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iguais.
Emily Bronte
Copyright © 2024 por Juliana Dantas
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida,
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autor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não
comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.
PLAYLIST
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
EPÍLOGO
NOTA DA AUTORA
SOBRE A AUTORA
Nota da autora
Tutor Italiano é um Spin Off da Trilogia Old Money Grécia ( Bastardo Grego, Casamento
Grego, Herdeiros Gregos)
Playlist
Prólogo
Ariella
A partir daquele dia, Piero passou a ser o adulto responsável pela minha vida.
A pessoa que substituiria meus pais, mortos em um terrível acidente de carro juntamente
com os pais dele.
Uma tragédia que nos transformou nos únicos sobreviventes, herdeiros de um império
que nos uniria de forma intrínseca para sempre.
E foi quando percebi que aquela tragédia não havia destruído apenas minha família.
Havia matado também os meus sonhos.
Piero agora era meu tutor.
E eu teria que matar o desejo mais profundo do meu coração de que ele fosse meu amor.
Um
Ariella
Ariella
Eu não tinha me dado conta do que significava de verdade a morte dos meus pais até a
hora em que sentamos na sala da nossa casa em Londres junto ao advogado, Robert Jenks,
enquanto ele lia os termos do testamento e chegou à parte em que Piero fora designado como
meu tutor legal.
Por um momento, não entendi, atordoada, talvez ainda sob os efeitos do calmante que me
obrigaram a ingerir, para que conseguisse sair de Portofino e viajar para Londres para o serviço
fúnebre dos meus pais.
Ontem fora o enterro dos pais de Piero e ele chegara hoje de manhã para acompanhar o
dos meus pais.
Desde que ele me contara sobre o acidente, eu sentia como se estivesse flutuando numa
nuvem de irrealidade e fosse acordar daquele pesadelo a qualquer momento.
Não parecia real que meus pais estivessem mortos.
Apenas há três dias eles haviam se despedido antes de partirem junto com os Salvatore
para esquiar nas Bormios.
— E por que não me chamaram? — Eu havia resmungado ao entrar no quarto onde
minha mãe dava os últimos retoques na maquiagem e me atirado em sua cama ainda desfeita.
Papai estava na varanda ao telefone, acredito que tratando de negócios, algo que ele
nunca parava de fazer mesmo nas férias.
— Eu duvido que gostaria de ir com a gente, querida.
— Piero vai? — indaguei o que realmente me interessava.
— Não, não vai. Quem vai tomar conta de você?
E revirei os olhos como sempre.
— Não preciso de babá.
Mamãe riu abrindo sua caixa de joias e pegando um par de brincos de ouro e rubi.
Mamãe amava joias. Às vezes acho que ela amava mais suas joias do que a mim.
— Piero não gostaria de ser chamado de babá, com certeza.
— Porque ele não é. Tenho 15 anos, não preciso ficar sob a supervisão de um cão de
guarda. — Eu me levantei e comecei a fuçar em suas maquiagens.
— Piero não é um cão de guarda, é como seu irmão mais velho.
— Piero não é meu irmão, credo! — Estremeci de horror a simples alusão a qualquer
parentesco entre nós enquanto pegava um batom vermelho e passava sobre meus lábios.
— É como se fosse, sempre a tratou como uma irmãzinha querida e você o adora.
— Não sei se ainda o adoro não... — reclamei.
Mamãe levantou a sobrancelha pra mim, através do espelho.
— O que é isso agora? Sempre foi amiga de Piero.
— Ele está diferente.
— Acho que você quem está diferente.
— Claro que sim, não sou criança. Não quero ser tratada como uma.
Eu estava muito irritada desde que chegamos a Portofino, e Piero continuava me tratando
como uma bebezinha e ainda achava engraçado quando eu ficava brava.
— Eu sei que pode ser difícil ter essa idade. — Mamãe se levantou e colocou o blazer
rosa sobre o vestido branco que ela mesma desenhou. — Muita coisa está mudando, mas em
breve tudo ficará mais fácil. E você e Piero voltarão a ser amigos de novo. — Ela se aproximou
e, pegando um lenço, limpou minha boca. — Este batom não fica bem em você.
— Por quê?
— Porque fica parecendo uma mulher.
Sorri enfiando o batom no bolso da saída de praia que usava sobre o biquíni.
Era exatamente o que eu queria.
— Ezra, desligue este telefone, vamos nos atrasar! — mamãe ralhou com papai pegando
a bolsa e saindo do quarto.
Caminhei até a varanda onde papai falava rápido em italiano, uma língua que ele passara
a dominar quase tanto quanto o inglês. Ele sorriu pra mim, tapando o celular com a mão.
— Algum problema, querida?
— Mamãe está te chamando, ande logo.
Papai era um homem bonito ainda, com seus cinquenta e poucos anos. Ambos meus pais
eram lindos, embora eu tenha puxado a minha mãe com os mesmos cabelos escuros, meus olhos
eram esverdeados como os de papai, podendo escurecer de acordo com a luz.
Ouvi um barulho de alguém pulando na piscina e me aproximei da bancada, meus olhos
brilhando enquanto observava o corpo masculino atravessando a água azul lá embaixo. Eu o
acompanhei com um olhar ávido, esperando o corpo emergir, os braços fortes tocando o chão
enquanto ele pulava para fora, pingando água.
Piero era italiano, mas podia ser comparado a um deus grego.
Moreno, alto, perfeito.
Senti minha boca seca e um calor na boca do estômago que se alastrou por meu ventre e
mais ao sul, e arfei quase imperceptivelmente, atraída pelo homem que desfilava sob o sol com
toda sua perfeição masculina à mostra.
Eu o queria.
Tanto que chegava a doer.
Meu rosto estava vermelho e meu pulso acelerado, assim como meu coração quando ele
levantou o olhar e me viu, seu sorriso de dentes brancos atingindo um lugar proibido que ainda
tinha até vergonha de confessar a mim mesma.
Ele me deixava fraca e carente de algo que nem sabia o que era, apenas desconfiava.
Algo que nem um daqueles garotos bobos que deixei colocar as mãos desajeitadas em mim no
último ano poderia me dar.
Eu sentia, no fundo do meu ser, que apenas Piero poderia preencher aquele vazio. Desde
que nos reencontramos depois de dois anos sem nos ver, eu não conseguia me livrar daquele
desejo proibido e cada vez mais forte que me deixava frustrada por ele não perceber que eu não
queria que me tratasse como sua piccola, e sim como uma de suas mulheres.
Mas para Piero eu não passava de uma criança. Eu tinha vontade de chorar porque sabia
que o que sentia era proibido e sem esperança, mas não estava preparada para aceitar essa
realidade.
Ele acenou, antes de pular de volta na piscina, e com um suspiro pisquei para afugentar as
lágrimas bobas que se formaram em meus olhos e notei a presença do garoto bonitinho passando
pelo jardim com a atenção fixa em mim.
Sorri apenas porque era divertido flertar com Giuseppe, o filho do jardineiro, que estava
ali para limpar a piscina. Ele deixou claro desde que os conhecemos que ficaria muito feliz se o
deixasse me beijar um pouco. Talvez fazer mais que isso se eu permitisse. Ele tinha 17 anos e um
flerte quase descarado como era comum nos italianos.
Eu ainda era uma menina protegida ali, em uma das muitas casas de veraneio de nossas
famílias, e ninguém ousava chegar perto de mim, afinal, geralmente estava na companhia dos
meus pais e dos Salvatore e os amigos deles eram quase todos velhos. Às vezes, tinha algum
amigo de Piero por perto, mas obviamente ninguém iria ousar dar em cima de mim e não era
porque me achavam criança. Eu sabia que apesar de meus 15 anos, eu havia mudado muito nos
últimos meses. Eu tinha crescido. Tinha um corpo tão bonito como qualquer mulher jovem e
percebia os olhares dos homens sobre mim. Na escola em Londres, eu era uma das garotas mais
desejadas e podia ficar com quem quisesse, mas lá eram garotos da minha idade descobrindo o
que poderiam fazer com uma garota. Eu também queria descobrir o que fazer com eles e dera
alguns passos nessa direção, mas desde que botei os olhos em Piero de novo, soube o que queria
de verdade.
O que estava buscando.
E estava disposta a qualquer coisa para conseguir.
Papai desligou o telefone e me abraçou.
— Não apronte nada, hein? — Ele havia batido com o dedo no meu nariz, como sempre
fazia, fingindo uma autoridade que nunca lhe fora muito natural.
Na verdade, nem um dos meus pais era o que se podia chamar de pais modelos. Eles
eram joviais e liberais. Gostavam de viajar, beber e curtir com amigos, invariavelmente junto aos
Salvatore. Eu cresci mais com babás do que com eles, por isso amava tanto nossas férias. Eram
momentos nossos. Onde eles eram meus pais.
— O que eu aprontaria? — Abri um sorriso que tinha certa dose de ironia. Na maior parte
do tempo eu era uma boa filha. Facilitava que meus pais não fossem exigentes ou austeros. —
Sou uma menina obediente.
— Nem tão obediente e nem tão menina, não é? — ele disse sabiamente com um tom que
mesclava resignação a preocupação.
Aparentemente meu pai estava se dando conta que eu estava crescendo.
Ele beijou meus cabelos e se foi.
Se soubesse que era a última vez que o via, teria feito algo diferente?
Não fazia ideia.
Em poucas horas ele estaria morto.
— Você entendeu, Ariella? — O advogado estava falando comigo e pisquei, aturdida.
— Tutor?
— Sim, a tutela tem a finalidade de proteger os direitos e interesses dos menores, no caso
de morte dos pais ou perda do poder familiar. Nessas hipóteses, um tutor é nomeado para o
menor e fica responsável pela sua educação, provisão, administração de bens, entre outras
obrigações.
Meu olhar atravessou a sala, onde Piero estava em pé, próximo à janela, sua figura
envolta em sombra.
— Piero?
— Sim, Piero Salvatore foi designado como seu tutor.
— O que significa? Ele é...
Queria indagar “como meu pai agora”, mas parecia absurdo demais.
Eu não tinha parentes próximos até onde sabia. Os pais dos meus pais haviam morrido
antes de eu nascer. Eles eram filhos únicos e acho que havia primos distantes com quem não
tínhamos o menor contato.
Até aquele momento eu não tinha chegado à conclusão óbvia de que com 15 anos estava
órfã. Eu não tinha mais pai e mãe e como menor de idade, teria que ter um responsável legal.
Mas Piero?
De repente isso parecia errado demais, mesmo sendo a opção mais óbvia.
Nossos pais eram sócios em negócios bilionários, meus pais gostavam de Piero como
filho. Era como se fôssemos família.
Mas nem eu e nem Piero tínhamos família agora.
Quer dizer, eu sei que os Salvatore não eram como os De Vere. Havia primos e tios que
às vezes eu via em algumas ocasiões. Eu estive há uns três anos no casamento do irmão mais
velho de tio Francesco, Santino, com quem, mamãe me contara sem muitos detalhes, ele não se
dava bem.
Aparentemente havia muitas desavenças na família Salvatore que foram o estopim para
que Francesco abandonasse os negócios da própria família e se aliasse aos De Vere há vinte
anos.
— Significa que eu sou o responsável por você agora, Ariella — Foi Piero quem
respondeu muito sério, saindo das sombras.
O tom inflexível de sua voz congelou as batidas do meu coração, porque eu mirei seu
rosto bonito e finalmente me dei conta do verdadeiro significado de tudo aquilo.
Não.
Algo se rebelou dentro de mim, com a força de uma avalanche, enchendo meu peito de
revolta e negação.
Não.
O advogado continuava falando naquele jargão jurídico, mas era como se todas as vozes
fossem se distanciando e eu só escutasse os gritos dentro de mim.
Eu me levantei e caminhei até a janela, meu olhar cheio de tormenta descansando nas
árvores lá fora sacudidas pelo vento da chuva que se aproximava do céu cinzento.
Não.
Como vindo de muito longe, escutei os passos do advogado saindo da sala e de repente
estávamos só eu e Piero.
— Fale comigo — ele pediu suavemente.
Sua voz adentrou as várias camadas de medo que envolviam meu coração estraçalhado.
Em menos de 24 horas eu perdi tudo.
Meu pai. Minha mãe.
Piero.
Mas eu tinha Piero?
— Isso não está acontecendo...
— Eu sei, piccola. — Ele se aproximou e tocou meu ombro e estremeci, fechando os
olhos com força.
Seu toque era bem-vindo.
Eu queria que ele me puxasse para perto, que encostasse o corpo no meu, que me
abraçasse e me aconchegasse em seu colo.
Que me acolhesse.
Que me amasse.
— Vai ficar tudo bem.
— Não vai! — O soluço cortou meu peito e atravessou minha garganta como o lamento
de um animal ferido e sem pensar virei e me atirei no único lugar possível.
Seus braços.
Por um momento, ele me recebeu, os braços me apertando.
Solucei mais uma vez, meus dedos buscando a camisa preta e o puxando para mim com
desespero, enquanto meus lábios buscavam os seus sem pensar em nada a não ser o instinto
sublime de que ele me fizesse voltar a respirar, porque estava sufocando.
Minha boca tocou a sua, com um gemido de dor e necessidade. O contato durou apenas
alguns segundos, onde respiramos juntos, finalmente, antes de ele me empurrar.
Abri os olhos, atordoada e Piero estava me encarando com total horror, os dedos ainda
em meus ombros.
— Que porra está fazendo? — Ele estava aturdido e chocado.
Sorri com um longo suspiro.
— Eu te amo, Piero, por favor, não me afaste agora...
— O que está falando, Ariella, que... — Então algo em meu ombro chamou a sua atenção
e ele empalideceu, os olhos franzidos em confusão e incredulidade. Acompanhei seu olhar, me
dando conta do que viu.
Enquanto ele me segurava longe, o vestido de manga comprida e decote canoa que eu
usava havia se deslocado, deixando antever meu ombro.
Os olhos de Piero voltaram para mim, mergulharam nos meus em total horror.
— O que é isso?
— Acho que você sabe…
Três
Ariella
Desço os degraus que me separam do homem que amo e odeio na mesma proporção, com
uma determinação audaciosa estampada no pequeno sorriso em meu rosto. À medida que meus
passos ecoam no chão de mármore do corredor, meu coração se enche de uma ansiedade doce e
eletrizante.
Não posso negar que na minha imaginação, Piero estaria me esperando tão ansioso
quanto eu. Estaria feliz em me ver apesar da maneira em que nos separamos da última vez em
que estivemos na presença um do outro.
Piero pode me odiar, mas ele me ama.
Infelizmente não da maneira que eu quero que ame.
Não ainda. A voz atrevida sussurra em meu íntimo.
Piero não pode fugir pra sempre. Não sou mais uma criança que ele pode exigir que se
comporte me enfiando em um colégio rígido bem longe de suas vistas porque não consegue lidar
comigo.
Com o que me tornei.
Entro na sala e por um momento esqueço tudo quando o vejo sentado no sofá de couro da
casa dos meus pais usando um terno preto sob medida, sua figura morena enchendo o ambiente
claro e elegante de algo quase sombrio, é como se o ar se tornasse mais denso, pesado.
Sufocante.
Paraliso há alguns metros, hesitante novamente, meu estômago revirando de algo doce e
amargo, sinto-me como se houvesse duas de mim duelando em meu íntimo. A Ariella que é a
piccola do Piero, a menina que o ama com um carinho infantil e que quer se aconchegar em seu
colo e se sentir protegida do mundo. E a Ariella que Piero lamenta que eu não seja mais. Porque
agora a mulher que ele reluta tanto em admitir que me tornei está aqui e vive e respira à espera
dele.
Do homem, não do irmão carinhoso, do herói da infância.
Ou do tutor rígido e controlador.
Ele está com o olhar fixo no celular, o rosto bonito grave como se não estivesse
recebendo boas notícias. Imagino que era assim que ele recebia as mensagens da diretora
Tilbury.
— Más notícias? — Quebro o silêncio, denunciando minha presença, ele levanta a cabeça
e os olhos escuros se prendem em mim.
Por alguns segundos, não há expressão alguma ali e eu me pergunto, insegura, que Piero
vou encontrar.
Ele ainda está com raiva de mim? Ou a raiva se arrefeceu nos meses em que não nos
encontramos?
Talvez ele ache que eu esteja com raiva, e me vejo abrindo um sorriso, percebendo que
não desejo brigar hoje, não quero ser afrontosa ou impertinente para provocar sua ira.
Quero uma trégua, nadar com ele em mares tranquilos como antes.
E quando ele sorri de volta é como se meu coração ganhasse asas.
Por um momento, apenas sorrimos um para o outro e sei que está passando em sua mente
as mesmas coisas que na minha. Lembranças de tempos mais felizes e simples. O som de nossos
risos enquanto apostávamos quem chegaria primeiro ao iate com o Mediterrâneo inteiro a nos
guiar, o sol que queimava nossa pele quando eu me juntava a ele à beira da piscina com um livro
a tiracolo que passaria horas lhe contando a história, mesmo que não se importasse no fundo com
o que eu estava falando. Ele apenas me ouvia. As horas intermináveis que passou me ensinando a
jogar xadrez, sua voz suave cantando canções em italiano para eu dormir, quando deitava em
suas pernas nas noites quentes, enquanto nossos pais estariam em algum lugar se divertindo.
Tudo isso ficou no passado.
Mas nós ainda estamos aqui.
E essa certeza me enche de uma segurança que apaga tudo o mais. Não importa que ele
não me ame como eu quero. Não importa que hoje, ele me odeie a maior parte do tempo.
Nossas almas ainda são feitas do mesmo material.
Eu sei. Ele sabe. E Isso é uma dádiva e uma maldição.
— O mundo real é cheio de notícias ruins, piccola — responde por fim e como sempre
nos últimos três anos, quando ele me chamava de piccola, algo revira meu estômago, trazendo de
volta a frustração que não consigo evitar. Seria tão mais fácil que aquele desejo proibido não
tivesse se infiltrado em meu coração e se alastrado por meu sistema como veneno, me matando
aos poucos a cada minuto em que eu não podia tê-lo pra mim. — Vai se acostumar. — Sua voz
sai cheia de um humor sombrio que não me assusta.
Piero acha que estou com medo do mundo real? Eu estou salivando por isso.
— Pelo menos essas notícias não são sobre mim...
— Acho que será até estranho não receber reclamações de Audrey sobre você.
— Audrey?
— A Sra. Tilbury.
— Vocês se tratavam pelo primeiro nome?
Ele ri.
— Acho que ela sabia meu número de cor, de tanto que tinha que me ligar para contar de
mais uma de suas peripécias. — Há censura em sua voz e dou ombros com um olhar de descaso.
— Ela era uma bruxa e me odiava.
— Ela tinha razão. Você procurava problemas. — Ele se levanta, guarda o celular e vai
até o bar.
Eu o observo pegar um copo e whisky.
— Não vai me oferecer?
— Você não pode beber, piccola.
— Não sou uma criança, e sabe disso muito bem.
— Jovem demais para beber, melhor? — ele corrige.
— Tenho 18 anos, não sei se lembra.
Ele respira fundo, um riso de desagrado se formando em seus lábios e não consigo deixar
de esconder um sorriso.
— Então eu vou beber sim. O mesmo que você — exijo sem dar margem à discordância.
Piero pode não fazer o que pedi, mas ele sabe que se não fizer vou fazer eu mesma.
Ele vai ficar puto, vai começar a me dar um sermão, eu vou revidar e em minutos
estaremos discutindo até que as ofensas ficarão pesadas a ponto de recuar e ir embora.
É sempre ele quem recua.
Da minha parte, não tenho nada a perder. Mergulho naquelas brigas com um prazer quase
sádico, porque é quando tenho a ilusão que me trata como igual.
Uma oponente à altura.
Caminho de forma mais sensual possível até a poltrona vermelha me sentando e cruzando
as pernas, não deixando de encará-lo enquanto ele pega um copo e prepara a bebida.
Piero não faz contato visual comigo enquanto se aproxima e coloca o copo na minha
mão. Nossos dedos se tocam por alguns segundos e estremeço me perguntando se ele não sente o
mesmo.
Se não sente aquele choque que faz os pelos da nuca arrepiarem.
Ele senta à minha frente, bebericando a bebida escura e faço o mesmo.
Não gosto de whisky. Já tomei de tudo que existe neste mundo para saber que prefiro
bebidas doces. Claro que Piero sabe e odeia.
— Você odeia que eu seja adulta agora?
— Por que odiaria?
— Porque não pode mais me controlar.
— Quem disse que eu gosto de te controlar?
— Então por que não declinou de ser meu tutor?
— Não havia outra opção, sabe disso. Quem mais ia ficar de olho em você?
— Você odiou cada minuto.
— Você não facilitou nem um minuto.
— Agora acabou.
— Você não tem 21 anos.
— Mas é diferente agora. Não sou mais uma estudante que pode me mandar para um
internato para me manter sob controle.
— Não adiantou nada te mandar para Wycombe Abbey.
Solto uma risadinha.
— Eu achei que seria expulsa em pouco tempo.
— Era essa sua intenção?
— Claro que sim, não era óbvio?
— Você parecia feliz, tinha amigas.
— Sim, eu fiz amizades que deixaram os dias menos horríveis, mas ainda assim me
sentia numa prisão.
— Não era uma prisão. Estava lá para ter educação, boas maneiras.
Reviro os olhos.
— Arg! Boas maneiras!
— Estou vendo que Audrey falhou miseravelmente nesse quesito. Me pergunto se valeu a
pena todas as doações que fiz para mantê-la de boca fechada sobre você no conselho e não te
expulsarem.
Abro a boca, surpresa com aquela informação.
Mas acho que não deveria ficar tão chocada assim.
Eu aprontei tudo o que podia para me livrar dos portões de Wycombe Abbey e de nada
adiantou.
— Parece surpresa.
— E nem deveria. Claro que você ia fazer alguma coisa suja por baixo dos panos para me
manter presa lá. Afinal só a sua vontade prevalece!
— A minha vontade? Não faz ideia do que eu quero, Ariella.
— Então me diz.
Ele toma o resto da bebida com uma expressão de desagrado.
Dói quando ele faz isso.
Quando deixa claro o quanto odeia me ter sob sua responsabilidade.
Eu também odeio, mas por outros motivos.
Ele sabe. Mas finge que não sabe.
Dançamos aquela dança há três anos.
— Eu quero que você vá para Milão.
Eu me surpreendo.
Não havíamos conversado sobre meu futuro, mas nós não trocamos sequer uma palavra
nos últimos meses.
Na verdade, também não pensei sobre este assunto. Eu vivia para o dia em que sairia da
escola e me veria livre, mas a única coisa que eu pensava em fazer com essa liberdade era o que
não podia.
Ainda assim, era a única coisa que eu pensava como uma obsessão.
Nós conversamos sobre isso nos últimos tempos na escola. Georgina tinha um namorado
sério há anos que estava se formando em medicina e sonhava em trabalhar na África e era para
onde ela estava indo com ele. Era óbvio que não era o sonho dela. Georgina era uma nerd que
sonhava em ser professora universitária, seguir carreira acadêmica e essas bobagens chatas, mas
estava seguindo George, o namorado, porque achava que era o que tinha que fazer.
Eu não achava que Georgina amasse George de verdade. Quem em sã consciência
namora três anos e continua virgem? Ela não falava com todas as letras, mas eu não era idiota.
Tinha alguma coisa errada ali, mas não seria eu que abriria os olhos de Georgina. Ela achava que
eu era uma piranha por me divertir com garotos sem pensar nas consequências. Estava sempre
pronta a criticar meu comportamento. Ao contrário de Anya, que até pouco tempo era tão virgem
quanto era possível, mas ao contrário de Georgina, Anya era proibida de ter qualquer namorado
pela mãe superprotetora, embora eu desconfiasse que tivesse a ver com o avô grego de quem ela
era única herdeira.
Ela estava indo para a Grécia encontrar o avô que nem conhecia. Mal sabia ela que o
grego gostoso que conheceu nos últimos dias de aula não via a hora de reencontrá-la. Anya não
fazia ideia de que eu conhecia Alexis Kostapoulos antes dela e que armei aquele encontro
“casual” no pub no dia em que fugimos. Mas o que dizer? Eu sou uma romântica, embora
ninguém acredite.
Não é porque a minha história de amor é quase uma tragédia grega que eu não queira que
as pessoas não vivam uma paixão.
Não sei o que vai acontecer com Anya e Alexis, mas ela decidiu que queria estudar moda
e eu me empolguei com a ideia também. Minha mãe era estilista, minha família é dona de um
império envolvendo moda. Por que não?
Ir para Milão estava em meus planos sim. Claro que eu queria estar perto de Piero, mas
também sabia que ele daria um jeito de me impedir.
Não é o que ele faz há três anos, me afastar?
Mas agora ele me surpreende com este convite direto.
Não posso impedir a chama da esperança tola e suicida se acender em meu peito. Eu me
levanto, sem conter a onda de energia que começa a formigar em meus ombros. Caminho meio
ansiosa por um momento e me volto.
— Quer que eu vá pra Milão?
— Sim, é onde estão os nossos negócios. É onde eu moro — responde vindo na minha
direção.
— Quer que eu more com você?
— Você pode ter sua casa, não me oporia a isso, claro.
— Mas e se eu quisesse morar com você?
— Adora encher a boca pra dizer que é adulta, não gostaria de ter a própria casa? — Ele
para na minha frente, com as mãos nos bolsos.
Eu sou alta, mas ainda assim tenho que levantar a cabeça para encontrar seu rosto.
Piero tem um rosto esculpido. Maxilar forte coberto por uma fina camada de barba por
fazer, um nariz reto e imponente, olhos escuros com cílios compridos e sensuais.
Lindo.
— Achei que ficaria feliz em me ter sob seu domínio. Pra me vigiar, me dobrar.
— Acha que eu conseguiria te dobrar?
— Não. Por isso não entendo esse súbito interesse em me ter por perto.
— Não quer ir pra Milão?
Eu quero estar em qualquer lugar que você esteja. É o que quero responder.
— Por que achou que eu iria fazer o que quer de novo? Você me enfiou naquele colégio
contra minha vontade. Vai querer que eu vá morar em Milão contra a minha vontade
também? Eu posso não ter o mínimo interesse em ir pra Milão. Tenho meus próprios planos!
— E quais seriam eles?
— Eu quero viajar por um tempo.
— Você já viaja demais.
— Nas férias. Quero viajar pra me divertir.
Sua expressão se enche de desagrado. Claro. Ele não gosta disso.
Ele sabe bem o que significa minha diversão.
Foda-se.
— Sozinha?
Dou de ombros.
— Com minha amiga Anya Giannoulis talvez, e acho que faremos faculdade juntas.
Ele levanta a sobrancelha.
— Quer estudar? Depois de gritar tantas vezes que não precisava. Como é mesmo que
dizia? Eu sou rica, não preciso dessa merda.
Sim eu havia gritado muitas asneiras para Piero naqueles anos.
— Nós queremos estudar moda.
— Isso é uma surpresa.
— Por quê?
— Porque nunca demonstrou interesse. Me diga, é uma ideia sua ou de sua amiga que
está embarcando junto porque não tem nenhum plano?
— Você acabou de ouvir, eu tenho planos! Não me trate como uma idiota.
— Eu ouvi que tem planos de não fazer absolutamente nada de útil, como sempre, apenas
se divertindo sem nenhuma responsabilidade.
— E qual o problema? Posso fazer o que eu bem entender agora. Por que se importa? Me
diga, por que quer tanto que eu vá pra Milão? Por que não confia em mim, que eu cresci e posso
cuidar da minha própria vida? Por que é tão difícil pra você entender?
— Eu queria acreditar. Não sabe o quanto quero acreditar que é uma mulher adulta e não
uma criança.
— E por que não acredita? — Minha voz se torna um murmúrio queixoso.
— Não fez nada nesses três anos que apontasse o contrário, porra! — Ele perde a
paciência. — Passou esses malditos três anos se rebelando contra mim, agindo como uma
menina mimada e inconsequente em vez da adulta que tanto quer me fazer acreditar que é!
Eu empalideço como se Piero tivesse batido na minha cara.
— E você sabe por quê! — Aumento a voz.
Piero aspira forte, as narinas se contraindo e percebo que estamos à beira de mais uma
briga.
— Inferno, Ariella! — Ele recua passando os dedos pelos cabelos. — Não foi pra brigar
com você que vim aqui hoje, mas não facilita, não é?
— Agora a culpa é minha?
— Nem um de nós tem culpa disso aqui.
E eu sei que está falando do fato de que ele é meu tutor por causa da tragédia que se
abateu sobre nossa família há três anos nos deixando naquela situação.
Eu recuo também.
Sei que Piero tem razão quando diz que sempre me rebelei.
Mas era a única maneira que eu conseguia lutar.
E por mais que tenha uma parte de mim que está cansada de brigar, há outra que não quer
entregar as armas.
Porque é o que Piero sempre quis.
Que eu recuasse e ele pudesse me colocar no único lugar que quer permitir que eu tenha
em sua vida.
Não, não posso.
Dou um passo em sua direção.
— Por que, de verdade, está me convidando para ir pra Milão?
— É nossa casa.
— Sua casa.
— É onde seus pais gostariam que estivesse. Acho que chegou a hora de se preparar para
assumir seu lugar neste legado.
— Não é essa a resposta que eu quero.
— O que você quer?
— Me dê um único motivo para me convencer que não seja essas bobagens de herança e
legado. Sabe tão bem quanto eu que não preciso assumir nada. Você sempre estará lá por mim —
insisto —, me faça acreditar que realmente me quer por perto!
Por um momento eu espero.
Eu anseio.
Rezo para ouvir o que sempre sonhei.
Bastaria uma palavra.
Nem que fosse um pequeno gesto que me desse esperança...
Mas antes que responda escuto passos se aproximando e Piero olha através de mim.
Sua expressão muda, se recompõe.
— Aí está você. — Uma voz feminina se faz ouvir.
Eu me viro e uma mulher loira e bonita está ali.
Ela passa por mim. Piero estende a mão e ela a segura.
— Ariella, esta é Violet. Minha noiva.
Por um momento, sinto como se toda a vida fosse tirada do meu corpo.
Noiva?
Ele disse noiva?
Meço a mulher bonita que sorri, enganchada no braço de Piero, as unhas pintadas
francesinha fincadas no terno preto e o brilho do anel de diamante ofusca meus olhos, quase me
cegando.
Meu estômago embrulha e por um instante vejo tudo preto.
Não.
— Noiva? — repito.
— Violet, essa é Ariella De Vere.
Ela sorri pra mim.
— Muito prazer.
É uma mulher bonita, com os cabelos lisos e impecáveis, usando roupas finas e elegantes
que grita de longe dinheiro antigo.
De onde diabos saiu aquela mulher?
Noiva! Piero está noivo.
Sinto que posso vomitar.
— Ei, tudo bem? — ela indaga meio preocupada com a minha falta de reação.
— Ariella está surpresa, eu não havia lhe contado ainda sobre nosso compromisso — é
Piero quem responde.
Engulo a vontade de cuspir na sua cara.
Filho da puta.
Desde quando ele está com aquela mulher?
Claro, eu sabia que Piero estava cercado de mulheres. Ele deveria comer um bom número
delas por aí, mas nunca teve uma namorada séria, que dirá noiva!
— Eu não sabia da sua existência, na verdade. — Não consigo evitar a frieza na minha
voz.
— Pois eu sei tudo sobre você, claro. Achei muito bonito o que Piero fez, se
responsabilizando por você depois da morte dos seus pais. É realmente uma pena que tenha
ficado órfã tão novinha, e sem ninguém da família para tomar conta de você...
— Eu não era uma criança, tinha 15 anos.
— Ainda uma criança.
— Mas não sou mais — esclareço olhando diretamente para Piero que se mantém
impassível.
Abaixo os olhos para a mão dele na cintura de Violet e quero tirá-la dali.
Quero tirar aquela mulher de perto dele.
Quero tirá-la do mundo.
— Sim, Piero disse que saiu do colégio. É um alívio, não é? Mas agora estou feliz que
esteja aqui, e poderemos nos conhecer. E poderá me ajudar nos preparativos do casamento.
— Casamento? — Sinto falta de ar.
Ele não vai casar vai?
— Ora, noivados são para isso. — Ela sorri e levanta a cabeça. — Eu não vejo a hora. —
E a coisa mais nojenta acontece. Piero sorri pra mulher e a beija de leve.
Segurar a bile na garganta é quase impossível.
De repente um celular toca e ela se afasta de Piero pegando o aparelho no bolso da calça
elegante.
— Oh, é o meu. Preciso atender. Enfim, foi um prazer te conhecer, Ariella. Espero que no
jantar de hoje possamos conversar mais.
Ela se afasta, desaparecendo no corredor, e eu encaro Piero, agora sem disfarçar todo
meu desgosto.
— Quem é essa mulher?
— Você ouviu, Violet, minha noiva.
— Nunca me falou dela! Nunca... Isso não está acontecendo! — Ofego, um nó
começando a fechar minha garganta.
— Estamos juntos há poucos meses, ficamos noivos recentemente — Piero explica
casualmente, como se não estivesse narrando meu maior pesadelo.
— Vai se casar...
— Sim, muito em breve, piccola.
Fecho os olhos, lutando para respirar.
— Agora eu tenho que ir, tenho uma reunião de negócios na cidade, como Violet disse,
vamos jantar nós três, esteja pronta.
E simples assim, me dando ordens, ele se vira pra sair, mas eu reajo finalmente,
estendendo a mão e segurando sua camisa, o fazendo parar.
— Não pode se casar com ela! Não pode fazer isso comigo!
— Não tem nada a ver com você, Ariella.
— Não? Tem certeza? Que coincidência que quando eu saio do colégio, finalmente, você
esteja noivo. Sabe por que está fazendo isso. Está se protegendo de mim. De nós!
— Chega. — Ele afasta minha mão. — Não existe nós. Está delirando!
— Não? Tem certeza?...
Quatro
Piero
***
— Piero, finalmente! — Santino me recebeu de braços abertos, exibindo um sorriso
satisfeito no rosto moreno.
— Santino, como vai?
Eu o chamava de tio quando era criança, mas quando entrei na adolescência, ele insistiu
para que o chamasse apenas de Santino.
— Estou surpreso que Francesco tenha pedido que viesse aqui hoje.
— Eu também.
— E espero que tenha boas notícias.
— Na verdade, eu vim com um recado.
Ele levantou a sobrancelha.
— Meu pai pediu pra dizer que não vai ver nenhum centavo dele.
Meu tio pareceu contrariado por um momento, mas então sorriu.
— E Francesco lhe mandou aqui apenas para isso?
— Sim, eu também estranhei, mas ele citou algo sobre seus... negócios escusos.
Santino soltou uma sonora gargalhada.
— Ah Francesco, sempre querendo aprontar e pôr a culpa em mim. Coisas de irmãos,
alguns diriam! Mas ele sempre foi assim, desde que éramos crianças. Aprontávamos juntos, mas
Francesco não assumia sua culpa nunca. Eu sou diferente. Enfim, acho que devemos dar uma
volta.
Ele me guiou até um carro preto onde um motorista abriu a porta e entramos.
— Aonde vamos? A tal festa que citou?
— Quero lhe mostrar algo que só alguns sabem apreciar.
— O quê? Algo que faz parte dos negócios escusos, como papai disse?
— Depende do ponto de vista.
— Por que meu pai não quer investir no seu novo empreendimento?
— Seu pai adora me pintar como vilão quando nunca hesitou em usufruir dos meus...
empreendimentos sempre que lhe convinha.
O carro parou em um casarão antigo e saltamos.
Eu admirei a fachada da casa, iluminada, onde dois homens usando máscaras nos
receberam.
Piero me entregou uma máscara preta.
— O que é isso? Um baile de máscaras? Não faz meu estilo.
— Não é um baile de máscara, embora todos usem máscara aqui. É essa a regra.
— Regra do quê?
— Bem-vindo ao meu clube, Piero. Quero que esqueça tudo hoje à noite e se divirta.
Aprecie como um presente. Um esforço do seu velho tio para que você finalmente venha para o
lado certo da família.
— Está me chamando para trabalhar com você de novo?
— Eu sempre o quis comigo, sabe disso. E seu pai também sabe.
— Você tem seus próprios filhos.
— Marcella é uma pequena traidora e Luigi é um desgosto. Mas você... Você é um
diamante a ser lapidado, bambino. Não é justo que se contente em ser um lacaio dos De Vere
como seu pai. Sabe que eles têm a maior parte das ações, não é? Seu pai só tem 30%.
— Porque os De Vere foram quem investiram o dinheiro.
— Mas é seu pai quem administra tudo, quem fez o negócio crescer, ele quem fez o jogo
sujo que os De Vere nem imaginam, que contou com minha inestimada e discreta ajuda para
tanto.
— O que quer dizer?
— Homens são tão fáceis de agradar, basta usar a moeda mais antiga. É isso que nossos
clubes oferecem. A melhor diversão de todas com toda a discrição necessária. Lembre-se. — Ele
pegou a máscara e colocou sobre meu rosto. — Isso é só uma amostra, bambino.
— Eu gostaria que me falasse claramente.
Eu já começava a desconfiar do que se tratava, mas ainda não entendi que diabos que
significava e o que tinha a ver com meu pai.
— Meu pai frequenta este... clube?
— Não, seu pai é um homem fiel, pobre Francesco, mas ele sabe que a maioria dos
homens são fracos em apenas uma coisa. E eu sei. E você também. Por isso quando queremos...
que cooperem, nós damos algo em troca.
— Talvez eu não queira esse tipo de diversão hoje. — Eu ainda hesitei. Eu não queria
sexo.
Eu queria respostas para aqueles enigmas.
— Eu prometo que terá suas respostas amanhã. Hoje quero apenas que relaxe. Aqui,
ninguém tem nome, ou família, ou moral. Tudo é permitido. Somos apenas mascarados sem
rosto, dispostos a realizar nossos desejos. Colocamos máscaras e revelamos nossa verdadeira
natureza. Tenha uma boa noite, caro.
Ele retornou ao carro e a porta se abriu à minha frente.
A curiosidade me fez entrar no ambiente à meia-luz, onde os rostos de homens e
mulheres de máscaras transitavam num ambiente luxuoso.
Por um momento, apenas deslizei pelos corredores, onde os corpos femininos
estonteantes iam se desnudando e ficando apenas as máscaras em seus rostos, e a verdadeira
atmosfera do lugar se revelava aos meus olhos.
Então era este o clube de Santino Salvatore.
Um lugar onde homens se refestelavam com corpos femininos, realizando suas fantasias
hedonistas sem culpa.
Era isso que meu pai queria dizer com negócios escusos? Não parecia tão escuso assim.
Festas regadas a álcool, drogas e sexo, era algo mais comum do que se imaginava, ainda mais no
mundo daqueles que tinham dinheiro para usufruir desses prazeres.
Mas Santino disse algo sobre moeda de troca?
Quem eram esses homens mascarados? Porque estavam ali, com os rostos escondidos,
tocando em mulheres de máscaras que não sabiam o nome, assim como elas não sabiam seus
rostos?
Uma mulher de preto passou servindo uma bandeja com whisky e peguei um copo
virando quase todo o conteúdo. A bebida era boa.
Adentrei em uma sala e vários homens assistindo uma moça dançar, nua, usando apenas
uma máscara veneziana. Sorri. Ela era bonita, sensual e não parecia contrariada quando dois
homens se aproximaram. Um deles abaixou a calça sentando no sofá e ela se apressou em tomá-
lo na boca.
O outro ficou nu e a tomou por trás. Os gemidos encheram o ar.
Saí da sala e segui pelo corredor, onde várias mulheres de máscara desfilavam, algumas
usavam belos vestidos, outras apenas lingerie, e algumas estavam nuas.
Sentia meu desejo despertado pelos estímulos óbvios do ambiente feito para isso, mas ao
mesmo tempo que parecia instigante, também parecia superficial. Eu queria ir embora e
confrontar Santino sobre o que quis dizer com meu pai usufruindo daquele clube, mas também
poderia pegar qualquer uma daquelas mulheres e teria um bom orgasmo muito facilmente.
Que mal haveria? Algumas delas eram bonitas o suficiente para tentar o mais santo dos
homens.
E eu não era um santo.
Eu gostava de mulheres. Gostava de sexo.
E embora não fosse nenhum mulherengo degenerado, eu não era diferente da maioria dos
homens.
Eu estava tentado e começando a entender a sedução que um lugar como aquele poderia
exercer.
Então de repente senti um arrepio na nuca, eu me virei e uma mulher estava me
encarando há poucos metros de distância. Outras pessoas circulavam a seu redor, mas ela estava
com o olhar por trás da máscara escura que cobria boa parte do seu rosto fixo em mim.
Me chamando.
Era exatamente assim que eu me sentia.
Sendo chamado, reivindicado.
Dei um passo em sua direção atraído pela mulher que não podia ver o rosto, mas
deixando meu olhar subitamente ávido percorrer o corpo revestido por um longo vestido preto,
os cabelos vermelhos num tom irreal.
De repente ela se virou, desaparecendo por entre os corpos e eu avancei em sua direção,
sem ao menos pensar no que fazia.
Eu a segui pelos corredores, fascinado, instigado.
Até que ela desapareceu numa porta e me apressei naquela direção.
Quando adentrei no ambiente, franzi o olhar tentando enxergar, porque ali reinava a
semiescuridão.
— Olá? — eu a chamei.
E então ouvi o farfalhar de tecido na minha frente e lá estava ela, a moça de máscara
preta.
Eu abri a boca para falar, não sei bem o quê. Talvez perguntar seu nome, ainda preso nas
amarras sociais de um flerte que certamente não se aplicava ali, mas ela veio em minha direção e
colocou o dedo sobre meus lábios.
— Shi... — sussurrou e o som atingiu meu pau diretamente.
Porra.
Antes mesmo de ela me beijar, sua língua reivindicando a minha, eu já estava rendido.
Eu a beijei de volta, devorando seus lábios com gosto de champanhe e mistério, ouvindo
seus pequenos gemidos reverberar pela sala e causar arrepios em minha espinha.
Suas mãos estavam em meus cabelos, puxando, enquanto ela me beijava como se eu
fosse o primeiro e último homem do mundo, numa avidez quase desesperada.
Soltei um riso, gostando da maneira que ela me atacava como se fôssemos adolescentes e
pudéssemos ser pegos a qualquer momento, e não dois adultos em um clube de sexo que tinham
todo o direito de estarem prestes a foder um ao outro.
E era exatamente isso que eu queria agora.
Muito.
Queria arrancar sua roupa e mergulhar meu pau muito duro dentro dela.
Com um gemido rouco, eu a empurrei e me sentei no sofá de couro atrás de mim.
— Tire a roupa, quero te ver — exigi.
Não era pra isso que ela estava ali?
Queria pedir que ela tirasse a máscara, mas me lembrei que aquela era a regra e talvez
isso tornasse tudo mais excitante.
Ela deu um passo atrás e deslizou o vestido para o chão. Eu arfei, meu olhar percorrendo
o corpo feminino perfeito usando um sutiã preto de renda, calcinha transparente e meia 7/8 nas
coxas brancas.
Salivei e levei a mão à frente da minha calça.
— Tudo — ordenei.
Ela tirou o sutiã e os seios saltaram à minha vista, fiz uma anotação mental para que antes
que a noite terminasse eu estivesse gozando sobre eles.
Abri minha calça, enquanto ela deslizava a calcinha para o chão, ficando nua a minha
frente, apenas com as meias.
— Fique com elas — pedi enquanto abria minha calça e tirava meu pau. Ela arfou,
passando a língua sobre os lábios me deixando ainda mais duro.
Peguei uma camisinha na carteira, não estava tão maluco assim para não me proteger de
uma mulher que nunca vi.
Estendi a mão e ela a segurou sem hesitação.
— Agora vem até aqui e sente em mim. — Excitação pingava da minha voz e observei,
extasiado, ela fazer o que mandei.
Mantendo-a pairando sobre mim eu a beijei deslizando minha língua por seus lábios
doces e os dedos por seus seios incríveis, enchendo minhas mãos com eles antes de deslizar uma
delas pelo ventre liso até o meio de suas pernas e encontrá-la úmida e quente, pulsando sob meu
toque. Enfiei os dedos em seus cabelos notando que a cor era irreal porque realmente não era
cabelo de verdade. Ela usava peruca. Que cor teriam seus cabelos? Acariciei sua boceta que
estava depilada, adorando os sons quase surpresos de seus gemidos contra meus lábios. Queria
fazê-la gozar com os dedos, que agora eu girava em seu clitóris, enquanto ela rebolava os quadris
gulosamente em busca de mais, mas também não podia mais esperar para fodê-la com meu pau
pulsando de vontade de estar dentro dela. Sem demora, segurei seus quadris e a forcei para
baixo, até estar com sua boceta muito apertada em volta do meu pau. Nós dois gememos e a
movimentei para cima e para baixo, o prazer explodindo em todo meu corpo, eletrizado por
aquela transa inesperada.
Puxei sua cabeça para trás, para ter acesso a seu pescoço, deixando marcas dos meus
dentes, amando que ela apenas aceitava tudo o que eu lhe dava, como se estivesse ali, naquele
maldito clube pervertido, apenas para mim. Choques elétricos percorriam minha barriga e coxas
e soquei com mais ímpeto para dentro dela, ouvindo-a gemer mais alto e arquejar, senti que
estava perto e rosnei, frustrado, porque ainda não parecia o suficiente. Eu a agarrei, passando os
braços por suas costas e nos movendo, eu a coloquei deitada no sofá.
— Isso, assim, porra! — Mergulhei ainda mais fundo, o som de carne contra carne
enchendo o ambiente junto às batidas hipnóticas da música sensual que vinha de algum lugar.
Também escutava sussurros e gemidos de outros casais, através das paredes, enquanto tudo se
transformava em um borrão em meus sentidos, fodendo aquela desconhecida de máscara. Enfiei
o rosto em seu pescoço quando tudo pareceu insuportável e mordi seu ombro, aspirando seu
cheiro de mistério e sexo, empurrando para dentro dela uma vez mais e gozei forte, o prazer
atravessando meu corpo de forma quase sobrenatural.
Toda a experiência parecia saída de minha imaginação enquanto soltava o corpo em cima
dela, ouvindo seu ofegar. Beijei o lugar onde havia mordido, me sentindo meio culpado porque
ficaria uma marca, com certeza. De repente eu queria olhar pra ela de verdade. Tirar sua máscara
e saber seu nome, mas escutei um barulho e levantei a cabeça para me dar conta de que não
estávamos sozinhos.
Havia uma plateia nos assistindo.
Caralho.
Eu quase corei como um adolescente pego em flagrante com uma garota.
O que seria ridículo. Era para isso que estavam ali. Mas ser exibicionista não era meu
fetiche.
Eu me movi, ainda com a cabeça girando da experiência e retirei o preservativo, o
jogando no lixo e ajeitando minha calça.
Alguns voyeurs já se dispersaram, e eu me virei para a moça de máscara. Ela estava
colocando o vestido e saindo apressada da sala. Quis chamá-la de volta, mas me perguntava qual
seria o protocolo?
E antes que eu pudesse ir atrás dela, meu celular vibrou no bolso.
Eu o peguei, quando vi o número desconhecido, pensei em não atender, mas ainda assim,
algo me fez apertar o botão e colocá-lo no ouvido sem saber que ia ouvir a pior notícia que
receberia na vida.
— Piero Salvatore? Aqui quem fala é da polícia de Bormios. Sinto dizer que houve um
acidente...
Quando desliguei o telefone, eu já não pensava na moça de máscara em quem gozei há
poucos minutos.
Ariella
Observo a frustração e a culpa em sua expressão porque ele sabe exatamente do que estou
falando. Daquela noite em que deixei de ser a piccola Ariella e me tornei uma mulher que ele
desejava.
E Piero deixou de ser o cara 11 anos mais velho com o qual cresci, me tratando como
uma irmãzinha mais nova, e se tornou meu amante sem rosto, sem nome. Naquele clube não
havia passado, nem presente, nem futuro.
Eu fui finalmente o que tinha certeza que nasci pra ser.
Dele.
E ele foi meu.
Só que não fazíamos ideia que, há poucas horas dali, nossos pais estavam mortos, o que
tornaria tudo o que vivemos, o que fizemos, ainda mais errado.
Não que eu sentisse que era errado. Como poderia?
Eu sabia de todas as implicações quando entrei naquele lugar, mas com certeza, embora
desejasse, nunca imaginei aquele desfecho.
Se eu me arrependi?
Jamais.
O que não posso dizer de Piero.
Assisto seu olhar ir de culpa à raiva em segundos. Ele me odeia justamente por causa
daquela noite.
Embora eu tenha o odiado também muitas vezes por insistir em jogar o que aconteceu
para debaixo do tapete. Para Piero aquela noite será lembrada como seu pecado mais sombrio.
Seu pequeno segredinho sujo.
Enquanto eu sempre vou lembrar como a melhor noite da minha existência.
Foda-se.
Ele não pode tirar isso de mim. Nunca.
Não importa o quanto tente.
Como agora, vestindo uma máscara de impassibilidade e austeridade fria quando me
encara com quase desprezo.
— Vai negar? — Levanto o queixo em desafio. A raiva começando a borbulhar dentro de
mim, fazendo a dor que ele sempre me causa quando me trata assim, ferver e se transformar em
fúria.
Jogamos aquele jogo há três anos e acho que fui ingênua em achar que agora seria
diferente. Que Piero estaria disposto a me tratar como igual.
Percebo que me enganei.
Dói e eu tenho vontade de chorar e gritar e quebrar o muro que ele ergueu tijolo por tijolo
em volta de seu real desejo que neste momento parece mais impenetrável do que nunca.
E agora ele colocou outra mulher entre nós.
Colocou outra mulher em sua cama.
Em seu coração.
O aperto no meu peito se torna mais forte e ameaça me sufocar.
— Eu sou seu tutor, Ariella.
— Você é meu amante!
— Não sou seu amante! — Ele me refuta num tom baixo e sombrio, um tom que não
admite ser contrariado. O tom de autoridade que ele usa comigo há três anos desde que foi
designado como meu tutor.
— Mas já foi! Passamos três anos fingindo que era meu tutor, como se não tivesse
trepado comigo...
— Cale-se! — Ele segura meu braço com força e a voz ainda mais ameaçadora, mas não
estou a fim de obedecer.
Eu nunca estou e hoje, depois de jogar sua noiva ridícula na minha cara, estou menos
ainda.
Que se dane.
Estou de saco cheio de fazer aquele jogo.
— Não calo! — Aumento o tom de voz. — Piero Salvatore, meu tutor, me fodeu! —
grito abrindo os braços querendo que todos escutem.
Assisto com deleite os olhos de Piero se arregalarem de horror.
— Chega! — Com um movimento ele está com a mão em minha boca, me calando
enquanto me joga contra a parede. — Você vai se calar, entendeu? Nunca mais vai tocar neste
assunto. Aquela noite foi um erro. Uma aberração que nunca deveria ter acontecido e sabe muito
bem.
Ofego sob sua fúria, meus olhos se enchendo de lágrimas com as palavras duras.
Empurro sua mão.
— Você esteve dentro de mim, me fodeu naquele clube, me tratou como uma mulher e
não como a criança que insistia em dizer que eu era!
— Você ainda é uma criança impertinente, mimada, e fora do controle, como agora —
vocifera com desgosto.
— Não sou mais uma criança. Não era naquela noite e não sou agora. Não importa o que
faça, Piero, nunca vai conseguir apagar o que aconteceu...
— Só aconteceu porque eu não sabia que era você! — Ele aumenta o tom de voz
também.
— Mas era eu. E era você. Seu corpo, seu pau... na minha boceta, bem fundo... —
sussurro e de repente o ar muda. Seu olhar duro como aço brilha de algo perigoso e proibido.
Sinto a conhecida atração me dominar, fazer minha pele arrepiar e esquentar, todo o
sangue correndo mais rápido por minhas veias e se instalar num pulsar urgente e insano entre
minhas pernas, me deixando fraca de um desejo que não consigo conter.
Que não quero conter.
Ofego naqueles poucos segundos que Piero se perde no personagem, como sei que
aconteceria em algum momento, esperando que o desfecho seja diferente, mas mesmo antes dele
me empurrar com desprezo, eu já sabia que não seria.
Pisco para afugentar as lágrimas.
Com raiva dele.
Com raiva de mim mesma.
Eu posso ter o homem que eu quiser, mas o único que quero de verdade, eu não posso ter.
Agora mais do que nunca.
Piero não vai ceder.
Ele está disposto a fingir que não sente nada, que nunca sentiu, em nome de uma moral
que pra mim não faz sentido.
Mas não sou tola para não saber que é a moral do mundo.
Piero é meu tutor.
— Não quero brigar com você, Ariella. Mas tem que parar de agir como uma criança
birrenta querendo um brinquedo que não pode ter.
Fecho os olhos, um soluço cortando minha garganta porque não há só aspereza e censura
em sua voz. Também tem uma dose do velho carinho preocupado que ele tinha por mim.
— Recomponha-se.
Abro os olhos quando escuto sua voz perto e ele está estendendo um lenço pra mim.
Eu o pego.
— Você quer me provar que é adulta e responsável, mas agindo assim só me prova o
contrário.
Eu assinto.
Claro que eu sei.
— Eu sou o seu tutor legal.
— Eu tenho 18 anos — rebato. — Não pode me mandar de volta a um colégio no fim do
mundo pra me manter sob controle.
— Realmente. Você pode fazer o que quiser. Quer viajar? Pode ir, o dinheiro que precisar
estará a sua disposição.
Fungo, limpando o rosto, abrindo um sorriso de resignação, entendendo que Piero voltou
atrás.
Por algum motivo, ele achou que eu poderia ir pra Milão, poderíamos conviver como
tutor e protegida. Ou talvez até como irmã e irmão mais velho, mas percebeu que não é assim tão
fácil.
Piero pode ter uma mulher com seu anel no dedo, mas não pode sufocar o que eu sinto.
O que eu sou.
É triste ver todos os meus sonhos ruírem mais uma vez, mas sei que perdi aquela batalha.
Só não sei ainda se estou pronta para desistir da guerra.
— Piero, querido, pode me dar uma carona para Wimbledon?
A voz da Violet nos interrompe e eu a avisto entrando na sala com um uniforme de jogar
tênis.
— É hoje seu jogo beneficente? — Piero indaga casualmente, já de posse de sua
serenidade austera habitual, como se não estivéssemos discutindo há poucos minutos.
Bem, só me resta fazer o mesmo, aparentemente.
Reorganizo meus sentimentos, engulo a frustração, escondo minha tristeza num sorriso
falso quando encaro o casal à minha frente.
— Sim, e consegui um parceiro, já que deu para trás e não irá. — Ela me encara. — Quer
vir comigo, Ariella? Tenho certeza de que terá gente da sua idade lá também, vai ser divertido —
sugere como se eu tivesse cinco anos de idade.
— Não, obrigada, eu tenho que fazer minhas malas.
— Malas, aonde vai? — Ela troca um olhar com Piero.
— Para Paris, vou encontrar alguns amigos. — Bem, é uma mentira, mas eu conheço
muita gente, não será difícil arranjar companhia para evitar me jogar no Rio Sena.
— Não me disse que Ariella ia viajar! Quando vai? Aliás, entendi que estaria indo para
Milão?
— Claro que não, quero distância de Milão agora.
— Ainda vai jantar conosco, não?
— Não, obrigada, eu tenho outro compromisso, sabe, com algum amiguinho. — Sou
irônica propositalmente antes de sair da sala, para evitar mais desavenças.
Eu me tranco no meu quarto e me jogo na cama.
Enfio a cara no travesseiro e grito até que esteja esgotada.
Quando me sinto minimamente calma, eu me sento e pego o celular.
Piero quase nunca atualiza sua rede social, para meu pesadelo que amaria segui-lo como
a mais obsessiva stalker, mas desta vez, não estou procurando por fofocas sobre meu tutor, e sim
sobre sua querida noiva. E não demora para localizá-la comentando numa foto que ele foi
marcado em um evento no mês passado. Entro na página de Violet Belford.
Obviamente ela é uma exibida. Posta muitas fotos de si mesma impecáveis em vários
eventos. Jogando tênis, ocupada em jantares suntuosos, sorridente exibindo um novo Rolex. Não
há fotos com Piero.
Ainda, penso com desgosto.
Quanto tempo eles estão juntos? Não muito, imagino. Continuo rolando a página e
encontro uma foto de Violet com um homem ao seu lado. Ele é mais velho, com o cabelo
começando a ficar grisalho. Lawrence Belford?
Entro na página do homem e me surpreendo ao ver que a última atualização é de seis
meses e está cheia de fotos com a sua esposa. Violet Belford.
Violet é casada? Como assim?
Continuo a fuçar, entrando na página de outras pessoas conhecidas dele até que entro na
página de uma tal de Lauren Belfort, e acho uma foto dela abraçando Lawrence há seis meses e
na legenda encontro a resposta.
“Feliz aniversário, querido irmão. Fique firme. Bem-vindo ao time dos divorciados.”
Ah... então Violet estava divorciada? Ou se divorciando?
Curiosa, volta à página do tal Lawrence. O cara é bonito, para um velho. Quer dizer,
descubro que ele não é tão velho assim quando jogo seu nome no Google. Ele tem 38 anos, e é
de uma família rica do ramo hoteleiro. Foi casado com a querida Violet por cinco anos. Não tem
filhos. Há muitas fotos do feliz casal em vários anos. O que aconteceu para aquele
relacionamento afundar?
Será que Piero tem algo a ver com o fim do casamento de Violet?
Não sei o que pensar sobre isso. Não gosto de pensar em Piero fodendo Violet enquanto
ela era casada. E, na verdade, não acho que faz o estilo dele. Ou será que seu senso de moral
funciona só pra mim?
Eu salivo de vontade de saber mais sobre aquela fofoca que começa a se tornar
subitamente interessante.
Mordo os lábios, voltando à página de Lawrence Belfort e digito uma mensagem. Ele
responde mais rápido do que eu esperava.
Algumas horas depois eu tenho um novo amigo e um convite para jantar.
Foda-se Piero e Violet.
Enquanto me maquio, uma voz teima em sussurrar dentro de mim que estou só piorando
tudo me envolvendo com o ex de Violet. E nem consigo negar que estou apenas louca para
deixar Piero nervoso.
Sorrio passando o rímel no meu olho, me perguntando até onde estou disposta a ir com o
ex da noiva de Piero para provocá-lo.
Limite é algo que não faz parte do meu dicionário.
Eu ultrapassei aquela linha na noite em que Santino Salvatore me convidou a entrar
naquele clube.
Mudando tudo para sempre.
Seis
Ariella
— Bella Ariella! — Santino me recebeu assim que saí do carro em frente a sua magnífica
mansão.
Segurou minha mão e a beijou.
— Mas você está mesmo crescida. E muito bonita, como foi que meu sobrinho ainda não
percebeu?
Sorri, feliz com o elogio.
— Eu também me pergunto o mesmo.
Santino soltou uma sonora gargalhada.
— E ainda é espirituosa, uma combinação irresistível, cara. Venha comigo. — Ele fez
com que eu segurasse seu braço e seguimos até uma varanda onde nos sentamos em uma mesa e
um empregado nos serviu duas taças do que eu reconheci como Martini.
— Vamos brindar, cara, a nossa nova amizade.
Eu peguei a taça meio incerta.
— Eu nunca bebi Martini.
— Já está na hora de começar. — Sorriu batendo a taça na minha e sorri de volta,
bebericando o líquido que me pareceu amargo, mas como não queria demonstrar ser uma
boboca, não reclamei.
— Sei que não parece saboroso a princípio, mas é uma questão de se acostumar. Muitas
coisas na vida adulta são assim, minha querida. Vai ver. Tem que ter coragem de aproveitar tudo
o que lhe oferecem, ainda mais quando é relacionado a prazer.
Desviei o olhar para o espetacular pôr do sol, um tanto vermelha, pelo teor da conversa.
— Está sem graça? — Santino percebeu meu súbito desconforto.
— Tudo isso é novo pra mim.
— Nunca tomou uma bebida alcoólica?
— Claro que já. Um ocasional gole de vinho, ou espumante, sob a supervisão dos meus
pais em algum evento. Eles são bem liberais, mas acham que devo esperar ter pelo menos 18
anos para beber.
— Uma bobagem. O álcool é um lubrificante social. Facilita muitas ações.
Tomei mais um gole, sentindo agora a bebida descer de forma quente por minha
garganta, mas não era tão ruim como antes.
Sim, eu poderia me acostumar.
— Mas vá devagar, não a quero bêbada, minha cara. Os prazeres do mundo precisam ser
apreciados com liberdade, mas com certa moderação. Você os domina, e não o contrário.
— Não sei se entendo...
— Veja os homens. Eles gostam de sexo e muitas vezes se deixam dominar por ele e
podem ser facilmente manipulados.
Fiquei vermelha por ele entrar naquele assunto, mas ao mesmo tempo entusiasmada.
Sexo era um assunto ainda um tanto abstrato que ocupava cada vez mais minha mente e
exercia um interesse crescente em mim, depois que comecei a ficar com garotos.
Eu tinha algumas amigas de escola que já haviam experimentado, algumas diziam que era
incrível, outras nem tanto. Pelo que entendi podia muito ter a ver com seu parceiro escolhido.
Meninos eram desajeitados e até mesmo brutos e apressados, era o que diziam. Não sabiam
como fazer uma garota gostar do ato. Homens mais velhos poderiam ser a melhor pedida,
aparentemente, embora alguns também não fossem melhores que os garotos. Uma vez eu
perguntei a minha mãe sobre o assunto há alguns meses e pela primeira vez ela pareceu disposta
a conversar comigo, afinal, eu havia contado pra ela que beijei alguns garotos e que estava
curiosa.
— Este é um assunto muito sério, não deve simplesmente se deixar levar pela vontade,
pelo impulso, ainda mais na sua idade. Não acho que esteja na hora de dar este passo.
— E como vou saber quando? E, por favor, não sou idiota, não me venha com o papo de
esperar virgem pra casar, eu duvido que a senhora tenha se casado virgem.
Ela riu da minha sinceridade.
— Não, não me casei virgem. Eu perdi minha virgindade com 17 anos com um namorado
de escola com quem estava há uns três meses. Não foi nada legal, mas entendi que éramos
muitos novos. Não tenha muita expectativa, pode ser bem ruim às vezes. E eu só quero que tenha
certeza de que é o que quer quando decidir que chegou a hora. O garoto certo vai aparecer um
dia, talvez não em breve, ainda é muito novinha, acabou de entrar na adolescência. Aproveite a
fase dos beijos e descobertas. Mas não deveria se preocupar com isso, e nem deixar que o
assunto ocupe sua mente. Jamais vou te proibir de sair com garotos e se divertir, mas preciso que
tenha responsabilidade e espere se sentir realmente pronta e à vontade. Vai valer a pena.
Bem, toda vez que eu olhava pra Piero eu me sentia pronta.
Eu só precisava que ele percebesse isso, mas como?
Tive vontade de confessar à minha mãe esses anseios com Piero, mas tinha medo de que
ela não entendesse.
Agora, ter este tipo de conversa com Santino era um pouco entranho, mas ele parecia me
entender como ninguém, o que era um certo alívio.
Eu estava cansada de esconder o que sentia.
— Vejo que a choquei?
— Um pouco, mas não quero que pense que sou boba. Já tive conversas assim com
minhas amigas, mas nunca com um adulto. É esquisito, acho.
— É uma pena que aparentemente as pessoas a sua volta não a tratem como merece. Está
se transformando numa linda mulher e é assim que vou tratá-la. Tenha certeza que tem em mim
um amigo e aliado.
— Fico muito feliz com isso. É difícil não ter com quem conversar de verdade. Estou
cansada de ser tratada como boba. É realmente assim que quero ser tratada, como adulta, por que
é tão difícil de entenderem?
— Qualquer homem ficaria encantado em poder desfrutar da sua companhia, bella. Mas
acho que está falando do meu sobrinho, não?
Corei de novo, ainda hesitante de falar dos meus sentimentos por Piero.
— Pode falar, será nosso segredo. Vamos, está apaixonada por Piero?
— Sim, estou — confessei —, mas ele não está nem aí pra mim, acha que sou criança
demais.
— Que ledo engano! Piero precisa de um puxão de orelha para enxergar a realidade.
— Eu também acho!
— Me diga, por acaso já lhe contou como se sente?
— Não, o que ia adiantar? Ele me trata como irmãzinha.
— Piero te conhece desde criança, é compreensível que tenha dificuldade de tratá-la de
forma diferente.
— Mas não sou criança!
— Claro que não.
— Eu só queria que ele percebesse. Que admitisse que cresci. Que sou bonita e desejável
como as garotas que lhe despertam interesse...
— Você quer ser uma de suas garotas.
Corei mais ainda.
— Queria ser sua única garota.
— Ah, são sonhos românticos, minha cara.
— Acha que sou boba, não é?
— Acho que ainda é muito inocente. Piero precisa de um choque de realidade e acredito
que você também.
— O que quer dizer?
Santino se levantou e estendeu a mão.
— Confia em mim, cara?
— Devo confiar? — Levantei a sobrancelha de forma desconfiada e ele sorriu. — Posso
ser inocente, mas já percebi que você não é, senhor.
— E acho que é exatamente por isso que está aqui — ele me instigou. — Eu vejo a fome
em seu olhar. Você quer deixar essa inocência para trás e eu posso ajudá-la. Assim como quero
ajudá-la a ter o que mais deseja. Piero.
Bem, ele me convenceu com essa última sentença.
Segurei sua mão e ele me levou até um grande quarto e abriu um closet.
— De quem é isso tudo? Sua esposa?
— Não.
— De Marcella? — Eu me recordava brevemente da filha mais velha de Santino no
casamento, uma moça loira e arrogante que não se dignou a nem me dar um oi. E de quem eu
tinha sentido muito ciúme porque ela havia dançado várias vezes com Piero.
— Não, essa casa não é a minha casa, ou melhor, não é a casa que divido com minha
família. É um lugar muito mais especial.
Ele retirou de lá um vestido preto de cetim.
— Nesta noite, linda Ariella, você é minha convidada especial para adentrar em grande
estilo no mundo da diversão adulta.
Ele me levou até um espelho e me fez segurar o vestido à minha frente.
— É muito bonito.
— É um presente. Assim como isso. — Então ele colocou uma máscara preta sobre meus
olhos.
— Uau! — Toquei a máscara, surpresa.
— Bem-vinda ao clube, Ariella De Vere.
Ri, meio confusa com tudo.
— Que clube?
— O meu clube. Um lugar exclusivo, apenas para quem sabe apreciar. Um lugar onde
ninguém tem nome, ou idade. — Ele levantou a sobrancelha de forma sugestiva. — E rosto.
— Oh, por isso a máscara? É tipo um baile de máscara?
— Sim, como uma festa. Com convidados mascarados cujo rosto ou nome você nunca
vai saber, mas eu serei bonzinho com você e lhe darei um bônus.
— Bônus?
— Sim, Piero estará nesta festa e lhe mostrarei exatamente onde encontrá-lo.
— Piero vai estar mascarado?
— Sim, claro. Todos estão. Aqui, no nosso pequeno clube, usamos máscaras para deixar
nossos verdadeiros desejos serem revelados.
— Eu não sei se entendo...
— Não quer saber como é ter a chance de mostrar a Piero quem é de verdade, o que ele
se nega a ver à luz do dia?
— É o que mais quero!
— Pois assim será. Piero não vai saber quem é você, e poderá finalmente lhe mostrar.
Então, de repente eu comecei a entender e sorri, um pouco receosa, mas muito
entusiasmada.
— É como um jogo?
Santino sorriu, tocando meu queixo.
— Sim, é um jogo, cara. Está disposta a jogar?
Meneei a cabeça concordando.
— Muito bem. Vou deixá-la à vontade para se arrumar. Há lingeries, sapatos, maquiagem
e perucas. Não saia do quarto, eu virei buscá-la quando chegar a hora.
Horas depois, naquela madrugada, ainda me recordando do momento com Piero como
uma louca fantasia que eu ainda tinha dificuldade de entender que fora real, desci as escadas e o
encontrei na sala.
Ele me chamou de piccola e pediu que eu me juntasse a ele.
Não da forma que chamou naquele clube, mas como antes.
E algo em sua voz me fez antecipar que algo terrível havia acontecido.
Por um momento, achei que ele pudesse ter descoberto, mas em vez disso, Piero revelou
que nossos pais estavam mortos.
Mais uma vez, naquela noite, minha vida mudou pra sempre.
Sete
Piero
Piero
Quantas vezes podemos ir ao chão e ainda ter forças para levantar e seguir?
A primeira vez que caí foi naquele clube, quando uma voz estranha me comunicou que
meus pais haviam se envolvido em um acidente.
Poucas palavras. Estrada. Neve. Não, não poderia dizer por telefone... Os passageiros
foram levados a um hospital.
Saí do maldito clube para encontrar Santino que rapidamente se prontificou em pedir um
helicóptero.
Por todo caminho, eu rezava. Podia ser um engano.
Provavelmente estavam exagerando. E encontraria meus pais e os De Vere apenas com
arranhões.
Porém, o único que ainda estava vivo quando cheguei era meu pai.
Entrei no quarto e segurei sua mão, já sabendo que ele não estaria ali por muito tempo. E
ainda assim, ele sussurrou com sua voz moribunda o que me faria cair pela segunda vez, antes de
partir para sempre.
Santino se encarregou de todos os trâmites. O velório seria no dia seguinte, em Milão. Os
De Vere seriam levados a Inglaterra para serem enterrados junto aos familiares.
E eu precisava dar a notícia a Ariella.
E foi então que eu caí de vez quando descobri que ela era a mulher do clube.
Inferno, ela nem era ainda uma mulher.
Eu a encarei em total horror, sentindo nojo de mim mesmo a cada segundo que passava
em que eu me dava conta daquela realidade.
E Ariella estava sorrindo por entre as lágrimas.
A menina que era como uma irmã. Que havia acabado de perder os pais.
A menina da qual agora eu era tutor.
E há apenas algumas noites eu estava gozando dentro dela.
Com ela.
Fechei os olhos, com dificuldade de respirar. As lembranças voltando a minha mente
como uma avalanche levando tudo de bom de dentro de mim.
Eu transei com Ariella. E apreciei cada momento.
— Piero? — Eu a ouvi sussurrar mais uma vez, se aproximando por trás de mim e
tocando minhas costas.
Eu me afastei de seu toque como se me queimasse, quando me virei a encarando com
assombro.
Sua maquiagem borrada, o vestido preto justo era formal e elegante, mas marcava todas
as suas curvas femininas.
De uma mulher.
Quando foi que Ariella havia se tornado aquela mulher?
— Ariella, Meu Deus... Isso não está acontecendo. Não pode ser real...
— Mas foi real. Foi muito real! Eu estava lá. E você também. E nós entramos naquela
sala e nos beijamos e eu me despi e nós fizemos sexo...
— Pare...
— Por quê? Nós temos que falar sobre isso!
— Não, não temos! Porque nada daquilo podia ter acontecido!
— Mas aconteceu!
— Inferno, é um pesadelo... — Eu tentava organizar meus pensamentos e achar algum
sentido naquela história tenebrosa.
— Como entrou naquele lugar?
— Eu falei com Santino.
— O quê?
— Seu tio Santino me chamou para tomar um drinque com ele. Eu fui, e conversamos e
contei que era apaixonada por você...
— Apaixonada por mim? — Que porra ela estava falando? — Você não é apaixonada por
mim, é uma criança...
— Não sou uma criança, Piero! Será que não viu o que eu sou naquele clube? Foi por
isso que quis estar lá. Quando Santino me disse que havia uma maneira de você me ver como eu
sempre quis que me visse. Que me enxergasse como uma mulher desejável a quem poderia
querer... Eu não hesitei em aceitar colocar aquela máscara. — Ela sorriu. — E foi incrível, não
foi? — Ela se aproximou de novo.
Coloquei a mão entre nós a impedindo de continuar.
— Chega! Não fale mais nada... não foi incrível, foi uma aberração! Eu nunca teria
colocado minhas mãos em você, nunca... — “teria fodido você”, queria dizer, mas nem
conseguia continuar, porque parecia sujo demais. Que Ariella fosse a garota sensual do clube que
eu desejei. Não. Nunca mais, eu não podia olhar para ela como olhei naquele clube.
Eu andei como um tigre enjaulado pela sala, me sentindo sufocado.
— Mas você colocou. Nós estivemos juntos, Piero. E eu te amo...
— Não, você não me ama. Nem sabe o que está dizendo! — Bati na mesa a minha frente
com raiva e Ariella deu um pulo, assustada, o sorriso esperançoso em seu rosto se desfazendo em
decepção.
Senti sua dor e doeu em mim.
Inferno, eu a amava sim.
Amava desde que colocaram ela no meu colo. Uma bebê bonitinha que eu vi crescer, se
transformar de uma criança fofa em uma adolescente mal-humorada.
Mas agora todas as imagens que eu conhecia dela se misturavam à moça do clube.
E eu queria apagar aquela imagem pra sempre.
Queria arrancá-la da minha mente.
Mas não conseguia.
Algo havia mudado irreversivelmente e não conseguia lidar com aquela nova realidade.
Porque Ariella só tinha 15 anos e estava sozinha no mundo.
Não, ela não estava sozinha, ela tinha a mim. Mas como podemos continuar em frente
agora? Como esquecer aquela noite no clube e continuar como se nunca tivesse acontecido?
Era só o que podíamos fazer. Respirei fundo várias vezes, conjurando força. Tomando o
controle das minhas emoções.
Eu era o adulto ali e deveria agir como tal.
Ela chorava agora, me partindo o coração em dois. Queria abraçá-la. Queria consolá-la e
dizer que tudo ficaria bem. Mas sabia que não podia tocar em Ariella nunca mais.
— Ariella, me escute.
Eu me aproximei e lhe estendi um lenço.
Ela o pegou, fungando.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu...
— Eu não sinto.
— Não, apenas escute. — Eu a interrompi com autoridade. — Você sabe, bem no fundo,
que não deveria estar lá. Aquele lugar é um lugar de adulto e não, você não é uma adulta. Você
tem 15 anos e está confusa e foi influenciada... — Senti a raiva me tomar ao finalmente entender
que Ariella estava naquele clube a pedido de Santino.
Puta merda, o que ele pretendia?
Minha cabeça deu várias voltas, tentando achar um sentido. Eu sabia que Santino não era
um santo, mas chegar àquele ponto, aliciando uma menina inocente?
— Santino nunca deveria ter sugerido tal absurdo.
— Mas eu queria...
— Não interessa. Foi errado. E eu nunca teria feito o que fiz se soubesse que era você.
Ela soluçou mais uma vez.
Inferno.
— Por favor, odeio ver você chorar, mas isso acaba aqui. O que aconteceu, nunca deveria
ter acontecido e vamos esquecer.
— Esquecer? Acha mesmo que é possível?
— Sim. Eu sou o seu tutor e apenas isso. A partir de agora, nunca mais falaremos sobre
aquela noite. Para mim, será como se nunca tivesse acontecido. E eu quero que você faça o
mesmo, entendeu?
Ela me encara com decepção.
— Você entendeu? — repeti.
Ela assentiu.
Naquele momento respirei aliviado, acreditando que conseguiríamos seguir em frente,
com nosso pequeno segredo bem guardado.
Mas estava enganado.
Eu deixei Ariella naquela noite sob os cuidados da governanta da casa, Celine, que
trabalhava com os De Vere desde que Ariella nasceu e voltei a Milão.
Eu tinha um acerto de contas com Santino Salvatore.
— O Sr. Santino não está disponível no momento. — A secretária havia tentando me
impedir de passar, mas a ignorei e abri as portas de carvalho e adentrei na sala.
Santino estava sentado à mesa e sorriu ao me ver.
— Querido sobrinho, a que devo a visita, assim, sem aviso?
— Senhor, me desculpe, eu disse que não poderia. — a secretária estava atrás de mim,
balbuciando.
— Seu filho da puta — sibilei, com os punhos apertados, me segurando para não avançar
com violência.
Ele era meu tio, e acho que de alguma maneira eu ainda me apegava a um resquício de
dúvida de que fora realmente ele quem fizera aquela trama.
— Ora, ora, vejo que está nervoso.
— Devo chamar os seguranças, senhor?
— Não, pode sair, nos deixe a sós.
A porta se fechou atrás de mim e Santino fez um sinal para eu me sentar, mas eu apenas
me aproximei e me inclinei sobre a mesa de forma incisiva.
— Como está, Piero? O serviço fúnebre de meu irmão e sua querida esposa foi muito
bonito, mas muito triste...
— Você convidou Ariella a ir àquele clube.
— Ah, então você já sabe... — Sorriu com malícia que me embrulhou o estômago.
— Isso não é engraçado! Apenas me diga como Ariella entrou naquele clube!
— Bem, eu a convidei. — Santino empurrou a cadeira para o lado se levantando e indo
até o bar no canto da sala com tranquilidade.
Senti a fúria dominar meus atos quando me aproximei.
— Por que diabos faria isso com uma criança?
— Criança? Você mesmo viu que de criança Ariella não tem nada. Aliás, ela tem um
corpo de uma cortesã e as atitudes de uma vagabunda...
— Canalha! — Avancei para cima dele e desferi um soco, o fazendo cair para trás. —
Ariella tem 15 anos! Tem ideia do que fez?
Ele riu se aprumando.
— Estou vendo que algumas máscaras estão caindo. A de sua protegida já caiu...
— Cala a boca! Eu poderia te matar agora!
— Não sou o vilão aqui, não sei o que Ariella te contou, mas ela veio até mim de livre e
espontânea vontade, toda chorosa e louca para que a visse como uma mulher desejável. Então eu
apenas sugeri que ela poderia colocar uma máscara...
— Não tinha este direito!
— Eu só queria ajudar. Claro que eu não poderia saber que você, meu caro sobrinho,
sucumbiria tão rápido... Me diga, ela é tão quente quanto parece?
Eu fui para cima dele de novo, mas desta vez a porta se abriu e em alguns segundos dois
seguranças estavam me contendo.
— Me solta! — gritei, enfurecido.
— Acalme-se, sobrinho. — Piero se levantou, limpando o rosto. — Meus seguranças vão
te soltar se garantir que podemos conversar como homens civilizadamente.
— Você não é civilizado, nem é um homem!
Ele riu.
— Está com muita moral para quem fodeu uma criança, sobrinho.
Porra, tomei seu insulto como um soco no meu estômago.
Queria gritar “Ariella não era uma criança”, mas eu estaria me contradizendo.
Que merda havia se transformado minha vida?
Os seguranças me soltaram e Santino fez um sinal para que saíssem da sala enquanto
tomava novamente seu lugar na mesa.
— Sente-se, Piero. Temos assuntos a tratar.
Eu queria sair daquela sala e nunca mais voltar, mas algo no tom de voz sereno e firme
do meu tio fez minha nuca arrepiar e então eu entendi.
Nada daquilo foi por acaso.
Ou inconsequente.
“Não confie nele”, meu pai havia dito.
De repente, comecei a entender.
Tomei meu lugar a sua frente.
— Eu sinto muito que esteja bravo comigo, caro. Eu quis ajudar a bambina. Tão
apaixonada...
— Ariella não sabe o que diz. Ela só tem 15 anos e você era o adulto que não deveria tê-
la incentivado a se colocar naquela situação.
— Por que eu sou o vilão sendo que foi você quem fez sexo com ela?
— Sabe muito bem que eu não fazia ideia com quem estava trepando, porra!
— Ah, tem certeza?
— Sim, eu não fazia ideia. Ariella me contou ontem... depois que lemos o testamento.
— Sim, me contaram que agora é tutor da bambina. Que situação, não?
— Não deveríamos estar nessa situação. E a culpa é sua!
— Sabe muito bem que a culpa é sua, sobrinho. Eu apenas montei o tabuleiro. As peças
se moveram por vontade própria... Como eu lhe disse, homens são fracos a apenas uma coisa. —
Ele sorriu enquanto mexia em seu notebook.
— Eu só fodi com ela porque não sabia! — insisti, sabendo que de certa forma Santino
tinha razão.
Ele queria provar um ponto. E estava conseguindo.
Eu nunca deveria nem ter entrado naquele clube, muito menos sucumbido a uma das
mascaradas.
Mas eu o fiz.
Fui fraco como todos os homens.
E agora estava pagando o preço. Mas que preço?
— Eu não entro em um negócio sem que seja vantajoso pra mim, sobrinho.
Então, ele virou o notebook pra mim e assisti, com a bile subindo por minha garganta, eu
mesmo sentado no sofá de couro, a mulher de máscara preta se despindo a minha frente e vindo
para meu colo.
Ariella.
Apertei os punhos, fechando o notebook com um baque.
— Você armou para mim?
Santino sorriu acendendo um charuto.
— Confesso que não foi de caso pensado. Eu queria te mostrar nosso clube, queria que se
divertisse e percebesse que tipo de negócios eu faço. Seu pai sabia. Ele se aproveitou muitas
vezes, levando vantagem sobre os homens que eu trazia ao meu clube. Você sabe, alguns
pecados devem ficar escondidos. Como o seu! Mas eu não sabia que um presente como este seria
jogado em meu colo, quando a menina Ariella confessou sua paixão adolescente. Ah, ela foi tão
fácil de ser manipulada... Assim como você. E eu só podia torcer para que caísse na sedução da
bambina. E você caiu.
— O que pretende com isso?
— Bem, acho que podemos negociar agora?
— Não vou negociar nada com você.
— Então quer que essas imagens venham a público?
— Não tem como saber que é a Ariella aí.
— Mas eu tenho um vídeo muito mais interessante, da bambina se arrumando, colocando
a máscara...
— Seu pervertido do caralho...
— Acalme-se, Piero. Lembre-se que tem o teto de vidro, mas não é minha intenção expor
você ou a menina.
— Diga logo o que pretende!
— Seu pai estava querendo pular fora do nosso pequeno jogo... Mas você está no lugar
dele agora. E está no lugar que eu queria que estivesse.
— E qual lugar é este? O que quer de mim?
— A princípio eu preciso de uma injeção de capital no meu novo empreendimento.
— Só isso?
— Claro que não, meu caro. Eu preciso que colabore comigo. E se aceitar que temos um
acordo, o segredo seu e da sua protegida estará guardado. Ou quer perder a guarda dela? O que
seria da pequena Ariella solta por aí? E todos sabendo do que fizeram... Ah, seria um escândalo.
Eu encarei aquele homem calculista e ordinário.
O homem que meu pai pediu para não confiar.
Eu queria ter lembrado disso antes de entrar naquele clube.
Eu poderia mandá-lo para o inferno, me levantar e sair sem olhar para trás, mas sabia que
Santino não estava para brincadeira.
Ele não hesitaria em jogar aquelas imagens ao mundo e eu não poderia deixar que aquela
noite viesse à tona. Nunca.
— Sim, temos um acordo.
Eu esperava não estar vendendo minha alma ao diabo.
Mas eu sabia que minha estadia no inferno estava apenas começando.
Nove
Ariella
Acordei assustada com uma voz furiosa entrecortada com outras amedrontadas e meu
colchão se movendo.
Eu me sentei, tirando os cabelos dos olhos e tentando visualizar o que estava
acontecendo, minha cabeça parecia que ia explodir de dor.
— Podem fazer menos barulho? — murmurei mal-humorada, finalmente conseguindo
abrir os olhos para enxergar Piero aos pés da cama.
Oh...
— Eu falei para darem o fora daqui — ele bradava para dois garotos que estavam se
movendo rápido, balbuciando desculpas. E eles não pareciam em melhor estado que eu.
Mas que merda...
O que estava rolando?
Soltei um gemido desalentado, enquanto as memórias das últimas 24 horas voltaram à
minha mente.
Piero descobrindo que eu era a garota do clube e me desprezando em seguida, destruindo
o pouco de esperança que eu nutria de que ele finalmente percebesse que gostava de mim.
Mas Piero me rejeitou.
Me fez prometer que íamos esquecer o que aconteceu.
Para ele, foi apenas um engano terrível.
Quando ele partiu, me senti perdida. A dor da morte dos meus pais se misturando à dor
da rejeição de Piero.
Lembro de ter pegado uma garrafa de whisky dos meus pais e me trancado no quarto,
mas beber me deixava apenas tonta e com raiva.
Um colega de escola com quem eu tinha ficado antes das férias me enviou um recado, me
deu condolências pela morte dos meus pais e se colocou à disposição para caso precisasse de
companhia.
É um dos garotos que está se vestindo apressado agora. Myron é seu nome. Pedi que ele
trouxesse mais amigos, que queria uma festa pra me distrair.
Não me recordava de muita coisa. Bebemos muito, rimos e dançamos. Acho que fumei
um cigarro estranho e por mais que eu tentasse fingir que estava me divertindo, a cada hora que
passava a dor só piorava. Se transformou em desespero, em uma necessidade latente de esquecer
tudo.
Eu estava apaixonada por um homem que agora era meu tutor e mais do que nunca era
impossível.
Deixei que Myron me beijasse, deixei que o amigo dele cujo nome eu nem sabia, me
beijasse e sinceramente, eu não me lembrava muito bem da experiência toda, mas certamente
posso dizer agora que Piero já não era o único homem com quem transei.
Puta merda.
Tapei meu rosto com as mãos, sentindo-me miserável e ao mesmo tempo... vingada.
Sim, acho que era isso que eu queria o tempo todo. Mostrar a Piero que eu seria de todos
os homens que me quisessem.
Menos dele. Porque ele não me queria.
Foda-se.
Os meninos saíram do quarto e Piero me encarou com uma frieza que nunca tinha visto
antes.
— Vista-se e desça. — Ele se virou para sair, o que me tirou do torpor.
— Só isso? Não vai me dar uma bronca? Me pôr de castigo? Ou sei lá, me bater?
— É isso que quer? — Ele se virou.
Dei de ombros.
— Não é meu tutor agora? Tipo, meu pai, ou algo assim? — desafiei.
— Não sou seu pai, talvez seu pai estivesse mortificado por encontrá-la assim.
Tentei não me sentir afetada por suas palavras.
Pensar em meu pai doía.
Mas ele não estava ali e Piero sim.
— Assim como?
— Sabe muito bem.
— Sei? Diga-me o que achou dos meus... amigos?
— São tão irresponsáveis como você, mas o que poderia se esperar de adolescentes? —
afirmou com indulgência. — Porém, não sou responsável por eles e por você sim.
Piero saiu do quarto e soltei um palavrão frustrado enquanto saltava da cama.
Estava irritada porque ele não agiu como eu esperava.
Claro que eu sabia que Piero ia saber o que rolou ali. Talvez eu não esperasse que
aparecesse no meu quarto na manhã seguinte, mas também não tinha planejado acordar daquela
maneira.
Desci para a cozinha algum tempo depois e me sentei à mesa, com Celine me lançando
olhares de censura enquanto servia meus ovos mexidos. Piero entrou na cozinha um tempo
depois e sentou à minha frente, enquanto Celine lhe servia um café.
— Obrigado, Celine, agora suba e vá preparar as malas de Ariella.
Celine evitou me encarar quando saía silenciosamente da cozinha.
— Minhas malas? Vamos viajar? — indaguei confusa.
— Você vai para um colégio interno — ele anunciou.
— O quê? Não!
— Sim, você vai. Não está em discussão. Já está decidido.
— Não pode me obrigar!
— Posso sim. Sou seu tutor, responsável por você. Mas não moro aqui, e sim em Milão.
— Me leva pra Milão com você então!
Não queria ir pra Milão. Eu tinha uma vida ali, na minha escola. Uma vida com meus
pais. Mas meus pais não existiam mais, pensei com a dor voltando a fechar minha garganta.
Eu ainda não tinha me perguntado o que iria acontecer, mas agora eu sabia.
— Piero, está tomando uma decisão arbitrária sobre meu futuro sem nem ao menos levar
em consideração o que eu quero! Eu não quero ir para colégio interno nenhum!
— Não tem querer. Quem decide sou eu.
— Por que está fazendo isso?
— Ainda pergunta? Cheguei aqui de manhã para ouvir Celine contando sobre sua
festinha com seus amigos arruaceiros.
— Como disse, somos adolescentes nos divertindo! Não é motivo pra me punir me
internando num colégio!
— Eu a encontrei na cama com dois garotos, Ariella.
— E daí? Está com ciúme? — provoquei.
— Não seja ridícula. Você só tem 15 anos e não tem nenhum discernimento, nenhum
senso de preservação e cabe a mim conter suas crescentes rebeldias.
— Isso é ridículo...
— Enfim, já está decidido. Partimos em duas horas.
Ariella
Porém, horas depois eu saio na sacada da boate em que encontrei alguns amigos e
descanso meu olhar na noite iluminada de Londres, me sentindo pior ainda.
Desta vez, a música, as bebidas, os flertes, nada surtiram efeito.
Eu ainda me lembro que Piero e Violet estão no maldito jantar de despedida. Que em
breve vai ser ela quem estará ao seu lado em Milão, que apesar dos meus esforços, Piero só quer
distância de mim.
O que diabos vou fazer da minha vida? Me sinto perdida.
Quando meu celular vibra sinto alívio ao ver que é Georgina.
— Ariella, que diabos está rolando? — A voz impaciente me atinge e começo a chorar.
— Gina, eu sou um lixo...
— Ai, meu Deus, Ariella, o que foi?
— Queria que estivesse aqui, que me desse uma de suas broncas, eu devia ter te ouvido.
— Minha nossa, olha, estou no aeroporto. Estou indo encontrar George, mas tenho
algumas horas de conexão. Onde está? Eu vou te encontrar.
Uma hora depois, estou em um Café, com a cabeça deitada no ombro de Georgina lhe
contando o que nunca ousei contar a nenhuma delas. A minha verdadeira história com Piero.
— Ah, Ariella, eu sinto muito — ela sussurra quando termino.
Eu me sinto esvaziada.
— Eu não sei o que fazer agora.
— Acho que sabe sim.
— O quê? Ir nesse jantar e detonar com tudo? Eu podia dançar em cima da mesa...
— Para! Tem que parar com isso! Não vê que só piora tudo? Não vai mudar o rumo da
situação agindo assim, de forma inconsequente.
— E o que devo fazer? Me conformar?
— Sim. — Ela sorri tristemente. — Bem no fundo sabe que é um caso perdido.
— Mas o que eu faço com meus sentimentos? Sufoco? Não aguento mais, Georgina. Eu
sufoco há três anos.
— Você alimenta essa ilusão há três anos. Já chega. Até entendo que saiu do colégio com
esperança, porque agora tem 18 anos, mas ele está noivo. Deixou claro que nunca vai rolar nada.
Ele vai casar...
— Não sei o que fazer. Como aceitar isso sem sentir que estou morrendo?
— Você é intensa demais. Sabe que... Eu sempre te admirei por isso.
— Mentira. Me chamava de piranha.
— Porque você é, não?
Nós rimos.
— Nós temos maneiras diferentes de ver este assunto.
Ela está falando de como lidamos com sexo.
Georgina tem 18 anos, namora há três e até hoje nunca transou com o namorado.
— Eu achava que era assim porque queria se divertir. Que não via o sexo da mesma
forma que eu, mas agora eu acho que fazia pra chamar a atenção. Como uma forma de vingança.
Sim, Georgina tem razão.
— E ainda assim, eu te achava... brilhante. Com uma luz que iluminava tudo ao redor.
Sua alegria, seu atrevimento... eu nunca vou ser assim.
— Ainda bem que não é. Eu tinha inveja de você.
— Agora você está mentindo.
— Verdade. Você e Anya são tão puras. Tão certinhas, educadas. Acho que talvez Piero
gostasse de mim se eu fosse boazinha como vocês.
— Piero é seu tutor, Ariella.
Ela segura meu rosto me obrigando a encará-la.
— Nunca vai acontecer. Por favor, precisa parar. Você está se perdendo. Perdendo seu
brilho, sua alegria. Não faça isso.
— Estou tão triste...
— Vai passar. Dói agora, mas se você se esforçar, vai esquecer. Precisa amadurecer.
Seguir em frente.
Sim, Georgina tem razão.
Eu não consigo mais lidar com aquela angústia que não ter Piero me causa.
Acreditei demais que seria possível quando saísse da escola, que ele finalmente me
enxergaria, mas não vai acontecer.
— Acho que tem razão. Só não sei como fazer isso.
— Vai aprender. Só, por favor, não acho que precise sair por aí dando pra todos os
garotos.
Eu rio.
— É divertido.
— Mas é realmente o que quer?
Sacudo a cabeça em negativa, porque no fundo não é.
— Precisa de um tempo. Amadurecer. Aprender quem é, achar objetivos.
— Você conseguiu? Indo embora com George?
— Acho que sim. — Ela sorri, mas ainda sinto que Georgina está escondendo algo.
Mas quem sou eu para censurá-la se escondi minha história de Piero como meu mais
precioso segredo.
Talvez Georgina conte o seu quando se sentir preparada.
Seguro sua mão.
— Eu estarei aqui pra você, ok? Pode contar comigo pra qualquer coisa.
— Eu sei — ela aperta meus dedos de volta —, mas agora eu preciso ir.
— Tudo bem.
Nós nos levantamos e eu a levo até o táxi.
— E acha que Anya vai me perdoar?
— Acho que sim. Estou preocupada com ela, mas tenho mesmo que ir, não vou conseguir
ajudar...
— Eu vou ajudar a Anya. Não se preocupe. Vou dar um jeito. Este Alexis está ferrado
comigo!
Piero
Ariella
Ariella
— Ariella?
Estou passando pelo hall, arrumada para a festa, quando escuto Piero me chamando e me
viro.
Ele não parece nem um pouco feliz.
— Aonde vai?
— Estou indo para a casa da sua avó, acho que Violet te contou que fui convidada.
Assim que cheguei enviei uma mensagem a Santino confirmando minha presença e ele
informou que enviaria um carro para me buscar.
— Ela me disse que foi Santino quem te convidou.
— Sim, foi.
— Por que não me disse?
— Não preciso te dar satisfação de todos os meus passos.
Ele parecia extremamente frustrado e irritado e de certa forma eu até conseguia entender
as reservas de Piero, mas não ia deixá-lo me intimidar.
— Eu te disse para não se aproximar de Santino.
— E eu lhe disse que não o faria — desafio. — O que vai fazer, Piero? Vai me impedir
de ir? A festa não é sua, é da sua avó.
— Se queria ir eu mesmo teria te convidado.
— Eu nem estava sabendo que haveria uma festa.
— Você nem queria estar em Milão!
— Certo, acho que essa discussão é inútil. O carro que seu tio mandou já está me
esperando.
— Sim, agora é tarde. Mas não precisa ir com Santino, eu e Violet já vamos sair em
alguns minutos.
— Não, obrigada. Deus me livre de atrapalhar o feliz casal! — dardejo sem me conter e
me afasto. Passo por ele, ignorando sua carranca e saio da casa, entrando no carro escuro.
— Bela Ariella. — Santino me recebe assim que saio do carro e contemplo a mansão
iluminada atrás de mim, ao cair da tarde, enquanto ele beija minha mão. — Você está
deslumbrante.
— Obrigada, eu sei. — Aceito o elogio sem falsa modéstia. Estou usando um vestido
preto com mangas bufantes e decotado nas costas e os cabelos presos num coque frouxo que me
deixa sexy e elegante ao mesmo tempo.
— Ah, minha cara, adoro sua irreverência. Vamos?
Ele faz com que eu segure seu braço.
— Serei sua acompanhante, o que dirá sua esposa?
— Savannah está passando uma temporada em Aspen, com sua família.
— Ainda assim, não sei se é apropriado. — De repente eu me pergunto se Santino tem
algum interesse daquela natureza em mim.
E isso me deixa incomodada.
Ele me lança um olhar astuto enquanto passamos pelos convidados que nos observam
com curiosidade.
— Vejo que está intrigada.
— Estou me perguntando se está querendo me transformar em mais uma de suas
amantes.
Ele solta uma sonora gargalhada.
— Você é deslumbrante, mas sou mais discreto quando desejo me distrair com jogos
amorosos. E pelo que me lembro, você tinha um interesse muito específico...
— E deve saber que este interesse específico se tornou proibido.
— Sim, uma pena, depois de tanto esforço da sua parte... Mas fico feliz que obteve pelo
menos um momento para guardar na memória.
De novo me sinto incomodada me perguntando como Santino sabe que eu realmente
fiquei com Piero.
— Como sabe? Piero te contou?
— Sim, Piero me confrontou, é a palavra correta. Meu sobrinho não ficou feliz com nossa
pequena trama.
— Piero achou que foi um erro. — Não disfarço minha contrariedade.
— Estou notando um amargor, minha cara? Me diga, ainda tem sentimentos por Piero?
Eu não respondo pegando uma taça de champanhe do garçom que passa por nós.
— Eu não gostaria de falar sobre este assunto, podemos falar de algo mais agradável?
— Claro que sim, piccola.
— Não me chame de piccola.
Ele sorri.
— Mil perdões. Se transformou numa mulher muito bonita, já o era há quatro anos, agora
está fora de série. Gostaria muito de saber seus planos.
Mas antes que continuemos uma moça loira de cabelos Chanel encaracolados, usando um
vestido de estampa de leopardo e um rapaz com o cabelo rosa e um terno azul-turquesa
chamativo se aproximam e eu reconheço Marcella e Luigi.
— Ora, ora, essa é a piccola Ariella? — Luigi me mede com interesse. — Amei o
vestido, bela.
— Obrigada, Luigi.
— Ainda se lembra de mim?
— Fiquei sabendo que a Ariella tem um grande interesse no sexo masculino — Marcella
desdenha.
— Olá, Marcella, eu me lembro de você também. Aliás, me lembro muito bem como não
é nada gentil.
Ela se desconcerta com meu ataque. E Luigi se engasga rindo com seu champanhe.
— Ah, isso vai ser demais.
— Por que seria gentil com você? Aqui ninguém gosta dos De Vere.
— Marcella, sei que é difícil ser agradável, mas não pode se esforçar? — Santino indaga
contrariado.
— Estou vendo que achou mais uma vagabunda pra jogar seu charme — ela rebate. —
Não imaginei que teria pena da Savannah.
— Pegou pesado, irmã. — Luigi ri. — Mas está com ciúme do papai querer levar a linda
Ariella para a cama ou para o seu lugar como filha, já que você foi para o lado inimigo?
— Você também foi, seu idiota, cala a boca! — Marcella rechaça. — Está encantado com
a órfã De Vere também? Ouvi dizer que tem que entrar na fila, se bem que ela não tem o que
você gosta. Um pau...
— E você está brava porque Damiano lhe deu o fora e ficou sem o seu pau!
— Vocês são um desgosto — Santino interrompe os insultos entre irmãos. — Perdão,
Ariella. Meus filhos não têm a menor educação.
— E o senhor adora nos destratar na frente de todo mundo, por isso até Luigi deu o fora!
— Marcella continua.
— Eu dei o fora porque papai está bravo porque não gosto de vagina.
— Já chega! — Santino perde a paciência, o tom irritado de sua voz muito diferente do
charme despreocupado que ele demonstra sempre.
— Santino, onde estava? — A voz imperiosa vem de Donatella Salvatore que se
aproxima usando um vestido turquesa, os cabelos brancos presos com uma presilha que deve ter
uns duzentos anos, assim como suas joias.
— Olá, mamãe, está muito bonita. — Santino beija o rosto da mulher que mantém o olhar
em mim.
— E quem é esta?
— Não se lembra de Ariella De Vere?
— A filha de Evelyn e Ezra? Mas está muito diferente da piccola que conheci...
— Sim, senhora, eu mesma. Parabéns por seu aniversário.
— Estou surpresa de vê-la aqui. E onde está Piero?
— Ariella é minha convidada, mamãe.
— Piero deve chegar com sua noiva em algum momento — informo.
— Ah sim, a tal inglesa — a velha fala com censura e me pergunto se ela não gosta de
Violet. — Venha, Santino, vamos cumprimentar o casal Calazans. Eles estão interessados em
comprar nossa casa em Bormios...
— Vovó vai vender a casa em Bormios? — Marcella indaga. — Mas eu adoro aquela
casa, sabe que amo esquiar. E eu achei que fosse minha herança, sou eu quem mais gosto de lá...
— Eu ainda não morri, minha cara. Enquanto estiver viva faço o que quiser com nosso
patrimônio.
A velha se afasta levando Santino.
— Ainda bem que é ambiciosa e gosta de trabalhar, Marcella, pelo jeito vovó vai acabar
vendendo toda a herança antes de bater as botas.
— Duvido. Papai não vai deixar.
— Sabe que papai não é o mais prudente homem de negócios.
— E por que está abrindo o bico e contando assunto de família na frente de uma
estranha?
— Não sou estranha — rebato pegando outra taça. — E você não vai mesmo com a
minha cara, não é?
— Não vou mesmo. — Marcella não nega.
— Deveria ter mais cuidado como fala, Marcella, Ariella é sua chefe.
— Sou?
— Não é nada! Piero é quem manda.
— Ah, trabalha na De Vere.
— Sim, sou estilista. Sou a principal assistente de Alessia Romano e em breve serei a
substituta dela.
— É o que você sonha — Luigi desdenha.
— Não é sonho, é objetivo! Trabalho na De Vere desde que sua mãe era diretora criativa
— ela diz com orgulho.
— Eu não sabia.
— Claro, é uma desocupada que não se preocupa com os negócios da família, a não ser
em gastar o dinheiro...
Quero negar aquela afirmação, mas no fundo Marcella tem razão.
Eu realmente nunca me interessei de verdade pela “House of De Vere” e agora em vista
das críticas de Marcella eu me sinto mal com isso.
— Bem, era muito nova quando meus pais morreram, mas agora eu estou aqui.
— Então vai trabalhar? — Marcella ri com deboche.
— Trabalhar eu não sei, mas dar ordens para gente escrota como você, pode ser
divertido! — E eu me viro para Luigi, que parece mais simpático que a nojenta da irmã. —
Vamos circular?
— Claro.
Eu seguro em seu braço.
— Sua irmã é insuportável assim porque me odeia ou sempre?
— Nem sempre ela é horrível, mas a maior parte do tempo, quando se sente ameaçada ou
contrariada.
— Ameaçada por mim? Ela nem me conhece.
— Marcella é muito ambiciosa e sonha desde sempre em ser grande estilista, quando saiu
do colégio pediu um estágio para sua mãe.
De repente sinto certo ciúme de Marcella por ter tido a oportunidade de trabalhar com
minha mãe.
— Mas isso não explica a implicância gratuita comigo.
— Não queira entender Marcella. Ela é o tipo de pessoa capaz de qualquer coisa para
atingir seus objetivos. E às vezes ela pode ser meio paranoica. Talvez ela ache que você possa ser
uma ameaça, sendo a dona da House of De Vere. Afinal, sua mãe era a diretora criativa.
Nós saímos para uma sacada vazia e menos barulhenta.
— Não tenho intenção de ser estilista, acho que nem tenho talento.
Luigi encosta no muro e pega um cigarro.
— Fuma?
— Não, obrigada.
— Hum, talvez algo mais divertido. — E ele pega um cigarro de maconha.
Sorrio, indo para o seu lado.
Faz tempo que não fumo este tipo de cigarro. Eu já tive a oportunidade de experimentar
muita coisa e cheguei à conclusão que preferia o bom e velho álcool apenas, mas talvez precise
de algo mais relaxante hoje.
— Então, como decidi que gosto de você e é minha chefe...
Ele acende e passa pra mim.
— Também trabalha na De Vere?
— Sim, há alguns meses Piero me deu uma chance. Eu estudei moda também, embora
meu pai odeie este fato e odiou ainda mais quando saí do armário.
— Nossa, e seu pai parece tão moderno. — Eu fumo e lhe passo o cigarro novamente.
— Não para este assunto. Hipócrita do caralho.
Eu rio e Luigi também. E acho que é tão engraçado porque a erva já está fazendo efeito.
— Preciso de mais champanhe...
Um garçom passa e eu pego uma taça.
— Até que essa festa está divertida.
— Disponha. — Luigi bate o ombro no meu e eu me jogo pra trás, sentindo a brisa.
— Você é mesmo bonita, minha cara.
Eu sorrio pra ele.
— Está dando em cima de mim?
— Eu já tentei este tipo de diversão e não é pra mim, mas não sei se percebeu que vários
olhares masculinos estão em você. — Ele faz um sinal com a cabeça e lá embaixo no jardim um
cara loiro está fumando e me fitando com interesse.
— Hum, ele é bonito.
— O nome dele é Damiano Conti. Ele trabalha na De Vere também. Amigo do seu tutor.
— Amigo do Piero?
— E ex-namorado da minha querida irmã. Ela é louca por ele.
— E por que terminaram?
— Damiano cansou de aguentar Marcella. E acho que ele já achou outro interesse... Mas
me diga, é verdade o que dizem da herdeira De Vere?
— O quê? Que sou uma piranha?
Ele explode em uma gargalhada e eu rio também.
— O que está rolando aqui?
Eu me aprumo quando escuto a voz de Piero.
Ele está entrando na varanda e olhando de mim para Luigi com censura.
— Oi, Piero. Eu e sua pupila estamos nos conhecendo melhor. — Luigi ri de forma boba
dando mais uma tragada.
Eu pego o cigarro de sua mão, mas Piero avança e tira de mim.
— Está fumando maconha, porra?
— Está louco?
— Calma, Piero. É só um peguinha... — Luigi ri.
— Você quem deu pra ela?
— Ops! Fomos pegos, se vira, querida. — Luigi pisca e sai da varanda.
Eu encaro Piero em desafio.
— Me devolve.
— Não.
— Vai se foder, Piero, eu fumo o que quiser e nem é a primeira vez, deve saber.
— Não interessa. Já chega.
Ele faz que vai jogar o cigarro fora, mas eu me aproximo e seguro sua mão.
— Não, me dá aqui.
Piero me manobra facilmente segurando meu pulso com uma mão enquanto joga o
cigarro na lixeira.
— Eu disse que já chega!
No afã de me livrar, eu jogo o conteúdo da minha taça em sua camisa sem pensar.
Piero xinga, irritado e segura meu outro pulso.
— Porra, Ariella.
Eu começo a rir, achando muito engraçado.
Enquanto Piero me prensa no muro.
— Não é engraçado!
— É sim... Me desculpe, estraguei sua blusa...
— Para com isso, está chapada!
— Acho que estou. — Eu respiro fundo tentando parar de rir.
— Você não muda, não é? — Piero exclama entre frustrado, bravo e condescendente e
acho que noto algo mais.
Eu engulo o riso quando fixo meu olhar em seu rosto. Ele está perto, ainda mantendo
meus pulsos presos e aspiro seu cheiro maravilhoso.
E então, o clima muda de repente.
O ar a nossa volta se torna denso e quente de tal forma que a brisa fria não é capaz de
afastar o calor que atinge minha pele, meu pulso disparando e um frêmito de prazer deslizando
por minha espinha e estremecendo minha estrutura. E derreto rapidamente me entorpecendo
daquele velho desejo proibido que não consigo evitar e que agora percorre minha pele e pulsa
numa excitação urgente entre minhas pernas.
Piero me solta de repente, dando alguns passos atrás e volto a sentir frio. Não só na
minha pele que não está mais em contato com a dele, mas em todo meu ser.
Nem um de nós diz nada, e eu espero que ele vá se virar e se misturar com os convidados,
fugindo mais uma vez daquela atração proibida.
Porque Piero pode negar o quanto quiser, mas estou vendo ela ali agora, quase como uma
entidade viva, se misturando com o ar à nossa volta. A eletricidade que aquele pequeno contato
entre nós gerou pode incendiar uma cidade inteira.
O mundo inteiro.
E por um momento, eu apenas espero. Desejo, anseio.
Mas como deduzi, Piero dá meia-volta e se afasta.
Respiro uma longa golfada de ar.
Estou trêmula e atordoada.
Estou energizada como se tivesse ficado sem me alimentar o ano inteiro e de repente me
dessem o que comer.
Fecho os olhos, e solto um longo suspiro.
Um suspiro da menina apaixonada que não me permito ser há tempos.
E eu me pergunto se vou deixá-la sair pra brincar, ou vou trancafiá-la mais uma vez.
— Olá.
Abro os olhos e Donatella Salvatore está me observando.
Eu fico vermelha, me sinto um tanto intimidada pelo olhar da velha senhora.
— Olá, Senhora.
— Venha até aqui, deixe-me ver você. — Ela senta na poltrona da varanda e faz um sinal
para que eu me sente à sua frente, com um olhar observador que lembra bastante os olhos de
Santino.
— Você ficou muito bonita.
— Obrigada.
— Então, está aqui em Milão para ficar?
— Na verdade, vim a convite de Santino, para seu aniversário, mas sim, estou pensando
seriamente em ficar.
— Muito bem, seus pais ficariam satisfeitos, acredito.
— A senhora também... Não gosta dos De Vere? — Questiono me recordando das
palavras de Marcella.
— Ah, eu tinha um grande ressentimento dos seus pais, os culpava por ter levado
Francesco embora. Mas a culpa não foi deles. Francesco seguiu outro caminho porque nunca se
sentiu um Salvatore de verdade, e a culpa foi do meu marido, Antonio.
— Como assim?
A velha suspira com um olhar nostálgico e cansado.
— Por causa do sangue. Eu achei que isso nunca seria um problema, não era pra ser, mas
Antonio, ah, meu querido Antonio nunca tratou Santino e Francesco igual.
— Sangue?
— Nós adotamos o pequeno Francesco ainda criancinha.
— Oh, eu não sabia que o pai do Piero era adotado.
— Nunca falamos muito sobre isso. Porque a partir do momento em que chegou, ele foi
meu filho. Quando Santino nasceu, eu tive complicações e não pude mais engravidar e queria
muito ter outro filho. Somente quando Santino estava com cinco anos que Antonio concordou
que eu adotasse mais um menino. Francesco era um bebê tão bonitinho, tão bonzinho. Mas
Santino nunca o aceitou direito, tinha ciúme. E Antonio teve dificuldades de tratar Francesco
como tratava Santino, ainda mais que meu primogênito era tão genioso. Então como culpar
Francesco por nunca se sentir realmente parte da família? Depois que meu marido morreu,
Santino assumiu os negócios, embora eu tenha a maior parte das ações. Mas era o caminho
natural, era o que meu finado marido gostaria, que Santino assumisse e aí as coisas ficaram mais
difíceis. Francesco conheceu os De Vere e agarrou a oportunidade de voar para longe.
— Sinto muito. — Percebo que isso ainda perturba a velha senhora.
— Não sinta, minha cara. A vida seguiu o caminho que tinha que ser. E infelizmente meu
querido Francesco se foi com sua esposa cedo demais, mas pelo menos deixou Piero. Ele é um
bom homem. Um dia ainda espero que ele se una a família, embora Santino não aceite, claro. Ele
continua um menino mimado que não quer dividir os brinquedos. Agora, acho que chegou a hora
de me recolher. Divirta-se, minha cara.
A velha se afasta e eu me pergunto se haveria a possibilidade de um dia Piero se unir ao
tio, mas eu duvido.
Quatorze
Ariella
Mas minha animação cai por terra quando chego à casa de Piero e encontro Violet na sala
com várias pessoas à sua volta.
— Ah, você está aí. — Ela levanta o olhar e me vê, não escondendo o desagrado.
Afinal Piero não está ali e ela não precisa fingir que gosta de mim.
Violet apenas me tolera.
— Eu estava na De Vere. E vejo que está ocupada.
— Esta é a equipe para a organização do casamento.
Meu estômago revira só de ouvir aquela palavra.
Violet sorri.
— Tudo bem, querida? Parece enjoada... — Violet se levanta e vem em minha direção.
— Algo te incomoda?
Ela sabe muito bem o que me incomoda.
Disfarço meu asco.
— Estou ótima. — Forço um sorriso. — Na verdade, acabei de ter um almoço incrível
com Damiano.
— Damiano Conti? — Ela parece surpresa.
— Sim, ele mesmo.
— Ele não namora Marcella?
— Não estão juntos mais.
— E você é rápida, hein? — Ela sorri com ironia.
— A vida é curta, não é Violet? Pra que perder tempo? Veja você, mal terminou um
casamento e já estava noiva de outro.
— Sim, não ia perder Piero por nada.
— É, percebo que não quer perdê-lo de qualquer maneira.
— É bom ter isso em mente.
— O que quer dizer?
— Sabe muito bem. — Ela abaixa a voz. Seu tom ganha contornos sombrios. — Suporto
você aqui por causa de Piero, mas por mim não estaria nesta casa. Eu sei muito bem o seu tipo e
que não desistiu de Piero. Mas lembre-se que vamos nos casar, isso é um fato quase consumado
e nada vai mudar. Se ao menos tentar estragar minha cerimônia, eu não terei nenhum problema
em afastá-la de Piero de vez.
— Você pode casar com o Piero, mas nunca vai conseguir me afastar dele.
— Veremos.
E ela recoloca o sorriso falso no rosto e volta a sua reunião.
Eu subo as escadas, tentando não me deixar abater pelo veneno de Violet.
Que mulher insuportável, o que Piero vê nela, sinceramente?
Não é possível que ele seja apaixonado por ela.
Com minha energia drenada pelas palavras de Violet, tiro a roupa, pego um vinho e entro
na banheira com um livro.
Porém, não consigo me concentrar e este ritual de relaxamento não me ajuda em nada
hoje.
Saio do banho e coloco um roupão e quando chego ao quarto me surpreendo com Lucia
entrando segurando dois lindos buquês de rosas enormes.
— Nossa, o que é isso?
— Acabou de chegar para a senhorita.
Ela coloca as rosas sobre a cama e sai silenciosamente, pego o cartão e sorrio ao ver que
é de Damiano reiterando o convite para jantar e seu número de telefone.
Sorrio me jogando na cama entre as rosas.
Ah Damiano, se eu fosse outra pessoa, se meu coração não estivesse preenchido há
muito tempo, quem sabe?
— Ariella?
Eu abro os olhos e Piero está na porta do quarto que Lúcia deixou aberta.
Ele olha para as rosas com um olhar intrigado.
— Olá, Piero.
— Lúcia falou que recebeu muitas flores, mas não imaginava que fossem tantas —
comenta com censura.
Sorrio me sentando.
— Sim, não são lindas? Nunca recebi flores. Acho que é porque nunca tive um
namorado. Não um de verdade, pelo menos.
Os olhos de Piero brilham de contrariedade.
— Namorado?
— Oh, não são flores de um namorado — corrijo. — Só estou filosofando. Me dando
conta que nunca fui alvo de um cortejo romântico.
— É isso que quer, ser cortejada romanticamente?
— Por que não? Acho que toda mulher, não é?
— Quem te mandou essas flores?
— Damiano Conti.
— Como o inferno você conhece Damiano?
— Eu fui à De Vere hoje, não te contaram?
— Sim, Alessia comentou. E Marcella reclamou de você.
— A chata da Marcella, ela me odeia nem sei por quê.
— Talvez por que está recebendo flores do namorado dela?
— Eles não namoram mais, deve saber, não é amigo de Damiano?
— Sim, eu sei, mas não faz nem um mês que eles terminaram. E Marcella ainda gosta
dele.
— Ah, coitadinha, é uma dessas meninas que não esquecem fácil. Acho que me
solidarizo.
Piero respira fundo, passando a mão pelos cabelos.
— O que está acontecendo entre você e Damiano?
— Por que seria da sua conta?
— É uma simples pergunta.
— Ele flertou comigo, me convidou pra sair. — Faço um gesto para as flores. — E me
mandou flores. Acho que quer me conquistar.
— E é isso que quer, ser conquistada por Damiano?
— Por que está bravo, Piero?
— Não estou bravo.
— Está sim.
— Não comece com suas provocações, Ariella.
— E você com seu comportamento tóxico comigo!
— Eu sou tóxico com você? Eu?
Eu sei que ele está sendo irônico, porque acha que a tóxica do nosso relacionamento era
eu.
Bem, nem posso negar.
— Eu achei que ficaria feliz.
— Feliz com o quê?
— Com a possibilidade de eu me apaixonar por outra pessoa.
Uma sombra tolda o olhar de Piero e eu tento não me iludir que sua fúria signifique que
ele não quer que eu me apaixone por Damiano.
Estou tão cansada de me iludir com os sinais confusos de Piero.
Ele não me quer, fica noivo de outra mulher, mas em momentos como este, parece que
sufoca do mesmo sentimento proibido que eu.
Não é possível que Piero sinta o que sinto e ainda se mantenha longe quando bastaria um
simples gesto, uma única palavra, um sinal para que eu me jogasse em cima dele pra nunca mais
soltar.
Piero dá meia-volta, se afastando mais uma vez.
Eu pulo da cama e vou atrás dele.
— Não respondeu! — exijo, ainda na porta do meu quarto, enquanto ele se afasta pelo
corredor. Porém, ele para e sinto a tensão em seus ombros.
— Existe essa possibilidade? — pergunta por fim, e tento entender o que se passa em sua
mente.
— Eu quero que tenha, porque é muito triste amar alguém que não nos ama de volta. — E
eu fecho a porta, sabendo que não vou ter uma resposta de Piero.
Eu nunca tenho.
Quinze
Piero
***
— Até quando Ariella vai ficar aqui? — Violet me interpela na manhã seguinte e eu solto
um suspiro cansado.
Meu Deus, Ariella só está em Milão há dias e a tensão já está aumentando a níveis
catastróficos.
E não posso negar que quando a vi naquele avião, senti certa alegria de saber que ela
estava vindo pra Milão. Mesmo sabendo as implicações de ter Ariella por perto.
— Até quando ela quiser, Violet — respondo com paciência, me servindo de café,
enquanto verifico meus e-mails.
— Não acho apropriado.
— Por que não? — Eu a encaro meio sem paciência.
E percebo que ultimamente estes momentos em que não tenho a menor paciência com
Violet são bem frequentes. Talvez seja fruto da convivência. Não dizem que para se conhecer
alguém de verdade é preciso viver com ela?
Eu tinha todas as boas intenções quando a convidei para vir morar comigo em Milão.
Ainda sob suas ressalvas, o que era entendível. Por isso mesmo, lhe garanti que teria a liberdade
de ir morar em seu próprio apartamento se preferisse, mas Violet preferiu ficar na minha casa,
afirmando que seria melhor para nós como casal, embora ainda não se sentisse totalmente à
vontade.
— Você sabe, meu casamento foi um horror. Eu me senti... invadida muitas vezes,
invalidada nas minhas vontades, sem poder ter meu espaço pessoal para ser eu mesma.
— Consigo entender suas ressalvas e não precisamos apressar nada. Você terá toda a
liberdade que quiser, não é meu interesse ser como Lawrence. Aliás, eu sugiro que tenha seu
próprio espaço, seu próprio quarto.
— Faria isso por mim? Não quero que pense que não quero ficar com você.
— Não somos adolescentes apaixonados, Violet. Ambos sabemos onde estamos pisando
e o que esperamos um do outro.
Uma das coisas que eu apreciava no meu relacionamento com Violet era justamente que
ela não era uma mulher pegajosa ou exigente. E eu gostava que ela tivesse a liberdade de querer
manter sua individualidade. Porque eu gostaria de manter meu espaço pessoal da mesma
maneira.
E assim, ela se mudou para minha casa e no final era quase como quando éramos amigos.
Violet era uma boa companhia para jantar e em ocasiões sociais, e não exigia minha presença o
tempo todo, ainda mais quando começou os preparativos para o casamento depois que Lawrence
finalmente assinou o divórcio.
— Vamos nos casar e é ridículo que tenhamos que dividir a casa com uma jovem adulta!
— ela argumenta agora.
— Eu sou o tutor de Ariella.
— Ela tem 19 anos, pelo amor de Deus! Já está na hora de tomar o próprio rumo!
Respiro fundo, para não me irritar com Violet.
— Ariella é como se fosse minha família, ela poderá ficar aqui até quando quiser. Isso
não está em discussão.
Violet parece irritada e por um momento tenho a impressão que ela vai explodir, o que
seria inédito. Violet é uma lady que não aumenta a voz nunca.
Porém, em seguida ela muda de postura e sorri.
— Talvez ela prefira ir para a casa dos pais dela.
— O apartamento dos De Vere precisa de uma reforma, não está habitável.
— E falando em reforma, eu já entrei em contato com alguns arquitetos...
— Para quê?
— Para reformar este lugar. Eu não gosto dessa casa do jeito que está.
— Não. É a casa dos meus pais, não vai mudar nada.
— Mas será minha casa também, Piero.
— Não, e isso não está em discussão.
Eu me levanto, porque não estou a fim de discutir com Violet.
Minha nossa, eu nunca discuti com Violet, que diabos está acontecendo?
— Mas teremos que discutir em algum momento — Violet vai atrás de mim. — Assim
como a necessidade da mudança de Ariella, que, aliás, está de flerte com Damiano, você sabia?
Ele veio buscá-la hoje de manhã e levá-la para a De Vere.
— Damiano buscou Ariella?
Eu nem sabia que Ariella tinha ido para a empresa.
— Sim, eu os vi saindo juntos. E Damiano desconversou justificando algo sobre uma
carona, já que ela não tem um carro. Que conversa fiada. Aposto que Ariella já o seduziu —
Violet comenta com censura. — Pobre Marcella.
Estou com um humor péssimo quando chego à De Vere ainda irritado com a notícia de
que Damiano está mesmo cercando Ariella.
Mas já era esperado não?
Depois das flores ridículas que mandou para cortejá-la como um mocinho de livro água
com açúcar.
E Ariella pareceu inesperadamente encantada.
O que me deixou incomodado.
Enciumado! A voz da minha consciência grita para me estressar ainda mais.
Merda.
Não tem cabimento sentir ciúme de Ariella. Como ela mesma disse ontem, eu deveria
ficar feliz com a possibilidade de ela se apaixonar por outra pessoa.
E quem sabe assim, viraríamos aquela página manchada de vergonha do nosso passado e
nos livraríamos da atração proibida que é nociva para nós dois, porque nem deveria existir.
Agora eu entro no ateliê de Alessia e me deparo com Ariella ajudando Luigi, que veste
um manequim enquanto lhe explica sobre tecidos.
— Oi, primo, veio conferir minha estagiária? — Luigi a provoca e Ariella vira os olhos.
— Vou enfiar essa agulha no seu olho, Luigi.
— E ela é meio violenta, sabia desse lado dela, Piero?
— Piero conhece meus piores lados — ela diz com um arremedo de sorriso que me
desafia a negar. Me desafia a não sorrir com ela, porque sim, conheço seus piores lados e, ainda
assim, ela continua sendo uma das minhas pessoas preferidas, apesar de todo o lixo radioativo
que compõe nossa história.
— Ah eu adoro uma fofoca, acho que deveria sair mais com Piero para ele me contar seus
podres, caríssima. — Luigi continua a provocar.
— Acho que deveriam conversar menos e trabalhar mais — interrompo as brincadeiras,
conseguindo me manter sério.
— Chato — Ariella resmunga.
— Então resolveu mesmo ficar? — indago.
— Sim, Alessia sugeriu que eu deveria aprender tudo sobre a empresa e ela tem razão.
Acho que chegou a hora de assumir meu legado. — Ela sorri com certo escárnio. — Orgulhoso
de mim? Acho que finalmente estou onde queria que eu estivesse.
Ah Ariella, se você soubesse onde eu gostaria de verdade que estivesse…
Interrompo meus pensamentos intrusivos e aceno concordando.
— Sim, tem razão, estava na hora.
Luigi se afasta para mostrar algo a outro estilista.
— Mas gostaria que tivesse me comunicado sobre isso.
— Estou comunicando agora.
— Não é assim que as coisas funcionam, Ariella. Isso aqui é sério, não é mais uma
brincadeira ou capricho.
— Não estou encarando assim. — Ela fica séria, não gostando do meu tom de censura.
— Por isso acho que precisamos conversar a sério. Vamos almoçar juntos hoje.
— Não posso.
— Por que não?
— Tenho um almoço com Damiano.
Respiro fundo para não explodir.
— Aqui Damiano é um funcionário, assim como você é por enquanto.
— Oh, droga, vou ter que cancelar a pegação no banheiro das onze horas!
— Ariella, não me provoca!
Ela ri.
— Estou brincando! Por que me toma? Não vou ficar pegando Damiano pelos cantos
escuros! Vai ver que sou uma profissional, Piero. Por isso marcamos o almoço. — Ela pisca.
— Espero que esteja brincando.
— Estou? Será?
— Piero, que bom que está aqui, preciso tirar algumas dúvidas — Alessia nos interrompe
e eu vou até ela.
Conversamos sobre trabalho até que eu lhe pergunto sobre Ariella.
— Como ela está se saindo?
— Muito bem. É totalmente inexperiente, mas é interessada.
— Não facilite pra ela.
— Ela é uma das donas da empresa, não uma das minhas estagiárias.
— Mas não vai fazer o que bem entender aqui por causa disso. Ariella é mimada e nunca
a vi sendo responsável.
— Está exagerando.
— Não estou.
— Até pouco tempo era uma adolescente, lhe dê uma chance. Se esperar o pior, ela lhe
dará o pior. Precisa lhe dar um voto de confiança. Eu acho que Ariella ainda vai nos surpreender.
— Espero que tenha razão.
Naquele fim de tarde, estou em frente ao prédio da De Vere esperando Ariella com um
intuito bem específico.
E quando ela sai, toda sorridente na companhia de Damiano, meu humor muda
automaticamente.
— Ei, Piero. — Damiano sorri pra mim.
— Vão a algum lugar? — Eu me mantenho sério.
— Estou indo dar uma carona a Ariella.
— Não precisa mais.
— Por que não? — Ariella indaga e eu estendo uma chave.
— Porque tem seu próprio carro.
E aponto para o jaguar atrás de mim.
Ariella arregala os olhos.
— É meu?
— Sim, precisa de um carro se decidiu ficar em Milão.
Ela pega a chave animada e dá um gritinho, e não consigo evitar sorrir de sua animação
quando ela dá a volta para entrar no carro.
— Que presente! — Damiano comenta meio desconcertado.
— Está dispensado, Damiano.
— Ei, Piero — ele me segura antes que eu entre no carro —, algum problema?
— Nenhum, por enquanto.
— O que quer dizer? Parece irritado comigo. Aconteceu algo?
— Não sei, me diga você. O que está pretendendo com Ariella?
— Oh, é isso. — Ele ri.
— Não é engraçado.
— Nossa Piero, calma. Não tenho nenhuma intenção ruim. Você me conhece.
Sim, eu conheço Damiano e ele é um bom funcionário e se tornou um amigo. Não somos
íntimos, mas até por namorar minha prima, ele está presente em vários eventos de família e
muitas vezes saímos juntos para velejar e esquiar. É um cara legal, com uma boa conversa e
tranquilo.
Um homem que eu achava um bom partido para minha prima, mas que não gosto nem
um pouco de ver com Ariella.
— Sim, e você até semana passada namorava Marcella.
— E terminamos. Sabe que tentei, por dois anos, e ela é incrível, mas tem um
temperamento difícil, além de ser obcecada com trabalho. Não deu certo.
— E Ariella é uma distração?
— Claro que não! Estou realmente interessado nela. Por que parece que não aprova?
— Eu realmente não aprovo.
— Olha, Piero, na verdade, você não tem que aprovar nada. — Damiano fica sério. —
Ariella é adulta e pode fazer o que bem entender e o que tiver que rolar entre nós não é da sua
conta. Até mais.
Ele se afasta me deixando surpreso por sua determinação em não acatar minha
desaprovação.
Mas no fundo ele tem razão, não?
Eu não posso impedir nada. E isso me deixa furioso.
Ariella abre o vidro.
— Posso ir, ou vai querer uma carona? — Ela buzina.
Eu sento ao seu lado.
— Eu estava brincando!
— Não ia deixar dirigir sozinha pela primeira vez, claro.
Coloco o cinto e ela dá partida.
Ariella dirige como vive. Perigosamente, sem respeitar limites e se divertindo em passar
por cima das regras.
Estou gritando com ela pelo caminho todo e me perguntando por que diabos inventei de
lhe dar um carro.
— Para de ser chato! Estou amando!
— Você vai nos matar, porra.
— Eu sei dirigir muito bem! Para de ser medroso! — Ela acelera e eu me seguro no
banco.
— É a última vez que dirige essa merda — ralho e ela ri acelerando mais e fazendo uma
curva fechada em resposta como se estivesse no Circuito de Ímola.
E ela ri, muito feliz, seu riso enchendo o carro e não posso evitar sorrir, feliz com sua
felicidade.
Há quanto tempo não rimos juntos?
Parece que nos últimos quatro anos tudo o que fazemos é nos aborrecer mutuamente.
Eu sinto falta dela.
Desta Ariella alegre, destemida e divertida.
No fundo, sei que ela nunca deixou de ser nada disso. Fui eu quem mudei.
Que me fechei para qualquer coisa boa que pudesse haver entre nós.
Será que ainda há chance de retomar aquela conexão que tínhamos antes de tudo se
transformar em caos?
Ela estaciona em frente a casa, suada e despenteada do vento que bagunçou seu cabelo
quando baixou o teto solar.
— Uau, eu amei.
— Estou feliz que tenha gostado. Parece que uma vez eu acertei com você. Embora
precise ter mais cuidado na direção.
— Eu dirijo bem, veja, nos trouxe aqui vivos! Admita.
— Sim, tem razão, acho que dirige bem, como uma maluca, mas inesperadamente
precisa.
Ela sorri, satisfeita.
— Está vendo, não é difícil admitir que sou boa em algo.
— Tenho certeza que é boa em muitas coisas, Ariella.
Ela sorri com um brilho quase agradecido no olhar e me dou conta de que ultimamente eu
só a critico, e acho que isso se tornou um mau hábito.
— E estou feliz que esteja aqui, em Milão, e disposta a conhecer a De Vere. Seus pais
ficariam orgulhosos.
Ela sacode a cabeça, emocionada e eu tenho vontade de tocar seu cabelo. Meus dedos
chegam a coçar, como se um ímã me levasse para perto dela, como se meus dedos estivessem
sem serventia se não estivessem na sua pele, a tocando. E nem estou falando daquela forma
sexual e proibida dos meus mais secretos anseios. É afeto puro e simples. Necessário.
— Obrigada, isso é importante pra mim. Ainda não sei o que estou fazendo, mas estou
inesperadamente feliz de estar lá, é quase como se sentisse a presença da minha mãe, não sei.
— E sobre estudar com Anya?
— Acho que não vai mais rolar, mas ainda não sei se não deveria estudar mesmo, sabe,
para Marcella não ficar me chamando de incompetente. — Ela ri. — Ainda é meio confuso.
— Temos que conversar a sério sobre isso. O que acha de... — Eu ia propor a ela que
jantássemos juntos, mas seu celular vibra e ela o pega.
— Oh, tenho que ir. — E pega a bolsa abrindo a porta e eu faço o mesmo.
— Aonde vai?
— Tenho um jantar com Damiano — afirma seguindo em frente enquanto digita distraída
me deixando para trás.
Quando eu entro no meu quarto, me surpreendo quando Violet entra atrás.
— Eu o vi chegando com Ariella?
— Sim, eu comprei um carro para ela — informo começando a retirar a gravata.
— Oh, que generoso.
— Ela precisava de um carro.
— Isso quer dizer que é definitiva essa vinda dela?
— Acho que sim. — Retiro a camisa me sentindo subitamente cansado.
Ou desanimado, seria a palavra certa.
Eu estava bem e animado até Ariella me jogar um balde de água fria comunicando que ia
sair com Damiano.
— Mais um motivo para ajeitarmos a mudança dela.
Respiro fundo, irritado com aquela possibilidade, embora, no fundo, saiba que Violet tem
razão.
— Certo, podemos conversar sobre isso amanhã — cedo, ainda relutante.
Meu relacionamento com Ariella era como estar numa montanha-russa, subindo e
descendo em curvas vertiginosas que me deixavam atordoado e perdido. E agora parece que
finalmente estamos descendo, e sinto como se estivesse sentindo o chão sob meus pés pela
primeira vez em anos, mas ainda caminho tonto e mais atordoado ainda sem saber como lidar
com a possível segurança que a terra firme me traz. Porque quando estávamos na montanha-
russa era horrível, mas ela estava ali, ao meu alcance. Me enfurecendo e me provocando. Agora
ela caminha para longe e não sei se gosto disso.
— Muito bem. — Violet parece satisfeita.
— Agora, se me der licença, preciso de um banho.
— Sim, faça isso. Em uma hora nossos convidados estão chegando.
— Convidados?
— Sim, esqueceu que temos um jantar com os Gray? Eles chegaram ontem na cidade, eu
te falei na semana passada!
— Não, eu não me lembro. Inferno, não estou nem um pouco a fim de aguentar um jantar
social hoje.
— Vai ser divertido, e você gosta do Robert.
Sim, Robert Gray é um empresário da área hoteleira e sua esposa, Tess, uma design de
lingeries com a qual já fizemos uma parceria na De Vere, antes de ela abrir sua própria grife. É
um casal simpático, mas acho que hoje nem os Gray mudariam meu humor.
— E Alexa estará presente também. Assim como seu namorado, Giulio.
Alexa Duran é uma amiga que Violet fez quando se mudou pra Milão, na época ela era
casada com um italiano trinta anos mais velho, mas se divorciou e agora está às voltas com outro
namorado rico para sustentá-la. É uma mulher arrogante e insuportável, mas não posso proibir
Violet de ter os amigos que queira.
— Tudo bem — concordo por fim, nem um pouco entusiasmado.
Espero que Violet saia do quarto, mas ela se aproxima e toca meu peito.
— Está tenso, acho que posso ajudar? — Sua voz sai com malícia e eu entendo o que ela
está insinuando.
Talvez em outros tempos, eu concordaria, mas hoje olhar para Violet não me causa
nenhuma vontade de fazer nada no âmbito sexual.
Eu tiro sua mão do meu peito.
— Não.
Seu sorriso se desfaz.
— Eu não quero ser uma noiva carente, mas nem me lembro a última vez que transamos,
Piero.
Desvio o olhar.
Inferno, também não me lembro, percebo.
Sexo com Violet nunca foi a melhor parte do nosso relacionamento, mas eu cheguei a
acreditar que isso fosse um relacionamento maduro. Casamentos bem-sucedidos não são feitos
de atração sexual, e sim de compatibilidade e companheirismo.
E eu já senti paixão por várias mulheres. E a maioria dessas paixões acabou rápido
quando a chama se apagou e não restava nada. Eu não pensaria em me casar com nenhuma
daquelas mulheres, embora a maioria fosse de pessoas interessantes, porém, não via futuro para
uma relação duradoura.
Eu admirava Violet e gostava dela ser uma mulher centrada, madura. Quando começamos
a nos envolver, a novidade fez com que fosse interessante por um tempo, e quando eu já não
sentia mais tanto interesse assim, ainda tínhamos nossa amizade. E, embora, eu não possa negar
que meu intuito era usá-la como escudo e preservar minha intenção de me manter longe de
Ariella, eu acreditei que estava tomando uma boa decisão escolhendo me unir a Violet de forma
racional e sensata.
Eu tinha trinta anos, gostaria de ter filhos um dia e pra dizer a verdade não havia mais em
mim aquele desejo de juventude de me aventurar com o maior número de mulheres possíveis,
apenas em busca de sexo fácil.
Meu relacionamento com Violet pareceu perfeito. Ainda que eu soubesse que não era
apaixonado por ela. Porém, agora, eu a encaro, vejo certa decepção em seu olhar ao me cobrar
uma atenção que não me sinto atraído a dar e sinto um princípio de preocupação.
Um alarme soa na minha mente e que, percebo agora, já estava soando ali baixinho e
aumentando a cada dia que passava.
— Eu não sabia que isso a incomodava — comento, tentando entender o que se passa na
mente de Violet.
Eu achava que estávamos na mesma linha, com as mesmas intenções. Violet nunca
pareceu se importar com a falta de interação sexual em nosso relacionamento.
— Não estou incomodada. — Ela sorri dando de ombros e mudando de postura. — E não
estou te cobrando nada. Só quero que saiba que pode conversar sobre o que for comigo. Eu estou
aqui, não para te atormentar, como uma mulher maluca, mas sim para completar. Para ser o que
você precisa. — Ela me encara com um olhar incisivo. — Somos amigos, lembra?
— Disse que não está incomodada, mas acho que tem algo te incomodando sim.
— Não, está tudo perfeito. Vamos nos casar em breve, vai ser o casamento dos meus
sonhos e eu só quero me certificar que estamos bem. Estamos bem, não é?
Reluto em responder.
Estamos?
Ela toca meu rosto.
— E seja lá o que estiver te incomodando — ela volta os holofotes para mim — não vai
te incomodar mais em breve. Porque não tem nada que vá atrapalhar nossos planos.
Ela beija meus lábios de leve.
— Agora relaxa. Eu vou me arrumar também e vamos ter um belo jantar com nossos
amigos e nos divertir um pouco.
Ela sai do quarto e me sinto aturdido.
Poderia me sentir aliviado com a convicção de Violet de que somos perfeitos juntos.
Eu poderia concordar com ela, se olhasse do ângulo certo.
O problema é que há uma parte de mim que está começando a se mover e olhar aquele
futuro bem planejado e certo para nós como algo que não me pertence totalmente.
E eu nem quero virar meus olhos para o outro lado e vislumbrar outro futuro. Um futuro
que até hoje eu nunca tinha me permitido enxergar, porque por mais que pareça inesperadamente
incrível, ele ainda é muito errado.
Proibido.
Como eu previ, o jantar com os amigos de Violet não me anima nem um pouco. Porém,
me esforço para ser educado e presente ignorando meus pensamentos irritantes que se voltam a
todo momento para Ariella e como estaria seu encontro com Damiano.
E quando meu celular vibra e vejo que é um importante contato de negócios, peço licença
para resolver, aliviado com a desculpa perfeita para me afastar. Entro na biblioteca, que também
é meu escritório, e sento no sofá de couro onde vi meu pai sentar tantas vezes com um cigarro e
um copo de whisky, e resolvo a contenda em pouco tempo, mas não volto à sala onde os
convidados de Violet estão.
Acendo um cigarro e tento relaxar a primeira vez na noite, embora minha mente ainda
esteja num turbilhão.
Então, escuto passos e a porta se abrindo devagar.
Sorrio, porque eu sei quem está ali, espiando nas sombras.
— Estou vendo você aí, piccola.
Dezesseis
Ariella
— Vamos para uma boate? — Luigi sugere depois de uma hora que estamos no
restaurante, que na verdade é bem animado, tem música tocando e gente curtindo e dançando.
— Eu adorei aqui. Olha, tem gente dançando e tudo, se é este o problema — Maria, uma
das estilistas, comenta apontando para duas moças em uma mesa próxima.
As duas são lindas e na verdade já parecem bem bêbadas.
— Duas ridículas! — Luigi revira os olhos. — Estou falando de uma boate de verdade.
— Boate gay? Eu topo — Alessandro, um dos assistentes de Alessia, concorda. E como
aparentemente todos os meninos da equipe são do time de Luigi, em pouco tempo todos
concordam em ir, até Marcella que estava com o rosto emburrado desde que chegamos.
— Eu pago a conta. — Retiro o cartão da bolsa e entrego ao garçom e eles ainda fazem
um pouco de barulho com isso, mas as reclamações não demoram muito.
— Temos que te convidar mais para sair com a gente — Alessandro diz beijando meu
rosto enquanto se levantam para ir saindo, e Marcella avisa que precisa ir ao banheiro, mas antes
sussurra no meu ouvido.
— Dinheiro compra tudo, não é?
Eu não gosto do seu comentário, mas não posso evitar sentir um certo desconforto. Será
que todo mundo era legal comigo porque eu era a herdeira De Vere?
— Ei, Piero, já estamos saindo — Maria diz.
Eu levanto o olhar e me surpreendo ao ver Piero se aproximando.
Eu nem sabia que Piero estava em Roma!
— Não tinha certeza se assistiu o desfile. Alessia falou que tinha alguns negócios na
cidade — Luigi comenta.
— Sim, eu consegui assistir. Parabéns ao trabalho de vocês. Infelizmente fiquei preso
com alguns negócios, mas Marcella me falou que viriam para cá.
O olhar dele percorre a mesa e para em mim.
— Chegou atrasado, estão todos indo a uma boate — informo sentindo algo quente e
proibido se enroscar dentro de mim. Sim, já tomei alguns drinques e embora não esteja bêbada,
estou facilmente ficando embriagada da presença de Piero.
— Vai com a gente? — Luigi questiona.
— Não, estou faminto. Ficarei para jantar e depois volto a Milão ainda hoje. Alguém se
habilita a me acompanhar?
— Eu fico — Marcella surge e senta de novo ao lado de Piero.
— Eu fico também — decido de súbito.
Marcella não gosta nem um pouco, mas não me importo. Sento novamente e peço um
drinque depois que Piero pede seu prato.
— Já não bebeu demais? — Piero censura e dou de ombros.
— Eu não vou carregar ninguém. — Marcella ri com deboche.
— E nem eu quero que me carregue, Marcella. Se eu ficar bêbada, Piero pode me
carregar, não é? — eu o provoco ignorando que Marcella está ali.
Piero me encara com censura.
— Eu preferia que não ficasse bêbada.
— Estou comemorando. Fizemos um trabalho formidável hoje, não?
— Você não fez nada — Marcella se intromete. — Foi a minha equipe.
— Equipe da Alessia.
— E eu trabalho há mais tempo que ela na De Vere! Piero sabe disso. Sabe do meu valor,
do meu talento.
Rolo os olhos.
— Meu Deus, Marcella, como você é chata!
— Não importa o que você pensa de mim. O que importa é meu trabalho.
O garçom nos interrompe trazendo um prato de massa para Piero.
— E falando em trabalho, Piero — Marcella continua —, acho que agora é um bom
momento para falarmos sobre a próxima diretora criativa...
— Agora não é o momento, Marcella — Piero a interrompe.
— E quando vai ser? Está rolando boatos de que a Alessia está grávida. E ela vai sair
logo, antes da definição da próxima coleção é o momento certo para a nova estilista assumir.
— Não vai ser você! — Eu não me aguento.
Marcella me fuzila com o olhar.
Piero levanta a sobrancelha. Ele tem muita calma para lidar com Marcella porque eu já
estou a ponto de explodir.
— O que você sabe? Nada! Não se intrometa! — ela continua. — Estou falando com o
Piero!
— Piero já falou que não é o momento e você continua insistindo! Ele está comendo, não
está vendo? Aliás, está uma cara muito boa, me deixa provar. — Abro a boca e Piero xinga
baixinho, mas enfia o garfo na minha boca.
— Hum, é bom.
— Pede um pra você então, não vai comer o meu — ele reclama, mas quando abro a boca
ele me serve mais.
— Isso é meio nojento — Marcella comenta franzindo o olhar. — Sei que Piero é seu
tutor, mas quantos anos você tem pra te darem comida na boca?
Eu explodo numa risada e começo a achar que estou bêbada.
Sim, quando eu era criança, muitas vezes eu comia junto com o Piero. Eu era uma criança
pidona e realmente faz séculos que não comemos juntos, mas qual o problema?
— E por que você não cala sua boca chata? — rebato pedindo outra bebida.
— Já chega, Ariella — Piero reclama.
— Não seja chato você também!
— Nossa, você é muito ridícula. Mimada e ridícula! — Marcella enfatiza. — É essa
garota que acha que tenho que respeitar? — ela fala diretamente com Piero apontando pra mim.
— Eu acho que tem que me respeitar sim — continuo —, e se quer saber, você não é a
próxima diretora criativa. Eu vou indicar Luigi que é muito mais talentoso do que você.
— Isso é um absurdo! Piero?
Piero respira fundo, pousando os talheres no prato.
— Marcella, você realmente não vai ser indicada para o lugar de Alessia.
— O quê?
— Eu falei! — Solto uma risada, terminando de beber meu copo.
— Vai ouvir o que Ariella diz?
— Sou eu quem está dizendo, mas eu vou escutar Ariella. Ela é a dona da empresa
também.
— Ela acabou de chegar e não sabe de nada!
— Mas agora ela está aqui e levarei em consideração o que diz e eu acho que precisa
moderar sua língua e suas atitudes. Estou de saco cheio do seu comportamento. Se continuar
assim vai pro olho da rua!
É a gota d’água para Marcella que levanta da mesa.
— Já vai? — provoco.
— Eu sei que quer me ferrar, mas não vai conseguir, entendeu? Eu acabo com você antes.
E você, Piero, estou vendo que faz tudo o que essa nojenta quer. Como meu pai sempre disse, é
um capacho dos De Vere! Já chega pra mim.
— Pra mim também, está demitida, Marcella — Piero diz calmamente.
Marcella fica vermelha de ódio, mas pegando sua bolsa ela se afasta da mesa.
— Finalmente! — comemoro rindo sem parar.
— Ariella, isso não é engraçado.
— É sim, Marcella me detesta e nem sei por quê. Ela me chamou de vagabunda. Chamou
minha mãe de vagabunda. Fez bem em demiti-la.
— Marcella é minha prima e não gosto de ter que fazer isso, mas ela está passando dos
limites.
— Marcella é uma maluca obsessiva pelo que percebi. E ainda me chama de mimada, me
poupe.
— Você me lembra ela, em alguns aspectos.
— O quê? — Eu me irrito. — Não sou como Marcella.
— Vocês têm a mesma vontade férrea, a mesma determinação. E não desistem do que
querem.
— Eu desisti de você, não? — despejo com certo amargor e Piero desvia o olhar.
Claro. Ele não quer falar deste assunto.
Mas minha paciência acabou.
— O quê? Não é verdade? Talvez Marcella também desista da De Vere quando perceber
que de nada vai adiantar só ela querer. Nós, mulheres determinadas, às vezes caímos na real! E
partimos para outra.
— Você partiu pra outra? — Ele finalmente me encara, com os olhos furiosos.
— Seria fácil pra você, não é?
— Não, não seria. Seria um inferno, é isso que quer ouvir?
— Não, não é isso que quero ouvir. Estou de saco cheio de ouvir você jogar na minha
cara que eu sou a menina má que atrapalha seu senso ridículo de moral! Quer saber, Piero? Vai
se ferrar. Cansei de fingir que não me importo, que sou madura o suficiente pra não ficar puta
porque você me deseja uma hora e depois me vira as costas! No fundo, sou boazinha demais com
você enquanto se mantém intacto em seu castelo de gelo. Não passa de um medroso!
Termino de tomar o resto da minha bebida, que desce queimando em minha garganta, e
me levanto.
— Então, eu sou a vilã? Comece a fugir, porque não viu nada!
E eu me inclino e o beijo. Meu ataque é rápido e termina antes que ele se recupere.
Mordo seu lábio com um gemido e me afasto. Subo na mesa e começo a dançar.
Cansei de ser boazinha.
Foda-se, Piero.
Dezoito
Piero
Ariella está em cima da mesa, dançando sensualmente com um sorriso no rosto de quem
não está nem aí para nada, porque o mundo lhe pertence.
E as pessoas naquele mundo estão a seus pés.
Como eu.
Incapazes de desviarem o olhar de sua figura provocadora, quase ofensiva na maneira que
se diverte, enquanto bebe uma taça atrás da outra e move o corpo com uma sensualidade crua e
desafiante.
Indomável.
Essa é Ariella em toda sua glória e desonra.
E estou no paraíso e no inferno ao mesmo tempo.
É isso que Ariella representa.
A paixão e o declínio.
Sinto-me encurralado por seu sorriso que me desafia a desviar o olhar e ir embora, a
deixando mais uma vez, mas ela sabe que não vou.
Por todas aquelas duas semanas eu caminhei com cuidado de quem tem areia movediça
sob os pés, sabendo que a qualquer momento poderia sucumbir e afundar naquele desatino.
Andando por aí, como se todos os demônios me perseguissem para me levarem àquele
lugar proibido e fascinante onde Ariella era o centro de tudo.
Do meu triunfo e da minha ruína.
O que eu ia escolher?
Eu sabia o que tinha que fazer.
Eu já fiz, na verdade.
Trancafiei meus sentimentos proibidos e escolhi a sensatez.
Em dois dias estarei selando aquela porta para sempre quando me casar com a mulher
que escolhi.
E ainda assim, estou aqui.
Chafurdando de bom grado no desejo por uma garota que deveria amar apenas como
minha protegida, mas que se tornou minha obsessão.
Não.
Ariella pode estar se tornando uma jovem mulher incrível que está finalmente
conquistando sua maturidade e escolhendo quem quer ser no mundo.
E ela pode ser o que quiser.
Conquistar o que quiser.
Menos a mim.
Minha missão não é desejar Ariella e tomá-la pra mim, como passei a desejar apesar de
todas as minhas resoluções.
Minha missão é protegê-la.
De si mesma.
De mim mesmo.
Nem que pra isso eu tenha que abrir mão do desejo mais profundo do meu coração.
Resignado, eu me levanto e a tiro da mesa, apesar de seus protestos débeis de quem já
está muito bêbada e levo para fora a colocando no carro.
— Não quero ir embora, eu estava me divertindo.
— Estava se divertindo demais. — Dou partida.
— Odeio você!
— Seria mais fácil se me odiasse mesmo — resmungo.
— Estou com calor... — Ela geme e abre a janela e joga a cabeça para fora, rindo.
— Para com isso, Ariella. — Eu a puxo pra dentro.
— Você é tão mandão! Não preciso mais fazer só o que você quer!
— Você está bêbada!
Ela ri mais ainda.
— Estou... E é tão bom... Pare o carro, olha!
Ela aponta para a fonte na nossa frente.
— Não, temos que ir pra Milão ainda hoje.
— Não!
E ela enfia a mão no volante, me obrigando a pisar no freio, antes que perca a direção e
bata o carro.
Ela ri e abre a porta, se jogando pra fora antes que eu consiga impedir.
— Ariella, volte aqui! — Mas ela já caminha tropegamente para fora, descalça e pula
dentro da fonte.
Suspiro cansado e saio do carro.
— Sai daí.
Ela se vira e sorri pra mim, os braços levantados.
— Vem me tirar.
— Ariella, já chega...
— Está com medo, Piero? É isso não é? Morre de medo de mim... — Ela avança
sensualmente na minha direção.
— Não tenho medo de você.
— Então se eu te beijar agora o que vai acontecer?
Ela está perto agora e sinto o impacto que sua beleza tem em mim, como um soco no meu
peito. Ela chega mais perto e passa os braços por meu pescoço.
Aperto os punhos para não puxá-la pelo cabelo e calar sua provocação com minha língua.
O desejo proibido já se alastrando por meu sistema e atingindo meu pau de forma dolorida.
E ela sente. Seus olhos franzindo de entendimento quando minha ereção se torna muito
evidente, apesar de eu estar resistindo.
Um gemido baixo escapa de sua garganta e ela aperta o corpo contra o meu, e morde meu
lábio inferior.
Impotente diante do seu fascínio assisto rendido, ela beijar minha boca com os olhos bem
abertos, assistindo minha derrota, me desafiando a pará-la.
Mas não consigo me mover.
Nem quando sua mão abaixa por meu peito e para em frente a minha calça, acariciando
meu pau muito duro e é minha vez de gemer e fechar os olhos.
Ariella desliza os lábios por meu queixo até chegar ao meu ouvido.
— Eu ainda me lembro como foi ter você dentro de mim, você lembra? Você também se
toca pensando nisso? Goza pensando em como foi me sentir? Porque eu gozo tão forte com este
pensamento, eu enfio meus dedos bem fundo em mim e gemo seu nome... Piero... E estou tão
molhada agora só de imaginar você me fodendo de novo...
Eu rosno e seguro sua mão, lutando com todas as minhas forças para não levá-la para o
carro e fodê-la como ela está implorando.
Inferno.
— Você está bêbada, Ariella!
Ela ri debilmente.
— Estou, mas estou com tesão... E você também. Por que não, Piero? — Ela me beija de
novo. — Vai ser nosso segredinho, não vou contar a ninguém. Você pode me foder do jeito que
quiser, eu posso chupar seu pau e...
— Já chega!
Eu a pego no colo, a tirando da fonte, xingando todos os palavrões que consigo e a jogo
no carro, dando a volta, sentando no banco do motorista e dando partida.
Não ouso olhar para ela, porque estou furioso.
E com tesão.
Porra.
Bato no volante, aumentando a velocidade, até existir apenas a estrada escura à minha
frente.
Mais calmo, me permito olhar para Ariella e ela está encolhida no banco com um olhar
desolado que me corta o coração.
— Você está bem?
— Não. — Começa a chorar.
— Ariella, porra, eu não gosto de ver você assim.
Ela funga.
— Está bravo comigo, não é?
— Sempre. E por que eu acho que gosta disso?
— Só queria que gostasse de mim.
— Sabe que eu gosto de você, para de chorar.
— Posso deitar no seu ombro?
— Vem aqui. — Estendo a mão e ela segura e deita a cabeça no meu ombro, toda
encolhida, enquanto o choro vai passando e se acalma.
Eu me acalmo.
E de repente parece tão certo estar ali. Com ela.
Mas sei que é uma ilusão.
Chegamos a Milão algumas horas depois e carrego Ariella até seu quarto, adormecida.
Eu a coloco na cama e a cubro, mas ela segura minha mão quando vou me afastar.
— Fica comigo um pouco.
Eu deveria sair dali, mas me vejo deitando ao seu lado.
Eu me rendendo ao seu pedido e a minha própria necessidade de estar ao seu lado. E
naquele momento escuro da madrugada, escondido do mundo, ouso puxá-la pra mim e passar
meu braço em volta do seu corpo que parece se encaixar tão bem no meu, ainda que seja assim,
na calmaria do sono.
Inesperadamente me sinto em paz.
E de novo sou assaltado pela sensação de que algo tão bom não deveria ser tão errado.
Porém, quando acordo na cama de Ariella na manhã seguinte, a ressaca moral bate com
força.
Que merda estou fazendo?
Ela continua profundamente adormecida e eu me desvencilho devagar.
Ainda me permito observá-la.
Ariella parece inofensiva assim, com os lábios entreabertos no sono, retiro um fio de
cabelo do seu rosto, sentindo aquele misto de amor e arrependimento.
Eu queria amá-la como é permitido.
Como ainda amo. E não com este amor faminto, ganancioso, violento que começa a se
alastrar por meu sistema e atordoar minha mente, me desviando do caminho correto que escolhi.
Em silêncio, saio do quarto.
Deixando para trás toda a insensatez da noite anterior.
À luz do dia, meus momentos roubados com Ariella parecem o mais vergonhoso pecado.
Ainda mais quando me arrumo e desço as escadas para encontrar Violet sorridente e às
voltas com os preparativos do casamento.
— Finalmente acordou! Já passa das duas da tarde, Piero!
— Me desculpe, cheguei tarde ontem de Roma.
— E como foi?
— Muito bem.
— Você parece cansado, estranho. — Ela me estuda com um olhar que me parece
desconfiança.
E me sinto culpado.
E eu me pergunto o que acontecerá se eu contar tudo a Violet.
Todos os meus pecados mais secretos envolvendo Ariella De Vere.
De repente, tudo o que eu mais quero é me livrar daquele peso.
E se livrar de Violet no processo? A voz perigosa sussurra em meu íntimo. É isso que
quero? Acabar com os planos de casamento?
Eu não sei.
Inferno, eu não sei.
Na verdade, eu sei que deveria ir em frente, mas o que fazer com aquela voz que começa
a ficar cada vez mais alta dentro de mim, gritando que estou me livrando de um erro me enfiando
em outro?
— Eu tenho que ir para a De Vere — desconverso.
Preciso sair dali.
— Claro. Antecipe todo o trabalho porque amanhã estaremos indo viajar em lua de mel.
Ela sorri e não consigo sorrir de volta antes de me despedir e sair, fugindo de Violet e das
vozes da minha cabeça.
— Você não se esqueceu da reunião que tem agora às 15h, não é? — minha assistente
avisa quando chego à empresa.
— Reunião? Não, não me lembro de nada. Não havia nada marcado hoje.
— Tem sim. — Damiano aparece na porta do escritório. — Sobre aquela possível nova
loja, não lembra? Vamos encontrar o arquiteto no local. Inclusive eu estarei junto.
— Certo, então vamos. — Eu ainda não me recordo de nada, mas acompanho Damiano
para fora.
— Parece atordoado — Damiano diz quando entramos no carro e o motorista dá partida.
— Muitas coisas... — Passo os dedos pelos cabelos.
— Casamento e tudo o mais, está ansioso?
— Prefiro falar sobre trabalho, Damiano. E não me recordo dessa reunião, mas se puder
me atualizar.
Damiano ri.
— Me desculpe, Piero, mas não tem reunião nenhuma. Foi apenas uma desculpa para te
tirar do escritório.
— O quê?
— Para sua despedida de solteiro.
Puta merda.
— Despedida?
— Sim, era uma surpresa.
De repente o carro para em frente a um casarão que eu conheço bem.
É a casa onde meu tio Santino organiza suas festinhas secretas.
Puta que pariu!
Eu me enfureço, mas saio do carro, não acreditando no que estou vendo.
— Querido sobrinho, bem-vindo!
Santino aparece na porta da casa.
— Estou animado, Santino. — Damiano aparece atrás de mim. — Há boatos que suas
festas são as melhores.
— Sim, Damiano, espero que você se divirta. Só o melhor para meus amigos. — Ele faz
um sinal para Damiano entrar e eu vejo uma moça bonita usando trajes mínimos o recebendo.
— O que é isso, Santino? — Rosno irritado.
— Oras! Uma festa de despedida de solteiro. Um presente, claro. Ou pode entender como
um pedido de paz entre nós. Somos família, já chega de desavenças.
— Que merda pretende com isso?
— É desconfiado demais, Piero. Apenas entre e se divirta, olha só, mais um amigo
chegando!
Eu hesito, querendo mandar Santino e sua festa para o inferno, mas respiro fundo e entro
na casa.
Tento não me recordar daquela noite perdida no tempo.
Agora há mesas espalhadas. Um palco em um canto e lindas mulheres em trajes mínimos
servindo bebidas e charutos.
Eu sou cumprimentado por conhecidos, animados com a festa e tento sorrir.
Talvez não seja tão ruim.
Beber e esquecer a merda que está minha vida.
Esquecer que amanhã estarei me casando na ânsia de virar uma página da minha vida que
insiste em não ser fechada. Mas é preciso.
Preciso ir em frente.
Para o bem da minha sanidade mental.
Para o bem de Ariella, embora ela não faça ideia.
Damiano parece animado ao meu lado e acho que ele já está bêbado enquanto dá um tapa
na bunda da garçonete que ri.
— Não está muito animado para quem tem uma namorada? — indago irritado.
Eu não gosto de saber que Ariella está com Damiano, mas saber que ele age assim às suas
costas me deixa mais furioso ainda.
— Ariella? — Ele ri.
— E quem mais?
— Não somos namorados. Claro, estamos saindo, mas ela não está liberando pra mim.
Acho que estou ficando de saco cheio.
Eu me enfureço com sua postura, mas ao mesmo tempo não deixo de sentir alívio, por
saber que o caso de Ariella e Damiano não é sério.
— Estou sacando que Ariella é uma provocadora. Acho que Marcella tem razão, ela só
quer brincar comigo, parece que é isso que ela faz com os homens, os envolvem até tê-los a seus
pés, malucos e depois pula fora... Olha só, acho que teremos um show. — Ele chama minha
atenção quando as luzes se apagam.
— Finalmente a parte boa. — Damiano assobia e aplaude.
De repente apenas um facho incide sobre o palco à frente e avistamos uma figura
feminina de costas. A batida da música sensual começa e a luz aumenta e eu noto que ela veste
uma espécie de uniforme escolar com camisa branca e saia xadrez.
Sinto um arrepio na nuca de horror e descrença, mas no instante seguinte, a música
aumenta e a garota se vira, dançando sensualmente.
Ariella De Vere está ali.
Sorrindo em desafio como fez ontem enquanto se move ao som da música e dos assovios
dos homens ao redor, seduzidos.
Ela leva a mão à blusa, desabotoando. Seus seios surgem para a apreciação geral e ela
anda sensualmente e aponta pra mim.
— Esse show é pra você, Piero. Aprecie... vai ser a única chance que vai ter.
— Meu Deus, é Ariella? — Damiano sussurra embasbacado.
Porra.
Sim, Ariella passou de todos os limites.
De novo.
Dezenove
Ariella
E aqui estou eu, vestida como a colegial que fui há pouco tempo, com a saia que Piero
odiava, me despedindo em grande estilo do meu tutor.
De repente a música termina sob gritos e dinheiros sendo jogados no palco. Eu fecho
minha blusa com um sorriso vitorioso no meu rosto suado.
Piero finalmente parece sair do estupor e se levanta.
Eu me viro e corro. Um segurança de Santino está na porta da sala.
— Me tira daqui?
O homem não hesita em segurar meu braço e se embrenhar comigo pelos corredores da
mansão até chegar a uma cozinha e por fim na saída do fundo. Ele pede um carro pelo fone e em
segundos o veículo estaciona. Respiro aliviada quando consigo me safar.
Mas sei que Piero não vai me deixar escapar. E estou contando com isso.
Acho que chegou a hora do nosso confronto final.
Ainda estou energizada pela adrenalina de meu pequeno ato de insanidade quando entro
na casa de Piero abarrotada de funcionários carregando flores e decorações. Violet me encara
com horror quando passo por ela e vou até o bar.
— Que roupas são essas?
— Gostou? É como meu uniforme de escola. — Eu pego um copo e sirvo whisky.
— E por que está vestida assim?
— Eu fiz um pequeno show...
Sorrio, enquanto tomo a bebida que desce queimando por minha garganta. E antes que
Violet possa falar mais alguma coisa, Piero irrompe na sala como se mil demônios o
perseguissem, a expressão furiosa e os olhos em chamas.
— Olá, Piero, algum problema?
— Você é meu problema, Ariella! Agora passou de todos os limites!
— Ah é?
— O que está acontecendo, Piero? O que Ariella fez? — Violet indaga.
— Isso, conta pra Violet o que eu fiz, por que está bravo?
— Piero? — Violet insiste.
Mas Piero apenas respira forte como se tivesse corrido uma maratona, suas narinas
inflamadas e os punhos fechados, como se preparando para uma luta de vida e morte.
Bem, eu também estou.
Levanto o queixo com um riso de desafio.
— Piero está bravo comigo porque aprontei um pequeno show no sua festinha.
— Que festinha?
— Oh, Violet não sabia da despedida de solteiro?
— Piero, o que está acontecendo?
— Sai daqui, Violet.
— Mas...
— Agora! Tenho um assunto para acertar com Ariella.
Violet ainda hesita, mas sai da sala.
— Poxa, queria contar pra Violet como tio Santino foi legal lhe dando uma festinha
surpresa!
— Não fale o nome deste crápula...
— Está bravo com tio Santino, então? Bem, a ideia foi minha não dele. — Meu sorriso se
alarga enquanto eu me aproximo e paro a sua frente. — Me diga, se divertiu? Não foi
inesquecível sua despedida do mundo dos solteiros? Não foi demais seus amigos gritando
elogios sujos quando viram meus seios? Eu não deveria ter fugido, devia ter ficado e deixado que
todos eles provassem de mim...
— É isso que queria? Se exibir para todo mundo desse jeito?
— Não. Eu queria enfurecer você. — Ergo meu queixo. — E consegui... — Levo o copo
à boca, mas Piero segura meu pulso. O copo espatifa no chão entre nós, enquanto ele me puxa
pela sala até que estejamos em seu escritório e fecha a porta atrás de nós com um estrondo, me
jogando contra a estante e segurando meu queixo com força.
Ofego, não de susto, mas de raiva que eu estava escondendo sob meu sarcasmo.
— Que porra estava pensando? Era isso que queria? Quer me ver perder o controle, não
é?
— Eu quero que seja real comigo! Se é este o verdadeiro Piero, que seja!
— Tudo o que eu fiz foi pra proteger você, porra! — Seus dedos se infiltram no meu
cabelo, puxando com raiva, enquanto ele grita no meu rosto. — Mas estou farto, Ariella. Estou
de saco cheio de aturar suas provocações. De manter o controle sobre minhas vontades para
proteger você! Já chega!
Eu ofego quando ele aperta os dedos no meu queixo a ponto de doer.
Mas não recuo.
Sustento seu olhar quando ele finalmente faz o que prometeu.
Ele perde o controle.
Sem aviso, infiltra a mão embaixo da minha saia e os dedos na minha calcinha.
Solto um grito de susto e prazer, quando seu toque áspero esfrega meu clitóris, que lateja
e pulsa, desperto, e Piero tapa minha boca.
— Shi... Você quer o verdadeiro Piero? — Ele vai além e mergulha dois dedos dentro de
mim.
Solto um som abafado sob seus dedos, meu corpo tremendo inteiro quando ele curva os
dedos dentro de mim, atingindo um ponto perfeito para fazer as pontas dos meus dedos se
curvarem.
— Ver minha fúria? — Piero finalmente retira a mão da minha boca e rosna em meus
lábios e mal consigo respirar, uma onda violenta de prazer atravessa meu corpo, do último fio de
cabelo à boceta. — Quer me ver sendo mal com você? — insiste.
Fecho os olhos, enfraquecendo sob seu ataque, recebendo suas palavras raivosas como
carícias enquanto ele me devassa por dentro.
— Abre a porra dos olhos e responde — exige e eu faço o que pediu. Mergulho o olhar
no dele, ofegando e tremendo, meus quadris se movendo gulosamente contra seus dedos.
— Porra, sim... — murmuro e Piero solta um grunhido, e colide os lábios nos meus
tirando os dedos de mim e enfiando nos meus cabelos para me manter no lugar.
Eu recebo sua língua com a mesma avidez. E em segundos estamos nos atracando como
se nossas vidas dependessem disso. Suspiro e gemo, jogando a cabeça para trás, quando ele
interrompe o beijo para deslizar os lábios por meu rosto, mordendo meu queixo, chupando meu
pescoço e me deixando de perna bamba. Seus quadris se esfregando nos meus e mostrando o
quanto está excitado e isso me deixa mais maluca ainda.
Minha nossa, eu preciso dele dentro de mim. Estamos naquelas malditas preliminares há
quatro anos e só quero que ele me foda e acabe com aquela espera.
Ele se afasta para rasgar minha blusa, os botões voando pela sala e mergulha o rosto nos
meus seios, aspirando como um drogado.
Enfio os dedos em seus cabelos, quando ele abocanha um mamilo, chupando forte.
— Por favor... — sussurro, perdida naquele desvario.
— Por favor o quê? — Ele sobe de novo, me beijando, mordendo meu lábio inferior e
enfiando os dedos na minha calcinha de novo.
— Sim, isso... — gemo quase gozando. — Mais forte. — Coloco minhas próprias mãos
sobre as suas, exigindo mais pressão, mas ele me dá um tapa.
— Não, sou eu quem manda aqui... — rosna, mas não tira o dedo de mim, me acaricia
perversamente e abre um sorriso cruel que nunca vi e enfia o dedo na minha boca.
Eu chupo forte e ele geme.
— Você quer gozar com meus dedos? Ou me pau?
— Eu quero tudo...
— Porra... — Ele me beija devorando meus gemidos enquanto me gira num movimento
ágil.
E me vejo de costas pra ele enquanto sou inclinada sobre a mesa de carvalho e Piero
levanta minha saia me dando um sonoro tapa antes de rasgar minha calcinha e enfiar os dedos
em mim por trás.
— Eu vou foder você, Ariella, é isso que quer?
— Sim...
Meu Deus sim.
Eu nem sei há quanto tempo espero por isso.
Do jeito que for. Não importa. É ele.
Sempre foi ele...
E escuto o barulho da calça e cinto abrindo. Meu coração bate descompassado contra as
costelas nos segundos que espero e em seguida, Piero enrola meu cabelo em seu pulso com uma
mão e a outra segura meu quadril no lugar e sinto seu pau deslizando para dentro de mim.
Nós dois gememos e ele me fode sem piedade, entrando e saindo, o barulho de carne
contra carne enchendo o ambiente enquanto grunhidos abafados saem de nossos lábios.
O prazer atravessa meu corpo em pequenos choques elétricos que começam onde ele me
preenche e se espalha por toda minha pele, esquentando a um ponto que posso explodir de calor.
Então, de repente ele sai de mim e solto um som de decepção, mas em seguida, sou
girada e Piero me senta na mesa, de frente pra ele e abre minhas coxas, se colocando no meio
delas e o pau grosso pressiona entre minhas pernas.
— Quero olhar pra você. — E ele me penetra assim.
Os dentes voltam a atacar minha garganta e meu queixo, sua saliva quente molhando
minha pele, enquanto ele bate os quadris nos meus com força, me fodendo cada vez mais rápido
e eu me seguro em seus ombros, o fodendo de volta e perseguindo meu clímax.
E meus gritos ficam mais altos, nossos movimentos mais erráticos, frenéticos e Piero
ofega em meu ouvido, até que ele tensiona e aperta meus quadris com força, gozando dentro de
mim e é o que basta para que eu desmanche também, as ondas de prazer trepidando meu corpo
por segundos sublimes em que gozamos juntos depois de quatro malditos anos.
Eu me agarro a ele, me negando a soltá-lo, quando o prazer se vai deixando no lugar o
caos das minhas emoções.
Estou feliz porque finalmente ele está dentro de mim.
Estou triste porque Piero me fodeu com ódio e eu já antevejo o final dessa história.
E estou com raiva de mim mesma por ainda querer que o desfecho seja diferente do que
sempre é.
Mas como vindo de muito longe escuto vozes alteradas.
Abro os olhos. E sinto que Piero está me soltando.
Quase choro de decepção, relutando em acabar aquele interlúdio.
Mas as vozes ficam mais altas. Alguém bate à porta.
— Piero, abra essa porta!
É Marcella?
Escuto a voz de Violet abafada agora e não entendo.
Piero está fechando a calça.
Eu pulo da mesa, aturdida e abaixo minha saia e fecho minha blusa.
As vozes vão se afastando, mas a discussão ainda continua em algum lugar. Piero me
examina por segundos, provavelmente para se certificar que estou vestida, antes de passar por
mim.
Penso em continuar ali. Sinto minhas forças sendo drenadas subitamente.
Mas Piero abre a porta e continuo ouvindo os gritos.
Atordoada, saio do escritório e sigo Piero.
Quando chegamos à sala, os Salvatore estão lá.
Santino, Luigi e Marcella, e até mesmo Donatella.
E Damiano também está ali e ele tenta segurar Marcella que está gritando com Violet.
— Você me dá nojo! Ouviu o que acabei de dizer? Vai querer se casar com ele mesmo
assim?
— O que está acontecendo? — Piero questiona.
— Olha só quem está aqui, a herdeira e o tutor. — Marcella se vira para nós. — Ou seria
o tutor e sua amante?
Empalideço ao ouvir a acusação de Marcella, que ri ao ver que me atingiu.
— Oh... Falei demais? Pois eu já falei tudo o que sei! — Desafia, se soltando de Damiano
que me encara com nojo.
Luigi segura a mão da avó que está pálida, como se não entendesse nada. Santino está
muito calmo quando se aproxima da filha.
— Marcella, controle-se. Já deu o show que queria dar...
— Pois eu nem comecei!
— Que merda está fazendo, Marcella? — Piero insiste.
— Eu vim contar a sua noiva, o filho da puta que você é! Sim, eu descobri o seu
segredinho sujo. Que você fode sua protegida. — Ela ri. — E eu fiz questão de trazer toda a
família e expor a sujeira que vem escondendo por anos!
— Você não sabe o que está falando...
— Eu sei sim, eu vi vocês. Vi ela te beijando e dançando pra você lá em Roma. Segui
vocês e os vi naquela cena romântica na fonte... E o que dizer do showzinho que o Damiano me
contou que ela fez na sua despedida de solteiro? — Ela vem até mim. — Sempre soube que era
uma vagabunda como sua mãe. É um traço das De Vere!
— Cala sua maldita boca, Marcella — sibilo.
— Claro que é verdade! E aposto que isso vem acontecendo há anos!
— Marcella, já chega! — É Violet quem exige.
Estou petrificada no lugar, sem saber como reagir àquela exposição.
Todos os olhares dos Salvatore estão em nós, acusadores.
E me sinto inesperadamente mal.
Porque Piero está sendo exposto como um vilão quando tudo o que ele fez foi fugir
daquela atração proibida que nos une.
— Isso é verdade, Piero? — Donatella questiona. — Você é o tutor da Ariella! Minha
nossa...
— Claro que é! Acha que não gravei tudo? Pois quem tem o poder agora? — Marcella ri
na minha cara.
— O que você quer, Marcella? — Sufoco a vontade de quebrar sua cara, porque Marcella
já provou que é insana quando se trata de manter seus interesses intactos. E ela pode estar feliz
em expor a mim e Piero, mas não é só escândalo que ela quer.
— Eu não vou deixar dois sórdidos como vocês se safarem! Mas eu posso ser legal e
lembrar que somos família, e manter o segredinho de vocês longe dos holofotes, se Piero retirar
minha demissão e me colocar como a próxima diretora criativa.
Eu abro a boca para concordar.
Que se foda.
Não vou deixar aquela maluca destruir a reputação de Piero ou prejudicar nossos
negócios.
Mas antes que eu prossiga, Piero se coloca na minha frente.
— Não.
— O quê? — eu e Marcella falamos ao mesmo tempo.
— Já chega, Marcella.
— Piero, está maluco? Vai deixar essa menina nos destruir? — É Violet quem fala agora,
indignada.
Piero a encara.
— Sinto muito, Violet. — E sei que ele está pedindo desculpas pelo segredo que manteve
escondido dela, porque não faz ideia que Violet sempre soube.
E não dava a mínima.
— Não seja idiota, Piero. Acha que me importo com seu segredinho sujo com a Ariella?
Eu já percebi faz tempo.
Piero fica chocado.
— Você sabia?
— Sim, eu sabia. Mas eu sei que foi algo isolado, um erro. E que por mais que essa
menina seja apaixonada por você, e por mais que tente, você nunca vai ceder a esse erro de
novo...
— Não — Piero a interrompe.
— Não?...
— Não foi um erro isolado, Violet. De fato, foi um erro há quatro anos. — Piero olha em
direção a Santino. — Eu me envolvi com Ariella uma vez sem saber que era ela, e me martirizei
por todos esses anos. Por sua culpa e dos seus jogos sórdidos! — acusa.
— Espere aí, sobrinho, eu não forcei nada, sabe bem...
— Você é um homem nojento e sabe disso. Ariella era só uma menina e você a
manipulou...
— Eu nunca fui forçada a nada! — rebato. — Eu fui até aquele clube e enganei Piero
porque eu era apaixonada por ele! — confesso. — Eu sempre fui apaixonada por ele e ainda sou!
E sim, Violet, tentei fazer Piero me amar por todos esses anos, eu morri a cada dia que ele me
rejeitava porque era o que sua moral pedia! E foi sim, um erro isolado, desde que Piero se tornou
meu tutor, ele se manteve longe de mim.
— E o que vi em Roma é o quê? — Marcella desdenha.
— Piero... o que aconteceu em Roma? — Violet indaga, parecendo finalmente se dar
conta.
— Eu disse que sinto muito... — O olhar de culpa de Piero diz muito.
— Certo, tudo bem. Eu posso entender, ainda podemos passar por cima disso, nós vamos
nos casar amanhã.
— Não vamos mais nos casar, Violet.
Desta vez eu prendo a respiração, em choque.
— Como não vamos nos casar?
— Porque percebi que seria um erro. E eu já cometi muitos erros, Violet. Acabou.
— Não pode fazer isso!
— Eu já fiz.
— Por quê? Por causa dessa menina?
De repente Piero está segurando minha mão e eu ainda estou em choque.
— Sim, por causa de Ariella. Eu cansei de lutar contra o que sinto. — Ele se vira para a
família. — Sinto muito, mas as coisas que acontecem entre mim e Ariella só diz respeito a nós.
Não devo satisfação a ninguém. E Santino, mantenha sua filha de boca fechada, porque se ela
prejudicar a De Vere ou Ariella, acabarei com ela pessoalmente. E acho que você também tem
interesse em manter a De Vere a salvo, não?
Santino não parece satisfeito, mas assente, como se estivesse recalculando uma rota.
E em seguida, me vejo sendo puxada para fora da casa e colocada dentro do carro de
Piero que finalmente me encara.
— O que foi isso?
— Você venceu, Ariella.
— Venci?
Ele sorri e eu me vejo prendendo a respiração quando ele segura meu rosto.
— Eu te amo.
Arregalo os olhos, achando ter ouvido errado.
— Me ama?
— Sim, eu te amo pra cacete! — Ele me beija e eu começo a chorar.
Piero me ama.
Me ama, porra.
Finalmente!
Vinte
Ariella
Piero dirige por horas, ou poderia ser minutos. Ou dias.
Não sei.
Perdi a noção da contagem do tempo desde que ele disse que me ama.
De repente é como se eu estivesse em outro mundo. Outra dimensão onde nada mais
existe a não ser Piero repetindo como um looping em minha cabeça as palavras que sonho ouvir
há tanto tempo que nem lembro.
No momento em que Piero me soltou e deu partida no carro, e nos afastamos da casa
onde seus familiares, e agora ex-noiva, estavam reunidos para aquele terrível ápice, eu nem
cogitei perguntar onde estávamos indo, não me interessava.
Eu estava com Piero.
Parece que estou num sonho onírico. Milão e a realidade que vivi até agora ficando para
trás e a estrada que não sei para onde vai nos levar à frente.
É quase como se fosse uma metáfora da realidade que vivemos.
O passado ficou para trás e o futuro é incerto, porém repleto de infinitas possibilidades.
E quando finalmente chegamos a uma casa nas montanhas, reconheço Bormios.
Piero estaciona em frente a casa e saímos do carro.
Ele não diz nada quando segura minha mão e me leva para dentro.
Eu olho em volta, ainda meio atordoada. A casa parece pronta, como se alguém estivesse
preparado tudo para a chegada dos hóspedes.
— Lembra daqui?
— Vagamente.
— Acho que você esteve aqui apenas umas duas vezes, quando criança.
— É esquisito estar aqui, é o último lugar em que nossos pais estiveram.
Piero assente.
— Por que me trouxe aqui?
— Eu só queria que nos afastássemos o mais longe possível de Milão e a bagunça que
deixamos para trás.
— Parece que a casa estava nos esperando chegar.
— Porque eu e Violet viríamos para cá em lua de mel.
— Oh... — Eu mordo os lábios sentindo o estranhamento da situação.
Caramba, Piero ia se casar com Violet em menos de 24 horas.
Eles estariam aqui, em breve, em lua de mel.
E agora nada disso vai acontecer.
Meu coração dá um salto no peito ao me dar conta daquela nova realidade de novo e de
repente quero falar tantas coisas, perguntar tantas coisas, mas também quero que Piero me beije e
me faça esquecer o mundo que deixamos para trás e que provavelmente nos será hostil.
Pensar nas implicações do que Piero fez me faz estremecer de um certo medo que não
consigo evitar.
Eu quis tanto que ele fizesse exatamente o que fez hoje.
Mas qual o preço?
Podemos nos amar independente do que o mundo pensa de nós?
Nunca me importei com a opinião alheia.
Mas me preocupo com Piero.
Parece irônico que justamente agora eu pense dessa maneira.
— O que está pensando? — Piero se aproxima.
Meu Deus, ele é lindo.
E é meu.
É meu?
Ainda parece extraordinário demais para acreditar.
— Não vai mesmo se casar com a Violet?
Ele sorri.
— Não.
Eu suspiro, quase com alívio.
— E vai ficar comigo?
— Sim.
Seu sorriso se alarga como se fosse muito engraçado minhas dúvidas.
— E me ama de verdade?
Seus dedos enquadram meu rosto.
— Muito.
— Como?
— Com um pouco de raiva porque você me deixa louco.
— Você me ama com loucura?
— Com tudo o que eu sou. Com tudo o que eu tenho. A parte boa, a parte ruim. Com
todo meu coração e com meu corpo.
— Que lugar do seu corpo me ama mais?
— Meu pau.
Nós rimos, e pensar que esse tipo de conversa parecia tão errado há apenas algumas horas
e de repente cá estamos nós. Falando de como o pau de Piero me ama.
Meu Deus, se for um sonho que não me acorde.
Fecho os olhos, suspirando e sorrindo e recebendo seus lábios que provam os meus como
se tivesse todo o tempo do mundo.
E acho que nós temos mesmo.
Eu me agarro a sua camisa, devorando sua boca sem a mesma paciência que ele, que ri
contra meus lábios.
— Droga, Piero, você me deve tantas explicações...
— Agora? — Ele introduz a mão dentro da minha blusa e segura meus seios com ares de
dono. — Porque eu prefiro foder você.
— Você já me fodeu lá no seu escritório... — Fecho os olhos, me arrepiando quando ele
morde meu queixo enquanto minha camisa desaparece em algum lugar do chão.
— Eu estava com raiva.
— Acho que gostei da sua raiva.
Ele ri, os lábios na minha clavícula, a língua fazendo um caminho úmido pela minha pele
em direção ao meu peito e eu enfio os dedos nos seus cabelos, suspirando e enfraquecendo
rapidamente.
Ele abocanha meu seio e solto um longo gemido, adorando quando ele faz o mesmo com
meu outro mamilo e desce mais além, se ajoelhando na minha frente.
Engulo em seco ao entender qual sua intenção, a tensão entre minhas coxas explodindo
num pulsar urgente e ansioso quando ele levanta minha saia e noto seu olhar escurecer de puro
desejo quando percebe que ainda estou sem calcinha depois da nossa transa no escritório.
Ele prende o olhar no meu e nós dois estamos ofegantes e excitados na mesma
intensidade.
— Eu já te fodi com raiva. Agora vou te foder com minha língua para te pedir desculpas.
Sacudo a cabeça em afirmativa.
Ah sim. Tudo o que quiser.
— E depois vou te levar pra cama, Ariella, e vou te foder com amor.
E então, ele enfia o rosto entre minhas pernas e me fode com sua língua como prometeu.
Puta merda.
Solto um grito abafado, puxando seus cabelos e colocando uma perna sobre seus ombros,
para me manter em pé, enquanto ele devasta minha boceta com sua língua, seus dentes e saliva.
Meus pulmões estão a ponto de explodir e arquejo e sofro em busca de ar, minha mente
rodando. Meu rosto vermelho de calor que se espalha por toda minha pele que está elétrica com
sucessivos choques que começam onde ele me acaricia e se espalha por todos os meus poros.
Meu ventre está a ponto de colapsar quando Piero enfia dois dedos em mim, aumentando
a tortura e começo a gemer alto e sem controle nenhum dos meus sentidos, movendo os quadris
furiosamente contra sua boca, até que o orgasmo explode me fazendo trepidar, na onda do gozo
mais intenso que já tive na vida com Piero me chupando.
Ah minha nossa.
Acho que morri.
Porque tudo desaparece à minha volta e só volto à Terra quando estou sobre a cama em
um quarto e Piero está se despindo.
Eu me seguro sobre os cotovelos, subitamente desperta. Porque Piero não tem noção de
como é lindo e de como sonhei em vê-lo assim, totalmente nu e excitado na minha frente.
Claro que eu já vi Piero de sunga por aí, mas agora ele tira a cueca e eu consigo ver ele
inteiro em sua glória. Minha boca fica seca e eu sinto minha boceta apertando em agonia, louca
para tê-lo ali, quando ele desenrola um preservativo na ereção em riste e vem pra cima da cama.
Eu levo a mão à saia para tirar, mas Piero já está se adiantando e retirando ele mesmo e
vindo para cima de mim, nu e lindo, nossas peles se roçando sem nada entre nós pela primeira
vez.
Suspiro, quando ele se encaixa entre minhas pernas.
Os dedos se entrelaçam nos meus enquanto me penetra devagar e desta vez, como
prometeu, não tem pressa e nem raiva, só amor.
Piero me possui assim, lentamente, quase com reverência, e me movo com ele no mesmo
ritmo, sentindo meu coração se expandindo daquele sentimento que mal cabe dentro de mim.
— Eu te amo, Piero... Te amo demais... — Soluço, respirando aquele cara que é
absolutamente tudo pra mim.
Ele sorri e encosta a testa na minha.
— Eu sei... porra, eu sei...
E aumenta o ritmo, e nós dois gememos juntos, enquanto o prazer se torna grande demais
para suportar e explodimos num gozo perfeito cheio de amor.
Só amor.
Vinte e Um
Piero
— Piero?
— Hum?
Levanto o olhar e Ariella está sentada na minha frente na bancada da cozinha enquanto
comemos.
— Isso é real?
Sorrio, entendendo o que ela queria dizer.
As últimas horas parecem saídas de uma realidade paralela.
Depois que transamos, Ariella disse que queria me falar algo.
— O que foi? — indaguei preguiçosamente, acariciando seus cabelos, sentindo meus
membros ainda relaxando depois do orgasmo.
E a realidade começando a se infiltrar na minha mente pouco a pouco.
Porra, eu estava na cama com Ariella.
Ela estava nua. Eu estava nu.
Acabamos de foder como dois adultos no cio e pela primeira vez eu não sentia que era
errado.
Cansei de fugir daquele sentimento que já me dominou por inteiro há algum tempo, ainda
que eu tenha lutado contra por anos.
— Sei que temos um monte de coisa pra falar e acho que ainda estou meio atordoada,
mas será que podemos comer? Não comi o dia inteiro.
Eu ri, me levantando da cama e a puxando junto.
Eu lhe dei minha camisa e vesti a calça, descendo para cozinhar pra ela.
Agora Ariella me encara ainda com um olhar de insegurança que deixa meu coração
apertado, porque eu sei que quem plantou aquela insegurança ali fui eu.
Quando sucumbi à raiva e ao desejo e transei com Ariella no meu escritório, eu estava
tomado pela fúria. E nem era só de seu pequeno show que me deixou chocado, e sim porque já
estava farto daquela briga sem fim entre minha razão e a emoção.
E ali, dentro dela, quando finalmente perdi aquela guerra, senti que na verdade, não
importava. Porque pela primeira vez na minha vida eu me sentia... Completo.
Sentia que finalmente era eu.
Que éramos nós.
E percebi que não adianta fugir quando estamos correndo de nós mesmos.
Eu precisava aceitar que meu amor por Ariella fazia parte de mim. Que ela fazia parte de
mim. E que a afastando eu só me afastava de mim mesmo.
E naquele instante, eu me rendi.
Joguei as armas no chão e abracei a loucura que era aquele amor.
Proibido, insensato, maior que o mundo.
Mas meu amor.
Ariella era minha e eu era dela. E estava na hora de aceitar aquela realidade.
Mas antes que eu pudesse sequer começar a pensar em como, Marcella apareceu jogando
a verdade em cima de todos e nos expondo antes que eu tivesse a chance de fazer aquilo direito.
Mas em meio àquele surto, eu soube que chegara a hora.
Foda-se.
Eu sabia que não seria fácil. Que no fundo, por mais que eu aceitasse que não havia outro
caminho a seguir, ainda era errado de muitas maneiras.
Mas não podia mais fugir. A não ser fugir com Ariella, como eu fiz.
Haveria tempo para enfrentar o mundo e para enfrentar os segredos escondidos sob
aquele mundo, mas naquele momento só queria levá-la para qualquer lugar onde estivéssemos
sozinhos e pudéssemos continuar de onde paramos.
— Sim, é real, Ariella. — Sorrio e seguro sua mão.
— E você não está mais bravo comigo por causa da festa de despedida?
— Não estou mais, mas é bom que não toque no assunto, pra eu poder esquecer que todos
meus amigos viram seus peitos.
Ela fica vermelha.
— Me desculpe, eu só queria te provocar.
— Não peça desculpas. Porque eu teria que pedir desculpas por muitas coisas também.
— O que vamos fazer agora?
— Vamos esquecer o passado. Vamos... Começar deste momento.
Ela sorri devagar e eu finalmente consigo vislumbrar em seu rosto a confiança no que
estou prometendo.
— Você não está brincando, não é? Não vai mudar de ideia?
— Nunca. Eu disse, cansei de fugir. Agora não vai se livrar de mim. Não vou a lugar
nenhum. E se eu for, você vai junto.
— Vai ser um escândalo, não é? — Ela parece preocupada.
— Não vamos deixar que seja. Daremos um jeito — garanto. — Ainda com fome?
Ela sacode a cabeça.
— Não, estou satisfeita.
— Certo, vamos lavar essa louça.
— Não gosto de lavar a louça, eu sou uma herdeira sabe.
— Tudo bem, eu posso lavar, mas pelo menos leve o lixo lá fora?
Ela rola os olhos, mas pega o lixo e sai pela porta da cozinha.
Porém, acabo de lavar a louça e ela ainda não voltou.
Preocupado, porque lá fora está frio, saio e a encontro conversando com um Lorenzo, o
dono da casa vizinha.
Sinto um arrepio de contrariedade ver aquele homem.
Ele é o mesmo policial que atendeu a emergência no acidente dos nossos pais.
— Ariella, está frio, deve entrar. — Eu me aproximo de Ariella, mas ela sorri
despreocupada, apesar do frio.
— Estava conversando com o Lorenzo, não me lembrava dele, acho que nunca chegamos
a nos encontrar por aqui. Fiquei animada porque ele disse que conheceu nossos pais...
— Ei, Piero, tudo bem? — Lorenzo me cumprimenta, ignorante a minha apreensão. —
Faz tempo que não te vejo em Bormios. Estava me apresentando a Ariella. Vão ficar por um
tempo? Poderíamos marcar um jantar, minha esposa iria gostar.
— Eu adoraria, quero muito falar sobre meus pais... — Ariella se anima.
— Nós estivemos esquiando juntos algumas vezes e naquela noite do acidente, eu fui o
primeiro a chegar ao local. Meu Deus, que tragédia. Ainda não me conformo, tanto tempo
depois. E ainda mais que pode não ter sido um acidente. Piero, nunca fiquei sabendo o que
aconteceu com o inquérito?
— Vamos entrar Ariella, vai congelar. — Ignorando a pergunta, levo Ariella para dentro,
fechando a porta atrás de nós, torcendo para que ela não tenha entendido as insinuações de
Lorenzo.
Mas Ariella me fita muito pálida.
— O que Lorenzo estava dizendo? Que o acidente que matou meus pais... não foi bem
acidente?
— Esqueça isso, Ariella. Nunca ficou comprovado nada, era apenas uma suspeita...
— Que suspeita?
— Uma bobagem, que nunca foi comprovada e a polícia registrou como acidente.
— Por que eu acho que está mentindo? — Ela não desiste. — O que aconteceu com
meus pais? Com seus pais? Foi... criminoso?
— Ariella, por favor, esqueça isso...
— Não. Você está claramente se esquivando! Meu Deus, o que está me escondendo, a
quem está querendo proteger?
— Você! — exclamo, acuado. — Estou protegendo você. Nada de bom pode vir dessa
história!
— Então é verdade...
— Inferno!
Respiro fundo, lutando contra as lembranças terríveis que venho tentando esquecer há
quatro anos.
A verdade que escondo de Ariella há quatro anos.
— Você precisa me contar... — ela implora.
— Nada vai trazer nossos pais de volta, Ariella.
Ela morde os lábios com força, o rosto transfigurado de angústia.
Eu tento tocá-la, mas ela se esquiva de mim.
— Não! Não acredito que está escondendo um segredo de mim... Se você não quer me
contar, eu vou atrás de quem pode!
— Não...
— Santino! Ele deve saber de algo, não é?
— Não se aproxime de Santino, porra!
— Não pode me impedir de descobrir o que aconteceu com meus pais! — Ela me
empurra e sobe as escadas correndo.
Bato na mesa, furioso.
Que porra aquela verdade perigava vir à tona justo agora?
Eu mantive aquele segredo escondido para o bem de Ariella.
Quando meu pai soprou a verdade por entre seus lábios moribundos, meu mundo inteiro
que já estava no chão terminou de desabar em minhas costas e eu sabia que teria que suportar o
peso daquele segredo para sempre.
— Para o bem de Ariella, prometa... Ela nunca pode saber. Nunca. A proteja com a sua
vida. Ninguém pode saber, jure, Piero.
E eu jurei.
E até hoje mantive aquele juramento. Mas Ariella agora desconfia de algo e a
conhecendo como conheço, ela não vai sossegar até descobrir.
De repente escuto um barulho.
— Ariella? — Avanço até a sala e encontro a porta aberta.
Corro com um pressentimento ruim e ainda avisto meu carro desaparecendo na rua.
Ariella fugiu.
E tenho certeza que ela está indo atrás da pessoa que acha que pode lhe ajudar a
desvendar aquele segredo.
A última pessoa que eu quero que ela se aproxime.
Santino.
Vinte e Dois
Ariella
— Você está bem? — Piero me gira na pista de dança ao som de uma orquestra chique
em meio a decoração da recepção de casamento de Georgina, na fazenda dos St Clair.
Sorrio, feliz e aliviada agora que tínhamos conseguido nos livrar de Santino.
— Estou sim.
— Você estava quieta todo o caminho para cá. Fiquei preocupado. Quietude não é bem
seu lance.
Eu ri.
— Aquela reunião com Santino foi intensa, acho que tomou mais de mim do que
imaginava. Eu achei que não me importava, mas no fundo, é meio triste saber que ele é meu pai,
mas que não posso confiar nele.
— Santino é um homem ambicioso e sem escrúpulos. É triste dizer isso também, é meu
tio. Mas fizemos o que tinha que ser feito.
— Acha que ele vai aceitar e desistir?
— Eu duvido. Não faz o estilo dele, no final, acho que você teve a quem puxar em sua
determinação. Mas ele vai recuar por enquanto, vai guardar as armas e estudar uma nova maneira
de se dar bem.
— Ele pode tentar. Não estou disposta a deixar que nada estrague nossa vida. — Passo os
braços por sua nuca. — Nossa felicidade.
Piero sorri pra mim, me abraçando.
— Voce está feliz?
— Muito.
Olho em volta. Anya está dançando com Alexis, sua barriga de grávida entre eles.
Mais a frente, vejo Violet e disfarço uma careta. Aquela nojenta tinha mesmo que estar
presente no casamento da minha amiga? Mas infelizmente ela é amiga de Killian St Clair, o
bonito e mau humorado irmão do noivo. Que agora ela segura no braço, com um olhar de
interesse que deixa bem claro que já escolheu sua próxima vítima.
— Acha que Violet vai enfiar suas garras em Killian St Clair?
Piero segue meu olhar.
— Espero que ela seja feliz...
— Arg, Piero, para de ser inocente! Sabe muito bem que Violet só quer um marido rico,
por isso ela queria se casar com você e nem se importava sobre seu histórico comigo. E agora ela
está mirando em mais um noivo milionário!
— Isso não é problema nosso, piccola.
— Tem razão. Mas vamos ver se desta vez ela consegue seu casamento... Acha que um
dia isso vai acontecer com a gente?
— O que, casamento?
— Sim.
Ele sorri e sinto todo meu coração se expandir.
Ainda parece incrível que Piero seja meu.
Que eu posso estar com ele assim, como um casal.
Que podemos fazer planos para o futuro juntos.
Eu mal posso esperar.
— Acho que posso me acostumar com a ideia.
Sorrio de volta e o beijo.
— Ariella, pode vir aqui?
Anya nos interrompe e eu rolo os olhos, irritada.
— Não está vendo que estou ocupada?
— É, eu vi, mas Georgina precisa de nós.
— Certo. — Eu beijo Piero rapidamente. — Eu já volto! Que tal me esperar naquele
celeiro atrás da casa? Nunca transei num celeiro.
— Pelo amor de Deus, Ariella! — Anya me puxa, vermelha e eu rio de seu embaraço. —
Nossa, ainda parece surreal que você está com seu tutor!
— Parece surreal pra mim também... — suspiro. — Mas qual o problema?
Anya me leva até um lavabo e Georgina está muito pálida e com cara de quem vai
vomitar.
— Ei, o que foi? — Eu toco seu rosto.
— Não estou bem...
— Pode ser o vestido? Não está apertado? — Anya indaga.
— Ou nervosismo? — Estudo o rosto de Georgina, preocupada. Eu tinha notado que ela
parecia angustiada em toda a cerimônia.
Ela tentava disfarçar com um sorriso, mas eu conhecia Georgina muito bem.
Ela não deveria estar feliz?
Até a hora que a vi subindo ao altar com George eu não estava acreditando que aquele
casamento ia acontecer. Nunca acreditei que aquele relacionamento fosse certo para ela, embora
Georgina insistisse que sim.
Porém, agora volto a me preocupar, sentindo um frio na barriga.
— Georgina, o que está acontecendo?
Ela morde os lábios com força, ainda mais pálida.
— Gina... — Anya a estuda com um olhar conhecedor. — Você por acaso... Está
grávida?
— Eu posso estar — ela murmura mortificada.
— O quê? Você transa com o George? — Solto uma risadinha maliciosa olhando pra
Anya. — Olha só, Anya, que safadinha! Eu achando que ia esperar virgem até o casório...
— Eu nunca transei com o George.
Eu e Anya voltamos o olhar para Georgina em choque.
— O quê?
— Eu não sei o que fazer, se eu estiver grávida... Este bebê não é do George. — E ela
começa a chorar.
Minha nossa, o que Georgina aprontou?
E se não é de George, quem é o pai?
Nota da autora
E finalmente saiu o livro da Ariella, com mais de um ano de atraso. Espero que vocês
tenham curtido a leitura.
E não esqueçam de deixar uma avaliação e indique bastante para que mais leitores se
deliciem com esse romance!
E o próximo lançamento será o livro da Georgina, Viúvo Inglês, que o e-book já está em
pré-venda.
Um beijo e até a próxima!
Ju
Sobre a autora
Juliana Dantas
Autora Best-Seller, com mais de 170 milhões de páginas lidas no Kindle, e 80 mil e-
books vendidos, a paulista Juliana Dantas envolveu-se com a escrita em 2006, escrevendo fanfics
dos seus seriados e livros preferidos. Estreou como autora profissional na Amazon em 2016 e
hoje possui mais de 50 títulos na plataforma Kindle, além de livros publicados pela Editora
Harper Collins - selo Harlequin, DVS Editora, Editora Pandorga e Editora Cabana Vermelha.
Sua escrita transita livremente entre dramas surpreendentes, comédias românticas e romances
sensuais. E seus títulos já estiveram várias vezes no ranking de mais vendidos da plataforma,
além de ter três deles na lista de mais vendidos da Veja.
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