obstetra, mas sabe como
socorrer uma pessoa. Conheci ela quando fomos atrás do pai da Lya, ela
está grávida dele e eu disse que ela poderia contar comigo quando
precisasse, ela é sozinha e passa por muita necessidade e não tem
assistência de ninguém. Ela está confiando em mim — digo passando
pelos faróis vermelhos, dando freadas bruscas enquanto ele me ouve —
Ryan? — chamo, mas a ligação cai e eu me frustro.
Tento retornar a ligação para Ângela, mas ela não atende. Minha
preocupação aumenta a cada instante e as batidas fortes do meu
coração parece que vão atravessar meu peito.
Chego no hospital mais rápido do que pensei que chegaria. Nem me
identifico no balcão, me espremo entre as outras pessoas para entrar no
elevador junto com elas e assim que chego lá em cima dou um esbarrão
em Ryan.
— Que bom que você está aqui — o abraço.
— O senhor Whitmore não veio? — nego.
— Onde está a Lya? — pergunto e Ryan contrai a mandíbula em
resposta quando entro no quarto dela e não a encontro lá.
|59|

— Para onde levaram ela Ryan? — questiono o acompanhando para


dentro do quarto.
— Eu não tive tempo de te avisar quando você me ligou. A ligação
caiu e eu não consegui te retornar para falar.
— Ryan, por Deus, onde está a Lya? — sinto meus olhos
lacrimejarem á medida que os segundos passam.
— Está na sala do anestesista. Ele está preparando ela para uma
transfusão. Agora preciso saber aonde ela mora. Você disse que ela é
esposa do pai de sangue da Lya e está dando à luz ao bebê certo? —
assinto ainda tentando processar o que ele disse — Nós vamos usar o
sangue do cordão umbilical do bebê.
Fico muda.
Ryan me olha esperando alguma reação da minha parte.
— Ela vai viver Jane. Quando você ligou e disse sobre sua amiga,
essa foi a primeira coisa que pensei. Esse cordão é o único sangue
familiar que a Lya tem. É uma fonte de células-tronco que ela precisa
para vencer a leucemia e que são compatíveis com as dela — ele explica
e me abraça e eu sem fala levo as mãos á cabeça, como se depois de
muito tempo submersa abaixo da água, alguém acabasse de me puxar
para cima e agora eu pudesse respirar novamente.
— Ela vai viver — divago para mim mesma.
— Nós vamos trazer a Ângela para cá. Facilitará o processo da
retirada do sangue do cordão e transfusão para Lya — apenas balanço a
cabeça e Ryan percebe o meu choque, a adrenalina saindo aos poucos
do meu corpo e me guia para me sentar num dos bancos.
Ele pega um copo descartável, enche ao lado num filtro e me entrega.
— O endereço está aqui. Liga para ela por favor — entrego para ele
meu celular.
— Vou levar para a emergência e já venho. Acho que você está tendo
uma queda de pressão, — Ryan anuncia e em seguida corre pelo
corredor às pressas.
Minha visão embaça e eu me seguro no banco vendo tudo ao meu
redor rodar, como se eu estivesse num carrossel, me sinto fraca e solto o
copo no chão suando frio.
Eu preciso avisar o Aidan que Lya vai ficar bem. Ele não pode desistir
agora, porque eu não vou.
Preciso tanto ver aquela pequena e dizer que ela não está sozinha
nessa, que estou aqui esperando ela para irmos para casa nos vestir de
abelhinha, mas não tenho força para me levantar e ir pedir alguma notícia
sobre ela, vejo tudo apagar e a última coisa que me lembro, é de alguém
se aproximar de mim e chamar por algum médico dizendo.
— Alguém por favor, essa moça desmaiou!
|60|
|“Amar pode machucar às vezes, mas isso é a única coisa que eu sei.
Quando fica difícil você sabe, isso pode ficar difícil às vezes, mas você
jamais estará sozinha. Espere por mim para voltar para casa” Photograp /
Ed Sheeran.

Quando era mais nova, perdi alguém que eu amava muito e que eu
acreditava ser imortal e que eu nunca o perderia. Meu pai.
Não me via sem ele, e não havia outra pessoa para correr para os
braços quando eu estivesse com medo. Ele se foi e eu não pude dizer
adeus, nem que nos veríamos em breve.
Precisei lidar com a perda aos seis anos e isso sempre levei
comigo. O ir sem se despedir. Porque eu queria ter me despedido dele,
mas hoje, vivendo isso com a Lya, eu vi que teria sido muito pior. Eu não
seria capaz de dizer adeus para ela. Eu não estou e nunca vou estar
pronta para despedidas.
Só quero segurar ela nos meus braços o quanto eu puder aguentar.
Acordo sem nem saber onde estou ou como cheguei a esse quarto. A
única coisa que sei é que o baque de toda essa situação foi tão grande, o
choque da notícia foi tão grande, que quando me acalmei meu corpo não
aguentou e apagou. É só disso que eu sei.
Sento-me na cama com um pouco de dificuldade com um acesso de
soro ligado ao meu braço. Não encontro Ryan e quando aperto o botão
solicitando ajuda de alguém, não é ele quem aparece. É um médico com
alguns papéis na mão.
— Jane Johnson, como você está?
— Acho que bem, onde está a Lya? — pergunto e o doutor sorri em
resposta.
— Vamos falar de você por enquanto, pode ser?
— O que tem eu doutor?
— Parabéns, você será mamãe.

Estou grávida.
Será que já posso desmaiar de novo?
Só estou esperando acordar e o médico falar que bati muito forte com
a cabeça quando desmaiei.
Mas os papéis não deixam nenhuma sombra de dúvidas que isso é
real.
— Como assim?! Grávida? — questiono me sentando na cama e o
médico me entrega alguns papéis de exames prontos — Como isso pode
ser… Ah Deus — olho para o médico novamente esperando que ele me
explique como isso aconteceu, mas é algo muito óbvio para ser explicado
— Desde quando isso?
— Você está de cinco semanas — ele diz — Precisamos dar início ao
seu pré-natal, irei te passar um cardápio com refeições equilibradas que
vão favorecer sua pressão. Seu desmaio aconteceu devido à sua má
alimentação. Você vai precisar ficar uns dias de repouso também — ele
me orienta.
Por Deus eu vou ser mãe e preciso contar isso para o Aidan e contar
para ele sobre a Lya. Ele vai ficar tão feliz e vamos dar um jeito na WTM
e em tudo.
Alguém bate na porta e a abre em seguida, é Amanda.
— Escutei a voz dela, ela está bem? Eu já posso ver ela? — Amanda
pergunta para o médico e ele assente fazendo sinal para ela entrar e nos
deixa sozinha — Meu Deus Jane, que susto. Ryan me ligou falando que
você tinha sei lá, apagado.
— Que horas são? Quanto tempo fiquei apagada? A Ângela já
ganhou o bebê dela? — levo a mão á testa fechando os olhos por um
instante sentindo minha cabeça doer num começo de enxaqueca —
Alguém já avisou o Aidan sobre… Sobre a Lya? — suspiro — Por Deus, o
que será que ele vai dizer quando eu contar isso para ele?
— Tá, vamos com calma, porque você acabou de descobrir a
gravidez. Você precisa pensar um pouco em vocês — Amanda diz
ajeitando os travesseiros trás de mim, mas não quero me deitar, já
anoiteceu e meu celular está sem bateria.
— Nossa, estou acabada — me encosto nos travesseiros, mas volto a
me lembrar de Lya e me ponho de pé — Eu preciso muito ir ver minha
pequena e… Meu bebê está seguro aqui — aponto para minha barriga e
guardo os papéis dentro da minha bolsa, mas Amanda toma a bolsa da
minha mão e a coloca em cima da poltrona.
— Jane,
— O que foi? Aconteceu algo com a Lya? — Amanda nega.
— Não. Só estou pedindo por favor, para você ficar aqui e sei lá. Só
fica aqui — arqueio a sobrancelha sem entender absolutamente nada do
que ela está falando.
— Por que eu deveria ficar aqui?
— Porque você deveria ficar aqui e me escutar — Amanda retruca,
mas não vejo o porquê disso.
Levanto-me da cama balançando a cabeça.
— Eu sinceramente não estou te entendendo, então a não ser que
você me dê um bom motivo para ficar parada aqui nessa cama olhando
para você, eu vou atrás da Lya e ver se Joanna está aqui para avisar o
Aidan que ela vai ficar bem — tomo minha bolsa da mão dela.
— O Aidan não vem — ouço ela dizer antes que eu saia pela porta.
— É claro que ele não vem, ele me disse que não ia vir se despedir da
Lya, nós brigamos antes de eu vir para cá, mas, quando ele souber da
Lya e do bebê ele…
— Jane, nós precisamos conversar — Amanda me interrompe.
— Mas que merda Amanda, por que está tão agoniada?! Vai falar que
o Aidan não vai gostar? Da gravidez?!
— Porra Jane! Será que uma vez na vida você poderia deixar de ser
tagarela?! — vejo ela soluçar e cobrir o rosto ao perceber que estamos
entrando na nossa primeira discussão — Eu não vou conseguir de falar
isso. Me desculpa, por favor.
— Me falar o quê? — recuo antes de sair do quarto — O que
Amanda? — questiono mais uma vez — O que aconteceu com você? —
volto a me aproximar dela e ela balança a cabeça.
— Não consigo pensar numa maneira melhor de te contar que o Aidan
tentou se matar, faz algumas horas. Agora ele está internado em estado
grave e os médicos não sabem se ele vai sair bem dessa. Era de tarde
ainda, você estava aqui quando Willa o encontrou lá na mansão. Falei
para o Ryan te dizer isso da melhor forma, mas, não liberaram ele ainda
do plantão.
Balanço a cabeça sentindo meus olhos lacrimejarem e as lágrimas
escorrerem pelo meu rosto de forma rápida.
— Ele não pode ter feito isso — digo para mim mesma olhando ao
redor como se por um momento eu já não soubesse mais onde estou —
Meu Deus! — um soluço escapa pelos meus lábios enquanto espero
Amanda dizer que é só uma brincadeira que eles pregaram em mim.
Levo a mão á testa e percebo que estou trêmula e sinto o ar pesado,
como se tivessem sugado o ar do quarto e agora eu estivesse sendo
sufocada aos poucos.
— Você precisa ficar calma agora — Amanda pega em meu braço
fazendo um gesto para eu me sentar na cama, mas eu me solto das
mãos dela e saio do quarto sem que ela tenha tempo de reagir e me
barrar.
Já anoiteceu e subo de elevador apertando diversas vezes o botão
para subir.
Não é possível. Não mesmo.
Procuro por Ryan e não demoro a encontrá-lo. Como sempre, ele está
pelos corredores, apressado, sempre dando passos largos.
Quando me vê, ele para antes de se aproximar, contrai a mandíbula e
respira fundo, como se eu fosse a última pessoa que ele quisesse
encontrar agora.
— Jane, — é o que ele diz, só que pela primeira vez, ele não sorri.
— Estou grávida Ryan — ele empalidece com o que eu disse, mas
não demonstra alegria, só surpresa e preocupação.
— Grávida?
— Sim. Eu tenho um bebê aqui dentro há um mês e uma semana, que
doideira né. Eu só… Preciso dar um jeito de falar com o Aidan. Ele já
sabe da Lya? — Ryan apenas balança a cabeça — Ryan, que brincadeira
é essa que vocês estão fazendo comigo? Como assim, eu apaguei esse
tempo todo e vocês não avisaram ele? — minha voz embargada
denuncia o quanto estou tentando me segurar para não chorar, mas Ryan
não diz nada, ele apenas larga os papéis que trás consigo e me abraça
forte.
— Jane, por Deus, eu sinto muito.
— Não. Não sinta, eu… Vou falar com ele e… Meu Deus — minhas
pernas bambeiam, mas é como se Ryan já soubesse disso e me segura
forte — Ele não pode ter feito isso, não pode mesmo — minhas pernas
fraquejam novamente e me solto dos braços de Ryan caindo prostrada no
chão cobrindo o rosto — Manda ele vir para cá, ver a Lya — choramingo
— Por favor — Ryan tenta pegar em minhas mãos para me levantar dali,
mas eu me nego a dar um passo sequer, e vejo Amanda aparecer no final
do corredor com Joanna e Willa ao seu lado aos prantos.
Paro por um minuto tentando ao menos respirar e reunir os meus
pedaços que restaram, mas não consigo, como se tudo isso não
passasse de um pesadelo e eu não conseguisse acordar.
— Meu Deus — é a única coisa que sai da minha boca, enquanto
algumas pessoas desviam de mim, passando pelo corredor.
— Você precisa se levantar Jane — Ryan pede enquanto outra
enfermeira recolhe os papéis que ele deixou cair no chão — Você está
em choque, eu preciso que você venha comigo — ele diz envolvendo
meu rosto com as duas mãos.
— Eu só vou sair daqui quando o Aidan aparecer e me disser que isso
tudo é uma brincadeira.
— Sei que é difícil, mas você precisa se levantar agora e vir comigo —
ele pede mais uma vez e Amanda põe a mão em minhas costas como
gesto de incentivo.
— Não, eu… — não consigo mais falar, eu estou completamente sem
chão.
Vejo Ryan fazer um gesto para a enfermeira e em seguida, sinto uma
picada em meu braço, eu tento afastar a seringa que ela usa em mim,
mas minha vista escurece, Ryan me toma nos braços e antes de apagar
por completo ouço ele dizer para Amanda.
— Ela vai ficar bem, é só um calmante. Ela está grávida agora e
todo esse choque pode fazer mal para ela e para o bebê.
|61|
|“Havia algo que eu poderia ter dito para fazer o seu coração bater
melhor?” Before you go/Lewis Capaldi.

— Tudo seria diferente se eu não tivesse dito aquilo para ele? —


choramingo ao lado de Amanda.
— Não amiga. Uma pessoa quando tenta se suicídio já morreu há
muito tempo. Se ele disse que não iria se despedir da Lya, é porque já
estava decidido a fazer aquilo. Não teria como ele ter deixado tudo para
você, escrito um testamento, aberto um processo para você conseguir
pegar sua parte da herança que seu pai deixou para você, mas que sua
mãe nunca deixou você por as mãos ou ter solicitado a divisão da venda
do apartamento que você comprou junto com o Addam e chamado um
advogado para validar de uma hora para outra. Ele já tinham planejado
isso a dias — ela diz — Prometa que essa é a última vez que você diz
isso.
— O que eu vou falar para Lya?
— Você vai falar que ele se machucou — Amanda me abraça antes
que eu entre no quarto onde Lya está — Tem certeza que não quer
minha companhia? — assinto enquanto abro a porta do quarto e encosto
a mesma atrás de mim.
— Jane! — ouço a voz de Lya e sinto toda a tensão que estava
sentindo á minutos atrás desaparecer.
Ela está imóvel ainda com um acesso de medicação ligado em seu
braço.
Lya sorri ao me ver e eu faço o mesmo me aproximando dela,
depositando um beijo em sua testa.
— Oi meu amor, estou aqui. Como você está ein? Correu tudo bem?
— Sim. Onde está o Aidan? — ouço a pergunta que mais temia e
suspiro fazendo uma pausa antes de responder.
Ela é nova demais para receber um baque tão grande como esse. Se
nem nós adultos sabemos lidar com uma notícia de suicídio, imagine uma
criança como ela. Quantas perguntas ela não vai ter para me fazer?
Quantas vezes ela não vai pedir para o Aidan explicar para ela o motivo
dele ter tentado fazer isso?
— O Aidan… Está descansando um pouco, logo, logo você vai poder
ver ele, e vamos ficar todos bem — explico.
— Por que está chorando? — ela pergunta levando a mão ao meu
rosto e eu sem conseguir segurar o choro, soluço cobrindo o rosto.
Se ela soubesse o quanto estou cansada. Foram tantas coisas em
pouco tempo, nem sei o que eu vou dizer para ela se o Aidan demorar
para voltar, nem como lidar com a família dele ou com a minha quando
descobrirem que Aidan simplesmente entrou com processos contra
minha mãe e contra Addam.
— Pensei que fosse perder você para sempre — confesso enquanto
ela segura minha mão.
Olhar para Lya deitada nessa cama e não num caixão, é como voltar
a respirar novamente apesar de tudo. Em meio ao caos, sei que ela
apesar de tão pequena vai me dar a maior força, como está fazendo
agora mesmo sem entender.
Rosalya com certeza teria orgulho da filha que tem.
— Tia Jane, você quer que eu dê um espacinho para você deitar aqui
e descansar também? — Lya pergunta inocentemente e eu sorrio.
— Não meu amor. Estou mais que bem — acaricio seu pequeno
rostinho gravando seus traços em minha memória — Você está aqui, isso
que importa. Logo, poderemos voltar para casa, é só uma questão de
tempo agora — explico para ela — Eu te amo tanto pequena — Lya me
olha surpresa.
— Igual uma mãe?
— Igual uma mãe — me emociono e ela sorri.
Ryan aparece na porta anunciando que o horário de visitas já acabou
e dou uma última olhada nela.
— Agora preciso ir, amanhã eu volto.
— O Aidan também vem amanhã?
— O Aidan…
— O Aidan ficou doente, ele está num quarto aqui num dos andares
do prédio, depois se quiser, posso te levar lá quando ele acordar, o que
você acha? — Ryan diz notando que não sei o que falar para ela.
— Pode ser! Quando ele vai acordar?
— Daqui um tempinho, por isso você precisa se alimentar direito,
para se recuperar e podermos ir lá — Ryan explica para ela
atenciosamente — E você também ruiva, hora de descansar, vocês dois
tiveram um dia cheio hoje — Ryan diz colocando a mão na minha barriga
— Se eu conseguir notícias do Aidan, eu ligo — Ryan diz me
acompanhando até o elevador e eu acabo por concordar.
Na recepção, Willa me espera com Amanda. Elas se levantam assim
que me vê esperando notícias.
— A Lya está bem, graças a Deus — digo enquanto elas me
abraçam juntas — E o Aidan… — me interrompo com um soluço e Willa
me abraça forte.
— Calma ruiva, ele vai ficar bem, você vai ver — ela diz me
acompanhando para fora do hospital onde Kurt nos espera no carro.
— Kurt, leva a Jane para casa — Willa pede e arqueio a
sobrancelha.
— Você não vai? — ela nega.
— Não. Minha mãe e minhas irmãs estão lá. Elas já estão sabendo
do suposto testamento que o Aidan deixou. Eu guardei na última gaveta
do criado mudo do quarto do Aidan, a chave do quarto dele, deixei no
quarto da Lya, de baixo do travesseiro dela, Caso você queira ler a carta
que ele deixou. Só não entrega para a Dahlia, nem para minha mãe —
Willa diz fechando a porta do carro e eu troco olhares com Amanda — Já
o processo da sua parte da Herança e a divisão do valor do apartamento
que você quitou com o seu ex noivo, eu assumi o caso, mais tarde eu te
atualizo — Willa me lança uma piscadela.
— Tudo bem, eu vou com você até lá — Amanda suspira como se
estivesse se preparando para uma guerra.
|62|
|“A mesma cama, mas ela parece um pouco maior agora. Quando
falam sobre você, tudo isso só me deixa mal, porque meu coração se
parte um pouco quando ouço seu nome. E isso me assombra toda vez
em que fecho meus olhos” When I Was Your Man / Bruno Mars.

— Amanda, sem briga tá — aviso num suspiro assim que


adentramos os grandes portões do casarão.
— Não vou falar nada, só vou me certificar que ninguém vai atacar a
nova dona da herança do Aidan — ela dá os ombros prendendo seus
cabelos pretos num rabo de cavalo.
Descemos do carro para que Kurt possa estacionar e caminhamos
até a porta de entrada, e antes mesmo que eu gire a maçaneta, a porta
se abre revelando Dahlia — Quem é essa aí? — ela pergunta de cara se
referindo á Amanda.
— Boa noite — cumprimento Trace e Sky ignorando Dahlia que vem
atrás de mim.
— Como meu irmão está? — Dahlia pergunta.
— O estado dele é instável — Amanda responde e assim que
Joanna nota minha presença, a mesma vem até a sala onde estamos e
me entrega um copo com água e um comprimido.
— São para enxaqueca senhorita Johnson — ela diz e eu agradeço
num gesto de cabeça.
— Onde Willa guardou os papéis que ele deixou? — Dahlia pergunta
e Joanna se vira para trás notado se referir a ela.
— Eu não sei senhorita, ela os guardou. Estavam no nome da Jane
— Joanna responde e Dahlia faz sinal que ela saia dali.
— Como você está Jane? — Trace pergunta pegando o copo para
mim, repousando o mesmo no aparador de copos do sofá, notando o
quão avoada estou.
— É óbvio que ela está mal né mamãe — Sky responde por mim
cruzando os braços.
— Eu sei Sky, só estou tentando conversar — Trace repreende Sky
que dá os ombros.
— E eu querendo saber onde estão aqueles benditos papéis do
testamento do Aidan — Dahlia revira os olhos.
— Willa deve ter os guardado — respondo.
— Ou entregado a você e você escondido — Dahlia retruca.
— Senhorita Johnson, quer que eu prepare seu banho? — Joanna
pergunta.
— Não Joanna, eu só vim dar uma passada aqui para falar para elas
sobre Aidan. Vou ir dormir lá com a Amanda — respondo me levantando.
— Por que vocês duas não ficam? Amanhã o Kurt leva vocês.
— Desde quando você prepara o banho para a Jane? — Dahlia
desdenha e Joanna acaba por se alterar com ela.
— Desde que ela tem se responsabilizado por tudo o que tem
acontecido aqui, e como o próprio senhor Whitmore ia deixar o
testamento de casa e bens para ela, creio eu que devo honrar quem ele
honraria — Joanna responde como se aquela resposta já estivesse
pronta e na ponta da língua para ser direcionada a Dahlia que ergue a
sobrancelha e balança a cabeça.
— Você deveria honrar a família dele — Dahlia retruca — Não
uma… Babá.
— Acontece que Jane, está esperando um filho do Aidan, e ela
sempre foi mais que uma Babá aqui — enquanto Amanda fala Trace e
Dahlia parecem que vão infartar, e Sky ergue a sobrancelha abrindo um
sorriso para mim alegre pela notícia.
— Ótimo, mais um golpe — ouço Dahlia dizer — Eu sabia mamãe,
sabia que tinha algo entre os dois.
— Engraçado que você sempre sabe das coisas né — retruco —
Você também sabia que a Rosalya foi estuprada e que a Lya não é um
golpe que ela quis dar no Aidan? — assim que retruco Trace ergue a
sobrancelha surpresa — Escuta bem o que eu vou falar, EU NÃO
QUERO NADA QUE VENHA DE VOCÊS. NEM DINHEIRO, NEM CASA,
NEM CARRO. Se é isso que vocês querem, eu espero que supra todas
as necessidades de vocês, porque se todos esses bens me fizerem
alguém como você — aponto para Dahlia, — Prefiro morrer sendo
apenas uma Babá. O Aidan não morreu, então se você só está aqui
devido à bosta daquele testamento, você já pode ir embora — me
pronuncio pela primeira vez abrindo a porta levando a mão até a testa por
conta da dor de cabeça e ao notar que ela permanece no mesmo lugar,
me direciono até a escada, onde subo acompanhada de Amanda.
— Nossa que mulherzinha chata — Amanda comenta e entro no
quarto que era o meu, me sentando na cama, noto também que Joanna
subiu conosco.
— Onde Willa o encontrou? — pergunto.
— Jane, não — Amanda me repreende de entrar neste assunto e eu
faço um gesto para que Joanna diga.
— No quarto. No banheiro do quarto dele — Joanna responde e me
levanto, me direcionando até lá — Jane, por Deus, você precisa
descansar — ignoro ela e pegando a chave do quarto dele, entro lá.
— Vocês podem me deixar sozinha um pouco? — peço.
Elas negam.
— Jane querida, por favor, não se culpe — Joanna entra no quarto
ao lado de Amanda junto comigo e eu balanço a cabeça.
— Eu só queria sentir o que ele estava sentindo. Só queria entender
por que deixou essas coisas para mim. Ele pensou que isso me
confortaria? Achou que eu ficaria nessa casa? Mandando nos criados
dele? Feliz com a herança que meu pai deixou para mim depois de todos
esses anos? — cubro o rosto tentando segurar o choro, porém desabo
me sentando na cama dele ao lado de Joanna.
— Claro que não querida. Ele deixou para você porque você foi
alguém mais próxima do que a família dele — Joanna me consola — Mas
se for para você ficar aqui se culpando pelo que aconteceu, prefiro que
você vá com sua amiga. Eu só quero que saiba que eu sempre te vi como
o braço direito do senhor Whitmore, e se ficar, eu não permitirei que a
irmã dele te ataque como se você fosse uma ninguém.
— Só vou pegar algumas coisas da Lya para levar amanhã para o
hospital e vou embora — respondo.
— É melhor assim — Amanda concorda com minha ideia.
Antes de sair novamente do quarto de Aidan, eu abro seu guarda-
roupa e pego uma das poucas camisetas que ele tem ali. Joanna aperta
meu ombro num gesto solidário e eu em seguida caminho até o criado
mudo onde Willa havia guardado os papéis. Tem uma pequena pasta e
eu a guardo de baixo do braço antes de deixar o quarto.
— Nunca mais quero entrar aqui Joanna, nunca mais — digo
fechando a porta atrás de mim.
|63|

— Não pode ficar doze horas do seu dia no hospital sorrindo para a
Lya e as outras doze horas encarando essa pasta que o Aidan deixou
para você — Amanda me repreende assim que a encontro na recepção
do hospital segurando a pasta com os papéis — Se não quer ler a carta
que Aidan deixou para você, por que não a joga fora de uma vez? — ela
questiona.
— Eu não vou ler, hoje vou conversar com o advogado, para devolver
tudo para o nome do Aidan — respondo num suspiro, caminhando com
ela até a cantina.
— Como está a Lya? — Amanda pergunta.
— Ela tem respondido bem ao transplante, está vez mais apreensiva
para ver Aidan e mesmo que já tinha passado duas semanas desde que
tudo aconteceu, ele ainda não tem apresentado nenhuma melhora
significativa. E logo, Lya volta para casa, e é disso que eu mais tenho
medo. — comento e ela assente fazendo um pedido enquanto procuro
com os olhos, um lugar na praça de alimentação para podermos nos
sentar.
Eu não quero voltar naquela casa, não depois de tudo o que já
aconteceu ali. Pode ser que seja besteira, mas para mim, não existe mais
a hipótese de entrar naquele lugar.
Posso estar traumatizada, que seja, mas nada vai me fazer voltar ali.
Nem a Lya, nem ninguém.
— Não sei o que fazer, quando a Lya tiver alta — confesso — Ela tem
alta no final da semana.
— Por que você não vende aquela casa? — Amanda dá os ombros —
Está tudo no seu nome agora, basta você assinar.
— As coisas não são bem assim. A casa é do Aidan, eu não posso, ir
lá e vender simplesmente porque ele cometeu um equívoco. Além do
mais, hoje vou devolver tudo para o nome dele. Não quero as irmãs dele
falando que dei golpe.
— Da mesma forma ele vai precisar vender amiga, você não vai mais
querer ir morar lá. Vai ter que vender agora ou depois.
— Mas lá é a casa dele — suspiro.
— E que logo, logo, vai se tornar a casa de vocês. Amiga, eu sei que
o que aconteceu, poderia ter sido muito pior do que está agora, mas você
precisa levantar sua cabeça. O Aidan não morreu e você está deixado o
que poderia ter acontecido com ele te consumir. Olha, a Lya está bem,
vocês vão ter um bebê, agora você está rica, até preparam banhos para
você, o Aidan vai se recuperar e vocês vão comprar uma casa nova linda
para família de vocês. Por que me parece que você está querendo parar
de lutar?
— Você tem noção do que é andar para lá e para cá, o dia inteiro
segurando uma pasta cheia de papéis que dizem que agora você é dona
do patrimônio de alguém que você conheceu em menos de três meses?
Alguém que tentou se matar e deixou uma carta para você, mas que está
vivo, e você simplesmente não sabe o que é pior, ler e saber o motivo de
tudo aquilo ou não ler e ver a culpa nos olhos dele, quando ele acordar e
perceber o quanto de coisa ele iria deixar por uma atitude precipitada.
Você não sabe o que estou sentindo. Você não sabe o que aconteceria
se ele realmente tivesse morrido. Amanda, você não sabe o tamanho da
barra que estou segurando para não largar tudo e desaparecer, mas eu
simplesmente não posso fazer isso, por que eles são tudo o que tenho, e
não consigo medir o tamanho da dor que eu estaria sentindo agora se
tivesse perdido os dois. Sinto como se ele não ligasse em me deixar
sozinha, como se não importasse para ele morrer e me deixar aqui
vivendo um luto duplo, com tudo dele sendo passado para o meu nome, e
o pior de tudo, é que eu não posso falar isso para ele quando ele acordar,
porque não sei o que ele estava sentindo esse tempo todo.
— Por que você não lê a carta? — Amanda bufa, mas balanço a
cabeça negativamente — Jane, não foi por sua causa. Você precisa
saber disso — continuo a balançar a cabeça para ela — Você está se
torturando por uma coisa que você não teve culpa estar no meio. Ele não
tinha como saber que a Lya ia se recuperar, e você não tinha como saber
o que ele iria fazer. Por que não quer pegar a droga da carta, ler de uma
vez, jogar fora e seguir em frente?
— Porque não vou conseguir ficar depois de ler ele me dizendo
adeus, quando ainda estava comigo.
— Mais um motivo para ler essa carta. Se você foi forte o suficiente
para deixar o Aidan entrar na sua vida, você precisa ser forte para deixá-
lo ir.
— Mas eu não quero — solto um soluço cobrindo o rosto.
— Você precisa se curar, e talvez essa carta, seja o que você precisa
— Amanda abre a pasta e me entrega a mesma me incentivando a abrir.
— Jane, o quadro do senhor Whitmore, apresentou melhoras. O
médico autorizou visitas. Achei melhor te avisar primeiro, caso queira vê-
lo antes que eu entre em contato com a família dele — Ryan anuncia
apressado, se aproximando da nossa mesa na praça de alimentação —
Você quer visitá-lo agora? — assinto antes dando uma última olhada para
Amanda e pego a carta acompanhando Ryan até o elevador.
|64|
|“Eu estou realmente encurralado desta vez, nunca deveria ter dito
adeus, mas talvez seja isso que as pessoas estúpidas fazem.Porque
você me deu paz e eu a desperdicei. Eu estou aqui para admitir que você
era meu remédio. Obrigado pelo ano mais feliz da minha vida” Happiest
Hear/ Jaymes Young.

— Está tudo bem com você? — Ryan pergunta antes de me dar


passagem para entrar no quarto eu respiro fundo antes de fechá-la atrás
de mim, encontrando pela frente Aidan, deitado sobre a cama.
Gelo, como se depois de duas semanas, eu tivesse me esquecido de
como ele era. Do seu rosto, da barba por fazer, das tatuagens sobre seu
braço.
Sento-me na poltrona ao lado do leito onde ele está e o barulho dos
aparelhos ligados a ele, toma o ambiente.
Fico muda, não consigo dizer nada, apenas chorar ao vê-lo na
situação em que está. Ele realmente me deu o maior susto e o pior, é que
não sei quando ele vai acordar para me acalmar.
Hoje foi o último dia em que eu ainda tinha alguma força para
aguentar sem ele essa barra toda. Aconteceram tantas coisas.
Se ele ao menos soubesse que a filha dele está viva, que estou
esperando um bebê, ele ficaria tão feliz.
Respiro fundo enquanto seguro fortemente o envelope em minhas
mãos.
Desde que Joanna me entregou com os papéis do testamento, que
ele deixou tudo próximo onde tudo aconteceu, não tive coragem de abrir.
Sei que ele vai ficar bem, não quero abrir todos esses papéis, ler isso
que ele deixou para mim, como se eu nunca mais fosse vê-lo, eu não
quero pensar na hipótese de vê-lo partir. Mas parte de mim quer ler cada
letra escrita pela caligrafia dele, parte de mim quer saber tudo o que ele
estava sentindo em todo esses dias.
O que ele vai pensar quando descobrir que estou grávida dele? Que
vamos ter um filho? Será que ele vai gostar? Ou será que vai ver como
um fardo? Um fardo que não vai mais separar a ligação que tivemos,
mesmo que ele quisesse.
Cubro o rosto chorando baixinho, como se meu soluço fosse acordá-lo
do sono profundo em que está e abro o envelope, encontrando a folha de
pólen Soft perfeitamente dobrada.

Jane,
Eu não consigo pensar em nada agora.
Não vou transformar essa folha nem o que está escrito nela em
lamentações ou em puro sentimentalismo. O intuito dessa carta é te
tranquilizar nem que seja um pouco.
Você pode me odiar mesmo que eu peça o contrário agora, mas quero
que saiba que eu não estou sendo egoísta. Estou fazendo o que é melhor
para mim. Essa carta é o seu alvará de liberdade ruiva, você deve e
precisa sair do meu mundo e voltar para o seu.
Eu e a Lya seremos para sempre gratos.
Quando essa carta acabar, jogue fora. Eu não quero me tornar um
pedaço de papel e uma caligrafia tremida. Em hipótese alguma fique com
algo que é meu. Não se prenda. Acredito que está lendo essa carta
depois do meu enterro então cruze os dedos agora, e leia em voz alta:
“Eu te prometo Aidan, que essa foi a última vez que usei preto na
vida. Fico muito mais linda de amarelo”.
Eu já sinto sua falta escrevendo isso.
A WTM agora é exclusivamente sua. Eu já cuidei de tudo o que você
precisa para seguir em frente. Mantenha-se firme diante das minhas
irmãs. Diante da sua mãe, diante do Addam.
. Faça o que bem entender com a minha casa, com meus carros, com
meus funcionários. Você tem direito sobre tudo isso agora, basta assinar
os papéis que estão com você.Minha irmã Willa, irá te ajudar, confie
apenas nela.
Não se diminua quando se perguntar por quê fiz isso. Você foi o
melhor para mim em todo o tempo, e agora quero que viva o melhor, que
tenha o melhor e que continue dando o seu melhor.
Só de saber que não estarei aí quando estiver lendo isso, e saber
ainda mais que deve estar sofrendo, tenho mais certeza de que fui o
homem que tirou a sorte grande no momento errado.
Tenho sorte sabia? Em ter tido a chance de conhecer uma mulher tão
corajosa como você. Eu só queria uma segunda chance, de começar
tudo de novo, sem dor, sem precisar ver o seu desgaste por nós. Isso era
tudo o que eu mais queria, uma segunda chance para te amar melhor e
construir uma história melhor.
Jane, eu quero que saiba que tudo o que você fez até aqui, não foi em
vão. Eu não poderia ter escolhido alguém melhor para cuidar da Lya do
que você. Por favor, não deixe o que você está sentindo agora consumir
o que você carrega de bom dentro de você. Você é persistente, sempre
tem uma razão para continuar lutando e é o quero que continue fazendo.
Viva a perda se for preciso, mas quando isso passar, não feche seu
coração para novos amores.
Conheça alguém que antes de te amar, te respeite, cuide de você,
mas reconheça que antes dele, você já sabia se defender sozinha.
Alguém que te coloque do lado, não em baixo. Alguém que te dê flores,
que seja seu amigo antes de se tornar amante, alguém que veja seu
sorriso como uma missão, alguém que te toque toda vez como se fosse a
primeira, alguém que seja sua rotina preferida.
Eu te vejo casando e acompanhada de madrinhas vestidas de
amarelo, sendo esposa, mas sendo bem sucedida e independente.
Sendo a mãe mais coruja de todos os tempos, sendo amada tão
profundamente e eu juro que se eu tivesse uma chance de começar de
novo, eu faria isso milhões de vezes mais, eu te amaria melhor e seria o
seu maior apoiador e admirador.
Quando essas linhas acabarem, quero que você volte para o seu
mundo, eu não quero você toda triste pelos cantos, eu quero que você
saiba que foi amada com todas as forças que eu tinha e que se eu
tivesse uma segunda chance para começar tudo de novo eu voltaria até a
Times Square e atravessaria aquela faixa de pedestre bem em frente ao
seu carro novamente.
— Com amor Aidan — ouço a voz dele que me observa da cama onde
está e eu soluço cobrindo o rosto jogando a carta no chão me
aproximando dele no mesmo instante.
|65|
|"A única coisa que quero e nada mais, é ouvir você bater na minha
porta, porque se pudesse ver seu rosto mais uma vez tenho certeza que
eu morreria sendo um homem feliz" — All I Want/ Kodaline

Mais de uma semana sem ouvir o som da voz dele, sem ao menos
poder ver como ele estava, ou poder observá-lo dormir.
Qual seria a sensação de não poder fazer isso nunca mais?
De não poder nunca mais ver a pessoa que você ama? Á sete
palmos abaixo dos seus pés?
— Diga que está bem, que está tudo bem agora — peço ainda
tentando processar o que li na carta.
Sei que ele ainda está tentando digerir o que aconteceu com ele,
mas preciso que ele me diga que está mesmo ali, que vamos ficar bem
agora, que tudo isso vai acabar, e que poderemos ter nossa segunda
chance.
Eu estive á espera disso há muito tempo. Estive com medo por muito
tempo. Eu só quero acordar desse pesadelo agora.

Acordar.
Abrir os olhos e ver que o inferno tem som de uma máquina de
detector de batimentos cardíacos foi como se decepcionar por esperar
algo melhor.
Olhar para o lado e ver a moça dona de um lenço florido sobre a
cabeça, olhos marejantes focados numa folha de pólen soft de que
planejei escrever na intenção de acalmá-la e vê-la a cada palavra, ficar
cada vez mais desesperada, me faz querer morrer de novo.
Esperei por desespero, castigo e dor. Mas nunca imaginei que a
primeira coisa que fosse ver depois que partisse, seria a Jane.
A não ser que nesse exato momento, eu esteja passando na triagem
para o inferno e estivesse tendo que ver, como ela está neste exato
momento.
Mas se isso for o céu ou o inferno, quero continuar aqui pelos
minutos que eu conseguir me manter acordado.
Minha visão ainda está turva e me sinto fraco, muito fraco, como se
tivesse faltado apenas um fio para eu fechar os olhos e não acordar
nunca mais.
Noto que ela acompanha com o dedo sua leitura. Com toda a
certeza, a pior coisa que já deve ter lido.
— Com Amor, Aidan — solto todo ar dos meus pulmões para
impulsionar a frase para fora, chamando a atenção dela assim que ela
termina de passar o dedo pela última linha, e ela me olha prendendo o ar,
se aproximando de mim no mesmo instante.
Lembro-me bem como foi doloroso escrever essa última frase, o
último contato que eu teria com ela, mas posso tocá-la agora, e sentir o
cheiro do seu óleo corporal sobre o pescoço enquanto ela tenta de
alguma forma me abraçar, quebrando a agulha no meu braço interligada
num acesso de soro.
Eu não a julgo e nem de dor consigo gemer.
Mas posso sentir seu toque.
É ela. Eu sei que sim.
— Diga que está bem, que está tudo bem agora — dessa vez ela
toca meu rosto como se estivesse me gravando novamente na mente
dela.
Como saber se estou mesmo aqui e agora ou apenas num sono da
morte?
Não consigo reunir minhas últimas memórias, só consigo olhar para
ela e tentar de alguma forma não fechar os olhos para não perdê-la de
vista. Quero que ela fique. Para sempre, mas estou fraco demais para
segurá-la, quando ela dá as costas e vai até à porta saindo pelo corredor.
— J-Jane — tento chamá-la, mas minha voz sai baixa e em seguida,
vejo três enfermeiros entrarem no quarto, dando-me meu veredito.
Ouço eles conversarem entre si e uma luz é apontada na direção dos
meus olhos.
— Senhor Whitmore? Você consegue me ouvir? Consegue me falar
seu nome completo? — ouço meu nome como no final de um túnel.
— Aid… Aidan… Whitmore…
— Consegue me dizer sua idade?
— Trinta.
— Você ficou doze dias em coma, consegue se lembrar o motivo? —
faço uma pausa antes de responder, como se a pergunta fosse um
gatilho que acabara de ser apertado, e olhando para Jane, no canto do
quarto observando os médicos me examinarem, consigo me lembrar do
que me trouxe para cá. E o pior de tudo, é que eu não queria me lembrar
de mais nada disso.
— Lembro.
Fecho os olhos sentindo eles pesando, me forçando a entrar em um
sono profundo novamente.
— Senhor Whitmore? Você pode abrir os olhos? Preciso que fique
consciente comigo certo? Você está se sentindo fraco por conta de uma
lavagem que fizemos no seu estômago, em pouco tempo você vai se
sentir um pouco melhor. Confie em mim — a médica diz no segundo
seguinte após eu fechar os olhos — Vamos transferir você para o quarto.
Você irá receber visita dos seus familiares e da sua filha nas próximas
horas. Se sente preparado?
Filha?
— Filha?
— Sim. Consegue se lembrar? Você tem uma filha de cinco anos,
está de repouso neste hospital, ela fez uma cirurgia para receber o
transplante de medula, aquela é Jane Johnson, mãe do seu bebê, vocês
vão ter um filho, o senhor consegue se lembrar dela? — enquanto a
médica fala pausadamente para que eu possa processar tudo o que ela
me diz, eu olho para Jane, que assente para tudo, me confirmando, como
se quisesse me dizer “É real Aidan, isso é real.” enquanto as lágrimas
escorrem de forma rápida sobre o rosto dela e sobre o meu.
Esse é o meu veredito? Uma segunda chance?
|66|
|“Pegue, pegue tudo e comece de novo. Você tem uma segunda
chance, você pode ir para casa, ainda pode ser o que você disse que era
quando te conheci. Você tem um coração afetuoso, tem uma alma linda.
Você tem uma segunda chance agora, era só medicamento.” Medicine /
Daughter.

Após sair do quarto sendo acompanhada de um enfermeiro auxiliar,


enquanto a médica metralhava Aidan com algumas informações sobre a
própria vida dele. Sobre a filha que ele achava estar morta e sobre eu
estar grávida de um filho dele, fui orientada que no fim da tarde, ele
poderia receber visitas, mas apenas de três pessoas, por cinco minutos.
Não poderíamos falar sobre o que aconteceu, perguntar o por quê
dele ter feito aquilo, nem culpá-lo. Apenas o ver e falar sobre algo que ele
gostava muito. Porque geralmente quando uma pessoa tenta se matar,
ela não fica muito feliz quando isso não dá errado.
Anoitece e a capacidade de Trace, Dahlia e Willa, de implicar uma
com a outra, cresce até a hora das visitas chegar. Mas a hora da
visita, não chegou, e enquanto elas brigam por um lugar na lista das
visitas, só consigo pensar em como ele deve estar agora após receber
esse baque, sem aviso ou muito menos sem cerimônia. Descobrir que
Lya não morreu, e que estou esperando um filho na mesma hora.
A médica que cuida do caso dele aparece finalmente se direcionando
a mim e sorri para as outras que se calam perante ela.
— Infelizmente as visitas foram canceladas á pedido do paciente —
antes que Dahlia crie um barraco perante a médica, ela prossegue —
Peço que vejam o caso dele como algo delicado. Ele solicitou apenas a
presença da senhorita Johnson durante os quinze minutos de visita.
— Mas ela já não viu ele? — Dahlia retruca.
— Sim. Compreendo que todas querem vê-lo depois desse tempo,
mas essa foi a escolha dele e peço que respeitem até que ele queira.
Como sabemos o caso dele não é qualquer caso e ele ficará sobre
observação, até que a alta venha da psicóloga que tomará a decisão
junto de um psiquiatra. Senhorita Johnson, acompanhe-me. O restante,
pode esperar ela na recepção localizado no térreo do prédio — dito isso
ela dá as costas sem que elas possam questionar e eu a acompanho
dando passos largos.
Antes de entrar no quarto, a médica me passa as orientações
novamente e como se fosse a primeira vez que eu fosse conversar com
Aidan Whitmore, me sinto insegura, com medo de dizer qualquer besteira
e acabar com tudo.
O quarto em que ele está, parece ser bem mais aconchegante, e
pelas janelas dá para ver a noite fresca e o céu estrelado lá fora, a TV
está num volume mínimo num canal aleatório de culinária. Está passando
Master Chef. Será que foi ele quem escolheu esse canal?
Talvez não. O controle remoto está longe demais para ele poder pegar
e se ele tivesse mesmo assistindo, aumentaria mais o volume, já que não
dá para ouvir nada que os participantes estão falando.
— Não vai dizer nada? — ouço a voz dele quebrar o silêncio entre nós
dois.
Sua voz, mostra que ele está um pouco melhor. Consegue falar sem
se atrapalhar nas palavras, sua fisionomia está menos cansada e ele não
usa mais um respirador, nem um detector de batimentos.
— Eu não posso falar nada que realmente quero falar. Tenho tantas
perguntas — respondo e ele ergue a sobrancelha.
— Você está mesmo grávida? — ele é direto como se tivesse
ensaiado essa pergunta o dia inteiro.
— Sim, Aidan.
— Desde quando? — ele diz alcançando minha mão, apertando a
mesma e meus olhos lacrimejam no mesmo instante.
— Eu descobri há pouco tempo.
— Então é verdade sobre a Lya? Ela está viva? — confirmo com a
cabeça e vejo seus olhos lacrimejarem — Por Deus — vejo seus lábios
tremerem enquanto ele segura um soluço — Sinto muito por isso, por…
Por ter…
— Você não tinha como saber.
— E também não tenho como saber como você tem estado nesses
dias. Por Deus Jane, eu não consigo mensurar como sua cabeça está em
todos esses dias, nesses quase três meses… Em toda a merda que
aconteceu desde que você me conheceu — balanço a cabeça.
— Aidan, pare de se culpar. Eu… Estou feliz por você estar aqui.
Estou feliz pela Lya ter conseguido sair daquela situação, estou feliz
porque vou ter um bebê. Eu… Eu vou ser mãe! Consegue enxergar que
tudo aquilo que estava naquela carta, você me deu? Eu… quer dizer, só
não o casamento, e as madrinhas vestidas de amarelo ou
uma mulher bem sucedida, mas… Nossa será que você consegue ver
que… Todos os pedidos que você desejou para mim, está realmente
acontecendo? Você está tendo a sua segunda chance. E eu só quero te
pedir uma única coisa, por favor, nunca mais nos deixe sozinhos. Nunca
mais entendeu? — digo é percebo que comecei a tagarelar como a Jane
de antigamente faria e solto uma risada enquanto ele me observa com os
olhos cheios de lágrimas.
— De onde vem essa força toda Senhorita Johnson? — ele sorri para
mim com a mão por cima da minha sobre a cama — Eu só consigo te
admirar cada vez mais. Você é a mulher que estive sempre á espera. A
única coisa que eu mais quero é ir para casa, ficar bem e me tornar um
homem melhor, um homem que possa cuidar de uma mulher incrível
como você. — o vejo se sentar na cama e bater em seu colo para que eu
deite minha cabeça ali e eu faço — Quero que você volte para casa hoje,
deite sua cabeça no travesseiro e durma bem. Podemos fazer esse trato
por enquanto?
— Estou exausta — choramingo assentindo.
— Sei que sim, mas vou cuidar de você amor, espere só eu sair daqui.
Vou cuidar de todos vocês. De você, da Lya, do nosso bebê… — ele diz
enquanto balanço a cabeça o escutando falar.
— Podemos ver outra casa? Eu não quero voltar para aquela.
— Sim. Compraremos outra casa, do jeito que você quiser. E ao invés
de portões de ferro, ela pode ter cerca branca. Você gosta de cerca
branca?
— Sim, eu acho fofinho.
— Então vamos atrás de uma casa assim — ele diz — Você pode me
esperar amanhã em casa? Não quero que volte para cá.
— A Lya ainda precisa ter alta, eu preciso vir assinar algumas coisas
— explico.
— Eu tento resolver. Vou ver com Joanna o que ela pode fazer. Só
quero que você fique em casa descansando. Pode ser? — acabo por
concordar e volto á minha posição na cadeira quando a médica abre a
porta anunciando o término da visita.
Levanto-me, mas ele me segurar pelo pulso — Pode nos dar cinco
minutos? — Aidan pede e a médica assente voltando a fechar a porta.
O mesmo se senta na cama, colocando as pernas para fora da cama
e eu em pé me coloco no meio delas enquanto ele me puxa pela cintura
colando nossas testas e o silêncio entre nós se instala, como se fosse o
nosso primeiro beijo.
Fecho os olhos na espera de que ele me beije desesperadamente,
mas ele sela nossos lábios tão calmamente e sem pressa, que posso
sentir seus lábios ressecados envolverem os meus quase que em câmera
lenta e sinto uma descarga elétrica percorrer meu corpo, como se eu
estivesse na reserva há muito tempo e ele estivesse me religando como
um combustível.
Agarro sua nuca e ele me puxa para sentar em seu colo intensificando
o beijo, entrelaçando a língua na minha e eu arfo demonstrando o quanto
eu teria coragem de ser dele, naquela cama de hospital.
Quebro o beijo para respirar e colocar a cabeça no lugar. Aidan faz
uma trilha de beijos molhados pelo meu pescoço e busto, mas eu o paro
sentindo já o mesmo duro por debaixo da roupa fina do hospital e o vejo
sorrir malicioso para mim que volto a pegar minha bolsa.
— Volte logo para casa — digo e ele assente.
— Me espere só até amanhã. — ele diz antes que eu saia pela porta
— Eu te amo amor.
— Eu também te amo — digo saindo pela porta tentando esconder o
sorriso bobo da doutora.
|67|
|“E os braços do oceano estão me segurando e embora a pressão
tenha sido difícil de aguentar, os braços do oceano agora estão me
segurando” Never Let me Go / Florence + The Machine.

Existe um período da nossa vida, que costumo chamar de alto mar e


geralmente, passamos sozinhos por essa fase.
É como se nossa vida fosse um pequeno barquinho, que fica bem na
margem, mas que acaba se desancorando e afastando-se da margem,
parando á deriva em alto mar.
Se você for um bom marinheiro, vai sobreviver bem às tempestades
que vierem, mas se você não tiver muita experiência, vai acabar
perdendo seus suprimentos a cada onda pesada que vier, suas velas
serão destruídas com o vento forte que pode surgir e você acabará em
cima de um pedaço de madeira só esperando sua hora chegar.
Nós nunca estamos preparados para lidar com novos problemas. Mas
se tem algo que aprendi ao longo de tudo o que aconteceu comigo. É que
tudo o que acontece com você, não é maior que o seu barco pode
suportar. Mesmo que você acabe em cima de um pedaço de madeira
depois da tempestade, você vai chegar em terra firme.
Penso isso enquanto encaro o teto onde os raios solares de um novo
dia batem.
— É um verdadeiro milagre ver Jane Johnson deitada às dez da
manhã. Bateu com a cabeça aonde? — Amanda brinca me trazendo café
na cama.
— Não precisava ter trazido, eu já ia me levantar — digo me
sentando na cama — O hospital ligou?
— Nada de pensar em hospital hoje. Agora é hora do café das
duas pessoinhas mais importantes para a tia Nanda — ela diz
acariciando minha barriga.
— Tia Nanda? — arqueio a sobrancelha.
— Sim, Jane, meu nome de tia boazinha — ela diz e eu dou risada
balançando a cabeça — Não vejo a hora de descobrirmos o sexo do
bebê, quero fazer uma tatuagem em homenagem a vocês — eu finjo
engasgar com o café — Qual é? Não acha que já passou da hora de
você ganhar um espacinho aqui? — ela aponta para seu braço cheio de
traços.
— O que aconteceu com a Amanda? — brinco.
— Escuta ruiva, nós somos amigas a mais ou menos quatro meses e
eu já até dopei você, uma tatuagem é só uma prova de que eu poderia te
matar se quisesse mas, você é especial para mim, minha tagarela..
Gargalho alto.
— Você é péssima em demonstrar sentimentos — respondo
agarrando ela para um abraço, mas ela se solta dele rapidamente.
— Não abusa não Jane.
A campainha toca e Amanda vai atender.
— Aidan? — ouço Amanda dizer surpresa.
Vejo ela dar passagem para Lya e eu me levanto no mesmo instante,
mas Lya sobe as pequenas escadinhas que levam até a cama pulando no
meu colo num abraço apertado.
— Lya? — arqueio a sobrancelha.
— Surpresa! — ela diz se sentando na cama ao meu lado.
Ela está de máscara devido á pós-cirurgia, veste roupas de frio e uma
touca.
— Estou de alta Jane — a pequena comemora e eu sorrio para ela
— O Aidan, me ajudou a escolher um presente para você — ela desata a
falar me entregando a caixa e Aidan faz um gesto para eu abrir.
— Nossa, quem deveria ganhar um presente de Boas-vindas eram
vocês dois — digo desamarrando o laço vermelho da caixa branca.
Tiro a tampa da caixa e sorrio.
— São seus cabelos, para você se sentir bonita de novo — Lya diz
apreensiva, esperando eu dizer algo, enquanto tiro a Lace de dentro da
caixa.
É exatamente da cor dos meus cabelos naturais, até mesmo o corte.
Aliás, desconfio serem os meus cabelos.
— São os meus cabelos? — pergunto e Aidan assente.
— Pedi para Amanda que guardasse para mim, antes de tudo o que
aconteceu — Aidan explica.
— Acordei no dia do meu aniversário? — brinco — Eu nem ao menos
lavei o rosto ainda — digo coçando os olhos — Vocês estão mesmo
aqui?
— Lya teve alta e eu consegui que me liberassem hoje também, mas
ainda preciso retornar com a psicóloga — ele explica — Posso vir te
buscar mais tarde? Só preciso ir resolver algumas coisas e depois volto
para te buscar.
— Tudo bem — aceito e Aidan beija minha a testa antes de ir.
— Cuide dela Amanda, só por mais alguns minutos — ela diz e ela
bate continência para ele.
— Certo chefe — Amanda brinca enquanto ele sai pela porta — Será
que ele vai te levar para um motel? Desses de rico? — reviro os olhos
para ela — Será que vai rolar sexo de reconciliação? — ela diz safada
escolhendo uma de minhas calcinhas e me entrega uma, fio dental.
Não respondo nada, apenas entro no banheiro me preparando para o
banho, sentindo o rosto corar.

Ainda me sinto deslocado depois que acordei. Mesmo que Jane diga
que está feliz, eu não estou.
Sinto-me completamente chateado pelo que fiz com ela. Mas após
uma conversa com a psicóloga sei que vai levar tempo para tudo voltar a
ficar bem dentro de mim.
Ir até a casa de Amanda e dizer “Cuide dela, só por mais alguns
minutos” é como se agora, tudo fosse realmente começar entre nós dois.
Quero recomeçar tudo de novo. Quero estar ao lado da Jane a todo
momento, não apenas nos bons. Quero conhecer ela em cada detalhe do
dia e cada fase que ela tiver durante a gravidez.
Não quero que ela precise nunca mais correr para a casa de Amanda
quando as coisas ficarem ruins e sim que corra para os meus braços.
Nunca vi Lya tão animada como hoje. Ela tem planos de presentear
Jane, e mimar ela como forma de agradecimento por tudo o que ela já fez
por nós.
Preciso ainda resolver algumas coisas com as minhas irmãs e pedir
para que Joanna contrate um corretor de imóveis para encontrar uma
nova casa o mais rápido possível.
Paro o carro em frente aos portões do casarão e caminho com Lya até
lá, cruzando o gramado que já está alto por falta de manutenção.
Minhas irmãs parecem balas de metralhadora que correm em minha
direção e faço um gesto para que não se aproximem tanto e me deem
espaço para falar.
Abraço minha mãe, que me beija na testa e me olha, checando se
está tudo bem mesmo comigo.
— Meu Deus querido, — minha mãe diz me abraçando novamente e
me sento para conversar com ela enquanto Joanna sobe as escadas com
Lya para ajudá-la no banho.
— Antes de qualquer coisa. Por favor, me deixem falar e depois
estarei disposto a ouvir o que for — digo já notando Dahlia se armando
contra mim — Eu primeiro peço desculpas pelo que aconteceu, estou
ciente de todo o transtorno que causei — digo e as quatro se sentam no
sofá.
— Tudo bem Aidan, você não tem que justificar. Estar nessa família
para qualquer um, é loucura — Willa diz sendo fuzilada pela minha mãe e
Dahlia.
— Não quero fazer parte dessa reunião, será que podemos nos falar
depois? Vou ajudar Joanna — Sky diz subindo as escadas antes que eu
peça para ela ficar.
— Mais alguém quer ir? — pergunto e elas negam — Sei que depois
que tudo aquilo aconteceu, vocês vieram para cá e agradeço por isso,
mas também sei que vocês não vieram por mim, mas pelo dinheiro.
Fiquei sabendo de tudo o que vocês falaram para Jane e que a Dahlia em
especial, queria os papéis que eu deixei. Fico extremamente feliz
pela preocupação de vocês com a herança da família. Mas o papai
morreu e deixou as ações da WTM para mim e não é minha obrigação
deixar elas para vocês. Essa casa está à venda agora e o dinheiro irá ser
a repartido entre mamãe, Dahlia e Sky. A Willa agora trabalha para mim
no setor jurídico da WTM e como minha advogada, ela está passando
todas as ações da WTM para o nome da Jane. Então tudo o que vocês
achavam ter, não é e nunca foi de vocês, e sim da mulher que vai se
tornar minha esposa e mãe do meu filho e da Lya. Agora, o que ela quiser
fazer com as ações, só diz respeito a ela — vejo Dahlia arregalar os
olhos a cada palavra que digo, minha mãe empalidece e Willa levantar de
braços cruzados, como se fizesse parte de uma gangue dona da porra
toda.
— Como você tem coragem de rebaixar sua família à nada? — Dahlia
diz boquiaberta — Você quer repartir uma casa que foi comprada pelo
dinheiro da nossa família?
— Meu dinheiro — corrijo — Essa casa foi comprada com os
investimentos que fiz na WTM. A Empresa que era da família, mas que
depois que o vovô e o papai morreram, foi jogada nas minhas mãos com
uma bomba, porque ninguém mais via futuro nela e que se deixasse por
vocês, simplesmente fechariam e gastariam todo o dinheiro sem freio —
respondo, mas Dahlia balança a cabeça discordando de tudo.
— Não vou aceitar uma palhaçada dessa. Aquela bruaca te deu o
golpe da barriga e você caiu como um idiota — ela retruca para mim se
levantando irritada.
— Bom, qualquer objeção que você tenha a fazer, abra um processo
contra mim que a minha advogada vai resolver — finalizo o assunto
apertando o ombro de Willa e subo as escadas atrás de Lya.
Espero ela terminar o banho e vestir roupas limpas, agradeço Joanna
que já fez nossas malas e peço um momento a sós com Lya que se senta
na cama e balança seus pés.
— Precisamos ter uma conversinha senhorita abelhinha — digo me
sentando ao lado dela que assente hesitante.
— É bronca? — nego soltando um riso.
— Não pequena. Eu preciso te contar algumas coisas antes de ir
buscar a Jane. Como você deve saber, o papai gosta muito dela.
— Sim, vocês são namorados? — ergo a sobrancelha.
— Sim, Lya — respiro fundo enquanto ela me fuzila curiosa — A Jane,
está grávida — Lya arregala os olhos e pula da cama — E você terá um
irmãozinho ou uma irmãzinha — digo aos poucos para ela entender
enquanto festeja a notícia — Nós vamos comprar uma nova casa onde
eu, você e a Jane possamos morar — explico — O papai e a Jane…
— Vão se casar?! — confirmo.
— Sim querida, ela será sua nova mãe. Não é isso que você sempre
quis? — ela assente me abraçando — Mas preciso que você seja uma
mocinha agora, pois precisamos cuidar da Jane, igual ela já cuidou de
nós. Você será irmã mais velha e as irmãs mais velhas são pessoas
responsáveis, ajudam a cuidar do irmão menor, aprende a tomar banho
sozinha, obedece a nova mãe, divide o quarto e os brinquedos — digo
enquanto ela mexe em seu baú de brinquedos.
— Posso emprestar minha fantasia de abelhinha, não serve em mim
mais — sorrio ao ver que ela está entendendo o que estou dizendo e
temia que ela fosse se enciumar ou não entender a conversa.
— Tem outra coisa também que quero te dizer — bato no colchão
para que ela volte a se sentar — Sinto muito por não ter estado com você
antes da cirurgia, eu tive medo de perder você entende? E eu acreditei
que fosse melhor eu ficar longe para não te ver sofrer nunca mais.
— Não tem problema pai. Você deveria ter ido dormir comigo. Lembra
quando eu tinha medo e ia dormir com você? Deveria ter feito isso. Eu
não estava com medo, poderia ter cuidado de você igual fiz com a tia
Jane. Eu não tenho mais medo do escuro sabia? Nem de raios. A tia
Jane tem, mas agora ela tem eu para cuidar dela — ela explica me
puxando para deitar no seu colo.
— Sim querida, nós temos você agora. Tenho vocês três — divago
fechando os olhos por um momento respirando fundo — Nós vamos
buscar a Jane para que eu faça uma surpresa e eu entregue um anel a
ela — mostro a caixinha para ela que me olha cúmplice.
|68|
|”Eu sei que o amor é doloroso
Mas nós não podemos simplesmente tirar ele de nós,
Então eu vou apagar as luzes e você vai trancar as portas
Nós não vamos sair desse quarto até eu te ver insana
Eles dizem que o amor é doloroso, então, querida, me deixe te curar esta
noite" / Let's hurt tonight.

Não faço a menor ideia para onde Aidan irá me levar, e apesar dele
ser elegante sempre, coloco um vestido de poá cor de goiaba com
bolinhas brancas. Ele sorri ao me ver assim que para o carro em frente á
kitnet de Amanda.
Senti falta dos meus cabelos, mas ainda sim, me sinto estranha com o
presente que Aidan me deu, é como se meus cabelos costurados sobre
uma tela, não fizessem parte de mim. Mas agora, por mais que eu queira
tirar, não posso mais. Não trouxe nenhum lenço e não me sinto
confortável sem ele.
Por Deus! Estou completamente nervosa, e minhas mãos estão
suando. Sinto como se hoje fosse a primeira vez que estou dentro desse
carro recebendo breves olhadas dele em minha direção.
— Está tudo bem? — Aidan rompe o silêncio repousando a mão
sobre minha perna.
— Sim, está. — respondo virando o rosto para o vidro.
— Parece nervosa ou algo assim — Aidan comenta voltando a olhar
para a direção do volante.
— Impressão sua — respondo dando-lhe um sorriso mínimo, mas ele
ergue uma sobrancelha duvidando da minha resposta e eu bufo — Certo,
certo. Para onde você está me levando? Minha roupa é adequada?
Minha Lace está torta? Sinto que ela está torta. Raios! Eu não sei usar
isso. — disparo como uma metralhadora o fazendo rir.
— Te disse que irei vender a casa? — Aidan me olha por um
momento — Pedi para Joanna encontrar um corretor. Irei vender aquela
casa e comprar outra. — comenta.
— Você irá dispensar o Kurt, a Joanna e as empregadas? —
pergunto.
— Não sei ainda. O que você acha?
— Você está me levando para aquela casa? — questiono
desconfortável ao reconhecer o caminho que ele está fazendo.
— Só quero que veja algo — ele justifica tocando minha perna — Por
favor — balanço a cabeça negativamente.
— Eu não quero voltar lá Aidan — repreendo ele.
— Podemos só conversar lá então? E te trago de volta. — suspiro,
mas acabo cedendo.
O trajeto até lá é feito em silêncio até descermos do carro e entrarmos
na mansão.
— Onde está Lya? — tento quebrar o silêncio entre nós dois.
— Deve estar na cozinha comendo algo com Joanna — Aidan
responde subindo pelas escadas, porém hesito e Aidan nota isso se
virando para mim e respira fundo antes da primeira palavra. — Eu sei que
você não queria voltar aqui. E sei mais ainda o motivo — ele comenta e
ao perceber que não irei dizer nada, ele continua — Não quero que esse
lugar se torne algo sombrio para você. Eu mais do que ninguém sei isso,
eu só quero que você não veja essa casa como algo que vai te
assombrar amor.
— Eu sei. Só que não quero subir. Você não sabe como fiquei, não
tem como sentir — retruco — Aidan, essa casa não é boa para mim, eu
não quero ficar desse jeito aqui, com nossos filhos e você não vai me
convencer do contrário.
— Eu sei disso. Vou vender a casa e vamos começar tudo em outro
lugar. Mas tenho coisas para te falar, eu quero encerrar isso, e quero que
seja aqui.
— Encerrar o quê Aidan? — pergunto.
— Entra comigo lá, por favor? — ele diz e sei que está se referindo ao
seu quarto.
— Você não deveria me pedir isso — nego dando um passo para trás.
— Só vem até a porta então, — ele insiste estendendo a mão para
mim e eu aceito pegando em sua mão, subindo a escada logo atrás dele.
A porta está entreaberta e quando ele a abre, cubro os lábios
impedindo que a frase “Meu Deus! Que lindo” sair da minha boca.
O quarto está completamente diferente. Ele alterou os móveis de
lugar. O guarda-roupa espelhado, a cama o criado mudo. Mas não foi
isso que me surpreendeu.
Foram as pétalas de rosas na cama, os balões em formato de
coração, o buquê de girassóis ao lado uma pequena caixinha branca.
Abro, e encontro dois sapatinhos de bebê amarelo com um cartão
dentro escrito “Vocês me aceitam na vida de vocês para sempre?” Na
cama também tem outro cartão e quando abro meu queixo cai.
— Jane, quer ser minha esposa? — Aidan diz ao mesmo tempo em
que leio o cartão e ao tirar os olhos da caligrafia dele, o encontro
ajoelhado bem na minha frente com uma caixinha na mão estendida para
mim e eu o abraço no mesmo instante.
É lindo. Um anel minimalista como eu gostaria de ter, com apenas um
brilhante na ponta.
— Sim, eu… Nossa, é simplesmente, lindo e caro — digo tirando um
riso de Aidan que coloca o anel em meu dedo anelar.
Não consigo parar de chorar olhando para o anel. É simplesmente o
dia mais feliz que tivemos juntos. Jamais achei que ele pudesse me
surpreender desse jeito.
O buquê de girassóis é simplesmente a coisa mais linda que eu já vi.
Tem uma pequena bandeja ao lado com duas taças e ele as enche.
— Não é vinho, é suco de uva. Não podemos nos esquecer que agora
você vai ser mamãe — ele diz me entregando a taça.
Não consigo nem falar. Só consigo olhar para tudo e sentir meu
coração transbordar. Não consigo pegar a taça, coloco na cama o buquê
e o abraço mais uma vez.
Ele está aqui e isso é realmente real. Só consigo chorar, mas dessa
vez de felicidade.
Choro como se tivesse me desfazendo de todo aquele peso que
estava carregando. Como se só agora, minha ficha tivesse caído de que
todo aquele sofrimento realmente chegara ao fim.
Sei que Aidan ainda precisa se recuperar por conta de tudo o que
aconteceu e eu sei que esses demônios vão assombrá-lo por muito
tempo ainda. Sei que vai fazer terapia, sei que precisará de remédios
antidepressivos, sei que a Editora ainda está em ruínas, sei que ele ainda
tem uma família problemática, mas sei também que agora vai ser tudo
diferente.
Temos a Lya, nós temos um filho, temos um ao outro até o fim, eu não
me importo se ele desistiu de lutar no meio do caminho. Todos estamos
lutando por algo, alguns só precisam se lembrar pelo quê estavam
lutando e isso não tem problema algum também. Somos pessoas
diferentes, com problemas diferentes, a única coisa que tenho certeza é
que se você ainda estiver respirando, ainda existe uma solução.
Eles me ensinaram exatamente o que é amar. Me ensinaram a ser
mãe antes mesmo de eu começar a gerar um bebê, ensinaram que amor
é escolher ficar mesmo tendo a chance de ir.
— Você está bem? — Aidan pergunta me guiando para sentar na
cama e confirmo com a cabeça — Está chorando por quê?
— Não acredito que vocês estão aqui. Em um momento parecia que
eu não tinha mais vocês dois — cubro o rosto completamente emotiva.
Aidan me puxa para seu peito.
— Sim, eu sei amor, eu sei. Sinto muito por isso, mas estamos aqui
agora, nunca mais vou te deixar sozinha. Nunca mais ouviu? — ele diz
secando minhas lágrimas, envolvendo meu rosto com as duas mãos —
Eu só quero que você confie em mim agora, porque nunca mais vou te
deixar e quem vai cuidar de você agora vai ser eu, não importa o quão
difícil seja. Todos estamos lutando, e você nunca mais vai precisar fazer
isso sozinha. — Aidan diz colando nossas testas e fecho os olhos por
alguns instantes — Eu sei que nos conhecemos tão de repente e num
momento tão doloroso nas nossas vidas, mas nos vamos começar do
zero e eu vou cumprir com tudo o que você leu naquela carta. Eu sei que
você nunca vai esquecer daquilo que aconteceu, deste lugar, ou daquele
banheiro. Mas quero que saiba que foi aqui onde tudo aquilo terminou
amor e aqui onde vamos começar tudo. A partir de hoje vocês são os
meus motivos para lutar e eu nunca vou me esquecer disso. Nunca —
um soluço escapa dos meus lábios e ele me aperta contra seu peito tão
forte, que posso sentir seu coração bater depressa — Eu te amo Jane.
Sei que ainda tem feridas aí dentro que vamos precisar lidar, mas estou
aqui para te curar — assim que ele diz isso, agarro sua nuca selando
nossos lábios.
Aidan me puxa para junto de si, ofegando contra minha boca e eu
faço o mesmo com a respiração desregulada em poucos minutos. Apesar
de desesperados um pelo outro, nosso beijo se acalma, porém, o seu
toque intenso e firme na minha nuca permanece o mesmo.
Nossas línguas se movem em total sincronia num perfeito encaixe.
Seus lábios se direcionam sobre meu pescoço depositando beijos
molhados sobre ele e eu fecho os olhos com isso aproveitando cada vez
que sua boca suga a pele sensível do meu pescoço.
Eu estava com tanta saudade disso, tanta vontade de tê-lo só para
mim de novo como se mais nada existisse, sem mais nenhuma
preocupação, sem mais nenhuma dúvida, de que chegou a hora de viver
isso, me vejo mais pronta do que nunca.
Eu e Aidan apesar de tão diferentes, temos o nosso ponto de
equilíbrio. A organização dele da jeito na minha bagunça e o meu barulho
rompe o seu silêncio. A minha euforia o tira do lugar e ele a sua sensatez
coloca meus pés no chão quando estou perto da minha queda.
Sinto que agora ele se libertou de toda aquela história que o fez se
fechar dentro dessas paredes frias, e que agora tudo irá voltar para seu
devido lugar.
|69|
|“Ela só me dizia: Louve entre quatro paredes, mas agora, o único
paraíso para onde serei enviado, vai ser quando eu estiver sozinho com
você.” Take me church/ Hozier.

Pode parecer loucura, mas toda situação ruim que acontece na nossa
vida, nós ganhamos algo no final, seja um aprendizado, uma mudança,
força, maturidade… Já eu, ganhei eles, ganhei alguém que me amará de
verdade, alguém que me fez mais do que o suficiente, antes de tudo,
para mim mesma.
Aidan me ensinou a me enxergar, de uma forma que eu não
enxergava. Alguém forte, e com sensibilidade para lidar com situações
delicadas e ao contrário do que eu ouvi minha vida inteira, demonstrar
sensibilidade não é um problema sensibilidade não é ser mesquinha, se
doar em relações, não é ser burra. Agir com intensidade não é um ponto
fraco e a cada segundo que passo de frente para o espelho o qual estou
agora, vestida de noiva enquanto Amanda se enrola com meu véu, tenho
cada vez mais certeza de que tudo o que passamos foi necessário para
que eu chegasse até aqui acreditando que fases ruins são passageiras e
necessárias para o nosso crescimento.
— Já imaginou que me veria vestida de amarelo? Porque olha, grave
bem essa imagem na sua mente, porque vai ser a primeira e última vez
— Amanda diz finalmente terminando de prender meu véu sobre o
penteado que escolhi.
Um coque com alguns fios soltos.
Consegui me acostumar com a Lace e devido à gravidez, deduzo que
não precisarei dela por mais de um ano, apesar de que estou me
acostumando com meus cabelos curtos, tem sido prático para correria
que vivi nos últimos três meses.
Solto um leve riso ao ver Amanda se olhar no espelho. Ela está linda,
só não está acostumada a usar roupas com cores vivas. Seu vestido de
madrinha amarelo é apenas de um ombro, deixando seu braço tatuado á
mostra, e seu cabelo preto está preso no alto da cabeça num rabo de
cavalo.
Lya para no batente da porta com o queixo caído. Ela também está
linda vestida de florista e nós duas paramos de frente uma da outra se
admirando.
— Meu pai vai ficar louco quando te ver assim — Lya diz cúmplice.
— Senhorita Johnson, já está quase na hora — Joanna informa.
Joanna está com as roupas de sempre, prestando a acessoria do
nosso casamento. Já está quase na hora de começar a cerimônia e sinto
um frio na barriga dando uma última olhada no espelho acariciando
minha barriga que nestes três meses já tomou forma evidenciando a
gravidez.
— Se eu ficar mais um minuto olhando você desse jeito, vou chorar
antes da cerimônia começar, estou tão orgulhosa e feliz por você amiga,
droga, você está me fazendo ser emotiva também — Amanda diz me
abraçando — Sabe que não posso ocupar o lugar de uma mãe neste
momento, mas quero que você saiba que é forte minha menina e sempre
será minha ruiva tagarela — ela diz fazendo meus olhos lacrimejarem e
nós duas erguemos a cabeça na intenção de não deixar as lágrimas
escorrerem pela nossa maquiagem.
— Somos péssimas nisso, péssimas — dou risada enquanto ela me
abraça beijando minha testa.
— Meu sonho era que muitas outras pessoas presenciassem esse
casamento, essa história, você merece tanto Jane — Amanda diz dessa
vez pegando um lenço desistindo de segurar as lágrimas.
— As pessoas certas estão aqui, eu não poderia ter escolhido
pessoas melhores — sorrio para ela enquanto nos preparamos para sair.
Joanna me ajuda com o véu e Amanda caminha na nossa frente
enquanto nos direcionamos até a frente da mansão.
A cerimônia será ao ar livre, no gramado da mansão. Foi montada
uma passarela espelhada no chão que reflete o céu. É uma cerimônia
intimista, apenas para nós e as pessoas mais próximas. Willa e Kurt e
Amanda e Ryan, são nossos padrinhos, e Lya é nossa florista.
Onde Aidan e o celebrante me esperam, foi montada uma pequena
estrutura de madeira com véus brancos, que remetem muito á cabana
que montei num dos primeiros dias que vim para essa casa, e a
decoração de flores é composta por alecrins e girassóis.
É um dos dias mais feliz da minha vida inteira, ver todas as pessoas
que fizeram parte da minha história se emocionarem ao me ver entrar
segurando um buquê, olhando diretamente para Aidan Whitmore que se
prostra de joelhos, tampando a boca ao me ver enquanto Dont’ give up
on me toca ao som de um violino, um piano e um violoncelo ali ao lado.
Consigo tirar uma lágrima de Joanna também que a seca rapidamente
para que ninguém veja. Ao chegar até o altar, Aidan me toma pela mão e
o celebrante sorri para nós dois ainda mudo ao ver minha entrada.
— Você está completamente perfeita — Aidan diz beijando minha
testa.
Vejo tudo passar diante dos meus olhos em câmera lente, como se
cada segundo daquele momento estivesse sendo registrado detalhe por
detalhe na minha mente.

Quero gravar cada palavra que o celebrante disser no meu coração


para nunca esquecer que o amor é paciente, e entende os dias difíceis do
outro. O amor é bondoso, como Rosalya foi apesar de tudo o que viveu.
Não inveja, a tal ponto de precisar roubar aquilo que não é seu, como
Jenna fez. Não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, apesar dos
erros do outro, não procura seus interesses, e sim se doa a cada dia, não
se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a
injustiça, como o que minha mãe fez comigo a vida inteira, mas se alegra
com a verdade, como Willa fez me ajudando a correr atrás daquilo que
era meu, tudo sofre como sofremos pela Lya, tudo crê e acredita até o
fim, tudo espera, tudo suporta.

O amor não é uma tentativa desesperada de ser idolatrado, amor é


escolha, amar é um presente e ganhei filhos, um lugar que não precisarei
abandonar levando apenas uma mala e algumas coisas, ganhei um
melhor amigo que ouve todas as minhas ideias e que ainda dirige melhor
que eu, ganhei uma governanta que dá ordens até em mim, mas
confesso que sou bagunceira, ganhei uma advogada que correu atrás de
tudo aquilo que achei ter perdido, ganhei amando.
E apesar de não ter nem dez pessoas no meu casamento, aprendi
que tudo bem perder pessoas, bens, ou até 'perder a cabeça'. Algumas
coisas precisam sair da nossa vida para que novas coisas e melhores,
possam chegar. Pessoas não são objetos para se colocar em uma
prateleira e deixar. Às vezes é preciso faxinar e tirar aquilo que não está
prestando, que só ocupa espaço. Porque sufoca, enche, aperta e às
vezes, aquilo que você realmente merece, não consegue se achegar
porque não tem espaço.
Pode ser que você não entenda agora tantas perdas e tantas
decepções, mas não pare de lutar. Enquanto você respirar ainda haverá
uma solução e se você parar agora, nunca saberá o que de lindo está te
esperando lá na frente. E tudo bem se você se esquecer pelo quê estava
lutando, algumas pessoas também se esquecem. Se eu puder te ajudar
dizendo algo, eu diria: tudo bem, só respire e seja forte.
Epílogo.

A.L.E, sigla do nome Aidan, Lya e Ethan, antiga W.T.M (Whitmore)


conseguiu se reerguer em um ano. Durante minha gravidez, eu me
dediquei a fazer algo que sempre quis fazer, mas que nunca tive tempo
para me dedicar. À escrita.
Aidan me pediu que eu escrevesse nossa história e o presenteasse
para que ele nunca se esquecesse de como tudo começou e que para
que ele sempre pudesse ter nas mãos o motivo que o fez acordar na
segunda-feira chuvosa e caminhar a pé pela Time’s Square.
Quando Ethan nasceu, e assumi a direção editorial da editora, sugeri
que publicássemos o livro para que pessoas pudessem conhecer nossa
história, na esperança de que ela alcançasse pessoas que talvez
tivessem se esquecido pelo quê estavam lutando.
De início supus que isso não fazia muito sentido. Então sem querer
arriscar tanto investimento, publicamos primeiro a versão digital, porque
acreditei sempre que pessoas quando vão ler um livro, querem sair da
realidade onde estão, não se submergir em uma história tão triste quanto
onde vivem. Mas não posso me esquecer que tudo bem não estar bem.
Coisas ruins acontecem, da mesma forma que coisas boas também
acontecem.
— Por Deus! Você aprendeu a pular do berço! — paro no batente da
porta enquanto sou observada pelos pequenos olhinhos do pequeno que
engatinha rumo ao corredor — Desse tamanho você já está assim
mocinho? Mais algumas semanas e você vira especialista em pular
muros meu amor — pego ele no colo e Joanna ergue as sobrancelhas —
Olha a cara da tia Jô olhando para você. Ela vai ter muito trabalho pela
frente não é mamãe?
— Cada dia que passa ele faz isso mais rápido, eu só fui buscar a
papinha dele — Joanna diz enquanto descemos as escadas em direção á
cozinha.
— Cadê a Lya? — pergunto.
— Onde você acha que ela está? — Joanna solta um leve riso.
— Tenho certeza que ela está lá fora — digo abrindo a porta da
entrada encontrando ela sentada no gramado ao lado de Aidan.
Eles estão concentrados tentando encaixar algumas peças de um
quebra cabeça. Às vezes, Aidan até se coloca de pé para olhar com mais
clareza o desenho que eles estão montando.
— Hey! — chamo os dois, mas eles me ignoram — O almoço está na
mesa e vocês têm… — digo acionando o botão dos sensores que regam
a grama — Três segundo para levantar e… Vir antes de… — divago
enquanto os dois falam em uníssono “Ah não” e se levantam se
preparando para correr para dentro enquanto os sensores começam a
espirrar água, mas eu logo os desativo, apenas para dar um susto nos
dois.
— Advinha o que o Ethan aprendeu a fazer? — comento entregando o
bebê para Aidan.
— Ele falou mamãe? — Aidan sugere o segurando nos braços.
— Aprendeu a pular do berço. É mais fácil ele dizer Joanna do que
mamãe — brinco dando comida na boca dele, enquanto Aidan o segura
— Coma logo mocinha, — me viro para Lya — E vá se arrumar para o
colégio, você sabe o que o Kurt faz quando você se atrasa né — ela que
assente sorrindo.
— Cócegas — eu assinto enchendo seu copo com suco.
— Então vamos lá, sem me enrolar dessa vez — oriento dando mais
uma colherada para Ethan que observa tudo com os olhos cor de mel
arregalados. — Sente-se aí e coma conosco Joanna ou a louça vai
sobrar para você — me levanto, pegando um prato para ela e ela cora
sem jeito.
— Senhor e Senhora Whitmore, vocês têm um editorial hoje e
reuniões na A.L.E, não vão se atrasar? — Joanna pergunta enquanto
sirvo ela.
— O Ethan vai conosco hoje, a Lya vai para o colégio e quando
chegar, quero que cuide para que ela esteja linda. Por que quando eu
chegarmos, vamos ao parque de diversões — Aidan responde e Lya se
anima.
— Mãe, eu posso usar,
— Aquele vestido amarelo de bolinhas pretas — nós duas falamos em
coro cúmplices — Certo! — ela comemora me dando um beijo na
bochecha subindo as escadas correndo.
— Lembrando que é para usar só á noite! — anuncio — Hoje é o dia
do uniforme no colégio, pelo amor de Deus se você usar algo diferente,
sua professora me chama lá para dar bronca em mim — comento num
suspiro e Joanna balança a cabeça soltando um leve riso — Tira um dia
de folga hoje Joanna, não vamos precisar de você agora á tarde — dou
uma piscadinha para ela.
— Obrigada senhora Whitmore.
— Jane — corrijo — E você bonitão, nós temos um dia cheio hoje —
digo pegando Ethan que sorri para mim enquanto subimos as escadas
até seu quartinho.
Não demoro para dar banho, e colocar outra roupa nele. Desço as
escadas, mas volto a subir com ele no colo indo em direção ao quarto de
Lya.
— Prende esse cabelo, não quero você pegando piolhos não — ela
joga uma almofada em mim e por fim desço as escadas, mas paro na
porta — Lya! — chamo e ela vem em seguida — Meu beijo — peço e ela
ri me dando um beijo, abraçando eu e no pequeno Ethan — Se alguém te
chamar de feia no colégio, fala que vou lá fazer barraco — Lya assente e
eu caminho até meu carro, colocando Ethan na cadeirinha no banco de
trás.
Recuo.
— A bolsa está no banco da frente! — Joanna anuncia da porta rindo
sabendo que eu tinha me esquecido dela.
Acontece que esqueço sempre que Ethan também tem sua bolsa
exclusiva, mas dessa vez eu não estava me esquecendo da bolsa, estava
me esquecendo do Aidan.
— Aidan! Vai ficar para trás — anuncio girando a chave na ignição do
carro e o vejo surgir na porta, correndo até o carro — Já estamos
atrasados — comento dando partida no carro.
— Como sempre — ele solta um leve riso terminando de dar o nó em
sua gravata.
O caminho até a editora demora aproximadamente, quarenta minutos.
Foi difícil encontrar uma casa que fosse pequena e aconchegante longe
da cidade grande. Mas umas das decisões mais contentes que já
tomamos foi a de ter comprado a casinha amarela de cercado branco
afastada da cidade, da poluição e do barulho.
Fez bem para Lya, para mim, para o Aidan, para o Ethan, para Joanna
e Kurt. Tirá-los daquela mansão foi como libertar o novo eu deles.
Logo avisto os prédios da Time’s Square e no fim da avenida, a A.L.E,
a grande construção espelhada. Ethan observa tudo com os olhos cor de
avelã atentos e curiosos, e por vezes solta um resmungo do vento do dia
de verão que bate na sua cabeleira ruiva ondulada.
— Precisamos dar um jeito de cortar essa jubinha né meu amor —
digo tirando ele da cadeirinha e logo Aidan vem me ajudar com as bolsas
— Vocês podem pedir para a Mabel, minha assistente vir buscar essas
bolsas e deixar na minha sala? — peço saindo do estacionamento,
entregando minha chave para o manobrista antes de entrar no elevador
segurando a mão de Ethan que agarra na minha perna.
Ele morre de medo de elevador, mas chegamos no nosso andar em
menos de cinco minutos e caminho com ele até minha sala de vidro
aonde consigo ter uma visão ampla de todos trabalhando.
— Se não se importar, tenho uma reunião com o Talbot, depois dá
uma passadinha lá na minha sala, quero te ver quando estiver pronta —
Aidan diz me dando um breve beijo antes de deixar a sala.
— Senhora Whitmore, o seu editorial começa em meia hora —
Amanda, a nova editora chefe informa me acompanhando até minha sala,
que parece mais um berçário cheio de coisas do Ethan por toda parte.
— Senhora Whitmore? — imito ela.
— Você sabe né, não posso te chamar de tagarela na frente das
pessoas. Eles dizem que é falta de respeito chamar a diretora editorial
assim — Amanda afina a voz pegando Ethan no colo e nós duas rimos
enquanto a maquiadora que já está à minha espera faz uma maquiagem
em mim.
— Você tem noção que a A.L.E se recuperou no mercado editorial só
com a venda desse livro digital? — Amanda diz como se ainda não
acreditasse — E você nem precisou usar o dinheiro da herança da sua
família. Devia ter dado para mim, não ter dado para sua mãe de volta.
— Eu não precisava daquele dinheiro do meu pai, a custo do quê eu
as deixaria sem recursos financeiros, ou o Addam e a Jenna sem um teto
para morar? Só para me vingar deles? Isso só me rebaixaria ao mesmo
nível e para ser bem sincera, eu não preciso disso. Eles mesmos vão se
afundar, uma hora ou outra e não quero ter nenhum peso de culpa nisso,
a única coisa que quero, é distância. Da mesma forma que Lya e Ethan
tem um teto para morar, também quero que a bebê da Jenna tenha, essa
bebê não teve culpa de nada, eu jamais tiraria o pouco que ela tem
Amanda.
— Tagarela como sempre — Amanda sussurra para Ethan fazendo
aviãozinho com ele pela sala.
Termino minha maquiagem e quando Amanda bate a última foto para
postar nas redes sociais, respiro fundo e caminho até a sala de Aidan.
Dou uma leve batida na porta e quando abro, noto que Talbot já foi
embora. O moreno se vira para mim em sua cadeira diante de sua mesa
e apoia os cotovelos na mesa me olhando se aproximar.
Por Deus, o olhar dele sobre mim, me faz queimar, como se fosse a
primeira vez que eu estive sobre a mira deles.
— Preparada para o seu lançamento? — nego para a pergunta dele
que bate em seu colo para que eu me sente.
— Nossa, estou muito nervosa. Esse será o primeiro lançamento em
livraria com autógrafos e eu estou: Ahhhhhh meu Deus, estou insegura.
Tenho medo de não saber responder alguma pergunta. Não acredito que
vamos publicar essa história!
— Shhhhh — Aidan sibila junto ao meu cabelo me silenciando,
juntando nossas mãos e entrelaçando nossos dedos onde posso ver
nossa aliança de ouro no dedo anelar — Não fique insegura, todos vão
amar ouvir você falar sobre o livro, não existe ninguém melhor para falar
com mais excelência dele, do que você amor — ele me tranquiliza.
— Você também poderia ir — dou a sugestão.
— Não amor, esse é o seu momento e depois quero te ouvir contar
todos os detalhes para mim enquanto eu estiver te fazendo uma
massagem — ele diz demonstrando, colocando meu cabelo de lado,
massageando meus ombros — Estiver beijando seu pescoço — Aidan
sibila em meu ouvido depositando uma trilha de beijos que vão do meu
pescoço até meu ombro amostra pelo vestido ombro a ombro vermelho
que uso — Tirar seu vestido… — sinto seus dedos se deslizarem até
minha coxa e deixar ali uma pegada firme que me faz morder o lábio em
resposta — E te interromper, enquanto te dou prazer depois de um dia
cheio sendo mãe, diretora editorial e a esposa mais incrível desse
mundo.
— Não podemos já pular para essa parte? — monto nele e agarrando
sua nuca.
— Se começarmos agora, quando você sair daqui, o editorial já terá
terminado — ele cola nossas testas repousando as mãos em minha
cintura.
— Tudo bem, mas quando voltarmos para casa, aquela cama vai ficar
pequena — mordo o lóbulo de sua orelha descendo de seu colo
abaixando meu vestido e o ouço respirar fundo atrás de mim.
— Acho melhor você ir, porque já estou começando a repensar sobre
sua sugestão.
— É, acho melhor eu ir mesmo, antes que a gente bagunce sua mesa
como fizemos ontem — solto um risinho saindo pela porta.
— Senhora Whitmore… Já estou ansioso — ouço ele diz antes de
encostar a porta.
— Você é forte senhor Whitmore, você é forte.

Força.
Nunca me considerei uma mulher forte e acredito que força não é
tudo o que uma pessoa precisa ter para se manter de pé. Força para mim
não é bater, nem brigar ou insistir por algo que quer muito. Força para
mim, é permanecer apesar de tudo.
Sou impulsiva, emotiva, mas forte, nunca pensei que seria.
Eu descobri que meu noivo me traia com a minha irmã, uma semana
antes do meu casamento, perdi meu emprego dos sonhos, não tinha um
lugar para morar, era esnobada por minha mãe e minha irmã que
gastavam toda a herança do meu pai que morreu — mas eu tinha um
carro pelo menos, que vivia quebrado e rebocado — Perdi muita coisa
em pouco tempo e descobri estar construindo um castelo de cartas.
Você vai erguendo as cartas aos poucos, mas quando desaba, cai
tudo de uma vez e você tem uma crise existencial, e passa dias se
perguntando onde você errou, quando, na verdade, só mergulhou de
cabeça em relações rasas demais. E até você reconhecer isso, você
sofre, para caramba, e se não decidir virar esse jogo, você afunda.
Foi o que eu fiz.
Eu não me contentei em só dirigir até empresa onde eu amava
trabalhar só para ser demitida, eu fui lá e atropelei o chefe. Não que você
precise fazer isso com o seu também. Mas é uma boa se você for
demitida mesmo assim e ele tiver uma filha precisando de uma Babá.
Eu tinha experiência? Não. Mas virei o jogo. Me tornei a Babá
preferida da casa, da governanta, do segurança. Mesmo que isso queira
dizer, “JANE, VOCÊ LEVOU A LYA VESTIDA DE ABELHINHA PARA
COLÉGIO?” ou “VOCÊ ESTÁ DEMITIDA PELA SE SEGUNDA VEZ” ou
transar com chefe no capô do carro no jardim após ter pulado o muro da
casa dele.
Cada um dá um jeito diferente na vida. O meu foi no improviso,
mesmo que inconsciente agora vejo que eu sempre tive um pelo quê lutar
na minha vida.
De onde veio essa força? Eu nunca consegui enxergar, força para
mim, era o que eu via no Aidan.
Sempre vi o Aidan como a figura mais forte que eu já conheci. Ele
vivia o luto da esposa falecida há anos, tinha uma empresa que era tudo
para ele caindo em ruínas sem ele poder fazer nada para arrumar, tinha
uma família que há muito tempo já não se tratava como família e tinha
uma filha desenganada em estágio terminal, lutando com a mesma
doença pela segunda vez, sabendo que iria perder novamente.
Mas todos sempre o víamos como o Senhor Whitmore. O chefe, o
pai rígido, o homem calculista e controlador. Rótulos que ele vestiu à vida
inteira devido ao cenário onde vivia.
Depois da sua esposa falecida, talvez eu tenha sido a única pessoa
que o viu sangrar, que tomou o chocolate quente que ele preparou numa
noite chuvosa, que viu sua camisa sempre bem alinhada sobre o corpo
suja de café, que o fez roubar um carro e esconder no jardim, que o viu
sentir ciúme, que o viu chorar, que o ouviu gemer de prazer, que o viu
correr na chuva, que o viu com o nariz sujo de chantilly. A única que o viu
tentar virar o jogo do cenário aonde ele vivia.
Tínhamos tudo a perder. E eu acreditava que talvez por sermos tão
parecidos em azar e em perdas, pudéssemos arrumar tudo juntos,
reerguer tudo o que estava destruído, lutar até o final pela Lya como fiz e
reconstruir tudo.
O que eu não sabia é que ele já tinha parado de lutar há muito tempo
e quando não se tem pelo quê lutar, você perde.
Foi isso o que aconteceu.
Lutei tanto pela Lya, e acreditei que ele ficaria bem, porque ele era o
Aidan Whitmore.
Quis tanto salvar uma vida e fechei os olhos para alguém que já
estava morrendo desde que tudo começou. E não, eu não vou me culpar.
Não vou me culpar por lutar. Não somos super-heróis, não podemos
salvar todo mundo, não somos fortes o tempo todo e sim, nós caímos.
A única diferença entre mim e ele, é que eu tinha pelo quê lutar e ele
já tinha parado de lutar há muito tempo. E tudo bem por isso também,
pois todos estamos lutando por algo, alguns só precisam se lembrar
disso.
Tudo bem estar em uma fase ruim. Fases ruins geram pessoas fortes
e pessoas fortes, lutam por pessoas que esqueceram seus motivos para
continuar lutando.

SIGNIFICADO DO NOME ETHAN: Aquele é forte.


Agradecimentos.
Quero agradecer a você se chegou até aqui! Fera é sem dúvidas a
história de superação mais linda que já escrevi. Espero com todo o
coração que vocês tenham gostado e desde já peço perdão se não atingi
as expectativas de algum de vocês.
Agradeço a Deus por não me abandonar neste projeto e passar
comigo por todas as situações difíceis que passei no processo de criação
de Fera.
Se Fera chegou onde está hoje é porque tive pessoas ao meu lado
que acreditaram primeiro que eu e confiaram em mim até o final.
Quero agradecer as minhas leitoras fiéis que se tornaram minhas
amigas, que surtaram comigo a cada capítulo. Agradeço a Maria Thelma,
que depositou toda a confiança em mim, do começo ao fim, e também me
ajudou a panfletar o livro. Elliandra Christina que me apoiou em todos os
rumos que o livro tomou, e surtou comigo pelo Whattsapp, sempre me
mandando mensagem para saber se eu estava bem. Ana Maria, que
sempre esteve aberta para que eu pudesse conversar e me ajudou a
organizar minhas ideias com a sua visão de leitora beta. Vocês não tem
noção do ânimo que os comentários de vocês me deram nos dias que eu
achava que essa história não tinha sentido.
Agradeço ao meu noivo Thiago que me apoiou do começo ao fim e
que sempre acreditou que eu chegaria onde estou hoje. Me lembro como
se fosse hoje quando ele perguntou qual era meu maior sonho e eu disse
“Publicar um livro” e perguntei a ele qual era o sonho dele e ele
respondeu “O seu sonho agora será o meu sonho” Agradeço por ter sido
atencioso todas as vezes que fiquei ausente por ter que trabalhar em
Fera, e por me esperar no outro dia quando no anterior eu estava
esgotada. Obrigada por sempre estar do meu lado nas minhas decisões e
me aguentar falar sobre Fera por horas na ligação.
Muito obrigada! Fera não estaria aqui se não fosse por todos vocês!
Recado.
Voltei aqui de novo para esclarecer um dos assuntos abordados no
livro.
Antes que vocês vão atrás de mim indignados por conta do Emett, o
verdadeiro pai da Lya por ele ter saído impune, pelo que fez com
Rosalya, quero ressaltar que sei que o que aconteceu foi revoltante,
parece ter se tornado uma ponta solta, dentro da história, mas
infelizmente não foge tanto da realidade o que aconteceu.
O que quero dizer com isso é que Fera desde o começo trás muito
realismo. Fatos que acontece na nossa vida e a forma como decidimos
lidar com tudo. A história de Rosalya, mostra o quão nos dias de hoje,
muitas mulheres ainda tem medo de denunciar abusos, seja por N
motivos.
Se você já passou por uma situação igual ou parecida, converse com
alguém, não se culpe, nenhum tipo de abuso é justificável. Se você
conhece alguém que já passou por algum tipo de abuso, ajude ela, abuso
é crime e precisa ser denunciado.

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