Você está na página 1de 199

Seja qual for a matéria de que as nossas almas são feitas, a minha e a dele são

iguais.

Emily Bronte
Copyright © 2024 por Juliana Dantas

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia,
gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito do
autor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não
comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.

Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios, eventos e


incidentes são ou os produtos da imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.

Título Original: Tutor Italiano


Ilustração: Luciana Souza e Ursula Gomes
Capa: Jéssica Gomes
Revisão: Sheila Mendonça
Sumário
NOTA DA AUTORA

PLAYLIST

PRÓLOGO

UM

DOIS

TRÊS

QUATRO

CINCO

SEIS

SETE

OITO

NOVE

DEZ

ONZE

DOZE

TREZE

QUATORZE

QUINZE

DEZESSEIS

DEZESSETE

DEZOITO

DEZENOVE

VINTE

VINTE E UM

VINTE E DOIS

EPÍLOGO

NOTA DA AUTORA
SOBRE A AUTORA
Nota da autora

Tutor Italiano é um Spin Off da Trilogia Old Money Grécia ( Bastardo Grego, Casamento
Grego, Herdeiros Gregos)
Playlist
Prólogo
Ariella

A minha memória mais antiga pertence a Piero Salvatore.


Embaçada pela névoa do tempo, uma versão minha com os primeiros passos ainda
hesitantes percorre o caminho da elegante sala dos De Vere rumo ao azul infinito que atraía meus
olhos curiosos até que me sinto puxada para trás e levanto a cabeça para encontrar os olhos
castanhos do garoto que eu não tinha ideia que me salvara de cair na piscina.
Às vezes não tenho certeza se é mesmo uma lembrança, ou algo que me contaram e
guardei na minha mente como se me recordasse da primeira vez que Piero me tirou de
problemas.
Porém, entre memórias reais e inventadas, não me lembro de um tempo que ele não
estava na minha vida. Afinal, Piero estava aqui antes de mim, chegou 11 anos antes no mundinho
dos nossos pais, bilionários empresários do ramo da moda. Nós morávamos em Londres, e os
Salvatores em Milão, mas nossos pais eram sócios e amigos íntimos e desde que me lembro os
verões eram dias iluminados pela presença do menino que eu amava com uma obsessão pueril.
Enquanto eu crescia e tomava consciência do mundo ao meu redor mais ansiava o ano
inteiro para que os dias de sol chegassem e nós embarcássemos nos meses mais divertidos do ano
com os Salvatore.
Tia Lídia tinha cheiro de patchouli e carinho quando me abraçava perguntando com um
sorriso doce que lhe era tão característico se eu tinha comido direito.
Tio Francesco cheirava a cigarros e diversão, enquanto me girava com suas mãos cheias
de protetor solar pelo deque de algum iate que estivéssemos fazendo piadas que me faziam rir,
mesmo quando passei a entender que eram piadas de tio que beiravam a ofensa.
E então havia Piero.
Piero cheirava a mar e amor. Eu o via crescendo e se tornando um adolescente cada vez
mais alto e encorpado a cada ano em que nos víamos novamente. A voz mudando, se tornando
grave, e com um leve sotaque italiano que ele não perdia, mesmo passando parte do ano em um
exclusivo colégio interno inglês, o ar juvenil sendo substituído por um amadurecimento que, a
mim, não dizia nada.
Ele podia ser grande, forte e fumar cigarros como seu pai, mas pra mim sempre seria o
garoto que me puxava para perto e me manteria em segurança a salvo de tudo e de todos.
O garoto que me deixava deitar em seu colo quando eu não conseguia dormir com medo
dos monstros nas sombras.
— Monstros não assombram meninas obedientes — dizia com os dedos entre meus
cabelos.
— E se eu não for obediente? — Eu tremia de medo enquanto o som do seu riso enchia
meus ouvidos e se solidificava dentro de mim como o melhor som do mundo.
— Você foi uma boa menina, piccola?
— Eu vou ser, eu juro — garantia.
E mesmo quando sabia que não havia mais monstros nas sombras, eu ainda me
esgueirava para a sala onde Piero estava depois de voltar de alguma festa, esperando que ele
sorrisse e me chamasse.
— Estou te vendo aí, piccola.
Eu sorria e me aconchegava ao seu lado. Ele deixava que eu pegasse um livro e deitasse
com a cabeça em seu colo até que o sono finalmente me vencesse.
Eu sabia que, apesar da diferença de idade, ele era meu melhor amigo.
O irmão que eu não tinha.
O garoto que cozinhava pra mim quando os empregados estavam dormindo e mamãe em
alguma festa, que me ensinou a nadar e insistiu que eu tinha que perder o medo de pular no mar
quando tinha oito anos.
— Mas eu tenho medo! — choramingava e ele ria. Seus dentes brancos brilhando sob a
pele morena queimada do sol do Mediterrâneo.
— As melhores coisas da vida começam com um pouco de medo, piccola.
Ele estendia a mão e segurava a minha, antes de pularmos no mar, sob o aplauso de
nossos pais, que fumavam no deque, com seus drinques em mãos. Eles estariam por ali até que o
sol baixasse no horizonte e então desapareciam na noite, nossas mães com seus vestidos
elegantes.
Eles faziam muito isso, “coisas de adultos”, mamãe dizia, beijando meu rosto e deixando
um rastro de maquiagem na minha pele antes de desaparecer. E ficávamos só eu e Piero, e ele me
ensinava a jogar xadrez. Eu nunca o venci, mas prometi que um dia seria diferente.
— Você é uma criança, piccola. — Ele ria da minha cara uma noite quando eu tinha 11
anos e fiquei irritada por perder e joguei tudo no chão.
— Não vou ser criança pra sempre.
— Claro que vai. — Ele bagunçou meu cabelo com um sorriso condescendente que me
irritou pela primeira vez.
Eu não entendi o porquê.
— Na verdade, não sou criança, me dá este cigarro aí! — Tomei o cigarro de sua mão e
levei à boca sem pensar, sugando a fumaça antes mesmo que conseguisse pegar de volta.
— Ei, isso é coisa de adulto, sua criança atrevida — ralhou bravo comigo, enquanto eu
tossia sem parar. — Bem feito! É isso que ganha quando é desobediente, piccola!
Com os olhos cheios de lágrimas eu sacudi a cabeça concordando.
— Agora vá dormir.
Ele havia pegado o celular e estava digitando rápido e me senti triste porque sabia que
assim que fosse dormir, ele iria embora.
Há alguns anos, Piero também desaparecia na noite para fazer coisas de adulto. Eu já não
era tão boba para não saber que as coisas de adulto eram festas com música, cigarros e bebidas.
No ano anterior, Piero chegou muito bêbado na casa em que estávamos em Portofino e
houve uma briga feia com copos quebrados e tudo com tio Francesco.
Eu acordei com o barulho e me esgueirei até o quarto dos meus pais.
— Por que tio Francesco está bravo com o Piero?
— Porque ele está bêbado — mamãe respondeu ocupada em passar seus cremes em
frente à penteadeira.
— Bêbado?
— Sim, ele tomou muitos drinques.
— As bebidas que eu não posso beber?
— Sim, e é por isso que não pode beber álcool — papai disse entrando no quarto. —
Agora vá pra cama.
— Mas vocês bebem também!
— Adultos sabem se comportar, mas Piero é só um jovem irresponsável.
— Piero é adulto.
— Ele é uma criança ainda. — Mamãe rolou os olhos. — Vá dormir, querida.
Quando eu perguntei a Piero sobre este ocorrido, ele apenas riu e disse que eram
bobagens.
— Choque de gerações, piccola.
Eu não entendi naquele momento, mas quando tinha 13 anos o mundo passou a ganhar
contornos diferentes, como se a névoa da ingenuidade infantil começasse a se dissipar sob meus
olhos e uma curiosidade latente que eu não conseguia dominar me fazia entrar em conflitos cada
vez mais frequentes com meus pais.
Acho que era disso que Piero falava, afinal.
E foi naquele verão que Piero começou a me irritar. Eu não entendia direito o que era,
mas ele parecia diferente, quase como se agora se parecesse mais com nossos pais do que
comigo.
Ele tinha 24 anos, havia acabado de se formar na faculdade e estava trabalhando nos
negócios da família. De repente ele não era mais o jovem Piero que levava bronca quando
chegava bêbado ou ria de minhas birras de forma complacente.
E eu ainda era uma criança a maior parte do tempo, mas também havia momentos em que
não queria ser tratada como uma. Eu me sentia confusa e irritada e sentia falta dos meus amigos e
da minha rotina com eles em Londres.
Talvez porque pela primeira vez Piero não tinha tanto tempo pra mim como antes. Ele
estava sempre ocupado com “conversas de adultos” com nossos pais ou amigos que nos
rodeavam.
E havia Gabriela.
Ela não nos foi apresentada como namorada, mas assim que chegou, com seus peitos
enormes pulando do biquíni minúsculo e sorriso sensual, eu entendi que não era só a “amiga”
como nos foi apresentada.
Ela tentou ser legal comigo puxando assunto enquanto se bronzeava, fazendo perguntas
idiotas do tipo “já tem namorado?”.
Não, óbvio que eu nunca tive um namorado, além de eu nem ter menstruado ainda, e nem
ter qualquer sinal de peitos, os garotos pareciam bobos demais. Todas as minhas amigas
gostavam de algum garoto e algumas já tinham beijado, mas eu só me perguntava como elas
podiam achar aqueles garotos interessantes para trocar saliva com eles.
Eu disse isso a Gabriela e ela riu garantindo que em breve eu mudaria de ideia. Mas por
mais que Gabriela fosse legal comigo, eu não gostava nem um pouco dela. Além de ser mais
uma pessoa que ocupava o tempo de Piero, eu sentia embrulho no estômago toda vez que o via
com as mãos nela, ou ela com as mãos nele.
— Eu não gosto dessa Gabriela! — eu resmunguei para tia Lídia certa manhã, quando ela
me perguntou por que não aceitei o convite de ir nadar com Gabriela e Piero e eu ficara olhando
de cara feia os dois se afastarem, com a mão de Piero no traseiro da moça.
Ela tinha mesmo que usar um biquíni tão pequeno?
— Por que não? Ela é muito simpática.
— Eu não sei, só não gosto!
— Ah, está com ciúmes. — Ela riu.
— Não estou!
— Está sim, Piero sempre foi seu preferido. Agora ele tem uma namorada e não tem todo
o tempo pra você.
— Ela é a namorada dele?
— Piero não disse com todas as letras, mas já estão juntos há mais de um mês por aí.
Espero que dure, Piero já não é uma criança, está na hora de agir como adulto, tendo um
relacionamento sério. Acho que já basta desse desfile de garotas aleatórias dormindo em sua
cama.
De repente queria perguntar mais sobre todas as garotas que dormiam na cama de Piero, e
claro que com 13 anos eu já sabia que dormir não queria dizer exatamente isso. Eles estavam
falando sobre sexo. E a única coisa que eu sabia sobre o assunto era o que via nos filmes e na
aula de educação sexual. Tudo ainda me parecia muito abstrato e esquisito. Porém, era o que os
adultos faziam e gostavam muito.
Uma vez ouvi uma conversa da minha mãe com sua amiga, Moira, e tia Lídia, onde ela
discorria em tom de censura sobre uma mulher do círculo social delas que havia prendido um
cara através do sexo.
— Todo mundo sabe por que ela conseguiu aquele anel em seu dedo! Roger é um tonto
por se deixar prender por sexo.
— Todos os homens são assim, minha cara — Moira havia dito no tom de sarcasmo. —
É o poder de ser mulher. Homens acham que dominam o mundo, mas uma mulher que sabe usar
sua sexualidade domina os homens.
— Está sendo maldosa. Eles estão apaixonados. — Tia Lídia tinha uma opinião diferente.
— Amor? Sabemos bem o tipo de amor que une Roger àquela interesseira! — Mamãe
continuou irredutível.
— As pessoas se apaixonam, Evelyn. Óbvio que Roger se apaixonou por ela!
Então eu me perguntava se Gabriela prendia a atenção de Piero com sexo. Ou com amor?
Eu não gostava de nem uma das duas alternativas.
Naquela noite, eu não conseguia dormir e quando saí do quarto me surpreendi com Piero
beijando Gabriela em frente à porta do quarto dela. Ela usava apenas um roupão, e ele tinha a
camisa desabotoada, como se tivesse vestido a roupa de qualquer jeito.
Eu me escondi nas sombras até que ela voltasse para o quarto, não sem antes Piero lhe
brindar com um sonoro tapa na bunda que a fez fechar a porta em meio a risadinhas nojentas que
me fez revirar os olhos.
Piero desceu as escadas em vez de ir para o próprio quarto e eu o segui.
— Estou te vendo aí, piccola. — Ele percebeu minha presença como sempre e eu me
aproximei sentando ao seu lado com cara emburrada.
— O que foi? Não consegue dormir por quê?
— As risadinhas da sua namorada me acordaram.
Ele parou o movimento de acender o cigarro no ar levantando uma sobrancelha, meio
desconcertado, talvez pelo tom da minha voz.
— Não deveria espionar os outros, piccola.
— Não estava espiando! Vocês não estavam escondidos! Eu estava sem sono e o vi
saindo do quarto dela e a beijando. Você a ama? — perguntei na lata.
Piero pareceu desconcertado novamente, mas sorriu com certa indulgência, a mesma que
usava quando eu fazia perguntas bobas quando era menor.
Esta não era uma pergunta boba.
— Por que essa curiosidade agora?
— Só responde! Está apaixonado por ela?
— Sexo é diferente de amor, piccola.
Foi minha vez de arregalar os olhos, quase surpresa por suas palavras.
Piero pareceu perceber o que tinha falado e suspirou pesadamente, a fumaça saindo em
arabesco de seus lábios.
— Não deveria estar conversando sobre isso com você, piccola.
— Por que não? Eu sei o que é sexo. Tive aulas de educação sexual na escola, ok?
Ele riu.
— Ainda assim, não é assunto de criança.
— Não sou criança!
— É sim, piccola.
— Eu tenho 13 anos, não me chame de piccola! — Aumentei o tom da minha voz e a
risada de Piero me irritava ainda mais.
— Porque sempre vai ser minha piccola. — Bagunçou meu cabelo e eu bati em sua mão.
— Eu te odeio.
— Não odeia. Agora deita aqui e vou te contar uma história pra dormir...
— Não! Não sou um bebê pra deitar em seu colo, se liga!
Eu me levantei e marchei para a escada ignorando seu chamado e ainda lhe mostrei o
dedo do meio para enfatizar que não estava de brincadeira.
Piero foi embora com Gabriela na manhã seguinte, eles iriam para Côte d’Azur sozinhos.
Eu queria não ter brigado com ele no afã de lhe mostrar que estava crescendo e não
desejava ser tratada como criança. Queria deitar em seu colo como fiz tantas vezes antes até
adormecer.
Queria ainda ser sua pessoa favorita assim como ele era a minha.
Mas dois anos se passariam até que eu o visse de novo e, desta vez, eu sabia exatamente
qual era o motivo da rebelião que se iniciou dentro de mim naquele verão.
Eu tinha 15 anos, e como Gabriela garantiu, já não achava os garotos nojentos. A maioria
deles ainda eras bobos, mas eu havia me arriscado em alguns encontros e deixado me levar por
anseios recém-descobertos que me faziam começar a entender o porquê de todo barulho em volta
de sexo, embora ainda não tivesse chegado tão longe.
E assim que botei os olhos em Piero eu soube que tudo havia mudado para sempre. Eu
não era mais uma criança, embora ele ainda me tratasse como tal, ignorando que agora meu
corpo era tão bonito como o de sua ex, ou todas as mulheres que continuavam passando por sua
cama, afinal, tia Lídia não teve sorte e fosse lá qual o feitiço de Gabriela, não foi o suficiente
para prender Piero além daquele verão.
E embora Piero ainda me chamasse de piccola, dentro de mim o amor pueril de irmão
mais velho tinha ficado para trás. A inocência se foi, deixando no lugar uma paixão nova e
proibida que me fazia ansiar por uma maneira de fazê-lo sentir o mesmo.
Para Piero, eu era só uma criança, mas naquele verão eu desejava que tudo mudasse.
E quando mudou, não foi da maneira que sonhei.
— Estou te vendo aí, piccola — ele me chamou quando desci as escadas naquela noite,
não mais com medo de monstros, mas assombrada pelos sentimentos que me consumiam.
Porém, enquanto caminhava em sua direção, hesitei, sentindo na postura de Piero,
sentado no sofá, com um cigarro entre os dedos, algo sombrio que me fez estremecer de um
pressentimento ruim.
— O que aconteceu? — indaguei baixinho.
— Vem aqui, piccola.
Eu fui, porque não havia outro lugar do mundo que eu quisesse estar.
Deitei com a cabeça em seu colo, como fiz tantas vezes.
E enquanto acariciava meus cabelos com carinho infinito, ele contou como aqueles que
amávamos se foram para sempre.

A partir daquele dia, Piero passou a ser o adulto responsável pela minha vida.
A pessoa que substituiria meus pais, mortos em um terrível acidente de carro juntamente
com os pais dele.
Uma tragédia que nos transformou nos únicos sobreviventes, herdeiros de um império
que nos uniria de forma intrínseca para sempre.
E foi quando percebi que aquela tragédia não havia destruído apenas minha família.
Havia matado também os meus sonhos.
Piero agora era meu tutor.
E eu teria que matar o desejo mais profundo do meu coração de que ele fosse meu amor.
Um
Ariella

— Estou te vendo aí, piccola.


A voz grave chega até mim e fecho os olhos, meus dedos se fechando com força no
corrimão da escada, onde estou parada há alguns segundos, com uma hesitação nervosa que não
costumo sentir.
Não há um pingo de insegurança em mim.
Muito pelo contrário.
Eu me atiro ao mundo, anunciando minha presença de forma ruidosa a maior parte do
tempo. Quase petulante, diriam alguns. Atrevida, diriam outros.
Não me importo.
Eu aceito todos os adjetivos. Porque sou tudo isso que falam de mim.
Atrevida. Petulante. Impertinente. Destemida.
Só há duas opções para aqueles que me conhecem: ou se apaixonam por mim, por minha
fome de viver sem medir consequências, meu temperamento vivaz e irreverente, minha forma
atraente que fascina e seduz.
Ou me odeiam.
“Insolente demais. Abusada demais. Sensual demais.”
Para esses, minha presença é quase uma afronta.
Eles preferiam que eu fosse diferente. Mais boazinha, mais suave, mais silenciosa.
Para esses eu mandava um grande foda-se. Não me importo nem um pouco com a opinião
alheia. Meus professores no colégio provavelmente soltaram fogos quando me formei há uma
semana, e finalmente se viram livres de mim.
“Uma rebelde, subversiva, agitadora”. Eram elogios que eu ouvi nesses últimos três anos
em Wycombe Abbey School, um internato para alunas de famílias abastadas nos arredores de
Cambridge, para onde fui enviada depois da morte dos meus pais.
Ele me internou lá. Era onde ele me queria. Longe de suas vistas.
Piero faz parte do grupo dos que me odeiam. Cuja presença é uma afronta.
Há três anos a dinâmica do nosso relacionamento mudou para sempre.
Às vezes, me recordo com saudade da época onde tudo era mais simples. Quando seu
amor por mim era certo como o sol que nasce e se põe todos os dias. Quando meu amor por ele
era fácil como respirar.
Faz três anos que eu sufoco.
Três anos que os sentimentos dentro de mim crescem numa lama escura e viscosa como
enxofre, transformando tudo em rancor e fúria.
Três anos do dia em que Piero passou a me encarar como uma ameaça. Uma inimiga.
Ainda assim, ele não podia se livrar de mim.
Enviou-me para um rígido colégio exclusivo no afã de dobrar meu espírito e conter a
rebelião feroz que comecei naquele dia.
Eu não estava disposta a deixar que me colocasse naquele lugar em que insistia que era o
único que eu poderia ter. Foi naquele dia que descobri uma força avassaladora dentro de mim,
uma determinação feroz que não via limite.
Eu acendi o fósforo, que queima em meus dedos desde então, enquanto tento atingir Piero
com essa chama, mas quanto mais me aproximo, mais ameaço, mais ele se distancia com uma
rigidez implacável que pouco me lembra aquele garoto que me ensinou a ter coragem de pular no
mar.
Não há mais risos e carinho para mim.
Apenas controle e austeridade.
Ou fúria e gritos quando ultrapasso o limite que ele impôs para minha conduta.
Confrontos que odeio e amo na mesma proporção.
Faz alguns meses que não o vejo, desde nosso último confronto, quando ele foi chamado
no colégio sob a ameaça da minha expulsão depois de organizar uma fuga com outras alunas
para uma festa na Universidade de Cambridge.
Aquela briga foi a pior de todas, talvez por estar próxima de fazer 18 anos e saber que,
em breve, estaria fora dos portões do austero colégio, pronta para viver minha vida adulta,
mesmo que ainda sob o escrutínio de Piero, afinal, ele seria o tutor da minha herança até meus 21
anos.
Naquele dia, gritei às suas costas enquanto ele se afastava, levando todos os demônios em
seus ombros, que em breve não poderia mais me prender ali e que estaria ferrado quando eu
estivesse livre.
Este dia chegou.
A raiva e os ímpetos de vingança haviam se arrefecido nos meses que se seguiram,
porque posso odiar Piero, mas ainda o amo na mesma proporção.
E bem no fundo do meu coração, ainda sou aquela menina recém-descobrindo a paixão
adulta que botou os olhos em sua figura incrível e o quis para si.
Eu ainda o quero pra mim. Não importa quanto eu grite ao contrário, o quão proibido e
errado é este sentimento.
Não importa quantos homens tenham passado por minha vida, na ânsia de sufocar aquele
sentimento.
Nada se compara a Piero.
Faz uma semana que voltei a Londres e sabia que ele estaria de volta em algum
momento. Eu poderia ter ido para Milão, na sede da “House of De Vere”, mas só havia um
motivo para eu ir para a Itália, ver Piero.
E também sabia que ainda estávamos em meio a uma guerra. E agora que finalmente o
dia que tanto ansiei chegou, eu me dou conta de que não foi por liberdade que ansiava.
Eu ansiava por ele.
Pelo dia em que Piero não poderia mais dizer que eu era uma criança.
Eu sou adulta, afinal.
E ele está aqui.
Meu tutor. Meu amor. Meu inimigo.
Respiro fundo, confiro minha imagem no espelho, os longos cabelos escuros caindo sobre
minhas costas, domados por um laço preto, que me dá uma aparência quase pueril se não fosse
pela saia de colégio xadrez que uso num óbvio impulso de provocar Piero, porque ele foi
chamado a primeira vez na escola porque eu insistia em encurtar tanto minhas saias de uniforme
que não podia me mexer sem mostrar demais. Foi a primeira briga na sala da diretora Tilbury
que tivemos. E, embora eu tenha aumentado a barra das minhas saias a partir de então com dó da
pobre diretora que não aguentava mais ter que lidar não só comigo, mas com todas as meninas
que seguiram a minha moda, minha discussão com Piero por causa disso gerou ofensas que me
deixaram revoltadas a ponto de ter mantido as famigeradas saias e vesti-las na sua presença para
afrontá-lo.
Ele apenas me media com exasperação silenciosa e não emitia uma palavra, me deixando
ainda mais irritada.
Talvez esteja mais do que na hora de aposentar essa provocação, afinal, estou fora do
colégio, mas não resisti a uma última cena. Piero está próximo de saber que a menina do colégio
ficou para trás, por isso completo o visual com uma bota Gucci até minhas coxas, uma blusa de
gola alta preta, que me deixa elegante, e um colar de pérolas que foi da minha mãe.
Estou bonita.
Estou pronta para começar um maldito incêndio.
Dois

Três anos antes

Ariella

Eu não tinha me dado conta do que significava de verdade a morte dos meus pais até a
hora em que sentamos na sala da nossa casa em Londres junto ao advogado, Robert Jenks,
enquanto ele lia os termos do testamento e chegou à parte em que Piero fora designado como
meu tutor legal.
Por um momento, não entendi, atordoada, talvez ainda sob os efeitos do calmante que me
obrigaram a ingerir, para que conseguisse sair de Portofino e viajar para Londres para o serviço
fúnebre dos meus pais.
Ontem fora o enterro dos pais de Piero e ele chegara hoje de manhã para acompanhar o
dos meus pais.
Desde que ele me contara sobre o acidente, eu sentia como se estivesse flutuando numa
nuvem de irrealidade e fosse acordar daquele pesadelo a qualquer momento.
Não parecia real que meus pais estivessem mortos.
Apenas há três dias eles haviam se despedido antes de partirem junto com os Salvatore
para esquiar nas Bormios.
— E por que não me chamaram? — Eu havia resmungado ao entrar no quarto onde
minha mãe dava os últimos retoques na maquiagem e me atirado em sua cama ainda desfeita.
Papai estava na varanda ao telefone, acredito que tratando de negócios, algo que ele
nunca parava de fazer mesmo nas férias.
— Eu duvido que gostaria de ir com a gente, querida.
— Piero vai? — indaguei o que realmente me interessava.
— Não, não vai. Quem vai tomar conta de você?
E revirei os olhos como sempre.
— Não preciso de babá.
Mamãe riu abrindo sua caixa de joias e pegando um par de brincos de ouro e rubi.
Mamãe amava joias. Às vezes acho que ela amava mais suas joias do que a mim.
— Piero não gostaria de ser chamado de babá, com certeza.
— Porque ele não é. Tenho 15 anos, não preciso ficar sob a supervisão de um cão de
guarda. — Eu me levantei e comecei a fuçar em suas maquiagens.
— Piero não é um cão de guarda, é como seu irmão mais velho.
— Piero não é meu irmão, credo! — Estremeci de horror a simples alusão a qualquer
parentesco entre nós enquanto pegava um batom vermelho e passava sobre meus lábios.
— É como se fosse, sempre a tratou como uma irmãzinha querida e você o adora.
— Não sei se ainda o adoro não... — reclamei.
Mamãe levantou a sobrancelha pra mim, através do espelho.
— O que é isso agora? Sempre foi amiga de Piero.
— Ele está diferente.
— Acho que você quem está diferente.
— Claro que sim, não sou criança. Não quero ser tratada como uma.
Eu estava muito irritada desde que chegamos a Portofino, e Piero continuava me tratando
como uma bebezinha e ainda achava engraçado quando eu ficava brava.
— Eu sei que pode ser difícil ter essa idade. — Mamãe se levantou e colocou o blazer
rosa sobre o vestido branco que ela mesma desenhou. — Muita coisa está mudando, mas em
breve tudo ficará mais fácil. E você e Piero voltarão a ser amigos de novo. — Ela se aproximou
e, pegando um lenço, limpou minha boca. — Este batom não fica bem em você.
— Por quê?
— Porque fica parecendo uma mulher.
Sorri enfiando o batom no bolso da saída de praia que usava sobre o biquíni.
Era exatamente o que eu queria.
— Ezra, desligue este telefone, vamos nos atrasar! — mamãe ralhou com papai pegando
a bolsa e saindo do quarto.
Caminhei até a varanda onde papai falava rápido em italiano, uma língua que ele passara
a dominar quase tanto quanto o inglês. Ele sorriu pra mim, tapando o celular com a mão.
— Algum problema, querida?
— Mamãe está te chamando, ande logo.
Papai era um homem bonito ainda, com seus cinquenta e poucos anos. Ambos meus pais
eram lindos, embora eu tenha puxado a minha mãe com os mesmos cabelos escuros, meus olhos
eram esverdeados como os de papai, podendo escurecer de acordo com a luz.
Ouvi um barulho de alguém pulando na piscina e me aproximei da bancada, meus olhos
brilhando enquanto observava o corpo masculino atravessando a água azul lá embaixo. Eu o
acompanhei com um olhar ávido, esperando o corpo emergir, os braços fortes tocando o chão
enquanto ele pulava para fora, pingando água.
Piero era italiano, mas podia ser comparado a um deus grego.
Moreno, alto, perfeito.
Senti minha boca seca e um calor na boca do estômago que se alastrou por meu ventre e
mais ao sul, e arfei quase imperceptivelmente, atraída pelo homem que desfilava sob o sol com
toda sua perfeição masculina à mostra.
Eu o queria.
Tanto que chegava a doer.
Meu rosto estava vermelho e meu pulso acelerado, assim como meu coração quando ele
levantou o olhar e me viu, seu sorriso de dentes brancos atingindo um lugar proibido que ainda
tinha até vergonha de confessar a mim mesma.
Ele me deixava fraca e carente de algo que nem sabia o que era, apenas desconfiava.
Algo que nem um daqueles garotos bobos que deixei colocar as mãos desajeitadas em mim no
último ano poderia me dar.
Eu sentia, no fundo do meu ser, que apenas Piero poderia preencher aquele vazio. Desde
que nos reencontramos depois de dois anos sem nos ver, eu não conseguia me livrar daquele
desejo proibido e cada vez mais forte que me deixava frustrada por ele não perceber que eu não
queria que me tratasse como sua piccola, e sim como uma de suas mulheres.
Mas para Piero eu não passava de uma criança. Eu tinha vontade de chorar porque sabia
que o que sentia era proibido e sem esperança, mas não estava preparada para aceitar essa
realidade.
Ele acenou, antes de pular de volta na piscina, e com um suspiro pisquei para afugentar as
lágrimas bobas que se formaram em meus olhos e notei a presença do garoto bonitinho passando
pelo jardim com a atenção fixa em mim.
Sorri apenas porque era divertido flertar com Giuseppe, o filho do jardineiro, que estava
ali para limpar a piscina. Ele deixou claro desde que os conhecemos que ficaria muito feliz se o
deixasse me beijar um pouco. Talvez fazer mais que isso se eu permitisse. Ele tinha 17 anos e um
flerte quase descarado como era comum nos italianos.
Eu ainda era uma menina protegida ali, em uma das muitas casas de veraneio de nossas
famílias, e ninguém ousava chegar perto de mim, afinal, geralmente estava na companhia dos
meus pais e dos Salvatore e os amigos deles eram quase todos velhos. Às vezes, tinha algum
amigo de Piero por perto, mas obviamente ninguém iria ousar dar em cima de mim e não era
porque me achavam criança. Eu sabia que apesar de meus 15 anos, eu havia mudado muito nos
últimos meses. Eu tinha crescido. Tinha um corpo tão bonito como qualquer mulher jovem e
percebia os olhares dos homens sobre mim. Na escola em Londres, eu era uma das garotas mais
desejadas e podia ficar com quem quisesse, mas lá eram garotos da minha idade descobrindo o
que poderiam fazer com uma garota. Eu também queria descobrir o que fazer com eles e dera
alguns passos nessa direção, mas desde que botei os olhos em Piero de novo, soube o que queria
de verdade.
O que estava buscando.
E estava disposta a qualquer coisa para conseguir.
Papai desligou o telefone e me abraçou.
— Não apronte nada, hein? — Ele havia batido com o dedo no meu nariz, como sempre
fazia, fingindo uma autoridade que nunca lhe fora muito natural.
Na verdade, nem um dos meus pais era o que se podia chamar de pais modelos. Eles
eram joviais e liberais. Gostavam de viajar, beber e curtir com amigos, invariavelmente junto aos
Salvatore. Eu cresci mais com babás do que com eles, por isso amava tanto nossas férias. Eram
momentos nossos. Onde eles eram meus pais.
— O que eu aprontaria? — Abri um sorriso que tinha certa dose de ironia. Na maior parte
do tempo eu era uma boa filha. Facilitava que meus pais não fossem exigentes ou austeros. —
Sou uma menina obediente.
— Nem tão obediente e nem tão menina, não é? — ele disse sabiamente com um tom que
mesclava resignação a preocupação.
Aparentemente meu pai estava se dando conta que eu estava crescendo.
Ele beijou meus cabelos e se foi.
Se soubesse que era a última vez que o via, teria feito algo diferente?
Não fazia ideia.
Em poucas horas ele estaria morto.
— Você entendeu, Ariella? — O advogado estava falando comigo e pisquei, aturdida.
— Tutor?
— Sim, a tutela tem a finalidade de proteger os direitos e interesses dos menores, no caso
de morte dos pais ou perda do poder familiar. Nessas hipóteses, um tutor é nomeado para o
menor e fica responsável pela sua educação, provisão, administração de bens, entre outras
obrigações.
Meu olhar atravessou a sala, onde Piero estava em pé, próximo à janela, sua figura
envolta em sombra.
— Piero?
— Sim, Piero Salvatore foi designado como seu tutor.
— O que significa? Ele é...
Queria indagar “como meu pai agora”, mas parecia absurdo demais.
Eu não tinha parentes próximos até onde sabia. Os pais dos meus pais haviam morrido
antes de eu nascer. Eles eram filhos únicos e acho que havia primos distantes com quem não
tínhamos o menor contato.
Até aquele momento eu não tinha chegado à conclusão óbvia de que com 15 anos estava
órfã. Eu não tinha mais pai e mãe e como menor de idade, teria que ter um responsável legal.
Mas Piero?
De repente isso parecia errado demais, mesmo sendo a opção mais óbvia.
Nossos pais eram sócios em negócios bilionários, meus pais gostavam de Piero como
filho. Era como se fôssemos família.
Mas nem eu e nem Piero tínhamos família agora.
Quer dizer, eu sei que os Salvatore não eram como os De Vere. Havia primos e tios que
às vezes eu via em algumas ocasiões. Eu estive há uns três anos no casamento do irmão mais
velho de tio Francesco, Santino, com quem, mamãe me contara sem muitos detalhes, ele não se
dava bem.
Aparentemente havia muitas desavenças na família Salvatore que foram o estopim para
que Francesco abandonasse os negócios da própria família e se aliasse aos De Vere há vinte
anos.
— Significa que eu sou o responsável por você agora, Ariella — Foi Piero quem
respondeu muito sério, saindo das sombras.
O tom inflexível de sua voz congelou as batidas do meu coração, porque eu mirei seu
rosto bonito e finalmente me dei conta do verdadeiro significado de tudo aquilo.
Não.
Algo se rebelou dentro de mim, com a força de uma avalanche, enchendo meu peito de
revolta e negação.
Não.
O advogado continuava falando naquele jargão jurídico, mas era como se todas as vozes
fossem se distanciando e eu só escutasse os gritos dentro de mim.
Eu me levantei e caminhei até a janela, meu olhar cheio de tormenta descansando nas
árvores lá fora sacudidas pelo vento da chuva que se aproximava do céu cinzento.
Não.
Como vindo de muito longe, escutei os passos do advogado saindo da sala e de repente
estávamos só eu e Piero.
— Fale comigo — ele pediu suavemente.
Sua voz adentrou as várias camadas de medo que envolviam meu coração estraçalhado.
Em menos de 24 horas eu perdi tudo.
Meu pai. Minha mãe.
Piero.
Mas eu tinha Piero?
— Isso não está acontecendo...
— Eu sei, piccola. — Ele se aproximou e tocou meu ombro e estremeci, fechando os
olhos com força.
Seu toque era bem-vindo.
Eu queria que ele me puxasse para perto, que encostasse o corpo no meu, que me
abraçasse e me aconchegasse em seu colo.
Que me acolhesse.
Que me amasse.
— Vai ficar tudo bem.
— Não vai! — O soluço cortou meu peito e atravessou minha garganta como o lamento
de um animal ferido e sem pensar virei e me atirei no único lugar possível.
Seus braços.
Por um momento, ele me recebeu, os braços me apertando.
Solucei mais uma vez, meus dedos buscando a camisa preta e o puxando para mim com
desespero, enquanto meus lábios buscavam os seus sem pensar em nada a não ser o instinto
sublime de que ele me fizesse voltar a respirar, porque estava sufocando.
Minha boca tocou a sua, com um gemido de dor e necessidade. O contato durou apenas
alguns segundos, onde respiramos juntos, finalmente, antes de ele me empurrar.
Abri os olhos, atordoada e Piero estava me encarando com total horror, os dedos ainda
em meus ombros.
— Que porra está fazendo? — Ele estava aturdido e chocado.
Sorri com um longo suspiro.
— Eu te amo, Piero, por favor, não me afaste agora...
— O que está falando, Ariella, que... — Então algo em meu ombro chamou a sua atenção
e ele empalideceu, os olhos franzidos em confusão e incredulidade. Acompanhei seu olhar, me
dando conta do que viu.
Enquanto ele me segurava longe, o vestido de manga comprida e decote canoa que eu
usava havia se deslocado, deixando antever meu ombro.
Os olhos de Piero voltaram para mim, mergulharam nos meus em total horror.
— O que é isso?
— Acho que você sabe…
Três

Ariella

Desço os degraus que me separam do homem que amo e odeio na mesma proporção, com
uma determinação audaciosa estampada no pequeno sorriso em meu rosto. À medida que meus
passos ecoam no chão de mármore do corredor, meu coração se enche de uma ansiedade doce e
eletrizante.
Não posso negar que na minha imaginação, Piero estaria me esperando tão ansioso
quanto eu. Estaria feliz em me ver apesar da maneira em que nos separamos da última vez em
que estivemos na presença um do outro.
Piero pode me odiar, mas ele me ama.
Infelizmente não da maneira que eu quero que ame.
Não ainda. A voz atrevida sussurra em meu íntimo.
Piero não pode fugir pra sempre. Não sou mais uma criança que ele pode exigir que se
comporte me enfiando em um colégio rígido bem longe de suas vistas porque não consegue lidar
comigo.
Com o que me tornei.
Entro na sala e por um momento esqueço tudo quando o vejo sentado no sofá de couro da
casa dos meus pais usando um terno preto sob medida, sua figura morena enchendo o ambiente
claro e elegante de algo quase sombrio, é como se o ar se tornasse mais denso, pesado.
Sufocante.
Paraliso há alguns metros, hesitante novamente, meu estômago revirando de algo doce e
amargo, sinto-me como se houvesse duas de mim duelando em meu íntimo. A Ariella que é a
piccola do Piero, a menina que o ama com um carinho infantil e que quer se aconchegar em seu
colo e se sentir protegida do mundo. E a Ariella que Piero lamenta que eu não seja mais. Porque
agora a mulher que ele reluta tanto em admitir que me tornei está aqui e vive e respira à espera
dele.
Do homem, não do irmão carinhoso, do herói da infância.
Ou do tutor rígido e controlador.
Ele está com o olhar fixo no celular, o rosto bonito grave como se não estivesse
recebendo boas notícias. Imagino que era assim que ele recebia as mensagens da diretora
Tilbury.
— Más notícias? — Quebro o silêncio, denunciando minha presença, ele levanta a cabeça
e os olhos escuros se prendem em mim.
Por alguns segundos, não há expressão alguma ali e eu me pergunto, insegura, que Piero
vou encontrar.
Ele ainda está com raiva de mim? Ou a raiva se arrefeceu nos meses em que não nos
encontramos?
Talvez ele ache que eu esteja com raiva, e me vejo abrindo um sorriso, percebendo que
não desejo brigar hoje, não quero ser afrontosa ou impertinente para provocar sua ira.
Quero uma trégua, nadar com ele em mares tranquilos como antes.
E quando ele sorri de volta é como se meu coração ganhasse asas.
Por um momento, apenas sorrimos um para o outro e sei que está passando em sua mente
as mesmas coisas que na minha. Lembranças de tempos mais felizes e simples. O som de nossos
risos enquanto apostávamos quem chegaria primeiro ao iate com o Mediterrâneo inteiro a nos
guiar, o sol que queimava nossa pele quando eu me juntava a ele à beira da piscina com um livro
a tiracolo que passaria horas lhe contando a história, mesmo que não se importasse no fundo com
o que eu estava falando. Ele apenas me ouvia. As horas intermináveis que passou me ensinando a
jogar xadrez, sua voz suave cantando canções em italiano para eu dormir, quando deitava em
suas pernas nas noites quentes, enquanto nossos pais estariam em algum lugar se divertindo.
Tudo isso ficou no passado.
Mas nós ainda estamos aqui.
E essa certeza me enche de uma segurança que apaga tudo o mais. Não importa que ele
não me ame como eu quero. Não importa que hoje, ele me odeie a maior parte do tempo.
Nossas almas ainda são feitas do mesmo material.
Eu sei. Ele sabe. E Isso é uma dádiva e uma maldição.
— O mundo real é cheio de notícias ruins, piccola — responde por fim e como sempre
nos últimos três anos, quando ele me chamava de piccola, algo revira meu estômago, trazendo de
volta a frustração que não consigo evitar. Seria tão mais fácil que aquele desejo proibido não
tivesse se infiltrado em meu coração e se alastrado por meu sistema como veneno, me matando
aos poucos a cada minuto em que eu não podia tê-lo pra mim. — Vai se acostumar. — Sua voz
sai cheia de um humor sombrio que não me assusta.
Piero acha que estou com medo do mundo real? Eu estou salivando por isso.
— Pelo menos essas notícias não são sobre mim...
— Acho que será até estranho não receber reclamações de Audrey sobre você.
— Audrey?
— A Sra. Tilbury.
— Vocês se tratavam pelo primeiro nome?
Ele ri.
— Acho que ela sabia meu número de cor, de tanto que tinha que me ligar para contar de
mais uma de suas peripécias. — Há censura em sua voz e dou ombros com um olhar de descaso.
— Ela era uma bruxa e me odiava.
— Ela tinha razão. Você procurava problemas. — Ele se levanta, guarda o celular e vai
até o bar.
Eu o observo pegar um copo e whisky.
— Não vai me oferecer?
— Você não pode beber, piccola.
— Não sou uma criança, e sabe disso muito bem.
— Jovem demais para beber, melhor? — ele corrige.
— Tenho 18 anos, não sei se lembra.
Ele respira fundo, um riso de desagrado se formando em seus lábios e não consigo deixar
de esconder um sorriso.
— Então eu vou beber sim. O mesmo que você — exijo sem dar margem à discordância.
Piero pode não fazer o que pedi, mas ele sabe que se não fizer vou fazer eu mesma.
Ele vai ficar puto, vai começar a me dar um sermão, eu vou revidar e em minutos
estaremos discutindo até que as ofensas ficarão pesadas a ponto de recuar e ir embora.
É sempre ele quem recua.
Da minha parte, não tenho nada a perder. Mergulho naquelas brigas com um prazer quase
sádico, porque é quando tenho a ilusão que me trata como igual.
Uma oponente à altura.
Caminho de forma mais sensual possível até a poltrona vermelha me sentando e cruzando
as pernas, não deixando de encará-lo enquanto ele pega um copo e prepara a bebida.
Piero não faz contato visual comigo enquanto se aproxima e coloca o copo na minha
mão. Nossos dedos se tocam por alguns segundos e estremeço me perguntando se ele não sente o
mesmo.
Se não sente aquele choque que faz os pelos da nuca arrepiarem.
Ele senta à minha frente, bebericando a bebida escura e faço o mesmo.
Não gosto de whisky. Já tomei de tudo que existe neste mundo para saber que prefiro
bebidas doces. Claro que Piero sabe e odeia.
— Você odeia que eu seja adulta agora?
— Por que odiaria?
— Porque não pode mais me controlar.
— Quem disse que eu gosto de te controlar?
— Então por que não declinou de ser meu tutor?
— Não havia outra opção, sabe disso. Quem mais ia ficar de olho em você?
— Você odiou cada minuto.
— Você não facilitou nem um minuto.
— Agora acabou.
— Você não tem 21 anos.
— Mas é diferente agora. Não sou mais uma estudante que pode me mandar para um
internato para me manter sob controle.
— Não adiantou nada te mandar para Wycombe Abbey.
Solto uma risadinha.
— Eu achei que seria expulsa em pouco tempo.
— Era essa sua intenção?
— Claro que sim, não era óbvio?
— Você parecia feliz, tinha amigas.
— Sim, eu fiz amizades que deixaram os dias menos horríveis, mas ainda assim me
sentia numa prisão.
— Não era uma prisão. Estava lá para ter educação, boas maneiras.
Reviro os olhos.
— Arg! Boas maneiras!
— Estou vendo que Audrey falhou miseravelmente nesse quesito. Me pergunto se valeu a
pena todas as doações que fiz para mantê-la de boca fechada sobre você no conselho e não te
expulsarem.
Abro a boca, surpresa com aquela informação.
Mas acho que não deveria ficar tão chocada assim.
Eu aprontei tudo o que podia para me livrar dos portões de Wycombe Abbey e de nada
adiantou.
— Parece surpresa.
— E nem deveria. Claro que você ia fazer alguma coisa suja por baixo dos panos para me
manter presa lá. Afinal só a sua vontade prevalece!
— A minha vontade? Não faz ideia do que eu quero, Ariella.
— Então me diz.
Ele toma o resto da bebida com uma expressão de desagrado.
Dói quando ele faz isso.
Quando deixa claro o quanto odeia me ter sob sua responsabilidade.
Eu também odeio, mas por outros motivos.
Ele sabe. Mas finge que não sabe.
Dançamos aquela dança há três anos.
— Eu quero que você vá para Milão.
Eu me surpreendo.
Não havíamos conversado sobre meu futuro, mas nós não trocamos sequer uma palavra
nos últimos meses.
Na verdade, também não pensei sobre este assunto. Eu vivia para o dia em que sairia da
escola e me veria livre, mas a única coisa que eu pensava em fazer com essa liberdade era o que
não podia.
Ainda assim, era a única coisa que eu pensava como uma obsessão.
Nós conversamos sobre isso nos últimos tempos na escola. Georgina tinha um namorado
sério há anos que estava se formando em medicina e sonhava em trabalhar na África e era para
onde ela estava indo com ele. Era óbvio que não era o sonho dela. Georgina era uma nerd que
sonhava em ser professora universitária, seguir carreira acadêmica e essas bobagens chatas, mas
estava seguindo George, o namorado, porque achava que era o que tinha que fazer.
Eu não achava que Georgina amasse George de verdade. Quem em sã consciência
namora três anos e continua virgem? Ela não falava com todas as letras, mas eu não era idiota.
Tinha alguma coisa errada ali, mas não seria eu que abriria os olhos de Georgina. Ela achava que
eu era uma piranha por me divertir com garotos sem pensar nas consequências. Estava sempre
pronta a criticar meu comportamento. Ao contrário de Anya, que até pouco tempo era tão virgem
quanto era possível, mas ao contrário de Georgina, Anya era proibida de ter qualquer namorado
pela mãe superprotetora, embora eu desconfiasse que tivesse a ver com o avô grego de quem ela
era única herdeira.
Ela estava indo para a Grécia encontrar o avô que nem conhecia. Mal sabia ela que o
grego gostoso que conheceu nos últimos dias de aula não via a hora de reencontrá-la. Anya não
fazia ideia de que eu conhecia Alexis Kostapoulos antes dela e que armei aquele encontro
“casual” no pub no dia em que fugimos. Mas o que dizer? Eu sou uma romântica, embora
ninguém acredite.
Não é porque a minha história de amor é quase uma tragédia grega que eu não queira que
as pessoas não vivam uma paixão.
Não sei o que vai acontecer com Anya e Alexis, mas ela decidiu que queria estudar moda
e eu me empolguei com a ideia também. Minha mãe era estilista, minha família é dona de um
império envolvendo moda. Por que não?
Ir para Milão estava em meus planos sim. Claro que eu queria estar perto de Piero, mas
também sabia que ele daria um jeito de me impedir.
Não é o que ele faz há três anos, me afastar?
Mas agora ele me surpreende com este convite direto.
Não posso impedir a chama da esperança tola e suicida se acender em meu peito. Eu me
levanto, sem conter a onda de energia que começa a formigar em meus ombros. Caminho meio
ansiosa por um momento e me volto.
— Quer que eu vá pra Milão?
— Sim, é onde estão os nossos negócios. É onde eu moro — responde vindo na minha
direção.
— Quer que eu more com você?
— Você pode ter sua casa, não me oporia a isso, claro.
— Mas e se eu quisesse morar com você?
— Adora encher a boca pra dizer que é adulta, não gostaria de ter a própria casa? — Ele
para na minha frente, com as mãos nos bolsos.
Eu sou alta, mas ainda assim tenho que levantar a cabeça para encontrar seu rosto.
Piero tem um rosto esculpido. Maxilar forte coberto por uma fina camada de barba por
fazer, um nariz reto e imponente, olhos escuros com cílios compridos e sensuais.
Lindo.
— Achei que ficaria feliz em me ter sob seu domínio. Pra me vigiar, me dobrar.
— Acha que eu conseguiria te dobrar?
— Não. Por isso não entendo esse súbito interesse em me ter por perto.
— Não quer ir pra Milão?
Eu quero estar em qualquer lugar que você esteja. É o que quero responder.
— Por que achou que eu iria fazer o que quer de novo? Você me enfiou naquele colégio
contra minha vontade. Vai querer que eu vá morar em Milão contra a minha vontade
também? Eu posso não ter o mínimo interesse em ir pra Milão. Tenho meus próprios planos!
— E quais seriam eles?
— Eu quero viajar por um tempo.
— Você já viaja demais.
— Nas férias. Quero viajar pra me divertir.
Sua expressão se enche de desagrado. Claro. Ele não gosta disso.
Ele sabe bem o que significa minha diversão.
Foda-se.
— Sozinha?
Dou de ombros.
— Com minha amiga Anya Giannoulis talvez, e acho que faremos faculdade juntas.
Ele levanta a sobrancelha.
— Quer estudar? Depois de gritar tantas vezes que não precisava. Como é mesmo que
dizia? Eu sou rica, não preciso dessa merda.
Sim eu havia gritado muitas asneiras para Piero naqueles anos.
— Nós queremos estudar moda.
— Isso é uma surpresa.
— Por quê?
— Porque nunca demonstrou interesse. Me diga, é uma ideia sua ou de sua amiga que
está embarcando junto porque não tem nenhum plano?
— Você acabou de ouvir, eu tenho planos! Não me trate como uma idiota.
— Eu ouvi que tem planos de não fazer absolutamente nada de útil, como sempre, apenas
se divertindo sem nenhuma responsabilidade.
— E qual o problema? Posso fazer o que eu bem entender agora. Por que se importa? Me
diga, por que quer tanto que eu vá pra Milão? Por que não confia em mim, que eu cresci e posso
cuidar da minha própria vida? Por que é tão difícil pra você entender?
— Eu queria acreditar. Não sabe o quanto quero acreditar que é uma mulher adulta e não
uma criança.
— E por que não acredita? — Minha voz se torna um murmúrio queixoso.
— Não fez nada nesses três anos que apontasse o contrário, porra! — Ele perde a
paciência. — Passou esses malditos três anos se rebelando contra mim, agindo como uma
menina mimada e inconsequente em vez da adulta que tanto quer me fazer acreditar que é!
Eu empalideço como se Piero tivesse batido na minha cara.
— E você sabe por quê! — Aumento a voz.
Piero aspira forte, as narinas se contraindo e percebo que estamos à beira de mais uma
briga.
— Inferno, Ariella! — Ele recua passando os dedos pelos cabelos. — Não foi pra brigar
com você que vim aqui hoje, mas não facilita, não é?
— Agora a culpa é minha?
— Nem um de nós tem culpa disso aqui.
E eu sei que está falando do fato de que ele é meu tutor por causa da tragédia que se
abateu sobre nossa família há três anos nos deixando naquela situação.
Eu recuo também.
Sei que Piero tem razão quando diz que sempre me rebelei.
Mas era a única maneira que eu conseguia lutar.
E por mais que tenha uma parte de mim que está cansada de brigar, há outra que não quer
entregar as armas.
Porque é o que Piero sempre quis.
Que eu recuasse e ele pudesse me colocar no único lugar que quer permitir que eu tenha
em sua vida.
Não, não posso.
Dou um passo em sua direção.
— Por que, de verdade, está me convidando para ir pra Milão?
— É nossa casa.
— Sua casa.
— É onde seus pais gostariam que estivesse. Acho que chegou a hora de se preparar para
assumir seu lugar neste legado.
— Não é essa a resposta que eu quero.
— O que você quer?
— Me dê um único motivo para me convencer que não seja essas bobagens de herança e
legado. Sabe tão bem quanto eu que não preciso assumir nada. Você sempre estará lá por mim —
insisto —, me faça acreditar que realmente me quer por perto!
Por um momento eu espero.
Eu anseio.
Rezo para ouvir o que sempre sonhei.
Bastaria uma palavra.
Nem que fosse um pequeno gesto que me desse esperança...
Mas antes que responda escuto passos se aproximando e Piero olha através de mim.
Sua expressão muda, se recompõe.
— Aí está você. — Uma voz feminina se faz ouvir.
Eu me viro e uma mulher loira e bonita está ali.
Ela passa por mim. Piero estende a mão e ela a segura.
— Ariella, esta é Violet. Minha noiva.
Por um momento, sinto como se toda a vida fosse tirada do meu corpo.
Noiva?
Ele disse noiva?
Meço a mulher bonita que sorri, enganchada no braço de Piero, as unhas pintadas
francesinha fincadas no terno preto e o brilho do anel de diamante ofusca meus olhos, quase me
cegando.
Meu estômago embrulha e por um instante vejo tudo preto.
Não.
— Noiva? — repito.
— Violet, essa é Ariella De Vere.
Ela sorri pra mim.
— Muito prazer.
É uma mulher bonita, com os cabelos lisos e impecáveis, usando roupas finas e elegantes
que grita de longe dinheiro antigo.
De onde diabos saiu aquela mulher?
Noiva! Piero está noivo.
Sinto que posso vomitar.
— Ei, tudo bem? — ela indaga meio preocupada com a minha falta de reação.
— Ariella está surpresa, eu não havia lhe contado ainda sobre nosso compromisso — é
Piero quem responde.
Engulo a vontade de cuspir na sua cara.
Filho da puta.
Desde quando ele está com aquela mulher?
Claro, eu sabia que Piero estava cercado de mulheres. Ele deveria comer um bom número
delas por aí, mas nunca teve uma namorada séria, que dirá noiva!
— Eu não sabia da sua existência, na verdade. — Não consigo evitar a frieza na minha
voz.
— Pois eu sei tudo sobre você, claro. Achei muito bonito o que Piero fez, se
responsabilizando por você depois da morte dos seus pais. É realmente uma pena que tenha
ficado órfã tão novinha, e sem ninguém da família para tomar conta de você...
— Eu não era uma criança, tinha 15 anos.
— Ainda uma criança.
— Mas não sou mais — esclareço olhando diretamente para Piero que se mantém
impassível.
Abaixo os olhos para a mão dele na cintura de Violet e quero tirá-la dali.
Quero tirar aquela mulher de perto dele.
Quero tirá-la do mundo.
— Sim, Piero disse que saiu do colégio. É um alívio, não é? Mas agora estou feliz que
esteja aqui, e poderemos nos conhecer. E poderá me ajudar nos preparativos do casamento.
— Casamento? — Sinto falta de ar.
Ele não vai casar vai?
— Ora, noivados são para isso. — Ela sorri e levanta a cabeça. — Eu não vejo a hora. —
E a coisa mais nojenta acontece. Piero sorri pra mulher e a beija de leve.
Segurar a bile na garganta é quase impossível.
De repente um celular toca e ela se afasta de Piero pegando o aparelho no bolso da calça
elegante.
— Oh, é o meu. Preciso atender. Enfim, foi um prazer te conhecer, Ariella. Espero que no
jantar de hoje possamos conversar mais.
Ela se afasta, desaparecendo no corredor, e eu encaro Piero, agora sem disfarçar todo
meu desgosto.
— Quem é essa mulher?
— Você ouviu, Violet, minha noiva.
— Nunca me falou dela! Nunca... Isso não está acontecendo! — Ofego, um nó
começando a fechar minha garganta.
— Estamos juntos há poucos meses, ficamos noivos recentemente — Piero explica
casualmente, como se não estivesse narrando meu maior pesadelo.
— Vai se casar...
— Sim, muito em breve, piccola.
Fecho os olhos, lutando para respirar.
— Agora eu tenho que ir, tenho uma reunião de negócios na cidade, como Violet disse,
vamos jantar nós três, esteja pronta.
E simples assim, me dando ordens, ele se vira pra sair, mas eu reajo finalmente,
estendendo a mão e segurando sua camisa, o fazendo parar.
— Não pode se casar com ela! Não pode fazer isso comigo!
— Não tem nada a ver com você, Ariella.
— Não? Tem certeza? Que coincidência que quando eu saio do colégio, finalmente, você
esteja noivo. Sabe por que está fazendo isso. Está se protegendo de mim. De nós!
— Chega. — Ele afasta minha mão. — Não existe nós. Está delirando!
— Não? Tem certeza?...
Quatro

Três anos antes

Piero

— Tenho uma missão para você.


A voz do meu pai me alcançou assim que emergi da água e sentei à beira da piscina, o sol
do Mediterrâneo ofuscando minha vista quando levantei a cabeça para encontrar os olhos verdes
de Francesco Salvatore fixos em mim. Ele era um homem bonito, alto, moreno, cabelos grisalhos
cheios que lhe conferiam um charme atemporal daquele tipo de homem que não importava a
idade, sempre seria atraente. Minha mãe gostava de dizer que eu seria como ele, que a genética
dos Salvatore é a melhor herança que poderia herdar, embora minha prima Marcella tenha
refutado essa teoria garantindo que eu ia preferir herdar o dinheiro e o poder. Claro, Marcella era
uma pequena mimada que embora tivesse nascido no berço de ouro dos Salvatore, ainda assim,
não parecia suficiente.
Da minha parte, apreciava o privilégio que o dinheiro e o nome Salvatore me davam.
Usufruía deles desde que nasci, sem realmente entender que era uma vida de regalias e vantagens
que só os ricos possuíam. Tive uma infância feliz com pais amorosos, embora nem sempre
presentes. Como todos os ricos, Lídia e Francesco tinham muitas ocupações não só com o
trabalho de gerir um império, como também desfrutar dos luxos que conquistaram com o carro
chefe dos negócios, a “House of De Vere”, uma casa de moda com sede em Milão que embora
fosse recente, conquistou o mercado de luxo e hoje era uma das maiores marcas de grife da
Europa.
Evelyn e Ezra De Vere eram ingleses ricos, herdeiros hedonistas que percorriam o mundo
sem nenhum objetivo a não ser se divertirem e gastarem o dinheiro que herdaram de suas
famílias até que Evelyn decidiu realizar o sonho de ser estilista e os dois foram para Milão, onde
conheceram meus pais, há vinte anos. Talvez o fato de minha mãe ser filha de ingleses tenha
unido as duas mulheres em uma amizade improvável. Naquela época, mamãe era uma doce e
dedicada mãe que ficava em casa tratando da minha educação, enquanto o marido estava
tentando financiamento para investir no próprio negócio. A família Salvatore era riquíssima,
porém, papai não se dava bem com o irmão mais velho, Santino, que foi o escolhido por meu avô
para gerir os negócios da família Salvatore. Assim, papai decidiu que queria fazer o próprio
caminho e os De Vere lhes possibilitaram essa ambição. Assim surgiu a “House of De Vere”, os
dois casais tornando-se sócios nos negócios e entrelaçando os laços numa amizade que hoje eu
considerava Evelyn e Ezra como família, assim como Ariella, a filha do casal que nasceu cinco
anos depois.
Eu sempre soube que meu destino era trabalhar nos negócios da família e que chegaria o
dia em que eu assumiria tudo. Por um tempo, durante a faculdade, que cursei nos Estados
Unidos, longe de tudo o que considerava certo e único caminho possível, me questionei se
realmente estava pronto para seguir aquele legado, fazer o que se esperava de mim. Eu estava
percebendo que o mundo era grande e que poderia haver outros caminhos. Talvez houvesse em
mim a verve rebelde que acometeu meu pai quando ele virou as costas para a família Salvatore
indo fazer o próprio destino.
Mas eu me formei há alguns meses e assumi meu lugar na “House of De Vere” e nunca
disse a ninguém sobre minhas dúvidas. Assim como não contei ao meu pai sobre o dia em que
tio Santino havia me pedido para trabalhar com ele, e não com os De Vere.
Não posso negar que hesitei, papai nunca me contou direito sobre por que havia se
afastado do meu tio, talvez pelo fato de meu pai ser o filho mais novo e ter sido preterido pelo
meu avô. E embora eles não fossem propriamente brigados, o relacionamento era conflituoso, e o
fato de minha prima Marcella, filha mais velha do tio Santino, pedir um estágio na “House of De
Vere” e agora ser uma das pupilas da Evelyn na área de mora, foi mais um motivo para acirrar as
desavenças. Inclusive eu desconfiava que era por isso que meu tio Santino pediu para eu ir para o
lado dele.
— Missão? — indaguei preguiçosamente passando os dedos pelos cabelos molhados.
Estava de férias, pela primeira vez na minha vida depois de meses trabalhando de
verdade. Não que eu fosse um preguiçoso, e eu tinha me surpreendido por gostar de me inteirar
dos negócios da De Vere, mas férias tinham um gosto diferente agora. Eu havia me esforçado
naqueles meses para aprender tudo sobre a empresa, porque esperavam muito de mim. Afinal, eu
era o único herdeiro, quer dizer, havia Ariella, mas ela era uma criança. E embora minha mãe e
Evelyn estivessem à frente dos negócios também, porém de forma mais criativa, Evelyn era
nossa principal design e mamãe era relações públicas, enquanto meu pai era o CEO e Ezra
cuidava da área financeira, ninguém esperava de Ariella a obrigação de assumir a empresa. Se
ela decidisse fazer qualquer outra coisa quando crescesse, ninguém se oporia. Ela era a
princesinha do império De Vere, protegida e mimada, com certeza não precisaria fazer nada da
vida a não ser gastar os dividendos que receberia como herdeira se assim desejasse. Mas decidir
o que faria na vida adulta ainda estava longe, Ariella mal completara 15 anos.
— Preciso que vá até Milão hoje.
— Por quê? Algum problema na empresa, tenho certeza que podemos resolver, já ouviu
falar de internet?
— Não é relacionado à empresa, quero que fale com Santino.
Franzi a testa.
— Tio Santino? Achei que estivesse em Aspen, com sua nova bela esposa.
Santino estava em seu terceiro casamento, desta vez com uma americana jovem chamada
Savannah.
— Não, ele está de volta. E havíamos marcado uma reunião, mas não poderei
comparecer.
— Por que não? Aliás, vai a algum lugar? — Com o canto do olho notei Evelyn e Ezra
passando pelas portas francesas e acenando antes de entrarem no carro.
— Vamos para as Bormios.
— Bormios? Vão esquiar no verão?
— Sim, sua mãe quer ir e Evelyn ficou animada, então decidimos fugir um pouco do sol.
— Ele sorri. — Devemos voltar em três dias.
— E por que devo ir ver Santino? — Eu me levantei, o encarando ainda confuso.
Eu tinha um bom relacionamento com Santino. Gostava do meu tio, um homem culto e
inteligente. Meu pai nunca gostou muito da minha aproximação com o irmão mais velho quando
me tornei adolescente. Os dois mantinham um relacionamento estranho e conturbado.
— Seu tio está com problemas financeiros. — Meu pai pareceu tenso.
— Sério? Eu não sabia.
Eu achava que os negócios dos Salvatore eram tão prósperos quanto os do meu pai.
— Muitas coisas você não sabe. — Meu pai de fato ficou tenso.
Uma buzina soou e nós dois olhamos na direção onde o casal De Vere os aguardava.
— Como assim?
— Não tenho tempo agora para lhe inteirar de tudo que precisa saber, filho. — Ele
pareceu subitamente frustrado. — Enfim, acho que já chegou a hora de ver quem seu tio é de
verdade.
— Eu sei que nunca se deram bem, mas realmente não estou entendendo onde quer
chegar.
— Nós conversaremos quando eu voltar. Só preciso que vá até Milão, e diga a Santino
que ele não verá mais nenhum dinheiro nosso.
— Dinheiro? Estão negociando com tio Santino?
— Ele está com um novo empreendimento, quer que eu invista dinheiro, mas não vai
acontecer. Já chega.
— Mas por que não pode ajudá-lo, pai? Somos família. De qualquer forma, você tem
direito a dividendos dos Salvatore também.
Ele riu com ironia.
— Há muito tempo que não preciso de um centavo que venha dos negócios escusos do
seu tio.
— Negócios escusos? — Que porra meu pai estava falando?
— Francesco, vamos logo! — Minha mãe escolheu aquele momento para sair da casa. Os
cabelos castanhos presos num coque elegante quando se aproximou e beijou meu rosto.
— Deveria vir com a gente, querido.
— Não, Piero vai para Milão hoje.
Mamãe subiu as sobrancelhas.
— Milão? Algum problema que não me contou?
— Apenas uma reunião de negócios que não pode ser adiada. — Meu pai lançou um
olhar de aviso para mim, e entendi que mamãe não sabia sobre Santino.
Eu acenei, concordando.
Ainda incomodado com aquela história.
Eu sabia das desavenças entre papai e Santino, mas não achei que houvesse dinheiro e
negócios envolvidos.
— Vá para o carro, eu já vou — papai pediu.
Mamãe apontou para algo além de mim, antes de se afastar.
— Fique de olho nela, hein?
Eu me virei e Ariella estava se aproximando e se deitando em uma espreguiçadeira com
um livro a tiracolo.
Meu pai colocou a mão em meu ombro.
— Está fazendo um bom trabalho, filho. Sabe que cheguei a duvidar que se encaixaria tão
bem nos negócios, mas está me surpreendendo.
— Então acho que está na hora de me inteirar da verdade sobre os motivos das
desavenças entre você e Santino.
— Tem razão, nós conversaremos quando eu voltar. Apenas... não confie nele, está bem?
Queria dizer que eu não tinha motivos para não confiar, mas assenti, enquanto ele se
afastou, e o observei entrando no carro com os De Vere.
Eu me virei e Ariella estava de olhos fechados, o livro sobre o peito. Sorri ao me
aproximar e pegar uma toalha na espreguiçadeira ao seu lado, sacudindo o corpo e fazendo
pingar água nela.
— Ei! — Ela abriu os olhos, indignada me fazendo rir.
— Vai se queimar dormindo aqui, piccola.
— Já falei pra não me chamar de piccola, que ridículo — reclamou.
Eu me sentei ao lado, de frente pra ela e peguei o livro de sua mão, ignorando seus
resmungos de adolescente.
— O Morro dos Ventos Uivantes?
Ela arrancou o livro da minha mão.
— Sim, qual o problema? Estou adorando.
— Não acho que entenda este livro.
— Por que não? É um clássico. E estou realmente achando lindo o amor de Catherine e
Heathcliff.
— É um tanto tóxico, não?
Eu apostava que Ariella com sua pouca idade não fazia ideia do quão pavoroso era o
relacionamento dos personagens daquele livro.
— Eu acho lindo. É amor.
— É obsessão.
— Não é a mesma coisa? Como Catherine diz, seja lá qual for a matéria que nossas almas
são feitas...
— A dele e a minha são iguais — completei. — Catherine era uma menina
impressionável, com certeza.
— E você é muito cínico!
Eu ri com vontade. Ariella estava diferente naquele verão, sempre pronta a me dar
respostas atravessadas e malcriadas e ficando mais irritada do que nunca com minhas
provocações.
Eu amava provocar Ariella desde que ela era um bebê. Quando ela nasceu, eu sentia que
era como minha irmã, mesmo não tendo o mesmo sangue. Eu sempre quis ter um irmão, ou irmã,
cheguei a pedir para meus pais, mas só entendi depois de uma certa idade que mamãe não podia
mais engravidar. Então quando Ariella nasceu, a tomei para mim. E mesmo quando nossa
diferença de idade se tornou muito gritante, afinal eu era 11 anos mais velho, e me tornei
adolescente e ela ainda era uma criança, ainda assim, adorava estar perto dela. Eu a protegia
como um irmão mais velho faria, a ensinei tudo o que podia, e a amava como se tivesse meu
sangue.
— Você está muito impertinente, piccola. Lembro que era mais dócil.
— Mais dócil? Como assim, como uma égua?
— Meu Deus, Ariella. — Ri daquela comparação sem sentido. — Você era uma criança
boazinha.
— Sim, eu era uma criança, não sou mais.
— Claro, agora é uma adolescente chata, começo a perceber — afirmei com certo
desagrado.
Sim, Ariella estava crescendo. Quinze anos já, parecia que foi ontem que eu segurava
seus bracinhos para poder andar. Ou que ela descia as escadas depois de um pesadelo e deitava
sobre minhas pernas para eu lhe contar histórias.
— Então, já que nossos pais deram o fora, acho que podíamos sair para nos divertir —
ela sugeriu.
— Não faço ideia do que tem em mente, mas odeio boysbands e não estou a fim de ir
comer hambúrguer...
Era o que ela sempre insistia em comer quando eu a levava para passear antes, e há uns
três anos ela estava obcecada com alguma banda de rapazes imberbes que era horrível.
Ela revirou os olhos.
— Você precisa se inteirar dos meus novos gostos, Piero.
— Eu tenho um compromisso hoje, piccola.
Eu me levantei e peguei o celular na mesa e digitei uma mensagem para Santino,
avisando que o veria hoje à noite.
— Compromisso? Vai me deixar sozinha?
— Não disse que não era mais criança?
— Sim, não preciso de babá!
Levantei o olhar do celular e ela estava de pé na minha frente. Quando foi que Ariella
tinha crescido tanto? Ela estava alta, a ponta de sua cabeça chegava em meu queixo.
Os olhos esverdeados brilhavam em desafio e uma frustração que não compreendi,
enquanto ela erguia o queixo com quase petulância, o rosto suado avermelhado de fúria e sol.
Ariella sempre foi uma criança bonita e tinha se tornado uma adolescente bonita também, nesses
últimos dois anos em que não nos encontramos.
— É só um jantar com meu tio Santino — expliquei, sentindo-me subitamente culpado de
verdade de deixá-la.
— Mas eu queria que fizéssemos algo juntos. Nunca mais ficamos juntos, só nós dois.
Havia uma carência e frustração em sua voz que me incomodou. Eu e Ariella
costumávamos passar muito tempo juntos nas férias, mesmo quando eu trazia algum amigo ou
namorada, sempre dava um jeito de aproveitar o tempo com ela. Porém, este ano, Ariella parecia
sempre de mau humor, se irritando com qualquer coisa e saindo batendo os pés para se esconder
no quarto. Minha mãe disse que eram os hormônios adolescentes, para dar tempo a ela, que ia
passar, agora eu me perguntava se havia algo mais que a incomodava.
Franzi o olhar, preocupado.
— Qual o problema, Ariella?
— Você não entende, não é? — Ela deu meia-volta e se afastou.
— Não entendo o quê? — gritei, mas antes que ela respondesse, meu celular vibrou e
desviei a atenção, para ver uma mensagem de Santino dizendo que havia uma festa que gostaria
que eu comparecesse hoje após nosso jantar.
Hesitei, mas acabei concordando.
Quando desliguei, procurei Ariella e ela estava conversando com um menino que via
muito por ali, o filho do jardineiro.
O menino sorria enquanto se aproximava e sussurrava algo no ouvido de Ariella, os
dedos subindo para segurar uma mecha do cabelo escuro.
Eu me enfureci automaticamente ao notar que aquele merdinha estava claramente
flertando com ela.
— Ariella! — eu a chamei, com uma autoridade na voz que fez os dois pularem. — Vem
aqui!
Ela ainda parecia brava quando me encarou e o menino estava meio incerto.
— E você, não tem trabalho a fazer?
— Sim, senhor.
Ele se virou indo limpar a piscina.
— O que você quer? — Ariella me encarou com desafio.
— Não quero que converse com os empregados.
Ela riu.
— Ele é meu amigo.
— Não, eu sou seu amigo, aquele ali é um merdinha cheio de hormônios que quero bem
longe de você.
— O quê? Se liga, Piero, sou amiga de quem eu quiser!
Ela marchou para dentro e eu respirei fundo, irritado.
E quando me virei, o garoto estava a acompanhando com o olhar ávido.
Eu não pensei duas vezes antes de me aproximar, segurá-lo pela camiseta e o empurrar
contra os arbustos.
— Ei, senhor, calma...
— Qual o seu nome?
— Giuseppe, senhor...
— Acho que prefiro te chamar de merdinha. Escute bem, seu punheteiro do caralho — eu
aproximei meu rosto do menino, que ainda tinha espinhas na testa —, fique longe de Ariella,
entendeu? Não quero que se aproxime dela, que olhe pra ela, que fale com ela, que sequer sonhe
com ela.
— Eu não tenho nenhuma intenção, senhor...
— Eu sei muito bem qual sua intenção, mas Ariella é uma criança! Se eu o vir perto dela
de novo, acabo com sua raça, entendeu? — Eu o empurrei. — Está avisado.

***
— Piero, finalmente! — Santino me recebeu de braços abertos, exibindo um sorriso
satisfeito no rosto moreno.
— Santino, como vai?
Eu o chamava de tio quando era criança, mas quando entrei na adolescência, ele insistiu
para que o chamasse apenas de Santino.
— Estou surpreso que Francesco tenha pedido que viesse aqui hoje.
— Eu também.
— E espero que tenha boas notícias.
— Na verdade, eu vim com um recado.
Ele levantou a sobrancelha.
— Meu pai pediu pra dizer que não vai ver nenhum centavo dele.
Meu tio pareceu contrariado por um momento, mas então sorriu.
— E Francesco lhe mandou aqui apenas para isso?
— Sim, eu também estranhei, mas ele citou algo sobre seus... negócios escusos.
Santino soltou uma sonora gargalhada.
— Ah Francesco, sempre querendo aprontar e pôr a culpa em mim. Coisas de irmãos,
alguns diriam! Mas ele sempre foi assim, desde que éramos crianças. Aprontávamos juntos, mas
Francesco não assumia sua culpa nunca. Eu sou diferente. Enfim, acho que devemos dar uma
volta.
Ele me guiou até um carro preto onde um motorista abriu a porta e entramos.
— Aonde vamos? A tal festa que citou?
— Quero lhe mostrar algo que só alguns sabem apreciar.
— O quê? Algo que faz parte dos negócios escusos, como papai disse?
— Depende do ponto de vista.
— Por que meu pai não quer investir no seu novo empreendimento?
— Seu pai adora me pintar como vilão quando nunca hesitou em usufruir dos meus...
empreendimentos sempre que lhe convinha.
O carro parou em um casarão antigo e saltamos.
Eu admirei a fachada da casa, iluminada, onde dois homens usando máscaras nos
receberam.
Piero me entregou uma máscara preta.
— O que é isso? Um baile de máscaras? Não faz meu estilo.
— Não é um baile de máscara, embora todos usem máscara aqui. É essa a regra.
— Regra do quê?
— Bem-vindo ao meu clube, Piero. Quero que esqueça tudo hoje à noite e se divirta.
Aprecie como um presente. Um esforço do seu velho tio para que você finalmente venha para o
lado certo da família.
— Está me chamando para trabalhar com você de novo?
— Eu sempre o quis comigo, sabe disso. E seu pai também sabe.
— Você tem seus próprios filhos.
— Marcella é uma pequena traidora e Luigi é um desgosto. Mas você... Você é um
diamante a ser lapidado, bambino. Não é justo que se contente em ser um lacaio dos De Vere
como seu pai. Sabe que eles têm a maior parte das ações, não é? Seu pai só tem 30%.
— Porque os De Vere foram quem investiram o dinheiro.
— Mas é seu pai quem administra tudo, quem fez o negócio crescer, ele quem fez o jogo
sujo que os De Vere nem imaginam, que contou com minha inestimada e discreta ajuda para
tanto.
— O que quer dizer?
— Homens são tão fáceis de agradar, basta usar a moeda mais antiga. É isso que nossos
clubes oferecem. A melhor diversão de todas com toda a discrição necessária. Lembre-se. — Ele
pegou a máscara e colocou sobre meu rosto. — Isso é só uma amostra, bambino.
— Eu gostaria que me falasse claramente.
Eu já começava a desconfiar do que se tratava, mas ainda não entendi que diabos que
significava e o que tinha a ver com meu pai.
— Meu pai frequenta este... clube?
— Não, seu pai é um homem fiel, pobre Francesco, mas ele sabe que a maioria dos
homens são fracos em apenas uma coisa. E eu sei. E você também. Por isso quando queremos...
que cooperem, nós damos algo em troca.
— Talvez eu não queira esse tipo de diversão hoje. — Eu ainda hesitei. Eu não queria
sexo.
Eu queria respostas para aqueles enigmas.
— Eu prometo que terá suas respostas amanhã. Hoje quero apenas que relaxe. Aqui,
ninguém tem nome, ou família, ou moral. Tudo é permitido. Somos apenas mascarados sem
rosto, dispostos a realizar nossos desejos. Colocamos máscaras e revelamos nossa verdadeira
natureza. Tenha uma boa noite, caro.
Ele retornou ao carro e a porta se abriu à minha frente.
A curiosidade me fez entrar no ambiente à meia-luz, onde os rostos de homens e
mulheres de máscaras transitavam num ambiente luxuoso.
Por um momento, apenas deslizei pelos corredores, onde os corpos femininos
estonteantes iam se desnudando e ficando apenas as máscaras em seus rostos, e a verdadeira
atmosfera do lugar se revelava aos meus olhos.
Então era este o clube de Santino Salvatore.
Um lugar onde homens se refestelavam com corpos femininos, realizando suas fantasias
hedonistas sem culpa.
Era isso que meu pai queria dizer com negócios escusos? Não parecia tão escuso assim.
Festas regadas a álcool, drogas e sexo, era algo mais comum do que se imaginava, ainda mais no
mundo daqueles que tinham dinheiro para usufruir desses prazeres.
Mas Santino disse algo sobre moeda de troca?
Quem eram esses homens mascarados? Porque estavam ali, com os rostos escondidos,
tocando em mulheres de máscaras que não sabiam o nome, assim como elas não sabiam seus
rostos?
Uma mulher de preto passou servindo uma bandeja com whisky e peguei um copo
virando quase todo o conteúdo. A bebida era boa.
Adentrei em uma sala e vários homens assistindo uma moça dançar, nua, usando apenas
uma máscara veneziana. Sorri. Ela era bonita, sensual e não parecia contrariada quando dois
homens se aproximaram. Um deles abaixou a calça sentando no sofá e ela se apressou em tomá-
lo na boca.
O outro ficou nu e a tomou por trás. Os gemidos encheram o ar.
Saí da sala e segui pelo corredor, onde várias mulheres de máscara desfilavam, algumas
usavam belos vestidos, outras apenas lingerie, e algumas estavam nuas.
Sentia meu desejo despertado pelos estímulos óbvios do ambiente feito para isso, mas ao
mesmo tempo que parecia instigante, também parecia superficial. Eu queria ir embora e
confrontar Santino sobre o que quis dizer com meu pai usufruindo daquele clube, mas também
poderia pegar qualquer uma daquelas mulheres e teria um bom orgasmo muito facilmente.
Que mal haveria? Algumas delas eram bonitas o suficiente para tentar o mais santo dos
homens.
E eu não era um santo.
Eu gostava de mulheres. Gostava de sexo.
E embora não fosse nenhum mulherengo degenerado, eu não era diferente da maioria dos
homens.
Eu estava tentado e começando a entender a sedução que um lugar como aquele poderia
exercer.
Então de repente senti um arrepio na nuca, eu me virei e uma mulher estava me
encarando há poucos metros de distância. Outras pessoas circulavam a seu redor, mas ela estava
com o olhar por trás da máscara escura que cobria boa parte do seu rosto fixo em mim.
Me chamando.
Era exatamente assim que eu me sentia.
Sendo chamado, reivindicado.
Dei um passo em sua direção atraído pela mulher que não podia ver o rosto, mas
deixando meu olhar subitamente ávido percorrer o corpo revestido por um longo vestido preto,
os cabelos vermelhos num tom irreal.
De repente ela se virou, desaparecendo por entre os corpos e eu avancei em sua direção,
sem ao menos pensar no que fazia.
Eu a segui pelos corredores, fascinado, instigado.
Até que ela desapareceu numa porta e me apressei naquela direção.
Quando adentrei no ambiente, franzi o olhar tentando enxergar, porque ali reinava a
semiescuridão.
— Olá? — eu a chamei.
E então ouvi o farfalhar de tecido na minha frente e lá estava ela, a moça de máscara
preta.
Eu abri a boca para falar, não sei bem o quê. Talvez perguntar seu nome, ainda preso nas
amarras sociais de um flerte que certamente não se aplicava ali, mas ela veio em minha direção e
colocou o dedo sobre meus lábios.
— Shi... — sussurrou e o som atingiu meu pau diretamente.
Porra.
Antes mesmo de ela me beijar, sua língua reivindicando a minha, eu já estava rendido.
Eu a beijei de volta, devorando seus lábios com gosto de champanhe e mistério, ouvindo
seus pequenos gemidos reverberar pela sala e causar arrepios em minha espinha.
Suas mãos estavam em meus cabelos, puxando, enquanto ela me beijava como se eu
fosse o primeiro e último homem do mundo, numa avidez quase desesperada.
Soltei um riso, gostando da maneira que ela me atacava como se fôssemos adolescentes e
pudéssemos ser pegos a qualquer momento, e não dois adultos em um clube de sexo que tinham
todo o direito de estarem prestes a foder um ao outro.
E era exatamente isso que eu queria agora.
Muito.
Queria arrancar sua roupa e mergulhar meu pau muito duro dentro dela.
Com um gemido rouco, eu a empurrei e me sentei no sofá de couro atrás de mim.
— Tire a roupa, quero te ver — exigi.
Não era pra isso que ela estava ali?
Queria pedir que ela tirasse a máscara, mas me lembrei que aquela era a regra e talvez
isso tornasse tudo mais excitante.
Ela deu um passo atrás e deslizou o vestido para o chão. Eu arfei, meu olhar percorrendo
o corpo feminino perfeito usando um sutiã preto de renda, calcinha transparente e meia 7/8 nas
coxas brancas.
Salivei e levei a mão à frente da minha calça.
— Tudo — ordenei.
Ela tirou o sutiã e os seios saltaram à minha vista, fiz uma anotação mental para que antes
que a noite terminasse eu estivesse gozando sobre eles.
Abri minha calça, enquanto ela deslizava a calcinha para o chão, ficando nua a minha
frente, apenas com as meias.
— Fique com elas — pedi enquanto abria minha calça e tirava meu pau. Ela arfou,
passando a língua sobre os lábios me deixando ainda mais duro.
Peguei uma camisinha na carteira, não estava tão maluco assim para não me proteger de
uma mulher que nunca vi.
Estendi a mão e ela a segurou sem hesitação.
— Agora vem até aqui e sente em mim. — Excitação pingava da minha voz e observei,
extasiado, ela fazer o que mandei.
Mantendo-a pairando sobre mim eu a beijei deslizando minha língua por seus lábios
doces e os dedos por seus seios incríveis, enchendo minhas mãos com eles antes de deslizar uma
delas pelo ventre liso até o meio de suas pernas e encontrá-la úmida e quente, pulsando sob meu
toque. Enfiei os dedos em seus cabelos notando que a cor era irreal porque realmente não era
cabelo de verdade. Ela usava peruca. Que cor teriam seus cabelos? Acariciei sua boceta que
estava depilada, adorando os sons quase surpresos de seus gemidos contra meus lábios. Queria
fazê-la gozar com os dedos, que agora eu girava em seu clitóris, enquanto ela rebolava os quadris
gulosamente em busca de mais, mas também não podia mais esperar para fodê-la com meu pau
pulsando de vontade de estar dentro dela. Sem demora, segurei seus quadris e a forcei para
baixo, até estar com sua boceta muito apertada em volta do meu pau. Nós dois gememos e a
movimentei para cima e para baixo, o prazer explodindo em todo meu corpo, eletrizado por
aquela transa inesperada.
Puxei sua cabeça para trás, para ter acesso a seu pescoço, deixando marcas dos meus
dentes, amando que ela apenas aceitava tudo o que eu lhe dava, como se estivesse ali, naquele
maldito clube pervertido, apenas para mim. Choques elétricos percorriam minha barriga e coxas
e soquei com mais ímpeto para dentro dela, ouvindo-a gemer mais alto e arquejar, senti que
estava perto e rosnei, frustrado, porque ainda não parecia o suficiente. Eu a agarrei, passando os
braços por suas costas e nos movendo, eu a coloquei deitada no sofá.
— Isso, assim, porra! — Mergulhei ainda mais fundo, o som de carne contra carne
enchendo o ambiente junto às batidas hipnóticas da música sensual que vinha de algum lugar.
Também escutava sussurros e gemidos de outros casais, através das paredes, enquanto tudo se
transformava em um borrão em meus sentidos, fodendo aquela desconhecida de máscara. Enfiei
o rosto em seu pescoço quando tudo pareceu insuportável e mordi seu ombro, aspirando seu
cheiro de mistério e sexo, empurrando para dentro dela uma vez mais e gozei forte, o prazer
atravessando meu corpo de forma quase sobrenatural.
Toda a experiência parecia saída de minha imaginação enquanto soltava o corpo em cima
dela, ouvindo seu ofegar. Beijei o lugar onde havia mordido, me sentindo meio culpado porque
ficaria uma marca, com certeza. De repente eu queria olhar pra ela de verdade. Tirar sua máscara
e saber seu nome, mas escutei um barulho e levantei a cabeça para me dar conta de que não
estávamos sozinhos.
Havia uma plateia nos assistindo.
Caralho.
Eu quase corei como um adolescente pego em flagrante com uma garota.
O que seria ridículo. Era para isso que estavam ali. Mas ser exibicionista não era meu
fetiche.
Eu me movi, ainda com a cabeça girando da experiência e retirei o preservativo, o
jogando no lixo e ajeitando minha calça.
Alguns voyeurs já se dispersaram, e eu me virei para a moça de máscara. Ela estava
colocando o vestido e saindo apressada da sala. Quis chamá-la de volta, mas me perguntava qual
seria o protocolo?
E antes que eu pudesse ir atrás dela, meu celular vibrou no bolso.
Eu o peguei, quando vi o número desconhecido, pensei em não atender, mas ainda assim,
algo me fez apertar o botão e colocá-lo no ouvido sem saber que ia ouvir a pior notícia que
receberia na vida.
— Piero Salvatore? Aqui quem fala é da polícia de Bormios. Sinto dizer que houve um
acidente...
Quando desliguei o telefone, eu já não pensava na moça de máscara em quem gozei há
poucos minutos.

Eu achei que não a veria nunca mais.


Mas dois dias depois, com o luto ainda infestando meu mundo de escuridão, reconheci
horrorizado a marca no ombro da menina que eu amava como uma irmã, cujos pais haviam
partido junto com os meus, nos deixando órfãos num mundo onde eu era o único responsável por
ela.
— O que é isso? — eu ainda indaguei num átimo de desespero de estar errado.
Porque não podia ser.
— Acho que você sabe... — ela respondeu num sussurro quase desafiante, com um
pequeno sorriso quebrando em seus lábios ainda molhados de lágrimas.
Então eu soube.
Era ela.
A moça de máscara no clube pervertido em Milão era Ariella.
Cinco

Ariella

Observo a frustração e a culpa em sua expressão porque ele sabe exatamente do que estou
falando. Daquela noite em que deixei de ser a piccola Ariella e me tornei uma mulher que ele
desejava.
E Piero deixou de ser o cara 11 anos mais velho com o qual cresci, me tratando como
uma irmãzinha mais nova, e se tornou meu amante sem rosto, sem nome. Naquele clube não
havia passado, nem presente, nem futuro.
Eu fui finalmente o que tinha certeza que nasci pra ser.
Dele.
E ele foi meu.
Só que não fazíamos ideia que, há poucas horas dali, nossos pais estavam mortos, o que
tornaria tudo o que vivemos, o que fizemos, ainda mais errado.
Não que eu sentisse que era errado. Como poderia?
Eu sabia de todas as implicações quando entrei naquele lugar, mas com certeza, embora
desejasse, nunca imaginei aquele desfecho.
Se eu me arrependi?
Jamais.
O que não posso dizer de Piero.
Assisto seu olhar ir de culpa à raiva em segundos. Ele me odeia justamente por causa
daquela noite.
Embora eu tenha o odiado também muitas vezes por insistir em jogar o que aconteceu
para debaixo do tapete. Para Piero aquela noite será lembrada como seu pecado mais sombrio.
Seu pequeno segredinho sujo.
Enquanto eu sempre vou lembrar como a melhor noite da minha existência.
Foda-se.
Ele não pode tirar isso de mim. Nunca.
Não importa o quanto tente.
Como agora, vestindo uma máscara de impassibilidade e austeridade fria quando me
encara com quase desprezo.
— Vai negar? — Levanto o queixo em desafio. A raiva começando a borbulhar dentro de
mim, fazendo a dor que ele sempre me causa quando me trata assim, ferver e se transformar em
fúria.
Jogamos aquele jogo há três anos e acho que fui ingênua em achar que agora seria
diferente. Que Piero estaria disposto a me tratar como igual.
Percebo que me enganei.
Dói e eu tenho vontade de chorar e gritar e quebrar o muro que ele ergueu tijolo por tijolo
em volta de seu real desejo que neste momento parece mais impenetrável do que nunca.
E agora ele colocou outra mulher entre nós.
Colocou outra mulher em sua cama.
Em seu coração.
O aperto no meu peito se torna mais forte e ameaça me sufocar.
— Eu sou seu tutor, Ariella.
— Você é meu amante!
— Não sou seu amante! — Ele me refuta num tom baixo e sombrio, um tom que não
admite ser contrariado. O tom de autoridade que ele usa comigo há três anos desde que foi
designado como meu tutor.
— Mas já foi! Passamos três anos fingindo que era meu tutor, como se não tivesse
trepado comigo...
— Cale-se! — Ele segura meu braço com força e a voz ainda mais ameaçadora, mas não
estou a fim de obedecer.
Eu nunca estou e hoje, depois de jogar sua noiva ridícula na minha cara, estou menos
ainda.
Que se dane.
Estou de saco cheio de fazer aquele jogo.
— Não calo! — Aumento o tom de voz. — Piero Salvatore, meu tutor, me fodeu! —
grito abrindo os braços querendo que todos escutem.
Assisto com deleite os olhos de Piero se arregalarem de horror.
— Chega! — Com um movimento ele está com a mão em minha boca, me calando
enquanto me joga contra a parede. — Você vai se calar, entendeu? Nunca mais vai tocar neste
assunto. Aquela noite foi um erro. Uma aberração que nunca deveria ter acontecido e sabe muito
bem.
Ofego sob sua fúria, meus olhos se enchendo de lágrimas com as palavras duras.
Empurro sua mão.
— Você esteve dentro de mim, me fodeu naquele clube, me tratou como uma mulher e
não como a criança que insistia em dizer que eu era!
— Você ainda é uma criança impertinente, mimada, e fora do controle, como agora —
vocifera com desgosto.
— Não sou mais uma criança. Não era naquela noite e não sou agora. Não importa o que
faça, Piero, nunca vai conseguir apagar o que aconteceu...
— Só aconteceu porque eu não sabia que era você! — Ele aumenta o tom de voz
também.
— Mas era eu. E era você. Seu corpo, seu pau... na minha boceta, bem fundo... —
sussurro e de repente o ar muda. Seu olhar duro como aço brilha de algo perigoso e proibido.
Sinto a conhecida atração me dominar, fazer minha pele arrepiar e esquentar, todo o
sangue correndo mais rápido por minhas veias e se instalar num pulsar urgente e insano entre
minhas pernas, me deixando fraca de um desejo que não consigo conter.
Que não quero conter.
Ofego naqueles poucos segundos que Piero se perde no personagem, como sei que
aconteceria em algum momento, esperando que o desfecho seja diferente, mas mesmo antes dele
me empurrar com desprezo, eu já sabia que não seria.
Pisco para afugentar as lágrimas.
Com raiva dele.
Com raiva de mim mesma.
Eu posso ter o homem que eu quiser, mas o único que quero de verdade, eu não posso ter.
Agora mais do que nunca.
Piero não vai ceder.
Ele está disposto a fingir que não sente nada, que nunca sentiu, em nome de uma moral
que pra mim não faz sentido.
Mas não sou tola para não saber que é a moral do mundo.
Piero é meu tutor.
— Não quero brigar com você, Ariella. Mas tem que parar de agir como uma criança
birrenta querendo um brinquedo que não pode ter.
Fecho os olhos, um soluço cortando minha garganta porque não há só aspereza e censura
em sua voz. Também tem uma dose do velho carinho preocupado que ele tinha por mim.
— Recomponha-se.
Abro os olhos quando escuto sua voz perto e ele está estendendo um lenço pra mim.
Eu o pego.
— Você quer me provar que é adulta e responsável, mas agindo assim só me prova o
contrário.
Eu assinto.
Claro que eu sei.
— Eu sou o seu tutor legal.
— Eu tenho 18 anos — rebato. — Não pode me mandar de volta a um colégio no fim do
mundo pra me manter sob controle.
— Realmente. Você pode fazer o que quiser. Quer viajar? Pode ir, o dinheiro que precisar
estará a sua disposição.
Fungo, limpando o rosto, abrindo um sorriso de resignação, entendendo que Piero voltou
atrás.
Por algum motivo, ele achou que eu poderia ir pra Milão, poderíamos conviver como
tutor e protegida. Ou talvez até como irmã e irmão mais velho, mas percebeu que não é assim tão
fácil.
Piero pode ter uma mulher com seu anel no dedo, mas não pode sufocar o que eu sinto.
O que eu sou.
É triste ver todos os meus sonhos ruírem mais uma vez, mas sei que perdi aquela batalha.
Só não sei ainda se estou pronta para desistir da guerra.
— Piero, querido, pode me dar uma carona para Wimbledon?
A voz da Violet nos interrompe e eu a avisto entrando na sala com um uniforme de jogar
tênis.
— É hoje seu jogo beneficente? — Piero indaga casualmente, já de posse de sua
serenidade austera habitual, como se não estivéssemos discutindo há poucos minutos.
Bem, só me resta fazer o mesmo, aparentemente.
Reorganizo meus sentimentos, engulo a frustração, escondo minha tristeza num sorriso
falso quando encaro o casal à minha frente.
— Sim, e consegui um parceiro, já que deu para trás e não irá. — Ela me encara. — Quer
vir comigo, Ariella? Tenho certeza de que terá gente da sua idade lá também, vai ser divertido —
sugere como se eu tivesse cinco anos de idade.
— Não, obrigada, eu tenho que fazer minhas malas.
— Malas, aonde vai? — Ela troca um olhar com Piero.
— Para Paris, vou encontrar alguns amigos. — Bem, é uma mentira, mas eu conheço
muita gente, não será difícil arranjar companhia para evitar me jogar no Rio Sena.
— Não me disse que Ariella ia viajar! Quando vai? Aliás, entendi que estaria indo para
Milão?
— Claro que não, quero distância de Milão agora.
— Ainda vai jantar conosco, não?
— Não, obrigada, eu tenho outro compromisso, sabe, com algum amiguinho. — Sou
irônica propositalmente antes de sair da sala, para evitar mais desavenças.
Eu me tranco no meu quarto e me jogo na cama.
Enfio a cara no travesseiro e grito até que esteja esgotada.
Quando me sinto minimamente calma, eu me sento e pego o celular.
Piero quase nunca atualiza sua rede social, para meu pesadelo que amaria segui-lo como
a mais obsessiva stalker, mas desta vez, não estou procurando por fofocas sobre meu tutor, e sim
sobre sua querida noiva. E não demora para localizá-la comentando numa foto que ele foi
marcado em um evento no mês passado. Entro na página de Violet Belford.
Obviamente ela é uma exibida. Posta muitas fotos de si mesma impecáveis em vários
eventos. Jogando tênis, ocupada em jantares suntuosos, sorridente exibindo um novo Rolex. Não
há fotos com Piero.
Ainda, penso com desgosto.
Quanto tempo eles estão juntos? Não muito, imagino. Continuo rolando a página e
encontro uma foto de Violet com um homem ao seu lado. Ele é mais velho, com o cabelo
começando a ficar grisalho. Lawrence Belford?
Entro na página do homem e me surpreendo ao ver que a última atualização é de seis
meses e está cheia de fotos com a sua esposa. Violet Belford.
Violet é casada? Como assim?
Continuo a fuçar, entrando na página de outras pessoas conhecidas dele até que entro na
página de uma tal de Lauren Belfort, e acho uma foto dela abraçando Lawrence há seis meses e
na legenda encontro a resposta.
“Feliz aniversário, querido irmão. Fique firme. Bem-vindo ao time dos divorciados.”
Ah... então Violet estava divorciada? Ou se divorciando?
Curiosa, volta à página do tal Lawrence. O cara é bonito, para um velho. Quer dizer,
descubro que ele não é tão velho assim quando jogo seu nome no Google. Ele tem 38 anos, e é
de uma família rica do ramo hoteleiro. Foi casado com a querida Violet por cinco anos. Não tem
filhos. Há muitas fotos do feliz casal em vários anos. O que aconteceu para aquele
relacionamento afundar?
Será que Piero tem algo a ver com o fim do casamento de Violet?
Não sei o que pensar sobre isso. Não gosto de pensar em Piero fodendo Violet enquanto
ela era casada. E, na verdade, não acho que faz o estilo dele. Ou será que seu senso de moral
funciona só pra mim?
Eu salivo de vontade de saber mais sobre aquela fofoca que começa a se tornar
subitamente interessante.
Mordo os lábios, voltando à página de Lawrence Belfort e digito uma mensagem. Ele
responde mais rápido do que eu esperava.
Algumas horas depois eu tenho um novo amigo e um convite para jantar.
Foda-se Piero e Violet.
Enquanto me maquio, uma voz teima em sussurrar dentro de mim que estou só piorando
tudo me envolvendo com o ex de Violet. E nem consigo negar que estou apenas louca para
deixar Piero nervoso.
Sorrio passando o rímel no meu olho, me perguntando até onde estou disposta a ir com o
ex da noiva de Piero para provocá-lo.
Limite é algo que não faz parte do meu dicionário.
Eu ultrapassei aquela linha na noite em que Santino Salvatore me convidou a entrar
naquele clube.
Mudando tudo para sempre.
Seis

Três anos antes

Ariella

— Ainda está aqui, Rosa?


Estranhei ao ver a empregada que cozinhava para nós na cozinha quando entrei lá no fim
de tarde, ocupada em sovar um pão.
A mulher sorriu pra mim.
— Sim, bambina. Estou fazendo seu jantar. Hoje teremos pollo.
— Não quero frango. — Fiz cara de nojo. Na verdade, não estava com apetite de nada
depois de mais uma vez levar um fora de Piero.
Quer dizer, não foi bem um fora, mas pra mim tinha o mesmo peso.
— Não, tudo bem? Está com uma carinha abatida.
Dei de ombros, abrindo a geladeira e pegando uma maçã.
— Nada não...
— Se não quer frango, posso fazer outra coisa.
— Não quero que tenha trabalho, Rosa. E você precisa ir embora, já deu seu horário,
não?
— Ah, bambina, mas não seria trabalho. Eu vou passar a noite aqui.
— Vai? Por quê?
— O Senhor Piero pediu, porque ele vai para Milão.
Rolei os olhos. Claro. Piero deixando uma babá pra cuidar de mim.
Idiota.
De repente o telefone sem fio que estava em cima da bancada tocou. Franzi o olhar,
divertida.
— Quem ainda usa telefone fixo, pelo amor de Deus? Eu nem sabia que havia uma linha
aqui...
— A senhorita pode atender? — Rosa pediu, mostrando a mão cheia de farinha.
— Claro.
Peguei o aparelho.
— Alô?
— Aqui é Santino, gostaria de falar com meu sobrinho. E, por favor, seja rápida. — A
voz em italiano me deu um nó na cabeça por um momento.
Eu falava italiano, mas tinha preguiça de praticar, embora meus pais insistissem que
falássemos em italiano quando estávamos na Itália, para melhorar minha fluência.
— Não sei onde Piero está, por que não liga para o celular dele? — respondi em italiano.
— Piero não está atendendo o celular. — Ele parecia impaciente.
— O Senhor Piero está no banho — Rosa cochichou.
— A empregada falou que ele está no banho.
— Quem está falando?
— Ariella De Vere.
— Ah, piccola Ariella... Que prazer. — Ele passou a falar em inglês.
Seu tom de voz mudou quando ele percebeu que não estava falando com uma empregada.
Sorri, não conhecia Santino direito. Apenas uma vez estive em sua presença, quando se
casou, foi quando conheci toda a família Salvatore. Embora nem um deles fora muito legal
conosco. Depois eu perguntei a minha mãe por que tive aquela impressão e ela explicou que
Francesco não tinha um bom relacionamento com a família, e por isso provavelmente eles não
gostavam da gente.
— Não sou tão piccola assim, Santino, deve saber.
— Era da última vez que a vi, mas imagino que agora já seja uma mocinha?
Eu me irritei com aquele papo típico de tio.
— Tenho 18 anos agora — menti.
Ele riu.
— Acho que não é tão velha assim, mas vou fingir que acredito, pelo tom de sua voz
pode não ter a idade que diz ter, mas a pertinácia é de uma mulher com certeza.
— Eu gostei do elogio. Se é que foi um elogio.
— Claro que foi, piccola, quer dizer, acho que não gosta que a chame de piccola, não?
Aliás, gostaria muito que tivéssemos a oportunidade de conversarmos, por que não vem até
Milão? Com Piero?
— Até parece que ele iria querer me levar. Piero acha que tenho cinco anos de idade. —
A amargura estava clara na minha voz.
— Hum... estou detectando uma paixão não correspondida por meu sobrinho, cara?
Corei como se Santino estivesse ali me questionando com seu sorriso cheio de malícia.
Engraçado que ninguém nunca percebeu minha paixão por Piero e justamente um homem
que mal conhecia reconheceu apenas pelo tom da minha voz.
— Não é da sua conta — cortei.
— Ah, estou vendo que é um assunto delicado. Me diga, cara, meu sobrinho sabe disso?
— E não gosto do Piero! — neguei. — Não desta maneira.
Santino riu, claramente ele não acreditou na minha negativa.
— Cara, pode confiar em mim. Quero apenas ser um amigo, um confidente, se assim
preferir. Posso apostar que ninguém te entende, não é? A tratam como uma criança, sendo que
já tem uma alma de mulher dentro de você querendo ser vista.
— Estou cansada de ser tratada como criança sim, se quer saber.
— Eu entendo. Vamos fazer assim, adoraria ter a oportunidade de conversar com você.
De repente comecei a ansiar conhecer Santino melhor também.
Ninguém nunca havia me tratado daquela maneira, dado ouvidos aos meus anseios.
— Piero não vai querer me levar.
— Imagino que não, mas ainda terá muitos dias em Portofino, não? Milão não fica
longe, minhas portas estarão abertas para você.
— Meus pais nunca vão deixar!
— E será isso que vai impedi-la? Achei que fosse mais audaciosa, cara. Ou me enganei?
Sorri, com o estômago dando uma volta ao notar que Santino estava me instigando a
fazer algo escondido dos meus pais.
De Piero.
Mordi os lábios, subitamente tentada.
— Eles não estão aqui hoje, foram para Bormios com os Salvatore.
— Por que não vem para Milão então?
— Piero não vai permitir...
— Não precisa da permissão de Piero. E ele virá apenas muito mais tarde. Vamos fazer
assim, mandarei um carro para trazê-la. Podemos tomar um drinque ao pôr do sol, e quem sabe
quando Piero chegar eu não o convenço de que você pode ficar conosco? Afinal, é uma menina
crescida.
— Acha que pode fazer isso?
Eu me recordei de uma vez ouvir uma conversa entre meus pais em que eles
demonstravam preocupação por Piero querer ser amigo de Santino.
Se Piero escutava Santino, se confiava nele, será que ele poderia me ajudar? Fazer Piero
me ver como uma mulher adulta e não uma criança?
— Tudo bem, eu vou!

— Bella Ariella! — Santino me recebeu assim que saí do carro em frente a sua magnífica
mansão.
Segurou minha mão e a beijou.
— Mas você está mesmo crescida. E muito bonita, como foi que meu sobrinho ainda não
percebeu?
Sorri, feliz com o elogio.
— Eu também me pergunto o mesmo.
Santino soltou uma sonora gargalhada.
— E ainda é espirituosa, uma combinação irresistível, cara. Venha comigo. — Ele fez
com que eu segurasse seu braço e seguimos até uma varanda onde nos sentamos em uma mesa e
um empregado nos serviu duas taças do que eu reconheci como Martini.
— Vamos brindar, cara, a nossa nova amizade.
Eu peguei a taça meio incerta.
— Eu nunca bebi Martini.
— Já está na hora de começar. — Sorriu batendo a taça na minha e sorri de volta,
bebericando o líquido que me pareceu amargo, mas como não queria demonstrar ser uma
boboca, não reclamei.
— Sei que não parece saboroso a princípio, mas é uma questão de se acostumar. Muitas
coisas na vida adulta são assim, minha querida. Vai ver. Tem que ter coragem de aproveitar tudo
o que lhe oferecem, ainda mais quando é relacionado a prazer.
Desviei o olhar para o espetacular pôr do sol, um tanto vermelha, pelo teor da conversa.
— Está sem graça? — Santino percebeu meu súbito desconforto.
— Tudo isso é novo pra mim.
— Nunca tomou uma bebida alcoólica?
— Claro que já. Um ocasional gole de vinho, ou espumante, sob a supervisão dos meus
pais em algum evento. Eles são bem liberais, mas acham que devo esperar ter pelo menos 18
anos para beber.
— Uma bobagem. O álcool é um lubrificante social. Facilita muitas ações.
Tomei mais um gole, sentindo agora a bebida descer de forma quente por minha
garganta, mas não era tão ruim como antes.
Sim, eu poderia me acostumar.
— Mas vá devagar, não a quero bêbada, minha cara. Os prazeres do mundo precisam ser
apreciados com liberdade, mas com certa moderação. Você os domina, e não o contrário.
— Não sei se entendo...
— Veja os homens. Eles gostam de sexo e muitas vezes se deixam dominar por ele e
podem ser facilmente manipulados.
Fiquei vermelha por ele entrar naquele assunto, mas ao mesmo tempo entusiasmada.
Sexo era um assunto ainda um tanto abstrato que ocupava cada vez mais minha mente e
exercia um interesse crescente em mim, depois que comecei a ficar com garotos.
Eu tinha algumas amigas de escola que já haviam experimentado, algumas diziam que era
incrível, outras nem tanto. Pelo que entendi podia muito ter a ver com seu parceiro escolhido.
Meninos eram desajeitados e até mesmo brutos e apressados, era o que diziam. Não sabiam
como fazer uma garota gostar do ato. Homens mais velhos poderiam ser a melhor pedida,
aparentemente, embora alguns também não fossem melhores que os garotos. Uma vez eu
perguntei a minha mãe sobre o assunto há alguns meses e pela primeira vez ela pareceu disposta
a conversar comigo, afinal, eu havia contado pra ela que beijei alguns garotos e que estava
curiosa.
— Este é um assunto muito sério, não deve simplesmente se deixar levar pela vontade,
pelo impulso, ainda mais na sua idade. Não acho que esteja na hora de dar este passo.
— E como vou saber quando? E, por favor, não sou idiota, não me venha com o papo de
esperar virgem pra casar, eu duvido que a senhora tenha se casado virgem.
Ela riu da minha sinceridade.
— Não, não me casei virgem. Eu perdi minha virgindade com 17 anos com um namorado
de escola com quem estava há uns três meses. Não foi nada legal, mas entendi que éramos
muitos novos. Não tenha muita expectativa, pode ser bem ruim às vezes. E eu só quero que tenha
certeza de que é o que quer quando decidir que chegou a hora. O garoto certo vai aparecer um
dia, talvez não em breve, ainda é muito novinha, acabou de entrar na adolescência. Aproveite a
fase dos beijos e descobertas. Mas não deveria se preocupar com isso, e nem deixar que o
assunto ocupe sua mente. Jamais vou te proibir de sair com garotos e se divertir, mas preciso que
tenha responsabilidade e espere se sentir realmente pronta e à vontade. Vai valer a pena.
Bem, toda vez que eu olhava pra Piero eu me sentia pronta.
Eu só precisava que ele percebesse isso, mas como?
Tive vontade de confessar à minha mãe esses anseios com Piero, mas tinha medo de que
ela não entendesse.
Agora, ter este tipo de conversa com Santino era um pouco entranho, mas ele parecia me
entender como ninguém, o que era um certo alívio.
Eu estava cansada de esconder o que sentia.
— Vejo que a choquei?
— Um pouco, mas não quero que pense que sou boba. Já tive conversas assim com
minhas amigas, mas nunca com um adulto. É esquisito, acho.
— É uma pena que aparentemente as pessoas a sua volta não a tratem como merece. Está
se transformando numa linda mulher e é assim que vou tratá-la. Tenha certeza que tem em mim
um amigo e aliado.
— Fico muito feliz com isso. É difícil não ter com quem conversar de verdade. Estou
cansada de ser tratada como boba. É realmente assim que quero ser tratada, como adulta, por que
é tão difícil de entenderem?
— Qualquer homem ficaria encantado em poder desfrutar da sua companhia, bella. Mas
acho que está falando do meu sobrinho, não?
Corei de novo, ainda hesitante de falar dos meus sentimentos por Piero.
— Pode falar, será nosso segredo. Vamos, está apaixonada por Piero?
— Sim, estou — confessei —, mas ele não está nem aí pra mim, acha que sou criança
demais.
— Que ledo engano! Piero precisa de um puxão de orelha para enxergar a realidade.
— Eu também acho!
— Me diga, por acaso já lhe contou como se sente?
— Não, o que ia adiantar? Ele me trata como irmãzinha.
— Piero te conhece desde criança, é compreensível que tenha dificuldade de tratá-la de
forma diferente.
— Mas não sou criança!
— Claro que não.
— Eu só queria que ele percebesse. Que admitisse que cresci. Que sou bonita e desejável
como as garotas que lhe despertam interesse...
— Você quer ser uma de suas garotas.
Corei mais ainda.
— Queria ser sua única garota.
— Ah, são sonhos românticos, minha cara.
— Acha que sou boba, não é?
— Acho que ainda é muito inocente. Piero precisa de um choque de realidade e acredito
que você também.
— O que quer dizer?
Santino se levantou e estendeu a mão.
— Confia em mim, cara?
— Devo confiar? — Levantei a sobrancelha de forma desconfiada e ele sorriu. — Posso
ser inocente, mas já percebi que você não é, senhor.
— E acho que é exatamente por isso que está aqui — ele me instigou. — Eu vejo a fome
em seu olhar. Você quer deixar essa inocência para trás e eu posso ajudá-la. Assim como quero
ajudá-la a ter o que mais deseja. Piero.
Bem, ele me convenceu com essa última sentença.
Segurei sua mão e ele me levou até um grande quarto e abriu um closet.
— De quem é isso tudo? Sua esposa?
— Não.
— De Marcella? — Eu me recordava brevemente da filha mais velha de Santino no
casamento, uma moça loira e arrogante que não se dignou a nem me dar um oi. E de quem eu
tinha sentido muito ciúme porque ela havia dançado várias vezes com Piero.
— Não, essa casa não é a minha casa, ou melhor, não é a casa que divido com minha
família. É um lugar muito mais especial.
Ele retirou de lá um vestido preto de cetim.
— Nesta noite, linda Ariella, você é minha convidada especial para adentrar em grande
estilo no mundo da diversão adulta.
Ele me levou até um espelho e me fez segurar o vestido à minha frente.
— É muito bonito.
— É um presente. Assim como isso. — Então ele colocou uma máscara preta sobre meus
olhos.
— Uau! — Toquei a máscara, surpresa.
— Bem-vinda ao clube, Ariella De Vere.
Ri, meio confusa com tudo.
— Que clube?
— O meu clube. Um lugar exclusivo, apenas para quem sabe apreciar. Um lugar onde
ninguém tem nome, ou idade. — Ele levantou a sobrancelha de forma sugestiva. — E rosto.
— Oh, por isso a máscara? É tipo um baile de máscara?
— Sim, como uma festa. Com convidados mascarados cujo rosto ou nome você nunca
vai saber, mas eu serei bonzinho com você e lhe darei um bônus.
— Bônus?
— Sim, Piero estará nesta festa e lhe mostrarei exatamente onde encontrá-lo.
— Piero vai estar mascarado?
— Sim, claro. Todos estão. Aqui, no nosso pequeno clube, usamos máscaras para deixar
nossos verdadeiros desejos serem revelados.
— Eu não sei se entendo...
— Não quer saber como é ter a chance de mostrar a Piero quem é de verdade, o que ele
se nega a ver à luz do dia?
— É o que mais quero!
— Pois assim será. Piero não vai saber quem é você, e poderá finalmente lhe mostrar.
Então, de repente eu comecei a entender e sorri, um pouco receosa, mas muito
entusiasmada.
— É como um jogo?
Santino sorriu, tocando meu queixo.
— Sim, é um jogo, cara. Está disposta a jogar?
Meneei a cabeça concordando.
— Muito bem. Vou deixá-la à vontade para se arrumar. Há lingeries, sapatos, maquiagem
e perucas. Não saia do quarto, eu virei buscá-la quando chegar a hora.

Algumas horas depois, ignorando o embrulho no estômago num misto de ansiedade e


medo, segurei o braço de Santino Salvatore e descemos a escadaria adentrando no ambiente
semiescuro da mansão. Uma suave música sensual parecia bater diretamente em algo dentro de
mim. E eu me assustei um pouco quando notei que havia muitas pessoas ali. Homens e mulheres
usando máscaras que cobriam seus rostos e suas identidades. Apertei o braço de Santino.
— Com medo, bella Ariella?
Hesitei, meus olhos arregalados percorrendo o ambiente que recendia a uma sensualidade
que era ao mesmo tempo tentadora e assustadora, mas em algum lugar estava Piero. Era por ele
que eu estava ali e ninguém mais. Então engoli o medo e aprumei os ombros.
— As melhores coisas da vida começam com um pouco de medo. — Usei a frase que
Piero mesmo me disse um dia e Santino sorriu por trás da máscara, pegando uma taça do garçom
que passou por nós e colocando na minha mão.
— Então relaxe e aproveite...
Tomei quase tudo de uma vez, querendo que o álcool entrasse no meu sistema rápido e
levasse embora o pouco de receio que ainda sentia da situação inusitada e por estar prestes a
realizar minha maior fantasia.
Estar com Piero, finalmente.
Santino me guiou pelos corredores e era ótimo que eu usasse máscara porque ninguém
podia ver minha expressão chocada. Havia pessoas se enroscando em sofás, em diferentes
estados de nudez, fazendo as maiores sacanagens que podia existir, coisas que eu só tinha visto
em filmes ou fuçando em vídeos na internet.
Eu já tinha me imaginado fazendo uma coisa ou outra. Já tinha me excitado com essas
pequenas fantasias, mas ver ao vivo e a cores era muito diferente.
Então era para isso que as pessoas estavam aqui?
Eu finalmente entendi.
— Isso é tão mundano... — sussurrei.
— É isso que move o mundo, caríssima.
— Acho que não tinha entendido direito...
— Arrependida? Quer desistir?
Eu queria?
Se Santino dissesse que eu teria que ficar daquela maneira com um desconhecido, eu não
me veria tentada.
Mas eu estava ali por Piero.
De repente algo me ocorreu.
— Piero sempre frequenta este lugar?
— Não, hoje será a primeira vez. Como a sua.
Bem, certamente não seria a primeira vez de Piero daquele jeito que seria a minha.
— Falando nele... Olhe, saindo da sala.
Eu segui seu olhar e o vi.
Acho que nem precisava Santino me dizer, eu o reconheceria em qualquer lugar. Seu
porte, sua elegância. Vestido de preto dos pés à cabeça, Piero era uma visão, ainda que eu não
pudesse ver seu rosto parcialmente coberto pela máscara.
— Preparada? — Santino questionou.
— Sempre estive — garanti, com meu coração batendo forte no peito.
— Boa sorte, cara.
Ele beijou meu rosto e se afastou.
Segui Piero pelos corredores, agora minha atenção não mais nas cenas pervertidas, e sim
em sua figura que me atraía como a mariposa pela chama.
De repente ele virou, como se soubesse que estava sendo observado.
Por um momento, ele não se moveu, mas eu sabia que tinha me visto.
Será que me reconheceu?
Meu coração batia rápido no peito de excitação e medo.
Ao mesmo tempo que sabia que não podia me reconhecer porque o jogo estaria acabado
antes de começar, também ansiava que ele soubesse que era eu por trás da máscara.
Então ele deu um passo em minha direção e me virei, avançando pelo corredor.
O que eu faria agora?
Eu usava máscara e uma peruca vermelha, mas se ainda assim me reconhecesse?
E se eu falasse e reconhecesse minha voz?
De repente sentia que talvez tivesse sido loucura concordar com aquilo, mas como
recuar? Era Piero quem me seguia pelos corredores, atraído por mim.
Atraído por mim. Minha mente repetiu o que até horas antes parecia impossível e senti a
doce satisfação percorrer meu sangue como veneno, me intoxicando. Fez algo proibido despertar
dentro de mim. Uma coragem nascida do desejo que eu guardava comigo bem escondido e que
agora finalmente podia confessar. Não com palavras, mas com meu corpo.
Adentrei numa sala vazia e parei. Ali o ambiente era mais escuro que o demais e me
deixou mais segura.
Escutei os passos e me virei.
— Olá?
Piero estava ali, um anjo escuro e sombrio se aproximando como se eu tivesse o puxando
com uma corda invisível. Eu não podia ver seu olhar, mas sentia em sua postura que ele estava
ali por mim.
Querendo a mim.
Uma lança aguda de puro prazer transpassou minha espinha ao me dar conta daquele fato
e senti uma energia diferente me dominar.
Uma certeza de que aquilo podia parecer muito errado, mas não era.
Era certo.
Piero só não sabia ainda, mas aquele era o primeiro dia do resto de nossas vidas.
Eu ia mostrar pra ele que era uma mulher.
Que ele me desejava.
E que éramos perfeitos juntos.
A partir de então uma estranha calma tomou conta do meu peito.
Eu me aproximei e toquei seus lábios.
— Shi...
Assim, de perto eu podia ver o brilho de seus olhos.
Havia desejo ali. E isso me deixou ainda mais corajosa e encostei meus lábios nos dele e
gemi deliciada e quase surpresa quando Piero enfiou a língua na minha boca, me beijando de
volta, devorando meus lábios com avidez, as mãos masculinas em meus cabelos, ou melhor, na
peruca, me mantendo exatamente onde ele queria.
Eu não me importava. Eu só queria beijá-lo pra sempre.
Oh Deus, estou beijando Piero.
Sim, sim, sim! Quase com desespero eu deixei que meus lábios matassem a vontade que
tinha dele, sentindo pela primeira vez o gosto que seus beijos tinham. Puta merda, eu já tinha
beijado antes, mas nenhum era como Piero. Os beijos dos outros garotos eram gostosos e até
excitantes, mas nem um deles me deixou com vontade de tirar a roupa e me esfregar neles, como
estava agora. Meu ventre fervendo e um pulsar angustiante entre minhas pernas numa carência
que nunca senti antes. E ele estava duro. Assim, muito duro e isso me deixava ainda mais
excitada.
Óbvio que eu já tinha sentido os garotos excitados antes, mas naqueles momentos, apesar
da curiosidade, eu só sentia que deveria parar, porque estávamos indo longe demais.
Mas com Piero eu queria ir longe demais.
Ele sabia o que estava fazendo, e eu só queria que ele fizesse mais.
Com um gemido rouco, ele me empurrou e se sentou no sofá de couro atrás dele.
Ofeguei, meio sem saber o que fazer.
— Tire a roupa, quero te ver — exigiu com um tom de voz que eu nunca tinha ouvido,
mas que fez um estrago em meu íntimo.
Estremeci, quente e fraca e louca para fazer qualquer coisa que ele pedisse.
Não era pra isso que eu estava ali?
Dei um passo atrás e deslizei o vestido para o chão.
E minha nossa, eu estava de lingerie na frente de Piero e ele me media com apreciação.
Como se me achasse muito linda. E isso encheu meu peito de júbilo. O calor úmido entre minhas
pernas aumentou mais ainda e eu só queria aplacar aquela dor que foi ele quem colocou ali.
— Tudo — ele ordenou levando a mão à frente da calça, se tocando.
Uau. Imaginei se ele sentia o mesmo anseio que eu, porque tudo o que eu queria era me
tocar também. Ou que ele me tocasse.
Só de imaginar, senti tontura, mas me apressei em fazer o que pediu, como uma escrava.
Eu faria qualquer coisa que ele pedisse, mesmo porque eu não sabia bem o que fazer a seguir.
Tirei o sutiã, meus seios se revelando. E enquanto deslizava a calcinha para baixo, feliz
por ter aceitado a dica da depiladora de tirar tudo do caminho antes de ir para a praia, engoli o
resto de vergonha, ainda mais quando o vi abrir a calça.
— Fique com elas — pediu se referindo às meias que iam até minhas coxas enquanto
meus olhos se arregalavam ao ver o pau dele surgir entre seus dedos.
Ai meu Deus!
Aquilo estava mesmo acontecendo?
Arfei, passando a língua sobre meus lábios subitamente ressequidos, sem conseguir
desviar o olhar.
Nunca tinha visto um membro masculino ao vivo, mas o de Piero era grande, grosso e
lindo e eu o queria entre minhas pernas.
Esfreguei uma coxa na outra, sentindo que uma poça estava se formando ali.
Eu estava quase nua na sua frente, pronta e ansiosa.
O que eu ia fazer? O que ele ia fazer agora?
Eu o observei pegar a carteira e retirar um pacote de lá que por um momento não entendi
o que era, mas quando ele retirou do pacote, notei que era um preservativo que tratou de
desenrolar em seu membro.
Ah caramba, vai mesmo acontecer. Pensei num certo pânico.
Porém, em seguida, Piero estendeu a mão.
— Agora vem até aqui e sente em mim. — Sua voz estava cheia de excitação, e eu soube
que não havia alternativa pra mim.
Eu queria que acontecesse.
Sem mais hesitar, fui para seu colo, mas me mantendo pairando sobre ele, Piero me
beijou com quase doçura, os dedos segurando meus seios subitamente pesados de desejo antes de
deslizar uma das mãos por minha barriga até o meio das minhas pernas e gemi ao sentir seu
toque ali, onde eu pulsava por ele.
Sim, isso que eu quero!
Sons desconexos escapavam dos meus lábios enquanto ele me acariciava perversamente,
sentindo minha umidade em seus dedos que rodeavam meu clitóris e explorava toda minha
boceta que estava amando ser tocada daquele jeito pela primeira vez. E quando ele segurou meus
quadris e me forçou para baixo, para que eu me sentisse preenchida por sua ereção, houve apenas
um princípio de desconforto pela invasão inédita, mas que não ofuscou a onda de prazer que eu
já sentia, muito pelo contrário, apenas aumentou e se tornou quase insuportável.
Ter Piero dentro de mim, daquele jeito, enquanto ele me movimentava para cima e para
baixo, fazendo minha boceta deslizar por seu pau, era algo maravilhoso.
Então aquilo era sexo.
O assunto que era motivo de tanto barulho.
Sorri, deliciada, sentindo todo meu corpo energizado por aquele prazer que começava
onde nos conectávamos e se espalhava por toda minha pele enquanto ele puxava minha cabeça
para trás, para ter acesso a meu pescoço, deixando marcas dos seus dentes ali, as sensações
crescendo em meu íntimo, me fazendo gemer mais alto, me mover com mais ímpeto em cima do
seu pau, buscando uma satisfação que eu sabia que viria.
E em meio a minha epifania ainda me surpreendia por ser Piero ali comigo, me agarrando
forte, passando os braços por minhas costas e nos movendo, até que estivesse deitada no sofá
com ele em cima de mim.
— Isso, assim, porra! — rosnou e mergulhou ainda mais fundo, me deixando no limite,
até que algo explodiu em meu ventre e me fez gritar e tensionar em volta dele, arrepiada até a
alma com a intensidade das ondas de prazer que percorreram meu corpo como choques elétricos
por segundos incríveis.
E do mesmo jeito que começou, acabou.
Uau.
Só... uau.
Aquilo foi um orgasmo?
Minha nossa, eu sentia que tinha morrido e voltado à Terra.
E enquanto tentava recuperar o fôlego e a força nos meus membros eu só pensava que
queria morrer de novo.
Então abri os olhos e senti que minha alma voltava ao corpo.
Piero estava ofegante em cima de mim, o rosto enterrado em meu pescoço e sentia uma
suave dor no ombro, e quando ele depositou um beijo ali, imaginei que estivesse machucado.
Piero me mordeu. Pensei divertida e confusa.
De repente ele se moveu, afastando-se e ouvi uma risadinha, eu me aprumei também e
virei a cabeça, para notar que não estávamos sozinhos.
Puta que pariu. De onde aquelas pessoas saíram e como eu não percebi?
Bem, eu estava bem distraída.
Ah minha nossa, eu transei pela primeira vez.
Transei com Piero, o cara que eu adorava mais que tudo e que achei que nunca ficaria
comigo.
E tinha sido em frente a uma plateia de pervertidos!
Rapidamente, apanhei o vestido do chão e o deslizei por meu corpo, como se adiantasse
alguma coisa.
E agora?
Iria contar a Piero quem eu era?
Não, não podia. Não ainda.
Eu tinha medo de sua reação. E ainda estava feliz demais com a experiência pra estragar
tudo.
Então, sem pensar, eu me virei e fugi da sala sem olhar para trás.

Eu não vi mais Santino naquela noite.


Eu me refugiei no quarto, tirei o vestido sensual, tomei um banho e coloquei minhas
roupas.
Havia um recado de Santino no meu celular dizendo que tinha uma situação urgente para
resolver e que eu podia chamar um criado pela campainha e seria levada até o carro que me
levaria até Portofino.
E foi o que fiz.

Horas depois, naquela madrugada, ainda me recordando do momento com Piero como
uma louca fantasia que eu ainda tinha dificuldade de entender que fora real, desci as escadas e o
encontrei na sala.
Ele me chamou de piccola e pediu que eu me juntasse a ele.
Não da forma que chamou naquele clube, mas como antes.
E algo em sua voz me fez antecipar que algo terrível havia acontecido.
Por um momento, achei que ele pudesse ter descoberto, mas em vez disso, Piero revelou
que nossos pais estavam mortos.
Mais uma vez, naquela noite, minha vida mudou pra sempre.
Sete

Piero

— Você está tenso.


Encaro Violet do outro lado da mesa me fitando com seus grandes olhos azuis. Ela está
sorrindo, mas conheço Violet o suficiente para saber que um sorriso em seus lábios não quer
dizer muita coisa.
Ela é aquele tipo de mulher criada em meio a dinheiro antigo. Sua família é de
aristocráticos ingleses que lutavam para manter o status a qualquer custo, mesmo que a conta
bancária se esvaísse a cada geração. O que obrigou Violet a aceitar o primeiro idiota
endinheirado que lhe propôs casamento, quando tinha apenas 22 anos.
Eu a conhecia de muito antes, ela namorou um ex-colega de escola há uns oito anos,
quando ainda éramos apenas quase adolescentes. E mesmo depois que eles terminaram,
continuamos amigos. Na época, Violet era o tipo de garota bonita, rica e despreocupada, tinha
um senso de humor inteligente e, talvez por ter sido namorada de um amigo, nunca tentou ir pra
minha cama. Obviamente, eu tinha vinte e poucos anos e teria ido sem problema algum, mesmo
porque meu amigo era um babaca regido por seu pênis, que não mantinha dentro das calças nem
quando namorava Violet.
Mas nossos caminhos continuaram se cruzando pelas altas rodas e eu me preocupei
quando ela se casou com Lawrence Belford. Ele era um herdeiro perdulário cheirador de pó, dez
anos mais velho que Violet, e que gostava de meninas mais jovens.
Eu sabia que por mais que Violet achasse que tinha encontrado a mina de ouro para
manter seu estilo de vida intacto sem ter que sujar as mãos uma hora iria dar merda.
E deu.
— Vamos lá, o que te preocupa? É seu tio novamente? Ou desta vez é Marcella? —
Violet cita com certo veneno o nome da minha prima.
Desde que decidimos levar aquela história adiante, Violet havia ido para Milão muitas
vezes e trombado com Marcella e as duas não se davam bem.
Violet não é o tipo de mulher que tem amizades com outras mulheres, seu círculo de
amigos íntimos era composto por homens, como eu.
Bem, agora somos mais que amigos. E essa mudança de status ainda às vezes me parece
estranha.
Talvez porque fomos amigos por tempo demais. Isso explicaria o fato de que ainda
prefiro estar em sua companhia para tomar um drinque, apreciar um bom jantar enquanto
conversamos, em vez de irmos pra cama.
A verdade é que o sexo com Violet não é grande coisa. Ela é uma mulher bonita, mas seu
estilo frio e distante não é o que se pode chamar de sexy e excitante. Ainda assim, é uma mulher
que admiro e quando deixou claro que gostaria de algo mais que nunca quis antes, foi
inesperado, mas não declinei. Éramos adultos e podíamos lidar com sexo entre amigos, não seria
a primeira vez que eu me envolvia com uma amiga. E eu não tinha grandes escrúpulos quando se
tratava de sexo. Eram poucas minhas restrições.
Eu não me envolvia com mulheres comprometidas, mulheres da minha família e garotas
jovens demais e que estão sob minha responsabilidade.
Mas se envolveu uma vez. A voz sombria sussurra dentro de mim trazendo à tona todos
os demônios que carrego desde aquela fatídica noite, como sempre.
Três anos se passaram.
Três malditos anos em que convivo com a culpa e o remorso.
A raiva de mim mesmo por não ter percebido que aquela garota sexy no clube com quem
tive o sexo mais inusitado da minha vida, era Ariella.
Até aquele dia eu a via apenas como uma criança. Nutria por ela um amor quase fraternal.
E quando recebi a notícia que nossos pais haviam morrido naquele trágico acidente, eu soube que
a partir daquele momento, ela estaria sob minha responsabilidade, antes mesmo do testamento
ser lido.
Mas não esperava me deparar com aquela marca em seu ombro. E nem com o que veio
depois.
— Piero, ei? — Violet chama minha atenção novamente.
— Me desculpe, não estou sendo uma boa companhia. — Tomo um gole do meu whisky
e chamo o garçom pedindo outro.
Violet levanta a sobrancelha, divertida.
— Quer se embebedar?
Abro um sorriso sem humor.
— Não seria má ideia.
— Uau. É sério então? Acho que nunca te vi bêbado. Você é sempre tão controlado.
Acho que é isso que gosto em você. Não é como o cretino do meu ex. — Ela faz uma careta.
— Não precisa mais lidar com ele, fique feliz.
— Eu queria que fosse verdade, mas ele não está facilitando.
— Deveria assinar o divórcio e deixar tudo para trás.
— E deixar o dinheiro que é meu direito, para trás também? Não!
— Eu sei que é seu direito, o que o advogado disse?
— Que Lawrence não aceitou a proposta para que eu mantenha a casa. Depois de tudo o
que tive que aguentar daquele crápula no nosso casamento ainda quer me deixar sem nada? Eu
ainda estou sendo muito generosa. Uau... Por isso está bravo? Sei que não podemos nos casar
enquanto não sair meu divórcio, mas temos tempo.
Talvez fosse melhor deixar Violet achar que eu estava desgostoso com a demora de seu
divórcio em vez de contar que estava enfurecido por causa da garota do qual sou tutor.
Violet não faz ideia do caos que é meu relacionamento com Ariella.
Ninguém sabe.
Para o mundo ela é minha protegida.
Mas também é meu segredo sujo.
Meu tormento.
Meu pecado.
Não importa o tempo que passe, ou o que eu faça para me livrar ou fingir que não existe.
Eu a mandei para longe com a desculpa de vê-la educada num colégio rígido e exclusivo,
quando na verdade queria vê-la contida. Na esperança de controlar a índole rebelde que eu estava
cego para a existência até então.
Não adiantou nada. Penso com desgosto.
Ariella só se tornava mais incontrolável a cada dia que passava.
E agora ela tem 18 anos. E está cheia de razão quando diz que não posso mais contê-la.
Embora ainda seja responsável por sua herança, Ariella pode fazer o que bem entender. Eu não
posso negar que quanto mais se aproximava o dia em que ela estaria fora do colégio, e
finalmente livre das amarras sob a qual eu a coloquei, Ariella seria diferente.
Acho que fui ingênuo em achar que, como num passe de mágica, Ariella se tornaria uma
adulta responsável e sensata. E finalmente entendesse que sou apenas seu tutor.
Por todos aqueles três anos sufoquei tudo o que fosse o contrário disso, enquanto Ariella
não perdia a oportunidade de me importunar e jogar na minha cara que por mais que eu negasse,
houve uma noite perdida no tempo que dizia justamente o contrário.
Nos tornamos inimigos em lados opostos.
Eu era a sensatez, ela era o desvario.
Eu era o certo, ela o errado.
Eu vivia na ilusão e ela, na verdade.
Não houve um dia sequer em que eu não lamentasse aquele momento em que tudo
mudou.
Em que Ariella De Vere se transformou da menina que eu amava como irmão na garota
que eu deveria proteger em todos os sentidos, sem o mundo fazer ideia de que a missão mais
árdua era protegê-la de seus próprios desejos.
Dos meus desejos que por mais que eu odiasse ainda estavam ali, soterrados sob os
escombros das lembranças que me nego a acessar.
Mas não se pode voltar no tempo, apenas conviver com nossos pecados, com nossa culpa
e seguir em frente.
Então eu encaro minha noiva.
Merda.
Estou mesmo fazendo isso?
As acusações de Ariella me voltam à mente de que era muito conveniente que estivesse
noivo justamente quando ela está de volta.
Bem, o que posso dizer?
Ela não está errada.
A verdade é que eu realmente me iludi acreditando que Ariella fosse mudar, mas depois
de nossa fatídica última briga há alguns meses, percebi que talvez isso estivesse longe de
acontecer.
E por mais que eu desejasse que Ariella saísse do colégio e sumisse das minhas vistas
como ela ameaçou fazer várias vezes quando estivesse livre, eu também sabia que não poderia
deixá-la ir tão longe.
Ela poderia ser a garota que me exasperava a maior parte do tempo, mas ainda era minha
responsabilidade. Mesmo que fosse maior de idade e dona do próprio nariz.
Velhos hábitos são difíceis de se livrar.
Ariella era impulsiva demais, inconsequente demais.
No fundo, eu tinha medo do que ela faria longe da minha supervisão.
E decidi que eu teria que mantê-la por perto. Convencê-la a ir pra Milão, quem sabe se
inteirar dos negócios da família. Ela nunca deu nenhuma pista que gostaria de trabalhar na
“House of De Vere”, mas talvez ela achasse algum lugar dentro da empresa que a agradasse.
Quem sabe ficar amiga de Marcella?
Não que Marcella não fosse outro problema, mas nem chegava aos pés do furacão que era
Ariella. Marcella era mais velha e ambiciosa, louca para agradar, para provar ao pai, Santino,
com quem não se dava bem, que poderia ter sucesso. E ela escolheu o meu lado.
Então eu acreditei que Ariella pudesse ir pra Milão. Liberdade, porém sob minhas vistas.
Só que eu não era tão ingênuo a ponto de achar que seria tranquilo.
Ainda havia uma parte de mim que temia perder o frágil controle que eu mantinha sob a
fachada fria e austera que vestia há três anos.
Eu precisava de um escudo.
Violet Belford surgiu no momento certo.
— Claro, fico preocupado com você. Acho que já sofreu muito com este casamento,
Violet — opto por meias verdades.
— Eu sei, mas não vou abrir mão do que é meu direito.
— Eu verei no que posso ajudar.
— Ah Piero, você já está fazendo demais por mim.
Sorri, apertando seus dedos.
— Nunca é demais.
— Sério, você é incrível. Eu deveria ter me casado com você e não com aquele idiota. A
juventude é mesmo uma merda.
Eu rio.
— Não posso negar que tem razão, mas fazemos muitas coisas impulsivas que nos
arrependemos.
— Verdade, quem não tem seus arrependimentos?
Ah Violet, você não faz ideia...
— E falando em juventude, e sua pupila? Fiquei feliz em finalmente conhecê-la.
— Fico feliz que pôde conhecê-la também.
— Mas eu não entendi, achei que ela iria pra Milão, por que não vai mais?
— Eu também, mas Ariella tem seus próprios planos.
E eu ainda não sei o que pensar sobre o assunto. Não me agrada deixar Ariella solta por
aí quando ela ainda é uma bomba-relógio pronta a explodir.
E se isso acontecer, tenho certeza que seja onde for que ela estiver, os destroços chegarão
até mim.
— Você não parece muito contente com isso, ou é impressão minha? — Violet deduz e
acho que não consigo disfarçar muito bem minha contrariedade.
— Ariella é um tanto... problemática.
— Hum, nunca me falou muito de como ela era. Imaginei que fosse uma menina de
colégio, talvez um pouco impertinente como toda adolescente, mas problemática, como assim?
Bem, cara Violet, Ariella se infiltrou num clube de sexo e trepou comigo quando tinha 15
anos e desde então não perde a oportunidade de me atormentar com sua provocação nada sutil ou
apropriada, transformando minha vida num inferno, mesmo que ela estivesse trancafiada num
colégio interno a milhas de distância. Além do mais, eu tive que assistir, impotente, ela se
envolver em casos inconsequentes que ela fazia questão de esfregar na minha cara, no claro
intuito de me enfurecer.
— Ela é... Impulsiva. Impertinente e nem um pouco obediente, digamos assim.
— Como toda adolescente?
— Bem, esperava que fosse sim por causa de sua pouca idade, porém, acho que me iludi
achando que ela fosse amadurecer. Hoje percebi que me enganei. Nós tivemos... uma discussão.
— Sobre o quê?
Por sua causa.
— Bobagens. Ariella vai sempre estar disposta a brigar comigo.
— Eu achei que se davam bem. Não tem tanta diferença de idade assim.
— Eu me sinto um velho perto de Ariella. — Não disfarço o amargor.
— Você é mais como um irmão mais velho.
— Eu queria que fosse assim.
— Nossa, não sabia que tinham esses problemas, mas o que ela vai fazer então? Ela quer
fazer faculdade?
— Ela quer viajar por um tempo.
— Pode ser bom pra ela. Ela é jovem, tem o direito de se divertir.
É disso que tenho medo.
— Você quer que eu fale com ela?
Deus, não.
— Não vai ser preciso, sinceramente, mantenha-se longe de Ariella.
Eu tenho calafrios ao imaginar Ariella contando a Violet o que aconteceu entre nós.
O que ainda está rolando entre nós? A voz sombria volta a me atormentar.
Não há nada entre nós. Refuto.
Bem, na prática não existe absolutamente nada, mas como me livrar da sensação de que
por mais que eu tenha mantido distância de Ariella, sinto culpa como se ainda existisse algo?
De repente meu celular vibra e eu o pego.
Vejo que tem uma mensagem de Ariella.
E quando a abro me deparo com uma sequência de fotos que tiram toda a cor do meu
rosto.
Ariella está em sua cama, no colo de Lawrence Belford, o beijando. Em uma foto ela
sorri para a câmera e mostra o dedo do meio. Em outra, o homem está com a mão embaixo de
sua saia.
Puta que pariu.
— O que foi? — Violet indaga curiosa.
— Precisamos ir embora agora. — Levanto da mesa e deixo algumas notas me
apressando em sair do restaurante e entregar o bilhete do estacionamento ao manobrista.
— Seja rápido, porra — rosno.
— Piero, o que foi? — Violet me alcança.
— O filho da puta do seu marido!
— Ex-marido e... o que ele fez? — Sem que eu consiga evitar, Violet tira o celular da
minha mão e seus olhos se arregalam.
— Oh meu Deus, essa é a Ariella?
— Sim, inferno, é Ariella!
Pego o celular de sua mão assim que o carro é entregue.
Sento no banco e dou partida, enquanto Violet se ajeita ao meu lado, ainda meio em
choque.
— Como diabos Lawrence conhece Ariella?
— É o que eu quero saber.
Arranco com o carro.
Ariella passou dos limites.
De todos.
Que porra ela está fazendo com Belford? Ele é um canalha, um cretino filho da puta que
não vale um centavo.
E ele está na cama de Ariella. Com as mãos em Ariella.
Sinto o ódio me consumir a ponto de ver tudo vermelho.
— Piero, calma. — Escuto a voz de Violet próxima, mas só me obrigo a apertar o pé do
acelerador.
— Eu vou matá-lo...
— Quem te mandou essas fotos foi Ariella? — Violet ainda parece confusa.
— Sim...
— Porque ela faria isso, minha nossa...
Estaciono cantando os pneus em frente à casa dos De Vere e saio do carro sem me
preocupar em fechar a porta e subo os degraus de dois em dois até abrir a porta do quarto de
Ariella.
Eu não paro, enxergando apenas como um borrão, que Belford está na cama com Ariella
ao seu lado.
— Seu filho da puta! — Enfio a mão na sua cara ainda na cama antes de puxá-lo pelo
colarinho e jogá-la no chão.
— Ei, que porra... — o canalha resmunga, confuso e assustado com o ataque.
Mas não quero ouvir.
Desfiro um chute e o puxo de volta, para socá-lo mais uma vez, o sangue pinga para
todos os lados.
— Piero, pare! — Violet está atrás de mim, segurando meu braço. — Pelo amor de Deus,
vai matá-lo, chega!
Eu paro, respirando por arquejos, minhas narinas inflamadas, meus dedos rasgados dos
socos, encarando o monte de merda no chão.
— Você é louco? Me atacou? — Belford se senta, ainda confuso, tirando um lenço do
bolso e tentando estancar o sangue do nariz.
— Violet? Este é seu namoradinho? Que diabos está acontecendo aqui, porra?
— Não é por minha causa que ele te atacou, Lawrence, o que estava pensando em seduzir
essa menina?
— Ariella?
— Sim, Piero é tutor dela! Que merda, Lawrence! Seduzindo uma menina de 18 anos?
Belford solta uma risada enquanto cospe no chão.
— Acha que eu a seduzi? Caramba... Foi isso que aconteceu, linda?
Ele se levanta ainda cambaleando e olha para a cama e sigo seu olhar.
Ariella está sentada sobre o colchão, os cabelos em desalinho, a blusa aberta deixando
entrever seu sutiã branco.
O rosto está vermelho, mas não parecendo nem de vergonha e muito menos de medo pela
briga.
Ela parece quase... vitoriosa.
Puta merda!
Como um raio, eu finalmente entendo.
Ela fez de propósito. De alguma maneira ela achou Lawrence Belford e o trouxe para cá.
O ex de Violet é um mulherengo cretino a maior parte do tempo, mas, desta vez, tenho
certeza que não foi dele a ideia de estar ali.
Ariella armou para que estivéssemos exatamente onde ela queria.
Com um confronto entre nós por mais uma de suas provocações.
— Suma da minha frente e nunca mais chegue perto de Ariella, entendeu?
— Pode deixar, uma boceta não vale ter meu nariz quebrado mais uma vez...
— Seu... — Avanço novamente, mas Violet me contém.
— Lawrence, chega. Vai embora!
Lawrence assente, mas antes de sair ainda sorri para Ariella.
— Devia ter me contado que era problema, linda!
Ele desaparece no corredor e respiro fundo, soltando um palavrão baixo, enquanto me
apoio na cadeira à minha frente, tentando me acalmar.
Mas está difícil. Ainda repasso na minha memória as imagens daquele imbecil com
Ariella.
O sorriso provocador dela de quem sabia exatamente como ia me atingir.
Não era a primeira vez que Ariella ficava com um homem.
Ela não fazia questão de esconder todas as suas conquistas e como não estava nem aí para
o fato de eu achar que ela ainda era muito nova para aqueles jogos.
Ela queria provar que eu estava enganado.
Queria me mostrar que embora eu tivesse rejeitado qualquer aproximação daquele tipo
entre nós, ela sempre acharia outro disposto a aceitar o que ela oferecia.
Jogávamos aquele jogo há três anos e ela ainda tirava de mim a mesma reação.
Eu odiava saber que ela estava com outros homens.
Mas quem era eu para impedi-la?
Ela deixou bem claro, exatamente na noite em que me tornei seu tutor, que a partir
daquele momento, eu até podia tentar, mas no final das contas, era ela quem ditaria as regras.
Muitas vezes eu me perguntei o que poderia ter feito diferente. A cada vez que eu me
preocupava, a cada vez que eu me culpava por saber que fui o primeiro a tratá-la daquele jeito,
quando não podia, a cada vez que me dava conta de que a única maneira de impedir Ariella de
ser de outros, era eu mesmo a tomando pra mim.
Mas isso estava fora de cogitação.
Ela sabia bem.
E assim chegamos até aqui.
— Ariella, por que fez isso? Não sabe que Lawrence é um canalha? — Violet está
dizendo.
Ariella solta uma risada debochada.
— E por que não cuida da sua vida? Por acaso está com ciúme do seu marido?
— Isso é absurdo, ele é meu ex-marido!
— Me diga, trepava com Piero quando estava casada ainda?
— Ariella, pare com isso. — Recupero minha voz querendo dar fim àquela contenda. —
Não sabe de nada.
— Não sei mesmo, mas Lawrence me contou várias coisas...
— Ele mentiu! — Violet insiste.
— Mentiu mesmo? Sabe, Violet, você tem cara dessas mulheres hipócritas, metidas a
santinhas de classe, mas que sobem o lindo vestido Chanel para o primeiro cara que abrir a
carteira, não foi assim com Lawrence? Foi assim com Piero?
— Cala sua boca, menina insolente! — Violet começa a perder a paciência. — Agora
entendo o que Piero quis dizer com ser problemática, e acho que é pior do que eu pensava.
— Ah é? Você não faz ideia! — Ariella empina o queixo.
— Já chega, Ariella — exijo.
— O que foi? Está com medo que eu conte nossos segredinhos a Violet? Talvez ela deva
saber, já que vai entrar na família...
— Saber o quê? — Violet me encara.
— Sai daqui, Violet — ordeno.
— Mas...
— Agora!
Violet ainda hesita por um instante, mas em seguida faz o que pedi e sai fechando a porta
atrás de si.
Ariella está rindo.
— Ops, falei demais?
— Você não tem limites, não é?
Ela dá de ombros.
— O que foi? Está bravo por que deixei sua noivinha nervosa? Me poupe!
— Estou puto porque trouxe esse filho da puta para sua cama.
— Oras, não é a primeira vez, lembra? Teve sorte de ser só um!
— O que pretendia? Me enfurecer? Provocar Violet?
— Um pouco de tudo isso. Decidi que não gosto da Violet e fiquei curiosa em conhecer o
ex dela. Quer dizer, não é ex, ainda é marido.
— Ela está se divorciando.
— Sei... E ele me disse que a Violet o traía com você.
— Não é verdade.
— Não? Tem certeza? Você é um hipócrita, Piero! Todo cheio de moral comigo, mas
pega mulher casada...
— Você não sabe o que está falando! E não deveria ter se envolvido com Belford. Ele é
um canalha, viciado em sexo e em pó.
— Ah é? Acho que já tinha sacado a parte da cocaína.
Ela olha pra baixo, onde sua blusa ainda está aberta. Eu sigo seu olhar, mas desvio
rápido.
— Sabe por que abri a blusa, porque ele queria cheirar uma carreira diretamente do meu
peito. Não é sexy?
— Pare!
— Não quer saber os detalhes?
— Trepou com ele?
Sei que não devia estar perguntando, mas não me contenho.
— O que você acha?
— Sim ou não?
— Não, porque você nos interrompeu! Cortou o meu barato, o que vou fazer agora? Acha
que devo terminar sozinha?
E sem aviso ela desliza a mão para baixo da saia.
Eu me arrependo mil vezes de seguir o movimento, mas no instante seguinte é tarde
demais para mim.
Uma lança violenta de desejo atravessa meu corpo quando Ariella se movimenta sobre a
cama, para se aconchegar contra os travesseiros, levantando a saia com a outra mão para que eu
veja seus dedos deslizarem a calcinha para baixo e sua boceta surgir no meu campo de visão.
Engulo em seco, algo zunindo em meu ouvido, o sangue percorrendo rápido minhas veias e indo
direto para meu pau, que se ergue sem que eu consiga evitar.
Quando ela sorri e leva os dedos ao meio das pernas se acariciando, os olhos presos nos
meus, num desafio claro e perverso, meus olhos dardejam.
Quero pedir que pare com aquele desatino.
Quero avançar para cima dela e enfiar meus próprios dedos nela.
Porra.
Aperto a cadeira na minha frente até meus dedos esbranquiçarem, sabendo que tenho que
desviar o olhar, sair daquele quarto antes que seja tarde demais, mas não consigo.
Um gemido baixo escapa dos seus lábios entreabertos e fazem eco direto no meu pau.
Ela fecha os olhos, movendo os quadris e os dedos num ritmo preciso para me matar.
Sou um homem morto.
Naquele momento o homem que eu fui por três anos está sendo destruído por aquela
imagem.
Estou no chão, ofegando e tentando respirar, voltar à vida que até aquele momento era a
que escolhi viver.
Longe do pecado que era querer Ariella De Vere.
De repente suas pálpebras se movem e ela crava os incríveis olhos esverdeados nos meus.
Me chamando.
Me reivindicando.
— Piero… — soluça ofegante.
Escuto aquele chamado atingir diretamente meu peito, o estraçalhando.
Merda.
Fecho os olhos, xingando baixo.
Não. Mil vezes não, porra.
— Não... — rosno antes de finalmente conseguir romper aquele fascínio e sair do quarto,
levando todos os meus demônios sobre os ombros.
Encontro Violet me esperando na ponta da escada.
— Piero?
Avanço em sua direção e agarro seu pescoço, colidindo os lábios nos seus.
Despejo toda a raiva e desejo frustrado naquele beijo.
Enfio os dedos em sua cintura, a jogando na parede, subindo as mãos para seus seios,
aspirando o cheiro que é tão conhecido e seguro.
E ainda assim, o cheiro errado.
— Piero, pare, o que está fazendo? — Percebo que ela está me empurrando e paro,
respirando pesado para encontrar sua expressão confusa.
Porra.
— Desculpa — sussurro e dou meia-volta.
Caminho como um homem bêbado pelo corredor.
Entro no quarto que sempre ocupei quando estava ali e precipito-me até o banheiro.
Paro em frente ao espelho.
Encaro minha imagem e não me reconheço.
Foda-se.
Abro a calça e seguro meu pau ainda muito duro e latejando.
Fecho os olhos e movo meus dedos com fúria, o prazer crescendo num ritmo vertiginoso.
Perigoso.
Proibido, assim como as imagens que permeiam minha mente.
Ariella.
Os dedos se movendo embaixo da maldita saia que eu odiava desde sempre.
As fantasias que eu não permitia ter finalmente escapando das profundezas da prisão em
minha mente onde estavam trancafiadas há três anos se misturando às lembranças que eu
também tranquei no mesmo lugar.
Tentei matá-las todos os dias.
Mas elas nunca morreram, estavam ali, apenas sufocadas por meus escrúpulos.
Foda-se.
O orgasmo avança por meu íntimo, estremece minhas coxas e rosno com raiva e culpa
quando gozo forte, os jatos quentes molhando minha mão enquanto esvazio minha mente de
tudo.
Ficando apenas ela.
Ariella.
— Porra, Ariella... — suspiro, vencido. Destruído. — Ariella...
Oito

Três anos antes

Piero

Quantas vezes podemos ir ao chão e ainda ter forças para levantar e seguir?
A primeira vez que caí foi naquele clube, quando uma voz estranha me comunicou que
meus pais haviam se envolvido em um acidente.
Poucas palavras. Estrada. Neve. Não, não poderia dizer por telefone... Os passageiros
foram levados a um hospital.
Saí do maldito clube para encontrar Santino que rapidamente se prontificou em pedir um
helicóptero.
Por todo caminho, eu rezava. Podia ser um engano.
Provavelmente estavam exagerando. E encontraria meus pais e os De Vere apenas com
arranhões.
Porém, o único que ainda estava vivo quando cheguei era meu pai.
Entrei no quarto e segurei sua mão, já sabendo que ele não estaria ali por muito tempo. E
ainda assim, ele sussurrou com sua voz moribunda o que me faria cair pela segunda vez, antes de
partir para sempre.
Santino se encarregou de todos os trâmites. O velório seria no dia seguinte, em Milão. Os
De Vere seriam levados a Inglaterra para serem enterrados junto aos familiares.
E eu precisava dar a notícia a Ariella.
E foi então que eu caí de vez quando descobri que ela era a mulher do clube.
Inferno, ela nem era ainda uma mulher.
Eu a encarei em total horror, sentindo nojo de mim mesmo a cada segundo que passava
em que eu me dava conta daquela realidade.
E Ariella estava sorrindo por entre as lágrimas.
A menina que era como uma irmã. Que havia acabado de perder os pais.
A menina da qual agora eu era tutor.
E há apenas algumas noites eu estava gozando dentro dela.
Com ela.
Fechei os olhos, com dificuldade de respirar. As lembranças voltando a minha mente
como uma avalanche levando tudo de bom de dentro de mim.
Eu transei com Ariella. E apreciei cada momento.
— Piero? — Eu a ouvi sussurrar mais uma vez, se aproximando por trás de mim e
tocando minhas costas.
Eu me afastei de seu toque como se me queimasse, quando me virei a encarando com
assombro.
Sua maquiagem borrada, o vestido preto justo era formal e elegante, mas marcava todas
as suas curvas femininas.
De uma mulher.
Quando foi que Ariella havia se tornado aquela mulher?
— Ariella, Meu Deus... Isso não está acontecendo. Não pode ser real...
— Mas foi real. Foi muito real! Eu estava lá. E você também. E nós entramos naquela
sala e nos beijamos e eu me despi e nós fizemos sexo...
— Pare...
— Por quê? Nós temos que falar sobre isso!
— Não, não temos! Porque nada daquilo podia ter acontecido!
— Mas aconteceu!
— Inferno, é um pesadelo... — Eu tentava organizar meus pensamentos e achar algum
sentido naquela história tenebrosa.
— Como entrou naquele lugar?
— Eu falei com Santino.
— O quê?
— Seu tio Santino me chamou para tomar um drinque com ele. Eu fui, e conversamos e
contei que era apaixonada por você...
— Apaixonada por mim? — Que porra ela estava falando? — Você não é apaixonada por
mim, é uma criança...
— Não sou uma criança, Piero! Será que não viu o que eu sou naquele clube? Foi por
isso que quis estar lá. Quando Santino me disse que havia uma maneira de você me ver como eu
sempre quis que me visse. Que me enxergasse como uma mulher desejável a quem poderia
querer... Eu não hesitei em aceitar colocar aquela máscara. — Ela sorriu. — E foi incrível, não
foi? — Ela se aproximou de novo.
Coloquei a mão entre nós a impedindo de continuar.
— Chega! Não fale mais nada... não foi incrível, foi uma aberração! Eu nunca teria
colocado minhas mãos em você, nunca... — “teria fodido você”, queria dizer, mas nem
conseguia continuar, porque parecia sujo demais. Que Ariella fosse a garota sensual do clube que
eu desejei. Não. Nunca mais, eu não podia olhar para ela como olhei naquele clube.
Eu andei como um tigre enjaulado pela sala, me sentindo sufocado.
— Mas você colocou. Nós estivemos juntos, Piero. E eu te amo...
— Não, você não me ama. Nem sabe o que está dizendo! — Bati na mesa a minha frente
com raiva e Ariella deu um pulo, assustada, o sorriso esperançoso em seu rosto se desfazendo em
decepção.
Senti sua dor e doeu em mim.
Inferno, eu a amava sim.
Amava desde que colocaram ela no meu colo. Uma bebê bonitinha que eu vi crescer, se
transformar de uma criança fofa em uma adolescente mal-humorada.
Mas agora todas as imagens que eu conhecia dela se misturavam à moça do clube.
E eu queria apagar aquela imagem pra sempre.
Queria arrancá-la da minha mente.
Mas não conseguia.
Algo havia mudado irreversivelmente e não conseguia lidar com aquela nova realidade.
Porque Ariella só tinha 15 anos e estava sozinha no mundo.
Não, ela não estava sozinha, ela tinha a mim. Mas como podemos continuar em frente
agora? Como esquecer aquela noite no clube e continuar como se nunca tivesse acontecido?
Era só o que podíamos fazer. Respirei fundo várias vezes, conjurando força. Tomando o
controle das minhas emoções.
Eu era o adulto ali e deveria agir como tal.
Ela chorava agora, me partindo o coração em dois. Queria abraçá-la. Queria consolá-la e
dizer que tudo ficaria bem. Mas sabia que não podia tocar em Ariella nunca mais.
— Ariella, me escute.
Eu me aproximei e lhe estendi um lenço.
Ela o pegou, fungando.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu...
— Eu não sinto.
— Não, apenas escute. — Eu a interrompi com autoridade. — Você sabe, bem no fundo,
que não deveria estar lá. Aquele lugar é um lugar de adulto e não, você não é uma adulta. Você
tem 15 anos e está confusa e foi influenciada... — Senti a raiva me tomar ao finalmente entender
que Ariella estava naquele clube a pedido de Santino.
Puta merda, o que ele pretendia?
Minha cabeça deu várias voltas, tentando achar um sentido. Eu sabia que Santino não era
um santo, mas chegar àquele ponto, aliciando uma menina inocente?
— Santino nunca deveria ter sugerido tal absurdo.
— Mas eu queria...
— Não interessa. Foi errado. E eu nunca teria feito o que fiz se soubesse que era você.
Ela soluçou mais uma vez.
Inferno.
— Por favor, odeio ver você chorar, mas isso acaba aqui. O que aconteceu, nunca deveria
ter acontecido e vamos esquecer.
— Esquecer? Acha mesmo que é possível?
— Sim. Eu sou o seu tutor e apenas isso. A partir de agora, nunca mais falaremos sobre
aquela noite. Para mim, será como se nunca tivesse acontecido. E eu quero que você faça o
mesmo, entendeu?
Ela me encara com decepção.
— Você entendeu? — repeti.
Ela assentiu.
Naquele momento respirei aliviado, acreditando que conseguiríamos seguir em frente,
com nosso pequeno segredo bem guardado.
Mas estava enganado.

Eu deixei Ariella naquela noite sob os cuidados da governanta da casa, Celine, que
trabalhava com os De Vere desde que Ariella nasceu e voltei a Milão.
Eu tinha um acerto de contas com Santino Salvatore.
— O Sr. Santino não está disponível no momento. — A secretária havia tentando me
impedir de passar, mas a ignorei e abri as portas de carvalho e adentrei na sala.
Santino estava sentado à mesa e sorriu ao me ver.
— Querido sobrinho, a que devo a visita, assim, sem aviso?
— Senhor, me desculpe, eu disse que não poderia. — a secretária estava atrás de mim,
balbuciando.
— Seu filho da puta — sibilei, com os punhos apertados, me segurando para não avançar
com violência.
Ele era meu tio, e acho que de alguma maneira eu ainda me apegava a um resquício de
dúvida de que fora realmente ele quem fizera aquela trama.
— Ora, ora, vejo que está nervoso.
— Devo chamar os seguranças, senhor?
— Não, pode sair, nos deixe a sós.
A porta se fechou atrás de mim e Santino fez um sinal para eu me sentar, mas eu apenas
me aproximei e me inclinei sobre a mesa de forma incisiva.
— Como está, Piero? O serviço fúnebre de meu irmão e sua querida esposa foi muito
bonito, mas muito triste...
— Você convidou Ariella a ir àquele clube.
— Ah, então você já sabe... — Sorriu com malícia que me embrulhou o estômago.
— Isso não é engraçado! Apenas me diga como Ariella entrou naquele clube!
— Bem, eu a convidei. — Santino empurrou a cadeira para o lado se levantando e indo
até o bar no canto da sala com tranquilidade.
Senti a fúria dominar meus atos quando me aproximei.
— Por que diabos faria isso com uma criança?
— Criança? Você mesmo viu que de criança Ariella não tem nada. Aliás, ela tem um
corpo de uma cortesã e as atitudes de uma vagabunda...
— Canalha! — Avancei para cima dele e desferi um soco, o fazendo cair para trás. —
Ariella tem 15 anos! Tem ideia do que fez?
Ele riu se aprumando.
— Estou vendo que algumas máscaras estão caindo. A de sua protegida já caiu...
— Cala a boca! Eu poderia te matar agora!
— Não sou o vilão aqui, não sei o que Ariella te contou, mas ela veio até mim de livre e
espontânea vontade, toda chorosa e louca para que a visse como uma mulher desejável. Então eu
apenas sugeri que ela poderia colocar uma máscara...
— Não tinha este direito!
— Eu só queria ajudar. Claro que eu não poderia saber que você, meu caro sobrinho,
sucumbiria tão rápido... Me diga, ela é tão quente quanto parece?
Eu fui para cima dele de novo, mas desta vez a porta se abriu e em alguns segundos dois
seguranças estavam me contendo.
— Me solta! — gritei, enfurecido.
— Acalme-se, sobrinho. — Piero se levantou, limpando o rosto. — Meus seguranças vão
te soltar se garantir que podemos conversar como homens civilizadamente.
— Você não é civilizado, nem é um homem!
Ele riu.
— Está com muita moral para quem fodeu uma criança, sobrinho.
Porra, tomei seu insulto como um soco no meu estômago.
Queria gritar “Ariella não era uma criança”, mas eu estaria me contradizendo.
Que merda havia se transformado minha vida?
Os seguranças me soltaram e Santino fez um sinal para que saíssem da sala enquanto
tomava novamente seu lugar na mesa.
— Sente-se, Piero. Temos assuntos a tratar.
Eu queria sair daquela sala e nunca mais voltar, mas algo no tom de voz sereno e firme
do meu tio fez minha nuca arrepiar e então eu entendi.
Nada daquilo foi por acaso.
Ou inconsequente.
“Não confie nele”, meu pai havia dito.
De repente, comecei a entender.
Tomei meu lugar a sua frente.
— Eu sinto muito que esteja bravo comigo, caro. Eu quis ajudar a bambina. Tão
apaixonada...
— Ariella não sabe o que diz. Ela só tem 15 anos e você era o adulto que não deveria tê-
la incentivado a se colocar naquela situação.
— Por que eu sou o vilão sendo que foi você quem fez sexo com ela?
— Sabe muito bem que eu não fazia ideia com quem estava trepando, porra!
— Ah, tem certeza?
— Sim, eu não fazia ideia. Ariella me contou ontem... depois que lemos o testamento.
— Sim, me contaram que agora é tutor da bambina. Que situação, não?
— Não deveríamos estar nessa situação. E a culpa é sua!
— Sabe muito bem que a culpa é sua, sobrinho. Eu apenas montei o tabuleiro. As peças
se moveram por vontade própria... Como eu lhe disse, homens são fracos a apenas uma coisa. —
Ele sorriu enquanto mexia em seu notebook.
— Eu só fodi com ela porque não sabia! — insisti, sabendo que de certa forma Santino
tinha razão.
Ele queria provar um ponto. E estava conseguindo.
Eu nunca deveria nem ter entrado naquele clube, muito menos sucumbido a uma das
mascaradas.
Mas eu o fiz.
Fui fraco como todos os homens.
E agora estava pagando o preço. Mas que preço?
— Eu não entro em um negócio sem que seja vantajoso pra mim, sobrinho.
Então, ele virou o notebook pra mim e assisti, com a bile subindo por minha garganta, eu
mesmo sentado no sofá de couro, a mulher de máscara preta se despindo a minha frente e vindo
para meu colo.
Ariella.
Apertei os punhos, fechando o notebook com um baque.
— Você armou para mim?
Santino sorriu acendendo um charuto.
— Confesso que não foi de caso pensado. Eu queria te mostrar nosso clube, queria que se
divertisse e percebesse que tipo de negócios eu faço. Seu pai sabia. Ele se aproveitou muitas
vezes, levando vantagem sobre os homens que eu trazia ao meu clube. Você sabe, alguns
pecados devem ficar escondidos. Como o seu! Mas eu não sabia que um presente como este seria
jogado em meu colo, quando a menina Ariella confessou sua paixão adolescente. Ah, ela foi tão
fácil de ser manipulada... Assim como você. E eu só podia torcer para que caísse na sedução da
bambina. E você caiu.
— O que pretende com isso?
— Bem, acho que podemos negociar agora?
— Não vou negociar nada com você.
— Então quer que essas imagens venham a público?
— Não tem como saber que é a Ariella aí.
— Mas eu tenho um vídeo muito mais interessante, da bambina se arrumando, colocando
a máscara...
— Seu pervertido do caralho...
— Acalme-se, Piero. Lembre-se que tem o teto de vidro, mas não é minha intenção expor
você ou a menina.
— Diga logo o que pretende!
— Seu pai estava querendo pular fora do nosso pequeno jogo... Mas você está no lugar
dele agora. E está no lugar que eu queria que estivesse.
— E qual lugar é este? O que quer de mim?
— A princípio eu preciso de uma injeção de capital no meu novo empreendimento.
— Só isso?
— Claro que não, meu caro. Eu preciso que colabore comigo. E se aceitar que temos um
acordo, o segredo seu e da sua protegida estará guardado. Ou quer perder a guarda dela? O que
seria da pequena Ariella solta por aí? E todos sabendo do que fizeram... Ah, seria um escândalo.
Eu encarei aquele homem calculista e ordinário.
O homem que meu pai pediu para não confiar.
Eu queria ter lembrado disso antes de entrar naquele clube.
Eu poderia mandá-lo para o inferno, me levantar e sair sem olhar para trás, mas sabia que
Santino não estava para brincadeira.
Ele não hesitaria em jogar aquelas imagens ao mundo e eu não poderia deixar que aquela
noite viesse à tona. Nunca.
— Sim, temos um acordo.
Eu esperava não estar vendendo minha alma ao diabo.
Mas eu sabia que minha estadia no inferno estava apenas começando.
Nove

Três anos antes

Ariella

Acordei assustada com uma voz furiosa entrecortada com outras amedrontadas e meu
colchão se movendo.
Eu me sentei, tirando os cabelos dos olhos e tentando visualizar o que estava
acontecendo, minha cabeça parecia que ia explodir de dor.
— Podem fazer menos barulho? — murmurei mal-humorada, finalmente conseguindo
abrir os olhos para enxergar Piero aos pés da cama.
Oh...
— Eu falei para darem o fora daqui — ele bradava para dois garotos que estavam se
movendo rápido, balbuciando desculpas. E eles não pareciam em melhor estado que eu.
Mas que merda...
O que estava rolando?
Soltei um gemido desalentado, enquanto as memórias das últimas 24 horas voltaram à
minha mente.
Piero descobrindo que eu era a garota do clube e me desprezando em seguida, destruindo
o pouco de esperança que eu nutria de que ele finalmente percebesse que gostava de mim.
Mas Piero me rejeitou.
Me fez prometer que íamos esquecer o que aconteceu.
Para ele, foi apenas um engano terrível.
Quando ele partiu, me senti perdida. A dor da morte dos meus pais se misturando à dor
da rejeição de Piero.
Lembro de ter pegado uma garrafa de whisky dos meus pais e me trancado no quarto,
mas beber me deixava apenas tonta e com raiva.
Um colega de escola com quem eu tinha ficado antes das férias me enviou um recado, me
deu condolências pela morte dos meus pais e se colocou à disposição para caso precisasse de
companhia.
É um dos garotos que está se vestindo apressado agora. Myron é seu nome. Pedi que ele
trouxesse mais amigos, que queria uma festa pra me distrair.
Não me recordava de muita coisa. Bebemos muito, rimos e dançamos. Acho que fumei
um cigarro estranho e por mais que eu tentasse fingir que estava me divertindo, a cada hora que
passava a dor só piorava. Se transformou em desespero, em uma necessidade latente de esquecer
tudo.
Eu estava apaixonada por um homem que agora era meu tutor e mais do que nunca era
impossível.
Deixei que Myron me beijasse, deixei que o amigo dele cujo nome eu nem sabia, me
beijasse e sinceramente, eu não me lembrava muito bem da experiência toda, mas certamente
posso dizer agora que Piero já não era o único homem com quem transei.
Puta merda.
Tapei meu rosto com as mãos, sentindo-me miserável e ao mesmo tempo... vingada.
Sim, acho que era isso que eu queria o tempo todo. Mostrar a Piero que eu seria de todos
os homens que me quisessem.
Menos dele. Porque ele não me queria.
Foda-se.
Os meninos saíram do quarto e Piero me encarou com uma frieza que nunca tinha visto
antes.
— Vista-se e desça. — Ele se virou para sair, o que me tirou do torpor.
— Só isso? Não vai me dar uma bronca? Me pôr de castigo? Ou sei lá, me bater?
— É isso que quer? — Ele se virou.
Dei de ombros.
— Não é meu tutor agora? Tipo, meu pai, ou algo assim? — desafiei.
— Não sou seu pai, talvez seu pai estivesse mortificado por encontrá-la assim.
Tentei não me sentir afetada por suas palavras.
Pensar em meu pai doía.
Mas ele não estava ali e Piero sim.
— Assim como?
— Sabe muito bem.
— Sei? Diga-me o que achou dos meus... amigos?
— São tão irresponsáveis como você, mas o que poderia se esperar de adolescentes? —
afirmou com indulgência. — Porém, não sou responsável por eles e por você sim.
Piero saiu do quarto e soltei um palavrão frustrado enquanto saltava da cama.
Estava irritada porque ele não agiu como eu esperava.
Claro que eu sabia que Piero ia saber o que rolou ali. Talvez eu não esperasse que
aparecesse no meu quarto na manhã seguinte, mas também não tinha planejado acordar daquela
maneira.
Desci para a cozinha algum tempo depois e me sentei à mesa, com Celine me lançando
olhares de censura enquanto servia meus ovos mexidos. Piero entrou na cozinha um tempo
depois e sentou à minha frente, enquanto Celine lhe servia um café.
— Obrigado, Celine, agora suba e vá preparar as malas de Ariella.
Celine evitou me encarar quando saía silenciosamente da cozinha.
— Minhas malas? Vamos viajar? — indaguei confusa.
— Você vai para um colégio interno — ele anunciou.
— O quê? Não!
— Sim, você vai. Não está em discussão. Já está decidido.
— Não pode me obrigar!
— Posso sim. Sou seu tutor, responsável por você. Mas não moro aqui, e sim em Milão.
— Me leva pra Milão com você então!
Não queria ir pra Milão. Eu tinha uma vida ali, na minha escola. Uma vida com meus
pais. Mas meus pais não existiam mais, pensei com a dor voltando a fechar minha garganta.
Eu ainda não tinha me perguntado o que iria acontecer, mas agora eu sabia.
— Piero, está tomando uma decisão arbitrária sobre meu futuro sem nem ao menos levar
em consideração o que eu quero! Eu não quero ir para colégio interno nenhum!
— Não tem querer. Quem decide sou eu.
— Por que está fazendo isso?
— Ainda pergunta? Cheguei aqui de manhã para ouvir Celine contando sobre sua
festinha com seus amigos arruaceiros.
— Como disse, somos adolescentes nos divertindo! Não é motivo pra me punir me
internando num colégio!
— Eu a encontrei na cama com dois garotos, Ariella.
— E daí? Está com ciúme? — provoquei.
— Não seja ridícula. Você só tem 15 anos e não tem nenhum discernimento, nenhum
senso de preservação e cabe a mim conter suas crescentes rebeldias.
— Isso é ridículo...
— Enfim, já está decidido. Partimos em duas horas.

Duas horas depois estávamos em um carro em direção a Cambridge. Sentia vontade de


chorar enquanto observava pela janela a cidade ir se transformando em paisagem rural.
Tudo estava mudando irreversivelmente.
Há alguns meses eu era uma adolescente descobrindo o mundo, com pais amorosos e
uma vida de privilégios. O verão na Itália me revelou as mudanças de sentimentos por Piero e eu
só queria lhe mostrar que tinha crescido. Queria que ele me amasse também, mesmo no fundo
sabendo que seria quase impossível. Santino jogou no meu colo a oportunidade perfeita que eu
agarrei sem nem ao menos hesitar.
E não me arrependi, ainda que Piero maldissesse aquela noite, eu nunca iria me esquecer.
Me apegaria àquelas lembranças para suportar o luto dos meus pais, à solidão de um internato
que eu iria odiar.
Piero estava ao meu lado, no banco do passageiro do carro, com os olhos fixos à frente,
impassíveis.
O que se passava em sua mente? Queria que ele olhasse pra mim, que sorrisse como
antes, quando eu era sua piccola. Quão contraditório eram aqueles sentimentos?
Me sentindo sufocada, abri a janela e joguei minha cabeça para fora, sentindo o vento nos
meus cabelos acalmando minha angústia.
Vou sobreviver. Jurei a mim mesma.
Ainda não sabia como, mas iria.
Voltei para dentro e Piero estava me encarando com censura.
Ótimo, alguma reação pelo menos.
— Você está se esforçando para que eu te odeie, não é?
— Estamos chegando — avisou, sem responder a minha questão.
O carro estacionou em frente ao prédio imponente.
Hesitei, sentindo meu estômago revirando.
— Está com medo? — Piero indagou e eu o encarei irritada.
— Não me venha com a história de que as melhores coisas da vida começam com um
pouco de medo!
Ele riu suavemente.
Quase como antes, fazendo meu peito apertar.
Meu Deus. Eu gostava tanto dele. Por que as coisas entre nós tinham que ser tão difíceis?
— Pode se aplicar aqui sim. Vai fazer amizade com meninas da sua idade...
— Meninas! Claro, tinha que ser um colégio só de meninas! — Aparentemente Piero
queria me manter longe de garotos. — Não está com medo que eu desvirtue algumas meninas,
não?
— Chega, saia do carro. — Ele não achou graça na minha brincadeira.
Nós saltamos, enquanto o motorista retirava minhas malas as levando para dentro, onde
uma mulher de meia-idade lhe instruiu.
— Olá, bem-vinda Ariella. Sou a diretora Audrey Tilbury — a mulher se apresentou. —
O senhor deve ser Piero Salvatore. Nos falamos por telefone.
— Sim, muito obrigado por receber Ariella tão prontamente.
— Nós ficamos felizes com a oportunidade.
Revirei os olhos, impaciente.
— Ariella está muito feliz também. — Piero acrescentou com sarcasmo. — Bem, eu
preciso ir. Tenho negócios urgentes para resolver.
— Claro, eu cuido da nossa menina.
Disfarcei uma careta com a falsa cordialidade da diretora.
Piero me encarou.
— Comporte-se. — Foram suas palavras de despedida antes de se afastar em direção ao
carro.
— Vai se foder — rebati lhe mostrando o dedo do meio.
A diretora Tilbery me fitou com um olhar de censura.
— Não deveria falar assim com seu tutor, Senhorita De Vere.
— Vai se foder você também. Eu não estou aqui porque quero, e sim porque sou
obrigada!
A mulher não se abalou.
— Vou relevar sua revolta, pois acabou de passar por uma perda, mas saiba que aqui
temos regras rígidas de conduta e educação, mas terá tempo de se adaptar. Georgina, aí está
você.
Uma garota ruiva se aproximou.
— Essa é Georgina Beauchamp, ela irá te mostrar o colégio.
— Muito bem-vinda, Ariella — a moça disse com uma voz que gritava “bem nascida”.
Um tédio.
Eu segui pelos corredores escuros com Georgina a minha frente me instruindo sobre as
regras ridículas da escola, que fazia eu me sentir mais deprimida a cada passo. Não era possível
que eu tivesse que viver naquela prisão.
Se Piero queria que eu o odiasse, estava indo muito bem.
— Aqui é seu quarto. — Ela abriu a porta de um quarto austero.
Olhei ao redor com desânimo.
— Que horror.
— Não é tão ruim. Você pode colocar alguns quadros, fotos de familiares se tiver
saudade.
Georgina não fazia ideia...
— Eu já odeio este lugar — murmurei.
— Olha, sei que pode parecer estranho não estar na sua casa, mas vai se acostumar,
Wycombe Abbey School tem uma ótima grade curricular, vai ser bom para seu futuro
acadêmico.
Rolei os olhos para aquele monte de baboseira.
— Ah, por favor, quem liga pra essas merdas?
— Bem, a maioria das pessoas.
Eu a encarei com escárnio.
— Arg! Você é uma dessas nerds?
— Se quer dizer boa aluna, sim.
— Uma chata, então.
— Nem me conhece...
— Certo, foi mal. — Eu sentei na cama. — Me diga, Georgina, né? O que vocês fazem
aqui pra se divertir?
— Bem, podemos ir livremente à biblioteca, pegar qualquer livro que quisermos...
— Minha nossa, é isso que acha que é diversão?
— Não acha que ler é diversão?
— Quer saber, eu gosto de ler sim. Talvez possamos ser amigas, se você não for tão chata
quanto parece. E o que mais fazem?
— Temos uma sala de jogos, onde podemos jogar xadrez e...
— Eu gosto de jogar xadrez... — Lembrei de Piero me ensinando e isso me deixou de
mau humor. — Mas ainda não é isso que quis dizer. Vocês podem sair dessa prisão?
— Temos dias de passeios permitidos em Cambridge, se é o que quer saber.
— Hum, pode ser legal... tem a faculdade próximo, não é?
— Não somos encorajadas a interagir com garotos universitários.
— Que ridículo! Temos que passar o tempo todo trancafiada aqui só com garotas, isso é
um tédio!
Eu tinha muitos amigos meninos na escola em Londres, assim como meninas. Na
verdade, eu era bem popular.
— Percebo que não queria estar aqui. Sinto muito por isso, vai sentir falta dos seus pais...
— Meus pais morreram.
— Oh, me desculpe. — Sua expressão suavizou. — Sinto muito.
Dei de ombros.
Não queria que Georgina sentisse pena de mim.
Estava de saco cheio de me sentir triste.
Já chega.
— Ei, olá.
Uma moça bonita de cabelos escuros e olhos muito verdes entrou no quarto com uma
expressão curiosa.
— Oi Anya, essa é a Ariella, aluna nova.
— Oi Ariella, bem-vinda! — A menina sorriu. — Está na hora do almoço, Gina.
Eu as segui para o refeitório e outras meninas me olhavam com curiosidade quando
sentamos em uma mesa com nossas bandejas.
Eu não estava com apetite, mas a comida até que não era ruim.
— E então o que está achando da escola? — Anya indagou.
— Eu acabei de chegar, mas já estou odiando.
Os olhos da menina se arregalaram.
— Nossa, não parece feliz de estar aqui. Por que está então?
— Meu tutor me obrigou.
— Tutor?
Georgina cochichou no seu ouvido e tinha certeza que era sobre o fato de eu ser órfã.
— Entendi... Mas por que ele te obrigou? Oh, aprontou alguma? É um castigo?
— Ele me pegou na cama com dois garotos. — Optei por meia-verdade.
Anya cuspiu todo o suco e o queixo de Georgina caiu.
Soltei uma risadinha.
— Acho que choquei vocês.
— Sim, meu Deus! — Georgina ainda estava perplexa e horrorizada, me encarando como
se eu fosse uma degenerada ou algo assim.
Anya estava chocada também, mas em seu olhar não tinha censura, e sim curiosidade.
— O quê? Nunca transaram?
— Não, nunca nem tive um namorado — Anya afirmou vermelha.
— E você? — questionei Georgina.
— Georgina arranjou um namorado nas férias. George St. Clair. — Anya bateu com o
ombro no de Georgiana que ficou vermelha.
— Oh, e vocês já...
— Não! Não namoramos nem há dois meses!
— E daí? Não sente tesão pelo tal George? Meu Deus, George e Georgina. — Ri achando
engraçado.
— Não é? Aposto que foram feitos um para o outro. Destino — Anya suspirou.
— Oh, você é uma dessas meninas românticas?
— Por que não? Você não acredita em romance? Ai minha nossa, você transou mesmo
com dois meninos ao mesmo tempo, nem sei como é isso!
— E você está curiosa... — provoquei.
— Não nego que fico curiosa sim. Com quantos caras você transou?
— Não estou contando. — Dei de ombros, exagerando.
— Uau, você é muito corajosa!
— Parece meio coisa de piranha — Georgina me criticou.
— Georgina! — Anya a censurou.
— Sinceramente, Anya, a gente é muito nova pra essas coisas!
— Cada um sabe sua hora, querida Georgina — rebati. — Vai saber a sua também.
— Pode ser, mas não vou virar uma piranha, saindo por aí transando com qualquer um!
— Não sabe o que está perdendo... — provoquei.
— Sério? — Anya continuava curiosa.
— Sim, se nunca fez, faça, tem que se divertir!
— Minha mãe me mataria, sou proibida de namorar.
— Isso é ridículo. Mas sexo é bom, deveria experimentar. Só um conselho, nunca se
apaixone.
— Como assim?
— Amor é a maior furada que existe. Não vale a pena.
— Que bobagem... — Georgina refutou.
— Não gosta de mim, Georgina?
— Você quem me chamou de chata.
— Você me chamou de piranha.
— Talvez porque você seja uma?
— Vocês são muito diferentes, mas acho que podemos ser amigas — Anya comentou.
— Quer ser minha amiga?
— Claro que sim. Você é divertida, corajosa, não tem medo de nada…
— Além de ser piranha. — Pisquei, provocando Georgina.
— Posso conviver com isso.
— Acho que gostei de você, também, Anya. Acho que posso te ensinar uma coisa ou
outra.
Georgina bufou.
— E você, Georgina?
— Não vai conseguir me desvirtuar, nem tente. Não sou influenciável como a Anya.
— Vamos ver…
— Talvez eu te influencie para ser uma pessoa melhor, quem sabe.
— Você vai acabar me amando, Georgina, posso ser piranha, mas sou uma pessoa legal.
Enfim, estou louca para me divertir.
— Como assim?
— Que tal sairmos e ir a um pub?
— Não podemos! Só podemos sair nos dias permitidos...
— E daí? Seguem mesmo as regras?
— Sim! — as duas responderam de pronto.
— Estou vendo que são duas chatas! Mas vou achar quem queira ir comigo.
Eu não consegui convencer Georgina e Anya a irem comigo, mas naquela mesma noite,
eu e outras meninas mais corajosas saímos dos muros do colégio e nos embebedamos em um pub
local.
Eu conheci um universitário com quem troquei beijos esquecíveis, e na manhã seguinte
estava na sala da diretora Tilbury enquanto ela fazia uma ligação para Piero para contar minha
estripulia.
Escondi um sorriso no bocejo quando ela me dispensou depois de um longo sermão de
que não seria permitido mais nenhuma quebra de regras.
Enquanto eu só pensava no que ia aprontar da próxima vez.
Em breve a diretora Tilbury não aguentaria mais minha presença e me expulsaria.
E era o que eu mais queria.
Piero não ia poder me trancar ali pra sempre.
Dez

Ariella

— O Senhor Salvatore voltou.


As palavras de Celine me surpreendem quando entro na cozinha naquele fim de tarde
chuvoso e automaticamente meu humor, que estava uma merda, se transforma totalmente.
Faz três dias do meu confronto com Piero, depois do fiasco do encontro com o ex da
Violet. Eu me senti muito esperta e afrontosa por convidar Lawrence para jantar comigo em casa
para saber fofocas sobre a noiva de Piero. Como eu imaginava Lawrence era um mulherengo que
só faltava salivar com o meu falso interesse e abriu a boca rapidinho sobre como Violet era uma
mulher calculista que se casou com ele apenas por dinheiro, não se importando quando o
interesse de ir pra cama com ela acabou – segundo ele a culpa era dela por ser fria como uma
pedra de gelo entre os lençóis.
Será que Violet era assim com Piero também? Eu tinha esperança que sim, porque não
conseguia imaginar Piero transando com ela sem ter vontade de vomitar.
E também segundo Lawrence, Violet fazia vista grossa com seus casos extraconjugais –
que, claro, também era culpa dela – até que decidiu pedir o divórcio, fato este que Lawrence
afirmava ser por causa de Piero.
Então Piero tinha um caso com Violet desde quando ela era casada? Não que Violet não
tivesse todo o direito de pôr chifres num escroto como Lawrence, mas eu não esperava isso de
Piero. E a minha raiva, decepção e ciúme só aumentava.
E quando Lawrence deixou claro que estava muito disposto a me seduzir, eu o convidei
para o meu quarto, com o único intuito de mandar aquelas fotos a Piero.
Eu não tinha o menor interesse de transar com Lawrence, mas sabia que Piero ficaria
furioso. Torci para que ele viesse tirar Lawrence de perto de mim, embora não soubesse se meu
plano teria algum efeito.
Piero sabia que eu tinha um vasto histórico de flertes e casos. Eu fazia questão de colocar
tudo nas minhas redes sociais, porque ele podia até me manter trancada naquele internato a maior
parte do ano, mas não me impedia de sair de férias com amigos. E embora ele não gostasse nada
deste fato – pra Piero eu ainda era muito piccola para jogos amorosos – ele não podia fazer nada
quanto a isso, a não ser que me mantivesse trancada numa masmorra.
Então, vê-lo invadir o quarto e encher Lawrence de porrada me deixou quase eufórica. E
eu não queria analisar o quão fodido era ficar feliz por brigar com Piero, por saber que ele estava
furioso comigo, não importava.
Ele estava comigo. E se era a única maneira que eu podia ter sua atenção em mim, eu iria
aproveitar cada segundo. Provocá-lo sexualmente do jeito que eu fiz depois não estava nos meus
planos, apenas segui um instinto perigoso que me deixava corajosa e desafiadora, louca para tirar
Piero do sério. Porque eu ainda ansiava mais do que tudo fazer o Piero daquela noite no clube de
Santino ressurgir.
E quando eu o vislumbrei nas chamas que queimavam em seu olhar, fixo em mim com
um desejo que me deixou alucinada, exultei de uma esperança que tinha esvaído do meu corpo
quando Piero me contou que estava noivo, me rejeitando mais uma vez.
Infelizmente, sua razão venceu a emoção, e ele se afastou de mim, como se mil demônios
o tentassem.
Senti minha exultação esfriando em meio à decepção. Chorei em posição fetal, tão
cansada daquele jogo que eu sempre perdia, sem saber mais o que fazer para alcançá-lo.
No dia seguinte, descobri que Piero havia partido. Fiquei desapontada, porque estava me
preparando para mais um sermão que não aconteceu. Mas eu sabia que Piero poderia colocar a
distância que fosse entre nós e, ainda assim, não teria como se livrar de mim.
Porém, quando ele não entrou em contato comigo, engoli o orgulho e lhe enviei uma
mensagem, perguntei quando iria voltar para Londres, pois precisávamos conversar e recebi
como resposta um telefonema de sua assistente, dizendo que eu deveria tratar com ela sobre o
que fosse, pois Piero estava ocupado.
Passei os últimos três dias indo a todas as festas possíveis e postando tudo nas redes
sociais, me perguntando se Piero estava vendo.
Quanto tempo demoraria para ele aparecer me confrontando?
Mas isso não aconteceu, o que me deixou ansiosa e amedrontada. Talvez eu devesse ir
para Milão e confrontá-lo. Piero não iria se livrar de mim assim tão fácil. Eu não estava disposta
a deixá-lo escapar. Eu não podia.
Mas agora Celine me informa que ele está ali, em algum lugar, fazendo meu mundo
ganhar cores de novo.
— Quando?
— Ele chegou hoje de manhã, perguntou da senhorita, mas eu disse que a menina chegou
de manhã de uma festa. — Ela não esconde a censura.
— E ele está aqui?
— Ele deixou as malas e saiu. Vocês vão jantar em casa hoje?
Mordo os lábios, sem saber o que fazer. Piero não avisou que viria e não faço ideia de
qual seja seus planos.
Sinto-me energizada. Olho minha aparência no espelho, estou usando pijamas ainda,
pantufas no pé e os cabelos para cima, sem um pingo de maquiagem no meu rosto fatigado por
três dias de festas e bebedeiras.
Preciso dar um jeito na minha aparência urgente, penso e dou meia-volta com o intuito
de correr para meu quarto para me arrumar, mas me deparo com Violet e Piero entrando na sala.
Meu estômago revira na mesma hora.
Eles estão de mãos dadas e sorridentes. O sorriso de Piero se desfaz assim que me vê,
mas Violet continua feliz.
— Olá, Ariella.
— O que você está fazendo aqui? — Não consigo evitar meu tom irritado que faz o
sorriso da mulher congelar.
— Perdão?
— Ariella, não começa. — Piero me encara com reprovação. — Tenho certeza de que
você pode ser educada com Violet.
— Sim, ainda mais depois do que aprontou com meu ex-marido. — A mulher carrega no
tom de repúdio. — Mas vamos esquecer aquele lamentável episódio. Hoje é dia de
comemoração. Vamos fazer um jantar na minha casa. Está convidada.
A negativa está na ponta da minha língua.
Piero continua sério, inacessível.
— Infelizmente não vai ter ninguém da sua idade, somente meus amigos aqui de Londres
reunidos.
— Algum motivo especial para este jantar?
— É uma despedida. Piero me chamou para ir para Milão, para prepararmos o casamento.
Sinto como se tivesse levado um soco no estômago.
— Mas você ainda é casada.
— Lawrence vai assinar o divórcio em breve e assim que isso acontecer, eu e Piero
subiremos ao altar. — Ela sorri acariciando o rosto impassível de Piero.
— Verdade? — Minha voz sai num sussurro quase inaudível, estrangulado.
— Obviamente — Piero responde de forma casual. — E você já decidiu sobre sua
viagem?
Então vai ser assim? Ele vai ignorar nossa última... interação.
Vai fingir que nada aconteceu e seguir em frente com seus planos de casamento.
Mas o que esperava, Ariella? Piero já deixou claro um milhão de vezes o único lugar que
você pode ter na vida dele. E agora está claramente te mandando para bem longe de novo.
— Ainda não tenho certeza. Estava... com esperança que pudesse mudar de planos. —
Sei que minha voz está cheia de angústia, mas não me importo.
— Eu acho que é o melhor que faz agora, piccola — Piero responde de forma quase
suave, mas cheio de uma determinação férrea que mais parece estar me dando uma ordem. Não
me deixando opção.
— E então, posso contar com sua presença? — Violet insiste.
Eu forço um sorriso.
— Certamente. Eu adoraria!
Dou meia-volta e subo as escadas, mal enxergando através das lágrimas, me refugio em
meu quarto, mas me surpreendo quando a porta se abre e Violet entra atrás de mim.
— Podemos conversar? Você não parece bem. Está chorando?
Eu fungo, respirando fundo, não querendo desabar na frente da noiva de Piero.
— Por que não estaria?
— É o que eu gostaria de saber.
— O que você quer, Violet?
— Sei que acabamos de nos conhecer, mas estou preocupada com você.
— Comigo? Por que estaria?
— Não me pareceu nada saudável seu comportamento com Lawrence.
— Ah, por favor! Lawrence é um mulherengo safado e você mais do que ninguém sabe
disso. É tão surpreendente assim que ele quisesse me seduzir?
— Ele disse que foi ao contrário.
— Conversou com ele? Piero sabe que mantém conversinhas com seu ex?
— Eu fiquei furiosa com o que ele fez. Achei que pudesse ser uma forma de me atingir,
mas qual não foi minha surpresa ao saber que foi você quem o convidou, você quem ficou
fazendo perguntas sobre mim... e Piero.
— Qual o problema? Estava curiosa.
— Podia perguntar a mim.
— Somos amigas?
— Poderíamos ser. Deveríamos ser.
— Talvez eu não esteja interessada.
— Por causa de Lawrence?
— Ah, por favor! — Rio com escárnio.
— Ou por causa de Piero?
Eu paro de rir.
Violet está me encarando em desafio e subitamente eu entendo.
Ela sabe.
Ou ao menos desconfia das minhas intenções. Dos meus sentimentos.
E ensaio recuar, ensaio rir e afirmar que o que está sugerindo é ridículo. Mas de repente
percebo que é a minha chance de acabar com aquela palhaçada de noivado.
Sinto muito, Piero.
— E se eu disser que é por causa de Piero?
— Piero é seu tutor.
— Nem sempre foi assim.
Ela levanta a sobrancelha.
— O que quer dizer?
— Que eu e Piero já estivemos juntos... sexualmente.
— Você é amante de Piero? — Violet pergunta sem rodeios. Ela está muito controlada e
fria para quem está questionando se o noivo tem um caso com uma garota do qual ele é tutor.
— E se eu disser que somos?
— Eu não vou acreditar.
— Por que não?
— Porque seria mentira. Embora já tenha ficado claro pra mim seus sentimentos.
— Agora sabe dos meus sentimentos?
— Não tem sentimentos por Piero? Eu desconfiei, pela forma que reagiu a mim, como
tem ciúme dele. Por um momento achei que fosse coisa de menina, um ciúme inocente do tutor,
que seria como um pai...
— Piero não é meu pai.
— Sim, mas é seu tutor, ou seja, um homem proibido pra você.
— Não sabe de nada...
— O que eu não sei?
— Muito bem, quer saber a verdade? Eu sempre amei Piero. E não é mentira quando
afirmo que nós já transamos. Eu tinha 15 anos e ele ainda não era meu tutor. — Levanto o
queixo. — Chocada?
— Estou tentando achar sentido. Não parece algo que Piero faria.
— Ele não sabia quem eu era. Estávamos de máscara, num clube... de sexo, que eu entrei
sem ele saber.
Violet finalmente parece ter alguma reação de choque.
— Uau... Está querendo me dizer que Piero transou com você sem que soubesse quem
era.
— Sim, e logo em seguida nossos pais morreram e ele virou meu tutor. Eu lhe contei
sobre aquela noite e Piero exigiu que eu esquecesse.
— Mas você não esqueceu.
— Jamais. Eu amo o Piero. Sempre vou amar.
— Mas ele nunca vai ficar com você sabe disso, não? — Há certa condescendência na
voz da mulher que me atinge.
— Como pode ter certeza? Você não conhece Piero como eu conheço!
— Conheço sim. Eu e Piero somos amigos há muito tempo, mesmo antes de eu me casar
com o idiota do Lawrence.
Eu não gosto de saber daquele fato, me deixando com mais ciúme ainda.
— E não está furiosa por saber que ele transou comigo?
— Não, você mesma afirmou que ele nem sabia que era você.
— Mas era eu! E ele pode tentar fingir que não aconteceu, mas aconteceu e eu entendo
que era nova demais, que ele virar meu tutor estragou tudo, mas agora as coisas são diferentes.
Eu tenho 18 anos e...
— Ah, vejo que quer conquistá-lo, não é? Por isso aquela cena com Lawrence, era uma
tentativa de fazer ciúme?
— E se for?
— É inútil. Eu e Piero estamos noivos, não importa quais jogos você faça, apenas vai
enfurecer Piero e o afastar cada vez mais. Ele nunca vai ficar com você, não do jeito que quer.
— Ainda quer se casar com ele? Sabendo disso?
— Claro que sim. Você não entende o que me une a Piero.
— Com certeza não é amor!
— Não sabe nada sobre relações adultas, meu anjo. Eu não preciso dar satisfações a você,
porque não é da sua conta, mas eu amo Piero e ele me ama.
— Não ama...
— Ama sim. Ele me pediu em casamento. — Ela mostra a aliança, orgulhosa. — O que
aconteceu entre vocês foi um erro. Uma aberração. Piero sabe e você também. Apenas está sendo
teimosa, como uma menina mimada.
— Não sou uma menina!
— Certo. É uma mulher, o que só torna seu comportamento pior ainda. Por que continuar
se humilhando? Rastejando por um homem que não te quer e já deixou bem claro? Esqueça
Piero. Nós nos casaremos e não há nada que possa fazer para impedir. E mesmo que não
estivéssemos noivos, ainda assim, sabe bem que Piero jamais quebraria seu código de conduta
ficando com você, porque é seu tutor.
E sem mais ela sai do quarto.
Eu mal consigo respirar quando me jogo na cama, sentindo como se Violet tivesse me
dado uma surra. Suas palavras se repetem na minha mente como se ela ainda estivesse ali,
gritando no meu ouvido.
E o que mais dói é que no fundo, eu sei que ela não falou mentiras.
Piero nunca vai ficar comigo.
Mas eu não consigo aceitar que ele vai ser dela.
Nunca vai ser meu.
Não sei quanto tempo fico ali, sentindo-me miserável, até que meu celular toca e vejo que
é Anya.
Enxugo as lágrimas e atendo, e ela está gritando sobre Alexis ser mentiroso. Escuto toda
aquela história sem acreditar, por um momento esquecida dos meus problemas. Conheci Alexis
através das minhas redes sociais. Ele me disse que gostou de Anya. Queria conhecê-la. Eu achei
romântico, sempre quis que Anya saísse do casulo, que desafiasse as imposições ridículas de sua
mãe chata. E não achei estranho quando ele pediu que eu não contasse sobre este primeiro
contato quando levei Anya para conhecê-lo no pub.
Eles ficaram juntos e Anya estava animada em ir com ele para Grécia, onde conheceria o
avô, mas agora ela me diz que Alexis tinha algum plano ardiloso e ela está furiosa comigo
porque ele contou sobre nosso pequeno esquema.
— Como pode ter mentido assim pra mim? Achei que fosse minha amiga!
Os gritos de Anya chegam até mim pelo aparelho celular, e eu me pergunto que diabos
está acontecendo com a minha vida por tudo estar dando tão errado.
— Mas sou sua amiga! Eu só queria que saísse do casulo, que se divertisse e conhecesse
um cara legal e gato e...
— Cara legal? Esse cara legal é um cretino manipulador! Ele te contou que é um
bastardo grego que me seduziu para obrigar meu avô a me casar com ele?
— O quê? Isso é absurdo! Alexis não fez isso...
— Ele fez, Ariella! E com a sua ajuda! Ele sabia o tempo todo quem era meu avô, ele
tinha interesses escusos em mim desde antes de chegar a você e nem isso foi casual! Ele viu sua
rede social, sabia que era minha amiga e você mordeu a porra da isca!
— Puta que pariu! Mas esse cara então é um psicopata!
— Não, ele não é maluco, ele é só um homem que não tem o menor escrúpulo em fazer o
que for preciso para conseguir o que quer! E ele queria algo que é do meu avô e que vai ser
meu, ou seja, dele agora através do casamento.
— Como assim casamento? Não pode casar com um homem desses! Eu jamais teria feito
o que fiz se soubesse, se...
— Mas você fez! E agora ele conseguiu o que queria!
— Não conseguiu nada! — Estou furiosa com a falsidade do Alexis. — Você tem que
sair daí, ninguém pode te obrigar a casar só porque transou com este cara escroto...
— Estou grávida, Ariella.
— Anya... não! Não fez isso... — Mas que merda!
— Sim, até para isso Alexis foi capaz de me manipular. Então como vê, não tenho saída!
— Tem sim, seu avô não pode te obrigar.
— Ele pode e eu nem quero falar com você sobre todas as merdas que descobri sobre
minha família e até sobre meu avô.
— Ligue para seu tio, ou sua mãe! Sua mãe não vai deixar que façam isso com você.
— Minha família está do lado do meu avô.
— Anya, você está me assustando. Saia dessa ilha, fuja daí, eu te recebo onde for, a gente
vai dar um jeito...
— Eu não confio mais em você, Ariella. Na verdade, eu descobri que não posso confiar
em ninguém! Sinceramente, olha eu vou desligar...
Xingo irritada quando tento ligar de novo e Anya não atende.
Como posso ter jogado minha amiga para cima de um filho da puta daqueles? Tento
conversar com a mãe dela, mas Nancy me manda cuidar da minha vida e desliga na minha cara.
Então, tento contato com Georgina, me perguntando se ela já teria ido com o namorado
para os cafundós da África e deixo vários recados, mas sem sucesso.
Eu me sinto péssima.
Violet me quebrou, Piero nunca pareceu tão inacessível, e Anya me odeia.
Sem saber o que fazer, eu me arrasto até o closet, ponho o vestido mais curto que eu
tenho e chamo um táxi.
Dane-se.
Só quero esquecer como minha vida está uma merda.

Porém, horas depois eu saio na sacada da boate em que encontrei alguns amigos e
descanso meu olhar na noite iluminada de Londres, me sentindo pior ainda.
Desta vez, a música, as bebidas, os flertes, nada surtiram efeito.
Eu ainda me lembro que Piero e Violet estão no maldito jantar de despedida. Que em
breve vai ser ela quem estará ao seu lado em Milão, que apesar dos meus esforços, Piero só quer
distância de mim.
O que diabos vou fazer da minha vida? Me sinto perdida.
Quando meu celular vibra sinto alívio ao ver que é Georgina.
— Ariella, que diabos está rolando? — A voz impaciente me atinge e começo a chorar.
— Gina, eu sou um lixo...
— Ai, meu Deus, Ariella, o que foi?
— Queria que estivesse aqui, que me desse uma de suas broncas, eu devia ter te ouvido.
— Minha nossa, olha, estou no aeroporto. Estou indo encontrar George, mas tenho
algumas horas de conexão. Onde está? Eu vou te encontrar.
Uma hora depois, estou em um Café, com a cabeça deitada no ombro de Georgina lhe
contando o que nunca ousei contar a nenhuma delas. A minha verdadeira história com Piero.
— Ah, Ariella, eu sinto muito — ela sussurra quando termino.
Eu me sinto esvaziada.
— Eu não sei o que fazer agora.
— Acho que sabe sim.
— O quê? Ir nesse jantar e detonar com tudo? Eu podia dançar em cima da mesa...
— Para! Tem que parar com isso! Não vê que só piora tudo? Não vai mudar o rumo da
situação agindo assim, de forma inconsequente.
— E o que devo fazer? Me conformar?
— Sim. — Ela sorri tristemente. — Bem no fundo sabe que é um caso perdido.
— Mas o que eu faço com meus sentimentos? Sufoco? Não aguento mais, Georgina. Eu
sufoco há três anos.
— Você alimenta essa ilusão há três anos. Já chega. Até entendo que saiu do colégio com
esperança, porque agora tem 18 anos, mas ele está noivo. Deixou claro que nunca vai rolar nada.
Ele vai casar...
— Não sei o que fazer. Como aceitar isso sem sentir que estou morrendo?
— Você é intensa demais. Sabe que... Eu sempre te admirei por isso.
— Mentira. Me chamava de piranha.
— Porque você é, não?
Nós rimos.
— Nós temos maneiras diferentes de ver este assunto.
Ela está falando de como lidamos com sexo.
Georgina tem 18 anos, namora há três e até hoje nunca transou com o namorado.
— Eu achava que era assim porque queria se divertir. Que não via o sexo da mesma
forma que eu, mas agora eu acho que fazia pra chamar a atenção. Como uma forma de vingança.
Sim, Georgina tem razão.
— E ainda assim, eu te achava... brilhante. Com uma luz que iluminava tudo ao redor.
Sua alegria, seu atrevimento... eu nunca vou ser assim.
— Ainda bem que não é. Eu tinha inveja de você.
— Agora você está mentindo.
— Verdade. Você e Anya são tão puras. Tão certinhas, educadas. Acho que talvez Piero
gostasse de mim se eu fosse boazinha como vocês.
— Piero é seu tutor, Ariella.
Ela segura meu rosto me obrigando a encará-la.
— Nunca vai acontecer. Por favor, precisa parar. Você está se perdendo. Perdendo seu
brilho, sua alegria. Não faça isso.
— Estou tão triste...
— Vai passar. Dói agora, mas se você se esforçar, vai esquecer. Precisa amadurecer.
Seguir em frente.
Sim, Georgina tem razão.
Eu não consigo mais lidar com aquela angústia que não ter Piero me causa.
Acreditei demais que seria possível quando saísse da escola, que ele finalmente me
enxergaria, mas não vai acontecer.
— Acho que tem razão. Só não sei como fazer isso.
— Vai aprender. Só, por favor, não acho que precise sair por aí dando pra todos os
garotos.
Eu rio.
— É divertido.
— Mas é realmente o que quer?
Sacudo a cabeça em negativa, porque no fundo não é.
— Precisa de um tempo. Amadurecer. Aprender quem é, achar objetivos.
— Você conseguiu? Indo embora com George?
— Acho que sim. — Ela sorri, mas ainda sinto que Georgina está escondendo algo.
Mas quem sou eu para censurá-la se escondi minha história de Piero como meu mais
precioso segredo.
Talvez Georgina conte o seu quando se sentir preparada.
Seguro sua mão.
— Eu estarei aqui pra você, ok? Pode contar comigo pra qualquer coisa.
— Eu sei — ela aperta meus dedos de volta —, mas agora eu preciso ir.
— Tudo bem.
Nós nos levantamos e eu a levo até o táxi.
— E acha que Anya vai me perdoar?
— Acho que sim. Estou preocupada com ela, mas tenho mesmo que ir, não vou conseguir
ajudar...
— Eu vou ajudar a Anya. Não se preocupe. Vou dar um jeito. Este Alexis está ferrado
comigo!

Eu volto pra casa. Faço minha mala e parto na mesma noite.


Envio uma mensagem a Piero lhe comunicando que estarei em Paris e que depois seguirei
em viagem sem tempo determinado.
Não quero falar com ele. Nem sequer quero vê-lo mais uma vez.
Não por enquanto.
Georgina tem razão.
Eu preciso de espaço e tempo para me encontrar.
Para conhecer a Ariella que eu posso ser sem desejar Piero.
E finalmente seguir em frente.
Onze

Piero

— Ariella voltou, senhor.


Uma simples frase.
E tudo muda.
O ar. O dia. Meu humor.
Celine continua limpando o aparador alheia à mudança que causou com sua informação.
Ariella voltou.
Faz quase um ano desde o dia em que eu sucumbi, ainda que secretamente, ao meu
desejo.
Um ano que ela partiu pelo mundo na companhia de Anya Giannoulis, a herdeira grega
que estudou com Ariella em Wycombe Abbey e que havia se metido em uma grande confusão
em Nikolos.
Naquela fatídica noite, depois que me acalmei, ainda sem saber que merda iria fazer,
Violet me perguntou sobre Ariella e se havia algum motivo para seu comportamento insensato.
— Ainda estou estarrecida com o que vi! Ela estava na cama com o cafajeste do
Lawrence! Espero que não esteja nervoso comigo por isso.
— Não estou nervoso com você! — eu havia refutado.
— Mas parece que está.
— Estou furioso com Ariella e, claro, com o filho da puta do seu ex.
— Como isso aconteceu? Ela te falou?
— Não.
— Mas você brigou com ela...
— Não adianta brigar com a Ariella, ela faz o que bem entende, eu gostando ou não.
— Nossa, você me falou que ela era problemática, mas não imaginava neste nível!
— Você não faz ideia.
— E aonde vai? — ela indagou curiosa. — Achei que fosse ficar aqui por essa semana.
— Tenho negócios urgentes em Milão.
Era uma mentira. Mas eu precisava sair dali.
— E o jantar que combinamos? Todos os convites já foram feitos...
— Cancele.
— Não vou cancelar! São pessoas ocupadas, Piero, que já reservaram a data na agenda
delas.
Tive vontade de revirar os olhos.
Imagino que os amigos aristocráticos de Violet tinham a agenda cheia de compromissos
sociais fúteis, mas me calei.
— Tudo bem, eu retornarei a tempo.
— Não entendo por que está indo assim, do nada. — Havia desconfiança em sua voz e eu
a encarei na defensiva.
— O que quer dizer?
— Tem algo a ver com a Ariella?
Desviei o olhar.
— Minhas brigas com Ariella não são recentes — optei por meias-verdades —, embora
eu tivesse esperança que fossem diminuir, mas me enganei.
— Por que ela faz isso?
— Não queira entender Ariella.
— Fiquei com a impressão de que ela não gostou de mim.
— Ariella só é petulante. Não é pessoal.
— O que vai acontecer agora? Ela não vai mesmo para Milão?
— Creio que o melhor seja ela se afastar e fazer essa viagem que inventou.
Quanto maior a distância entre mim e Ariella melhor seria.
— Bem, estou partindo — avisei pegando minha mala.
Violet se aproximou e tocou minha mão.
— Achei que fosse ficar e poderíamos... nos conectar melhor.
Eu entendia o que queria dizer. Nós tínhamos uma longa amizade, mas entre minhas idas
e vindas às vezes ainda não sentia que éramos um casal real.
Eu não me importava. Haveria tempo.
Tempo para se apaixonar por Violet, ou tempo para perceber que estava cometendo um
erro e acabar com tudo?
Talvez quando Ariella estivesse sob controle?
E o seu controle?
Ignorei a voz irritante dentro de mim. Já chega.
Eu precisava tomar o controle novamente. Recalcular a rota. Estava na hora de ser mais
incisivo.
— Você deveria ir pra Milão.
— Agora? — Ela parece surpresa.
— Se vamos nos casar, é lá que vai morar.
— Eu achei... — Ela pareceu hesitante.
Nunca havíamos conversado sobre este assunto. Inclusive, ainda parecia um tanto
abstrata a ideia de estar casado com Violet. Eu apenas seguia o fluxo.
Eu estava com trinta anos, minha avó todas as semanas me perguntava quando estaria
casado. Obviamente, Donatella Salvatore fazia essa pergunta desde que eu tinha vinte, afinal eu
era o neto mais velho. O neto que ela acreditava que daria continuidade à linhagem Salvatore,
embora tivesse meu primo Luigi. E entendi por que ela não importunava Luigi com a mesma
insistência quando ele saiu do armário. Aparentemente vovó já sabia antes de todo mundo,
inclusive antes do próprio Luigi.
Assim, mais do que nunca, vovó colocou suas esperanças em mim. Porém, casamento
ainda era uma decisão que eu deixava para um futuro distante. Eu me distraía com mulheres, mas
eram casos passageiros que eu me dava ao luxo de ter enquanto me dedicava quase cem por
cento do tempo a manter os negócios na linha, quando não estava recebendo ligações de Audrey
Tilbury para contar sobre mais alguma coisa que Ariella tinha aprontado.
Mas nunca pensei em ter um relacionamento sério, até me aproximar de novo de Violet
quando se separou e começarmos a dormir juntos.
E, de repente, Ariella estava prestes a sair da escola e iria para Milão.
E a possibilidade de ter Ariella por perto de novo fez um alerta soar. Eu não tinha tomado
aquela decisão abertamente ciente de que no fundo eram estes os motivos de ter pedido Violet
em casamento, mas inconscientemente foi exatamente assim que aconteceu, eu me dei conta
naquele momento.
E por isso estava pedindo que ela fosse para Milão agora.
Eu precisava assumir minhas escolhas.
— Nós vamos nos casar, Violet. Achei que estivesse implícito.
— Não, não estava.
— Não quer ir pra Milão?
Ela sorriu, meio hesitante.
Era óbvio que ela não queria.
— Claro que sim, quero ficar com você. Mas... Agora? Lawrence nem assinou o divórcio.
— Ele vai assinar em breve e então podemos começar os preparativos para o casamento.
Não disse que queria um casamento grande?
— Mas isso leva tempo, um casamento do jeito que quero é quase um ano de preparação.
— Que seja. Terá o casamento que desejar.
Eu estava pouco me importando com cerimônia e essas merdas.
— Tudo bem, eu vou. — Ela sorriu.
Sorri de volta, mas meu sorriso não chegou aos olhos.
Eu não estava nem um pouco feliz.
Voltei para Milão e quando recebi a mensagem de Ariella, eu ignorei. Pedi que minha
secretária entrasse em contato com ela. Em algum momento eu teria que retomar meu contato
com Ariella de novo, mas sempre que seu nome aparecia no meu telefone, tudo o que conseguia
me lembrar era dos seus dedos entre as pernas e os gemidos que ainda ressoavam no meu ouvido.
Quão fodido eu estava?
Quando voltei, três dias depois, levei Violet até sua casa e deixei que a convidasse para o
maldito jantar, que no final se transformou no jantar de despedida de Violet. Percebi a desolação
de Ariella quando se afastou e sem pensar me adiantei para ir atrás dela, mas Violet me impediu.
— Deixa que eu falo com ela.
— Melhor não, viu como ela falou com você...
— Justamente por isso. Eu vou ser sua esposa, preciso que Ariella me aceite como amiga.
Sem que eu conseguisse impedir, Violet subiu para conversar com Ariella. Imaginei que
Ariella fosse enxotar Violet com seu costumeiro atrevimento, mas quando Violet saiu do quarto
de Ariella estava sorrindo.
— Tudo resolvido.
— Assim, facilmente? O que aconteceu? — indaguei desconfiado.
— Nada de mais. Apenas conversa entre mulheres. Não digo que somos amigas, mas
acho que... deixei bem claro a Ariella como as coisas são agora.
Ainda encarei Violet com cuidado, me perguntando que diabos havia acontecido, mas ela
insistiu que eu deixasse Ariella em paz.
— Precisa parar de tratá-la como criança. Ela é uma moça. Como mesmo disse, quer
viajar, então deixe. Tem que cortar essa conexão tóxica que vocês têm. Não concorda?
Claro que eu concordava, por motivos que Violet não fazia ideia.
— Sim, tem razão.
Ariella não apareceu no jantar e no fim da noite recebi uma mensagem sucinta avisando
que estava indo para Paris.
Meu primeiro instinto foi me preocupar. Foi ir atrás dela e dizer que não podia fazer o
que bem entendia, mas Ariella era adulta, e se estava partindo por livre e espontânea vontade, eu
deveria me sentir aliviado.
Mas me surpreendi por sentir o oposto disso.
As primeiras férias depois que estava sob minha tutela, eu cogitei fazer como sempre e
trazê-la para a Itália, como nos velhos tempos. A verdade é que eu sentia falta de Ariella, mas
não daquela garota rebelde que ela se tornara, e sim da piccola que foi um dia. Porém, essa
menina já não existia. Assim como eu me esforcei para esquecer a existência da garota de
máscara.
Era uma lembrança proibida.
E justamente por causa do medo constante que eu tinha daquele segredo que sugeri que
Ariella viajasse com suas amigas de escola. Obviamente só descobri depois que na verdade a
viagem para a Côte d'Azur não fora com suas colegas de Wycombe Abbey, mas sim com seus
antigos amigos da escola em Londres, inclusive um dos merdinhas que estava na cama dela
naquela manhã que eu preferia esquecer.
Naquele dia, tive ganas de matá-los com minhas próprias mãos por terem se aproveitado
de Ariella, mas no fundo eu sabia que as coisas não deviam ter acontecido desta maneira. Ariella,
por mais que tentasse esquecer, não era nenhuma inocente, embora ainda fosse imatura e
inconsequente, mas pelo menos ela estava com garotos de sua idade, como tinha que ser.
E assim seguimos anos após anos que eu via o desfile de namorados, ou sei lá como ela
os chamava, em suas redes sociais.
E eu odiava todos eles, não tinha a ver com ciúme, o que seria um sentimento totalmente
ridículo e inconcebível, era só porque eu me preocupava com sua integridade. Ariella parecia
cada dia mais esperta e segura de si e de suas atitudes, mas ainda era uma garota e homens são
homens.
Cheguei a cogitar proibi-la de ter qualquer interação com o sexo oposto, mas sabia que
seria inútil. Ariella se rebelaria mais. Pensei em conversar com ela, lhe explicar por que era
perigoso agir daquela maneira, mas a verdade é que temia para onde aquele tipo de assunto
poderia nos levar. Eu não podia de maneira alguma trazer à baila qualquer assunto inapropriado
com Ariella que fizesse àquela noite ser lembrada.
A culpa ainda me corroeu por todos os anos em que fingi que aquela noite nunca
aconteceu.
Quando ela saiu da escola, ainda mais disposta a me fazer lembrar de que por mais que eu
tentasse negar, havia àquela noite entre nós que iria nos assombrar pra sempre, eu estava com
Violet e ainda mais disposto a continuar ignorando sua sedução quase obsessiva.
Mas Ariella era uma força da natureza, e as coisas finalmente fugiram do controle.
O desejo trancafiado a sete chaves escapou da prisão que o coloquei, no lugar mais
escuro do meu íntimo, e desde então ele vinha se alastrando como veneno por meu sistema,
mesmo que ela estivesse longe das minhas vistas e do meu alcance.
Indiferente ao fato de que eu estaria em breve me unindo em matrimônio a uma mulher
que carregava meu anel em seu dedo.
— Ela está na piscina — Celine continua.
Eu hesito. Como um drogado em reabilitação, lutando entre a razão e o desejo.
Porém, sei que não posso evitar aquele confronto pra sempre.
Sim, confronto é a palavra que sempre surge quando penso em minhas interações com
Ariella porque é o que acaba acontecendo todas as vezes.
Respiro fundo e caminho até a área da piscina. Estamos no começo do verão e o sol surge
entre as nuvens iluminando a garota deitada na espreguiçadeira de olhos fechados com um livro
sobre o peito.
Eu me aproximo devagar, me permitindo apreciar sua beleza única que parece se tornar
mais incrível a cada ano que passa. Eu coloquei uma venda sob minhas impressões no que diz
respeito à Ariella há quatro anos. E talvez até antes disso. Mesmo naquele último verão antes da
tragédia, quando reencontrei Ariella depois de dois anos, ela já era quase uma mulher. Ainda
assim, jamais a vi dessa maneira. Pra mim, seria sempre a piccola Ariella. Agora, voltando no
tempo, percebo que seu comportamento arredio já era um indício de que Ariella havia mudado
não só por dentro. O tempo, sem piedade alguma, havia levado embora a criança que ela foi. E
Ariella me forçou a perceber isso quando entrou naquele maldito clube, mudando tudo
irreversivelmente.
Ainda penso naquela noite como um erro.
Ainda penso em tudo o que aconteceu depois, como o enredo de uma história que nunca
quis viver, mas que estava se desenrolando apesar das minhas vontades.
Naquela noite, uma pequena chama foi acesa, uma chama que eu tentei apagar com todas
as minhas forças, mas que continuou queimando e crescendo em algum lugar escuro e escondido
dentro de mim. E ainda que eu me recusasse a acessá-lo, não queria dizer que ela tinha se
apagado.
E há um ano as chamas encontraram uma brecha e começaram a se alastrar lentamente
pelo meu sistema, que luta contra aquela invasão, na ânsia de que elas se estinguem e se tornem
cinzas.
Porém, agora, enquanto descanso meu olhar cobiçoso na razão do meu tormento, percebo
que aquela pequena chama virou um incêndio.
Que não faço a menor ideia de como apagar, apesar das minhas resoluções muito bem
construídas no último ano.
E quando ela abre os olhos, verdes, intensos, desafiantes, algo aperta em meu peito.
É uma mistura do amor na sua forma mais pura e que sempre existiu, apesar de todas
nossas desavenças, e daquele crescente sentimento proibido que ameaça destruir a emoção
primordial e natural e fazê-la renascer em uma forma totalmente diferente.
Não pode. A voz da razão me alerta.
Causando um caos em minhas vontades.
E o mais assustador é aquela pequena quase necessidade que sinto de me aproximar,
retirar os fios de cabelos castanhos que varrem seu rosto bronzeado, aspirar seu cheiro que era
único e cheio de lembranças proibidas, de envolver meus braços a sua volta e aninhá-la perto,
não como um tutor, mas como um homem aninha uma mulher.
Como seria se Ariella não fosse... Ariella?
Se ela fosse apenas uma mulher interessante que eu acabei de conhecer?
É uma fantasia boba, mas que me causa pesar profundo, por não ser possível.
Nunca vai ser.
Então eu recuo. Fisicamente até, dando dois passos atrás, com se assim pudesse me livrar
daqueles anseios proibidos e inadequados. Eu me esforço para vestir a costumeira carranca fria e
inacessível que me acostumei a usar quando estava perto dela.
Por um momento, tenho a impressão de que Ariella percebe a sutil mudança em minha
postura, mas ela pisca, se ajeitando na cadeira e eu me pergunto, um tanto desgostoso e quase
conformado, quantas palavras conseguiremos trocar antes de virar farpas que nos levarão a mais
uma discussão.
— Olá, Piero — ela diz por fim, fechando o livro, e para meu assombro – e deleite, porra
– quando o livro desaparece, noto que está fazendo topless.
Ela pega o copo de bebida ao seu lado, casualmente, como se não estivesse com os seios
à mostra, me desconcentrando totalmente do meu mais recente propósito de me manter no
controle.
Inferno.
Estou ferrado.
Desvio o olhar para seu rosto novamente e ela está ainda muito calma. Eu esperava o
costumeiro desafio, a provocação que viria em seguir, mas Ariella está relaxada e tranquila.
Limpo a garganta, ignorando que meu pau está muito ciente da garota seminua à minha
frente. Uma garota que ainda é proibida.
Puta merda.
Não vai dar.
Pego sua saída de banho que está na cadeira e lhe estendo.
Ela franze o olhar por um momento e imagino que vai ser agora que vai começar o show,
mas apenas aceita a roupa e a coloca, se cobrindo.
Graças a Deus.
Eu me sento ao seu lado.
— Olá, Ariella. — Minha voz sai quase natural.
— Não esperava que estivesse aqui. Achei que estivesse em Milão.
— Cheguei hoje. Eu também não sabia que estava aqui.
— Parece que não estamos muito a par da vida um do outro. Veja só. — Ela sorri. Ainda
tem um pouco de provocação ali, mas é diferente agora.
E é esquisito como isso me perturba. Ariella parece diferente.
— Então suas férias acabaram?
Ariella não me dá satisfação de nada há algum tempo, o que é um alívio e uma tortura ao
mesmo tempo.
— Uma hora tem que acabar, não é? Acho que tudo acaba, em algum momento.
O que ela quer dizer? Que seus sentimentos por mim finalmente se extinguiram?
Eu deveria me sentir aliviado, mas não estou preparado para a onda de algo parecido com
revolta que começa a me dominar.
— Então se cansou de ter uma vida inútil e sem propósito?
Ela levanta a sobrancelha, parecendo surpresa com meu ataque.
Porra, estou atacando Ariella? Não que aquele tipo de hostilidade seja nova entre nós,
perdi a conta de quantas discussões tivemos antes, mas era sempre Ariella quem começava com
os insultos.
— Eu estava de férias, não acho que isso seja inútil. Meu propósito era curtir a vida,
conhecer novas culturas, novas pessoas...
Fecho a expressão ao notar certa malícia no “conhecer novas pessoas”. Quantos homens
Ariella deve ter conhecido – no sentido bíblico – naquele ano?
Não gosto deste pensamento.
— Acho que temos maneiras diferentes de encarar essas suas férias — rebato com
desgosto. — Enfim, o que pretende agora?
— Nossa, está mesmo interessado em saber? Achei que estivesse aliviado por eu ter
seguido minha vida, sem a sua intervenção. Não era o que queria, se livrar de mim?
Lá está. Consigo vislumbrar a velha Ariella por um momento e isso quase me deixa
aliviado.
— Achei que fosse você quem queria se livrar de mim. Afinal, foi embora sem maiores
explicações.
— Eu deixei uma mensagem. Oh, era pra ter deixado um relatório com sua secretária? —
Ela está sendo debochada.
Eu deveria não gostar disso.
— Seria educado da sua parte, afinal, eu sou o seu tutor.
— Sabe, a natureza da nossa relação mudou. Tenho 19 anos agora, tenho liberdade para
fazer o que bem entendo.
— Mas ainda sou responsável por sua parte da House of De Vere.
— Por mais dois anos.
— Exatamente. Por isso não pode se livrar de mim.
— Olha só, sempre achei que fosse o contrário, mas, sinceramente, essa conversa é tão
boba! — Ela faz um gesto de descaso. — Acho que já está na hora de aposentarmos as armas,
não?
Franzo o olhar, tentando entender aonde ela quer chegar.
— O que quer dizer? Sempre foi você quem insistia em incitar discussões, piccola. — O
antigo apelido sai naturalmente.
Eu espero Ariella rebater, mas ela apenas dá de ombro.
— Eu era uma boba. Aliás, eu era uma boba em vários sentidos. Imaturidade. — Solta
uma risadinha com desdém. — Mas tenho outras prioridades agora.
— E pode me contar quais são?
— Bem, eu e Anya vamos estudar moda.
— Ah sim? — Eu não sei o que pensar. Claro que Ariella pode estudar o que quiser, mas
quando ela falou de outras prioridades, achei que fosse algo pessoal.
— Aqui em Londres?
— Ainda estamos decidindo, achamos um curso muito bom em Paris e sabe, é a capital
da moda.
— Milão também.
— Não quero ir pra Milão.
— Mas é onde está a sede da House of De Vere.
— Talvez já esteja na hora de mudar isso.
— Que merda está dizendo?
— Que eu sou a dona da empresa, talvez quando eu assumir tudo, finalmente, queira
mudar para Londres. Ou até mesmo Paris.
— Isso não vai acontecer e você não é dona da empresa. Eu também sou.
— Mas eu sou dona de setenta por cento — afirma em desafio.
E então eu percebo que a antiga Ariella ainda está ali.
Atrevida, desafiadora e determinada.
Porém, não mais com os antigos objetivos.
Ariella aparentemente está amadurecendo e tomando seu lugar no mundo.
Eu deveria ficar satisfeito, e há uma parte de mim que está sentindo certo orgulho, mas
também há outra parte mais sombria que não está aceitando aquela nova ordem.
Aquela nova Ariella.
— Está calor, vou dar um mergulho.
De repente ela se levanta e retira a saída de banho, os seios surgindo novamente para meu
tormento e não consigo evitar acompanhar sua figura sexy metida em um pequeno biquíni branco
quando ela caminha até a piscina e pula.
Eu me levanto também, a acompanhando sob as águas com um olhar ávido que não me
obrigo a esconder.
Que jogo Ariella está jogado e por que estou puto por ela estar claramente me deixando
de fora?
Eu sei que estou sendo contraditório, mas não consigo evitar o incômodo em meu íntimo
com essa nova faceta de Ariella.
Ariella pode estar mais madura, mas ainda é minha responsabilidade mantê-la segura até
de si mesma.
Não posso evitar.
Estou me afastando quando o celular dela em cima da mesa vibra chamando minha
atenção e fecho os punhos ao ver que é uma mensagem de Santino.
Que porra Ariella ainda tinha contato com meu tio?
Não. Isso não pode acontecer.
Ariella não faz ideia dos segredos enterrados sob o túmulo de nossos pais que mantive
bem escondidos dela até agora.
E é assim que eles devem permanecer.
Doze

Ariella

Emerjo das águas e observo Piero se afastando enquanto saio da piscina.


Meu coração ainda bate forte e não é das braçadas vigorosas que dei na água, e sim por
estar frente a frente com Piero depois de tanto tempo.
Eu achei que estivesse curada. Ou quase.
Ficar praticamente um ano sem vê-lo, sem sequer falar com ele, foi a maneira que
encontrei de ao menos tentar matar aquela paixão proibida que insistia em me atormentar desde
os meus 15 anos.
Eu estava cansada de lutar contra Piero. Das brigas intermináveis, de uma guerra que eu
já havia perdido inúmeras batalhas. Desistir de Piero doeu demais, mas ele tinha escolhido seu
caminho. Tinha escolhido me manter longe enquanto levava outra mulher para perto.
Bem no fundo do meu coração tolo, eu sempre acreditei que Piero gostasse de mim, que o
que o mantinha longe era seu senso de moral, por eu ser muito nova, por nossa diferença de
idade, pelo que aconteceu no clube e ele considerava um erro.
E por ser meu tutor.
Mais proibido impossível.
Mas eu tinha que começar a aceitar que talvez tivesse me iludido. Desejo? Sim, por mais
que ele negasse, eu acho que se sentia atraído. Mas Piero era um homem. E já estive na
companhia de muitos deles, sejam amantes ou amigos para saber que sexo e amor eram coisas
diferentes.
Não foi o próprio quem me disse isso tantos anos atrás?
Então, cheguei ao meu limite e recolhi as armas.
Segui viagem, onde encontrei Anya algumas semanas depois, quando sua própria história
de amor desabou.
Rodei o mundo consolando minha amiga e lhe mostrando um mundo que até aquele
momento lhe era desconhecido. E agora estamos fazendo planos juntas. Anya está ciente do que
quer, embora sua vida amorosa seja um filme de horror pior que a minha, mas estou pronta para
seguir minha amiga em seu propósito, ainda que não seja o meu.
E qual o meu propósito?
Não faço ideia.
E foda-se.
Eu tenho 19 anos, sou uma rica herdeira e pelo menos ainda tenho dois anos até que Piero
deixe de ser o responsável pela minha herança.
Quando nossos laços serão desfeitos de vez. Ainda que não possa esquecer que somos
sócios.
Neste momento, o futuro é uma incógnita. Uma grande página em branco. Quando saí do
colégio só conseguia ver Piero no meu futuro, agora ele ainda está ali, de alguma maneira.
Sempre vai estar. Mas tenho que aceitar que não mais como sonhei.
Meu furor se arrefeceu naquele ano que passei longe e comecei a ver as coisas com mais
clareza. Com mais maturidade, diriam alguns.
Voltei pra casa enquanto me decidia com Anya qual seria nossos próximos passos e sabia
que uma hora eu teria que ver Piero de novo, mas não sabia que seria hoje.
Porém, sinto-me feliz comigo mesma por ter agido com naturalidade quando acordei e o
vi ao meu lado, fingindo não estar com meu coração disparado de uma emoção que não sentia há
um ano.
Uma emoção que só ele sabia suscitar em mim.
É, aparentemente não dá para deixar de amar tão rápido assim.
Mas mesmo enquanto sentia aquela velha atração fazer meu pulso acelerar, consegui
manter uma conversa bem civilizada sem atacá-lo com provocações para enfurecê-lo, que era o
meu modus operandi de antes.
É, hoje eu percebo que era inútil agir daquela maneira. Era desgastante brigar o tempo
todo. E, no fundo, eu sentia falta do Piero que era meu amigo.
Será que ainda poderíamos ser?
Eu não faço ideia.
Primeiro preciso achar um jeito de não sentir mais aquele desejo que ainda faz meu
ventre tremer apenas por ver a figura masculina de Piero desaparecer porta adentro. Talvez leve
um tempo.
E se eu precisar de um interesse amoroso real?
Naquele último ano, eu não transei com ninguém. Georgina tinha razão, não era um
desejo real que me levava àqueles casos. Era apenas para provar um ponto. E agora que percebi
isso não via mais graça em ir pra cama apenas por diversão.
Talvez por isso me senti tão sensível a Piero ainda. Meu corpo estava carente.
Suspiro pegando meu celular e franzo a testa ao ver que há um recado de Santino.
Ele havia me contactado algumas vezes perguntando como eu estava e sempre reiterando
o convite para que fôssemos amigos. Eu gostei do Santino, mas hoje, me pergunto que interesse
ele tinha de me ajudar naquele dia.
Fui ingênua em achar que se tratava só de realizar meu desejo, mas Santino não era um
homem que se satisfaria apenas em ajudar uma menina. E ele saberia bem as implicações de me
colocar dentro daquele clube.
Decido não responder a mensagem por ora.
Entro em casa, tomo um banho e começo a me arrumar para ir a uma boate com Anya,
como combinado. E estou vestindo um tubinho prateado quando desço as escadas e estaco ao ver
Piero lá embaixo.
Ele está todo de preto, também arrumado e sinto um princípio de vertigem. Por que ele
tinha que ser tão bonito?
Ele me mede com apreciação por um momento, me deixando fraca e tento não me iludir
que isso seja algo mais, como fazia antes.
Claro que estou propositalmente sexy. Qualquer homem perderia pelo menos alguns
segundos me admirando.
— Vai a algum lugar? — indago voltando a descer as escadas.
— Eu e Violet vamos a uma boate. E acho que você também?
Sinto um frisson na espinha.
— Veja só, será que vamos curtir a noite juntos? Quem diria!
Piero sorri e eu derreto.
Merda.
Mordo os lábios, para não gemer ou enfiar meus dentes naquele sorriso.
Deus, parece que faz séculos que senti o gosto dele.
— Olá, Ariella.
Eu me viro ao ouvir a voz desagradável e lá está ela.
Aquela sonsa que eu preferia fingir que não existia.
Violet Belford, a noiva de Piero.
Ela sorri, usando um vestido preto sensual e se enganchando no braço de Piero.
Minha animação se transforma em decepção.
Isso não mudou.
Nem o status de relacionamento de Piero e nem o meu ciúme.
E eu achando que estava de boa com este fato, finalmente.
Só tinha me enganado.
— Está bonita, essas férias lhe fizeram bem. Quer dizer, um ano de férias, acho que faria
bem a qualquer um.
— Sim, me fizeram muito bem — respondo forçando um sorriso.
Não vou dar a Violet o gosto de me ver surtando.
Eu não sou mais assim. Repito mentalmente enquanto a Ariella menos sensata está
arrastando a cara de Violet no asfalto.
— Vai com a gente? — Ela não parece feliz com essa possibilidade.
— Será que é o mesmo lugar? — Eu falo o nome da boate.
— Sim, é o mesmo lugar, coincidência?
— Sim, mas é a boate da moda... — Dou de ombros, já não vendo tanta graça em sair se
terei que aguentar a companhia de Violet com Piero.
De repente o celular de Violet vibra.
— Querido, vou responder essa mensagem e depois já vamos, ok?
Ela se afasta e disfarço uma careta, pegando meu próprio celular e notando que tem uma
mensagem de Alexis.
O ex de Anya?
O que ele quer?
— Por acaso é Santino?
Levanto a cabeça ao ouvir a voz de censura de Piero.
— Não, não é seu tio.
— Mas você ainda conversa com ele.
— E qual o problema?
— Sabe muito bem. Não quero que tenha qualquer contato com Santino.
— Não pode me impedir, é ridículo. — Eu até entendo os escrúpulos de Piero, mas não
me agrada seu tom de ordem.
— Ariella, não seja teimosa... — Ele começa a se irritar, o que me irrita também. —
Santino não é uma boa companhia pra você.
— E você não me trate como idiota. Porque é a última coisa que sou.
Ele respira fundo.
— Eu não quero que fale com Santino.
— E eu falo com quem eu quiser! Sério que vai continuar me tratando como se eu fosse
uma criança que precisa dizer com quem andar?
— E você vai continuar agindo com inconsequência? Eu achei que tinha crescido.
E lá vamos nós.
Parece que sempre voltamos ao mesmo ponto.
— Por que quer tanto que eu fique longe do seu tio? Ele é da sua família!
— Não faz ideia do que Santino é capaz, de quem ele é...
— Ah é? Então me conta.
Piero recua, passando os dedos pelos cabelos, frustrado.
— Certo, não quer falar. Então nada feito. — Eu dou um passo em sua direção. — Eu sou
adulta e posso ter amizade com quem quiser. E por mais que continue lamentavelmente achando
que precisa me proteger, isso não é mais preciso, eu sei cuidar de mim e me defender.
— Está fazendo isso pra me provocar, Ariella?
Eu solto uma risada de escárnio.
— Você não é o centro do meu universo, Piero.
Não mais.
Ou estou tentando que não seja.
— Não pense que tudo o que faço é pra atingir você. Estou apenas cuidando da minha
vida da maneira que eu bem quiser. Agora, sinceramente, perdi a vontade de sair!
Dou meia-volta, irritada.
— O que aconteceu? Brigaram? — Escuto a voz de Violet voltando à sala, mas não
escuto a resposta de Piero.
Envio um recado a Anya dizendo que não vou mais e em seguida o ex dela me liga.
Eu atendo de má vontade.
— O que quer, Alexis?
— Você sabe muito bem, Anya.
Eu suspiro.
— Você a mandou embora, lembra?
— Foi para o bem dela.
— Se você diz! E no que posso te ajudar? Nem vem querendo que eu seja cúmplice de
novo em suas tramoias, estou fora! Anya me perdoou uma vez e eu jurei falar com ela qualquer
coisa que você falasse comigo.
— Eu a quero de volta.
— Jura? Você é bem engraçado, Alexis. Por que acha que eu iria te ajudar?
— Eu só quero que me diga se ela está bem. Se... Me superou.
— Superou nada. Embora devesse.
Ele parece aliviado.
— Certo, estou em Londres, tentei falar com ela hoje, mas ela fugiu de mim...
— Ela está indo a uma boate. — Eu falo o nome. — Espero que não faça eu me
arrepender, hein?
— Não vai. E você, já resolveu suas questões com Piero Salvatore?
— Cuida da sua vida!
Eu desligo na cara dele, torcendo pra que ele e Anya finalmente se resolvam depois de
tanta confusão. Ela merece ser feliz e ainda é louca por Alexis.
Eu me estiro na cama, suspirando, com vontade de chorar.
Acho que Anya vai voltar com Alexis e se assim for não vai demorar pra ela voltar à
Grécia. E lá se vão seus planos de estudar moda.
E eu só estava indo atrás dela.
O que farei agora?
Meus pensamentos são interrompidos com o toque do meu celular e vejo que é Santino.
Ainda com raiva da briga com Piero, eu atendo.
— Olá, Santino.
— Finalmente, bela Ariella. Como está?
— Ótima.
— Muito bem, fico contente que esteja animada.
— O que você quer, Santino?
— Hum, direto ao ponto. Certo, gosto de objetividade. Quero lhe convidar a vir para
Milão.
Eu faço uma careta.
— Último lugar que gostaria de estar no momento.
— Por que está tão arisca, minha cara?
— Tenho meus motivos.
— Posso imaginar, mas como já lhe falei, tem aqui um amigo. Para o que precisar.
— Está me convidando para seu clubinho safado de novo?
Ele solta uma sonora gargalhada.
— Se assim desejar, mas acho que não é seu intuito.
— Não é mesmo.
— Bem, na verdade, meu convite é mais ortodoxo. Minha mãe fará aniversário neste fim
de semana.
Hum, eu tinha visto a avó de Piero poucas vezes, e ela parecia uma velhinha simpática.
Mas ir pra Milão?
— Claro que não precisa ficar mais tempo se não desejar, mas gostaria que
comparecesse à comemoração.
Eu hesito, porém, acabo aceitando.
Quando desligo me pergunto que diabos estou fazendo.

Na manhã seguinte, estou acomodada no jatinho da “House of De Vere” usando meus


óculos Chanel e bebericando champanhe enquanto aguardo Piero e Violet embarcarem.
Quando liguei para a empresa solicitando o jatinho me informaram que estava reservado
para Piero e a noiva voltarem a Milão.
Eu poderia declinar, mas não adianta fugir do inevitável.
Estou indo para Milão e pelo tempo que ficar lá terei que aguentar o feliz casal.
— Achei que fosse uma pegadinha — é Violet quem comenta quando entra primeiro na
aeronave seguida de Piero. Ele está sério e quase grave.
— Por que, Violet? Este jatinho é meu.
— Este jatinho é da empresa — Piero corrige se acomodando ao lado de Violet na minha
frente.
— A empresa é minha, então...
— Por que não me disse que tinha a intenção de ir pra Milão?
— Porque decidi ontem à noite, e estavam dançando por aí, foi divertido?
— Sim, e encontrei sua amiga, Anya Giannoulis.
— Anya Kostapoulos — corrijo.
— Ah sim, Alexis está voltando com ela, pelo que entendi — Violet comenta.
— Sim, ela pareceu surpresa quando me apresentei — Piero diz.
Escondo um sorriso.
Eu nunca falava de Piero com Anya.
E ela não fazia ideia do que rolava de verdade, apenas Georgina para quem confessei
naquela noite.
E hoje de manhã eu vi uma mensagem dela toda confusa sobre Piero.
Mas Alexis também havia me informado que estava levando Anya para Paris, para não
me preocupar com ela, e aproveitei para dizer que ia pra Milão sem data pra voltar.
Só que agora encarando o casal na minha frente com vontade de vomitar, me pergunto o
quanto vou aguentar sem ressuscitar a Ariella afrontosa.
— Então o que significa essa súbita mudança de planos? — Piero questiona.
Eu decidi não contar sobre o convite de Santino.
— Talvez já esteja na hora de enfrentar meu destino. Afinal, preciso agir como a herdeira
da House of De Vere em algum momento.
— Pretende morar em Milão? — Violet questiona e ela não parece feliz.
Sorrio, quase em desafio.
— Por enquanto...
Volto minha atenção para Piero para saber sua reação, mas ele esconde qualquer emoção
com o rosto esculpido em granito.
— Que bom, então estará em Milão para a cerimônia — Violet diz.
— Cerimônia?
— Sim, Piero não contou? Em duas semanas acontecerá nossa cerimônia de casamento,
minha cara. Em duas semanas eu e Piero estaremos casados.
Treze

Ariella

É esquisito estar na casa dos Salvatore novamente depois de tanto tempo.


Desde criança que eu frequentava aquela casa, quando estava em Milão, embora meus
pais tivessem um apartamento na cidade. Porém, quando indaguei a Piero se o motorista iria me
levar para o apartamento De Vere, ele me informou que não.
— Você ficará na minha casa — afirmou enquanto entrávamos no carro.
— Por que não posso ficar no apartamento dos meus pais?
Em outros tempos eu amaria que Piero sugerisse que eu ficasse na casa dele, mas não me
agradava nem um pouco fazer companhia a ele e Violet.
— O apartamento está fechado desde a morte deles, Ariella. E eu nem sabia que tinha
planos de vir para Milão tão cedo.
Não tive como contestar.
Agora eu observo a mansão muito clara, aos arredores da cidade, cheia de obras de arte
na parede e móveis clássicos, me recordando que a mãe de Piero adorava colecionar antiguidade.
A casa não faz muito meu estilo, mas não posso deixar de sorrir com nostalgia, com memórias de
tempos mais felizes.
— Bongiorno. — Uma senhora com um sorriso simpático nos recebe e eu me lembro
dela.
— Lucia, não é? Quanto tempo. — Eu a abraço e a mulher parece surpresa.
— Ariella, como está grande. Uma donna! — Ela mistura o inglês e o italiano me
elogiando. — Bem-vinda a Milão.
— Lucia, leve Ariella até o quarto de hóspede — Piero pede.
— Sim, senhor, como pediu já arrumei o quarto da bambina.
— Não sou mais uma bambina, Lucia.
— Estou vendo. Está muito bonita. Vamos?
— Deixe que eu levo Ariella até o quarto — Violet interrompe a empregada.
Disfarço meu desagrado e sigo Violet escada acima.
Enquanto seguíamos pelas ruas de Milão, reparei que Violet parecia tão descontente com
o fato de que ficaria hospedada na Mansão Salvatore quanto eu.
Eu não estou nem aí para os sentimentos de Violet, mas me lembro que ela sabe sobre
mim e Piero. Será que Piero tem ciência deste fato? Ainda parece bizarro que ela saiba de um
segredo daqueles envolvendo o noivo e simplesmente perdoou e seguiu em frente como se fosse
algo normal.
O que me faz questionar que tipo de sentimento Violet tem por Piero. Será que é tão
apaixonada por ele que passa por cima de tudo?
— Aqui está. — Ela abre a porta e eu entro.
É um quarto bonito, decorado em tons pastéis e elegante.
— Obrigada, Violet.
— Pedirei para trazerem suas malas — afirma, mas em vez de ir embora, continua ali me
encarando.
— Quer me falar alguma coisa?
— Queria entender por que decidiu de repente vir para Milão. Piero me contou que ia
estudar em Londres.
— Ainda não tinha decidido.
— Continua sendo algo estranho.
— Estranho por quê? Talvez eu quisesse estar aqui para o grande dia. O casamento. —
Sorrio com ironia.
— Então superou Piero?
— E se eu te disser que não, o que vai fazer? Vai pedir pra Piero me pôr pra fora? —
Começo a rir.
— Estava com a impressão de que estava mais madura, mas acho que me enganei.
— Sério, Violet, o que quer com este papo? Está com ciúme do Piero, o que acha que vai
acontecer? Vou estragar seu casamento?
— Você não tem este poder.
— Então, pronto. Agora se me der licença, quero descansar, afinal, temos uma festa hoje,
não?
— Vai à festa de Donatella?
— Sim, eu vou. Por isso estou aqui, aliás.
— Piero te convidou? Não pode ser, porque ele nem sabia que viria.
— Não foi Piero, foi tio Santino.
— Não sabia que era amiga de Santino.
— Ah, somos íntimos... — provoco. — Agora, por favor. — Faço um sinal para sair e
desta vez ela se vai e eu bato a porta atrás dela.

— Ariella?
Estou passando pelo hall, arrumada para a festa, quando escuto Piero me chamando e me
viro.
Ele não parece nem um pouco feliz.
— Aonde vai?
— Estou indo para a casa da sua avó, acho que Violet te contou que fui convidada.
Assim que cheguei enviei uma mensagem a Santino confirmando minha presença e ele
informou que enviaria um carro para me buscar.
— Ela me disse que foi Santino quem te convidou.
— Sim, foi.
— Por que não me disse?
— Não preciso te dar satisfação de todos os meus passos.
Ele parecia extremamente frustrado e irritado e de certa forma eu até conseguia entender
as reservas de Piero, mas não ia deixá-lo me intimidar.
— Eu te disse para não se aproximar de Santino.
— E eu lhe disse que não o faria — desafio. — O que vai fazer, Piero? Vai me impedir
de ir? A festa não é sua, é da sua avó.
— Se queria ir eu mesmo teria te convidado.
— Eu nem estava sabendo que haveria uma festa.
— Você nem queria estar em Milão!
— Certo, acho que essa discussão é inútil. O carro que seu tio mandou já está me
esperando.
— Sim, agora é tarde. Mas não precisa ir com Santino, eu e Violet já vamos sair em
alguns minutos.
— Não, obrigada. Deus me livre de atrapalhar o feliz casal! — dardejo sem me conter e
me afasto. Passo por ele, ignorando sua carranca e saio da casa, entrando no carro escuro.

— Bela Ariella. — Santino me recebe assim que saio do carro e contemplo a mansão
iluminada atrás de mim, ao cair da tarde, enquanto ele beija minha mão. — Você está
deslumbrante.
— Obrigada, eu sei. — Aceito o elogio sem falsa modéstia. Estou usando um vestido
preto com mangas bufantes e decotado nas costas e os cabelos presos num coque frouxo que me
deixa sexy e elegante ao mesmo tempo.
— Ah, minha cara, adoro sua irreverência. Vamos?
Ele faz com que eu segure seu braço.
— Serei sua acompanhante, o que dirá sua esposa?
— Savannah está passando uma temporada em Aspen, com sua família.
— Ainda assim, não sei se é apropriado. — De repente eu me pergunto se Santino tem
algum interesse daquela natureza em mim.
E isso me deixa incomodada.
Ele me lança um olhar astuto enquanto passamos pelos convidados que nos observam
com curiosidade.
— Vejo que está intrigada.
— Estou me perguntando se está querendo me transformar em mais uma de suas
amantes.
Ele solta uma sonora gargalhada.
— Você é deslumbrante, mas sou mais discreto quando desejo me distrair com jogos
amorosos. E pelo que me lembro, você tinha um interesse muito específico...
— E deve saber que este interesse específico se tornou proibido.
— Sim, uma pena, depois de tanto esforço da sua parte... Mas fico feliz que obteve pelo
menos um momento para guardar na memória.
De novo me sinto incomodada me perguntando como Santino sabe que eu realmente
fiquei com Piero.
— Como sabe? Piero te contou?
— Sim, Piero me confrontou, é a palavra correta. Meu sobrinho não ficou feliz com nossa
pequena trama.
— Piero achou que foi um erro. — Não disfarço minha contrariedade.
— Estou notando um amargor, minha cara? Me diga, ainda tem sentimentos por Piero?
Eu não respondo pegando uma taça de champanhe do garçom que passa por nós.
— Eu não gostaria de falar sobre este assunto, podemos falar de algo mais agradável?
— Claro que sim, piccola.
— Não me chame de piccola.
Ele sorri.
— Mil perdões. Se transformou numa mulher muito bonita, já o era há quatro anos, agora
está fora de série. Gostaria muito de saber seus planos.
Mas antes que continuemos uma moça loira de cabelos Chanel encaracolados, usando um
vestido de estampa de leopardo e um rapaz com o cabelo rosa e um terno azul-turquesa
chamativo se aproximam e eu reconheço Marcella e Luigi.
— Ora, ora, essa é a piccola Ariella? — Luigi me mede com interesse. — Amei o
vestido, bela.
— Obrigada, Luigi.
— Ainda se lembra de mim?
— Fiquei sabendo que a Ariella tem um grande interesse no sexo masculino — Marcella
desdenha.
— Olá, Marcella, eu me lembro de você também. Aliás, me lembro muito bem como não
é nada gentil.
Ela se desconcerta com meu ataque. E Luigi se engasga rindo com seu champanhe.
— Ah, isso vai ser demais.
— Por que seria gentil com você? Aqui ninguém gosta dos De Vere.
— Marcella, sei que é difícil ser agradável, mas não pode se esforçar? — Santino indaga
contrariado.
— Estou vendo que achou mais uma vagabunda pra jogar seu charme — ela rebate. —
Não imaginei que teria pena da Savannah.
— Pegou pesado, irmã. — Luigi ri. — Mas está com ciúme do papai querer levar a linda
Ariella para a cama ou para o seu lugar como filha, já que você foi para o lado inimigo?
— Você também foi, seu idiota, cala a boca! — Marcella rechaça. — Está encantado com
a órfã De Vere também? Ouvi dizer que tem que entrar na fila, se bem que ela não tem o que
você gosta. Um pau...
— E você está brava porque Damiano lhe deu o fora e ficou sem o seu pau!
— Vocês são um desgosto — Santino interrompe os insultos entre irmãos. — Perdão,
Ariella. Meus filhos não têm a menor educação.
— E o senhor adora nos destratar na frente de todo mundo, por isso até Luigi deu o fora!
— Marcella continua.
— Eu dei o fora porque papai está bravo porque não gosto de vagina.
— Já chega! — Santino perde a paciência, o tom irritado de sua voz muito diferente do
charme despreocupado que ele demonstra sempre.
— Santino, onde estava? — A voz imperiosa vem de Donatella Salvatore que se
aproxima usando um vestido turquesa, os cabelos brancos presos com uma presilha que deve ter
uns duzentos anos, assim como suas joias.
— Olá, mamãe, está muito bonita. — Santino beija o rosto da mulher que mantém o olhar
em mim.
— E quem é esta?
— Não se lembra de Ariella De Vere?
— A filha de Evelyn e Ezra? Mas está muito diferente da piccola que conheci...
— Sim, senhora, eu mesma. Parabéns por seu aniversário.
— Estou surpresa de vê-la aqui. E onde está Piero?
— Ariella é minha convidada, mamãe.
— Piero deve chegar com sua noiva em algum momento — informo.
— Ah sim, a tal inglesa — a velha fala com censura e me pergunto se ela não gosta de
Violet. — Venha, Santino, vamos cumprimentar o casal Calazans. Eles estão interessados em
comprar nossa casa em Bormios...
— Vovó vai vender a casa em Bormios? — Marcella indaga. — Mas eu adoro aquela
casa, sabe que amo esquiar. E eu achei que fosse minha herança, sou eu quem mais gosto de lá...
— Eu ainda não morri, minha cara. Enquanto estiver viva faço o que quiser com nosso
patrimônio.
A velha se afasta levando Santino.
— Ainda bem que é ambiciosa e gosta de trabalhar, Marcella, pelo jeito vovó vai acabar
vendendo toda a herança antes de bater as botas.
— Duvido. Papai não vai deixar.
— Sabe que papai não é o mais prudente homem de negócios.
— E por que está abrindo o bico e contando assunto de família na frente de uma
estranha?
— Não sou estranha — rebato pegando outra taça. — E você não vai mesmo com a
minha cara, não é?
— Não vou mesmo. — Marcella não nega.
— Deveria ter mais cuidado como fala, Marcella, Ariella é sua chefe.
— Sou?
— Não é nada! Piero é quem manda.
— Ah, trabalha na De Vere.
— Sim, sou estilista. Sou a principal assistente de Alessia Romano e em breve serei a
substituta dela.
— É o que você sonha — Luigi desdenha.
— Não é sonho, é objetivo! Trabalho na De Vere desde que sua mãe era diretora criativa
— ela diz com orgulho.
— Eu não sabia.
— Claro, é uma desocupada que não se preocupa com os negócios da família, a não ser
em gastar o dinheiro...
Quero negar aquela afirmação, mas no fundo Marcella tem razão.
Eu realmente nunca me interessei de verdade pela “House of De Vere” e agora em vista
das críticas de Marcella eu me sinto mal com isso.
— Bem, era muito nova quando meus pais morreram, mas agora eu estou aqui.
— Então vai trabalhar? — Marcella ri com deboche.
— Trabalhar eu não sei, mas dar ordens para gente escrota como você, pode ser
divertido! — E eu me viro para Luigi, que parece mais simpático que a nojenta da irmã. —
Vamos circular?
— Claro.
Eu seguro em seu braço.
— Sua irmã é insuportável assim porque me odeia ou sempre?
— Nem sempre ela é horrível, mas a maior parte do tempo, quando se sente ameaçada ou
contrariada.
— Ameaçada por mim? Ela nem me conhece.
— Marcella é muito ambiciosa e sonha desde sempre em ser grande estilista, quando saiu
do colégio pediu um estágio para sua mãe.
De repente sinto certo ciúme de Marcella por ter tido a oportunidade de trabalhar com
minha mãe.
— Mas isso não explica a implicância gratuita comigo.
— Não queira entender Marcella. Ela é o tipo de pessoa capaz de qualquer coisa para
atingir seus objetivos. E às vezes ela pode ser meio paranoica. Talvez ela ache que você possa ser
uma ameaça, sendo a dona da House of De Vere. Afinal, sua mãe era a diretora criativa.
Nós saímos para uma sacada vazia e menos barulhenta.
— Não tenho intenção de ser estilista, acho que nem tenho talento.
Luigi encosta no muro e pega um cigarro.
— Fuma?
— Não, obrigada.
— Hum, talvez algo mais divertido. — E ele pega um cigarro de maconha.
Sorrio, indo para o seu lado.
Faz tempo que não fumo este tipo de cigarro. Eu já tive a oportunidade de experimentar
muita coisa e cheguei à conclusão que preferia o bom e velho álcool apenas, mas talvez precise
de algo mais relaxante hoje.
— Então, como decidi que gosto de você e é minha chefe...
Ele acende e passa pra mim.
— Também trabalha na De Vere?
— Sim, há alguns meses Piero me deu uma chance. Eu estudei moda também, embora
meu pai odeie este fato e odiou ainda mais quando saí do armário.
— Nossa, e seu pai parece tão moderno. — Eu fumo e lhe passo o cigarro novamente.
— Não para este assunto. Hipócrita do caralho.
Eu rio e Luigi também. E acho que é tão engraçado porque a erva já está fazendo efeito.
— Preciso de mais champanhe...
Um garçom passa e eu pego uma taça.
— Até que essa festa está divertida.
— Disponha. — Luigi bate o ombro no meu e eu me jogo pra trás, sentindo a brisa.
— Você é mesmo bonita, minha cara.
Eu sorrio pra ele.
— Está dando em cima de mim?
— Eu já tentei este tipo de diversão e não é pra mim, mas não sei se percebeu que vários
olhares masculinos estão em você. — Ele faz um sinal com a cabeça e lá embaixo no jardim um
cara loiro está fumando e me fitando com interesse.
— Hum, ele é bonito.
— O nome dele é Damiano Conti. Ele trabalha na De Vere também. Amigo do seu tutor.
— Amigo do Piero?
— E ex-namorado da minha querida irmã. Ela é louca por ele.
— E por que terminaram?
— Damiano cansou de aguentar Marcella. E acho que ele já achou outro interesse... Mas
me diga, é verdade o que dizem da herdeira De Vere?
— O quê? Que sou uma piranha?
Ele explode em uma gargalhada e eu rio também.
— O que está rolando aqui?
Eu me aprumo quando escuto a voz de Piero.
Ele está entrando na varanda e olhando de mim para Luigi com censura.
— Oi, Piero. Eu e sua pupila estamos nos conhecendo melhor. — Luigi ri de forma boba
dando mais uma tragada.
Eu pego o cigarro de sua mão, mas Piero avança e tira de mim.
— Está fumando maconha, porra?
— Está louco?
— Calma, Piero. É só um peguinha... — Luigi ri.
— Você quem deu pra ela?
— Ops! Fomos pegos, se vira, querida. — Luigi pisca e sai da varanda.
Eu encaro Piero em desafio.
— Me devolve.
— Não.
— Vai se foder, Piero, eu fumo o que quiser e nem é a primeira vez, deve saber.
— Não interessa. Já chega.
Ele faz que vai jogar o cigarro fora, mas eu me aproximo e seguro sua mão.
— Não, me dá aqui.
Piero me manobra facilmente segurando meu pulso com uma mão enquanto joga o
cigarro na lixeira.
— Eu disse que já chega!
No afã de me livrar, eu jogo o conteúdo da minha taça em sua camisa sem pensar.
Piero xinga, irritado e segura meu outro pulso.
— Porra, Ariella.
Eu começo a rir, achando muito engraçado.
Enquanto Piero me prensa no muro.
— Não é engraçado!
— É sim... Me desculpe, estraguei sua blusa...
— Para com isso, está chapada!
— Acho que estou. — Eu respiro fundo tentando parar de rir.
— Você não muda, não é? — Piero exclama entre frustrado, bravo e condescendente e
acho que noto algo mais.
Eu engulo o riso quando fixo meu olhar em seu rosto. Ele está perto, ainda mantendo
meus pulsos presos e aspiro seu cheiro maravilhoso.
E então, o clima muda de repente.
O ar a nossa volta se torna denso e quente de tal forma que a brisa fria não é capaz de
afastar o calor que atinge minha pele, meu pulso disparando e um frêmito de prazer deslizando
por minha espinha e estremecendo minha estrutura. E derreto rapidamente me entorpecendo
daquele velho desejo proibido que não consigo evitar e que agora percorre minha pele e pulsa
numa excitação urgente entre minhas pernas.
Piero me solta de repente, dando alguns passos atrás e volto a sentir frio. Não só na
minha pele que não está mais em contato com a dele, mas em todo meu ser.
Nem um de nós diz nada, e eu espero que ele vá se virar e se misturar com os convidados,
fugindo mais uma vez daquela atração proibida.
Porque Piero pode negar o quanto quiser, mas estou vendo ela ali agora, quase como uma
entidade viva, se misturando com o ar à nossa volta. A eletricidade que aquele pequeno contato
entre nós gerou pode incendiar uma cidade inteira.
O mundo inteiro.
E por um momento, eu apenas espero. Desejo, anseio.
Mas como deduzi, Piero dá meia-volta e se afasta.
Respiro uma longa golfada de ar.
Estou trêmula e atordoada.
Estou energizada como se tivesse ficado sem me alimentar o ano inteiro e de repente me
dessem o que comer.
Fecho os olhos, e solto um longo suspiro.
Um suspiro da menina apaixonada que não me permito ser há tempos.
E eu me pergunto se vou deixá-la sair pra brincar, ou vou trancafiá-la mais uma vez.
— Olá.
Abro os olhos e Donatella Salvatore está me observando.
Eu fico vermelha, me sinto um tanto intimidada pelo olhar da velha senhora.
— Olá, Senhora.
— Venha até aqui, deixe-me ver você. — Ela senta na poltrona da varanda e faz um sinal
para que eu me sente à sua frente, com um olhar observador que lembra bastante os olhos de
Santino.
— Você ficou muito bonita.
— Obrigada.
— Então, está aqui em Milão para ficar?
— Na verdade, vim a convite de Santino, para seu aniversário, mas sim, estou pensando
seriamente em ficar.
— Muito bem, seus pais ficariam satisfeitos, acredito.
— A senhora também... Não gosta dos De Vere? — Questiono me recordando das
palavras de Marcella.
— Ah, eu tinha um grande ressentimento dos seus pais, os culpava por ter levado
Francesco embora. Mas a culpa não foi deles. Francesco seguiu outro caminho porque nunca se
sentiu um Salvatore de verdade, e a culpa foi do meu marido, Antonio.
— Como assim?
A velha suspira com um olhar nostálgico e cansado.
— Por causa do sangue. Eu achei que isso nunca seria um problema, não era pra ser, mas
Antonio, ah, meu querido Antonio nunca tratou Santino e Francesco igual.
— Sangue?
— Nós adotamos o pequeno Francesco ainda criancinha.
— Oh, eu não sabia que o pai do Piero era adotado.
— Nunca falamos muito sobre isso. Porque a partir do momento em que chegou, ele foi
meu filho. Quando Santino nasceu, eu tive complicações e não pude mais engravidar e queria
muito ter outro filho. Somente quando Santino estava com cinco anos que Antonio concordou
que eu adotasse mais um menino. Francesco era um bebê tão bonitinho, tão bonzinho. Mas
Santino nunca o aceitou direito, tinha ciúme. E Antonio teve dificuldades de tratar Francesco
como tratava Santino, ainda mais que meu primogênito era tão genioso. Então como culpar
Francesco por nunca se sentir realmente parte da família? Depois que meu marido morreu,
Santino assumiu os negócios, embora eu tenha a maior parte das ações. Mas era o caminho
natural, era o que meu finado marido gostaria, que Santino assumisse e aí as coisas ficaram mais
difíceis. Francesco conheceu os De Vere e agarrou a oportunidade de voar para longe.
— Sinto muito. — Percebo que isso ainda perturba a velha senhora.
— Não sinta, minha cara. A vida seguiu o caminho que tinha que ser. E infelizmente meu
querido Francesco se foi com sua esposa cedo demais, mas pelo menos deixou Piero. Ele é um
bom homem. Um dia ainda espero que ele se una a família, embora Santino não aceite, claro. Ele
continua um menino mimado que não quer dividir os brinquedos. Agora, acho que chegou a hora
de me recolher. Divirta-se, minha cara.
A velha se afasta e eu me pergunto se haveria a possibilidade de um dia Piero se unir ao
tio, mas eu duvido.
Quatorze

Ariella

— Fico feliz em conhecê-la, finalmente — Alessia me leva pelos corredores da De Vere


em direção a seu ateliê.
— Eu também estou feliz por estar aqui. Acho que deveria ter vindo antes.
— Era só uma menina quando seus pais morreram, ninguém esperaria isso de você. E,
além do mais, Piero tomou conta de tudo. Ele é um ótimo administrador.
— E tem bom gosto porque contratou você.
— Acredito que sim. — Ela aceita o elogio. — Eu admirava muito o trabalho da sua mãe,
ela era uma mulher formidável, e fiquei muito animada em ser escolhida para substituí-la e
manter o nível de excelência.
— E manteve. Eu não entendo muito de negócios da moda ainda, mas entendo de moda e
suas coleções são incríveis.
— Eu mantive a mesma ideologia da Evelyn, mas colocando o meu toque, claro.
— Faz um ótimo trabalho. Mas me contaram que estaria se aposentando?
Alessia é uma mulher que não deve ter nem cinquenta anos ainda.
— Eu me casei recentemente e ainda pretendo ter um filho e, sabe, o relógio biológico
está correndo. Quero me dedicar a criar uma família agora, pois já conquistei tudo o que queria
na minha carreira. Além do mais, acho que já é hora de dar a chance para novos talentos.
Chegamos ao ateliê onde vários estilistas andam de lá pra cá, trabalhando em croquis,
envoltos em tecidos, agulhas e manequins.
— Olha só quem veio nos visitar. — Luigi me vê e se aproxima me dando dois beijinhos.
— Que bom que já se conhecem. Ariella, preciso verificar algumas pendências, mas te
deixarei com Luigi que lhe mostrará nossos próximos projetos. Luigi, a leve para conhecer os
outros estilistas.
— Claro.
— Então é aqui que a mágica é feita. — Sorrio me aproximando da mesa dele e
admirando seus croquis.
— Trabalho, quer dizer, mas sim, no meu caso, faço mágica. — Ele aponta para um
manequim com vestido dourado.
— Uau, está ficando lindo mesmo.
— Estou trabalhando neste modelo para um desfile que acontecerá em Roma em breve.
— Que interessante, acho que quero ir assistir.
— Você pode o que quiser, minha cara, até desfilar.
— Não sou modelo, não força a barra.
— Com este corpão sexy?
— Está puxando meu saco?
Ele faz uma expressão falsa como se estivesse ofendido.
— Jamais! Mas eu já falei que está linda hoje?
— Você é ridículo, Luigi. — Escuto a voz nojenta da Marcella de algum lugar atrás de
mim e me viro para vê-la às voltas com um manequim.
Eu me aproximo, observando seu trabalho.
— Você deveria ser mais legal comigo também.
— Puxar seu saco, quer dizer?
— Por que não? — Eu pego alguns croquis em sua mesa. — Acho que vai precisar, com
este trabalho medíocre aqui — provoco.
Ela arranca os desenhos da minha mão, vermelha de fúria.
— E o que você entende?
— De moda? Alguma coisa.
— Entende nada! Não vou deixar que desdenhe do meu trabalho sendo que acabou de
chegar aqui!
— Sim, acabei de chegar, mas vim pra ficar. Se acostume.
— Duvido! Vai se entediar rapidinho.
— Veremos. Mas se eu fosse você, tratava de melhorar essa cara feia e sua falta de
educação comigo.
— Não tenho que puxar seu saco, não sou o Luigi!
— Luigi nem precisa puxar meu saco, o trabalho dele diz por si só a que veio.
O trabalho de Marcella não é tão ruim, mas certamente Luigi é mais criativo e original.
— Não é você quem eu tenho que agradar, e sim Alessia. Ela vai escolher sua substituta e
quer que seja alguém de dentro.
— Sério? Que interessante, acho que devo dizer a Alessia que sou team Luigi.
— Team Luigi? — Alessia entra na sala novamente.
— Sim, Marcella está me contando sobre sua intenção de deixar alguém aqui de dentro
na direção criativa no seu lugar.
— Sim, nós temos uma equipe incrível, apesar de jovem, e acho importante dar vozes a
novos talentos em vez de contratar alguém com renome do mercado. Eu coloquei essa ideia a
Piero e ele aprovou. E o que você acha?
— Eu aprovo essa ideia também, e como estava dizendo, estou fascinada com o trabalho
do Luigi.
Ignoro a carranca de ódio de Marcella e volto à mesa de trabalho de Luigi, que está
enfiando alfinetes na manequim.
— Sim, Luigi é incrível. Tem bom olho. Mas sugiro que fique por aqui um tempo para
conhecer nosso processo criativo, se tiver tempo.
— Sim, é esta a minha ideia, mas não quero atrapalhar.
— Claro que não atrapalha. Aqui era o ateliê da sua mãe.
Sinto meus olhos marejados, com certa emoção de estar num local que minha mãe
fundou com tanto empenho e talento.
— E me conte, por acaso tem algum interesse em ter um lugar aqui, na área criativa?
— Certamente eu gosto de moda, mas não sei se tenho talento para tanto. Sou péssima
desenhando.
— Mas tem muitos caminhos que pode seguir aqui. O ideal é que passe por todos os
setores e descubra.
— É uma boa ideia. — De repente me sinto animada.
— Ou ela pode ser modelo, faria sucesso — Luigi provoca.
— Para com isso!
— Eu disse que ela poderia desfilar em Roma.
— Eu acharia o máximo, se quiser — Alessia aprova a ideia.
— Se insistem! — Finjo derrota.
— Olá. — De repente a porta se abre e o homem loiro que estava me admirando ontem
está entrando.
— Que bom que está aqui, Damiano, já conhece Ariella De Vere? — Alessia diz.
— Não tive o prazer. — Ele se aproxima e segura minha mão. Sorri de forma amistosa,
mas vejo certo brilho malicioso ali. — Finalmente está entre nós.
— Fala como se fosse algo que todos estivessem esperando.
— Claro que esperávamos. Você é uma De Vere. O bom filho a casa torna.
— Eu já mostrei tudo aqui para Ariella, que tal levá-la a outros setores. Damiano é nosso
RP.
— Seria um prazer, Ariella.
Eu o sigo para fora da sala, fingindo não ver o olhar de Marcella nos observando e me
recordo de Luigi comentando que Marcella foi namorada de Damiano.
Sorrio secretamente com uma vontade imensa de atazanar Marcella dando em cima do
seu ex. Sei que não é nem um pouco legal, mas aquela garota tem raiva de mim gratuitamente e
não perde a oportunidade de me alfinetar. Talvez ela mereça um pouco do próprio veneno.
Porém, Damiano segue ao meu lado me mostrando outros setores da empresa e me
apresentando a todos com uma postura superprofissional que não condiz com a malícia que vi
em seu olhar quando nos cumprimentamos. Talvez não tenha nenhum interesse real em mim e
seja apenas uma admiração normal.
— Enfim, aqui é o andar da diretoria. — Ele aponta para uma senhora de óculos ocupada
em uma mesa mais à frente. — Esta é Laura, a assistente do Piero.
— Bem-vinda, senhorita — a mulher me cumprimenta.
— Prazer em conhecê-la, Laura. Piero está por aqui? — indago mais animada de vê-lo do
que seria saudável.
Ontem, depois da nossa interação na festa, eu havia voltado pra casa ainda com o carro de
Santino e não o vi voltar.
Hoje de manhã, a empregada avisou que tanto ele como Violet não estavam em casa, o
que foi um alívio.
Pelo menos em se tratando de Violet.
— Ele está em uma reunião. A senhorita gostaria de falar com ele? A agenda está cheia,
mas posso achar um horário.
— Não, não precisa. Falo com ele em casa.
Nós nos viramos e Damiano parece curioso.
— Está hospedada na casa de Piero?
— Sim, ele é meu tutor, afinal — respondo com ironia.
— Achei que tivesse 19 anos.
— Ah sim, eu tenho, mas como deve saber Piero tem poder sobre tudo o que é meu até eu
atingir 21 anos.
— E você veio pra ficar em Milão?
— Não sei ainda, pra falar a verdade. Tomei essa decisão de vir por causa do aniversário
de Donatella, e nem tinha intenção de ficar mais do que isso, mas, agora, começo a perceber que
é o que quero fazer. Conhecer a De Vere de verdade.
— Isso é uma surpresa.
— O quê?
— Você.
E lá está o interesse que achei ter visto antes, eu não me enganei.
— Eu? O que esperava de mim?
— Acho melhor não saber.
Solto uma risada.
— Vamos lá, pode me dizer.
— Tenho uma ideia melhor, podemos almoçar e eu lhe conto.
— Eu adoraria.

— Então me conta, o que dizem de mim? — questiono sentada com Damiano em um


restaurante em frente à De Vere.
— Tem certeza que quer saber?
— Eu aposto que seria algo do tipo, menina rica, mimada, festeira, um pouco
vagabunda...
— Minha nossa. — Ele ri surpreso.
— Eu já sei de tudo isso. — Rolo os olhos, experimentando meu risoto.
— As pessoas falam demais, mas imagino que nem uma faça ideia de quem seja de
verdade.
— Quer saber um segredo? Às vezes, nem eu sei quem eu sou de verdade.
Nós rimos.
— Você é muito nova, ainda vai descobrir.
— E você quantos anos tem, fala que sou muito nova como se fosse um velho.
— Tenho trinta.
— A idade do Piero.
— Sim.
— Você conhece Piero há muito tempo?
— Desde que vim trabalhar aqui há três anos.
— Bastante tempo, gosta de trabalhar na De Vere?
— Gosto sim, é um bom ambiente.
— Onde arranjou até uma namorada.
Ele fica vermelho.
— Vamos lá, eu sei que foi namorado de Marcella.
— Essa relação acabou.
— Ficaram juntos quanto tempo?
— Dois anos.
— Uau. Bastante tempo. Por que acabou?
— Temos mesmo que falar sobre isso?
— É, não é da minha conta... Estou sendo intrometida. Nós nem nos conhecemos direito,
me desculpe.
— Mas podemos remediar isso.
— Ah é?
— Que tal jantarmos amanhã?
Não fico surpresa com o convite. Damiano é um cara legal e, sinceramente, a Ariella de
outros tempos não hesitaria em jantar com ele e até mesmo ir além, mas eu me vejo hesitando.
— Oh, me excedi? — Ele parece preocupado. É fofo.
— Não é isso, mas você trabalha na De Vere, e eu acabei de chegar e como deve saber
minha fama não é das melhores.
— Sim, ouvi dizer que gosta de se divertir.
— Pra dizer o mínimo. Eu nunca me importei com o que pensam de mim, mas acho que
estou cansada de ninguém me levar a sério.
— É o que quer? Ser levada a sério?
— Acho que estou a um passo de me tornar uma adulta chata. — Faço uma careta.
— Eu duvido.
— Mas enfim, estou começando a achar interessante ficar por aqui, conhecer a De Vere e
quem sabe...
— Ficar pra sempre.
Pra sempre parece muito tempo. Quero dizer.
Eu nunca pensei em meu futuro naqueles termos.
Acho que nem com Piero.
Meu amor por Piero apenas existia sem que eu tivesse que me perguntar por que ou
aonde iria me levar. Tudo o que eu almejava era que ele me visse, que me amasse também.
Talvez por ser muito jovem, não conseguia ir além em fazer planos para o futuro. E
quando Piero me virou as costas, e ficou noivo de Violet, tudo o que eu acreditava que queria
não estava mais ao meu alcance.
Viajei pelo mundo, numa longa pausa para organizar meus pensamentos, mas nenhum
outro desejo real surgiu. Aceitei cursar moda com Anya porque era o objetivo dela, não o meu.
E agora toda a minha vida parece uma tela em branco.
E não nego que ainda quero desenhar nessa tela, eu mesma segurando a mão de Piero,
mas este sonho nunca esteve tão distante.
E eu conseguiria ficar em Milão, assumir em breve meu lugar na empresa que meus pais
fundaram, ainda ao lado de Piero, mas de uma forma totalmente platônica?
Assistir Piero casar com Violet, construir uma vida com ela, ter filhos com ela,
envelhecer ao lado dela.
Sinto vontade de chorar, a dor oprimindo meu peito com essa imagem e não consigo
evitar fechar os olhos e me colocar no lugar de Violet.
Casar com Piero, construir uma vida com ele, ter filhos com ele, envelhecer ao lado dele.
O desejo deste futuro é tão forte que chega a me tirar o ar.
Ah, caramba, eu nunca vou me livrar daquele anseio?
— E então? — Damiano insiste.
— É, talvez. — Sorrio.
Nós nos levantamos e Damiano aguarda um táxi comigo.
— Tem certeza que não quer que eu te leve pra casa?
— Isso é uma forma de sedução?
— Ousado demais?
— Eu te aconselharia a ser mais comedido.
— Então não devo ter pressa que serei recompensado?
— Veremos… Preciso de um carro — comento, impaciente, por estar demorando a
aparecer um táxi.
— Sim, se vai ficar... E acho que também precisa de uma casa, ou está satisfeita na casa
do Piero?
— Acabei de chegar, mas tem razão, não aguentaria Violet por muito tempo.
— Não gosta de Violet?
— Você gosta?
— Ela é a noiva do meu amigo. — Ele opta pela diplomacia e percebo que não gosta
muito de Violet.
Mas quem gosta daquela chata?
— Você e Piero são muito amigos?
— O bastante. Ele é um cara legal, ainda que seja o chefe.
Estou me perguntando o que Piero acharia se eu namorasse Damiano quando avisto
Marcella saindo do prédio do outro lado da rua.
Ela paralisa, a fúria estampada em seu rosto. Sorrio e quando o táxi para, beijo o rosto de
Damiano para provocá-la.
— Obrigada pelo almoço.
— O prazer foi meu, posso te pagar um jantar também.
— Eu sou uma herdeira rica, Damiano.
— Não há nada que posso oferecer para convencê-la?
— Vamos ver, eu gosto de flores e acho que nunca me mandaram flores.
E é verdade. Sempre achei lindo nos filmes aquelas cenas em que a protagonista recebia
flores.
— Acho que posso dar um jeito.
Sorrio e entro no táxi e ainda aceno com deboche para Marcella petrificada no mesmo
lugar.
Acho que acabei de fazer uma inimiga.

Mas minha animação cai por terra quando chego à casa de Piero e encontro Violet na sala
com várias pessoas à sua volta.
— Ah, você está aí. — Ela levanta o olhar e me vê, não escondendo o desagrado.
Afinal Piero não está ali e ela não precisa fingir que gosta de mim.
Violet apenas me tolera.
— Eu estava na De Vere. E vejo que está ocupada.
— Esta é a equipe para a organização do casamento.
Meu estômago revira só de ouvir aquela palavra.
Violet sorri.
— Tudo bem, querida? Parece enjoada... — Violet se levanta e vem em minha direção.
— Algo te incomoda?
Ela sabe muito bem o que me incomoda.
Disfarço meu asco.
— Estou ótima. — Forço um sorriso. — Na verdade, acabei de ter um almoço incrível
com Damiano.
— Damiano Conti? — Ela parece surpresa.
— Sim, ele mesmo.
— Ele não namora Marcella?
— Não estão juntos mais.
— E você é rápida, hein? — Ela sorri com ironia.
— A vida é curta, não é Violet? Pra que perder tempo? Veja você, mal terminou um
casamento e já estava noiva de outro.
— Sim, não ia perder Piero por nada.
— É, percebo que não quer perdê-lo de qualquer maneira.
— É bom ter isso em mente.
— O que quer dizer?
— Sabe muito bem. — Ela abaixa a voz. Seu tom ganha contornos sombrios. — Suporto
você aqui por causa de Piero, mas por mim não estaria nesta casa. Eu sei muito bem o seu tipo e
que não desistiu de Piero. Mas lembre-se que vamos nos casar, isso é um fato quase consumado
e nada vai mudar. Se ao menos tentar estragar minha cerimônia, eu não terei nenhum problema
em afastá-la de Piero de vez.
— Você pode casar com o Piero, mas nunca vai conseguir me afastar dele.
— Veremos.
E ela recoloca o sorriso falso no rosto e volta a sua reunião.
Eu subo as escadas, tentando não me deixar abater pelo veneno de Violet.
Que mulher insuportável, o que Piero vê nela, sinceramente?
Não é possível que ele seja apaixonado por ela.
Com minha energia drenada pelas palavras de Violet, tiro a roupa, pego um vinho e entro
na banheira com um livro.
Porém, não consigo me concentrar e este ritual de relaxamento não me ajuda em nada
hoje.
Saio do banho e coloco um roupão e quando chego ao quarto me surpreendo com Lucia
entrando segurando dois lindos buquês de rosas enormes.
— Nossa, o que é isso?
— Acabou de chegar para a senhorita.
Ela coloca as rosas sobre a cama e sai silenciosamente, pego o cartão e sorrio ao ver que
é de Damiano reiterando o convite para jantar e seu número de telefone.
Sorrio me jogando na cama entre as rosas.
Ah Damiano, se eu fosse outra pessoa, se meu coração não estivesse preenchido há
muito tempo, quem sabe?
— Ariella?
Eu abro os olhos e Piero está na porta do quarto que Lúcia deixou aberta.
Ele olha para as rosas com um olhar intrigado.
— Olá, Piero.
— Lúcia falou que recebeu muitas flores, mas não imaginava que fossem tantas —
comenta com censura.
Sorrio me sentando.
— Sim, não são lindas? Nunca recebi flores. Acho que é porque nunca tive um
namorado. Não um de verdade, pelo menos.
Os olhos de Piero brilham de contrariedade.
— Namorado?
— Oh, não são flores de um namorado — corrijo. — Só estou filosofando. Me dando
conta que nunca fui alvo de um cortejo romântico.
— É isso que quer, ser cortejada romanticamente?
— Por que não? Acho que toda mulher, não é?
— Quem te mandou essas flores?
— Damiano Conti.
— Como o inferno você conhece Damiano?
— Eu fui à De Vere hoje, não te contaram?
— Sim, Alessia comentou. E Marcella reclamou de você.
— A chata da Marcella, ela me odeia nem sei por quê.
— Talvez por que está recebendo flores do namorado dela?
— Eles não namoram mais, deve saber, não é amigo de Damiano?
— Sim, eu sei, mas não faz nem um mês que eles terminaram. E Marcella ainda gosta
dele.
— Ah, coitadinha, é uma dessas meninas que não esquecem fácil. Acho que me
solidarizo.
Piero respira fundo, passando a mão pelos cabelos.
— O que está acontecendo entre você e Damiano?
— Por que seria da sua conta?
— É uma simples pergunta.
— Ele flertou comigo, me convidou pra sair. — Faço um gesto para as flores. — E me
mandou flores. Acho que quer me conquistar.
— E é isso que quer, ser conquistada por Damiano?
— Por que está bravo, Piero?
— Não estou bravo.
— Está sim.
— Não comece com suas provocações, Ariella.
— E você com seu comportamento tóxico comigo!
— Eu sou tóxico com você? Eu?
Eu sei que ele está sendo irônico, porque acha que a tóxica do nosso relacionamento era
eu.
Bem, nem posso negar.
— Eu achei que ficaria feliz.
— Feliz com o quê?
— Com a possibilidade de eu me apaixonar por outra pessoa.
Uma sombra tolda o olhar de Piero e eu tento não me iludir que sua fúria signifique que
ele não quer que eu me apaixone por Damiano.
Estou tão cansada de me iludir com os sinais confusos de Piero.
Ele não me quer, fica noivo de outra mulher, mas em momentos como este, parece que
sufoca do mesmo sentimento proibido que eu.
Não é possível que Piero sinta o que sinto e ainda se mantenha longe quando bastaria um
simples gesto, uma única palavra, um sinal para que eu me jogasse em cima dele pra nunca mais
soltar.
Piero dá meia-volta, se afastando mais uma vez.
Eu pulo da cama e vou atrás dele.
— Não respondeu! — exijo, ainda na porta do meu quarto, enquanto ele se afasta pelo
corredor. Porém, ele para e sinto a tensão em seus ombros.
— Existe essa possibilidade? — pergunta por fim, e tento entender o que se passa em sua
mente.
— Eu quero que tenha, porque é muito triste amar alguém que não nos ama de volta. — E
eu fecho a porta, sabendo que não vou ter uma resposta de Piero.
Eu nunca tenho.

Quinze

Piero

— Querido sobrinho, a que devo a honra?


Santino me recebe em seu escritório com um sorriso, mas não estou com o menor humor.
— Mantenha-se longe de Ariella. — Sou objetivo ao me sentar à sua frente.
Minha exigência não abala o sorriso do meu tio, enquanto ele abre uma caixa de charutos
cubanos.
— Me diga, Piero, qual sua preocupação?
— Acho que não tenho que te lembrar o que aconteceu da última vez que a trouxe a
Milão.
— Confesso que fui um tanto romântico no propósito de ajudar a menina...
— Romântico? — Solto uma risada sem humor. — Você foi perverso.
— Isso é um exagero, mas entendo suas ressalvas, mesmo elas não tendo mais
fundamento.
— E o que quer com Ariella? Porque eu sei que não dá ponto sem nó. Você a convidou
para vir a Milão por algum motivo.
— Sempre simpatizei com Ariella. Gostaria que fôssemos amigos.
— Isso não vai acontecer.
Ele levanta a sobrancelha.
— Mas quem deve decidir com quem tem amizade é a própria Ariella. Ela não é mais
uma menina de 15 anos, Piero. Não pode impedi-la de ir e vir e ter o relacionamento que bem lhe
aprouver.
— Eu posso impedir você de se aproximar dela.
Ele solta uma risada de escárnio.
— Ah Piero, está agindo com um ressentimento que não tem cabimento.
— Não interessa. Eu só vim avisá-lo. Afaste-se de Ariella.
— Soa como uma ameaça.
— Porque é.
— E o que poderia fazer contra mim?
— Você precisa do meu dinheiro.
— Não seja mesquinho, meu caro.
— E você não brinque comigo. Eu te conheço, sei que tem algum intuito escuso em se
aproximar de Ariella e não vou deixar que a prejudique, ou a alicie em seus interesses sujos.
— O que está insinuando?
— Sabe muito bem.
— Eu não tenho este tipo de interesse na garota De Vere. Se bem que, talvez a menina
que tenha interesse em meus... negócios de prazer. Ela se saiu muito bem naquela noite. E tem
agido assim... Ouvi muitas histórias.
— Basta. — Bato na mesa. — Ouse continuar cercando Ariella, seja para o que for, e
nunca mais verá um centavo da minha parte, não interessa quantas ameaças faça. Eu já estou
cansado de você e seus joguinhos.
— Muito bem, sobrinho. Lamento muito que prefira ir por este caminho.
— Que caminho, longe de você? Com prazer. Agora entendo por que meu pai deu o fora!
— Seu pai não suportou que eu tivesse o poder.
— Meu pai era um homem íntegro e não uma cafetina como você.
Santino ri.
— Pode me insultar, eu não me importo. Eu sei o meu valor, Piero.
— Pois em breve será o único valor que vai ter se continuar dilapidando todo o
patrimônio dos Salvatore. Acho que até seus filhos já perceberam isso e pularam fora enquanto
era tempo.
Santino para de rir. A debandada dos seus filhos para a De Vere era um assunto sensível.
— Marcella e Luigi são dois traidores.
— Eles fizeram o certo em se afastar de você e seguir o próprio caminho.
— É uma vergonha que meus filhos escolheram ser capacho dos De Vere como meu
irmão.
— Está falando merda.
— E você está seguindo o mesmo caminho. Acha que tem poder sobre a menina De Vere,
mas em pouco tempo será ela quem terá poder sobre você e então, caro sobrinho, o jogo vai
virar.
— É por isso que está se aproximando de Ariella, não é? — Eu começo a entender aonde
Santino quer chegar. — Quer que ela continue fornecendo o que você precisa, dinheiro.
— Sou um homem de negócios visionário.
— Eu não vou deixar que Ariella se alie a você.
— Não vai conseguir impedir se não estiver mais por perto. Acredito que este dia está
próximo.
— Eu sou sócio na De Vere.
— Até quando? Tem apenas trinta por cento, Ariella é a acionista majoritária, e sei muito
bem que os De Vere gostam de usar os Salvatore até quando lhe provém e depois o jogam para
escanteio.
— Que merda está falando?
— Que Ezra De Vere estava tramando para tirar seu pai dos negócios.
— É mentira.
— Tem certeza?
— Você é um cretino mentiroso, Santino. É isso que faz melhor, não é? Intrigas,
mentiras, apenas para se beneficiar! Sem medir as consequências dessas histórias que inventa!
— O que está me acusando?
— Que merda inventou para o pai de Ariella antes do acidente?
— Eu não sei do que está falando.
— Certo, pra mim já chega. Nós dois sabemos o que você fez, o que pode ter sido o
estopim para o acidente que matou meus pais e os De Vere.
— Ora, ora, quem está inventando agora?
— Continue se fazendo de idiota, coisa que não é. Você vai para o inferno, Santino. Mas
estou pouco me importando, pra mim já chega.
Saio da sala sem olhar para trás.

***
— Até quando Ariella vai ficar aqui? — Violet me interpela na manhã seguinte e eu solto
um suspiro cansado.
Meu Deus, Ariella só está em Milão há dias e a tensão já está aumentando a níveis
catastróficos.
E não posso negar que quando a vi naquele avião, senti certa alegria de saber que ela
estava vindo pra Milão. Mesmo sabendo as implicações de ter Ariella por perto.
— Até quando ela quiser, Violet — respondo com paciência, me servindo de café,
enquanto verifico meus e-mails.
— Não acho apropriado.
— Por que não? — Eu a encaro meio sem paciência.
E percebo que ultimamente estes momentos em que não tenho a menor paciência com
Violet são bem frequentes. Talvez seja fruto da convivência. Não dizem que para se conhecer
alguém de verdade é preciso viver com ela?
Eu tinha todas as boas intenções quando a convidei para vir morar comigo em Milão.
Ainda sob suas ressalvas, o que era entendível. Por isso mesmo, lhe garanti que teria a liberdade
de ir morar em seu próprio apartamento se preferisse, mas Violet preferiu ficar na minha casa,
afirmando que seria melhor para nós como casal, embora ainda não se sentisse totalmente à
vontade.
— Você sabe, meu casamento foi um horror. Eu me senti... invadida muitas vezes,
invalidada nas minhas vontades, sem poder ter meu espaço pessoal para ser eu mesma.
— Consigo entender suas ressalvas e não precisamos apressar nada. Você terá toda a
liberdade que quiser, não é meu interesse ser como Lawrence. Aliás, eu sugiro que tenha seu
próprio espaço, seu próprio quarto.
— Faria isso por mim? Não quero que pense que não quero ficar com você.
— Não somos adolescentes apaixonados, Violet. Ambos sabemos onde estamos pisando
e o que esperamos um do outro.
Uma das coisas que eu apreciava no meu relacionamento com Violet era justamente que
ela não era uma mulher pegajosa ou exigente. E eu gostava que ela tivesse a liberdade de querer
manter sua individualidade. Porque eu gostaria de manter meu espaço pessoal da mesma
maneira.
E assim, ela se mudou para minha casa e no final era quase como quando éramos amigos.
Violet era uma boa companhia para jantar e em ocasiões sociais, e não exigia minha presença o
tempo todo, ainda mais quando começou os preparativos para o casamento depois que Lawrence
finalmente assinou o divórcio.
— Vamos nos casar e é ridículo que tenhamos que dividir a casa com uma jovem adulta!
— ela argumenta agora.
— Eu sou o tutor de Ariella.
— Ela tem 19 anos, pelo amor de Deus! Já está na hora de tomar o próprio rumo!
Respiro fundo, para não me irritar com Violet.
— Ariella é como se fosse minha família, ela poderá ficar aqui até quando quiser. Isso
não está em discussão.
Violet parece irritada e por um momento tenho a impressão que ela vai explodir, o que
seria inédito. Violet é uma lady que não aumenta a voz nunca.
Porém, em seguida ela muda de postura e sorri.
— Talvez ela prefira ir para a casa dos pais dela.
— O apartamento dos De Vere precisa de uma reforma, não está habitável.
— E falando em reforma, eu já entrei em contato com alguns arquitetos...
— Para quê?
— Para reformar este lugar. Eu não gosto dessa casa do jeito que está.
— Não. É a casa dos meus pais, não vai mudar nada.
— Mas será minha casa também, Piero.
— Não, e isso não está em discussão.
Eu me levanto, porque não estou a fim de discutir com Violet.
Minha nossa, eu nunca discuti com Violet, que diabos está acontecendo?
— Mas teremos que discutir em algum momento — Violet vai atrás de mim. — Assim
como a necessidade da mudança de Ariella, que, aliás, está de flerte com Damiano, você sabia?
Ele veio buscá-la hoje de manhã e levá-la para a De Vere.
— Damiano buscou Ariella?
Eu nem sabia que Ariella tinha ido para a empresa.
— Sim, eu os vi saindo juntos. E Damiano desconversou justificando algo sobre uma
carona, já que ela não tem um carro. Que conversa fiada. Aposto que Ariella já o seduziu —
Violet comenta com censura. — Pobre Marcella.

Estou com um humor péssimo quando chego à De Vere ainda irritado com a notícia de
que Damiano está mesmo cercando Ariella.
Mas já era esperado não?
Depois das flores ridículas que mandou para cortejá-la como um mocinho de livro água
com açúcar.
E Ariella pareceu inesperadamente encantada.
O que me deixou incomodado.
Enciumado! A voz da minha consciência grita para me estressar ainda mais.
Merda.
Não tem cabimento sentir ciúme de Ariella. Como ela mesma disse ontem, eu deveria
ficar feliz com a possibilidade de ela se apaixonar por outra pessoa.
E quem sabe assim, viraríamos aquela página manchada de vergonha do nosso passado e
nos livraríamos da atração proibida que é nociva para nós dois, porque nem deveria existir.
Agora eu entro no ateliê de Alessia e me deparo com Ariella ajudando Luigi, que veste
um manequim enquanto lhe explica sobre tecidos.
— Oi, primo, veio conferir minha estagiária? — Luigi a provoca e Ariella vira os olhos.
— Vou enfiar essa agulha no seu olho, Luigi.
— E ela é meio violenta, sabia desse lado dela, Piero?
— Piero conhece meus piores lados — ela diz com um arremedo de sorriso que me
desafia a negar. Me desafia a não sorrir com ela, porque sim, conheço seus piores lados e, ainda
assim, ela continua sendo uma das minhas pessoas preferidas, apesar de todo o lixo radioativo
que compõe nossa história.
— Ah eu adoro uma fofoca, acho que deveria sair mais com Piero para ele me contar seus
podres, caríssima. — Luigi continua a provocar.
— Acho que deveriam conversar menos e trabalhar mais — interrompo as brincadeiras,
conseguindo me manter sério.
— Chato — Ariella resmunga.
— Então resolveu mesmo ficar? — indago.
— Sim, Alessia sugeriu que eu deveria aprender tudo sobre a empresa e ela tem razão.
Acho que chegou a hora de assumir meu legado. — Ela sorri com certo escárnio. — Orgulhoso
de mim? Acho que finalmente estou onde queria que eu estivesse.
Ah Ariella, se você soubesse onde eu gostaria de verdade que estivesse…
Interrompo meus pensamentos intrusivos e aceno concordando.
— Sim, tem razão, estava na hora.
Luigi se afasta para mostrar algo a outro estilista.
— Mas gostaria que tivesse me comunicado sobre isso.
— Estou comunicando agora.
— Não é assim que as coisas funcionam, Ariella. Isso aqui é sério, não é mais uma
brincadeira ou capricho.
— Não estou encarando assim. — Ela fica séria, não gostando do meu tom de censura.
— Por isso acho que precisamos conversar a sério. Vamos almoçar juntos hoje.
— Não posso.
— Por que não?
— Tenho um almoço com Damiano.
Respiro fundo para não explodir.
— Aqui Damiano é um funcionário, assim como você é por enquanto.
— Oh, droga, vou ter que cancelar a pegação no banheiro das onze horas!
— Ariella, não me provoca!
Ela ri.
— Estou brincando! Por que me toma? Não vou ficar pegando Damiano pelos cantos
escuros! Vai ver que sou uma profissional, Piero. Por isso marcamos o almoço. — Ela pisca.
— Espero que esteja brincando.
— Estou? Será?
— Piero, que bom que está aqui, preciso tirar algumas dúvidas — Alessia nos interrompe
e eu vou até ela.
Conversamos sobre trabalho até que eu lhe pergunto sobre Ariella.
— Como ela está se saindo?
— Muito bem. É totalmente inexperiente, mas é interessada.
— Não facilite pra ela.
— Ela é uma das donas da empresa, não uma das minhas estagiárias.
— Mas não vai fazer o que bem entender aqui por causa disso. Ariella é mimada e nunca
a vi sendo responsável.
— Está exagerando.
— Não estou.
— Até pouco tempo era uma adolescente, lhe dê uma chance. Se esperar o pior, ela lhe
dará o pior. Precisa lhe dar um voto de confiança. Eu acho que Ariella ainda vai nos surpreender.
— Espero que tenha razão.

— Piero espera! — Marcella me alcança quando estou saindo.


— O que foi, Marcella?
— Vamos mesmo ter que aturar essa garota aqui?
— Está falando de Ariella?
— Sim! De quem mais? A princesinha mimada que resolveu que quer brincar e
atrapalhar nosso trabalho!
— Ariella não está aqui para atrapalhar, e sim pra aprender.
— E acha que vai funcionar?
— Marcella, sinceramente, está sendo implicante.
Marcella não é uma criatura fácil. Desde criança ela é quase obsessiva com suas
vontades. E desde que decidiu trabalhar na De Vere tinha o intuito claro de se tornar diretora
criativa. Inclusive quando Evelyn se foi, e Marcella era ainda uma estagiária na época, pediu que
fosse alçada ao cargo, o que eu só pude rir, mas prometi que teria uma chance um dia quando
chegasse a hora. O que obviamente ainda demoraria muito.
Ela era esforçada. Até demais, mas tinha um temperamento terrível.
E agora está implicando com Ariella, ao que parece.
— Não estou! Só quero abrir seu olho porque Alessia parece que está cega!
— Você nem conhece Ariella.
— Sei muito bem a fama dela.
— O que quer dizer?
— Que Ariella não passa de uma herdeira mimada e um tanto piranha!
— Veja como fala. — Eu me irrito. — Ariella está aqui para se inteirar dos negócios da
empresa que é dela. E em breve pode ser ela quem vai decidir se você terá futuro aqui, então
seja inteligente e não crie problemas com quem tem o poder de manter seu trabalho!
— Então vou ter que suportá-la?
— Sim, você vai. E sem reclamar. E se eu souber que está por aí difamando Ariella, eu
mesmo te demito, entendeu?
— Não faria isso. — Seu olhar se enche de medo.
— Então seja profissional!
— Eu tenho que ser profissional e Damiano não? Deve saber que ele e Ariella estão
flertando!
— Ah, agora entendo. Está com ciúme.
— Estou sim! Até agora não sei por que Damiano terminou e antes que eu consiga
resolver as coisas entre nós, Ariella chegou pra atrapalhar! — Ela começa a chorar e se afasta.
Suspiro pesadamente.
Meu Deus, Ariella e o rastro de confusão que deixa pelo caminho.

Naquele fim de tarde, estou em frente ao prédio da De Vere esperando Ariella com um
intuito bem específico.
E quando ela sai, toda sorridente na companhia de Damiano, meu humor muda
automaticamente.
— Ei, Piero. — Damiano sorri pra mim.
— Vão a algum lugar? — Eu me mantenho sério.
— Estou indo dar uma carona a Ariella.
— Não precisa mais.
— Por que não? — Ariella indaga e eu estendo uma chave.
— Porque tem seu próprio carro.
E aponto para o jaguar atrás de mim.
Ariella arregala os olhos.
— É meu?
— Sim, precisa de um carro se decidiu ficar em Milão.
Ela pega a chave animada e dá um gritinho, e não consigo evitar sorrir de sua animação
quando ela dá a volta para entrar no carro.
— Que presente! — Damiano comenta meio desconcertado.
— Está dispensado, Damiano.
— Ei, Piero — ele me segura antes que eu entre no carro —, algum problema?
— Nenhum, por enquanto.
— O que quer dizer? Parece irritado comigo. Aconteceu algo?
— Não sei, me diga você. O que está pretendendo com Ariella?
— Oh, é isso. — Ele ri.
— Não é engraçado.
— Nossa Piero, calma. Não tenho nenhuma intenção ruim. Você me conhece.
Sim, eu conheço Damiano e ele é um bom funcionário e se tornou um amigo. Não somos
íntimos, mas até por namorar minha prima, ele está presente em vários eventos de família e
muitas vezes saímos juntos para velejar e esquiar. É um cara legal, com uma boa conversa e
tranquilo.
Um homem que eu achava um bom partido para minha prima, mas que não gosto nem
um pouco de ver com Ariella.
— Sim, e você até semana passada namorava Marcella.
— E terminamos. Sabe que tentei, por dois anos, e ela é incrível, mas tem um
temperamento difícil, além de ser obcecada com trabalho. Não deu certo.
— E Ariella é uma distração?
— Claro que não! Estou realmente interessado nela. Por que parece que não aprova?
— Eu realmente não aprovo.
— Olha, Piero, na verdade, você não tem que aprovar nada. — Damiano fica sério. —
Ariella é adulta e pode fazer o que bem entender e o que tiver que rolar entre nós não é da sua
conta. Até mais.
Ele se afasta me deixando surpreso por sua determinação em não acatar minha
desaprovação.
Mas no fundo ele tem razão, não?
Eu não posso impedir nada. E isso me deixa furioso.
Ariella abre o vidro.
— Posso ir, ou vai querer uma carona? — Ela buzina.
Eu sento ao seu lado.
— Eu estava brincando!
— Não ia deixar dirigir sozinha pela primeira vez, claro.
Coloco o cinto e ela dá partida.
Ariella dirige como vive. Perigosamente, sem respeitar limites e se divertindo em passar
por cima das regras.
Estou gritando com ela pelo caminho todo e me perguntando por que diabos inventei de
lhe dar um carro.
— Para de ser chato! Estou amando!
— Você vai nos matar, porra.
— Eu sei dirigir muito bem! Para de ser medroso! — Ela acelera e eu me seguro no
banco.
— É a última vez que dirige essa merda — ralho e ela ri acelerando mais e fazendo uma
curva fechada em resposta como se estivesse no Circuito de Ímola.
E ela ri, muito feliz, seu riso enchendo o carro e não posso evitar sorrir, feliz com sua
felicidade.
Há quanto tempo não rimos juntos?
Parece que nos últimos quatro anos tudo o que fazemos é nos aborrecer mutuamente.
Eu sinto falta dela.
Desta Ariella alegre, destemida e divertida.
No fundo, sei que ela nunca deixou de ser nada disso. Fui eu quem mudei.
Que me fechei para qualquer coisa boa que pudesse haver entre nós.
Será que ainda há chance de retomar aquela conexão que tínhamos antes de tudo se
transformar em caos?
Ela estaciona em frente a casa, suada e despenteada do vento que bagunçou seu cabelo
quando baixou o teto solar.
— Uau, eu amei.
— Estou feliz que tenha gostado. Parece que uma vez eu acertei com você. Embora
precise ter mais cuidado na direção.
— Eu dirijo bem, veja, nos trouxe aqui vivos! Admita.
— Sim, tem razão, acho que dirige bem, como uma maluca, mas inesperadamente
precisa.
Ela sorri, satisfeita.
— Está vendo, não é difícil admitir que sou boa em algo.
— Tenho certeza que é boa em muitas coisas, Ariella.
Ela sorri com um brilho quase agradecido no olhar e me dou conta de que ultimamente eu
só a critico, e acho que isso se tornou um mau hábito.
— E estou feliz que esteja aqui, em Milão, e disposta a conhecer a De Vere. Seus pais
ficariam orgulhosos.
Ela sacode a cabeça, emocionada e eu tenho vontade de tocar seu cabelo. Meus dedos
chegam a coçar, como se um ímã me levasse para perto dela, como se meus dedos estivessem
sem serventia se não estivessem na sua pele, a tocando. E nem estou falando daquela forma
sexual e proibida dos meus mais secretos anseios. É afeto puro e simples. Necessário.
— Obrigada, isso é importante pra mim. Ainda não sei o que estou fazendo, mas estou
inesperadamente feliz de estar lá, é quase como se sentisse a presença da minha mãe, não sei.
— E sobre estudar com Anya?
— Acho que não vai mais rolar, mas ainda não sei se não deveria estudar mesmo, sabe,
para Marcella não ficar me chamando de incompetente. — Ela ri. — Ainda é meio confuso.
— Temos que conversar a sério sobre isso. O que acha de... — Eu ia propor a ela que
jantássemos juntos, mas seu celular vibra e ela o pega.
— Oh, tenho que ir. — E pega a bolsa abrindo a porta e eu faço o mesmo.
— Aonde vai?
— Tenho um jantar com Damiano — afirma seguindo em frente enquanto digita distraída
me deixando para trás.
Quando eu entro no meu quarto, me surpreendo quando Violet entra atrás.
— Eu o vi chegando com Ariella?
— Sim, eu comprei um carro para ela — informo começando a retirar a gravata.
— Oh, que generoso.
— Ela precisava de um carro.
— Isso quer dizer que é definitiva essa vinda dela?
— Acho que sim. — Retiro a camisa me sentindo subitamente cansado.
Ou desanimado, seria a palavra certa.
Eu estava bem e animado até Ariella me jogar um balde de água fria comunicando que ia
sair com Damiano.
— Mais um motivo para ajeitarmos a mudança dela.
Respiro fundo, irritado com aquela possibilidade, embora, no fundo, saiba que Violet tem
razão.
— Certo, podemos conversar sobre isso amanhã — cedo, ainda relutante.
Meu relacionamento com Ariella era como estar numa montanha-russa, subindo e
descendo em curvas vertiginosas que me deixavam atordoado e perdido. E agora parece que
finalmente estamos descendo, e sinto como se estivesse sentindo o chão sob meus pés pela
primeira vez em anos, mas ainda caminho tonto e mais atordoado ainda sem saber como lidar
com a possível segurança que a terra firme me traz. Porque quando estávamos na montanha-
russa era horrível, mas ela estava ali, ao meu alcance. Me enfurecendo e me provocando. Agora
ela caminha para longe e não sei se gosto disso.
— Muito bem. — Violet parece satisfeita.
— Agora, se me der licença, preciso de um banho.
— Sim, faça isso. Em uma hora nossos convidados estão chegando.
— Convidados?
— Sim, esqueceu que temos um jantar com os Gray? Eles chegaram ontem na cidade, eu
te falei na semana passada!
— Não, eu não me lembro. Inferno, não estou nem um pouco a fim de aguentar um jantar
social hoje.
— Vai ser divertido, e você gosta do Robert.
Sim, Robert Gray é um empresário da área hoteleira e sua esposa, Tess, uma design de
lingeries com a qual já fizemos uma parceria na De Vere, antes de ela abrir sua própria grife. É
um casal simpático, mas acho que hoje nem os Gray mudariam meu humor.
— E Alexa estará presente também. Assim como seu namorado, Giulio.
Alexa Duran é uma amiga que Violet fez quando se mudou pra Milão, na época ela era
casada com um italiano trinta anos mais velho, mas se divorciou e agora está às voltas com outro
namorado rico para sustentá-la. É uma mulher arrogante e insuportável, mas não posso proibir
Violet de ter os amigos que queira.
— Tudo bem — concordo por fim, nem um pouco entusiasmado.
Espero que Violet saia do quarto, mas ela se aproxima e toca meu peito.
— Está tenso, acho que posso ajudar? — Sua voz sai com malícia e eu entendo o que ela
está insinuando.
Talvez em outros tempos, eu concordaria, mas hoje olhar para Violet não me causa
nenhuma vontade de fazer nada no âmbito sexual.
Eu tiro sua mão do meu peito.
— Não.
Seu sorriso se desfaz.
— Eu não quero ser uma noiva carente, mas nem me lembro a última vez que transamos,
Piero.
Desvio o olhar.
Inferno, também não me lembro, percebo.
Sexo com Violet nunca foi a melhor parte do nosso relacionamento, mas eu cheguei a
acreditar que isso fosse um relacionamento maduro. Casamentos bem-sucedidos não são feitos
de atração sexual, e sim de compatibilidade e companheirismo.
E eu já senti paixão por várias mulheres. E a maioria dessas paixões acabou rápido
quando a chama se apagou e não restava nada. Eu não pensaria em me casar com nenhuma
daquelas mulheres, embora a maioria fosse de pessoas interessantes, porém, não via futuro para
uma relação duradoura.
Eu admirava Violet e gostava dela ser uma mulher centrada, madura. Quando começamos
a nos envolver, a novidade fez com que fosse interessante por um tempo, e quando eu já não
sentia mais tanto interesse assim, ainda tínhamos nossa amizade. E, embora, eu não possa negar
que meu intuito era usá-la como escudo e preservar minha intenção de me manter longe de
Ariella, eu acreditei que estava tomando uma boa decisão escolhendo me unir a Violet de forma
racional e sensata.
Eu tinha trinta anos, gostaria de ter filhos um dia e pra dizer a verdade não havia mais em
mim aquele desejo de juventude de me aventurar com o maior número de mulheres possíveis,
apenas em busca de sexo fácil.
Meu relacionamento com Violet pareceu perfeito. Ainda que eu soubesse que não era
apaixonado por ela. Porém, agora, eu a encaro, vejo certa decepção em seu olhar ao me cobrar
uma atenção que não me sinto atraído a dar e sinto um princípio de preocupação.
Um alarme soa na minha mente e que, percebo agora, já estava soando ali baixinho e
aumentando a cada dia que passava.
— Eu não sabia que isso a incomodava — comento, tentando entender o que se passa na
mente de Violet.
Eu achava que estávamos na mesma linha, com as mesmas intenções. Violet nunca
pareceu se importar com a falta de interação sexual em nosso relacionamento.
— Não estou incomodada. — Ela sorri dando de ombros e mudando de postura. — E não
estou te cobrando nada. Só quero que saiba que pode conversar sobre o que for comigo. Eu estou
aqui, não para te atormentar, como uma mulher maluca, mas sim para completar. Para ser o que
você precisa. — Ela me encara com um olhar incisivo. — Somos amigos, lembra?
— Disse que não está incomodada, mas acho que tem algo te incomodando sim.
— Não, está tudo perfeito. Vamos nos casar em breve, vai ser o casamento dos meus
sonhos e eu só quero me certificar que estamos bem. Estamos bem, não é?
Reluto em responder.
Estamos?
Ela toca meu rosto.
— E seja lá o que estiver te incomodando — ela volta os holofotes para mim — não vai
te incomodar mais em breve. Porque não tem nada que vá atrapalhar nossos planos.
Ela beija meus lábios de leve.
— Agora relaxa. Eu vou me arrumar também e vamos ter um belo jantar com nossos
amigos e nos divertir um pouco.
Ela sai do quarto e me sinto aturdido.
Poderia me sentir aliviado com a convicção de Violet de que somos perfeitos juntos.
Eu poderia concordar com ela, se olhasse do ângulo certo.
O problema é que há uma parte de mim que está começando a se mover e olhar aquele
futuro bem planejado e certo para nós como algo que não me pertence totalmente.
E eu nem quero virar meus olhos para o outro lado e vislumbrar outro futuro. Um futuro
que até hoje eu nunca tinha me permitido enxergar, porque por mais que pareça inesperadamente
incrível, ele ainda é muito errado.
Proibido.

Como eu previ, o jantar com os amigos de Violet não me anima nem um pouco. Porém,
me esforço para ser educado e presente ignorando meus pensamentos irritantes que se voltam a
todo momento para Ariella e como estaria seu encontro com Damiano.
E quando meu celular vibra e vejo que é um importante contato de negócios, peço licença
para resolver, aliviado com a desculpa perfeita para me afastar. Entro na biblioteca, que também
é meu escritório, e sento no sofá de couro onde vi meu pai sentar tantas vezes com um cigarro e
um copo de whisky, e resolvo a contenda em pouco tempo, mas não volto à sala onde os
convidados de Violet estão.
Acendo um cigarro e tento relaxar a primeira vez na noite, embora minha mente ainda
esteja num turbilhão.
Então, escuto passos e a porta se abrindo devagar.
Sorrio, porque eu sei quem está ali, espiando nas sombras.
— Estou vendo você aí, piccola.
Dezesseis

Ariella

Quantas vezes eu fiz aquele mesmo caminho em sua direção?


Quantas vezes escutei sua voz como um chamado e não hesitei em me aproximar e me
aconchegar ao seu lado, por que era o único lugar que queria estar?
É um inferno que por mais que hoje eu não seja mais aquela menina, e tudo entre nós se
tornou tão confuso e bagunçado, ali ainda seja o melhor lugar do mundo.
Perto de Piero.
Eu me aproximo e sento ao seu lado, sentindo meu mundo ganhando contornos mais
coloridos, vívidos, só porque ele está olhando pra mim, com um discreto sorriso no canto dos
lábios, que traga um cigarro, como se ainda gostasse de mim.
Isso aperta meu peito.
Por que Piero ainda tem aquele efeito sobre mim quando tudo o que ele faz é me afastar?
Naquela noite mesmo eu estava com um cara bonito e claramente interessado em mim, um
homem com quem eu conseguia vislumbrar uma possível relação séria e madura, como nunca
tive.
Um homem que não me trata como um erro, um segredo sujo.
Ainda assim, o tempo inteiro eu me esforçava pra gostar dele, pra apreciar de verdade sua
atenção sobre mim.
No fim da noite, ele me beijou e foi agradável quando eu ansiava por aquele fogo que
faria meu coração bater rápido como se fosse explodir no peito.
Queria me sentir atraída, consumida.
Como me sinto neste momento. E nem falo só de atração sexual, eu falo daquela
necessidade de carinho, de afeto, de uma conexão profunda que faz eu me sentir em casa, segura,
amada.
Eu sempre me senti assim com Piero, mas estraguei tudo quando acrescentei a nossa
relação a paixão que comecei a sentir por ele. Ela se tornou meu pequeno segredo, meu anseio
mais profundo até a noite no clube quando me entreguei por completo, mesmo sem saber todas
as implicações dos meus atos.
Aquela noite definiu o resto de nossas vidas. E embora nunca tenha me arrependido, eu
lamento que as coisas entre nós tenham mudado drasticamente e nos afastado tanto.
— Por que está escondido aqui? Vi Violet com alguns convidados na sala.
— Tinha algumas questões de negócios para resolver e no fim me atraí pelo silêncio.
— Estou atrapalhando seu momento de paz?
— Nunca, piccola.
Não corrijo quando me chama do antigo apelido. Sinto quase como um carinho.
— Mentira. Eu sempre tiro sua paz.
— Não neste momento. Na verdade, sinto falta desses momentos. Sinto falta de como
éramos... antes.
— Não pode mais ser como antes, Piero. O tempo passou. Não sou mais uma menina que
deitava em seu colo. — Sorrio com certa tristeza porque por um lado também lamento.
— Eu sei. Meu Deus, eu sei. — Ele me encara com o mesmo sorriso triste. — Você é
uma linda mulher adulta.
— Eu queria que você gostasse de mim assim. Que se permitisse me conhecer de
verdade, não aquela Ariella da sua memória, que ainda está aqui, mas que agora é apenas parte
de quem eu sou. Não com o olhar do tutor que me vê como uma menina mimada e difícil a quem
você só pensa em manter longe.
— Eu nunca quis te manter longe.
— Agora está sendo mentiroso de verdade.
— Só era preciso. Você não entendia... — Ele suspira enquanto apaga o cigarro, como se
o peso do mundo estivesse em suas costas e inferno, eu entendo.
Sempre relutei em ver o lado de Piero, mas acho que agora consigo compreender tudo o
que significou nosso envolvimento.
— Eu sei. — É minha vez de suspirar pesadamente. — Será que podemos deixar tudo
para trás? — Eu me vejo pedindo. Porque por mais que me doa abrir mão de Piero daquela
maneira, eu sei que no fundo eu nunca o tive de verdade. — Eu não quero que se afaste de mim
de novo. Que me afaste de novo.
Sua mão alcança a minha sobre o sofá.
— Eu sempre estarei com você, Ariella.
Sorrio sentindo um arremedo de paz em meu peito.
É um sentimento agridoce. Porque Piero está me acenando com uma nova possibilidade,
mas que está longe de ser o que mais desejo.
Porém, acho que ainda prefiro o ter assim a não ter nada.
Eu preciso de Piero demais.
— Então estamos deixando tudo para trás.
Seus dedos apertam os meus.
— Estamos deixando tudo para trás.
Suspiro, triste e feliz ao mesmo tempo.
Descanso o olhar nas nossas mãos unidas sobre o sofá, que Piero não solta, em vez disso
seus dedos brincam com os meus e percebo que Piero estava fazendo a mesma coisa, observando
nossas mãos.
E de repente algo muda.
Sinto seu toque não mais como reconfortante, e sim como instigante.
Seus dedos percorrem a palma da minha mão devagar, inspecionando, sentindo a textura
até chegar ao meu pulso que acelera automaticamente e simples assim todo o conforto se foi
ficando no lugar uma tensão quente e densa que se instala num pulsar ansioso em meu íntimo.
Quente. Úmido. Necessário.
Começo a ofegar, me sentindo tonta, minha mente se desligando devagar, deixando meus
sentidos tomarem conta.
E quando levanto o olhar, Piero está me encarando.
Não mais com aquele carinho nostálgico de antes. Os olhos escuros estão cheios de um
desejo que me deixa fraca.
E antes que eu possa sequer entender o que está acontecendo, Piero me puxa para perto e
mergulha os lábios nos meus.
Solto um gemido surpreso e maravilhado, minha mente rodando de confusão e excitação
enquanto os dedos de Piero seguram meu rosto perto para que sua boca devaste a minha num
beijo avassalador.
Minha nossa, está acontecendo?
Estou tão aturdida que demoro alguns segundos para me entregar àquele beijo, meus
dedos subindo para me segurar em seu peito, sentindo seu coração descompassado como o meu,
enquanto nossas línguas se acariciam como amantes saudosas.
Eu poderia chorar neste momento. Poderia correr e gritar e rir feito louca, tudo ao mesmo
tempo.
Piero está me beijando.
Me beijando...
Meu corpo inteiro vibra, esquenta e exulta.
A intensidade do beijo muda sutilmente, tornando-se quase suave, os lábios de Piero
acariciando os meus lentamente, como se sentindo o gosto com pequenos beijos leves,
mordiscando, e arrancando suspiros da minha garganta e arrepios do meu corpo.
Ah Deus, se eu estiver sonhando, que não acorde.
Solto uma risada boba, ainda meio perdida, lutando para respirar.
— Isso não é deixar tudo para trás — murmuro. Sei que não deveria falar nada, apenas
apreciar e me deixar levar por aquele desvario inesperado de Piero, mas não consigo.
Uma parte da minha mente está ciente de que é Piero ali, me beijando, se rendendo a algo
que acabamos de concordar em deixar para trás.
Piero solta um rosnado, que é frustração e excitação pura e seus dedos apertam mais meu
rosto, enquanto ele encosta a testa na minha e respiramos juntos.
— Não.
E uma simples palavra tem o peso de um balde de água fria em minha alegria.
Piero respira pesado, os dedos ainda me apertam quase com desespero e sinto sua luta
entre o desejo e a razão.
E antes que ele me solte, eu sei que perdi de novo.
E acho que já perdi tantas vezes que apenas me desvencilho dele e abro os olhos com um
sorriso amargo em meus lábios ainda molhados de seus beijos.
Com meu corpo ainda queimando do incêndio que ele começou.
— Sinto muito. — Ele me encara atormentado, passando os dedos nervosos pelos
cabelos. — Porra, sinto muito.
E eu sei que ele não sente só por este momento.
Mas por tudo o que poderíamos ser e ele se nega a ver.
A aceitar.
— Mas não podemos. Eu sinto muito — repete.
Eu assinto com uma calma que surpreende a mim mesma.
Mas acho que chega um momento em que temos que começar a lidar com as rejeições
com certa dignidade.
— Tudo bem. Faz suas escolhas, ignora isso aqui, que por mais que a gente tente negar
não vai acabar, não vai passar. Acho que nunca. A merda é que hoje eu consigo compreender sua
resolução. E tenho que aceitar, não é? Não vou mais implorar, Piero. Chega.
Eu me levanto do sofá.
— Boa noite.
Dezessete
Ariella

— Você arrasou! — Luigi me abraça quando volto ao backstage ao lado de Alessia e as


outras modelos após o término do desfile.
— Sério? Eu achei que iria cair em determinado momento. — Solto uma risada de alívio
por tudo ter ido bem, afinal.
— Ia nada, e com certeza foi bom marketing, ter a própria herdeira De Vere desfilando
— Luigi comenta.
— Com certeza! — Alessia concorda.
— Fico feliz de ter ajudado. E o modelo do Luigi fez sucesso. — Pisco para ele.
— Sim, Luigi, acertei em escolher seu trabalho para estrear nessa passarela. Vai longe. —
Ela pisca e olha o relógio. — Agora preciso ir. Quero voltar para Milão.
— Achei que iríamos jantar e comemorar — Luigi diz.
— Sinto muito, mas divirtam-se vocês. Meu marido está me esperando.
Ela se despede e Luigi sussurra no meu ouvido enquanto me ajuda a tirar o vestido.
— Sabe que ela está grávida, né?
— Mentira!
— Ainda não contou a ninguém, mas eu tenho olho clínico. Fica esperando a novidade
em breve.
— Se ela está grávida, acha que vai sair mais cedo do que imaginamos.
— Imagino que sim.
— E se Alessia sair ela vai ter que escolher um substituto. Quero que seja você.
— Não seja ridícula, eu não tenho nem um ano na De Vere.
— E daí? Você é talentoso demais, isso que conta.
Enquanto eu me apresso em tirar as roupas, recebo as felicitações das outras modelos e da
equipe de Alessia que veio para Roma.
Faz quase duas semanas que cheguei à Itália e ainda me surpreendo em como fui bem
aceita na equipe de Alessia e estou gostando de verdade de conhecer todo o processo criativo das
campanhas de moda.
Ainda não acho que seja algo pra mim, mas com certeza tenho muito a aprender e estou
só começando.
Quando estou no banheiro terminando de refazer minha maquiagem, Marcella entra atrás
de mim. Claro, todos gostam de mim na De Vere, mas Marcella continua me odiando. Ainda
mais que eu e Damiano passamos bastante tempo juntos.
Porém, não posso dizer que somos um casal. Saímos para jantar algumas noites, ele me
mostra a cidade, fomos velejar na companhia de Luigi um fim de semana e eu gosto de sua
companhia, mas não tenho a menor vontade de ir pra cama com ele.
E nem quero analisar que o motivo se chama Piero Salvatore.
Aquela noite em que nos beijamos não foi uma recaída. Foi a queda de um penhasco que
passei essas duas semanas tentando me reerguer.
Eu chorei no chuveiro? Claro que sim.
Pensei em fazer minhas malas, ligar pra Georgina e dizer que estava indo passar um
tempo com ela e o namorado bocó nos cafundós da África com os elefantes? Sim também.
Mas não sirvo para me enfiar no meio do mato para fazer trabalho voluntário sem direito
a comer filé mignon e comprar bolsas da moda. Então cogitei ir ficar com Anya na Grécia, já que
ela e Alexis aparentemente tinham se acertado de vez, mas não queria estragar a felicidade de
Anya levando minha depressão para Nikolos. Anya sofreu demais e merecia ser feliz. E ela nem
fazia ideia dos meus problemas com Piero. Para Anya ele era só o meu tutor.
Porém, na manhã seguinte, mais calma, consegui organizar meus pensamentos e conjurar
a Ariella que decidiu não mais se humilhar por uma ilusão.
Coloquei um sorriso no rosto e fui para a De Vere, ignorando que Piero estava sempre
por ali, me acompanhando com um olhar estranho que eu não queria decifrar.
Chega.
Ele fez a escolha de merda dele, então que chafurdasse nelas.
Eu passava pouco tempo na casa dele com a sonsa da Violet, porque todas as vezes que
estava lá tinha que ver o festival de pessoas a organizar o maldito casamento.
Fingia que não estava nem aí quando morria por dentro a cada dia, mas dizia a mim
mesma que se meu coração estava sobrevivendo por aparelhos, e provavelmente se espatifaria de
vez no dia daquele casamento, era porque eu precisava renascer. Deixar surgir uma nova Ariella,
uma nova era.
Todos os dias, acordava e dormia repetindo a mim mesma que eu iria sobreviver, apesar
de Piero e sua insistência em negar o que naquela noite do beijo ficou tão óbvio.
Piero tinha sentimentos sim, ele odiava que eu estava com Damiano, havia inclusive o
ameaçado para não sair comigo. O próprio Damiano me contou, mas ele achava que Piero era só
meu tutor extremamente protetor.
Ah sim.
Damiano só não sabe que meu tutor me fodeu tão bem que me estragou para o resto do
mundo e desde então estou obcecada por ele.
E todas as vezes que eu o flagrava com os olhos furiosos fixos em mim e Damiano, sentia
que talvez ainda houvesse alguma chance para nós dois.
Ele ainda não estava casado. E eu podia desistir e deixar que ele seguisse aquele caminho
que escolheu, ou podia mandar a sensatez à merda e mergulhar na loucura que às vezes se
insinuava em minha mente e minhas vontades e fazer Piero ver que eu era dele.
E ele só precisava entender que tinha que ser meu.
— Quanto puxa-saco a sua volta, não? — Marcella para ao meu lado, cruzando os braços.
Estava demorando para ela vir me perturbar.
— Você deveria ser esperta e se tornar um deles.
— Nunca. Não sou o Luigi que está se vendendo para passar a perna em mim, que
mereço ficar no lugar da Alessia.
— Ah é? Eu acho que Luigi merece mais.
— Está brincando, não é? Estou aqui há quatro anos e Luigi acabou de chegar. Alessia
jamais cometeria esse erro.
— Pois se eu fosse você se preparava, porque não vai ser a próxima diretora criativa da
De Vere.
— Veremos!
— Não, não vou ver nada. Você esquece que sou a dona da De Vere. No final, eu decido.
— Decide nada! É uma herdeira brincando de estilista, e nem tem talento nenhum, não
entende nada! Sua mãe podia ser uma vagabunda, mas ao menos era boa...
Eu não sei o que me move, mas no segundo seguinte, estou virando um tapa na cara de
Marcella.
Ela grita, colocando a mão no rosto com os olhos indignados.
— Você me bateu?
— E vou bater de novo se chamar minha mãe de vagabunda.
Ela ri.
— Mas sua mãe era...
Eu ergo a mão, mas desta vez ela segura meu pulso.
— Não ouse! Se me bater, eu te bato de volta, não sabe com quem está brincando!
— E você também não sabe! — Puxo minha mão. — Pode me xingar o quanto quiser,
mas é melhor ser uma vagabunda como diz do que ser uma piranha frígida como você, por isso o
Damiano não te quis!
O rosto de Marcella empalidece.
— Você não sabe de nada! Eu e Damiano temos uma história. E você não é nada, a não
ser uma distração! Ele vai voltar para mim quando se cansar dele. E pode ser a dona da De Vere,
mas não tem poder nenhum. Piero é quem manda, até você fazer 21 anos. Meu Deus é uma
criança ainda! Querendo me botar medo! Mas não tenho medo de você. Você quem deveria ter
medo de mim!
E ela sai batendo a porta.
Nossa, que pessoa amarga!
Acabo de fazer minha maquiagem, tentando me acalmar. Marcella está brava por causa
de Damiano e porque acha que eu prefiro Luigi a ela, o que não deixa de ser verdade. Mas essa
raiva que ela tem de mim é totalmente fora de proporção e já está me exasperando.
Talvez eu deva deixar Damiano, e ele que decida se quer voltar para a ex psicótica dele,
mas não vou deixar Marcella ascender na De Vere. Porque ela não tem talento suficiente e
porque não quero à frente da diretoria criativa da minha empresa alguém que claramente me
odeia.

— Vamos para uma boate? — Luigi sugere depois de uma hora que estamos no
restaurante, que na verdade é bem animado, tem música tocando e gente curtindo e dançando.
— Eu adorei aqui. Olha, tem gente dançando e tudo, se é este o problema — Maria, uma
das estilistas, comenta apontando para duas moças em uma mesa próxima.
As duas são lindas e na verdade já parecem bem bêbadas.
— Duas ridículas! — Luigi revira os olhos. — Estou falando de uma boate de verdade.
— Boate gay? Eu topo — Alessandro, um dos assistentes de Alessia, concorda. E como
aparentemente todos os meninos da equipe são do time de Luigi, em pouco tempo todos
concordam em ir, até Marcella que estava com o rosto emburrado desde que chegamos.
— Eu pago a conta. — Retiro o cartão da bolsa e entrego ao garçom e eles ainda fazem
um pouco de barulho com isso, mas as reclamações não demoram muito.
— Temos que te convidar mais para sair com a gente — Alessandro diz beijando meu
rosto enquanto se levantam para ir saindo, e Marcella avisa que precisa ir ao banheiro, mas antes
sussurra no meu ouvido.
— Dinheiro compra tudo, não é?
Eu não gosto do seu comentário, mas não posso evitar sentir um certo desconforto. Será
que todo mundo era legal comigo porque eu era a herdeira De Vere?
— Ei, Piero, já estamos saindo — Maria diz.
Eu levanto o olhar e me surpreendo ao ver Piero se aproximando.
Eu nem sabia que Piero estava em Roma!
— Não tinha certeza se assistiu o desfile. Alessia falou que tinha alguns negócios na
cidade — Luigi comenta.
— Sim, eu consegui assistir. Parabéns ao trabalho de vocês. Infelizmente fiquei preso
com alguns negócios, mas Marcella me falou que viriam para cá.
O olhar dele percorre a mesa e para em mim.
— Chegou atrasado, estão todos indo a uma boate — informo sentindo algo quente e
proibido se enroscar dentro de mim. Sim, já tomei alguns drinques e embora não esteja bêbada,
estou facilmente ficando embriagada da presença de Piero.
— Vai com a gente? — Luigi questiona.
— Não, estou faminto. Ficarei para jantar e depois volto a Milão ainda hoje. Alguém se
habilita a me acompanhar?
— Eu fico — Marcella surge e senta de novo ao lado de Piero.
— Eu fico também — decido de súbito.
Marcella não gosta nem um pouco, mas não me importo. Sento novamente e peço um
drinque depois que Piero pede seu prato.
— Já não bebeu demais? — Piero censura e dou de ombros.
— Eu não vou carregar ninguém. — Marcella ri com deboche.
— E nem eu quero que me carregue, Marcella. Se eu ficar bêbada, Piero pode me
carregar, não é? — eu o provoco ignorando que Marcella está ali.
Piero me encara com censura.
— Eu preferia que não ficasse bêbada.
— Estou comemorando. Fizemos um trabalho formidável hoje, não?
— Você não fez nada — Marcella se intromete. — Foi a minha equipe.
— Equipe da Alessia.
— E eu trabalho há mais tempo que ela na De Vere! Piero sabe disso. Sabe do meu valor,
do meu talento.
Rolo os olhos.
— Meu Deus, Marcella, como você é chata!
— Não importa o que você pensa de mim. O que importa é meu trabalho.
O garçom nos interrompe trazendo um prato de massa para Piero.
— E falando em trabalho, Piero — Marcella continua —, acho que agora é um bom
momento para falarmos sobre a próxima diretora criativa...
— Agora não é o momento, Marcella — Piero a interrompe.
— E quando vai ser? Está rolando boatos de que a Alessia está grávida. E ela vai sair
logo, antes da definição da próxima coleção é o momento certo para a nova estilista assumir.
— Não vai ser você! — Eu não me aguento.
Marcella me fuzila com o olhar.
Piero levanta a sobrancelha. Ele tem muita calma para lidar com Marcella porque eu já
estou a ponto de explodir.
— O que você sabe? Nada! Não se intrometa! — ela continua. — Estou falando com o
Piero!
— Piero já falou que não é o momento e você continua insistindo! Ele está comendo, não
está vendo? Aliás, está uma cara muito boa, me deixa provar. — Abro a boca e Piero xinga
baixinho, mas enfia o garfo na minha boca.
— Hum, é bom.
— Pede um pra você então, não vai comer o meu — ele reclama, mas quando abro a boca
ele me serve mais.
— Isso é meio nojento — Marcella comenta franzindo o olhar. — Sei que Piero é seu
tutor, mas quantos anos você tem pra te darem comida na boca?
Eu explodo numa risada e começo a achar que estou bêbada.
Sim, quando eu era criança, muitas vezes eu comia junto com o Piero. Eu era uma criança
pidona e realmente faz séculos que não comemos juntos, mas qual o problema?
— E por que você não cala sua boca chata? — rebato pedindo outra bebida.
— Já chega, Ariella — Piero reclama.
— Não seja chato você também!
— Nossa, você é muito ridícula. Mimada e ridícula! — Marcella enfatiza. — É essa
garota que acha que tenho que respeitar? — ela fala diretamente com Piero apontando pra mim.
— Eu acho que tem que me respeitar sim — continuo —, e se quer saber, você não é a
próxima diretora criativa. Eu vou indicar Luigi que é muito mais talentoso do que você.
— Isso é um absurdo! Piero?
Piero respira fundo, pousando os talheres no prato.
— Marcella, você realmente não vai ser indicada para o lugar de Alessia.
— O quê?
— Eu falei! — Solto uma risada, terminando de beber meu copo.
— Vai ouvir o que Ariella diz?
— Sou eu quem está dizendo, mas eu vou escutar Ariella. Ela é a dona da empresa
também.
— Ela acabou de chegar e não sabe de nada!
— Mas agora ela está aqui e levarei em consideração o que diz e eu acho que precisa
moderar sua língua e suas atitudes. Estou de saco cheio do seu comportamento. Se continuar
assim vai pro olho da rua!
É a gota d’água para Marcella que levanta da mesa.
— Já vai? — provoco.
— Eu sei que quer me ferrar, mas não vai conseguir, entendeu? Eu acabo com você antes.
E você, Piero, estou vendo que faz tudo o que essa nojenta quer. Como meu pai sempre disse, é
um capacho dos De Vere! Já chega pra mim.
— Pra mim também, está demitida, Marcella — Piero diz calmamente.
Marcella fica vermelha de ódio, mas pegando sua bolsa ela se afasta da mesa.
— Finalmente! — comemoro rindo sem parar.
— Ariella, isso não é engraçado.
— É sim, Marcella me detesta e nem sei por quê. Ela me chamou de vagabunda. Chamou
minha mãe de vagabunda. Fez bem em demiti-la.
— Marcella é minha prima e não gosto de ter que fazer isso, mas ela está passando dos
limites.
— Marcella é uma maluca obsessiva pelo que percebi. E ainda me chama de mimada, me
poupe.
— Você me lembra ela, em alguns aspectos.
— O quê? — Eu me irrito. — Não sou como Marcella.
— Vocês têm a mesma vontade férrea, a mesma determinação. E não desistem do que
querem.
— Eu desisti de você, não? — despejo com certo amargor e Piero desvia o olhar.
Claro. Ele não quer falar deste assunto.
Mas minha paciência acabou.
— O quê? Não é verdade? Talvez Marcella também desista da De Vere quando perceber
que de nada vai adiantar só ela querer. Nós, mulheres determinadas, às vezes caímos na real! E
partimos para outra.
— Você partiu pra outra? — Ele finalmente me encara, com os olhos furiosos.
— Seria fácil pra você, não é?
— Não, não seria. Seria um inferno, é isso que quer ouvir?
— Não, não é isso que quero ouvir. Estou de saco cheio de ouvir você jogar na minha
cara que eu sou a menina má que atrapalha seu senso ridículo de moral! Quer saber, Piero? Vai
se ferrar. Cansei de fingir que não me importo, que sou madura o suficiente pra não ficar puta
porque você me deseja uma hora e depois me vira as costas! No fundo, sou boazinha demais com
você enquanto se mantém intacto em seu castelo de gelo. Não passa de um medroso!
Termino de tomar o resto da minha bebida, que desce queimando em minha garganta, e
me levanto.
— Então, eu sou a vilã? Comece a fugir, porque não viu nada!
E eu me inclino e o beijo. Meu ataque é rápido e termina antes que ele se recupere.
Mordo seu lábio com um gemido e me afasto. Subo na mesa e começo a dançar.
Cansei de ser boazinha.
Foda-se, Piero.
Dezoito

Piero

Ariella está em cima da mesa, dançando sensualmente com um sorriso no rosto de quem
não está nem aí para nada, porque o mundo lhe pertence.
E as pessoas naquele mundo estão a seus pés.
Como eu.
Incapazes de desviarem o olhar de sua figura provocadora, quase ofensiva na maneira que
se diverte, enquanto bebe uma taça atrás da outra e move o corpo com uma sensualidade crua e
desafiante.
Indomável.
Essa é Ariella em toda sua glória e desonra.
E estou no paraíso e no inferno ao mesmo tempo.
É isso que Ariella representa.
A paixão e o declínio.
Sinto-me encurralado por seu sorriso que me desafia a desviar o olhar e ir embora, a
deixando mais uma vez, mas ela sabe que não vou.
Por todas aquelas duas semanas eu caminhei com cuidado de quem tem areia movediça
sob os pés, sabendo que a qualquer momento poderia sucumbir e afundar naquele desatino.
Andando por aí, como se todos os demônios me perseguissem para me levarem àquele
lugar proibido e fascinante onde Ariella era o centro de tudo.
Do meu triunfo e da minha ruína.
O que eu ia escolher?
Eu sabia o que tinha que fazer.
Eu já fiz, na verdade.
Trancafiei meus sentimentos proibidos e escolhi a sensatez.
Em dois dias estarei selando aquela porta para sempre quando me casar com a mulher
que escolhi.
E ainda assim, estou aqui.
Chafurdando de bom grado no desejo por uma garota que deveria amar apenas como
minha protegida, mas que se tornou minha obsessão.
Não.
Ariella pode estar se tornando uma jovem mulher incrível que está finalmente
conquistando sua maturidade e escolhendo quem quer ser no mundo.
E ela pode ser o que quiser.
Conquistar o que quiser.
Menos a mim.
Minha missão não é desejar Ariella e tomá-la pra mim, como passei a desejar apesar de
todas as minhas resoluções.
Minha missão é protegê-la.
De si mesma.
De mim mesmo.
Nem que pra isso eu tenha que abrir mão do desejo mais profundo do meu coração.
Resignado, eu me levanto e a tiro da mesa, apesar de seus protestos débeis de quem já
está muito bêbada e levo para fora a colocando no carro.
— Não quero ir embora, eu estava me divertindo.
— Estava se divertindo demais. — Dou partida.
— Odeio você!
— Seria mais fácil se me odiasse mesmo — resmungo.
— Estou com calor... — Ela geme e abre a janela e joga a cabeça para fora, rindo.
— Para com isso, Ariella. — Eu a puxo pra dentro.
— Você é tão mandão! Não preciso mais fazer só o que você quer!
— Você está bêbada!
Ela ri mais ainda.
— Estou... E é tão bom... Pare o carro, olha!
Ela aponta para a fonte na nossa frente.
— Não, temos que ir pra Milão ainda hoje.
— Não!
E ela enfia a mão no volante, me obrigando a pisar no freio, antes que perca a direção e
bata o carro.
Ela ri e abre a porta, se jogando pra fora antes que eu consiga impedir.
— Ariella, volte aqui! — Mas ela já caminha tropegamente para fora, descalça e pula
dentro da fonte.
Suspiro cansado e saio do carro.
— Sai daí.
Ela se vira e sorri pra mim, os braços levantados.
— Vem me tirar.
— Ariella, já chega...
— Está com medo, Piero? É isso não é? Morre de medo de mim... — Ela avança
sensualmente na minha direção.
— Não tenho medo de você.
— Então se eu te beijar agora o que vai acontecer?
Ela está perto agora e sinto o impacto que sua beleza tem em mim, como um soco no meu
peito. Ela chega mais perto e passa os braços por meu pescoço.
Aperto os punhos para não puxá-la pelo cabelo e calar sua provocação com minha língua.
O desejo proibido já se alastrando por meu sistema e atingindo meu pau de forma dolorida.
E ela sente. Seus olhos franzindo de entendimento quando minha ereção se torna muito
evidente, apesar de eu estar resistindo.
Um gemido baixo escapa de sua garganta e ela aperta o corpo contra o meu, e morde meu
lábio inferior.
Impotente diante do seu fascínio assisto rendido, ela beijar minha boca com os olhos bem
abertos, assistindo minha derrota, me desafiando a pará-la.
Mas não consigo me mover.
Nem quando sua mão abaixa por meu peito e para em frente a minha calça, acariciando
meu pau muito duro e é minha vez de gemer e fechar os olhos.
Ariella desliza os lábios por meu queixo até chegar ao meu ouvido.
— Eu ainda me lembro como foi ter você dentro de mim, você lembra? Você também se
toca pensando nisso? Goza pensando em como foi me sentir? Porque eu gozo tão forte com este
pensamento, eu enfio meus dedos bem fundo em mim e gemo seu nome... Piero... E estou tão
molhada agora só de imaginar você me fodendo de novo...
Eu rosno e seguro sua mão, lutando com todas as minhas forças para não levá-la para o
carro e fodê-la como ela está implorando.
Inferno.
— Você está bêbada, Ariella!
Ela ri debilmente.
— Estou, mas estou com tesão... E você também. Por que não, Piero? — Ela me beija de
novo. — Vai ser nosso segredinho, não vou contar a ninguém. Você pode me foder do jeito que
quiser, eu posso chupar seu pau e...
— Já chega!
Eu a pego no colo, a tirando da fonte, xingando todos os palavrões que consigo e a jogo
no carro, dando a volta, sentando no banco do motorista e dando partida.
Não ouso olhar para ela, porque estou furioso.
E com tesão.
Porra.
Bato no volante, aumentando a velocidade, até existir apenas a estrada escura à minha
frente.
Mais calmo, me permito olhar para Ariella e ela está encolhida no banco com um olhar
desolado que me corta o coração.
— Você está bem?
— Não. — Começa a chorar.
— Ariella, porra, eu não gosto de ver você assim.
Ela funga.
— Está bravo comigo, não é?
— Sempre. E por que eu acho que gosta disso?
— Só queria que gostasse de mim.
— Sabe que eu gosto de você, para de chorar.
— Posso deitar no seu ombro?
— Vem aqui. — Estendo a mão e ela segura e deita a cabeça no meu ombro, toda
encolhida, enquanto o choro vai passando e se acalma.
Eu me acalmo.
E de repente parece tão certo estar ali. Com ela.
Mas sei que é uma ilusão.

Chegamos a Milão algumas horas depois e carrego Ariella até seu quarto, adormecida.
Eu a coloco na cama e a cubro, mas ela segura minha mão quando vou me afastar.
— Fica comigo um pouco.
Eu deveria sair dali, mas me vejo deitando ao seu lado.
Eu me rendendo ao seu pedido e a minha própria necessidade de estar ao seu lado. E
naquele momento escuro da madrugada, escondido do mundo, ouso puxá-la pra mim e passar
meu braço em volta do seu corpo que parece se encaixar tão bem no meu, ainda que seja assim,
na calmaria do sono.
Inesperadamente me sinto em paz.
E de novo sou assaltado pela sensação de que algo tão bom não deveria ser tão errado.

Porém, quando acordo na cama de Ariella na manhã seguinte, a ressaca moral bate com
força.
Que merda estou fazendo?
Ela continua profundamente adormecida e eu me desvencilho devagar.
Ainda me permito observá-la.
Ariella parece inofensiva assim, com os lábios entreabertos no sono, retiro um fio de
cabelo do seu rosto, sentindo aquele misto de amor e arrependimento.
Eu queria amá-la como é permitido.
Como ainda amo. E não com este amor faminto, ganancioso, violento que começa a se
alastrar por meu sistema e atordoar minha mente, me desviando do caminho correto que escolhi.
Em silêncio, saio do quarto.
Deixando para trás toda a insensatez da noite anterior.
À luz do dia, meus momentos roubados com Ariella parecem o mais vergonhoso pecado.
Ainda mais quando me arrumo e desço as escadas para encontrar Violet sorridente e às
voltas com os preparativos do casamento.
— Finalmente acordou! Já passa das duas da tarde, Piero!
— Me desculpe, cheguei tarde ontem de Roma.
— E como foi?
— Muito bem.
— Você parece cansado, estranho. — Ela me estuda com um olhar que me parece
desconfiança.
E me sinto culpado.
E eu me pergunto o que acontecerá se eu contar tudo a Violet.
Todos os meus pecados mais secretos envolvendo Ariella De Vere.
De repente, tudo o que eu mais quero é me livrar daquele peso.
E se livrar de Violet no processo? A voz perigosa sussurra em meu íntimo. É isso que
quero? Acabar com os planos de casamento?
Eu não sei.
Inferno, eu não sei.
Na verdade, eu sei que deveria ir em frente, mas o que fazer com aquela voz que começa
a ficar cada vez mais alta dentro de mim, gritando que estou me livrando de um erro me enfiando
em outro?
— Eu tenho que ir para a De Vere — desconverso.
Preciso sair dali.
— Claro. Antecipe todo o trabalho porque amanhã estaremos indo viajar em lua de mel.
Ela sorri e não consigo sorrir de volta antes de me despedir e sair, fugindo de Violet e das
vozes da minha cabeça.

— Você não se esqueceu da reunião que tem agora às 15h, não é? — minha assistente
avisa quando chego à empresa.
— Reunião? Não, não me lembro de nada. Não havia nada marcado hoje.
— Tem sim. — Damiano aparece na porta do escritório. — Sobre aquela possível nova
loja, não lembra? Vamos encontrar o arquiteto no local. Inclusive eu estarei junto.
— Certo, então vamos. — Eu ainda não me recordo de nada, mas acompanho Damiano
para fora.
— Parece atordoado — Damiano diz quando entramos no carro e o motorista dá partida.
— Muitas coisas... — Passo os dedos pelos cabelos.
— Casamento e tudo o mais, está ansioso?
— Prefiro falar sobre trabalho, Damiano. E não me recordo dessa reunião, mas se puder
me atualizar.
Damiano ri.
— Me desculpe, Piero, mas não tem reunião nenhuma. Foi apenas uma desculpa para te
tirar do escritório.
— O quê?
— Para sua despedida de solteiro.
Puta merda.
— Despedida?
— Sim, era uma surpresa.
De repente o carro para em frente a um casarão que eu conheço bem.
É a casa onde meu tio Santino organiza suas festinhas secretas.
Puta que pariu!
Eu me enfureço, mas saio do carro, não acreditando no que estou vendo.
— Querido sobrinho, bem-vindo!
Santino aparece na porta da casa.
— Estou animado, Santino. — Damiano aparece atrás de mim. — Há boatos que suas
festas são as melhores.
— Sim, Damiano, espero que você se divirta. Só o melhor para meus amigos. — Ele faz
um sinal para Damiano entrar e eu vejo uma moça bonita usando trajes mínimos o recebendo.
— O que é isso, Santino? — Rosno irritado.
— Oras! Uma festa de despedida de solteiro. Um presente, claro. Ou pode entender como
um pedido de paz entre nós. Somos família, já chega de desavenças.
— Que merda pretende com isso?
— É desconfiado demais, Piero. Apenas entre e se divirta, olha só, mais um amigo
chegando!
Eu hesito, querendo mandar Santino e sua festa para o inferno, mas respiro fundo e entro
na casa.
Tento não me recordar daquela noite perdida no tempo.
Agora há mesas espalhadas. Um palco em um canto e lindas mulheres em trajes mínimos
servindo bebidas e charutos.
Eu sou cumprimentado por conhecidos, animados com a festa e tento sorrir.
Talvez não seja tão ruim.
Beber e esquecer a merda que está minha vida.
Esquecer que amanhã estarei me casando na ânsia de virar uma página da minha vida que
insiste em não ser fechada. Mas é preciso.
Preciso ir em frente.
Para o bem da minha sanidade mental.
Para o bem de Ariella, embora ela não faça ideia.
Damiano parece animado ao meu lado e acho que ele já está bêbado enquanto dá um tapa
na bunda da garçonete que ri.
— Não está muito animado para quem tem uma namorada? — indago irritado.
Eu não gosto de saber que Ariella está com Damiano, mas saber que ele age assim às suas
costas me deixa mais furioso ainda.
— Ariella? — Ele ri.
— E quem mais?
— Não somos namorados. Claro, estamos saindo, mas ela não está liberando pra mim.
Acho que estou ficando de saco cheio.
Eu me enfureço com sua postura, mas ao mesmo tempo não deixo de sentir alívio, por
saber que o caso de Ariella e Damiano não é sério.
— Estou sacando que Ariella é uma provocadora. Acho que Marcella tem razão, ela só
quer brincar comigo, parece que é isso que ela faz com os homens, os envolvem até tê-los a seus
pés, malucos e depois pula fora... Olha só, acho que teremos um show. — Ele chama minha
atenção quando as luzes se apagam.
— Finalmente a parte boa. — Damiano assobia e aplaude.
De repente apenas um facho incide sobre o palco à frente e avistamos uma figura
feminina de costas. A batida da música sensual começa e a luz aumenta e eu noto que ela veste
uma espécie de uniforme escolar com camisa branca e saia xadrez.
Sinto um arrepio na nuca de horror e descrença, mas no instante seguinte, a música
aumenta e a garota se vira, dançando sensualmente.
Ariella De Vere está ali.
Sorrindo em desafio como fez ontem enquanto se move ao som da música e dos assovios
dos homens ao redor, seduzidos.
Ela leva a mão à blusa, desabotoando. Seus seios surgem para a apreciação geral e ela
anda sensualmente e aponta pra mim.
— Esse show é pra você, Piero. Aprecie... vai ser a única chance que vai ter.
— Meu Deus, é Ariella? — Damiano sussurra embasbacado.
Porra.
Sim, Ariella passou de todos os limites.
De novo.
Dezenove

Ariella

Escuto os vozerios masculinos num coro de excitação, misturados com assobios e


palavras cheias de malícias gritadas em minha direção e meu sorriso aumenta.
Imagino que a maioria dos homens que agora aprecia o show não se deu conta de que
quem está ali movendo o corpo sensualmente ao som de batidas da música com os dedos
erguendo a saia de uniforme e os seios à mostra é a herdeira De Vere.
Mas pouco me importo com todos os olhares masculinos que me assistem e me desejam
agora.
Meu olhar está preso nele.
No meu tutor.
Piero Salvatore.
Ele está petrificado no lugar, os olhos fixos em mim numa mistura de incredulidade,
fúria... e desejo.
Ah sim.
Odeie a audácia da minha pequena exibição, Piero, mas eu sei que no fundo, você não é
diferente de todos os homens aqui.
Eu o coloquei num pedestal. No lugar mais alto da minha apreciação, para adorar e
venerar.
Cobiçar.
Mas nunca deixei de ser uma menina pequena demais para alcançá-lo.
Amanhã, neste mesmo horário, ele estará se casando.
Outra mulher o pegou para si.
A dor atravessa as várias camadas de raiva e ressentimento que tinham me trazido aqui
hoje.
Mas respiro fundo ignorando a vontade de chorar e coloco toda minha frustração nos
passos sensuais que hipnotiza a plateia.
Mergulho no chão, abrindo minhas pernas e me arrasto sensualmente, os gritos
aumentam.
Eu me ajoelho, deslizando a mão por meu corpo, um olhar de prazer em meu rosto,
quando enfio a mão abaixo da saia e de novo encaro o meu algoz.
Meu tutor.
Isso é por todas as vezes que ele pisoteou no meu amor.
Uma despedida em grande estilo.
E pensar que quando acordei naquela manhã, ele estava comigo. Seus braços ao meu
redor. Lembro que por um momento acreditei estar sonhando, mas seu cheiro único invadiu
minhas narinas e eu sentia o calor da mão masculina em meu ventre.
E foi como tocar o céu.
Sorri com meu coração se enchendo de uma alegria desmedida.
Eu não me lembrava de muita coisa da noite anterior. Sei que bebi, o desafiei dançando
nas mesas, enquanto o álcool ia transformando tudo num borrão.
Flashes de nós dois numa fonte. O gosto de seus lábios.
Sua mão segurando a minha enquanto eu me sentia triste como nunca, quando o álcool
começou a deixar meu sangue.
Mas em algum momento, ele tinha decidido ficar.
Me abraçou enquanto eu dormia.
E ainda estava ali.
Comigo.
Meu.
Queria acordá-lo e perguntar o que significava, mas também queria manter aquela
sensação o maior tempo possível. Fechei os olhos e deslizei para o melhor sono do mundo, com
uma esperança que há muito eu não me permitia sentir.
Porém, quando acordei novamente, estava sozinha.
Eu me senti confusa e com medo, mas não conseguia abandonar a ideia de que algo havia
mudado.
Eu me arrumei e desci atrás de Piero, e encontrei Violet na sala com um homem inglês
que ela me apresentou como Killian St. Clair.
Franzi o olhar, me perguntando onde tinha ouvido aquele nome, enquanto o homem
muito sério me cumprimentava de forma educada. Ele era bonito, notei. O cabelo castanho
precisava de um corte, e sua barba lhe dava um ar selvagem, embora se vestisse com a classe do
dinheiro antigo.
— Eu acho que te conheço?
— Acredito que não.
— Killian é professor universitário em Durham e, claro, sua família tem várias fazendas e
eles criam cavalos, que é sua paixão, ele que me ensinou a montar, lembra? Eu e Killian somos
amigos de infância, uma pena que Ariana não esteja mais aqui entre nós...
O homem pareceu incomodado com a menção da tal Ariana e Violet tocou seu braço com
um olhar de desculpas.
— Oh, perdão, não deveria ter tocado no nome dela.
— Quem é Ariana? — indago confusa.
— Killian é viúvo, era a esposa dele.
— Sinto muito. — Eu me vi dizendo e de repente lembrei onde tinha ouvido seu nome.
— Você é irmão de George St. Clair!
— Conhece meu irmão?
— Sim, ele namora uma amiga da escola.
Seu rosto se transforma de novo, desta vez em certo desgosto.
— É amiga de Georgina Beauchamp — ele falou o nome da minha amiga como se ela
fosse um inseto que ele gostaria de pisar e não gostei nada, mas me lembrei que Georgina sempre
comentava que o irmão mais velho de George era intratável e não gostava dela.
Bem, agora eu não gostava dele também.
O que se podia esperar de uma pessoa que era amiga de Violet?
— Sim, Georgina é minha amiga, mas o que faz aqui?
— Ele veio para o casamento, claro.
A menção da palavra casamento embrulhou meu estômago. Eu olhei em volta e a casa
estava cheia de gente andando de lá pra cá organizando a decoração da festa.
— Que pergunta idiota! — Violet riu. — Ou esqueceu que amanhã eu e Piero estaremos
nos casando? Aliás, você anda bem ocupada e não tivemos tempo de conversar sobre a sua
mudança.
— Mudança? — Eu ainda estava meio tonta.
Porque me dei conta de que desde que acordei com Piero, eu me permiti acreditar que a
situação havia mudado.
Que Piero de alguma maneira poderia ter desistido daquele casamento ridículo.
Ah meu Deus, como fui idiota.
— Sim, sua mudança, eu e Piero estaremos em lua de mel, não queremos ninguém aqui,
nos atrapalhando. Você deve se mudar o mais rápido possível, assim que voltarmos de viagem,
não quero te ver aqui.
Por um momento, ensaiei levantar a mão e agredir Violet e seu sorriso de superioridade,
mas o que ia adiantar desfigurar a cara daquela nojenta? No fundo, preferia agredir Piero e sua
falta de consideração comigo.
Então eu não falei nada, apenas dei meia-volta e subi para meu quarto.
Comecei a fazer minhas malas como um autômato, ignorando o nó na minha garganta e o
rancor que começava a se espalhar como veneno no meu sistema.
Até que meu celular vibrou e vi o nome de Santino brilhando no visor.
Eu me lembrei de Piero pedindo que eu não me aproximasse do tio.
Que se foda.
— Olá, Santino.
— Caríssima, como está?
— Já estive melhor.
— Não parece de bom humor. Por acaso isso tem a ver com um casamento que se
realizará amanhã?
— Não é meu assunto preferido do momento.
— Eu sinto muito, querida. Mas meu sobrinho nem sempre toma as melhores decisões...
Ainda assim, é meu sobrinho, não é? Piero não está feliz comigo, ainda por causa do que
aconteceu há quatro anos, mas estou tentando fazer as pazes, tanto que estou lhe dando uma
festa de despedida de solteiro hoje.
— O quê?
Então Piero estava se refestelando com vadias numa festinha?
Senti meu estômago embrulhando de ódio.
— Bem, uma menina como você talvez não esteja familiarizada com este estilo de festa.
— Eu sei sim o que rola nessas festas. Com strippers e tudo o mais...
Ele riu com vontade.
— Exatamente.
Uma ideia temerária se formou em minha mente.
— Santino, você ainda quer me ajudar?
— Claro que sim, minha cara. O que quiser.
Então, eu lhe disse o que pretendia.

E aqui estou eu, vestida como a colegial que fui há pouco tempo, com a saia que Piero
odiava, me despedindo em grande estilo do meu tutor.
De repente a música termina sob gritos e dinheiros sendo jogados no palco. Eu fecho
minha blusa com um sorriso vitorioso no meu rosto suado.
Piero finalmente parece sair do estupor e se levanta.
Eu me viro e corro. Um segurança de Santino está na porta da sala.
— Me tira daqui?
O homem não hesita em segurar meu braço e se embrenhar comigo pelos corredores da
mansão até chegar a uma cozinha e por fim na saída do fundo. Ele pede um carro pelo fone e em
segundos o veículo estaciona. Respiro aliviada quando consigo me safar.
Mas sei que Piero não vai me deixar escapar. E estou contando com isso.
Acho que chegou a hora do nosso confronto final.
Ainda estou energizada pela adrenalina de meu pequeno ato de insanidade quando entro
na casa de Piero abarrotada de funcionários carregando flores e decorações. Violet me encara
com horror quando passo por ela e vou até o bar.
— Que roupas são essas?
— Gostou? É como meu uniforme de escola. — Eu pego um copo e sirvo whisky.
— E por que está vestida assim?
— Eu fiz um pequeno show...
Sorrio, enquanto tomo a bebida que desce queimando por minha garganta. E antes que
Violet possa falar mais alguma coisa, Piero irrompe na sala como se mil demônios o
perseguissem, a expressão furiosa e os olhos em chamas.
— Olá, Piero, algum problema?
— Você é meu problema, Ariella! Agora passou de todos os limites!
— Ah é?
— O que está acontecendo, Piero? O que Ariella fez? — Violet indaga.
— Isso, conta pra Violet o que eu fiz, por que está bravo?
— Piero? — Violet insiste.
Mas Piero apenas respira forte como se tivesse corrido uma maratona, suas narinas
inflamadas e os punhos fechados, como se preparando para uma luta de vida e morte.
Bem, eu também estou.
Levanto o queixo com um riso de desafio.
— Piero está bravo comigo porque aprontei um pequeno show no sua festinha.
— Que festinha?
— Oh, Violet não sabia da despedida de solteiro?
— Piero, o que está acontecendo?
— Sai daqui, Violet.
— Mas...
— Agora! Tenho um assunto para acertar com Ariella.
Violet ainda hesita, mas sai da sala.
— Poxa, queria contar pra Violet como tio Santino foi legal lhe dando uma festinha
surpresa!
— Não fale o nome deste crápula...
— Está bravo com tio Santino, então? Bem, a ideia foi minha não dele. — Meu sorriso se
alarga enquanto eu me aproximo e paro a sua frente. — Me diga, se divertiu? Não foi
inesquecível sua despedida do mundo dos solteiros? Não foi demais seus amigos gritando
elogios sujos quando viram meus seios? Eu não deveria ter fugido, devia ter ficado e deixado que
todos eles provassem de mim...
— É isso que queria? Se exibir para todo mundo desse jeito?
— Não. Eu queria enfurecer você. — Ergo meu queixo. — E consegui... — Levo o copo
à boca, mas Piero segura meu pulso. O copo espatifa no chão entre nós, enquanto ele me puxa
pela sala até que estejamos em seu escritório e fecha a porta atrás de nós com um estrondo, me
jogando contra a estante e segurando meu queixo com força.
Ofego, não de susto, mas de raiva que eu estava escondendo sob meu sarcasmo.
— Que porra estava pensando? Era isso que queria? Quer me ver perder o controle, não
é?
— Eu quero que seja real comigo! Se é este o verdadeiro Piero, que seja!
— Tudo o que eu fiz foi pra proteger você, porra! — Seus dedos se infiltram no meu
cabelo, puxando com raiva, enquanto ele grita no meu rosto. — Mas estou farto, Ariella. Estou
de saco cheio de aturar suas provocações. De manter o controle sobre minhas vontades para
proteger você! Já chega!
Eu ofego quando ele aperta os dedos no meu queixo a ponto de doer.
Mas não recuo.
Sustento seu olhar quando ele finalmente faz o que prometeu.
Ele perde o controle.
Sem aviso, infiltra a mão embaixo da minha saia e os dedos na minha calcinha.
Solto um grito de susto e prazer, quando seu toque áspero esfrega meu clitóris, que lateja
e pulsa, desperto, e Piero tapa minha boca.
— Shi... Você quer o verdadeiro Piero? — Ele vai além e mergulha dois dedos dentro de
mim.
Solto um som abafado sob seus dedos, meu corpo tremendo inteiro quando ele curva os
dedos dentro de mim, atingindo um ponto perfeito para fazer as pontas dos meus dedos se
curvarem.
— Ver minha fúria? — Piero finalmente retira a mão da minha boca e rosna em meus
lábios e mal consigo respirar, uma onda violenta de prazer atravessa meu corpo, do último fio de
cabelo à boceta. — Quer me ver sendo mal com você? — insiste.
Fecho os olhos, enfraquecendo sob seu ataque, recebendo suas palavras raivosas como
carícias enquanto ele me devassa por dentro.
— Abre a porra dos olhos e responde — exige e eu faço o que pediu. Mergulho o olhar
no dele, ofegando e tremendo, meus quadris se movendo gulosamente contra seus dedos.
— Porra, sim... — murmuro e Piero solta um grunhido, e colide os lábios nos meus
tirando os dedos de mim e enfiando nos meus cabelos para me manter no lugar.
Eu recebo sua língua com a mesma avidez. E em segundos estamos nos atracando como
se nossas vidas dependessem disso. Suspiro e gemo, jogando a cabeça para trás, quando ele
interrompe o beijo para deslizar os lábios por meu rosto, mordendo meu queixo, chupando meu
pescoço e me deixando de perna bamba. Seus quadris se esfregando nos meus e mostrando o
quanto está excitado e isso me deixa mais maluca ainda.
Minha nossa, eu preciso dele dentro de mim. Estamos naquelas malditas preliminares há
quatro anos e só quero que ele me foda e acabe com aquela espera.
Ele se afasta para rasgar minha blusa, os botões voando pela sala e mergulha o rosto nos
meus seios, aspirando como um drogado.
Enfio os dedos em seus cabelos, quando ele abocanha um mamilo, chupando forte.
— Por favor... — sussurro, perdida naquele desvario.
— Por favor o quê? — Ele sobe de novo, me beijando, mordendo meu lábio inferior e
enfiando os dedos na minha calcinha de novo.
— Sim, isso... — gemo quase gozando. — Mais forte. — Coloco minhas próprias mãos
sobre as suas, exigindo mais pressão, mas ele me dá um tapa.
— Não, sou eu quem manda aqui... — rosna, mas não tira o dedo de mim, me acaricia
perversamente e abre um sorriso cruel que nunca vi e enfia o dedo na minha boca.
Eu chupo forte e ele geme.
— Você quer gozar com meus dedos? Ou me pau?
— Eu quero tudo...
— Porra... — Ele me beija devorando meus gemidos enquanto me gira num movimento
ágil.
E me vejo de costas pra ele enquanto sou inclinada sobre a mesa de carvalho e Piero
levanta minha saia me dando um sonoro tapa antes de rasgar minha calcinha e enfiar os dedos
em mim por trás.
— Eu vou foder você, Ariella, é isso que quer?
— Sim...
Meu Deus sim.
Eu nem sei há quanto tempo espero por isso.
Do jeito que for. Não importa. É ele.
Sempre foi ele...
E escuto o barulho da calça e cinto abrindo. Meu coração bate descompassado contra as
costelas nos segundos que espero e em seguida, Piero enrola meu cabelo em seu pulso com uma
mão e a outra segura meu quadril no lugar e sinto seu pau deslizando para dentro de mim.
Nós dois gememos e ele me fode sem piedade, entrando e saindo, o barulho de carne
contra carne enchendo o ambiente enquanto grunhidos abafados saem de nossos lábios.
O prazer atravessa meu corpo em pequenos choques elétricos que começam onde ele me
preenche e se espalha por toda minha pele, esquentando a um ponto que posso explodir de calor.
Então, de repente ele sai de mim e solto um som de decepção, mas em seguida, sou
girada e Piero me senta na mesa, de frente pra ele e abre minhas coxas, se colocando no meio
delas e o pau grosso pressiona entre minhas pernas.
— Quero olhar pra você. — E ele me penetra assim.
Os dentes voltam a atacar minha garganta e meu queixo, sua saliva quente molhando
minha pele, enquanto ele bate os quadris nos meus com força, me fodendo cada vez mais rápido
e eu me seguro em seus ombros, o fodendo de volta e perseguindo meu clímax.
E meus gritos ficam mais altos, nossos movimentos mais erráticos, frenéticos e Piero
ofega em meu ouvido, até que ele tensiona e aperta meus quadris com força, gozando dentro de
mim e é o que basta para que eu desmanche também, as ondas de prazer trepidando meu corpo
por segundos sublimes em que gozamos juntos depois de quatro malditos anos.
Eu me agarro a ele, me negando a soltá-lo, quando o prazer se vai deixando no lugar o
caos das minhas emoções.
Estou feliz porque finalmente ele está dentro de mim.
Estou triste porque Piero me fodeu com ódio e eu já antevejo o final dessa história.
E estou com raiva de mim mesma por ainda querer que o desfecho seja diferente do que
sempre é.
Mas como vindo de muito longe escuto vozes alteradas.
Abro os olhos. E sinto que Piero está me soltando.
Quase choro de decepção, relutando em acabar aquele interlúdio.
Mas as vozes ficam mais altas. Alguém bate à porta.
— Piero, abra essa porta!
É Marcella?
Escuto a voz de Violet abafada agora e não entendo.
Piero está fechando a calça.
Eu pulo da mesa, aturdida e abaixo minha saia e fecho minha blusa.
As vozes vão se afastando, mas a discussão ainda continua em algum lugar. Piero me
examina por segundos, provavelmente para se certificar que estou vestida, antes de passar por
mim.
Penso em continuar ali. Sinto minhas forças sendo drenadas subitamente.
Mas Piero abre a porta e continuo ouvindo os gritos.
Atordoada, saio do escritório e sigo Piero.
Quando chegamos à sala, os Salvatore estão lá.
Santino, Luigi e Marcella, e até mesmo Donatella.
E Damiano também está ali e ele tenta segurar Marcella que está gritando com Violet.
— Você me dá nojo! Ouviu o que acabei de dizer? Vai querer se casar com ele mesmo
assim?
— O que está acontecendo? — Piero questiona.
— Olha só quem está aqui, a herdeira e o tutor. — Marcella se vira para nós. — Ou seria
o tutor e sua amante?
Empalideço ao ouvir a acusação de Marcella, que ri ao ver que me atingiu.
— Oh... Falei demais? Pois eu já falei tudo o que sei! — Desafia, se soltando de Damiano
que me encara com nojo.
Luigi segura a mão da avó que está pálida, como se não entendesse nada. Santino está
muito calmo quando se aproxima da filha.
— Marcella, controle-se. Já deu o show que queria dar...
— Pois eu nem comecei!
— Que merda está fazendo, Marcella? — Piero insiste.
— Eu vim contar a sua noiva, o filho da puta que você é! Sim, eu descobri o seu
segredinho sujo. Que você fode sua protegida. — Ela ri. — E eu fiz questão de trazer toda a
família e expor a sujeira que vem escondendo por anos!
— Você não sabe o que está falando...
— Eu sei sim, eu vi vocês. Vi ela te beijando e dançando pra você lá em Roma. Segui
vocês e os vi naquela cena romântica na fonte... E o que dizer do showzinho que o Damiano me
contou que ela fez na sua despedida de solteiro? — Ela vem até mim. — Sempre soube que era
uma vagabunda como sua mãe. É um traço das De Vere!
— Cala sua maldita boca, Marcella — sibilo.
— Claro que é verdade! E aposto que isso vem acontecendo há anos!
— Marcella, já chega! — É Violet quem exige.
Estou petrificada no lugar, sem saber como reagir àquela exposição.
Todos os olhares dos Salvatore estão em nós, acusadores.
E me sinto inesperadamente mal.
Porque Piero está sendo exposto como um vilão quando tudo o que ele fez foi fugir
daquela atração proibida que nos une.
— Isso é verdade, Piero? — Donatella questiona. — Você é o tutor da Ariella! Minha
nossa...
— Claro que é! Acha que não gravei tudo? Pois quem tem o poder agora? — Marcella ri
na minha cara.
— O que você quer, Marcella? — Sufoco a vontade de quebrar sua cara, porque Marcella
já provou que é insana quando se trata de manter seus interesses intactos. E ela pode estar feliz
em expor a mim e Piero, mas não é só escândalo que ela quer.
— Eu não vou deixar dois sórdidos como vocês se safarem! Mas eu posso ser legal e
lembrar que somos família, e manter o segredinho de vocês longe dos holofotes, se Piero retirar
minha demissão e me colocar como a próxima diretora criativa.
Eu abro a boca para concordar.
Que se foda.
Não vou deixar aquela maluca destruir a reputação de Piero ou prejudicar nossos
negócios.
Mas antes que eu prossiga, Piero se coloca na minha frente.
— Não.
— O quê? — eu e Marcella falamos ao mesmo tempo.
— Já chega, Marcella.
— Piero, está maluco? Vai deixar essa menina nos destruir? — É Violet quem fala agora,
indignada.
Piero a encara.
— Sinto muito, Violet. — E sei que ele está pedindo desculpas pelo segredo que manteve
escondido dela, porque não faz ideia que Violet sempre soube.
E não dava a mínima.
— Não seja idiota, Piero. Acha que me importo com seu segredinho sujo com a Ariella?
Eu já percebi faz tempo.
Piero fica chocado.
— Você sabia?
— Sim, eu sabia. Mas eu sei que foi algo isolado, um erro. E que por mais que essa
menina seja apaixonada por você, e por mais que tente, você nunca vai ceder a esse erro de
novo...
— Não — Piero a interrompe.
— Não?...
— Não foi um erro isolado, Violet. De fato, foi um erro há quatro anos. — Piero olha em
direção a Santino. — Eu me envolvi com Ariella uma vez sem saber que era ela, e me martirizei
por todos esses anos. Por sua culpa e dos seus jogos sórdidos! — acusa.
— Espere aí, sobrinho, eu não forcei nada, sabe bem...
— Você é um homem nojento e sabe disso. Ariella era só uma menina e você a
manipulou...
— Eu nunca fui forçada a nada! — rebato. — Eu fui até aquele clube e enganei Piero
porque eu era apaixonada por ele! — confesso. — Eu sempre fui apaixonada por ele e ainda sou!
E sim, Violet, tentei fazer Piero me amar por todos esses anos, eu morri a cada dia que ele me
rejeitava porque era o que sua moral pedia! E foi sim, um erro isolado, desde que Piero se tornou
meu tutor, ele se manteve longe de mim.
— E o que vi em Roma é o quê? — Marcella desdenha.
— Piero... o que aconteceu em Roma? — Violet indaga, parecendo finalmente se dar
conta.
— Eu disse que sinto muito... — O olhar de culpa de Piero diz muito.
— Certo, tudo bem. Eu posso entender, ainda podemos passar por cima disso, nós vamos
nos casar amanhã.
— Não vamos mais nos casar, Violet.
Desta vez eu prendo a respiração, em choque.
— Como não vamos nos casar?
— Porque percebi que seria um erro. E eu já cometi muitos erros, Violet. Acabou.
— Não pode fazer isso!
— Eu já fiz.
— Por quê? Por causa dessa menina?
De repente Piero está segurando minha mão e eu ainda estou em choque.
— Sim, por causa de Ariella. Eu cansei de lutar contra o que sinto. — Ele se vira para a
família. — Sinto muito, mas as coisas que acontecem entre mim e Ariella só diz respeito a nós.
Não devo satisfação a ninguém. E Santino, mantenha sua filha de boca fechada, porque se ela
prejudicar a De Vere ou Ariella, acabarei com ela pessoalmente. E acho que você também tem
interesse em manter a De Vere a salvo, não?
Santino não parece satisfeito, mas assente, como se estivesse recalculando uma rota.
E em seguida, me vejo sendo puxada para fora da casa e colocada dentro do carro de
Piero que finalmente me encara.
— O que foi isso?
— Você venceu, Ariella.
— Venci?
Ele sorri e eu me vejo prendendo a respiração quando ele segura meu rosto.
— Eu te amo.
Arregalo os olhos, achando ter ouvido errado.
— Me ama?
— Sim, eu te amo pra cacete! — Ele me beija e eu começo a chorar.
Piero me ama.
Me ama, porra.
Finalmente!
Vinte

Ariella
Piero dirige por horas, ou poderia ser minutos. Ou dias.
Não sei.
Perdi a noção da contagem do tempo desde que ele disse que me ama.
De repente é como se eu estivesse em outro mundo. Outra dimensão onde nada mais
existe a não ser Piero repetindo como um looping em minha cabeça as palavras que sonho ouvir
há tanto tempo que nem lembro.
No momento em que Piero me soltou e deu partida no carro, e nos afastamos da casa
onde seus familiares, e agora ex-noiva, estavam reunidos para aquele terrível ápice, eu nem
cogitei perguntar onde estávamos indo, não me interessava.
Eu estava com Piero.
Parece que estou num sonho onírico. Milão e a realidade que vivi até agora ficando para
trás e a estrada que não sei para onde vai nos levar à frente.
É quase como se fosse uma metáfora da realidade que vivemos.
O passado ficou para trás e o futuro é incerto, porém repleto de infinitas possibilidades.
E quando finalmente chegamos a uma casa nas montanhas, reconheço Bormios.
Piero estaciona em frente a casa e saímos do carro.
Ele não diz nada quando segura minha mão e me leva para dentro.
Eu olho em volta, ainda meio atordoada. A casa parece pronta, como se alguém estivesse
preparado tudo para a chegada dos hóspedes.
— Lembra daqui?
— Vagamente.
— Acho que você esteve aqui apenas umas duas vezes, quando criança.
— É esquisito estar aqui, é o último lugar em que nossos pais estiveram.
Piero assente.
— Por que me trouxe aqui?
— Eu só queria que nos afastássemos o mais longe possível de Milão e a bagunça que
deixamos para trás.
— Parece que a casa estava nos esperando chegar.
— Porque eu e Violet viríamos para cá em lua de mel.
— Oh... — Eu mordo os lábios sentindo o estranhamento da situação.
Caramba, Piero ia se casar com Violet em menos de 24 horas.
Eles estariam aqui, em breve, em lua de mel.
E agora nada disso vai acontecer.
Meu coração dá um salto no peito ao me dar conta daquela nova realidade de novo e de
repente quero falar tantas coisas, perguntar tantas coisas, mas também quero que Piero me beije e
me faça esquecer o mundo que deixamos para trás e que provavelmente nos será hostil.
Pensar nas implicações do que Piero fez me faz estremecer de um certo medo que não
consigo evitar.
Eu quis tanto que ele fizesse exatamente o que fez hoje.
Mas qual o preço?
Podemos nos amar independente do que o mundo pensa de nós?
Nunca me importei com a opinião alheia.
Mas me preocupo com Piero.
Parece irônico que justamente agora eu pense dessa maneira.
— O que está pensando? — Piero se aproxima.
Meu Deus, ele é lindo.
E é meu.
É meu?
Ainda parece extraordinário demais para acreditar.
— Não vai mesmo se casar com a Violet?
Ele sorri.
— Não.
Eu suspiro, quase com alívio.
— E vai ficar comigo?
— Sim.
Seu sorriso se alarga como se fosse muito engraçado minhas dúvidas.
— E me ama de verdade?
Seus dedos enquadram meu rosto.
— Muito.
— Como?
— Com um pouco de raiva porque você me deixa louco.
— Você me ama com loucura?
— Com tudo o que eu sou. Com tudo o que eu tenho. A parte boa, a parte ruim. Com
todo meu coração e com meu corpo.
— Que lugar do seu corpo me ama mais?
— Meu pau.
Nós rimos, e pensar que esse tipo de conversa parecia tão errado há apenas algumas horas
e de repente cá estamos nós. Falando de como o pau de Piero me ama.
Meu Deus, se for um sonho que não me acorde.
Fecho os olhos, suspirando e sorrindo e recebendo seus lábios que provam os meus como
se tivesse todo o tempo do mundo.
E acho que nós temos mesmo.
Eu me agarro a sua camisa, devorando sua boca sem a mesma paciência que ele, que ri
contra meus lábios.
— Droga, Piero, você me deve tantas explicações...
— Agora? — Ele introduz a mão dentro da minha blusa e segura meus seios com ares de
dono. — Porque eu prefiro foder você.
— Você já me fodeu lá no seu escritório... — Fecho os olhos, me arrepiando quando ele
morde meu queixo enquanto minha camisa desaparece em algum lugar do chão.
— Eu estava com raiva.
— Acho que gostei da sua raiva.
Ele ri, os lábios na minha clavícula, a língua fazendo um caminho úmido pela minha pele
em direção ao meu peito e eu enfio os dedos nos seus cabelos, suspirando e enfraquecendo
rapidamente.
Ele abocanha meu seio e solto um longo gemido, adorando quando ele faz o mesmo com
meu outro mamilo e desce mais além, se ajoelhando na minha frente.
Engulo em seco ao entender qual sua intenção, a tensão entre minhas coxas explodindo
num pulsar urgente e ansioso quando ele levanta minha saia e noto seu olhar escurecer de puro
desejo quando percebe que ainda estou sem calcinha depois da nossa transa no escritório.
Ele prende o olhar no meu e nós dois estamos ofegantes e excitados na mesma
intensidade.
— Eu já te fodi com raiva. Agora vou te foder com minha língua para te pedir desculpas.
Sacudo a cabeça em afirmativa.
Ah sim. Tudo o que quiser.
— E depois vou te levar pra cama, Ariella, e vou te foder com amor.
E então, ele enfia o rosto entre minhas pernas e me fode com sua língua como prometeu.
Puta merda.
Solto um grito abafado, puxando seus cabelos e colocando uma perna sobre seus ombros,
para me manter em pé, enquanto ele devasta minha boceta com sua língua, seus dentes e saliva.
Meus pulmões estão a ponto de explodir e arquejo e sofro em busca de ar, minha mente
rodando. Meu rosto vermelho de calor que se espalha por toda minha pele que está elétrica com
sucessivos choques que começam onde ele me acaricia e se espalha por todos os meus poros.
Meu ventre está a ponto de colapsar quando Piero enfia dois dedos em mim, aumentando
a tortura e começo a gemer alto e sem controle nenhum dos meus sentidos, movendo os quadris
furiosamente contra sua boca, até que o orgasmo explode me fazendo trepidar, na onda do gozo
mais intenso que já tive na vida com Piero me chupando.
Ah minha nossa.
Acho que morri.
Porque tudo desaparece à minha volta e só volto à Terra quando estou sobre a cama em
um quarto e Piero está se despindo.
Eu me seguro sobre os cotovelos, subitamente desperta. Porque Piero não tem noção de
como é lindo e de como sonhei em vê-lo assim, totalmente nu e excitado na minha frente.
Claro que eu já vi Piero de sunga por aí, mas agora ele tira a cueca e eu consigo ver ele
inteiro em sua glória. Minha boca fica seca e eu sinto minha boceta apertando em agonia, louca
para tê-lo ali, quando ele desenrola um preservativo na ereção em riste e vem pra cima da cama.
Eu levo a mão à saia para tirar, mas Piero já está se adiantando e retirando ele mesmo e
vindo para cima de mim, nu e lindo, nossas peles se roçando sem nada entre nós pela primeira
vez.
Suspiro, quando ele se encaixa entre minhas pernas.
Os dedos se entrelaçam nos meus enquanto me penetra devagar e desta vez, como
prometeu, não tem pressa e nem raiva, só amor.
Piero me possui assim, lentamente, quase com reverência, e me movo com ele no mesmo
ritmo, sentindo meu coração se expandindo daquele sentimento que mal cabe dentro de mim.
— Eu te amo, Piero... Te amo demais... — Soluço, respirando aquele cara que é
absolutamente tudo pra mim.
Ele sorri e encosta a testa na minha.
— Eu sei... porra, eu sei...
E aumenta o ritmo, e nós dois gememos juntos, enquanto o prazer se torna grande demais
para suportar e explodimos num gozo perfeito cheio de amor.
Só amor.
Vinte e Um

Piero

— Piero?
— Hum?
Levanto o olhar e Ariella está sentada na minha frente na bancada da cozinha enquanto
comemos.
— Isso é real?
Sorrio, entendendo o que ela queria dizer.
As últimas horas parecem saídas de uma realidade paralela.
Depois que transamos, Ariella disse que queria me falar algo.
— O que foi? — indaguei preguiçosamente, acariciando seus cabelos, sentindo meus
membros ainda relaxando depois do orgasmo.
E a realidade começando a se infiltrar na minha mente pouco a pouco.
Porra, eu estava na cama com Ariella.
Ela estava nua. Eu estava nu.
Acabamos de foder como dois adultos no cio e pela primeira vez eu não sentia que era
errado.
Cansei de fugir daquele sentimento que já me dominou por inteiro há algum tempo, ainda
que eu tenha lutado contra por anos.
— Sei que temos um monte de coisa pra falar e acho que ainda estou meio atordoada,
mas será que podemos comer? Não comi o dia inteiro.
Eu ri, me levantando da cama e a puxando junto.
Eu lhe dei minha camisa e vesti a calça, descendo para cozinhar pra ela.
Agora Ariella me encara ainda com um olhar de insegurança que deixa meu coração
apertado, porque eu sei que quem plantou aquela insegurança ali fui eu.
Quando sucumbi à raiva e ao desejo e transei com Ariella no meu escritório, eu estava
tomado pela fúria. E nem era só de seu pequeno show que me deixou chocado, e sim porque já
estava farto daquela briga sem fim entre minha razão e a emoção.
E ali, dentro dela, quando finalmente perdi aquela guerra, senti que na verdade, não
importava. Porque pela primeira vez na minha vida eu me sentia... Completo.
Sentia que finalmente era eu.
Que éramos nós.
E percebi que não adianta fugir quando estamos correndo de nós mesmos.
Eu precisava aceitar que meu amor por Ariella fazia parte de mim. Que ela fazia parte de
mim. E que a afastando eu só me afastava de mim mesmo.
E naquele instante, eu me rendi.
Joguei as armas no chão e abracei a loucura que era aquele amor.
Proibido, insensato, maior que o mundo.
Mas meu amor.
Ariella era minha e eu era dela. E estava na hora de aceitar aquela realidade.
Mas antes que eu pudesse sequer começar a pensar em como, Marcella apareceu jogando
a verdade em cima de todos e nos expondo antes que eu tivesse a chance de fazer aquilo direito.
Mas em meio àquele surto, eu soube que chegara a hora.
Foda-se.
Eu sabia que não seria fácil. Que no fundo, por mais que eu aceitasse que não havia outro
caminho a seguir, ainda era errado de muitas maneiras.
Mas não podia mais fugir. A não ser fugir com Ariella, como eu fiz.
Haveria tempo para enfrentar o mundo e para enfrentar os segredos escondidos sob
aquele mundo, mas naquele momento só queria levá-la para qualquer lugar onde estivéssemos
sozinhos e pudéssemos continuar de onde paramos.
— Sim, é real, Ariella. — Sorrio e seguro sua mão.
— E você não está mais bravo comigo por causa da festa de despedida?
— Não estou mais, mas é bom que não toque no assunto, pra eu poder esquecer que todos
meus amigos viram seus peitos.
Ela fica vermelha.
— Me desculpe, eu só queria te provocar.
— Não peça desculpas. Porque eu teria que pedir desculpas por muitas coisas também.
— O que vamos fazer agora?
— Vamos esquecer o passado. Vamos... Começar deste momento.
Ela sorri devagar e eu finalmente consigo vislumbrar em seu rosto a confiança no que
estou prometendo.
— Você não está brincando, não é? Não vai mudar de ideia?
— Nunca. Eu disse, cansei de fugir. Agora não vai se livrar de mim. Não vou a lugar
nenhum. E se eu for, você vai junto.
— Vai ser um escândalo, não é? — Ela parece preocupada.
— Não vamos deixar que seja. Daremos um jeito — garanto. — Ainda com fome?
Ela sacode a cabeça.
— Não, estou satisfeita.
— Certo, vamos lavar essa louça.
— Não gosto de lavar a louça, eu sou uma herdeira sabe.
— Tudo bem, eu posso lavar, mas pelo menos leve o lixo lá fora?
Ela rola os olhos, mas pega o lixo e sai pela porta da cozinha.
Porém, acabo de lavar a louça e ela ainda não voltou.
Preocupado, porque lá fora está frio, saio e a encontro conversando com um Lorenzo, o
dono da casa vizinha.
Sinto um arrepio de contrariedade ver aquele homem.
Ele é o mesmo policial que atendeu a emergência no acidente dos nossos pais.
— Ariella, está frio, deve entrar. — Eu me aproximo de Ariella, mas ela sorri
despreocupada, apesar do frio.
— Estava conversando com o Lorenzo, não me lembrava dele, acho que nunca chegamos
a nos encontrar por aqui. Fiquei animada porque ele disse que conheceu nossos pais...
— Ei, Piero, tudo bem? — Lorenzo me cumprimenta, ignorante a minha apreensão. —
Faz tempo que não te vejo em Bormios. Estava me apresentando a Ariella. Vão ficar por um
tempo? Poderíamos marcar um jantar, minha esposa iria gostar.
— Eu adoraria, quero muito falar sobre meus pais... — Ariella se anima.
— Nós estivemos esquiando juntos algumas vezes e naquela noite do acidente, eu fui o
primeiro a chegar ao local. Meu Deus, que tragédia. Ainda não me conformo, tanto tempo
depois. E ainda mais que pode não ter sido um acidente. Piero, nunca fiquei sabendo o que
aconteceu com o inquérito?
— Vamos entrar Ariella, vai congelar. — Ignorando a pergunta, levo Ariella para dentro,
fechando a porta atrás de nós, torcendo para que ela não tenha entendido as insinuações de
Lorenzo.
Mas Ariella me fita muito pálida.
— O que Lorenzo estava dizendo? Que o acidente que matou meus pais... não foi bem
acidente?
— Esqueça isso, Ariella. Nunca ficou comprovado nada, era apenas uma suspeita...
— Que suspeita?
— Uma bobagem, que nunca foi comprovada e a polícia registrou como acidente.
— Por que eu acho que está mentindo? — Ela não desiste. — O que aconteceu com
meus pais? Com seus pais? Foi... criminoso?
— Ariella, por favor, esqueça isso...
— Não. Você está claramente se esquivando! Meu Deus, o que está me escondendo, a
quem está querendo proteger?
— Você! — exclamo, acuado. — Estou protegendo você. Nada de bom pode vir dessa
história!
— Então é verdade...
— Inferno!
Respiro fundo, lutando contra as lembranças terríveis que venho tentando esquecer há
quatro anos.
A verdade que escondo de Ariella há quatro anos.
— Você precisa me contar... — ela implora.
— Nada vai trazer nossos pais de volta, Ariella.
Ela morde os lábios com força, o rosto transfigurado de angústia.
Eu tento tocá-la, mas ela se esquiva de mim.
— Não! Não acredito que está escondendo um segredo de mim... Se você não quer me
contar, eu vou atrás de quem pode!
— Não...
— Santino! Ele deve saber de algo, não é?
— Não se aproxime de Santino, porra!
— Não pode me impedir de descobrir o que aconteceu com meus pais! — Ela me
empurra e sobe as escadas correndo.
Bato na mesa, furioso.
Que porra aquela verdade perigava vir à tona justo agora?
Eu mantive aquele segredo escondido para o bem de Ariella.
Quando meu pai soprou a verdade por entre seus lábios moribundos, meu mundo inteiro
que já estava no chão terminou de desabar em minhas costas e eu sabia que teria que suportar o
peso daquele segredo para sempre.
— Para o bem de Ariella, prometa... Ela nunca pode saber. Nunca. A proteja com a sua
vida. Ninguém pode saber, jure, Piero.
E eu jurei.
E até hoje mantive aquele juramento. Mas Ariella agora desconfia de algo e a
conhecendo como conheço, ela não vai sossegar até descobrir.
De repente escuto um barulho.
— Ariella? — Avanço até a sala e encontro a porta aberta.
Corro com um pressentimento ruim e ainda avisto meu carro desaparecendo na rua.
Ariella fugiu.
E tenho certeza que ela está indo atrás da pessoa que acha que pode lhe ajudar a
desvendar aquele segredo.
A última pessoa que eu quero que ela se aproxime.
Santino.
Vinte e Dois

Ariella

— Ora, ora, bela Ariella.


Santino me recebe em sua sala com um sorriso astuto no rosto, que não consigo retribuir.
Estou a ponto de enlouquecer desde que o vizinho de Piero insinuou que a morte dos
meus pais podia não ter sido acidente.
Como assim?
E o fato de Piero simplesmente se negar a falar sobre o assunto me deixou mais
apavorada porque percebi que ele estava escondendo algo.
Pra me proteger, ele disse.
De quê?
O fato é que eu poderia talvez acreditar em Piero e deixar pra lá. O inquérito foi
concluído como acidente, ele garantiu. Mas foi o brilho de pavor nos olhos dele quando
questionei que me deixou intrigada.
E eu soube no mesmo instante que havia algum segredo ali. Algo que Piero não queria
que eu soubesse.
Eu me afastei dele, revoltada com sua reticência. Furiosa porque ele insistia em me tratar
como uma criança que deveria ficar à parte dos assuntos de adulto.
Justo agora.
Eu achava que Piero tinha finalmente entendido que eu cresci. Que sou adulta. Uma
mulher.
Inferno, ele me fodeu como uma mulher.
Disse que me amava e que estávamos juntos.
Mas saber que provavelmente escondia coisas de mim, coisas sobre nossos pais, segredos
obscuros que o deixavam aterrorizado daquele jeito, me deixou decepcionada e com medo não só
do que ele escondia, mas também do que aconteceria com nós dois a partir de então.
E movida por aquele medo, aquela dúvida, decidi que precisava ir atrás da verdade e
somente uma pessoa poderia me ajudar.
Santino.
Agora o italiano me encara com seu costumeiro olhar de superioridade e falsa
cordialidade que me arrepia, porque Santino parece quase... Vitorioso.
Ele queria que eu estivesse aqui. Queria que eu precisasse dele.
Por quê?
— Eu preciso saber o que aconteceu com meus pais — disparo.
Ele levanta a sobrancelha, intrigado.
— Hum, que curioso. Por que este interesse agora, minha cara? Achei que estivesse feliz
finalmente com meu sobrinho. Devo dizer que nunca esperei que Marcella fosse quem lhe daria
essa oportunidade... Embora minha filha esteja um tanto chateada por seu plano ter saído do
controle. Ela está lá em cima agora, chorando e provavelmente fazendo planos para me contrariar
e ir em frente com sua obsessão em conseguir ascender na De Vere.
— Não me importa o que Marcella pensa ou diz! — Bato na mesa. — Eu perguntei dos
meus pais. Dos pais de Piero!
— O que acha que eu posso saber?
— Um vizinho em Bormios insinuou que a morte deles não foi um acidente e isso está
me apavorando! E Piero não quer me contar, ele insiste que é uma bobagem, mas eu sei que tem
algum segredo, algo que ele esconde de mim!
— Bem, sim, eu ouvi algo sobre o acidente...
— O quê? Por favor, me conta! Não aguento mais que me tratem como uma idiota! Eu
preciso saber!
— Claro que sim, minha querida. Piero tem um senso de proteção muito forte com você,
acho que no fundo ele nunca vai deixar de vê-la como uma bambina, mas talvez esteja na hora
de saber alguns segredinhos...
— Que segredo? Não foi acidente?
— Acho que tenho que começar antes do acidente. — Ele faz uma pausa. — Sua mãe,
Evelyn, era uma mulher formidável. Nos dávamos muito bem, ela era... uma assídua
frequentadora do nosso clube.
— Mentira!
— Não é mentira, minha querida. Evelyn era uma mulher livre, amante dos prazeres da
vida. E seu pai, bem, ele era um homem que tentava acompanhar a vontade de viver livremente
de sua mãe, mas era pouco para Evelyn.
— Então meu pai... Meu pai não frequentava o clube?
— Não, era um segredinho da Evelyn, meu e de... Francesco.
— O quê? O pai de Piero?
— Sim, meu irmão era um grande hipócrita. Ele gostava do nosso pequeno modo de vida
hedonista tanto quanto eu, mas preferia manter esse seu lado escondido do mundo. E foi
justamente aqui que um dia ele e Evelyn... se encontraram, entende? Assim como você e Piero.
Eu empalideço.
— Minha mãe transou com Francesco sem saber quem era?
Santino solta uma sonora gargalhada sinistra.
— Não é irônico? Claro que não deixa de ser curioso que você e Piero passaram pelo
mesmo ritual...
— Meu Deus... Minha mãe e Francesco tinham... um caso?
— Não, foi apenas aquela vez e Francesco ficou... Possesso quando descobriu que era
Evelyn. Foi quando ele decidiu que não queria mais participar. Se afastou de mim, do clube e da
Evelyn, obviamente.
— E minha mãe?
— Você nasceu pouco tempo depois, minha querida e Evelyn decidiu parar com nossos...
jogos.
Levo a mão à boca, de repente uma terrível suspeita tomando minha mente.
— Francesco... Ah Deus, Francesco era meu pai?
— Não, tio Francesco não era seu pai, Ariella. — É a voz de Marcella que escuto na
porta e me viro, em choque.
Marcella está sorrindo, com a maquiagem derretida no rosto pálido e um sorriso cruel no
rosto.
— Meu pai é o seu pai!
— O quê? — Desta vez eu e Santino exclamamos ao mesmo tempo.
— Que bobagem está inventando, Marcella? — Santino está sério agora, enquanto se
aproxima da filha.
— Ah, você não faz ideia, não é? Mas eu ouvi Evelyn confessando para Francesco, foi no
mesmo dia que aquela vadia me demitiu. Me humilhou. Me chamou de medíocre. Disse que eu
nunca seria nada! Que não tinha talento! Sim, ela me demitiu. Mas como estávamos saindo de
férias, ela não avisou a ninguém, acho. Pediu que eu pegasse minhas coisas e sumisse, que
voltasse para a barra do papai Santino. Eu fiquei... arrasada. Eu amava Evelyn, seu estilo, sempre
a achei incrível, queria ser ela. E eu estava ainda lá, chorando e arrumando minhas coisas,
quando ouvi Francesco entrando no escritório dela e eles não sabiam que eu estava ali. Evelyn
falou de mim, que me deu uma chance apenas porque eu era filha de Santino e... irmã de Ariella.
— Ela soluça e eu não consigo acreditar em tudo que está contando.
— Eu não sou o pai de Ariella!
— Ah, não? Pois Evelyn parecia certa disso. Vai dizer que nunca trepou com ela nesse
seu clubinho pervertido?
— Evelyn trepava com muitos homens! — Santino parece tão chocado quanto eu. —
Meu Deus, ela nunca me disse.
Então ele olha pra mim, assombrado.
— Você é minha filha.
E de repente vejo algo brilhando em seu olhar.
Ganância.
Dou um passo atrás, com dificuldade de respirar.
Na minha mente, vejo minha mãe. Sempre tão linda, tão sorridente.
E meu pai. O homem que me amou e me criou.
Não, Santino não pode ser meu pai.
— Ariella?
De repente Piero irrompe na sala.
Ele para e olha para as pessoas no ambiente e seu olhar furioso e preocupado para em
mim quando ele se aproxima e segura meu ombro.
— Porra, Ariella! Que diabos estava pensando?
— Era isso que escondia de mim? — sussurro.
Piero parece confuso.
— Você sabia, Piero? — Santino indaga e Piero o encara. — Que Ariella é minha filha?
Piero empalidece.
Sim, ele sabe...
Meu coração se quebra de novo.
Ah Piero...
— Você sabia que Santino era meu pai? Como...
— Meu pai me contou antes de morrer que Evelyn tinha quase certeza... — ele
finalmente confessa. — Quando eu cheguei em Bormios, ele ainda estava vivo e me revelou que
de alguma maneira Ezra havia descoberto sobre ele e Evelyn. Ezra jogou a verdade quando
estavam no carro, estava furioso, fora de si. Uma discussão começou e seu pai chegou a insinuar
que Ariella seria filha do meu pai.
— Ah meu Deus — exclamo horrorizada.
Eu poderia ser irmã de Piero?
— A verdade é que sua mãe não tinha como ter certeza, mas ela sempre disse ao meu pai
que achava que Ariella era filha de Santino.
Fecho os olhos sentindo tontura.
— Se não sabia... — Eu mal consigo falar quando encaro Piero de novo e vejo a
desolação em seu olhar. — Você achou em algum momento, que eu poderia ser sua irmã?
— Sim, quando me contou sobre aquela noite no clube era uma possibilidade.
— Mas não sou sua irmã, não é? — sussurro, tomada de horror.
— Não, meu Deus, não — Piero nega e solto um suspiro de alívio.
— Mas... então é verdade que Santino é meu pai?
— Eu pedi que realizassem um teste de paternidade, em sigilo, claro. Eu precisava ter
certeza, precisava tirar essa possibilidade da minha mente. E confirmei que sim, Santino é seu
pai.
— Por que não me disse, por que...
— Sim, Piero, por que escondeu algo tão importante? — Pela primeira vez Santino está
sério. — Ariella é minha filha e eu tinha o direito de saber!
— Porque eu entendo por que meu pai me fez prometer que jamais iria revelar este
segredo. Porque você é um rato, um demônio perverso que a própria Evelyn nunca quis perto da
filha dela. E por isso eu deveria proteger Ariella. De você! E veja, meu pai estava certo. Você a
levou para aquele antro, uma menina de 15 anos, sua própria filha, porra!
— Sim, minha própria filha, isso significa que tenho direitos sobre ela.
— Mas só passando por cima do meu cadáver! Entendeu? Eu me tornei o tutor de Ariella
e o único responsável por ela. E mesmo que ela seja adulta agora, eu vou continuar a protegendo
de você!
Santino solta uma risada.
— A menina é minha filha. Você não vai poder me impedir.
— Não, não sou sua filha — murmuro, saindo do estupor. — Meu pai era Ezra De Vere.
Eu sou uma De Vere.
— Se ferrou, papai. — Marcella ri e só agora noto que ela ainda está ali. — Aposto que já
está fazendo as contas de quantos milhões e quanto poder pode agregar sendo o pai da menina
De Vere, mas ela nem quer saber de você!
— Por isso me odiava? Por que eu era sua irmã? — questiono.
— Você mesma disse, não se considera filha do meu pai, então não é minha irmã, mas
sim, eu te odeio. Odeio porque é filha da Evelyn, que transava com meu pai quando minha mãe
ainda era viva! Sua mãe era mesmo uma vagabunda e se achava superior a todo mundo sendo
que nem sabia de quem era a filha!
— Por que não contou o que descobriu? — indago. — Você poderia ter contado a seu
pai...
— Porque sabia que ele iria querer você a todo custo. Eu já tinha que implorar para ter
uma migalha de sua atenção, imagina se a mina de ouro De Vere não viraria o centro de seu
mundo? Claro, a herdeira De Vere, agora herdeira Salvatore!
— Marcella, foi você quem contou a Ezra, não foi? Minha nossa! — Piero insinua e
Marcella dá de ombros.
— Sim, fui eu! Eu estava furiosa, e sabia que precisava fazer alguma coisa para me
vingar, Então eu liguei para Ezra e contei quem era a querida esposa dele!
— Eu sempre achei que tivesse sido Santino...
— Eu falei que não tinha nada a ver com isso! — Santino diz.
— Meus pais morreram por sua culpa — murmuro encarando Marcella e ela não parece
ter o menor remorso.
— Eu não fiz nada! Apenas contei a verdade! Algo que essa família tem dificuldade de
fazer, não é? Um bando de hipócrita! Papai é um pervertido que alicia um negócio de gente tão
perversa quanto ele! Seu pai, Piero, comeu a mulher do melhor amigo, que era uma piranha que
não sabia direito nem quem era o pai da própria filha! E você, o mais imoral de todos, que trepou
com a menina de 15 anos de quem era tutor e eu sou a ruim nessa história, não é? Eu tenho nojo
de vocês!
Marcella sai da sala e Piero me encara.
— Ariella?
Sacudo a cabeça, sentindo que posso me desintegrar a qualquer momento, todo meu
corpo absorvendo aquelas verdades terríveis que agora fazem parte de mim.
De quem eu sou.
Sempre fui.
Fruto de uma traição. De uma perversão.
Minha mãe mentiu. Piero mentiu.
Talvez Marcella tenha razão. Somos todos hipócritas.
— Piero, Ariella não quer falar com você. Acho que deveria ir embora, e deixar que eu
converse com... minha filha. — Ele sorri.
— Não, não tem o menor direito de ficar perto dela, nem sequer falar com ela...
Acho que Santino responde no mesmo tom, mas eu já não estou ouvindo.
Tudo virando uma névoa sombria à minha volta, me sufocando.
Sem pensar, eu me viro e corro.
Entro no carro, sem enxergar nada, coloco o cinto e dou partida, na minha mente se
repetem as verdades escondidas que foram reveladas na última hora.
E é muito para suportar...
Mal respiro, as lágrimas me cegando, um nó apertando minha garganta.
Acelero a ponto de ouvir só um zunido e meu coração se despedaçando no meu peito.
Fecho os olhos, e todo meu corpo é arremessado para frente quando o carro para com grande
baque.
Ofego, respirando uma longa golfada de ar, voltando à realidade e me dando conta que
bati o carro em algo.
Meu Deus. O que fiz? Eu podia ter morrido.
Como meus pais.
De repente, o nó na minha garganta se rompe e soluços barulhentos escapam do meu
peito.
Quando a porta se abre e Piero entra, repetindo meu nome enquanto retira o cinto e suas
mãos passam por meu corpo, se certificando que estou bem, não consigo falar nada, apenas me
agarro a ele, perdida.
— Piero... por favor, me tira daqui...
E ele entende que não estou falando do carro, e sim da nova realidade em que acabei de
ser jogada.
Mas nem Piero tem este poder.
Enfim, ele me abraça e mergulho a cabeça em seu peito chorando e começo a me esvaziar
de toda minha dor.
— Vai ficar tudo bem, piccola. Vai ficar tudo bem — ele repete.

Quando acordo novamente, estou na cama, em Bormios.


O quarto está na penumbra, mas sei que está amanhecendo lá fora.
Por um momento, toda a lembrança dos últimos acontecimentos volta a minha mente e
sinto a dor no peito ameaçando me sufocar.
Mas respiro fundo, me negando a cair naquele desespero de novo.
Eu preciso aprender a conviver com aquelas verdades.
Embora ainda não saiba como, sei que vou encontrar um jeito. Eu preciso.
Nada do que aconteceu foi por minha vontade, e sim daqueles que vieram antes de mim.
Eu ainda amo minha mãe e não quero ter ressentimento dela. Acho que de certa forma até
entendo sua ânsia de viver, seja do jeito que for. Não gosto de pensar que ela traiu meu pai, mas
nunca vou saber o que de verdade a motivava, já que ela se foi pra sempre. A única certeza que
tenho é que mamãe me amava e se escondeu a verdade sobre minha paternidade foi pra me
proteger.
Assim como Piero o fez.
Saio da cama e caminho pelo corredor, desço as escadas e paro ali, o observando no sofá.
— Estou te vendo aí, piccola.
Sorrio tristemente e vou até ele.
Sento ao seu lado e deito em seu colo, como fiz tantas vezes, como quero fazer pra
sempre.
Ele toca meu cabelo com carinho.
— Me desculpe — diz depois de um tempo. — Eu só queria te proteger dessas verdades
terríveis.
— Eu sei.
Eu me sento e o encaro.
— Ainda estou meio chocada e nem sei quando vou conseguir entender e aceitar, mas...
quero esquecer. Quero... olhar pra frente não para o passado. Nossos pais, os verdadeiros
protagonistas dessa história estão mortos... — Então eu paro quando algo me ocorre. — O
acidente? O que realmente aconteceu?
— Seu pai estava dirigindo e... não tem como saber de verdade o que aconteceu, mas...
ele pode ter jogado o carro nas montanhas de propósito.
— Meu Deus... Seu pai disse isso?
— Não, ele disse que apenas discutiram e que seu pai estava muito nervoso, perdeu o
controle, mas ainda assim, provavelmente, foi por causa da briga.
— Nunca vamos saber, não é?
— Não, mas eu nunca quis que descobrisse.
— Eu entendo... Acho que talvez eu nunca vá querer saber.
Ele segura minha mão.
— Eu sinto muito por tudo o que aconteceu hoje, pela maneira que descobriu. Quando vi
você naquele carro batido, fiquei com medo de ter te perdido também.
— Desculpa, estava fora de mim.
Ele toca meu rosto.
— Nunca mais faça isso, nunca mais fuja de mim. Fuja comigo, Ariella. Eu vou com
você onde quiser, do jeito que quiser.
Sorrio e o beijo, suspirando de um amor que pela primeira vez eu posso viver de verdade.
Não importa o que as pessoas possam dizer, no meu coração isso aqui é certo.
É a maneira que eu quero viver. Com ele. Para ele.
Sendo dele.
— Então não fuja de mim também, Piero.
Ele ri contra os meus lábios.
— Nunca mais. O tempo de fugir já passou.
Eu o encaro.
— O que vai acontecer agora? Com Santino, Marcella? Sei que eles são... minha família,
mas não me sinto preparada para aceitá-los dessa maneira.
— E nem precisa. Eu sou sua família.
— É, meu tutor?
— Seu amor. Seu amigo. Seu namorado. O que você quiser. Estou aqui para você, pra
sempre. Sei que Santino é seu pai, mas não confio nele. Muito menos em Marcella, eles podem
tentar, não vão nos atingir, nunca vão conseguir. E eu vou te proteger com minha vida, nem que
você não queira. De Santino, de Marcella e de quem mais aparecer.
— Nós vamos nos proteger — corrijo. — Sei que não vai ser fácil, mas se a gente estiver
junto assim, nada mais importa.
Ele me beija selando aquela promessa e eu deito em seu colo de novo, me sentindo
segura.
Amada.
Por Piero.
Meu amor.
Epílogo
Ariella

— Enfim, chegaram, só faltava vocês. — Donatella Salvatore anuncia, acomodada na


cabeceira da mesa de reuniões.
Eu e Piero entramos na sala sob os olhares nada surpresos da matriarca da família e de
seus advogados. Porém, um dos presentes está um tanto desconcertado.
Santino Salvatore.
Faz quatro meses desde aquele fatídico dia em que descobri toda a verdade sobre o
acidente dos meus pais e minhas origens.
Desde aquele dia, Santino tenta entrar em contato comigo e Piero, sem sucesso. Nos
blindamos da influência nefasta do meu pai biológico enquanto arquitetamos um jeito de
neutralizar suas estratégias de domínio sobre mim e Piero.
E claro, nós ficamos ocupados com outras coisinhas também, mas isso não vem ao caso
agora.
Piero arrasta a cadeira para eu sentar e se acomoda ao meu lado.
— O que está acontecendo aqui, mamãe? — Santino questiona com seu costumeiro
sorriso sagaz. Os olhos de rapina fixos em mim, me deixando um tanto incomodada, mas me
esforço para não demonstrar.
Ainda parece bizarro que aquele homem é meu pai.
Que também sou uma Salvatore.
— Serei breve — Donatella começa.
— Acho ótimo. Eu e Piero temos que estar no aeroporto em uma hora, estamos indo para
um casamento na Inglaterra, vovó. — Informo impaciente.
Estou muito animada em ir para o Interior da Inglaterra para o casamento de Georgina,
porque poderei rever Anya também.
— Muito bem — Donatella continua. — Santino, você está demitido.
— O quê? — Santino sorri com escárnio.
— Você ouviu. Deste momento em diante, você não é mais responsável pelos negócios
dos Salvatore.
— Não pode fazer isso, mamãe. Eu também sou um acionista.
— Você tem apenas vinte e cinco por cento das ações, Piero tem outros vinte e cinco e eu
tenho cinquenta. Portanto eu ainda mando aqui e decido o que é melhor para nossos negócios, e
por este relatório aqui, não é você.
Santino pega o dossiê que Piero providenciou, escancarando os prejuízos e dívidas que
tinha acumulado com sua péssima administração.
— Isso é um absurdo, mamãe.
— Eu fiz vista grossa e confiei em você por tempo demais, mas com sua lábia, você me
enganou, me fazendo acreditar que estava tudo sob controle, mas como podemos ver, se eu não
tomo essa decisão, em poucos anos estaríamos falidos!
— Não é verdade, Piero, está fazendo isso para se vingar de mim, não é querido
sobrinho?
— Entenda como quiser — Piero diz. — Está feito. Acabou pra você.
— Não acabou. Não pense que vou me retirar silenciosamente, meu caro. Eu sou um
homem poderoso que conhece muita gente, muitos segredos que gostariam de manter
escondidos.
— Nem ouse tentar prejudicar Piero e a mim, e muito menos a De Vere. Nós estamos
sendo generosos com você. Porque somos... família — Afirmo relutantemente. — Mas acho que
deveria ser inteligente e se retirar em silêncio sim. Porque se começar uma guerra, vai perder.
Nós temos o poder agora. E o dinheiro. Que aliás, você não verá nem mais um centavo. Sua
época de chantagear Piero acabou. Mas fique contente porque ainda vai receber dividendos da
sua parte dos negócios Salvatore. Porque a partir de agora, teremos lucros e não prejuízo. — Eu
me levanto. — Acabamos por aqui, vovó?
— Sim, podem ir — Donatella nos dispensa.
Mas Santino se levanta e segura meu braço.
— Solte-a — Piero rosna, ainda segurando minha mão do outro lado.
— Ela é minha filha, sobrinho.
— Não sou sua filha. Não no meu coração. Eu poderia ser, se fosse um homem melhor,
um pai melhor. Mas nem seus filhos que criou você trata direito.
Marcella havia tido um colapso mental e Damiano decidiu reatar com ela. Em nome da
velha amizade e porque Damiano era um bom profissional, Piero o indicou para um cargo para
uma empresa em Nova York. E ele e Marcella se mudaram. Eu esperava que Marcella
melhorasse, e tentasse seguir sua vida com Damiano, e longe de mim, porque não tenho a menor
paciência com ela. Ao contrário de Luigi que ficou feliz em saber que somos irmãos, e, como
prometi, ele agora é o novo diretor criativo da De Vere.
— Afaste-se de nós, Santino, é só o que pedimos. — Piero consegue me puxar, mas ainda
escuto a voz de Santino na sala, enquanto nos afastamos
— E espera que eu faça o que agora, mamãe?
— Você pode se dedicar a ser a cafetina que sempre foi, parece que é o que faz melhor!

— Você está bem? — Piero me gira na pista de dança ao som de uma orquestra chique
em meio a decoração da recepção de casamento de Georgina, na fazenda dos St Clair.
Sorrio, feliz e aliviada agora que tínhamos conseguido nos livrar de Santino.
— Estou sim.
— Você estava quieta todo o caminho para cá. Fiquei preocupado. Quietude não é bem
seu lance.
Eu ri.
— Aquela reunião com Santino foi intensa, acho que tomou mais de mim do que
imaginava. Eu achei que não me importava, mas no fundo, é meio triste saber que ele é meu pai,
mas que não posso confiar nele.
— Santino é um homem ambicioso e sem escrúpulos. É triste dizer isso também, é meu
tio. Mas fizemos o que tinha que ser feito.
— Acha que ele vai aceitar e desistir?
— Eu duvido. Não faz o estilo dele, no final, acho que você teve a quem puxar em sua
determinação. Mas ele vai recuar por enquanto, vai guardar as armas e estudar uma nova maneira
de se dar bem.
— Ele pode tentar. Não estou disposta a deixar que nada estrague nossa vida. — Passo os
braços por sua nuca. — Nossa felicidade.
Piero sorri pra mim, me abraçando.
— Voce está feliz?
— Muito.
Olho em volta. Anya está dançando com Alexis, sua barriga de grávida entre eles.
Mais a frente, vejo Violet e disfarço uma careta. Aquela nojenta tinha mesmo que estar
presente no casamento da minha amiga? Mas infelizmente ela é amiga de Killian St Clair, o
bonito e mau humorado irmão do noivo. Que agora ela segura no braço, com um olhar de
interesse que deixa bem claro que já escolheu sua próxima vítima.
— Acha que Violet vai enfiar suas garras em Killian St Clair?
Piero segue meu olhar.
— Espero que ela seja feliz...
— Arg, Piero, para de ser inocente! Sabe muito bem que Violet só quer um marido rico,
por isso ela queria se casar com você e nem se importava sobre seu histórico comigo. E agora ela
está mirando em mais um noivo milionário!
— Isso não é problema nosso, piccola.
— Tem razão. Mas vamos ver se desta vez ela consegue seu casamento... Acha que um
dia isso vai acontecer com a gente?
— O que, casamento?
— Sim.
Ele sorri e sinto todo meu coração se expandir.
Ainda parece incrível que Piero seja meu.
Que eu posso estar com ele assim, como um casal.
Que podemos fazer planos para o futuro juntos.
Eu mal posso esperar.
— Acho que posso me acostumar com a ideia.
Sorrio de volta e o beijo.
— Ariella, pode vir aqui?
Anya nos interrompe e eu rolo os olhos, irritada.
— Não está vendo que estou ocupada?
— É, eu vi, mas Georgina precisa de nós.
— Certo. — Eu beijo Piero rapidamente. — Eu já volto! Que tal me esperar naquele
celeiro atrás da casa? Nunca transei num celeiro.
— Pelo amor de Deus, Ariella! — Anya me puxa, vermelha e eu rio de seu embaraço. —
Nossa, ainda parece surreal que você está com seu tutor!
— Parece surreal pra mim também... — suspiro. — Mas qual o problema?
Anya me leva até um lavabo e Georgina está muito pálida e com cara de quem vai
vomitar.
— Ei, o que foi? — Eu toco seu rosto.
— Não estou bem...
— Pode ser o vestido? Não está apertado? — Anya indaga.
— Ou nervosismo? — Estudo o rosto de Georgina, preocupada. Eu tinha notado que ela
parecia angustiada em toda a cerimônia.
Ela tentava disfarçar com um sorriso, mas eu conhecia Georgina muito bem.
Ela não deveria estar feliz?
Até a hora que a vi subindo ao altar com George eu não estava acreditando que aquele
casamento ia acontecer. Nunca acreditei que aquele relacionamento fosse certo para ela, embora
Georgina insistisse que sim.
Porém, agora volto a me preocupar, sentindo um frio na barriga.
— Georgina, o que está acontecendo?
Ela morde os lábios com força, ainda mais pálida.
— Gina... — Anya a estuda com um olhar conhecedor. — Você por acaso... Está
grávida?
— Eu posso estar — ela murmura mortificada.
— O quê? Você transa com o George? — Solto uma risadinha maliciosa olhando pra
Anya. — Olha só, Anya, que safadinha! Eu achando que ia esperar virgem até o casório...
— Eu nunca transei com o George.
Eu e Anya voltamos o olhar para Georgina em choque.
— O quê?
— Eu não sei o que fazer, se eu estiver grávida... Este bebê não é do George. — E ela
começa a chorar.
Minha nossa, o que Georgina aprontou?
E se não é de George, quem é o pai?
Nota da autora

E finalmente saiu o livro da Ariella, com mais de um ano de atraso. Espero que vocês
tenham curtido a leitura.
E não esqueçam de deixar uma avaliação e indique bastante para que mais leitores se
deliciem com esse romance!
E o próximo lançamento será o livro da Georgina, Viúvo Inglês, que o e-book já está em
pré-venda.
Um beijo e até a próxima!

Ju
Sobre a autora
Juliana Dantas

Autora Best-Seller, com mais de 170 milhões de páginas lidas no Kindle, e 80 mil e-
books vendidos, a paulista Juliana Dantas envolveu-se com a escrita em 2006, escrevendo fanfics
dos seus seriados e livros preferidos. Estreou como autora profissional na Amazon em 2016 e
hoje possui mais de 50 títulos na plataforma Kindle, além de livros publicados pela Editora
Harper Collins - selo Harlequin, DVS Editora, Editora Pandorga e Editora Cabana Vermelha.
Sua escrita transita livremente entre dramas surpreendentes, comédias românticas e romances
sensuais. E seus títulos já estiveram várias vezes no ranking de mais vendidos da plataforma,
além de ter três deles na lista de mais vendidos da Veja.

E-books Publicados na Amazon:


O Leão de Wall Street
Vendetta
A Verdade Oculta
Segredos que Ferem
Linha da Vida
Longe do Paraíso
Espinhos no Paraíso
Juntos no Paraíso
Espera – Um Conto de O Leão de Wall Street
Cinzas do Passado
Trilogia Dark Paradise (Box)
A Outra Irmã
Segredos e Mentiras
Por um Sonho
O Highlander nas Sombras
Quando Você Chegou
O Segurança de Wall Street
Uma Noiva de Natal
Um Noivado nada Discreto
O Dia dos Namorados de Julie e Simon
As Infinitas Possibilidades do nunca
Box Romances Inesquecíveis
No Silêncio do Mar
O que Escolhemos Esquecer
Um Bebê Inesperado
Um Bebê de Natal (conto da série Julie & Simon)
Desafiando a Gravidade
O que Escolhemos Perdoar
A Irresistível Face da Mentira
Entre o Crime e a Nobreza Livro I
Entre o Crime e a Nobreza Livro II
A mãe do Ano ( conto da Série Julie & Simon)
Box Julie & Simon
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato I
Black – o Lado Escuro do Coração – Ato II
Black – o Lado Escuro do Coração – Ato III
White – O que eu não te contei
Um Natal sem Julie (Um Conto de Julie e Simon)
Supernova – As Infinitas Possibilidades do nunca pelos Olhos de Nathan
Inesquecível
Nosso Último Segredo
Liam
Box Wall Street
Corações de Gelo
Red – Mestre dos Desejos
Box Romances de Época Inesquecíveis
Se Arrependa de mim
Se Apaixone por mim
Volte para mim
Tudo por mim
Verão Cruel
Bastardo Grego
Casamento Grego
Herdeiros Gregos
Julie e Simon estão de volta (Leituras Rápidas)
Funeral Real ( Leituras Rápidas)
Desejo e Ilusão
Um namorado para o papai ( Leituras Rápidas)
Amor e Destino
Pedido de Natal ( Leituras Rápidas)
Fogo e Gelo
Maldita Escocesa ( Leituras Rápidas)
Acordo Arriscado
Maldita Escocesa Parte 2 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 3 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 4 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 5 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 6 (Leituras Rápidas)
Dinastia Calazans – Lobo em Pele de Cordeiro
Dinastia Calazans – Ninho de Serpentes
Dinastia Calazans – Veneno de Escorpião
Felizes quase para sempre – (Leituras Rápidas)
Toda Sua Fúria
Perversos
Um marido de mentira para o natal
Maldita Escocesa

Livros físicos

A Verdade Oculta – Editora Pandorga


Segredos e Mentiras – Independente
Quando Você Chegou – Independente
Uma Noiva de Natal – Independente
Um Noivado nada Discreto – Independente
Um Bebê Inesperado – Independente
No Silêncio do Mar – Harper Collins – Harlequin
As Infinitas Possibilidades do nunca – Independente
A Irresistível Face da Mentira – DVS Editora
O Leão de Wall Street – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato I – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato II – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato III – Independente
A Outra irmã – Independente
White – O que eu não te contei – Independente
O que Escolhemos Esquecer – Independente
Supernova – Independente
Inesquecível – Independente
Desafiando a Gravidade – Independente
Nosso Último Segredo – Independente
Vendetta – Independente
Longe do Paraíso – Independente
Espinhos no Paraíso – Independente
Juntos no Paraíso – Independente
Corações de Gelo – Independente
Segredos que Ferem – Independente
Se Arrependa de mim – Independente
Se Apaixone por mim – Independente
Volte para mim – Independente
Verão Cruel – Cabana Vermelha
Linha da Vida – Independente
Henry & Sophia – Independente
Cinzas do Passado – Independente
Fogo e Gelo– Independente
Bastardo Grego – Independente
Casamento Grego– Independente
Herdeiros Gregos – Independente
Acordo Arriscado – Independente
Dinastia Calazans – Lobo em Pele de Cordeiro
Dinastia Calazans – Ninho de Serpentes
Dinastia Calazans – Veneno de Escorpião
Toda Sua Fúria – Independente
Perversos – Independente
Contos de Julie e Simon – Independente
Um marido de mentira para o natal – Independente

Audiobooks

Uma Noiva de Natal - Audible


Um Noivado nada Discreto - Audible
O que Escolhemos Esquecer - Audible
Box Vendetta - Audible
As Infinitas Possibilidades do nunca - Audible

Contatos

E-mail julianadantas.autora@gmail.com
Fanpage fb.com/@JulianaDantasAutora
Instagram @julianadantas_autora
WebSite: www.julianadantasromances.com
Loja dos livros físicos: https://www.julianadantasromances.com/shop
Skoob https://www.skoob.com.br/autor/15961-juliana-dantas
Grupo no Facebook
https://www.facebook.com/groups/2119115758220372/

Você também pode gostar