Você está na página 1de 336

Copyright © 2023

 
 

1ª Edição - Abril de 2023


 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou
transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânicos sem consentimento e
autorização por escrito da autora.

 
Capa: Maya Passos
Revisão: Camilla Nunes / Susana Pierote
Diagramação: Maya Passos
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com os fatos
é mera coincidência.  Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida
sob quaisquer meios existentes — tangíveis ou intangíveis — sem prévia autorização
da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98,
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 

TEXTO REVISADO SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA


PORTUGUESA.

 
 

Sumário
Sinopse
Playlist
Nota da Autora
Prólogo — Igor Reis
Capítulo 01 — Ayana Klein
Capítulo 02 — Igor Reis
Capítulo 03 — Ayana Klein
Capítulo 04 — Igor Reis
Capítulo 05 — Ayana Klein
Capítulo 06 — Igor Reis
Capítulo 07 — Ayana Klein
Capítulo 08 — Igor Reis
Capítulo 09 — Igor Reis
Capítulo 10 — Ayana Klein
Capítulo 11 — Igor Reis
Capítulo 12 — Ayana Klein
IGOR
Capítulo 13 — Igor Reis
Capítulo 14 — Igor Reis
NANA
Capítulo 15 — Igor Reis
Capítulo 16 — Ayana Klein
Capítulo 17 — Igor Reis
Capítulo 18 — Ayana Klein
Capítulo 19 — Igor Reis
Capítulo 20 — Igor Reis
Capítulo 21 — Ayana Klein
Capítulo 22 — Igor Reis
Capítulo 23 — Ayana Klein
Capítulo 24 — Igor Reis
Capítulo 25 — Ayana Klein
Capítulo 26 — Ayana Klein
Capítulo 27 — Ayana Klein
Capítulo 28 — Ayana Klein
Capítulo 29 — Igor Reis
Capítulo 30 — Igor Reis
Capítulo 31 — Ayana Klein
Capítulo 32 — Ayana Klein
Capítulo 33 — Igor Reis
Capítulo 34 — Ayana Klein
Capítulo 35 — Igor Reis
Epílogo — Ayana Klein
Conheça os outros spin-offs da série

 
 
Sinopse

Ele é um viúvo que nunca conseguiu superar sua perda;


Ela é filha de um dos melhores amigos do seu pai;
Ele a engravida e, pouco tempo depois, volta a morar
fora do Brasil;
Ela decide criar a criança sozinha. Porém, o destino
sempre dá um jeito de colocar tudo em seu devido lugar.
 
Um ano após a morte de sua noiva, Igor Reis ainda se vê perdido,
amargurado pelas circunstâncias do ocorrido e morando fora do
país na intenção de realizar os sonhos que tinha com a amada. Ele
afastou os amigos, a família e qualquer pessoa que chegasse perto
na intenção de curá-lo.
Ayana Klein Castanheira é cheia de vida, sonhadora e solista de
uma companhia antiga e famosa de ballet clássico. Após uma
decepção, Nana decide voltar a morar no Brasil para finalmente dar
início a outro de seus grandes sonhos.
Após se reencontrarem no aeroporto, os dois descobrem que
precisarão passar alguns dias sozinhos em uma cidade bem longe
de casa. A situação tinha tudo para ser tranquila, se não fosse pela
intensa atração que eles sentem um pelo outro, desenterrando uma
paixão escondida no passado e uma gravidez que era tudo, menos
esperada.
Igor não suporta a ideia de viver outra vez em sua cidade natal.
Ayana tem tudo planejado para passar o resto dos dias no Rio de
Janeiro.
Não existe meio-termo para eles... Ou melhor, ainda não!
Playlist

 
 

Escaneie o código ou clique aqui para o Spotify


 
Nota da Autora

Primeiro vou pedir que tu fique até o final, coisa linda. Sei
que tem umas bandidas que adoram pular a nota da autora por aí.
Sim, eu sei que me empolgo nas besteiras que falo e sim também:
eu amo ser besta e rir das minhas próprias idiotices, mas o assunto
aqui é sério.
Eu queria dizer que tô saindo daqui com o coração
quentinho, na verdade, tá tudo fervendo, inclusive minha cabeça. Eu
queria escrever uma noveleta, sabe? Coisa rapidinha e tal, dedo no
cu e viveram felizes para sempre, mas esses dois fizeram uma
confusão na minha cabeça e ainda se juntaram com o resto da
“boyband” pra me atormentar. Kkkkkkk
Sacou a referência?
E o Igor ainda queria anal, gente, pela fé, quase não dá
tempo de entregar o livro, como que eu ia meter um hot de
cinquenta páginas aí no meio? Porém, nem se preocupa, eles
colocaram fogo no parquinho e na ilha também...
Enfim, voltar para esse universo foi uma experiência
maravilhosa e eles dois curaram dores que eu nem sabia que ainda
existiam.
Espero que você se divirta, e, pelo amor de Deus, use
camisinha. (Não digam que não avisei depois).
Ah, e cuidado com os assuntos desconfortáveis que podem
surgir uma hora ou outra no meio da leitura.
Só mais uma coisinha... Agradeço demais a paciência de
vocês, porque o livro quase não saía.
Então, é isso.
Vou deixar vocês lerem em menos de um dia, como se eu
não tivesse passado muitas madrugadas pra escrever... Eu entendo,
tá? Sem ressentimentos.
Agora eu vou lá ter minhas oito merecidas horas de sono.
Um beijão e boa leitura.
Maya <3
Agradecimentos

 
Antes de tudo, gostaria de agradecer por ter escolhido meu
livro. É uma honra imensa ter meu trabalho nas mãos de pessoas
tão especiais como você.
Primeiramente, quero expressar minha gratidão a Deus por
ter chegado viva no dia 28, porque olha... foi uma jornada intensa,
mas Ele sempre esteve ao meu lado, me guiando e me dando
forças para continuar.
Além disso, eu sei que foi uma verdadeira loucura escolher
o dia do meu aniversário para lançar o livro e talvez por isso tenha
dado tudo errado, mas agradeço a toda a minha equipe, que não
soltou minha mão em nenhum momento, nem nos mais
desesperadores. Yas, obrigada por colocar um pouquinho de ordem
no meu caos. Belle, queria dizer que não vou mais te deixar de
cabelo em pé, mas seria mentira, já, já tem mais, obrigada. Camilla
e Susana, sou muito grata por ficarem comigo até o último minuto
revisando o texto. E tem a Nayariel também, que se infiltrou aqui no
meio e ainda ganhou homenagem no texto. Obrigada, gente, amo
vocês <3
Não posso deixar de mencionar as minhas betas, Suellen e
Patrícia, que me ajudaram a aprimorar a história e torná-la ainda
mais especial. E, é claro, minha melhor amiga Amanda, que é minha
fã número um e sempre acompanha o meu processo de escrita e
surtos.
Cá, Camis e Jess, não sei se já agradeci a vocês por esse
universo lindo que criamos juntas. De qualquer modo, muito
obrigada por todo apoio e amizade. Amo vocês <3
Também sou grata a todas as minhas amigas e colegas de
profissão que sempre me dão força; e à minha família, que é meu
porto seguro e me incentiva a perseguir meus sonhos.
Por fim, gostaria de agradecer às minhas parceiras nas
redes sociais, que surtaram muito junto comigo também. Sem vocês
não seria possível alcançar tantas pessoas e divulgar esse trabalho
incrível. Essa conquista também é de vocês.
Muito obrigada a todos que estiveram comigo nessa
jornada. Espero que meu livro traga muitas emoções e alegrias para
sua vida.
Com carinho,
Maya Passos.
Prólogo — Igor Reis

 
Virei-me sob os lençóis quando um barulho ressoou ao meu
lado, atrapalhando o sono mais tranquilo que já tive em uma
semana inteira. Estendi o braço ao perceber que o som vinha da
vibração do meu celular, que estava em cima da mesinha de apoio
carregando.
Pisquei os olhos, vendo minha própria imagem refletida no
aparelho e um ícone com a foto do meu pai bem acima dela. Passei
os dedos pelos olhos para limpá-los, e deslizei o polegar pela tela,
atendendo a chamada.
— Igor — meu pai pronunciou meu nome, estreitando os
olhos muito azuis. — Te acordei?
— Sim, mas tudo bem, pai — falei, bocejando e arqueando
as costas para me sentar na cama.
A verdade é que eu não dormia direito há alguns dias e,
mesmo que aqui na Dinamarca já passasse das dez, não estava
muito bem para desperdiçar algumas horas de sono.
— Feliz natal, filho — papai disse com um tom triste,
fazendo com que eu desviasse os olhos da tela.
Não queria que ele visse a tristeza e amargura refletida
neles, pois nem eu consegui me olhar no espelho esses dias.
Acabei não me dando conta também de que já era véspera de
Natal.
— Feliz natal — falei, tentando soar mais animado do que
estava em relação àquela data, mesmo que a realidade dentro de
mim fosse outra.
Eu continuava esmagado.
Mesmo um ano após tudo que houve com a Clarissa, eu não
conseguia superar a dor excruciante que sentia... e ela sempre
vinha acompanhada do sentimento de culpa.
Eu podia ter feito algo diferente, sei que podia.
— Sei que não é a melhor época para você, Igor, mas seria
menos doloroso se estivesse aqui com sua família. Só vamos partir
da Ilha após o ano novo. — Ele suspirou, vendo minha clara falta de
interesse naquela abordagem.
Não era a primeira vez que tentavam me arrastar para casa
ou eventos de família, mesmo que eu não me sentisse preparado
para voltar.
— Não sei se consigo, pai... — falei, engolindo o bolo que se
formou em minha garganta.
— Me dá esse telefone — Ouvi a voz da minha mãe seguida
de uma confusão de mãos do outro lado da tela. — Igor Macedo
Reis — Dona Ivana apareceu em meu campo de visão, os cabelos
negros, com alguns fios brancos ondulados caídos por seus ombros,
mais curtos do que quando deixei o Brasil no início deste ano. Os
olhos cor de chocolate me encaravam com seriedade e havia um
vinco entre suas sobrancelhas grossas.
— Mãe — cumprimentei, sabendo bem o que viria a seguir.
— Sem esse tom triste, querido — quase gritou, andando
por dentro do lugar até entrar por uma porta, do que devia ser o
banheiro. Pelo movimento que fez, mamãe havia apoiado o celular
na pia para falar comigo. — Chega dessa porra, Igor, você vai vir
pra cá. Quer chorar? Eu te ofereço ombro, colo, uma cama
quentinha, um copo de leite e o que mais quiser, porém, você vem
ficar conosco.
— Eu não sou mais criança, mãe. — Neguei com a cabeça
ao ouvir sobre o copo de leite e tudo mais. Mesmo que começasse a
sentir um pouco de diversão se formar dentro de mim.
Minha mãe podia ser muito brava quando queria, no
entanto, nunca fui um garoto obediente. Talvez tivesse herdado esse
traço dela mesma. Porém, apesar de minha relutância, a saudade
dos meus pais estava sempre ali, mesmo que o sentimento fosse
engolido pelo aperto no peito que sentia quando pensava em estar
em casa, além do luto.
— Não quero saber, não criei você para viver como um
andarilho, perdido pelo mundo procurando Deus sabe o que, com
medo de encarar a realidade. Acorda, filho, a dor não vai sumir tão
cedo, mas você precisa aprender a conviver com ela. — Suspirei,
sob seu tom de repreensão.
Eu definitivamente não precisava de mais nenhum sermão
sobre voltar para casa. Eles costumavam dizer que abandonei tudo,
e de fato eu havia deixado tudo para trás: minha casa e minha
empresa, que estava sendo administrada pelo meu sócio e grande
amigo. Nesse processo, também acabei afastando minha família e
amigos mais próximos, no entanto, sentia que já tinha perdido o
essencial... inclusive a minha própria vida.
— Filho, eu preciso muito que você venha para casa. —
Minha mãe apoiou as duas mãos na bancada, curvando um pouco o
corpo e abaixando a cabeça. — Não sei mais como te ajudar, Igor
— Ela fungou, passando o antebraço pelo nariz.
Doeu. Não podia mentir que eram raras as vezes em que
ela derrubava as barreiras e demonstrava vulnerabilidade para
qualquer pessoa que não fosse meu pai. Dona Ivana era a melhor
mãe do mundo, mas nem um pouco compassiva.
— Não tem jeito, mãe — Neguei com a cabeça.
Seria tão simples se eles parassem de uma vez de tentar
curar algo que talvez nem existisse mais dentro de mim. Tudo agora
era dormente: meus sentimentos, meus desejos, minha alma. Só
havia por fora a casca de um homem que andava, falava e
sobrevivia. Pois viver era um prazer do qual eu não experimentava
há algum tempo.
— Isso é algo que você vai precisar me provar, Igor — ela
falou, se inclinando sobre o móvel para chegar mais perto. —
Enquanto houver vida em você, enquanto houver um coração, há
um jeito. O fato de você sentir e viver o luto significa que ainda
existe muito do meu filho aí dentro, mas uma hora essa ferida terá
que fechar.
Fitei o teto, tentando impedir a umidade que tentava se
formar em meus olhos.
— Talvez eu precise de mais tempo — falei, como se
implorasse por isso.
Era para ser uma data feliz. Natal com a minha família era
sempre uma data de muita harmonia e alegria, contudo, para mim,
tudo isso ruiu há pouco mais de um ano.
— Você não tem tempo. — Mamãe franziu os lábios. — Pedi
para sua irmã comprar sua passagem para Barcelona, em dois dias
o Bumbum de ouro pousará no aeroporto para buscar a Ayana, e
você vem com ela, Igor.
— Mãe... — reclamei, não por sua tentativa de me fazer
voltar, mas por sua ousadia de combinar uma viagem sem me
avisar, além disso... — Espero que a passagem tenha reembolso.
— Você não me faça viajar até aí em pleno final de ano para
te ensinar uma lição! — Ela estreitou os olhos, soando muito brava
para ignorar. — Nunca bati em você, mas se for para te trazer de
volta, talvez eu faça mesmo isso.
Suspirei, baixando os ombros.
— Eu posso voltar para cá depois do réveillon? —
questionei, na tentativa de barganhar.
Ir para a Ilha com minha família no final do ano eu
suportaria, mesmo sabendo que Miguel estaria lá, no entanto, voltar
para o Rio de Janeiro talvez não fosse tão confortável agora.
— Você voltará conosco para casa. Pode ficar no
condomínio se quiser, mas não vou permitir que se isole outra vez.
— Mamãe parecia frustrada e soltou outro suspiro. — Queremos
apenas que volte a viver.
— Eu gostaria muito que fosse assim tão fácil, mãe — Me
movi, levantando para abrir as janelas.
— Nada é fácil, querido — foi mais complacente ao falar,
dessa vez. — Todos nós enfrentamos situações das quais achamos
que não há uma solução lógica ou prática para nos tirar dali, porém,
acredite em quem já viveu muito mais do que você: é quando a vida
nos quebra em pedaços que podemos nos refazer da forma que
quisermos.
Suspirei, sentindo o peso das palavras sobre meus ombros.
Era cruel e forte, mas sabia que, no fundo, mamãe tinha razão.
Passei alguns segundos em silêncio, ponderando para
tomar uma decisão.
— Posso me juntar a vocês no réveillon — falei olhando
para a tela. — Mas não prometo passar muito tempo no Rio —
avisei, antes que eles criassem alguma expectativa acerca da minha
volta.
Papai apareceu na tela, de pé um pouco atrás.
— Só em ter você conosco por um tempo vai ser ótimo,
filhão. — Seu Arthur sorriu, fazendo com que vincos se formassem
na lateral de seus olhos. — Não vamos te forçar a ficar no Rio.
Mamãe olhou para trás, cochichando algo que parecia uma
reprimenda, e papai apenas franziu as sobrancelhas e negou com a
cabeça.
— Melhor conversarmos aqui, Igor — Mamãe assumiu o
comando outra vez. — Vou pedir para Iara te mandar as
informações da passagem. Não nos desaponte, por favor — Dona
Ivana disse antes de se despedir e desligar.
Não nos desaponte.
Jogo muito, muito baixo!
Capítulo 01 — Ayana Klein

 
Sobressaltei na poltrona ao ouvir a voz do piloto avisando
que todos deveríamos apertar os cintos, pois estaríamos pousando
em alguns minutos. Soltei um bocejo escandaloso e barulhento,
atraindo a atenção de algumas pessoas para mim, mas ignorei,
fazendo conforme pedido.
Estava moída.
Podia sentir meus pés ainda latejando e os músculos tensos
à medida que tentava esticá-los. O espetáculo de ontem à noite,
fora a preparação e todos os ensaios precedentes cobravam seu
preço, e eu não via a hora de poder estar em uma cama de verdade,
encolhida debaixo das cobertas e ter ao menos dez horas
ininterruptas de sono, já que os cochilos dados aqui não foram o
bastante.
Apesar de amar viajar, odiava aviões e só conseguia dormir
quando meu corpo estava esgotado. Como precisei sair do teatro
diretamente para o aeroporto, nem mesmo tive tempo para avisar a
minha família que estava embarcando.
Deveria ter estado em Barcelona há seis dias, para me
juntar à Aurora, ao Noah e às crianças no avião dos Castanheira,
esse era o único motivo de vir para cá, contudo, a companhia me
colocou como substituta de última hora em um espetáculo e por isso
precisei ficar em Moscou.
Por sorte, consegui trocar minhas passagens, no entanto,
fiquei com o horário apertado para chegar ao aeroporto. Meu pai,
que era meu anjo da guarda, remarcou com seu piloto para me
buscar no mesmo local de antes para que eu não precisasse
enfrentar um milhão de conexões até chegar às Bahamas.
Pouco tempo depois, desembarquei no Aeroporto Josep
Tarradellas e, depois de passar pela imigração, me arrastei para a
esteira de bagagens enquanto ligava para o papai.
— Pocahontas — ele atendeu, parecia alarmado, mas
também aliviado.
— Acabei de pousar em Barcelona — avisei —, peguei o
voo assim que saí do teatro e não pude te ligar para avisar. O
bumbum de ouro já está aqui?
— Estamos com problema para decolar, filha, há uma
tempestade se formando perto daí e muita neblina, o piloto está
avaliando as opções.
— Ah, nossa! — Suspirei, triste. — Acha que devo procurar
um hotel?
— Com certeza! Também estamos presos aqui nas
Bahamas, bem... presos não é bem a palavra, o tempo está
oscilando bastante, mas as meninas estão conseguindo aproveitar o
sol.
Fiquei com inveja, confesso, há meses não via o mar, muito
menos curtia o calor de um dia quente na praia.
— Esperem por mim, por favor — pedi, baixando os ombros
e achando um saco ter que ficar na Espanha. Sozinha.
Ouvi uma voz do outro lado da linha falando com papai, algo
como “ele também está lá, já avisei sobre o mau tempo e não está
nada feliz”.
— Pocahontas — papai chamou. — Igor está aí no
aeroporto e já está te procurando.
Passei os olhos ao meu redor no mesmo momento,
procurando alguém que pudesse parecer com o filho do tio Turra.
Era uma bela surpresa sua presença aqui, devido a tudo que rolou
com ele no ano passado. Mesmo que eu não estivesse presente
nessa época específica, tinha minhas irmãs e primas, que não me
deixavam sem informações e fofocas. Muitas fofocas.
— Não o vejo — falei. — Mas, papai, estou muito cansada e
nem tenho onde ficar ainda, o que espera que eu faça com ele?
Não tinha a menor possibilidade de dar atenção a alguém
agora, podia sentir minhas pálpebras pesadas e minhas pernas
protestando pelo tempo que eu estava de pé.
— Iara está resolvendo isso — respondeu —, ela está
procurando um hotel.
Uma confusão de vozes se formou do outro lado da linha,
consegui identificar Zuzu, Rory, Tia Ivana e mamãe, todas falando.
— Pega um cinco estrelas, Iara, a Nana deve estar exausta,
precisa de conforto. — Zuzu falou.
— Sabe como é difícil fazer reservas de emergência em
Barcelona essa época? — minha prima perguntou.
— Não, a Aurora adorava me hospedar.
— Isso é o que você diz — Rory provocou e eu abri um
sorriso imaginando o olhar de Zuri para ela.
Fiquei apenas ouvindo o desenrolar da conversa do outro
lado, até que uma figura à frente prendeu a minha atenção.
Entreabri os lábios à medida que Igor Reis aproximava-se
de mim. Ele parecia mais maduro com a barba por fazer cobrindo
sua mandíbula. Seu cabelo era uma bagunça charmosa e os olhos,
capazes de tirar a concentração de qualquer um... mesmo que
agora eles parecessem um tanto vazios e tristes, ainda eram lindos.
Igor sempre foi atraente, um espetáculo, na verdade, e
tínhamos certa aproximação desde a infância por conta das idades
parecidas, no entanto, enquanto eu rodopiava pela casa dançando e
cantando, ele jogava bola com os meninos. Quando fiquei
adolescente, ele se tornou goleiro de um time “subalguma coisa lá”,
até que surpreendeu a todos com a decisão de cursar engenharia.
A vida nos levou para caminhos diferentes, entretanto,
nunca o olhei com algo além de respeito, ele era quase um primo
para mim, da mesma forma que considerava todos os filhos dos
meus tios como minha família, contudo, agora eu só pensava em
soltar um palavrão alto, admirando-o.
— Oi, estranha — ele falou assim que parou em minha
frente, abrindo um sorriso pela primeira vez desde que o notei.
Abri a boca para responder, mas nenhum som saiu, eu só
conseguia olhá-lo e pelo visto ele estava fazendo o mesmo. Quis
sorrir de volta, também quis abraçá-lo para perguntar como estava,
porém não consegui dizer nada além de “oi”.
Não sorri como ele fazia e isso fez com que sua expressão
se fechasse.
— Tudo bem, Nana? — Igor questionou, tocando meu
ombro. Acenei com a cabeça de forma rápida e apontei para o
celular, quando voltaram a falar ainda mais alto.
Eu precisava de uma distração, uma que não fosse alta e
musculosa no momento.
— Filha, Iara conseguiu apenas um quarto — A voz do meu
pai era hesitante. — Não sei se é uma boa ideia vocês dormirem na
mesma cama e...
— Ah, não começa — Tio Turra o interrompeu, reclamando.
— O meu filho não é como o seu — Prendi o riso com o tom de
revolta.
— Pai, somos adultos e devemos ficar aqui por pouco
tempo, certo? — falei, franzindo o cenho.
— Não é como se o Igor não estivesse meio morto por
dentro — Crispei os lábios ao ouvir a voz de tia Gabi.
— Gabriela! — Tio Turra protestou.
— O quê? Estou mentindo?
— Tudo bem — meu pai os cortou —, Barcelona deve estar
entupida de gente, Pocahontas, tome cuidado e passe o telefone
para o Igor, por favor.
Voltei a atenção para o homem, que continuava esperando
pacientemente em minha frente, porém, em vez de estender o
aparelho em sua direção, acionei o alto falante, me aproximando
para que nós dois pudéssemos ouvir.
— Pode falar, tio Jota — Igor pediu, inclinando a cabeça e
ficando com o rosto bem próximo ao meu.
— É bom ouvir sua voz, moleque — papai falou, soando
emocionado. — Espero que esteja bem.
— Estou sim — Seu hálito quente bateu contra o meu rosto
e Igor subiu o olhar para encontrar o meu.
Perto demais.
— Sua irmã conseguiu uma hospedagem para vocês em
Barcelona até que o tempo estabilize e meu piloto possa trazê-los.
Não desfaçam as malas, cuidem um do outro e tentem não fazer
nenhuma besteira.
— Pai... — Revirei os olhos.
Não fazia sentido. Eu era adulta, muito bem resolvida e livre.
Ele não fazia o estilo pai ciumento e superprotetor, mas sempre foi
cuidadoso e preocupado comigo e com os meus irmãos, no entanto,
a situação aqui era um pouco exagerada.
— O quê? Estou tentando cuidar de você — respondeu,
fingindo estar ofendido.
— Vou cuidar dela, tio — Igor garantiu.
— Você? — Estiquei os lábios e, mesmo que tentasse não
sorrir, foi impossível.
— Ótimo, avisaremos assim que o piloto for autorizado a
decolar.
— Certo — respondemos juntos e eu arqueei a sobrancelha
para ele, implicando de forma falsa.
Nos despedimos dos nossos pais, mas não desliguei o
celular quando notei que a conversa continuava por lá. Sou curiosa,
talvez isso me ferre às vezes, mas adoro estar informada sobre
tudo.
— Deixá-los dormir juntos é o mesmo que colocar pirulito
em boca de criança, você sabe, não é? — Meu pai falou, chocando
um pouco pela péssima metáfora. — Mais um casal na família.
— Isso não é totalmente ruim — tia Gabi falou, me deixando
um pouco intrigada. — Quem sabe fodendo a Nana o Igor não
supere a...
Ok. Chega.
Encerrei a chamada antes que o clima pesasse por aqui.
— Hum, tá... — Olhei para cima, e o homem me fitava de
uma maneira engraçada. — O que foi? — questionei.
— Nada. — Igor deu de ombros. — Só é bom te ver, já faz
algum tempo.
— Digo o mesmo para você — Acabei soltando um sorriso
sincero, que foi interrompido por mais um bocejo.
Por reflexo, Igor me seguiu.
— Desculpe, estou exausta — falei, esfregando os olhos.
Meu celular vibrou com uma mensagem recebida e, como
esperado, era da Iara, informando o endereço do hotel e o número
da reserva.
— É o endereço? — questionou, chegando mais perto, e eu
murmurei um sim.
Mesmo com o cérebro a ponto de desligar, não consegui
ignorar o perfume amadeirado e másculo que invadiu meus
sentidos, além de sua proximidade.
— Sim, vou só pegar minha mala e podemos ir.
Avisei, dando um passo para trás na intenção de me afastar
um pouco daquele espaço quase sufocante. Igor deve ter notado a
minha reação, pois franziu o cenho, voltando a adotar uma
expressão séria.
— Tudo bem, vamos lá!
Capítulo 02 — Igor Reis

 
Conheço a Nana desde que me entendo por gente, seu jeito
alegre e cheio de vida se assemelhava um pouco a mim... na
verdade, ao Igor jovem, apaixonado e cheio de sonhos.
Vim ciente de que iria encontrá-la aqui e de que seguiríamos
viagem juntos, até me preparei psicologicamente para não soar tão
derrotado em sua frente. Meu luto permanecia muito vivo, mas as
pessoas ao meu redor não precisavam vivê-lo, então decidi conter
esse sentimento obscuro por alguns dias até que pudesse ficar
sozinho e voltar a me afundar nessa poça imunda de dor e
sofrimento.
Precisava admitir que Nana me fazia sentir saudades de
uma época em que eu era feliz, vivo e risonho. Talvez aquele Igor
ainda estivesse em algum lugar dentro de mim, mesmo que trazê-lo
para fora não parecesse uma tarefa tão fácil.
Assim que conseguimos pegar suas malas enormes, fomos
para a entrada do aeroporto e arranjamos rapidamente um táxi. O
clima em Barcelona estava frio e ficar do lado de fora parecia quase
uma tortura.
— Como vão as coisas na Rússia? — perguntei para a
mulher ao meu lado, que parecia tudo, menos disposta a conversar
nesse momento.
Ela não era mais tão falante quanto me lembrava, parecia
incomodada, contudo, não tínhamos mais intimidade o suficiente
para perguntar o motivo de estar dessa forma.
— Bem — falou, virando o rosto para me olhar. — E como
você está? — questionou e abriu a boca outra vez, parecendo
escolher as palavras antes de dizê-las. — Da última vez que soube,
você estava em Pequim.
— Sim, ontem estava na Dinamarca, agora estou na
Espanha — falei, erguendo os ombros. — Não tenho mais um lar
definitivo.
Ignorei de propósito a pergunta sobre como eu estava. Era
ruim o suficiente ter que mentir para todos que insistiam nessa
questão. Talvez nunca mais estivesse completamente bem ou feliz.
Nana levou um dos pés ao colo, tirando a sapatilha para
massageá-lo.
— Em quantas cidades você esteve este ano? — Apesar de
notar o movimento pesado de suas pálpebras, parecia empolgada
com a pergunta.
— Acredito que por volta de umas cinquenta, não tenho
certeza. — Abri um sorriso torto.
Não sabia o que passava pela cabeça das pessoas quando
sabiam que escolhi viver meu luto viajando pelo mundo e tampouco
me interessava, no entanto, senti uma vontade estranha de explicar
para a mulher ao meu lado o que havia me motivado a tomar essa
decisão, não que eu fosse fazê-lo, já que aquilo desenterrava várias
lembranças do passado, algumas que não esperava reviver agora.
— Sabe que eu panejo fazer isso um dia? — Nana baixou
um dos pés, olhando para mim e trazendo o outro para cima. — Já
visitei vários lugares, claro, nossa família ama fazer isso. Mas
gostaria de sair sozinha de lugar em lugar, sem destino, vivendo um
dia de cada vez. Deve ser libertador — completou, começando a
pressionar o polegar na palma do pé.
Por pouco não puxei sua perna para o meu colo para que eu
mesmo pudesse fazer aquilo e esse desejo me trouxe um
sentimento satisfatório que durou apenas alguns segundos. Clarissa
adorava receber massagens nos pés ao chegar dos plantões, era
um momento só nosso. A percepção apertou meu peito, mas desviei
do pensamento, ignorando os efeitos dele.
— Sim! — Comprimi os lábios, mesmo tentando não soar
tão melancólico.
A verdade é que eu queria enxergar as coisas dessa mesma
perspectiva e ter tido a tal libertação que citou. Esse período que
passei fora parece ter feito exatamente o oposto e me aprisionado
às lembranças, à saudade, à culpa.
Fiquei pensativo depois daquilo e Nana pareceu notar, pois
não fez mais nenhuma pergunta, ou só estava cansada, já que
soltou inúmeros bocejos até chegarmos ao hotel.
— Foi aqui que a Iara reservou? — Virei de lado, vendo
Nana olhar para a construção impecável do hotel tão intrigada
quanto eu.
Era um exagero.
— Nem vou reclamar, dormiria até no sofá da sala vip do
aeroporto se preciso — Deu de ombros —, mas a sua irmã é
realmente exagerada — acusou, rindo.
— Aposto que foi ideia do tio Jota — falei, dando a ela um
olhar sugestivo.
— Talvez — Inclinou o rosto. — Porém, está frio aqui fora,
então...
— É, vamos! — Apanhei uma de suas malas e arrastei até a
recepção. — Pode se sentar um pouco, se quiser, eu faço o check-
in — sugeri, apontando para uma área com poltronas que havia por
perto.
Nana agradeceu e se afastou, enquanto eu ia para o balcão.
Minha irmã já havia copiado as informações para mim e a reserva
estava em meu nome, pois Iara tinha até a minha senha do banco.
Éramos insuportavelmente unidos, quase cúmplices um do outro e
ela foi a pessoa com quem mais desabafei no último ano.
A recepcionista me entregou as chaves, um flyer informativo
e um tablet com um questionário e o aplicativo que comandava
várias funções no nosso quarto, avisando que eu poderia preencher
depois que estivesse acomodado. Um carregador aproximou-se,
pedindo licença para apanhar minhas malas e colocando-as sobre
um carrinho.
— E então — Nana falou, quando já estávamos dentro do
elevador —, já tem planos? Vou precisar dormir algumas horas, mas
podemos dar uma volta no fim da noite.
— O que você quiser — falei.
Ayana estreitou o olhar e não disse mais nada. Não me
oporia a passear por aqui se ela quisesse, entretanto, me
incomodava o fato de que Barcelona fosse uma cidade
extremamente romântica. Até os hotéis tinham essa pegada, e esse
parecia ser um desses destinos de casais em lua de mel. Minhas
suspeitas foram confirmadas ao abrir a porta do nosso quarto, dei
espaço para Nana passar enquanto avaliava o lugar.
Havia uma hidromassagem grande no canto, bem em frente
à entrada, tornando impossível não ser notada. A cama king bem
arrumada nem chamava tanta atenção comparada a ela. Peguei
nossas malas com o funcionário do hotel e as arrastei para dentro,
deixando ao lado da porta principal, onde tinha uma entrada para a
antessala com um divã, uma TV grande e uma lareira. Com certeza
deveria ter algum closet por aqui, mas o procuraríamos depois.
A saída para a varanda estava do lado oposto, perto de um
espaço com cadeira e escrivaninha. Um pouco além da cama havia
uma mesa para duas pessoas com poltronas confortáveis.
Isso era muito melhor do que os lugares nos quais dormi no
último ano.
— Se você não se incomoda... — Nana começou a falar,
tirando o casaco pesado pelos braços e pendurando-o perto da
porta. — Vou tomar um banho quente e tentar dormir por algumas
horas. — Continuou a falar, descendo o zíper das botas pretas e
jogando-as para longe.
— Ok.
Fiquei com o olhar preso na mulher, enquanto despia as
roupas pesadas na minha frente. A próxima peça foi a blusa de
moletom que usava, ficando apenas com um top que ia até o meio
da barriga.
Nana se dirigiu para o banheiro, vestida com o top e calça
preta, encerrando o show e eu precisava admitir para mim mesmo
que havia gostado, mesmo que não devesse.
Tirei minhas próprias roupas e sapatos, mantendo apenas a
calça jeans, pois o quarto estava aquecido e confortável. Sentei-me
em um lado da cama e encostei na cabeceira, cruzando as pernas
na altura dos tornozelos para responder ao questionário do hotel.
Era um longo e chato formulário perguntando sobre
preferências alimentares, alergias ou restrições, qual tipo de lençóis
e travesseiros preferíamos, ou se havia alguma exigência. O menu
do chef também estava disponível para escolhermos as refeições e
os horários em que gostaríamos que fossem servidas. Teria que
esperar Ayana sair do banho, já que eu sabia muito pouco sobre
seus gostos.
Não demorou até que ela surgisse enrolada em um roupão
branco, com os cabelos negros longos presos em um coque no topo
de sua cabeça. As pálpebras ainda pesadas não negavam seu
cansaço, contudo, ela parou por um segundo assim que sua
atenção caiu em mim. Seus olhos fizeram um caminho lento pelo
meu peitoral, demorando-se mais do que o esperado ali.
Minha forma física estava na melhor fase, já que treinar se
tornou um ótimo passatempo, mas ninguém nunca se aproximava o
suficiente para me direcionar um olhar desse tipo.
Já fazia tempo.
Pouco mais de um ano, para ser exato.
E eu lidava muito bem com a abstinência, achava até que a
solidão me servia bem.
Mas aquele olhar feroz...
O movimento lento de sua garganta engolindo a saliva que
eu podia apostar ter se acumulado em sua boca.
A língua que saiu devagar, molhando o lábio inferior
carnudo.
Meu corpo reagiu. O sangue correu mais rápido e esquentou
em minhas veias, tornando a divergência entre estado mental e
físico desconfortável.
Respirei fundo, tentando aplacar toda aquela velha
sensação de estar excitado por uma mulher.
— Você tem alguma alergia? — questionei, fazendo o
possível para quebrar o momento.
— Como? — Ayana sacudiu a cabeça, parecendo voltar a
si.
— Alergia a algum alimento ou a qualquer outra coisa. —
Reiterei. — Me deram um questionário na recepção, seria bom que
você o respondesse. — Ergui o tablet e o levantei, oferecendo a ela.
— Oh, sim! — Nana acenou, aproximando-se e subindo de
joelhos na cama pelo outro lado.
Observei-a enquanto passava os olhos pelas opções,
rolando a tela com o indicador sem muito interesse e depois
devolvendo-o para mim. Peguei de sua mão a tempo de soltar e se
jogar de bruços no colchão, agarrando um travesseiro e trazendo
para debaixo de si.
— Não tenho alergias, durmo em qualquer lugar disponível,
não pretendo ver TV enquanto estivermos aqui, nem entrar na hidro,
muito menos acender a lareira. Amo qualquer coisa doce que tiver
no cardápio e prefiro treinar pela manhã, não que eu pretenda fazer
isso, já que estou oficialmente de férias para deixar claro, mas
adoraria a sauna e uma boa massagem.
Deu um resumo de seus gostos com a voz um pouco
abafada pelo travesseiro.
— E o que peço para o jantar? — perguntei, ainda com meu
olhar sobre seu corpo debruçado.
Eu não deveria ter gostado de observar a curvatura de seu
quadril quando dobrou uma das pernas, fazendo com que a bunda
empinasse em minha direção, mas gostei.
— Qualquer coisa — falou, sem se preocupar em se virar
para olhar para mim.
— Posso ver se eles conseguem providenciar, mas não
encontrei essa opção no cardápio.
Não conseguia ver seu rosto, porém pude ouvir o sorrisinho
irônico que soltou antes de responder:
— Então pede o que você quiser comer, Igor.
Você!
Minha mente formou rápido a palavra que desfiz o mais
rápido possível, ficando em silêncio.
Escolhi duas opções diferentes que eu gostava para deixar
que ela decidisse o que queria ao acordar e afundei nos
travesseiros, passando a mão pelo rosto. Evitei bufar, já que isso
atrairia a atenção de Nana, e isso era a última coisa que eu queria
no momento.
Algum tempo passou.
Achei até que a mulher ao meu lado tivesse adormecido, já
que sua respiração parecia compassada, porém...
— Não consigo dormir — falou, virando o rosto em minha
direção.
— Por quê?
— Acho que essa sua energia está me mantendo acordada.
Soltei uma risada curta e franzi o cenho.
— Energia? — perguntei.
— Sim, você parece tenso, não sei.
Eu não estava tenso. Ou estava?
— Posso apostar que é a luz — falei, pegando o tablet e
acionando o blecaute. As cortinas se fecharam no mesmo instante,
nos envolvendo em uma escuridão quase absoluta, deixando que
apenas a luz do aparelho em minhas mãos iluminasse o nosso
redor.
— Obrigada — ela moveu os lábios em um meio sorriso,
voltando a fechar os olhos.
Desci mais o tronco e me aconcheguei na cama. Deveria
tirar um cochilo, levando em conta que a noite anterior não tinha
sido uma das melhores. Fechei os olhos, cruzando os braços sobre
meu peitoral e me concentrando em fazer meu corpo relaxar.
Alguns minutos se passaram e...
— Ainda não consigo dormir — Nana voltou a falar.
Não sei por que fiquei irritado. Talvez os meses sozinho
tivessem me deixado rabugento a ponto reprovar a companhia de
outras pessoas.
— Não vem culpar a minha energia dessa vez — reclamei.
— Estava quase cochilando.
— Sabe quando você está tão cansado que sua mente
parece não querer desligar? — perguntou.
— Sei.
— Então, acho que é isso. — Senti seu suspiro quente e
pesado sobre meu braço.
Estiquei a mão e procurei sua cabeça com cuidado,
enfiando meus dedos pelos seus fios grossos.
— O que está fazendo? — Ouvi sua voz incerta.
— Se chama cafuné — expliquei, soando irônico. — Se
você relaxar o suficiente, pode ser que durma, mas acredite quando
digo que meus dedos não vão ficar aí para sempre, então sugiro
que aproveite — avisei.
— Já te falaram que às vezes você soa muito parecido...
— Com a minha mãe? — Bufei, adiantando sua frase.
Sempre me falaram isso, mas eu discordava. Mamãe tinha uma
personalidade muito singular: forte, guerreira, gentil, decidida. Eu
estava longe de ser parecido com ela.
— Eu ia dizer com o seu pai. Todas as vezes que o tio Turra
faz algo legal tenta mascarar com alguma frase mal-humorada. —
Nana riu com o comentário, fazendo com que eu sorrisse também,
contudo, no escuro, duvidava muito que conseguisse me ver.
De qualquer modo, ela tinha razão, mas eu não estava
muito disposto a conversar agora.
— Melhor você dormir, Pocahontas, sua amostra grátis de
afago está se esgotando.
Usei o apelido com o qual tio Jota sempre se referia a ela,
apesar de preferir “Nana”.
— Ah, se essa é a amostra, as próximas têm um preço? —
questionou, com a provocação evidente na voz.
— Nana, vai dormir. — Tentei soar mais incisivo e felizmente
ela resmungou, parecendo relaxar sob o meu toque.
Capítulo 03 — Ayana Klein

Acordei desorientada e sem a menor ciência do que havia


me despertado: a parede de músculos atrás de mim, o braço firme
que me prendia pela cintura ou o pau que pulsava bem em cima da
minha bunda.
Quase mordi a língua tentando evitar que qualquer som
saísse da minha garganta, fosse ele de surpresa ou prazer, também
precisei me segurar, já que minha vontade era de mover o quadril e
esfregar minha bunda naquele monumento.
Era grande.
E grosso.
Era só isso que eu podia afirmar até agora.
A parte curiosa disso tudo é: como viemos parar nessa
posição? E que horas eram, pelo amor de Deus?
O quarto continuava tão escuro que eu não sentia diferença
entre estar com os olhos fechados ou abertos.
Seria constrangedor demais acordar nos braços dele. Puta
merda!
Pensa, pensa, pensa.
Eu nem sabia se ele realmente estava dormindo e mesmo
que eu tentasse virar o pescoço devagar para olhar, bem... não tinha
iluminação nenhuma aqui.
Fechei as pálpebras e me concentrei no som da respiração
tranquila e compassada. É, ele parecia adormecido. Igor Reis não
era um pervertido, ele só tinha me agarrado durante o sono ou eu
encaixei minha bunda nele, talvez. Qual a possibilidade?
Os meios nem importavam tanto, contando com o fato de
que eu precisava sair daqui o mais rápido que pudesse. Avaliei a
situação, vendo que a única coisa que nos ligava era mesmo seu
braço, que, por sinal, parecia difícil de tirar dali.
Se começasse devagar, talvez o desse tempo suficiente
para despertar, porém, havia uma boa chance de confundi-lo se eu
fizesse isso com rapidez. Além de poder dizer que estava apenas
tentando acordá-lo.
Puxei o ar para acalmar meus batimentos.
3, 2...
Afastei-me com um impulso ao mesmo tempo que jogava
seu antebraço para trás.
— Igor! — chamei, erguendo minha mão no escuro e o
balançando-o pelo que devia ser seu ombro.
A rainha da sutileza.
— Hum? — resmungou.
— Acorda, acho que anoiteceu.
— Ah, que droga. — A forma sonolenta e rouca como disse
aquilo destoou de suas palavras. Foi engraçado, já que Igor não
parecia chateado pelo cochilo.
Tirei a mão de seu ombro e me sentei. O blecaute era
realmente muito funcional para minha sorte, pois só assim ele não
veria a expressão constrangida estampada em meu rosto.
Eu quase rocei a bunda no pau de um dos meus primos...
tudo bem, amigo de infância, primo era meio radical. No entanto,
ainda não anulava o fato de que o pênis dele ficou pulsando bem
em cima da minha bunda. Caralho!
Passei as mãos pelo rosto.
Que merda!
Eu poderia estar feliz porque isso foi o mais perto que
cheguei de um órgão sexual masculino nas últimas semanas? Sim,
eu poderia. Não que eu devesse estar. Na verdade, acho que
excitada é a palavra correta para o que eu sentia.
Igor era um gostoso.
Um gostoso estranho e amargurado, sim. Mas, ainda assim,
ele não era de se jogar fora.
Olhei por sobre o ombro quando uma luz fraca tomou o
ambiente e o vi com o tablet do hotel na mão. Abri a boca para
perguntar as horas, mas acabei ficando quieta, até ouvir o som
baixinho das cortinas se movendo. Girei o pescoço em direção às
janelas vendo que meu palpite estava correto, já era noite e, a julgar
pelos prédios ao longe com as varandas escuras, bem tarde.
— São quase três da manhã — Igor informou, ganhando
novamente minha atenção.
Acenei, ainda sonolenta, apoiando o queixo no ombro para
olhá-lo. Uma luz indireta foi acesa no quarto, deixando o ambiente
meio iluminado, me dando uma visão melhor do homem sentado.
Ele havia dormido apenas com seu jeans, o que era uma visão
muito sexy para esse momento meio perturbador.
Subi meus olhos para os seus, encarando o tom de verde
muito aceso, focados totalmente em mim. Era a segunda vez que
ele me flagrava observando-o e eu com certeza deveria estar com
um olhar muito sugestivo agora, pois aquela faísca em suas íris não
surgiu por acaso.
— Você pediu o jantar? — perguntei, sem desviar a atenção
dele.
Não iria recuar, apesar de todos os motivos que tinha para
fazê-lo.
— Sim — suspirou ao responder, visivelmente afetado. —
Mas você ainda não falou o que gostaria de comer, dá tempo mudar.
— Frutos do mar, de preferência algo leve. — Me arrastei
para a beirada do colchão, colocando os pés no chão para me
levantar. — Adoro a culinária daqui, então pode ficar tranquilo. —
Estiquei os lábios em um meio sorriso antes de alcançar minha mala
que ainda estava em um canto perto da entrada.
Precisava de roupas, pois estava coberta apenas pelo
roupão do hotel.
— Ah, merda! — xinguei baixinho ao me dar conta disso.
— O que foi? — Igor questionou, com o tom preocupado.
— Nada. — Me endireitei, arrastando a bagagem e a
erguendo sobre a cama.
Eu estava muito cansada para me importar com roupas
quando saí do banho, nem sequer uma calcinha coloquei e nem
sabia o porquê estava dando tanta relevância a isso agora, já que
nada aconteceu. Além do fato de que Igor não havia percebido ou,
se notou, disfarçou muito bem.
Deixei-o sozinho, indo para o banheiro escovar os dentes,
fazer xixi e me vestir. Ainda me sentia cansada da maratona da
semana, contudo, neste momento meu corpo parecia mais disposto.
Voltei para o quarto alguns minutos depois e encontrei Igor sentado
à mesinha mexendo no celular.
— A maioria dos voos foram cancelados — comentou ao me
ouvir mexendo na mala, mas não levantou o olhar para mim. —
Ninguém tem uma previsão segura de até quando vai o mau tempo,
pode durar dois dias... — Levantou o olhar e eu ergui uma
sobrancelha, sem saber onde queria chegar. — Ou, sei lá... dez.
— E o que é que tem?
— Eu poderia estar em Copenhague, livre de preocupações
e sem essa ansiedade para saber quando iremos conseguir nos
juntar à nossa família.
Inclinei a cabeça, sem ter certeza se ele estava bravo ou
apenas pouco conformado por precisarmos ficar presos em
Barcelona juntos. Passei alguns segundos analisando a situação,
até que me dei conta de algo...
— Quem te obrigou a vir? — questionei, quase certa de que
ele estava aqui a contragosto.
— Minha mãe — Igor respondeu sem pestanejar.
— Imaginei — Acenei devagar com a cabeça. — Nada te
impede de pegar um trem até alguma cidade no sul da França e de
lá encontrar um voo para Copenhague. — Dei de ombros, fingindo
que para mim tanto fazia, quando na verdade não tinha vontade de
ficar aqui sozinha.
— É — falou, desviando o olhar para um ponto além de
mim.
Seria um pouco desagradável virar o ano sem ninguém por
perto, caso não pudéssemos embarcar antes, mas eu sobreviveria.
Moro sozinha há anos, desde que saí do Brasil, então não é um
grande problema. No entanto, apesar das palavras do homem, nada
na postura dele indicava que queria de fato ir embora, Igor só
parecia um pouco confuso.
— Você não quer ir — falei, entortando os lábios e me
concentrando em fechar minha bagagem e colocá-la de volta no
chão.
— Como é? — Ele bufou uma risada e eu virei devagar,
caminhando até onde estava.
Parei a um metro dele, ficando bem em sua frente.
— Você está sem camisa, jogado na cadeira, com os pés
descalços, uma puta voz preguiçosa e o botão da calça aberto —
Apontei, mantendo meus olhos nos dele para não focar em sua
virilha. — Além disso, ninguém entra sozinho em um avião de um
país para outro forçado por alguém que está a quilômetros de
distância, mesmo que seja a tia Ivana. Ou teria feito isso meses
atrás. Então, acho que se quisesse mesmo voltar para o país que
quer chamar de casa pelos próximos dez minutos teria feito assim
que pousamos, não depois de tirar um cochilo em um hotel cinco
estrelas com a sua amiga de infância. — Coloquei as duas mãos na
cintura, desafiando-o a negar minha teoria.
Igor parou por alguns segundos, aparentemente pensando
no que eu havia acabado de falar. Não demorou muito até que seu
olhar se concentrasse em mim, dessa vez mais determinado e
descendo lentamente pelo meu corpo pouco coberto.
— Não vou conseguir te levar a sério com esse pijama de
abacate — zombou, sorrindo.
Aquele era o Igor que eu conhecia, que usava gozação para
esconder que estava gostando do que via. Contive o sorriso e fingi
revirar os olhos, me aproximando para sentar em sua frente.
— Por falar nisso, precisamos ir a algumas lojas amanhã,
não tenho roupas para enfrentar o frio daqui.
Achei que fôssemos para as Bahamas e depois para o Rio,
dessa maneira, só tinha a roupa que embarquei para suportar o
clima da cidade nessa época, e não sabíamos quanto tempo isso
poderia perdurar.
Eu havia trazido meus pijamas confortáveis e as roupas que
costumava usar no meu apartamento quentinho: shorts, blusinhas e
tops, além de algumas peças que usava quando viajava para praias
e lugares quentes. Desfilaria tranquila dentro do hotel como se
estivesse no Rio de Janeiro, porém, seria melhor me prevenir para o
caso de ficarmos mais do que algumas horas aguardando.
— Estamos perto do centro, devem ter lojas nas
redondezas.
Acenei, desbloqueando meu celular e sorri ao abrir a
mensagem de Dimitri, meu melhor amigo.
Dimi: Chegou na praia?
Dimi: Estou com muita inveja de você nesse momento, meu
ouro, e quase arrependido por ter recusado ao seu convite.
Eu tinha o convidado para vir comigo passar alguns dias nas
Bahamas, mas ele se recusou a deixar sua família sozinha durante
as festas de fim de ano.
Foi difícil me despedir dele, nós dois choramos quando
trocamos nossos presentes de ano novo na semana passada.
Fazíamos isso desde o meu primeiro ano em Moscou. Diferente de
como aprendi no Brasil, é no ano novo que os Russos fazem
decoração de Natal e trocam presentes. Foi Dimitri que me
apresentou a maioria das tradições do seu país e este ano
encerramos esse ciclo.
Eu: Estou presa em Barcelona com um amigo de infância.
Não pudemos decolar devido ao mau tempo aqui.
Digitei a mensagem e enviei. Um segundo depois, Dimi ficou
on-line e começou a digitar.
Mês passado decidi largar o Ballet de Bolshoi [1] e voltar de
vez para casa depois da administração sugerir que faltava pouco
para me aposentar dos palcos. Eu mal havia chegado aos trinta e
achavam que poderiam enterrar minha carreira! Como se essa
decisão fosse deles.
Foi um baque difícil que me rendeu algumas noites em
claro. Por isso, reuni toda a minha coragem e avisei sobre minha
demissão.
Eles me queriam fora e o tiveram, talvez não da forma que
planejaram, mas do meu jeito. Apesar da decepção e queda de
confiança que a situação me causou, percebi que seria excelente
recomeçar. Estudei muito ao longo dos anos e estava pronta para
me dedicar a abrir meu próprio estúdio, que era um plano desde o
início da minha carreira.
Eu vivi, dancei, me apresentei e construí uma bela trajetória
passando por cima de inúmeros preconceitos, olhares enviesados e
idiotas que achavam que eu não podia fazer parte do ballet clássico
por não pertencer ao padrão branco. Talvez não houvesse um único
bailarino no mundo que desconhecesse o meu nome, eles o ouviam
e sabiam de quem se tratava a bailarina negra do Teatro Bolshoi, a
única, mas apenas por enquanto, pois eu mesma faria questão de
garantir que outras meninas como eu tivessem a mesma
oportunidade que tive.
Meus anos de experiência, boa reputação e sobrenome
seriam bons aliados.
Dimi: Já estou com saudades, mílaya.[2]
Eu: É muito cedo, você deveria estar dormindo, katyónak.[3]
Dimi: Acordei com o toque do celular, estava preocupado
com você.
Eu: O voo foi tranquilo, mas dormi assim que cheguei ao
hotel.
Ouvi uma batida discreta na porta e subi o olhar, ao mesmo
tempo que Igor desviava o dele, pelo visto, eu não era a única que
observava.
— É o jantar — falou, levantando-se.
Continuei falando com Dimitri e me despedi quando o
funcionário do hotel começou a colocar a mesa. Minha barriga
roncou ao ver as fatias de pão com tomates, a paella e uma
sobremesa parecida com rocambole.
Igor voltou e se sentou na poltrona de frente para mim,
começando a se servir, ainda muito quieto.
Estava difícil decifrá-lo.
Eu via um homem muito ferido, o que era esperado devido a
tudo que havia acontecido, contudo, conseguia enxergar muito do
Igor que conhecia ainda lá, à espreita, não totalmente, mas o
suficiente.
— Você ainda trabalha? — perguntei, curiosa, enquanto
pegava um dos pães na cesta.
— Eventualmente, sim. Me envolvo em alguns projetos e
participo de reuniões on-line. Fiz muitos cursos por onde passei —
falou, relaxando um pouco na poltrona. — Sempre foi um plano para
mim — completou, de forma evasiva.
— Os cursos ou as viagens? — Franzi o cenho.
— Os dois.
— Ah. — Acenei, mas de repente voltei a ficar confusa. —
Por que tia Ivana insiste para que você volte, então? — perguntei e
o vi apertando os lábios. — Eu morei quase dez anos na Rússia
para viver meu sonho, mesmo com algumas dificuldades e
principalmente a saudade de casa, então acho que se especializar
pelo mundo e ganhar experiência no seu trabalho é uma conquista
maravilhosa, não consigo enxergar isso de forma negativa.
Deixei de fora a parte do meu conhecimento sobre a
questão, que era a principal causa de discussões em nossas
famílias, pois Igor se recusava a voltar para casa e não permitia que
o acompanhassem — como Iara se ofereceu algumas vezes —
além de não atender a maioria das ligações e não responder às
mensagens. Quase todos tentaram, e ele preferiu ficar sozinho após
perder a noiva. Isso acabava preocupando a todos, contudo,
ninguém conseguia fazê-lo mudar de ideia.
Igor soltou um suspiro antes de responder:
— Clarissa e eu tínhamos um plano de dois anos, em que
ela faria cursos de medicina alternativa pela Ásia e Europa, e eu me
dedicaria a aprender mais sobre sustentabilidade para integrar à
empresa. — Ele não parecia triste, prestes a chorar nem nada do
tipo. Sua voz estava calma e a postura ainda relaxada, porém eu
estava um pouco chocada agora, já que era a primeira vez que ele
citava o nome dela.
Quando não falei nada, ele prosseguiu:
— Quando ela se foi, decidi seguir os nossos planos. Na
minha cabeça, seria um ótimo jeito de honrar a sua memória e
tentar superar de alguma forma também.
— Sinto muito — falei, franzindo os lábios, mas Igor ignorou
as minhas condolências.
— A cada lugar que riscava do itinerário que fizemos juntos,
mais triste e derrotado me sentia. — Consegui perceber a dor nas
palavras e puxei o ar com força ao sentir a umidade em meus olhos.
— Igor... — chamei devagar. — Não precisa... — Me
atrapalhei para terminar a frase.
Dizer que ele não precisa falar sobre o assunto poderia levá-
lo a pensar que eu não estava a fim de ouvi-lo, mas era o contrário:
senti muita vontade de o acolher, ser um ombro para que pudesse
chorar, em contrapartida, detestava ver tristeza naqueles olhos tão
bonitos.
— Não queria te deixar triste — esticou os lábios, tentando
sorrir. — Me desculpe.
Ah, foda-se!
Determinada, me ergui e dei alguns passos, parando em
sua frente. Entre puxá-lo em minha direção e me inclinar para
abraçá-lo, tomei a decisão mais estúpida possível e me sentei sobre
suas pernas, passando o braço ao redor de seu pescoço e o
puxando para mim.
A atitude não tinha nenhum apelo sexual, só foi a forma
mais prática que encontrei de lhe confortar, e deduzi que Igor
houvesse entendido a intenção quando sua cabeça se acomodou
próximo a minha clavícula, no entanto, as coisas mudaram para mim
quando seus braços rodearam a minha cintura, levando-me para
mais perto. Senti um arrepio quando seu corpo quente entrou em
contato com o meu, mas continuei imóvel para disfarçar.
Ficamos alguns segundos ali, Igor quieto e eu respirando
devagar para controlar, inutilmente, o ritmo dos meus batimentos
cardíacos. Só me afastei por medo de que ele notasse meu coração
e respiração acelerados.
— Você pode desabafar sempre que quiser — falei, me
afastando e colocando uma mão em seu ombro antes de focar em
seus olhos tristes. — Só não quero que seja doloroso para você,
então, pode definir seus limites caso eu faça alguma pergunta
desconfortável...
— Tá tudo bem, Nana. — Igor sorriu com os olhos. — Acho
que pela primeira vez em algum tempo não sinto como se isso
estivesse me cortando de dentro pra fora.
Prendi o ar.
Triste e abalada não chegavam nem perto de como eu
estava me sentindo, mas parecia injusto chorar. Injusto com Igor,
que sofreu a perda, e com sua falecida noiva, que eu mal conhecia
ou simpatizava.
O tempo passou mais devagar, eu não desviei o olhar e Igor
também não fez questão de fazê-lo. Há um segundo havia tristeza
ali, mas o sentimento passou, começando a ser substituído por algo
mais carnal.
— A comida vai esfriar. — Saí de seu colo, olhando em
todas as direções, menos para ele.
Eu não podia sentir tesão por Igor.
Ele amava outra mulher, além disso, um passo errado aqui
seria como soltar granadas sem pino na rua da casa dos nossos
pais.
O homem sentado à minha frente já estava muito quebrado,
e eu... bem, não me sentia inteira há muito tempo.
Capítulo 04 — Igor Reis

 
— O que acha?
Tirei os olhos do celular e os ergui quando Ayana saiu do
provador.
O que eu achava?
Bem...
Ela estava linda. Muito mais coberta do que o shortinho com
estampa de abacate que usava mais cedo, porém não menos sexy.
Não sei se eram as botas até acima dos joelhos ou a meia
calça preta. Talvez o vestido de tecido grosso que se moldava ao
seu corpo... ainda tinha o sobretudo bege que, por enquanto, estava
aberto, mas logo que saíssemos para almoçar ela teria que fechá-lo,
pois a temperatura lá fora estava muito baixa. Seu corpo inteiro
coberto não deveria parecer tão sensual para mim.
— Está ótimo! — Tentei soar indiferente.
— Ótimo? — Nana girou sobre seus próprios pés, olhando
para o espelho da cabine de onde havia saído. — Ótimo está o seu
humor hoje, Igor, eu estou gata pra caralho!
Não consegui evitar minha risada alta.
— Tem razão — falei, me erguendo da poltrona e
caminhando devagar, até parar atrás dela.
Cerrei as pálpebras, sorrindo, e encarei seu olhar pelo
espelho. Tão atrevida e determinada. Linda demais.
Passei o braço ao redor de sua cintura e, apesar de não ter
encostado nela, fiquei bem atento à pausa que ela deu em sua
respiração. Seus olhos me faziam uma pergunta muda e eu quase
podia ouvir sua voz questionando qual era a minha intenção com
aquilo, porém, antes que ela falasse qualquer coisa, agarrei a
etiqueta de dentro do sobretudo e a puxei rápido.
Sorri quando ela piscou, voltando a respirar normalmente.
Dei a volta por seu corpo e a olhei de frente.
— Se já estiver pronta, acho que podemos ir almoçar. — Me
inclinei um pouco para o lado e usei as duas mãos para segurar e
puxar a etiqueta que estava na barra do vestido.
— Claro — Ela limpou a garganta antes de responder.
— Hesitação não cai bem em você, Nana — provoquei,
antes de virar as costas e deixá-la sozinha para recolher suas
roupas e bolsa antes de me encontrar.
A funcionária que nos atendeu me acompanhou até o caixa
para fazer o pagamento, havia acabado de entregar meu cartão
para a moça quando Nana apareceu ao meu lado.
— Eu não hesitei — foi a primeira coisa que falou — e por
que você está pagando pelas minhas roupas?
— Presente de Natal. — Dei de ombros, digitando a senha
na máquina.
— Já passou.
— Eu sei. — Puxei o cartão e o guardei dentro da carteira,
colocando-a no bolso da calça e virando de lado para a mulher.
— Não isso — Nana sacudiu um pouco a cabeça. — O
Natal, Igor, já passou.
— Atrasado, então.
— Eu pago o almoço e a conta do hotel, assim ficamos
quites.
— Não quero ficar “quite” — Fiz aspas no ar — com você,
Ayana.
— E o que você quer? — questionou, soando confusa.
Ela nunca tinha sido cuidada por alguém? Por um
namorado, talvez? Apesar de conhecê-la, não fazia ideia.
— Nesse momento, apenas almoçar e poder pagar pela
minha refeição, se não for muito incômodo para você. — Ironizei.
Não estava disposto a discutir por questões tão triviais, ou
melhor, eu não estava disposto a discutir por nada.
Entretanto, Nana parecia pronta para contestar, por isso a
interrompi.
— Nosso táxi chegou — avisei, apontando com o queixo
para a calçada.
Usei meu espanhol ruim para agradecer à funcionária da
loja e encarei o olhar de Nana outra vez, quando permaneceu
parada, agora com os braços cruzados na altura do estômago. Fiz
um gesto com a mão, incentivando-a a seguir em frente e, mesmo
reticente, ela se virou. Coloquei uma das mãos em seu cotovelo,
acompanhando-a.
Estava começando a estranhar um pouco as minhas
próprias atitudes. Apesar de estar ciente de que aquele era um
instinto natural meu, Nana não precisava que eu fosse aquele
homem, contudo, pela primeira vez em tanto tempo, quis ser.
Puxei-a com delicadeza para trás quando se adiantou para
abrir a porta do táxi e fiz isso para ela, no entanto, antes que Ayana
pudesse entrar, a segurei, quase sussurrando atrás de sua orelha.
— Não fique brava — pedi, e Nana parou, virando o
pescoço para mim, enquanto me fitava de maneira séria.
— Não estou brava.
Acenei com a cabeça e deixei que ela se sentasse, antes de
fechar a porta e dar a volta no veículo. Como pedi o táxi pelo
aplicativo, não precisei informar a rota ao motorista.
Já visitei Barcelona algumas vezes e havia um restaurante
aqui que meus pais adoravam. Não era longe, mas ainda teríamos
uns bons vinte minutos no trânsito.
Nana permaneceu quieta pela metade do caminho, olhando
pela janela. Sem perguntas ou falas engraçadinhas.
Talvez, algo entre nós dois estivesse rolando.
Eu sabia bem do que se tratava, mas não queria parar para
compreender. No entanto, havia um ponto onde tudo deveria ser
interrompido, um limite que eu não deveria cruzar com a filha de um
dos meus tios.
Recusava-me a ser o cara capaz de partir o coração de
alguém outra vez.
— Chegamos — avisei, quando o motorista estacionou em
frente ao prédio.
Desci do veículo e, como imaginei, Nana já me esperava na
calçada. Não estava surpreso com as suas atitudes e relutância em
me deixar tomar decisões, já que ela sempre foi durona e, apesar
desse seu jeito delicado, eu não conseguia ver nenhum tipo de
submissão ou compassividade nela. Além de tudo, esta mulher
exalava independência.
Acompanhei-a pela entrada do local e depois até o elevador
que nos deixou no último andar do prédio.
— Bom dia, tenho uma reserva no nome de Igor Reis, mesa
para dois — falei para a recepcionista, que nos cumprimentou
sorridente, conferindo a informação.
— É aqui que isso começa a parecer um encontro — Ayana
falou ao meu lado. Pela minha visão periférica, consegui ver sua
cabeça virando para todas as direções.
O lugar tinha uma das vistas mais lindas de Barcelona, dava
para ver a cidade quase inteira da mesa que reservei, além disso, a
comida era ótima.
— É apenas um almoço entre amigos.
— Em um dos restaurantes mais românticos da cidade? —
Olhei para ela sobre o ombro e seu cenho estava franzido, em um
sinal claro de confusão.
— Você não quer ficar? — Virei o corpo em sua direção, me
dando conta de que fiz planos sem seu consentimento. Não que
tivesse feito por mal, mas começava a sentir uma satisfação familiar
em tomar essas pequenas decisões. — Podemos comer em outro
lugar se preferir. Reservei aqui porque meus pais adoram este
restaurante.
— Este lugar é espetacular, Igor. Você só está me
deixando... confusa? Surpresa, talvez.
— Acreditaria se eu dissesse que também estou um pouco
surpreso? — E confuso também, porém, manteria isso apenas para
mim.
Não tivemos tempo de continuar, pois a recepcionista pediu
licença e começou a nos guiar para a mesa.
Puxei a cadeira para Ayana e dei um tempo para que ela
aproveitasse a vista, enquanto eu a apreciava.
A mulher à minha frente não havia mudado muito desde a
nossa infância, ela ainda parecia com a menina que eu conheci e
era ainda mais linda do que a adolescente que eu admirava às
escondidas. Houve uma época, talvez uns quinze anos atrás, que
eu a seguia com o olhar aonde ela fosse, contudo, Nana sempre me
apresentava aos amigos como seu primo e me tratava da mesma
forma. Deixei todo o deslumbramento de lado ao entender que ela
nunca me veria como nada além de sua família.
Depois de um tempo, Ayana começou a namorar e, então,
eu comecei a sair com as meninas da minha idade. Nos
distanciamos um pouco e aquilo foi mais do que suficiente para
esquecê-la, me levando a acreditar que tudo foi uma paixonite
adolescente, apenas. Na verdade, nem me lembrava desse
sentimento até estar aqui sentado em sua frente, olhando-a como se
não houvesse nada ao nosso redor além dela.
— Eu gosto disso — falei, atraindo sua atenção para mim.
Ela não precisou perguntar do que eu estava falando para que eu
continuasse: — Escolher restaurantes, esperar enquanto você
escolhe um vestido e depois pagar por ele. Abrir a porta do carro,
pedir o jantar. Não lembrava que gostava tanto dessas coisas.
— Ou seja, você nasceu para namorar, Igor Reis. — Nana
riu, divertida.
— E você? — perguntei, aproveitando a deixa para matar
minha curiosidade. — Deixou alguém em Moscou?
— Meu último namoro acabou há pouco mais de seis
meses.
— Sinto muito.
— Não sinta, ele era grudento e antiquado. Queria cinco
filhos, morar em uma casa grande no campo e nunca deixar a
Rússia. — Ela revirou os olhos ao me contar. — Minha única
exceção para permanecer lá era o meu trabalho e, mesmo sendo
um pouco romântica, jamais ficaria o resto da minha vida em
Moscou tendo uma família enorme me esperando no Brasil.
— Então você ainda pretende casar e ter cinco filhos, mas
no Brasil? — questionei, em tom zombeteiro.
— No máximo, firmar uma união estável com um cara legal
e adotar uma criança, mas esses são planos muito distantes.
— A Ayana que eu conheci acreditava no amor, em conto de
fadas, destino... essas coisas. — Sorri, lembrando-me de uma
versão dela que enxergava o mundo em cor-de-rosa.
— A Ayana que você conhecia foi magoada, mas tentou
outra vez, foi magoada de novo, e tentou mais uma vez. Até não
restar muito mais esperanças.
Aquilo me pegou de surpresa. Eu sabia muito bem como
amores poderiam ser cruéis, no entanto, não conseguia imaginá-la
passando por isso. Nana era uma mulher maravilhosa, linda, cheia
de vida e parecia iluminar qualquer lugar em que chegasse.
— Não me olhe assim, Igor — Ela esticou os lábios em um
meio sorriso. — Eu não mudei tanto assim, nem matei minha alma a
apunhaladas ou coisa do tipo, só priorizo outras áreas da minha vida
agora.
Não consegui responder, pois o garçom se aproximou
perguntando quais bebidas tomaríamos. Estava prestes a pedir uma
garrafa de vinho tinto, quando ela me interrompeu:
— Quero um martini com Vodka, por favor.
Virei o rosto em sua direção com as sobrancelhas erguidas,
e Ayana me encarou de volta com um ar de desafio.
— Aperitivos? — perguntei para ela, que acenou com a
cabeça.
— Dois martinis com Vodka, então. — Informei ao homem,
que anotou no bloquinho e nos pediu licença para se retirar. — Não
sabia que a ideia era ficarmos bêbados.
— Eu não fico bêbada — avisou, com um sorriso grande e
sugestivo nos lábios. — Mas não precisa me acompanhar nessa,
não quero ter que te carregar até o quarto de hotel.
— Acho você está me subestimando, garota! — brinquei,
não conseguindo segurar a risada. — Mas estou muito ofendido
agora, pois eu te carregaria se fosse necessário.
— Nunca — falou firme. — Normalmente sou a amiga que
coloca o pessoal no táxi de volta para casa.
— Cuidado ou vou começar a achar que você se tornou
careta depois adulta. — Nana soltou uma risada gostosa, se ela não
lembrava da nossa época de parceiros de crime, acabou de
recordar.
— Você ainda lembra...
— Claro que sim, eu era o cara que encobria os seus
rastros.
— E ficava pendurado em janelas. — Gargalhamos juntos
com a lembrança.
Eu tinha quinze anos e Nana dezessete quando escapamos
no meio da madrugada para ir à festa de um dos nossos amigos de
perto do condomínio. Ela já tinha feito aquilo antes, mas era a minha
primeira vez fugindo de casa no meio da madrugada. Quando
voltamos, Zuri já tinha nos descoberto e por isso acabei pendurado
em sua janela enquanto Tia Virgínia reclamava o quanto era
perigoso sair sozinha àquela hora da noite.
Se eu soltasse, provavelmente quebraria um braço ou uma
perna, ou até os dois juntos; se entrasse no quarto enquanto sua
mãe estava ali, nem queria saber quanto tempo dona Ivana me
deixaria de castigo.
— Tenho trauma de janelas até hoje, sabia? Vai ver é por
isso que me tornei engenheiro em vez de jogador.
O garçom serviu nossos martinis e perguntou se estávamos
prontos para pedir o almoço. Pedi mais um tempo, pois ainda nem
havíamos tocado no cardápio.
— Eu achei mesmo que você fosse se tornar jogador —
comentou, dando um longo gole na taça. — Por que desistiu
mesmo?
— Meu cunhado é o melhor goleiro do mundo, Nana. Meu
pai fez história como zagueiro, seu pai e o tio TH também são
exemplos até hoje. — Não precisei concluir para que ela entendesse
meu ponto de vista.
— Pressão do caralho. — Acenou, com os lábios e uma
linha fina.
— Sim, mas engenharia é a minha vocação, não trocaria por
nada.
— E você é muito talentoso — elogiou e depois voltou a
encostar a taça nos lábios, solvendo mais um gole da bebida.
Eu precisava parar de olhar, mas não conseguia.
Era difícil desviar minha atenção quando não havia nada
mais impressionante do que a mulher em minha frente, entretanto,
ainda assim, baixei os olhos para o cardápio.
Capítulo 05 — Ayana Klein

 
Chegamos ao hotel duas horas mais tarde e acabamos
parando em uma sessão de massagem, até me surpreendi quando
Igor insistiu em me acompanhar.
Nos serviram champagne e agora estávamos os dois
deitados de bruços, com o rosto virado um para o outro e talvez um
pouco altos pela bebida enquanto relembrávamos as piores
presepadas que aprontamos na infância. Porém, o que me mais me
chamou atenção foi o sorriso que quase não saiu dos lábios dele.
— Se você apertar um pouco mais pra cima — Igor falou
para a mulher que trabalhava com os dedos em suas costas — Isso,
assim mesmo. — Ele gemeu, enviando um arrepio direto pela minha
espinha.
Ergui um pouco a cabeça e dei mais um gole no meu
champagne, sentindo os músculos das minhas pernas tensionarem,
mesmo com as mãos habilidosas da Alba nas minhas costas.
Eu precisava dar um jeito de frear essa atração, pois, apesar
de desconfiar que não era unilateral, o homem que agora estava
com os olhos vidrados em mim não deu indícios de estar pronto
para se envolver.
Além de tudo, ele era quase meu primo. Eu chamava os
pais dele de tios e nossas famílias estavam ligadas de formas
inimagináveis. Eram laços bem estruturados que ninguém sequer
pensaria em quebrar. Não queria correr o risco de me apaixonar e
depois ter que reencontrá-lo em jantares, aniversários, festas,
feriados e relembrar que um dia tivemos algo, por menor que fosse.
Eu era o tipo de ex que desaparecia da vida da pessoa, e
com Igor isso não seria possível.
Meus irmãos me diriam que isso é besteira, Rory era casada
há anos com o Noah, filho do tio Thiago; Mine estava feliz com o
Turrinha em Yale e Eric com a Manu, ambos filhos da tia Gabi e do
tio Júnior. Namorar amigos de infância não era uma opção
repudiável, porém, eu era quase uma especialista em términos
trágicos e perita no estrago que uma separação podia causar.
— No que você está pensando, estranha? — Igor
questionou, trazendo minha atenção de volta para ele.
Estiquei os lábios, sem sorrir realmente e voltei para o nosso
assunto anterior:
— Lembra aquela vez que estouramos um rojão no jardim
enquanto tio Turra dormia por perto?
Éramos todos moleques e o Igor comprou várias daquelas
coisas barulhentas, ficamos todos tramando onde era o melhor lugar
para acender a maior de todas, até que surgiu a oportunidade
perfeita: tio Arthur cochilando na beira da piscina.
— No São João? — Ele deu risada. — Eu lembro.
— Tia Ivana saiu correndo atrás de todos nós com o chinelo
na mão. — Relembrei, sem conseguir segurar a gargalhada.
Não tinha como escapar da tia Ivana correndo, e muito
menos das sandálias que atirava vez ou outra. A sorte é que ela era
apenas uma, e nós estávamos em cinco.
— O papai deve ter passado uns três dias sem ouvir direito
de um lado.
— Nós éramos terríveis! Depois disso, fiquei uma semana
de castigo — falei, lembrando do quanto era chato ficar de molho
em casa, mas muito melhor do que as consequências da vida
adulta.
— Que bom pra você. Mamãe escondeu qualquer objeto
que gerasse entretenimento por duas semanas, mas o papai me
perdoou no outro dia. — Ele fez um som com a garganta, que soou
como um suspiro divertido. — Os dois têm atitudes muito diferentes
quando se trata de mim e da Iara, porém, também costumam
completar as frases um do outro em algumas situações. — Seu
modo de dizer aquilo, somado ao sorriso fácil em seu rosto
provavam o quanto Igor amava sua família, e eu podia apostar que
sentia falta dos pais.
Relaxei um pouco, começando a curtir mais a massagem.
— Quanto tempo você vai ficar no Rio? — perguntei por
curiosidade, pois ele havia trazido apenas uma mala de mão.
— Ainda não sei, mas não pretendo ficar mais do que
algumas semanas. — A voz de Igor se tornou um pouco lânguida, e
seus olhos se fecharam quando Julia apertou a parte superior de
seu trapézio.
— E então você volta a viajar pelo mundo?
— Sim, só que vou aproveitar a ida ao Brasil para organizar
alguns documentos, renovar meu visto para os Estados Unidos e
ver como andam as coisas na empresa — Igor explicou devagar, me
fazendo lembrar de algo importante.
— Por falar nisso, vou precisar dos seus serviços assim que
chegarmos. — Eu não tinha resolvido os detalhes ainda, no entanto,
precisaria de um projeto e uma reforma quando conseguisse alugar
um espaço para o estúdio.
— Vai reformar seu apartamento de novo? — Ele bufou uma
risada. — Pretende ficar até o fim da obra dessa vez?
Há quatro anos, papai me presenteou no Natal com um
apartamento no prédio que construiu em parceria com o Tio Turra e
a construtora de Igor. Resolvi reformá-lo antes de voltar para
Moscou, mas não tive tempo de acompanhar o andamento da obra
antes que meu recesso acabasse.
— Eu fiquei até o fim — me defendi, mas nem eu consegui
me levar a sério depois de soltar uma risada. — Todos os dias fazia
chamada de vídeo para ver como estava ficando.
— O Rafael detestava ficar andando pela obra para te
atualizar. — Ele contou e depois sorriu de olhos fechados. — Isso
me lembra de que você foi a primeira cliente a acompanhar
remotamente um projeto e agora temos um serviço assim, sabia?
Duas moças cuidam desse departamento, mandando fotos, vídeos e
informações aos clientes que não têm tempo para visitar a obra com
frequência.
— Eu melhorei consideravelmente o serviço da sua
empresa. — Me gabei, franzindo os lábios.
Igor abriu os olhos e ergueu uma sobrancelha para mim.
— Ainda não me contou por que precisa dos serviços da
empresa.
— Não preciso da empresa, preciso dos seus serviços. —
Enfatizei de forma sugestiva, sem conseguir não o provocar, mas fui
eu quem levou a pior dessa vez.
Igor passou a língua pelo lábio inferior e depois o fisgou com
os dentes, num gesto sexy pra caralho. Minha boca secou, meu
ventre contraiu e agora eu não conseguia olhar para nada além da
boca rosada.
— Então... O que você quer de mim, Ayana?
Era uma pergunta bem simples, no entanto, passível a
muitas respostas complexas. Eu queria tanto dele e ao mesmo
tempo não queria.
Talvez eu devesse esquecer o engenheiro e contratar um
terapeuta antes de tudo.
— Vou abrir um estúdio de ballet clássico. — Depois de
Dimi, Igor foi a primeira pessoa com quem compartilhei essa
informação, pois nem minha família sabia. — O plano ainda está no
papel, mas pretendo alugar um espaço assim que chegar ao Rio.
— Você saiu de Bolshoi? — questionou, bastante alerta
agora.
— Sim — a fala saiu entredentes, pois Alba havia chegado
na parte superior das minhas costas. Pelo visto, havia muita tensão
ali. — Vou voltar a morar no Brasil, começar meu estúdio de ballet
que em alguns anos se tornará uma escola com vários outros
estilos.
Também pretendia investir em um projeto social com
crianças carentes, levando arte através da dança para as
comunidades, mas ainda não podia compartilhar tudo isso sem um
planejamento assertivo.
— Uau! — exclamou. Parecia verdadeiramente
impressionado com as informações. — Isso é incrível, Nana. Claro
que te auxilio no que precisar, posso te ajudar a procurar opções e
visitar os lugares contigo.
— Você faria isso? — Ergui o rosto e os ombros, fazendo
com que Alba parasse um pouco de me apalpar.
— Claro que sim — Ele riu e estendeu o braço em minha
direção, segurei sua mão e ele continuou: — Fico no Rio pelo tempo
que você precisar de mim, só não abuse.
— Pode deixar — Sorri de volta. — Pensa que pelo menos
eu vou estar lá e não precisaremos das chamadas de vídeo.
— Sim, essa é a maior vantagem. — Igor soltou mais uma
risada gostosa, e eu já começava a me acostumar com o som,
querendo cada vez mais dele. — Você pelo menos chegou a ir ao
apartamento?
— Não — Abri um sorriso amarelo.
— Foi o que imaginei.
— Mas agora vou morar lá. — Dei de ombros.
Igor calou-se e desviou o olhar, encerrando nosso assunto.
Parecia um pouco fora do ar agora, com os pensamentos
distantes. Não quis questionar o motivo de seu bom-humor ter se
esvaído tão rápido, mas a dúvida ficou ali, me cutucando. Tinha
quase certeza de que não havia falado ou feito algo de errado, e
perguntar me colocaria em uma posição culpada.
Fiz o possível para relaxar meus músculos, soltar meu corpo
e curtir o restante da massagem.

Igor “voltou ao normal” quando saímos do SPA, começando


a me contar sobre a vida dos nossos amigos colégio, mas eu sabia
de mais fofocas do que ele.
— Como você passou tanto tempo fora e sabe mais da vida
alheia do que eu? — perguntou chocado, enquanto eu destrancava
a porta do quarto.
— Sabendo...
Entrei no cômodo e arrastei minha bagagem para a cama,
pois vestia apenas uma roupa íntima por baixo do robe e precisava
de um pijama confortável para dormir. O dia ainda estava claro lá
fora, mas o Jet-lag cobrava seu preço.
— Fala sério, você é dessas pessoas que vive olhando a
vida dos outros nas redes sociais, não é?
— Claro que não. — Gargalhei, virando de costas para fuçar
dentro da mala.
— Só faz um ano que saí do Brasil — Ele pensou alto. — Eu
nem sabia que o Antônio havia se tornado político, e a filha da Alicia
já tem três anos.
— Pior. Wagner e Marcela se casaram, foi uma festa
enorme. Em que planeta você estava? — questionei, franzindo o
cenho.
Tudo isso estava nas redes sociais, de fato, mas alguns até
nas notícias de televisão. Eu sabia que Igor havia passado por um
período difícil, vivendo quase em “outra realidade” enquanto estava
noivo de Clarissa, contudo, não imaginava que fosse nesse nível.
— Ainda acho que você paga a alguém pra te manter
informada.
— É verdade, eu tenho uma rede de informantes no Brasil,
mas é gratuita. — Olhei para ele sobre o ombro, sorrindo
— Fofoca filantrópica — bufou, zombando.
— É quase isso aí — Dei risada, entrando na brincadeira
dele. — Mas é muito melhor. Nunca passei uma semana sequer
sem ligar para a mamãe, o número da Rory está na minha discagem
rápida e se eu não mandar mensagens diariamente para a Zuzu, ela
coloca a embaixada atrás de mim. A Mine também costuma me ligar
para pedir conselhos — Detalhei minha rede de informantes.
— Aposto que a Zuri contataria a ONU caso você passasse
mais de quarenta e oito horas sem respondê-la. — Dei risada ao
ouvi-lo, pois é algo que ela sem dúvidas faria.
— Ela faria isso mesmo — comentei, sentindo a saudade da
minha irmã mais velha aumentar. — Eric me ligou para contar que
estava apaixonado pela Manu quando ficaram juntos e quase
sempre me manda fotos dos dois. Meu pai ama me enviar os
memes e músicas do momento, e todos os dias eu o desejo bom
dia, mesmo que ainda seja madrugada no Brasil. Mamãe costuma
me ligar em meu horário de almoço, que para ela é o café manhã.
— Suspirei, me sentindo sortuda por tê-los. Éramos aquele tipo de
família de comercial de margarina, porém muito reais: cheios de
defeitos e diferenças pessoais, mas ainda assim, perfeitos. — Eu
estive fora por muito tempo e eles deram um jeito de me manter
como parte da família. Às vezes sinto como se eu nunca estivesse
ausente. — Droga! Agora eu estava prestes a chorar.
— Quando você fala assim, até me sinto culpado por tentar
deixar meus pais de fora da minha vida nesses últimos meses. —
Igor admitiu, parando um pouco mais perto de mim. Virei para ouvi-
lo, interessada em saber mais dele e de seus motivos. — Eu os
afastei. Ignorava chamadas, respondia às mensagens de forma
evasiva e sequer me importei em como eles se sentiam sobre tudo o
que havia acontecido. Iara era mais insistente, parecia não entender
que eu precisava ficar sozinho e acabava persistindo, relutei muito
para deixá-la entrar, porém, quando o fiz, me senti um pouco mais
em paz — confessou.
Mesmo que estivéssemos uns trinta centímetros distantes,
quase podia sentir seu calor acariciar a minha pele, o que era
sinistro, pois eu ainda estava vestida com o robe. Encarei os olhos
cor de esmerada, que continham um brilho diferente agora, mais
intimista e afetuoso.
— Eles te amam — falei, subindo uma de minhas mãos para
o seu rosto. — Se uma das meninas ou o Eric tentasse nos afastar
por estar sofrendo, eu faria o mesmo, e se fosse preciso caçaria a
criatura pelo mundo.
Sua barba fez cócegas na palma da minha mão, mas eu
queria continuar lá e abraçá-lo também, porém não o fiz.
— Eu precisava ficar sozinho — disse, sem fazer qualquer
movimento, fosse para ter mais do meu toque ou até se esquivar
dele.
— Você achou que deveria, Igor, mas não adiantou. —
Inclinei um pouco a cabeça e ousei em dizer: — Estamos aqui há
pouco mais de vinte e quatro horas e você já parece muito mais
alegre do que quando nos encontramos no aeroporto. Claro que eu
não sei o que há em seu coração e nem como se sente agora,
porém, na minha visão, se isolar das pessoas não te faz bem.
— Eu me sinto melhor — Sua expressão suavizou e ele
ergueu sua mão para cobrir a minha. — Isso porque você tem uma
maneira incrível de iluminar tudo ao seu redor sem precisar mover
um dedo ou falar sequer uma palavra para isso. — Deixei minha
mão cair de seu rosto, sem saber como de fato reagir à sua
declaração — Eu vejo essa luz em você. — Seus lábios se
separaram em um sorriso pequeno, fazendo com que meu olhar se
desviasse para eles.
— Em mim? — questionei, tanto impressionada quanto
admirada.
— Sim. Você me encoraja a me abrir, me seduz a confiar,
me atrai em sua direção e nem se esforça para fazê-lo. — Nossos
rostos estavam em paralelo um com o outro, e nem notei como
chegamos aqui, talvez eu tivesse me aproximado ou ele se moveu
para chegar até mim, só sabia que bastava me inclinar para ter
minha boca na sua.
Senti minha pulsação acelerar e a dúvida me cutucar de
forma incômoda. Igor acabou de confessar que eu o atraía, ou
minha luz imaginária o atraía, não sabia se isso contava como uma
atração real ou apenas algo que aliviasse seu luto, mas eu queria
descobrir.
— Me beija — sussurrei e subi o olhar bem a tempo de ver o
dele escurecer.
Havia tantos sentimentos impressos ali: dúvida, hesitação,
confusão, mas também tinha um desejo e uma necessidade que
sobressaíam a quaisquer outros.
Ele queria.
E ele me pegou.
Nossos lábios se encontraram ao mesmo tempo que suas
mãos me apertaram com firmeza, pressionando meu corpo ao seu.
Em contrapartida, sua língua explorou de forma suave e lasciva o
meu lábio inferior e depois exigiu passagem para dentro da minha
boca.
Inclinei-me para o lado, subindo uma das mãos para o seu
cabelo e agarrando seu robe com a outra para me segurar. Senti o
calor familiar começar a se formar dentro de mim, enquanto sua
boca cobria a minha, beijando e tomando o quanto podia.
Um gemido abafado saiu de mim no momento que Igor me
apertou com mais força contra ele, parecia desesperado por mais
proximidade. Dei um passo para trás por reflexo quando meu corpo
quase se curvou, no entanto, o homem parecia determinado a não
me deixar escapar.
Gemi mais alto ao sentir seus dentes se fecharem ao redor
do meu lábio inferior e apertei os dedos em seus cabelos à medida
que minhas pernas tensionaram e minha boceta contraiu.
Porra!
Começamos a andar cegamente pelo quarto até minhas
costas baterem em uma superfície plana, que só podia ser a
escrivaninha de madeira que havia no canto. Igor apertou meus
quadris e ergueu meu corpo, colocando-me sentada na beirada e se
encaixando entre as minhas pernas.
Consegui escapar de seu beijo por um momento e olhei
para baixo, mirando na fita que mantinha o roupão. Separei mais as
coxas e o puxei, começando a desfazer o nó que havia ali.
Subi o olhar mais uma vez, parando quando vi a intensidade
com a qual me observava. Ninguém nunca havia me olhado daquela
forma tão crua e maravilhada.
— O que foi? — Sorri, me sentindo desnuda, mas não de
roupas. Ainda.
Igor ergueu a mão, soltando o coque no meu cabelo e
agarrando um punhado dos fios. Meu pescoço foi inclinado para trás
com delicadeza e seu rosto pairou sobre o meu.
Ele deixou um selinho em meus lábios, antes de sussurrar
contra eles:
— Você é tão linda, Nana.
Ele me beijou mais uma vez e chupou minha língua antes de
se afastar novamente.
— Seu beijo é muito mais gostoso do que eu imaginava. —
Como se quisesse comprovar suas palavras, Igor tomou meus
lábios com mais força. — Eu não consigo parar — falou e voltou a
brincar com minha língua.
— Não pare. — Me afastei por um segundo para sussurrar.
— Porra! — ele grunhiu, apertando minha cintura com a
mão livre e me trazendo mais para frente, unindo-me ainda mais ao
seu corpo. — Eu não consigo parar de te beijar — repetiu com um
tipo de frustração muito evidente no tom de voz, porém, não
demorou nem um segundo para se inclinar sobre mim, deixando-me
presa ao seu corpo, seu beijo e suas carícias intensas.
Não sei de que forma eu consegui desfazer a praga daquele
nó, porém, quando finalmente o fiz, subi minhas mãos, tirando a
única peça que cobria seu torso. Queria me esfregar nele, sentir seu
corpo transpirar enquanto nos dávamos prazer, lamber cada pedaço
de sua pele, mas eu continuava vestida, o que me fazia questionar
se Igor estava se segurando.
Em vez de especular, desci as mãos por seus ombros,
explorando a parte de seu corpo a qual eu tinha acesso, ao mesmo
tempo que ele me levava para mais longe com seu beijo voraz, sem
se recusar a deixar minha boca. Esfreguei os polegares em seus
dois mamilos ao mesmo tempo e o som que saiu de sua garganta
reverberou através de mim.
— Ahh! Ayana! — murmurou, excitado.
Ele chamando meu nome daquela forma carnal tirou minha
lucidez. Eu não queria ser racional ali, não queria pensar nas
implicações que transar com ele causariam. Eu só o queria dentro
de mim. Fundo, forte, desesperadamente.
Capítulo 06 — Igor Reis

Ela estava em minhas mãos de uma maneira muito real


agora, nada como fantasiei no passado. O gosto de seu beijo
despertava sensações em mim que achei impossíveis de
experimentar outra vez.
Eu a queria tanto!
Meu lado carnal exigia que eu a jogasse naquela cama e me
afundasse dentro dela. Me perder, me encontrar, nos fundir de forma
muito lasciva. No entanto, uma voz racional me alertava que
havíamos cruzado vários limites. Linhas perigosas que, uma vez
ultrapassadas, tornava-se praticamente impossível voltar atrás.
Não havia como desfazer o nosso beijo, nem esquecer o
quanto foi gostoso, todavia, era minha obrigação deixar tudo a
pratos limpos e interrompê-lo antes que as coisas saíssem do nosso
controle.
Eu precisava ser sensato.
— Nana... — Seu nome saindo da minha boca parecia um
pedido desesperado.
Inclinei um pouco para trás na intenção de me afastar, mas
a mulher me puxou de volta, passando as pernas ao redor do meu
quadril, enfiando as unhas nas minhas costas e a língua em minha
boca.
Gemi, alucinado.
Nós dois estávamos cheios de tesão e parecia impossível
parar para conversar agora, porém eu não podia ignorar meu senso
de responsabilidade. Não podia deixar acontecer para depois lidar
com as consequências. Ayana tinha que saber onde estava se
metendo.
— Nana, espera — falei. Meu tom de voz rouco e desejoso
não a ajudava a compreender meu pedido, mas eu precisava me
concentrar.
Puxei o ar com calma e esperei alguns segundos para que
ela respirasse também.
— Não devia ser dessa forma — suspirei ao dizer.
Provavelmente era a pior forma de começar essa conversa, no
entanto, a primeira frase já tinha saído.
Nana afastou os braços e as pernas de mim e na mesma
hora senti a culpa me tomar. Nada disso deveria ter rolado, não
assim. Eu ainda tinha tanto para superar antes de sequer pensar em
me envolver com outra pessoa.
— É agora que você diz que isso tudo é um erro? — Passou
as mãos pelos cabelos, visivelmente frustrada.
— Não é um erro — Neguei com a cabeça, dando um passo
para trás quando notei seu incômodo. — Eu quero você, Nana.
Porra! — Levei uma mão a minha cabeça sentindo tudo ferver, as
dúvidas, as objeções, a culpa que parecia queimar dentro de mim.
— Eu quero você, Nana — imitou minha fala, pulando da
mesa e ficando de pé em minha frente. — Mas...?
— Eu não posso — suspirei, apertando os olhos.
— Que desculpa barata — Ayana cruzou os braços na altura
dos seios, negando com a cabeça em desaprovação. — Você
precisa ser mais original, Igor. Frases prontas em um momento
assim não pegam muito bem.
— Eu... — Minha boca já estava seca, mas ainda assim a
abri para tentar me explicar.
O que eu podia dizer? Que estava quebrado? Que não
conseguia me envolver de novo porque fui o culpado pelo acidente
que matou a minha noiva? Como eu justificaria para ela que se
envolver comigo era quase uma cilada?
— Eu não consigo. Me desculpe. — Engoli em seco. —
Tudo que eu disse é verdade, Nana. Você me traz uma paz e uma
luz que nunca consegui encontrar, mas não merece isso. — Apontei
para mim mesmo. — Você não merece esse cara quebrado e
destruído. Eu só te faria sofrer, entende? — questionei, me sentindo
sujo por ter perdido o controle.
— Não, Igor, eu não entendo.
Fechei os olhos mais uma vez. Precisava medir as palavras
para não tornar a situação pior.
— Nana — chamei devagar, implorando. — Você me disse
que já foi magoada antes. — Minhas palavras parecem ter surtido
efeito, pois seu olhar suavizou e ela acenou devagar com a cabeça.
— Não quero ser mais um na lista dos que partiram seu coração.
— Como você tem tanta certeza de que vai me magoar?
— Ficar com você nesse momento só me traria mais culpa
— expliquei e vi Nana soltar um suspiro audível. — Se tiver que
acontecer algo entre nós dois, não pode ser assim, Nana. Eu
preciso... — Parei um segundo para pensar e juntar as pontas soltas
na minha cabeça. — Preciso me curar, ser eu mesmo, ser o melhor
cara que posso ser pra você. Eu te daria prazer, mas apenas isso.
Me entende agora?
— Sim — confirmou após segundos de relutância. Seus
lábios estavam crispados e a decepção muito evidente em seu
olhar, mas ainda assim Nana continuou: — Obrigada pela
sinceridade.
— Isso é minha obrigação, você não tem que me agradecer
por jogar limpo.
— Tudo bem — Nana baixou os ombros. — Acho que você
precisa de um momento sozinho. — Andou de volta até a mala,
começando a separar roupas, porém eu a impedi.
— Eu vou dar uma volta — falei. — Preciso mesmo de um
pouco de ar.
Peguei as roupas que estava vestido antes e as coloquei de
volta, sentindo o mundo pesar sob as minhas costas. Antes de sair,
olhei para Nana, que agora estava sentada na cama com a atenção
voltada para as janelas.
— Não vou demorar — avisei e ela sussurrou um “ok”, mas
não chegou a me olhar.
Assim que fechei a porta atrás de mim, agachei-me no chão,
segurando minha cabeça entre as mãos.
Por que fui deixar tudo isso acontecer?
Não tinha nada para oferecê-la. Algumas horas de prazer
não valiam toda a amargura que eu carregava comigo. Essa transa
seria só mais uma enorme mancha em sua memória, pois, além
disso, eu não era mais nada.
Estava longe de merecê-la.
Até poucos segundos atrás nem sabia que poderia sentir
tanto desejo de ter alguém em meus braços outra vez. Aquele tesão
desenfreado e descabido que te faz agir cegamente. Acreditava que
tudo isso já estava morto dentro de mim, até reencontrá-la de pé no
meio do aeroporto.
Tomei alguns segundos ali para me acalmar e depois me
ergui, caminhando para o elevador. Ficaria um tempo no bar do
hotel até as coisas se acalmarem. Entenderia perfeitamente se
Nana não quisesse mais dividir o quarto comigo depois disso.
Merda!
Quando ela pediu que eu a beijasse, tanta coisa passou
pela minha cabeça... tantas dúvidas! Entretanto, nada superou a
vontade e a ligação que senti com ela ali. Não havia como negar. E
depois, por um minuto eu não queria parar e no outro eu estava
apavorado.
Passei meses me julgando morto por dentro, frio, incapaz de
encarar a normalidade, as amizades, os sorrisos, o amor. Eu
dispensava todos que tentavam de alguma forma cuidar de mim e
agora havia parado aqui: pouco mais de vinte e quatro horas com
uma mulher que parece ter me levado do inferno ao céu.
Como pude me deixar levar tão rápido?
Não conseguia sequer ficar bravo, nem comigo, por deixá-la
exercer todo esse poder sobre mim, e muito menos com Nana, que
nem se esforçava para me atrair. Era tudo tão natural, tão real. Só
tinha uma certeza comigo: não podia me esquivar e fingir que nada
disso me afetava profundamente. Encararia a situação de peito
aberto, agindo como o homem que meu pai me ensinou a ser.

Passei poucas horas fora e, ao sentir meus pensamentos


começarem a entrar em ordem, retornei ao quarto.
Encontrei o cômodo imerso em escuridão e tateei a parede,
à procura de um interruptor que havia ali por perto. Estreitei os olhos
quando a luz forte caiu sobre o ambiente e menos de um segundo
depois ouvi os gemidos em protesto de Nana.
— Apaga! — ela resmungou, colocando a palma da mão
virada para cima em frente aos olhos.
Apaguei imediatamente e liguei o outro botão, acendendo a
iluminação indireta. Era fraca o suficiente para me permitir enxergar
dentro do cômodo e também não a incomodaria.
— Me desculpe — pedi, expirando com força — Não quis te
acordar.
— Tudo bem — murmurou outra vez, se encolhendo na
cama e puxando as cobertas sobre a parte inferior do seu corpo.
Caminhei até minha mala e, após pegar uma cueca e
calção, fui para o banheiro tomar uma ducha rápida. Ao voltar para o
quarto, encontrei Nana ainda deitada, mas agora mexendo no
celular.
— Sua mãe ligou — ela disse, quando me aproximei. — Não
atendi, mas alguns segundos depois o papai me ligou e eu falei que
você foi dar uma volta. Não fui junto pois estava muito cansada e
com jet-lag.
— Vou me lembrar disso caso eles perguntem — disse,
sentando-me na cama.
— Papai disse que o tempo está melhorando, o piloto acha
que em menos de dois dias já poderemos decolar. — Olhei para o
seu rosto, tentando definir se estava triste ou feliz com a notícia,
mas vi apenas indiferença.
— Isso é bom — falei, sem saber se era, de fato.
Deitei-me devagar do lado que de forma involuntária havia
se tornado o meu e fiquei quieto, sem saber mais o que dizer. Talvez
devesse deixá-la em paz e tentar descansar um pouco também.
Fiquei encarando o teto por minutos, até Nana se virar para
mim.
— A culpa foi minha — ela começou a dizer, ainda havia
certa sonolência em sua voz. — Eu te pedi para me beijar.
— Para com isso, Nana! — repreendi, inclinando o rosto
para olhá-la. — Não teria te beijado se não quisesse, então,
acredite, ninguém tem culpa nessa situação.
— Posso terminar? — Pude ver sua sobrancelha petulante
se erguer e meus lábios se curvaram sem minha permissão. Não
confirmei, sequer acenei, mas ela continuou: — Eu deveria saber
que você não estava pronto, era muito óbvio, na verdade, mas eu
quis tanto... As coisas que você me falou, a forma como me olhou,
só pensei em te ter no mesmo instante e fiquei muito irritada na hora
que você nos interrompeu.
— Eu precisava parar — falei, justificando — e quis ir em
frente na mesma medida, mas era tudo tão confuso.
— Não estou mais irritada ou chateada — explicou,
aproximando-se mais de mim. — Entendo pelo que você está
passando e não quero que fique um clima pesado entre nós dois.
— Também não quero. Então... estou desculpado?
— Eu estou? — devolveu a pergunta, franzindo o cenho.
— A sua imunidade é vitalícia, Nana. — Sorri ao responder e
estiquei meu braço em sua direção, passando-o por baixo de seus
ombros e a puxando mais para mim.
Deixei um beijo em sua testa e aconcheguei sua cabeça em
meu ombro, antes de começar um cafuné suave em seu couro
cabeludo.
— Isso não ajuda, sabia? — Voltou a resmungar, na verdade,
ela estava quase ronronando.
— O quê? — Fiz-me de desentendido, tentando esconder a
satisfação que sentia em dar-lhe prazer de alguma forma, por menor
que fosse.
— Você me abraçando e me fazendo carinho para dormir só
faz com que eu tenha mais vontade ainda de tirar sua roupa. —
Soltei uma risada abafada por seu tom lânguido ao dizer aquilo.
— Você pode tentar outro dia, agora nós vamos dormir.
A mulher colocou uma das mãos em meu peitoral, se
remexendo para aconchegar seu corpo contra mim e, ao achar uma
posição, Nana relaxou em meus braços, adotando um ritmo
constante na respiração que eu podia sentir em meu pescoço.
Aquele sentimento era bom e me confundia demais: ao
mesmo tempo que parecia tão certo tê-la ali, em meus braços,
também parecia muito, muito errado.
Capítulo 07 — Ayana Klein

 
— Hmm — gemi, impulsionando involuntariamente o quadril
para trás quando senti o pau dele pulsar contra mim.
Eu nem tinha aberto os olhos ainda, porém, a primeira
sensação foi o tesão, não o sono ou meus músculos prestes a
despertar, mas o calor ardente se acumulando na parte baixa do
meu ventre.
Aquilo só podia ser um castigo.
Em outra ocasião, adoraria aquele momento, me esbaldaria
dele e o usaria a meu favor, mas as coisas se tornam difíceis
quando o homem atrás de mim trata minha boceta como se fosse
uma criminosa. Ele nem quis vê-la, muito menos tocá-la, e ela
estava sedenta.
Merda!
O tesão ainda ia me foder, em todos os sentidos.
Igor pareceu despertar do sono, espalmando a mão aberta
na altura do meu estômago e me apertando contra seu corpo.
— Nana! — A forma como pronunciou meu nome ao pé do
meu ouvido fez com que minha boceta se contraísse.
Notei que meu corpo parecia não querer obedecer ao lado
racional da minha mente assim que esfreguei a bunda novamente
contra ele e um som suplicante saiu da minha garganta.
O homem atrás de mim exalou forte, me causando um
arrepio insano.
— Porra, Ayana! — Xingou, movendo a mão para o meu
quadril e o apertando. — Você tá me torturando. — Grunhiu.
Era óbvio que ele estava se segurando, consegui notar pelo
seu corpo totalmente tenso e travado.
— Eu? — Parei por um segundo, soltando todo o ar dos
meus pulmões e tentando não me concentrar em meus batimentos
cardíacos desenfreados. Meu canal também não parava de contrair
e eu já estava quase louca com tanta informação de uma vez em
meu corpo. — Seu pau pulsando que me acordou. De novo — chiei.
Travei os dentes quando o membro pulsou outra vez em
resposta.
Aquilo era enlouquecedor.
Eu queria apenas afastar nossas roupas, deslizar minha
boceta molhada por ele e rebolar bem devagar quando estivesse
totalmente preenchida. Sentia meu short molhado pela lubrificação
excessiva e a ausência de uma calcinha, confirmando que seria
muito fácil e gostoso ceder às minhas ideias.
— O que você quer, Ayana? — Meu corpo tremeu quando
seu nariz se arrastou pela minha nuca.
— Eu... — comecei, mas precisei parar quando senti sua
mão se mover, subindo outra vez pelo meu corpo, no entanto, aquilo
não parecia o suficiente para mim. — Me toca, Igor.
— Eu estou tocando você. — Meu ombro se ergueu por
reflexo de sua voz bem atrás da minha orelha.
— Não é o bastante — Contorci-me contra ele quando seus
lábios voltaram a passear pela minha pele.
— Me diz onde você quer.
Inferno, eu mal conseguia pensar.
— Igor — Quase supliquei e movi eu mesma sua mão pelas
partes onde queria ser estimulada, mas ele pareceu entender minha
necessidade, subindo-as para a altura dos meus seios.
Um gemido rouco escapou de mim no momento que seus
dedos capturaram um dos meus mamilos por cima da roupa. Igor
gemeu baixinho, afundando o rosto em meus cabelos, sem parar de
pressionar meu biquinho, agora ereto.
Impulsionei a bunda contra ele mais uma vez e sibilei
quando seu quadril veio ao encontro do meu, esmagando nossos
sexos no processo.
Ele mudou o foco de um seio para o outro, deixando-me
ainda mais enlouquecida. Por pouco não me virei e o montei ali,
mas queria ir no seu ritmo. No fundo, estava com medo de forçar a
barra e estragar o momento como aconteceu ontem à tarde, mas
puta que pariu, eu precisava gozar.
Eu estava ardendo de dentro pra fora enquanto nos
esfregávamos ali e seus dedos trabalhavam habilidosamente em
meus seios, sem nem tirar minhas roupas.
— Por favor — pedi, jogando a cabeça para trás com o
corpo inteiro arrepiado. — Igor, por favor.
Sua boca voltou para minha nuca, molhando dali até meu
ombro. Ele não me respondeu, mas também não parou. Tinha a
impressão de que estava se segurando e ao mesmo tempo tentando
se libertar, não conseguia entender, e naquele momento nem queria.
— Eu preciso gozar! — protestei, quase choramingando.
Senti vontade de implorar e também de brigar com ele, dizer
que, se pretendia deixar as coisas mal resolvidas como ontem, eu
preferia resolver sozinha, no entanto, sabia que a causa de todo
aquele tesão era ele e, se fosse eu ali tocando meus seios, a
sensação não seria a mesma, nem de perto.
— Coloca a mão dentro do short — Minha respiração falhou
quando ele deu o comando ao pé do meu ouvido. Sua voz
conseguia ser mais erótica do que qualquer outra experiência que
eu já vivi.
— Eu quero a sua — contestei, me esforçando para sentir,
pensar e respirar ao mesmo tempo.
— Abre as pernas, Ayana.
Porra!
Minhas coxas obedeceram de primeira, separando-se uma
da outra. Apoiei uma perna na dele atrás de mim, para ficar
confortável. Eu esperava mesmo que Igor fosse levar a mão até lá e
beliscar meu clitóris da mesma forma que fazia com os bicos dos
meus seios, mas o próximo comando veio logo depois:
— Agora, seja boazinha e leve sua mão até dentro do short.
Não tentei relutar dessa vez e entrei com uma das mãos
dentro do short, constatando que a situação ali era bem pior do que
eu imaginava. Até minha virilha estava encharcada.
— Está molhada? — perguntou, exalando com força no meu
pescoço.
Fechei as pálpebras, puxando o ar também pela boca para
ajudar. Aquele tom de voz dominante fodia minha cabeça, o que era
bem pior do que a boceta.
Igor se mexeu atrás de mim, ainda sem soltar meu peito e,
alguns segundos depois, seus dedos da outra mão agarraram meus
cabelos, puxando com tudo para trás.
— Responde pra mim, Nana. — Sua fala foi pronunciada
quase entredentes, me fazendo arquejar. — Quão molhada você
está? — Repetiu a pergunta.
— Muito. — Passei a língua pelos lábios secos, desejando
sua boca na minha.
— Coloca dois dedos dentro de você e empurra até o fundo
— fiz como ele mandou, mesmo que minha mente parecesse querer
entrar em colapso total. — Fode sua boceta com os dedos,
imaginando meu pau bem enterrado dentro de você.
— Porra! — Arqueei as costas à medida que minhas pernas
se separaram mais. — Igor — chamei seu nome como uma lamúria
desesperada.
— Shhhh! — Ele massageou meu couro cabeludo com a
ponta dos dedos, como se tentasse me acalmar, mas que inferno,
eu não queria me acalmar, queria sua mão em outra parte do meu
corpo que não fossem meus seios ainda cobertos.
— Aaah! — berrei, sem saber identificar se era pelo tesão
ou pela frustração.
— Me diz se é gostoso... — pediu, voltando a encostar os
lábios na minha orelha. — Me fala se sua bocetinha está
esmagando seus dedos agora.
— Igor — quase gritei, ouvindo o tremor na minha própria
voz. — Eu tô queimando!
— Tira os dedos, linda — Sua mão alisou minha cabeça e
seus dedos finalmente deixaram meus mamilos, por um momento
achei que ele fosse me masturbar, contudo, apenas colocou a mão
por dentro da minha blusa, percorrendo a minha barriga com as
unhas, numa carícia leve. — Esfrega seu clitóris do jeito que você
faz quando quer gozar — mandou, fazendo círculos por perto do
meu umbigo.
O tesão lancinante chegava a causar dor e não havia nada
que eu pudesse fazer além de seguir suas ordens e acabar logo
com aquela agonia.
Gemi alto ao circular o nervo pulsante e apertei os olhos
quando o orgasmo começou a se formar. O toque constante de Igor
causava pequenos choques por minha pele e fazia com que meu
corpo começasse a se contorcer.
Minha respiração ficou irregular, meus gemidos cada vez
mais altos, mas não o suficiente para me impedir de ouvir os dele,
mesmo que baixinhos atrás de mim.
Sensual pra caralho!
Os espasmos se tornaram violentos à medida que minha
boceta contraía, liberando toda a tensão do meu corpo. Chamei seu
nome, chiei palavras que eu nem mesmo entendi, enquanto o braço
dele me segurava firme, colando minhas costas em seu peitoral nu.
Senti a mordida dolorida em meu ombro e a pressão de seu
membro contra minha bunda voltar forte e contínua.
Ele estava gozando?
Esperei alguns segundos enquanto me acalmava e consegui
escapar do seu abraço para me virar e ficar de frente para ele.
Como esperava que fosse, Igor parecia um pouco assustado, em
dúvida, mas havia algo novo ali. Vergonha, talvez?
Levei uma das mãos ao seu rosto e toquei seus lábios com
os meus devagar, ele devolveu o beijo e eu lhe ofereci mais um,
usando minha língua dessa vez. Igor gemeu, perdendo-se na minha
boca e trazendo sua mão de volta para segurar firme os cabelos da
minha nuca.
Aquela tinha sido, de longe, a experiência mais
prazerosamente inusitada da minha vida, e o gostoso me segurando
com força contra seu corpo não dava sinais de que nos
interromperia. Contudo, o celular tocando alto atrás de mim empatou
a foda com maestria.
Capítulo 08 — Igor Reis

Destravei meu cinto de segurança, assim que o avião


estabilizou no ar e a aeromoça nos deu autorização para soltá-lo.
Nana estava ao meu lado, ainda segurando firme a mão que ofereci
quando notei sua tensão na decolagem. Então, me inclinei na
direção dela e desatei seu próprio cinto, ignorando o perfume
gostoso que invadiu meus sentidos quando entrei em seu espaço
pessoal.
Lembrava-me bem de seu dilema com aviões, em que ela
insistia em afirmar que não era medo, apenas um incômodo,
contudo, em momentos assim dava para ver o pavor em seu rosto.
— Você já passou por uma turbulência? — perguntei,
pensativo.
Se ela ficava assim em uma decolagem tranquila, nem
conseguia imaginar em meio a uma turbulência no ar. Já havia
passado por algumas e foi um pouco assustador.
— Uma vez apenas — respondeu, diminuindo o aperto. —
Mas papai ficou ao meu lado o tempo inteiro e não soltou a minha
mão. — Ela riu. — Foi engraçado, ele ficou me contando a história
de como o tio Júnior tinha um carro muito velho que eles chamavam
de... — Nana parou por um segundo, franzindo o cenho. — Qual era
mesmo o nome?
— Possante — completei e sorri.
Já tinha ouvido aquela história uma centena de vezes.
— Sim, e os quatro ficaram pendurados pelo guindaste,
dentro do carro, antes de ele ser desmontado.
— Eu juro que não consigo imaginar o papai nessa furada
— confessei.
— Ah, mas eu consigo. Ele com certeza estava discutindo
com o meu pai, que teve a brilhante ideia.
— Faz sentido — concordei.
Ayana voltou a falar de suas experiências de voo e de como
o tio Jota amava contar as histórias da época em que ele, meu pai,
tio Thiago e Júnior jogavam juntos. Meu pai costumava dizer que
aquela foi a melhor e também a pior época de suas vidas. A melhor
porque todos encontraram o amor, e a pior pelas dificuldades que
enfrentaram.
Quando nossos pais nos ligaram pela manhã avisando que
o jatinho foi autorizado a decolar, bem no momento em que Nana e
eu estávamos prestes a transar, quase não acreditei que falavam
mesmo sério. Aquilo soava como uma intervenção divina, destino,
ou seja lá o que comande a ordem dessas eventualidades.
Se não fosse por aquela chamada, nós dois ainda
estaríamos na cama agora e, depois de como as coisas se
desenrolaram ao acordarmos, eu estava mesmo disposto a
apresentá-la a todas as fantasias sujas que tinha reservado esse
tempo todo apenas para ela.
Já havia gozado na cueca só por tê-la se contorcendo pelos
meus comandos, o que era vergonhoso, pois aquilo não acontecia
desde os meus 14 anos, e agora eu parecia a porra de um
adolescente incapaz de controlar o próprio pau.
Sim, depois dali eu estava determinado a me afundar dentro
dela e seria insano, mas então veio a ligação e logo em seguida a
correria, as malas, o checkout e o aeroporto. Desde então, não
tínhamos falado uma palavra sequer sobre que aconteceu e talvez
devesse ser mesmo dessa forma.
Talvez realmente houvesse limites imaginários que eu não
podia sequer ter cogitado ultrapassar, e a intervenção da nossa
família deixou isso claro.
— Igor? — ela me chamou com a voz incerta e só então
percebi que estava um pouco fora do ar. — Está me ouvindo ainda?
— Sim, claro! — respondi, me endireitando na poltrona.
— E o que eu falei?
— Que está louca para pegar um sol e sua bunda
provavelmente vai te agradecer depois disso. — Pisquei, só então
me dando conta do sentido das palavras.
— Você não está pensando em fugir e se esconder como
ontem, está? — Inclinou a cabeça para o lado, arqueando as
sobrancelhas e franzindo o cenho.
— Eu não fugi — neguei, inclinando o pescoço para trás.
— Não? — Ayana parecia duvidar de mim agora.
— Você disse que eu precisava de um tempo sozinho. —
Lembrei, caso ela já tivesse esquecido.
Nana bufou, voltando a se recostar na poltrona.
— Juro que fiquei esperando você voltar segundos depois e
dizer que se arrependia de ter interrompido nosso beijo — falou,
olhando fixamente para frente. — Acho que esse é um dos meus
problemas: eu crio grandes expectativas e acabo frustrada.
— Quem te falou que não me arrependi? — questionei,
ganhando seu olhar curioso de volta.
Fiquei cada segundo fora pensando em como queria que
aquilo tivesse acontecido em outra circunstância, uma em que eu
estivesse pronto para viver um romance com ela.
— Você ficou fora por um tempão, eu achei que... — Nana
parou, com uma dúvida impressa na expressão facial.
— Que...?
— Achei que tivesse forçado demais a barra com você, não
sei...
— Não vamos voltar pra esse assunto — alertei. — Mas
precisamos falar dessa sua mania de assumir responsabilidades
que não são suas.
— Não se trata disso. — Esquivou-se, tentando contrapor
uma característica muito forte que eu já tinha notado. — Você mal
me tocou nas duas vezes que nos beijamos, nem mesmo durante o
orgasmo que me deu essa manhã.
— Estou tentando estabelecer um limite aqui, e a cada
segundo isso fica mais complicado.
— Você não pode tentar impor limites enquanto me manda
abrir as pernas e me masturba, Igor.
Olhei ao redor das poltronas vazias, checando se a
comissária não estava por perto, seria péssimo discutir na frente da
moça, porém, por sorte, estávamos sozinhos.
— Tudo bem. — Suspirei. Talvez a parte mais complicada
dos relacionamentos fosse os embates, as discussões não-
programadas. Eu adorava conversar, mas detestava ser o causador
de discussões, e isso parecia muito com uma.
— Vai precisar deixar muito claro para mim o que te
incomoda, Nana. Acordei com você gemendo enquanto se
esfregava em mim, preferiria que eu tivesse saído da cama e te
deixado excitada e sozinha?
— Eu preferiria que você tivesse feito mais do que sussurrar
ordens no meu ouvido.
Soltei uma risada, que era sincera, no entanto, também
continha uma pontinha de sarcasmo.
— Você adorou as minhas ordens sussurradas, Ayana.
Ela poderia estar brava nesse momento, mas não antes
enquanto se contorcia nos meus braços.
— Você é um cretino. — Acusou, cruzando os braços na
altura dos seios.
— Tudo bem. — Concordei, ficando quieto, e aquilo pareceu
ter a deixado furiosa.
— Sabe de uma coisa... — A mulher se levantou, deu um
passo e parou, ficando de frente para mim. — Você pode ficar em
cima desse seu muro imaginário o quanto quiser e continuar
fingindo que não tem nada rolando entre nós, mas eu estou
oficialmente pulando fora.
Ao dizer isso, ela se afastou, indo sentar-se em uma
poltrona na outra extremidade.
— Nana... — chamei seu nome como um apelo
condescendente e ela apenas me ignorou, mexendo em uma tela
disponível em sua frente e colocando os fones no ouvido.
Fiquei um tempo a observando enquanto ela me ignorava
com maestria. Quando cansei, reclinei a poltrona e fechei os olhos
para tentar descansar um pouco, mas minha mente se recusava a
parar.
Eu deveria saber que uma hora ou outra algo assim
aconteceria e confesso que foi até mais cedo do que imaginei, mais
uma certeza de que as coisas entre nós não poderiam evoluir, nem
deveriam ter chegado a tanto, na verdade.
Foram longas horas de voo, onde tentei ver um filme, ler um
livro, ouvir música, e até tentei tirar um cochilo, mas nada conseguia
obter meu foco. Nas últimas horas de viagem, acabei me
contentando em observar Nana adormecida. O headset ainda
estava parcialmente em seu ouvido, seu cabelo agora estava
desarrumado e tão lindo quanto antes. A respiração muito tranquila
e o rosto tão angelical que se tornava quase impossível desviar o
olhar.
Ela não havia mudado muito desde a adolescência,
continuava tão perfeita que meu coração chegava a saltar só de
olhá-la.
O que era tão irônico quanto perigoso.
Nós dois juntos jamais daríamos certo. Não quando o
passado se recusava a me deixar seguir em frente, muito menos
quando ela era a única pessoa no mundo que não arriscaria
magoar.
Desde Clarissa, a percepção de que eu só machucava as
pessoas continuava muito forte em mim. Coloquei-a naquela
situação tão deplorável, sem nem mesmo ter ideia do que acontecia
ali conosco. Talvez aquele sentimento não fosse embora nunca e, a
cada vez que eu tentasse dar certo com alguém, ele me perseguiria.
A comissária se aproximou, me instruindo a endireitar a
poltrona e a apertar os cintos, pois estávamos perto de pousar, logo
depois ela acordou Ayana com delicadeza e a instruiu a fazer a
mesma coisa. Quando a moça saiu, me levantei e sentei ao lado de
Nana, apertando meu cinto e deixando minha mão entre nós, com a
palma virada para cima. Já sabia do seu “incômodo” por aviões, e
que ela sempre ficou ao lado de alguém quando viajamos juntos,
normalmente seus pais ou um de seus irmãos.
Ela não disse nada, e eu também não, apenas esperei.
Estaria aqui para ela se quisesse, e por um momento achei que não
aceitaria, contudo, quando começamos a descer, Nana trouxe sua
mão até a minha e apertou.
Quis entender o motivo do meu alívio.
Eu gostava de ser dessa forma, de ser um porto-seguro, um
ponto de alívio e um lugar para morar, mas isso já destruiu alguém
antes.
Minha intenção nunca foi ter qualquer parceira
emocionalmente dependente de mim. Considerava-me um homem
comum, cheio de defeitos igual a qualquer outro, porém me
esforçava para ler leal, justo e suficiente, entretanto, não para ser o
sol de alguém. E foi isso que me tornei para a minha ex-noiva. Ela
costumava dizer que eu era o seu sol e depois de muito tempo
descobri que o mundo dela girava ao meu redor.
O que começou com um relacionamento cheio de
cumplicidade e amor, tornou-se uma prisão para nós dois, muito
difícil de sair. Não que eu planejasse deixá-la, mas as coisas saíram
do controle a ponto de eu precisar impor limites.
Meus amigos tentaram me alertar de uma forma menos
agressiva. Miguel chegou a perguntar várias vezes se eu havia
notado algo; Turrinha também falou que nada naquilo era saudável,
mas eu estava cego. Tão cego que, quando notei a proporção dos
nossos problemas, era tarde demais.
— Obrigada! — Nana agradeceu quando o avião já estava
taxiando na pista.
— Não por isso — falei, meneando a cabeça.
Era esse o momento. Depois de um longo tempo eu veria
minha família e meus amigos. Temia desabar outra vez quando
começassem a tentar me ausentar da culpa e preciso confessar que
também havia o medo de aceitar esse julgamento.
O medo de continuar no passado se assemelhava muito ao
de seguir em frente.
Capítulo 09 — Igor Reis

 
Nana e eu saímos do avião direto para o calor de Freeport,
nos livramos dos casacos pesados e arrastamos nossas malas para
dentro do aeroporto.
Depois de sermos liberados pela imigração, encontramos
nossos pais nos aguardando na saída, ambos encostados em um
SUV preto e com as pernas cruzadas na altura do calcanhar.
Enquanto Tio Jota falava e gesticulava animadamente sobre
algum assunto, papai mantinha os braços cruzados e o olhar
escondido por trás de seus óculos pretos no estilo aviador. Quando
Nana os avistou, ela apressou o passo e começou a quase correr
em direção a eles.
Abri um sorriso largo quando meu pai me viu, tirando os
óculos e sorrindo com os olhos à medida que eu me aproximava.
Abri um sorriso largo para o meu pai, que refletia a felicidade
de revê-lo. Ele tirou os óculos escuros estilo aviador e, com um
olhar radiante, retribuiu o meu sorriso à medida que eu me
aproximava.
— Minha princesa! — Tio Jota abriu os braços para sua
filha.
— Papai! — Nana se encaixou em um abraço cheio de
saudade e afeto.
Aproximei-me de maneira silenciosa e abracei meu pai, que
fez questão de dizer o quanto estava feliz em me ver antes de me
soltar. Senti uma enorme nostalgia dentro daquele abraço e uma
conexão profunda com o Igor menino, que via o pai como um herói e
queria seguir todos os seus passos.
E quem me dera ser ao menos metade do homem que seu
Arthur é.
Papai me largou e então tio Jota me puxou:
— Que bom ver você inteiro, garoto! — Dessa vez não foi
preciso me sentir uma criança, já que o velho bagunçou meu cabelo
como se eu fosse um moleque, mesmo sendo um pouco mais alto
do que ele.
Sabia que essa não era nem uma amostra de todos os
abraços que teria que dar ou receber. Minha mãe e irmãs também
me encheriam de abraços, e perguntas. Porém, diferente do que
pensei, não estava nem um pouco arrependido de ter vindo.
Depois de guardar a minha bagagem no porta-malas, e tio
Jota colocar a de Nana, nós dois nos acomodamos no banco de trás
do carro, enquanto papai assumia o volante com seu amigo ao lado.
Os dois engataram em uma conversa animada sobre os planos para
o churrasco que seria em breve. Tentei acompanhar a conversa,
mas vez ou outra minha atenção era desviada para a mulher
sentada ao meu lado, que observava o dia através da janela.
— Vocês estão muito quietos. — Tio Jota olhou para trás
pelo espaço entre os bancos, alternando o olhar entre mim e Ayana.
— Só estou cansada, papai. — Nana esticou os lábios
fechados em um sorriso.
— Na ilha tem muito lugar ótimo para descansar,
Pocahontas, eu só não aconselho as redes, minha coluna não
aprovou. — Sorri quando o tio fez careta, levando a mão para atrás
das costas.
— Ele fala isso porque tá velho — papai provocou, sem tirar
a atenção do trânsito.
— Você esquece que é três anos mais velho do que eu,
papito.
— Que porra é essa de papito?
— Não sei, gostei de como soa.
— Agora fodeu! — Meu pai fechou a expressão, voltando o
olhar para a estrada.
De um lado, o mar azul claro parecia quase uma pintura; do
outro, havia uma vegetação densa e muito verde. O lugar era um
paraíso.
— Por onde você andou, Macedinho?
— Estava em Copenhagen antes de ir para Barcelona.
— Lugar bonito, fui lá com a Bela quando comemoramos
dez anos juntos. Temos fotos lindas no Tivoli.
— A decoração de Natal desse ano foi maravilhosa, a
cidade estava lotada de gente, mas chegou a fazer zero graus —
comentei.
Ele e papai começaram uma outra conversa, agora sobre as
melhores e mais bonitas cidades para passar as festas, mas que
eram tão frias quanto belas. Os velhos também amavam viajar.
Após quinze minutos de estrada, paramos em uma marina.
Colocamos nossas malas na popa da lancha antes de meu pai e tio
Jota se enfiaram dentro da cabine. Pulei para dentro do barco e dei
a mão para Nana, que tinha uma careta assustada no rosto.
— Você tem medo de navegar também? — abri um sorriso
irônico, questionando-a.
— Quando o papai e o tio Turra são os pilotos? Sim, tenho!
Olhei para o lado, vendo a porta da cabine aberta enquanto
os dois coroas conversavam algo sobre os controles.
— Relaxa, tem salva-vidas ali. — Sorri mais, estendendo
meu braço para incentivá-la a aceitar ajuda. — E eu sei nadar.
— Não brinca com isso, idiota! — Nana repreendeu e
mesmo assim pegou minha mão e pulou para dentro,
desequilibrando-se um pouco no processo.
— Te peguei! — falei, segurando seu corpo contra o meu
para impedi-la de cair.
— Obrigada. — Olhou para cima, deixando nossos rostos
bem próximos.
Parei por um segundo, admirando a mulher corada e com os
cabelos esvoaçados dentro do meu abraço. Ela estava corada e
linda sob o sol. Tive vontade de me inclinar, deixar um selinho
naqueles lábios deliciosos e sorrir para ela, dizendo de forma
silenciosa que não precisava me agradecer por uma coisa tão
pequena, mas ganharia um beijo sempre que fizesse, no entanto,
aquela não era nossa realidade.
Soltei-a devagar e peguei um dos coletes salva-vidas para
oferecê-la.
— Não precisa. — Afastou-se, dando passos incertos pela
lancha que não era tão grande assim, pelo menos não o suficiente
para ela, que parecia querer uma certa distância de mim.
Lembrei-me de suas palavras no avião e preferi ir para a
proa ficar um pouco sozinho. Lidar com a indiferença de Ayana
neste momento era o menor dos problemas, comparado a me
envolver com ela.
Em poucas semanas estaria na Europa outra vez e ela no
Rio de Janeiro, nos falaríamos apenas em ocasiões como essa, ou
aniversários, festas talvez, já que eu não pretendia voltar a morar no
Rio sob quaisquer circunstâncias.
Tudo voltaria a ser como antes e Ayana seria uma bela
lembrança da minha infância e adolescência outra vez.
Capítulo 10 — Ayana Klein

 
Sentei-me no banco e segurei firme no guarda-corpo
quando começamos a acelerar, nos distanciando da marina. Não
tinha medo de navegar, de fato, mas pilotar era um hobby que papai
e tio Turra tinham adquirido recentemente. Eles podiam ser muito
bons ou muito ruins, não tinha como prever. É uma experiência
parecida com estar viajando de carro com um recém habilitado:
você tenta confiar, mas não tira os olhos da estrada. A diferença é
que aqui não havia estrada. Só água.
Inclinei um pouco o pescoço e olhei para a frente da lancha,
vendo Igor sentado, com os joelhos dobrados e os braços apoiados
sobre eles. Acho que essa situação já havia nos confundido além do
necessário. Ele não queria se entregar, e eu não me contentaria
com migalhas. Não que planejasse manter um relacionamento
longo, me casar vestida de noiva e ter cinco filhos. Eu levo sexo
casual numa boa, contudo, o fato de nem ao menos querer me tocar
já dizia muito sobre ele.
Então, não! Jamais imploraria, e não ficaria aqui para fazer
parte desse joguinho estranho. E mesmo que me sentisse atraída
por ele o tempo inteiro, não tinha responsabilidade em consertar
ninguém, muito menos acreditava em toda essa “magia do amor”
que cura as pessoas.
— Cadê o Igor? — Desviei meu olhar para tio Arthur, parado
na porta da cabine.
Ergui o queixo e o apontei para frente do barco. Com dois
passos, tio Turra estava olhando pelo corredor. Ele suspirou e
balançou a cabeça de um lado para o outro de forma discreta, mas
foi impossível não notar.
— Como foram esses dias com ele, princesinha? — Ergui as
duas sobrancelhas quando ele se virou para mim.
— É... — Desviei o olhar por um segundo. — Foi tranquilo,
tio.
— Jura? — indagou dando uns passos para frente até estar
sentado ao meu lado no banco. — Ele não tentou ficar sozinho ou
afastar você? Se ele chegou a ser rude, pode me dizer, Nana.
— Não! — neguei rapidamente. — O Igor foi ótimo, me
levou àquele restaurante que você gosta, que fica no terraço de um
prédio.
Ele também me deu um orgasmo e alguns beijos, mas não
era algo possível de ser compartilhado.
Tio Arthur baixou a guarda um pouco e relaxou a postura,
parecendo aliviado.
— Já os levei nesse restaurante mesmo, a comida é ótima e
a vista linda. — Ele abriu um sorriso pequeno, deixando os vincos
nas laterais dos olhos mais evidentes. — Igor teve uma fase
bastante depressiva e não deixava ninguém se aproximar. Ivana e
eu chegamos a viajar para encontrá-lo e ele nos mandou embora.
No outro dia, fez check-out no hotel em que estava ficando e
desapareceu por algumas semanas.
Aquela informação era nova para mim, eu sabia de parte da
história, mas pelo visto não tudo.
— Ele parece mais leve agora, tio — falei, tentando
tranquilizá-lo. — Não posso te garantir que ele está bem, mas não
foi desagradável comigo em momento algum.
Pelo menos não até eu o pedir um beijo.
— Fico muito feliz em ouvir isso, princesa — disse e se
levantou. — Vou lá ficar de olho no seu pai para ele não nos
afundar. — Piscou pra mim, falando um pouco mais alto do que
antes.
— Eu ouvi isso, seu merda! — Papai gritou de dentro da
cabine.
Eu tinha me esquecido do quanto tê-los juntos era divertido,
a coisa toda conseguia ficar ainda melhor quando se juntavam com
o tio TH e o tio Júnior.
Não demorou para começarmos a nos aproximar de uma
ilha. Consegui ver um casarão enorme e moderno, além de muita
vegetação atrás dele. À medida que nos aproximávamos, camas,
redes, coqueiros e espreguiçadeiras ficavam mais evidentes. Dos
lados e atrás de mim havia apenas água, fazendo com que a
imagem da ilha ali, no meio do nada, se tornasse mais
extraordinária.
Papai acelerou a lancha pela lateral, parando em uma
pequena marina, onde tinham mais três embarcações de tipos e
tamanhos variados.
— O acesso aqui é apenas de barco ou helicóptero, tem um
heliporto atrás da casa. — Papai me explicou da porta da cabine,
com certeza deve ter visto minha expressão embasbacada.
— Uau! — foi a única coisa que consegui dizer.
— Nós nos superamos dessa vez. — Tio Turra se juntou a
ele oferecendo a palma da mão para meu pai bater.
— Deixa só o Mascotinho ver isso. — Papai rebateu com um
sorriso irônico.
— Thiago também vai gostar... ou não! — Tio Turra deu de
ombros, dizendo.
— Do que os senhores estão falando? — perguntei,
franzindo o cenho.
— Nada — papai foi o primeiro a responder, desviando o
olhar.
— É, nada!
Cerrei as pálpebras, desconfiada do que eles tinham
aprontado, mas deixei pra lá quando Igor juntou-se a nós. Peguei
minha bolsa e aceitei a ajuda do meu pai para sair do barco,
enquanto Igor e tio Turra descarregavam as malas e mais alguns
suprimentos que trouxeram de Freeport.
Os próximos minutos se tornaram uma confusão de gritos,
beijos, abraços, mãos e muito carinho da minha família. Meu
coração chegou perto de explodir de tanto amor e alegria. Chorei
abraçada com a minha mãe, que não via desde que me visitou há
quase um ano e meio. Zuzu quase não largava o meu pescoço e eu
finalmente pude conhecer minha sobrinha mais nova, a Ariel.
— Mais um pouco e você só a conhecia no ensino médio. —
Noah zombou, carregando a bebezona em um dos braços.
Quase mostrei o dedo do meio para ele, mas, antes que o
fizesse, Noé arregalou os olhos, negando rápido com a cabeça e
olhando na direção de Aurora.
— Qualquer sinal feio e palavrão que você solta ao lado das
crianças é menos cinquenta reais — explicou baixinho. — Eu já nem
tenho mais aposentadoria.
Gargalhei, estendendo os dois braços na direção de Ariel.
— Vem com a titia, princesa! — chamei, reproduzindo
aquela voz boba que fazíamos para falar com crianças ou animais
de estimação.
— Mamãe! — A pequena começou a chorar, debatendo-se
para sair dos meus braços.
Fiz uma careta engraçada e a coloquei no chão, para que a
menininha corresse até as pernas da mãe.
— Daqui a pouco ela se acostuma — Rory falou, erguendo
Ariel no colo enquanto caminhava na minha direção. — Vamos falar
com sua titia, meu amor.
— Tudo bem, mana. — Sorri, tranquilizando-a.
Eu falei com a bebê algumas vezes por chamadas de vídeo,
acho que em breve iria lembrar-se de mim. De qualquer forma,
agora que voltaria a morar no Brasil, ficaria mais perto dos meus
sobrinhos. Ser tia viraria um hobby, eu tinha certeza.
— Nana! — Jasmine gritou, correndo em minha direção com
os cabelos enrolados em uma toalha.
Abri os braços e a girei no ar, como ela gostava quando era
criança.
— Oi, caçulinha! — A apertei forte nos meus braços.
Ela já era adulta e uma mulher casada, mas nunca deixaria
de ser a minha irmãzinha mais nova.
— Eu fui tomar banho, não achei que vocês fossem chegar
tão rápido — falou, se desculpando por não ter me recebido.
Mamãe nos chamou para dentro e minhas irmãs e eu fomos
caminhando e conversando pela grama. Procurei Igor de forma
discreta com os olhos, o vendo mais afastado, conversando com tio
Júnior, Gabi, tio Turra, Tia Ivana e Iara, que ainda estava abraçada
ao irmão.
Acabei abrindo um sorriso bobo, pois era bom ver a família
reunida novamente. A dele e a minha também.
Agora que estávamos aqui na ilha, cercados por tantas
pessoas, não haveria mais brechas para qualquer tipo de
envolvimento entre nós, além disso, eu estava dando início a uma
nova etapa da minha vida e não poderia permitir que ninguém
ficasse no meu caminho.
Tudo que aconteceu em Barcelona ficou para trás.
Capítulo 11 — Igor Reis

Perdi tanto tempo preocupado em não reabrir antigas feridas


que não levei em consideração o quanto estar ao lado da minha
família me faria bem.
No fim das contas, Nana tinha razão quando falou que me
isolar das pessoas, acima de tudo das que amo, não me trazia
benefício nenhum. Eu podia ter essa certeza agora, com meus
braços por cima do ombro de Iara e o dela do redor da minha
cintura, o olhar feliz da mamãe sobre mim, enquanto Gabi
tagarelava sobre alguma coisa que nem me forcei a entender.
Eu só conseguia sentir a paz do momento.
Eles eram tão especiais...
— Cadê o Turrinha e a Manu? — perguntei, interrompendo a
minha irmã, já que não tinha os visto por aqui desde que cheguei.
— Turrinha subiu para tomar banho — Júnior explicou. — A
Mine está na cozinha com a Nana, acho que ele já deve estar
descendo. A Manu tinha ido dar uma volta com o Eric.
— Vem, mano — Iara se afastou de mim e pegou minha
mão no ar, começando a me puxar —, vou te mostrar a casa. — Ela
piscou para mamãe e eu olhei para trás, sorrindo para dona Ivana
que parecia radiante.
Seguimos pelo caminho de pedras até passarmos pelas
portas duplas da sala de estar. O lugar era bonito e enorme, de
longe, na lancha, parecia mais uma miragem, contudo, de perto era
ainda mais impressionante. Minha irmã tagarelou pelo caminho
inteiro sobre a sala de jantar enorme, a sala de TV e a biblioteca.
Entramos na cozinha, onde tia Virgínia estava reunida com
todas as filhas, tia Bianca e as gêmeas, todas numa conversa
animada.
— Igor! — Tia Virgínia me chamou, sem deixar que eu
passasse despercebido. — Estava tão emocionada com a chegada
da Nana que acabei nem falando com você.
Iara me soltou, dando a volta na bancada para falar com
Ayana. As duas se abraçaram e eu quis parar para prestar atenção,
porém tia Virginia ainda esperava minha resposta.
— Sem problemas, tia. — Dei-lhe um sorriso simpático e
avancei para abraçá-la.
Tia Bianca também se aproximou para me cumprimentar,
dizendo o quanto era bom que eu estivesse de volta. Embora já
tivesse ouvido isso muitas vezes desde a minha chegada, sentia o
mesmo. Era realmente bom estar de volta.
— Sentimos sua falta, garoto! — falou e se afastou.
Tia Virgínia entrou na minha frente outra vez, estreitando os
olhos.
— Se sumir outra vez, juro que dou um jeito de infernizar
sua vida, entendeu?
Gargalhei sob sua mudança repentina de tom.
— Entendido, tia!
Eu não duvidava de que ela fizesse mesmo isso. Minha mãe
podia até ser brava, do tipo que você tem medo de confrontar, mas
a tia Virgínia escondia toda sua autoridade por trás daquele olhar
meigo.
— Não vi o tio Thiago, onde ele está? — perguntei para tia
Bianca.
— Tem um parquinho atrás da casa — disse ao apontar. —
Ele está brincando com os meninos. Quer ir até lá? — perguntou, já
acenando a mão para me chamar. — Eu te levo.
— Vou terminar o tour com a Iara e já saio para vê-lo.
— Vocês também devem estar com fome, não é? — Tia
Virgínia olhou de mim para Nana, me fazendo seguir seu olhar. —
Almoçamos agora pouco e a comida ainda deve estar quente.
Posso pedir para colocar a mesa para vocês, se quiserem.
Estava pronto para recusar. Tinha me servido de petiscos no
avião, mas Ayana dormiu uma boa parte da viagem e, pelo que
observei nos últimos dias, ela costumava negligenciar a alimentação
quase sempre.
— Claro, tia. Nana e eu não comemos no avião — falei,
desviando minha atenção para a mulher linda, que ergueu uma das
sobrancelhas bem-feitas para mim.
— Eu dormi boa parte da viagem — Nana explicou, quando
sua mãe a olhou.
— Então está resolvido, os dois vão almoçar.
— Só preciso tomar um banho primeiro — expliquei e ela
acenou com a cabeça.
— Também quero um. — Nana pulou da banqueta, falando.
— Alguém sabe em que lugar o papai colocou a minha mala?
— Deve ter colocado no seu quarto — Zuri falou, já se
levantando para acompanhar a irmã. — Eu te mostro onde é, mana.
Olhei para Iara, esperando que ela fizesse o mesmo, e pela
primeira vez notei o olhar interrogativo da minha irmã sobre mim.
— Você me mostra onde vou ficar? — pedi.
— Ou posso deixar você olhar de porta em porta até
encontrar algum desocupado — falou, desafiando-me com aquele
jeito dela, que meu pai costumava chamar de “lado Macedão” em
homenagem a mamãe.
— Você não faria isso, Macedão.
Estávamos prestes a sair da cozinha quando Miguel entrou.
— Alguém viu a Yas... — O cara que costumava ser o
melhor amigo da minha ex-noiva parou, arregalando os olhos ao me
ver. — Porra, cara!
— É bom ver você também, seu puto! — Sorri,
cumprimentando-o da mesma forma que fazia no passado, mesmo
que não nos falássemos desde que saí do Rio.
— Quando me disseram que você vinha juro que não
acreditei. — Miguel se aproximou e me abraçou, deixando tapinhas
nas minhas costas. — Eu senti sua falta, seu idiota de merda.
— Também senti a sua, cara!
Miguel foi a pessoa que abandonei da forma mais injusta
possível, pois, enquanto eu perdia a noiva em uma situação trágica,
ele perdia a melhor amiga. Clarissa e ele fizeram residência juntos
em um centro de traumatologia e depois passaram a trabalhar no
mesmo hospital.
— Você sabe o que é um telefone, porra? — O reencontro
emocionante havia terminado, pelo visto. — Poderia ter atendido as
minhas ligações ou ao menos respondido às minhas mensagens.
Inferno, Igor, custava ter um pouco de consideração?
— Não vou discutir com você agora, Miguel — falei firme, ao
mesmo tempo que olhava ao redor.
Todas as mulheres na cozinha nos observavam, algumas
desconfortáveis, outras um pouco espantadas; Iara quase implorava
com os olhos para que Miguel parasse, e Nana estava o olhar triste
e um beicinho nos lábios que me deixou preso ali por mais tempo do
que deveria.
Suspirei e baixei os ombros.
— Podemos conversar mais tarde? — perguntei de forma
mais branda. — Vou tomar um banho rápido e almoçar, te procuro
depois.
— Tudo bem — ele soou mais calmo também. — Vou estar
aqui.
Acenei e olhei para Iara. Minha irmã entendeu e se
aproximou, guiando-me para fora do cômodo e paralelamente a
conversa voltava ao normal por lá.
— Você sabe que não precisa falar com ele, né? — Iara
questionou, quando já estávamos subindo as escadas. — Se não
estiver confortável para voltar nisso...
— Tá tudo bem, marrentinha. — Sorri, a chamando pelo
apelido que usava quando éramos adolescentes. — O Miguel
merece essa conversa, e confesso que eu também.
— Tudo bem.
Subimos dois lances de escada e entramos em um corredor,
minha mala e as de Ayana estavam no início dele, assim como a
minha mochila e a bolsa dela. Peguei meus pertences e segui atrás
da minha irmã.
— Os quartos desse andar são um pouco menores e as
camas são de solteiro — minha irmã explicou, apontando para a
primeira porta ao passarmos por ela. — Zuri está nesse aqui — Deu
alguns passos e apontou para mais uma, do outro lado do corredor.
— Eu estou nesse e o Kostas no fim do corredor.
— Kostas? — questionei, ao não reconhecer o nome.
— É o novo treinador do Blues. Ele é legal. — Quando não
respondi, Iara parou em frente a outra porta. — Esse e aquele estão
vagos, mas esse dá pra ver melhor o mar.
— Está ótimo.
— Os quartos não são suítes nesse andar. Nosso banheiro
fica ali. — Ela me mostrou, antes de entrar no cômodo e abrir
espaço para mim.
Iara se jogou na minha cama e eu apoiei minha mala na
cômoda que tinha ali para pegar roupas limpas.
— Vou te esperar aqui — ela falou, deitando-se de bruços e
apoiando a bochecha no antebraço.
Aquela era a posição de dormir dela, em menos de cinco
minutos Iara estaria cochilando, por isso pouco importava se eu
fosse demorar ou não.
Iara e eu moramos na casa dos nossos pais até bem depois
de adultos, só saí de lá quando fui morar com a Clarissa; na época,
minha irmã havia decidido morar com o seu namorado, agora ex.
Sempre fomos muito parceiros em tudo e acho que conhecíamos as
manias um do outro melhor do que ninguém.
Se eu não me policiasse aqui, logo Iara notaria meus
olhares para a Ayana, pois não adiantava desmentir que eu já a
olhava diferente a essa altura.
Capítulo 12 — Ayana Klein

 
Eu esperava poder subir para conhecer meu quarto e
aproveitar para tomar um banho, porém, Eric, Manu e o papai
entraram pela porta da cozinha dois minutos depois de Igor subir.
Nos reunimos do lado de fora junto com todo mundo, um
som alto foi ligado, as bebidas apareceram e a festa começou.
Estava mesmo os achando quietos demais.
Trouxe meu almoço para o lado de fora e fiquei em uma
mesa no canto observando a todos: tio Júnior na churrasqueira,
fingindo que vez ou outra não esquecia da carne e a deixava
queimar. Papai puxando a mamãe para um samba em um canto, tia
Ivana dançando enquanto tio Turra observava, pois ele era um
desastre dançando.
Tio Thiago apareceu um tempo depois, de mãos dadas com
Thiago e João, meus sobrinhos gêmeos que já estavam enormes.
Noah apareceu, entregou Ariel nos braços de Tia Bianca e
chamou os filhos, correndo e se jogando com eles na piscina sob os
gritos de Aurora, perguntando se o marido havia ficado louco.
Dei risada, vendo como minha irmã havia se tornado uma
ótima mãe. Era tão bom estar aqui, não importava o lugar em que
estivéssemos, eles eram meu lar.
Estava na metade da minha refeição quando Igor apareceu,
segurando uma bandeja nas mãos.
— Não consegui te esperar — falei, sem me desculpar, já
que ele havia demorado.
— Tudo bem. Acabei demorando mais um pouco para deixar
Iara aproveitar um cochilo. — Colocou a refeição sobre a mesa,
sentando-se de frente para mim.
Dei uma breve olhada ao redor, vendo parte da nossa
família olhar na direção dele. Seus pais, Turrinha, tio TH... Eles não
encaravam de forma rude, mas não sei se Igor ficaria confortável ao
notar.
— É bom estar de volta? — perguntei por curiosidade.
Tinha presenciado sua interação na cozinha com Miguel.
Não podia escolher um lado e julgar quem estava certo ou errado na
situação, entretanto, senti pena dos dois, pois sabia que a ex-noiva
de Igor era melhor amiga de Miguel. Os dois sofreram uma grande
perda e eu nem podia imaginar como se sentiam.
— É bom — falou, terminando de mastigar sua primeira
garfada. — Melhor do que imaginei, confesso.
— Fico feliz — Sorri.
— Você estava certa, afinal.
— Sim, estar sempre certa é um fardo que eu carrego —
Suspirei dramaticamente e Igor gargalhou.
Desviei a atenção por um segundo, vendo tia Ivana e Iara se
encarando com os olhos mais abertos e um meio sorriso nos lábios.
Voltamos a comer por alguns minutos, até eu acabar de me
alimentar. Igor encostou os talheres no prato e estalou os dedos das
mãos, enquanto me olhava.
— Achei que você estivesse brava.
— E eu estava. Mas já tentei passar mais de cinco minutos
com raiva de você e nunca funcionou. — Ele abriu outro daqueles
sorrisos raros e genuínos que ficavam bonitos demais em seu rosto.
— Isso é bom.
Não sabia se realmente era. Eu tinha uma facilidade imensa
em cortar pessoas da minha vida, podia até discordar, discutir, dar
as chances que fossem, no entanto, quando alguém errava comigo,
costumava ser apenas uma vez.
— Bom pra você — concordei. — Vou subir para pôr um
biquíni — Arrastei a cadeira para trás, mas, antes de me levantar,
precisei deixar mais um comentário sobre o assunto anterior. — Eu
não culpo você pelo que aconteceu. Nesse caso, pelo que nem
chegou a acontecer. Não vou ficar brava, nem fingir que você não
existe, porém, como você mesmo citou outra vez: eu mereço mais
do que beijos interrompidos e ordens sussurradas no ouvido.
Afastei-me antes que ele respondesse, pois nem
deveríamos estar tendo essa conversa aqui sob o olhar de tanta
gente.
Se Igor fosse esperto, faria o mesmo que eu estava
tentando fazer e fingiria que nada daquilo aconteceu em Barcelona.
IGOR

Meu padrinho veio falar comigo alguns minutos depois de


Nana sair da mesa. Tio Thiago sentou-se na minha frente e me
olhou com o rosto sério.
— Como você está, garoto?
Garoto, moleque, Macedinho... eles sempre me chamavam
assim, era engraçado ser chamado de garoto aos trinta anos.
— Tudo bem, padrinho.
— Já deve imaginar poque estou aqui, não é? — Fitou-me
daquela forma séria, que precedia um sermão. Era assim desde
sempre.
— Claro. — Acenei, crispando os lábios e esperando o que
vinha pela frente.
— Seus pais estão pisando em ovos pra falar com você,
mas acho que não tenho nada a perder se disser umas boas
verdades na sua cara. — Ele deu uma longa pausa, olhando para
mim e cerrando as pálpebras.
Fiquei preocupado, já que ele parecia paralisado.
— Tio?
— Não acabei — avisou, colocando as mãos uma por cima
da outra sobre a mesa para continuar. — Vou tentar não ser rude
com você, mas também não irei fingir que entendo sua decisão
estúpida de abandonar sua família, ignorar seus pais, seus amigos e
toda a vida que construiu antes de conhecer a Clarissa.
Esse era exatamente o tipo de conversa da qual fugi por
todo esse tempo e queria fazer exatamente isso agora ao sentir a
dor começar a me apertar de dentro para fora. O dia não seria tão
fácil quanto imaginei, pelo visto.
— Se fosse o Mascotinho aqui, ele teria mais empatia. O
João Paulo com certeza estaria chorando com você nos primeiros
cinco minutos. E o Turra seria paciente e te aconselharia como pai.
Ele que deveria estar aqui, mas, pela primeira vez em muito tempo,
seu pai está com medo de te dizer as coisas erradas, ele teme que
você corra e se esconda outra vez.
“Está na hora de parar, Igor. Não posso entender o que você
está sentindo, porém eu sei o que nós temos sentido desde que
você se isolou. Não tem um dia em que eu, sua madrinha, seus tios
ou seus pais não tenhamos nos preocupado com você.”
— Sinto muito por isso, padrinho — falei, verdadeiramente
arrependido.
— Não sinta. Mude. – Ele cruzou os braços na altura do
peitoral forte. – Recomece.
— Foi difícil — falei, deixando a sensação de tristeza e
pesar entrar, mas não queria que aquele sentimento permanecesse
aqui dentro, por isso desabafei. — Parar depois da tragédia e ver o
quanto eu tinha errado. As coisas poderiam ter sido diferentes, tio...
— Mas não foram e é agora que você aprende. Acha que
nenhum de nós teve que recomeçar antes? — Meu padrinho
colocou um dos braços para trás da cadeira, ficando meio de lado e
olhando ao redor do quintal. — Sua madrinha foi assediada várias
vezes por um chefe escroto que teve no jornal e precisou esconder
isso para não ser julgada como profissional.
Abri a boca para dizer alguma coisa, mesmo sem saber o
que responder quanto aquilo, mas ele não parou para me dar tempo
de fazê-lo.
— Seu pai tinha uma noiva, que engravidou do empresário
dele na época. A mídia expôs isso para o mundo inteiro na mesma
semana que a mãe da Bibi faleceu. Ela só tinha dez anos, na época.
— Nossa. Eu não sabia disso. — Balancei a cabeça, um
pouco chocado.
Sabia do contexto da história, não desses detalhes
dolorosos.
— Claro que não. Seu pai detesta voltar a esse assunto,
mas, ele seguiu em frente. Criou a Gabi sozinho depois disso,
trabalhou bastante, conheceu sua mãe... que, por falar nisso, foi
drogada e abusada por um árbitro com quem trabalhava
— Como é? — quase rosnei, me inclinando para frente.
— Chocante, não é? — Meu padrinho meneou a cabeça,
como se não tivesse me enchido de informações terríveis.
Meu cérebro parecia querer explodir agora.
— Chocante? — perguntei, já alterado. — Você está me
dizendo que a minha mãe...
Ele me interrompeu antes que eu terminasse a frase.
— Sim, eu estou dizendo que todos nós tivemos que passar
por um momento de merda. Mas ninguém desistiu.
Meu rosto começou a esquentar com o nervosismo
misturado à raiva que a informação me causou.
— Relaxa, Igor. Sua mãe está bem, ela se vingou, o
desgraçado morreu na cadeia e isso passou.
— Tem noção do que acabou de me dizer? É a minha mãe...
— Sim, eu sei. Depois disso ela e seu pai se aproximaram,
inclusive, ele a ajudou a destruir o filho da puta, eles ficaram juntos
e alguns anos depois você nasceu. Foi doloroso para ela, tão
vergonhoso que demorou um tempo até que conseguisse falar
sobre o assunto, porém a Ivana está aqui, você está aqui, sua irmã
está aqui.
— Tudo bem, eu já entendi — falei, sentindo meu humor
bem pior do que estava quando ele se sentou perto de mim.
— Espero que sim. Acredite quando digo que não queria ser
o cara a expor a intimidade dos outros assim, mas você precisava
desse choque de realidade.
— Desses choques, o senhor quer dizer.
— Sim. Seu relacionamento foi problemático do início ao
fim, você errou, ela errou, faltava um mês para o seu casamento e
tudo desmoronou. Não é uma história feliz, porém não é o fim da
sua vida. Lide com isso.
Acenei.
— É isso. Se quiser conversar, sabe que estou e estarei
sempre aqui — disse, se levantando e dando a volta na mesa. —
Agora você vai me dar um abraço como se eu não tivesse
desenterrado a parte obscura do passado de metade da família para
você. E no lugar de te dar uma lição, ter possivelmente gerado outro
trauma.
Não consegui evitar o riso com a última frase. Aquele era o
jeito dele, afinal de contas.
— Tudo bem, padrinho. Obrigado por ter falado. — Agradeci
antes de aceitar o seu abraço.
Foi difícil de ouvir, contudo, também imagino que não era
nada fácil falar sobre aquilo, e mesmo assim ele estava aqui.
Eu fingia que não notava os olhares preocupados.
Da última vez que estive no mesmo lugar que eles, surtei a
ponto de pedir a morte. Ninguém sabia lidar comigo, muito menos o
que esperar. Quando eu sumi não foi só por culpa, havia vergonha
também, mas eles eram minha família e, apesar de tudo, nunca
desistiram.
Capítulo 13 — Igor Reis

 
A ilha não era tão pequena quanto parecia de longe e não
seria um problema se eu precisasse de um tempo sozinho, no
entanto, a minha vontade era de estar ali com minha família e aquilo
se intensificou após Ayana voltar.
Os cabelos, que antes estavam presos por um coque, agora
voavam livres em todas as direções quando ela passou pelas portas
duplas da sala. Seu corpo bem desenhado estava coberto apenas
pelo biquíni vermelho e a saia curta que usava.
Linda. Linda pra caralho.
— É só travar os dentes — Minha irmã apareceu atrás de
mim, falando.
— O quê? — Olhei sobre o ombro com as sobrancelhas
franzidas.
— Quando não conseguir segurar o seu queixo caído, é só
travar os dentes. — Ela estava zombando de mim, a peste.
— Meu queixo está onde deveria.
— Uhum! — desdenhou, franzindo os lábios. — Você tá
quase babando e olhando apenas em uma direção. — Iara se
aproximou mais e arrastou uma cadeira até o meu lado, sentando-
se. — Eu achei que sua paixonite tivesse ficado no passado. — A
infeliz sorriu.
— E ficou — falei, olhando para todos os lugares, menos
para Nana, o que era uma tarefa bem difícil agora.
Tio JP aumentou o som, puxando Zuri e Ayana para
sambarem com ele bem no meio do jardim dando um verdadeiro
show para quem estivesse olhando. Nana saiu rebolando do lugar e
puxou Aurora e mamãe para a festa. Gabi foi a próxima, Júnior foi
logo depois e levou minha madrinha junto.
— Ficou? — Iara voltou a perguntar minutos depois, quando
eu já nem lembrava mais do que estávamos falando.
Precisei me concentrar ao máximo para tirar a atenção da
rodinha de pagode e voltar ao assunto.
— Ela é linda, sabia? Olhar não significa que quero alguma
coisa. — Tentei soar indiferente.
Nunca olhei para nenhuma das meninas com outros olhos,
Aurora, Zuri, Yasmin, Milena... eram todas parte da minha família.
Jasmine nasceu quando eu tinha quase dez anos, na minha
adolescência ela ainda era uma criança. Além disso, o Turrinha
sempre foi apaixonado pela pirralha. Mas com Ayana sempre foi um
pouco diferente, sempre houve uma atração ali, mas precisou ser
desconsiderada.
— Tá bom. — Iara deu de ombros. — Já conversou com a
mamãe? — perguntou, mudando de um assunto ruim para um não
muito melhor.
— Acho que tenho que acertar as contas com muita gente,
não é?
— Combinamos de não tornar isso um grande evento, mas
você deveria ao menos dizer que estava com saudades, sabe? Ela
é durona, porém tiveram noites que sequer dormiu por sua causa.
Cocei a barba, memorizando mais esse motivo para me
sentir um merda.
— As palavras “sinto” e “muito” na mesma frase já estão
perdendo o sentindo pra mim — confidenciei a uma das únicas
pessoas que sabia que não iria me jugar. — Eu me sinto mal por
tudo isso, mas fiz o que achei ser melhor naquele momento. Por que
ninguém entende?
— Porque não envolveu só você ou os seus sentimentos,
irmão.
— Eu não podia ficar ali e fingir que estava tudo bem. Meu
apartamento está cheio de caixas com convites, decorações de
casamento, planos, você sabe... Se hoje eu nem sei como vou
encarar aquilo tudo, nem consigo imaginar como me sentiria há um
ano, no meio daquela confusão.
Suspirei, engolindo o nó que se formou na minha garganta.
Ainda tinha tanto com que eu precisava lidar.
— Eu limpei seu apartamento. — Inclinei o pescoço um
pouco para o lado e baixei a cabeça quando senti a umidade se
formar nos meus olhos. — Achei que mamãe e papai te
convenceriam a voltar para casa e tirei tudo de lá. Cássia levou as
roupas da irmã e todos os outros pertences dela.
Apertei os olhos e balancei a cabeça.
— Obrigado. — Não sabia se estava mais triste ou aliviado.
— Não tem o que me agradecer, Igor, e como já falei:
também não se sinta mal por suas decisões. Entendo o sentimento
da mamãe o do papai por terem você longe naquela fase difícil, e eu
também fiquei mal a ponto de me oferecer para ficar com você,
lembra? — ela falou e eu acenei com a cabeça. — Mas você é um
homem adulto que tomou uma decisão. Não foi nada saudável se
isolar dessa forma depois de um momento difícil, porém foi o seu
modo de reagir. Não dá para querer administrar como todos a sua
volta vão se sentir pela forma como você resolve viver.
— Você é boa nisso, doutora — falei, orgulhoso da minha
irmã médica superinteligente.
— Estou sendo sua irmã, seu abusado. Sou neuropsicóloga
infantil e você nem tem mais idade para ser meu paciente.
— Mas você é ótima com os adultos também, incluindo os
que não marcam consultas.
— Eu sei, sou muito boa mesmo, concordo. — Ela se gabou
e eu sorri.
O clima mudou outra vez, levando embora um pouco do
meu sentimento ruim.
O dia estava sendo como um turbilhão de emoções,
passando de feliz e leve a triste e melancólico em um piscar. No
entanto, era necessário lidar com isso, até porque, em algum
momento eu teria que passar por todas as conversas, pedir todas as
desculpas e arcar com as consequências.
A música continuou a tocar e de forma inconsciente voltei a
atenção para o meio do jardim. Uma canção mais animada havia
começado e Nana parecia radiante, sorrindo enquanto aprendia
uma coreografia com as irmãs. Até tio Jota entrou no meio,
reproduzindo a dancinha do TikTok.
Iara e eu demos risada do lugar e tio Thiago apareceu com
o celular, filmando tudo.

Anoiteceu com aquele clima de festa na ilha. Entrei na


piscina com minha irmã e meu pai e começamos a jogar vôlei
aquático junto com Noah. Kostas, Miguel, Eric, Tio Thiago, mamãe e
tia Bianca se juntaram a nós um pouco depois. Foi tão divertido que
nem vimos a hora passar.
— Acho que vou subir para dormir — falei para ninguém em
particular e todos ao mesmo tempo.
— Já, filho? — mamãe perguntou.
— Sim. O dia foi cansativo hoje.
— Verdade — dona Ivana concordou, meneando a cabeça.
— Precisa de alguma coisa?
— Só de um abraço. — Sorri e me ergui do chão de grama
sintética, me aproximando dela e passando os braços ao redor da
minha heroína. — Senti muito sua falta, mãe. — disse, enquanto ela
ainda me apertava pela cintura.
— Também, meu filho.
Quando me afastei, ela parecia emocionada, e... droga,
aquele abraço tinha sido o melhor de todos que já recebi em muito
tempo.
Cumprimentei a todos com um aceno distante, alguns já
bêbados, outros nem tinham começado ainda. Olhei diretamente
para Ayana, que ouvia algo de Jasmine enquanto me observava.
— Boa noite — falei baixinho, contando com sua habilidade
em leitura labial e ela apenas acenou com a cabeça, desviando os
olhos no segundo seguinte.
Afastei-me de todos e entrei na casa, começando a subir as
escadas.
— Igor! — virei de lado, alarmado ao ouvir a voz de
Turrinha.
Não tínhamos nos falado ainda, apesar de termos nos visto.
Ele parecia chateado, e eu estava tão cansado de pedir desculpas
que o deixei passar, amanhã seria outro dia.
— Oi.
— Como você está? — Deu alguns passos para frente,
apoiando um braço no fim do corrimão.
Turrinha é filho de Gabi, minha irmã mais velha. Ele é,
teoricamente, meu sobrinho, mas nunca foi assim entre nós. Eu o
trato como primo e somos amigos desde sempre.
— Estou bem agora. — falei a verdade, e aquilo foi mais
libertador do que imaginei. — E você?
— Senti sua falta, cara — disse, ignorando minha pergunta.
— Eu também, Turrinha.
Achei que fosse dizer mais alguma coisa, mas ele apenas
acenou, virando as costas e saindo para o quintal.
Terminei de subir as escadas e entrei no meu quarto.
Trocando a roupa ainda úmida e me acomodando na cama, que
talvez coubesse apenas meu corpo de forma confortável. Porém, eu
estava tão em paz que não demorou até que o sono me levasse.

Acordei encharcado de suor e meio desnorteado. Olhei ao


redor do quarto desconhecido, envolto na penumbra da luz que
entrava pela janela e, de repente, lembrei-me.
Não havia sido um sonho.
As coisas tinham acontecido tão rapidamente, mas tudo
tinha sido real. O voo longo, a nossa chegada, a recepção calorosa,
os abraços e as conversas.
Me sentei e desbloqueei o celular. Já passava das três da
manhã, e eu havia deitado muito cedo. Na verdade, nem sei como
aguentei tantas horas sem dormir. Talvez pela adrenalina de estar
outra vez com minha família, meu cérebro se recusou a desligar.
Levantei-me e espiei pela janela, vendo tudo calmo no
jardim, todos deveriam estar dormindo a essa hora, contudo, eu já
sentia fome, vontade de urinar e muita sede.
Acendi as luzes e peguei a necessaire em cima da mala. Saí
para o corredor de portas todas iguais e fiquei alguns segundos de
frente para uma delas, com dúvidas se era mesmo a entrada correta
para o banheiro que, por sorte, acertei.
Cuidei das minhas necessidades, escovei os dentes e, ao
voltar para o quarto, coloquei uma camisa. Não me preocupei em
abotoá-la antes de sair, dessa vez em direção às escadas.
A sala estava clara, pois alguém havia esquecido uma
luminária ligada no canto, talvez tenha sido a mesma pessoa que
deixou o cobertor jogado no sofá.
Segui a passos silenciosos para a cozinha e me admirei ao
ver Nana sentada, com as costas apoiadas na bancada, olhando
fixamente para o lado de fora enquanto segurava de forma
displicente uma colher.
A porta da varanda estava entreaberta e as luzes de fora
dispensavam a própria iluminação da cozinha, e assim eu conseguia
vê-la muito bem. Desci mais os olhos, notando o pote de doce de
leite sobre a bancada ao lado de seu corpo.
Pelo visto eu não era o único a ter problemas com os
horários por aqui.
Nana se moveu, levando a colher até os lábios e passando
a língua pela guloseima de maneira despreocupada. Meu pau
pulsou, porém, fiz o possível para continuar parado e invisível. Não
queria assustá-la, mas também não queria interromper aquela cena.
Fiquei mais alguns segundos ali, observando-a em silêncio:
como os cabelos negros caíam sobre seus ombros e o corpo
esbelto se moldava ao pijama preto de bichinhos. A forma como se
vestia para dormir era engraçada e sensual. Não sabia como
conseguia mesclar duas características tão distintas, mas Ayana o
fazia muito bem.
— Oi — falei baixinho, torcendo para não a alarmar.
Nana virou o pescoço rápido, olhando para mim sobre o
ombro e relaxando ao ver que era eu.
— Te assustei? — perguntei, me aproximando devagar.
— Um pouco. Não achei que houvesse alguém acordado —
ela disse, voltando a levar a colher até a boca.
— Não consegue dormir?
Andei até a geladeira e tirei uma jarra com água de dentro.
— Eu dormi por algumas horas, mas depois acordei. Acho
que é essa loucura de um país para outro.
— Sim, com certeza é isso — concordei, servindo o líquido
no copo. —Quer? — ofereci e ela acenou em positivo.
Peguei outro copo e o enchi também, arrastando pelo
balcão na direção em que estava.
Enquanto tomava o líquido, lembranças de Barcelona
retornaram à minha mente. Eu fazendo cafuné para ela conseguir
descansar, nós dois acordando abraçados horas depois. Ayana
deve achar que não notei a forma rápida como saiu dos meus
braços, mas notei. Preferi não comentar nada, pois estava com a
porra do pau duro, e era vergonhoso para mim estar naquela
situação com ela, por isso fingi que não havia percebido.
Em três dias tanta coisa aconteceu, tanta coisa mudou, que
se tornava confuso de assimilar.
Ao notar que eu havia ficado tanto tempo quieto, Nana virou
para mim, balançando a colher no ar.
— Quer? — perguntou.
Não respondi, apenas me aproximei dela. Meus desejos
ficavam muito perigosos quando ficava perto assim, era assustador
e gostoso ao mesmo tempo. Inclinei um pouco meu pescoço e abri a
boca sobre a colher, enquanto ela ainda a segurava. Demorei
alguns segundos, mas consegui limpar todo o doce com a língua
antes de me afastar para saborear.
Fechei os olhos e emiti um som lascivo, sentindo o sabor na
minha língua. Aquele era o meu favorito, doce de leite com geleia de
ameixas, e fazia muito tempo desde que comi pela última vez.
— Você acertou nesse, Nana. É meu preferido.
Para o meu total desespero, a mulher na minha frente
lambeu os lábios, quase ao mesmo tempo em que descia o olhar
pelo meu peitoral parcialmente exposto por conta da camisa aberta.
Meu sangue esquentou e a pulsação acelerou devido àquele olhar
lento e cheio de intenções.
O peito de Nana subiu e desceu rápido também, me
mostrando que eu não era o único a experimentar aquela sensação
de antecipação no ar.
O seu olhar voltou a encontrar o meu, carregado de
provocações, expectativa e promessas não ditas. Encarei-a de volta,
cheio de desejo e uma necessidade absurda de senti-la contra mim
novamente e de estar dentro dela dessa vez, contudo, a dúvida
ainda continuava ali, pequena, quase imperceptível, mas ainda tinha
seu lugar.
A bailarina deve ter notado o meu impasse, pois, franziu os
lábios e esticou o braço para pegar o pote de doce, mas, não
desviou a atenção de mim enquanto fazia movimentos automáticos
com a colher dentro do pote de vidro. Em seu olhar havia um misto
de desafio e petulância, como se ela me incitasse a tomar uma
decisão.
Quando voltou a passar devagar a língua pela guloseima,
me perdi de vez, tomando aquela porra de sua mão e colocando
com força na bancada ao mesmo tempo que segurava forte em sua
nuca com uma das minhas mãos.
A clima no cômodo mudou, carregado de pura energia
sexual e por um instante nada se ouvia além das nossas
respirações compassadas, no entanto, se olhares falassem, o dela
me diria todos os desejos sujos que passavam por sua mente
naquele momento.
Era meu fim, eu sabia.
Desse ponto, eu não conseguiria mais voltar atrás. Não
havia mais como resistir à vontade insana de beijar aquela boca e
permitir que o tesão gritasse com a razão, obrigando-a a se calar.
E eu a beijei, sentindo meu corpo formigar com todas as
sensações que eu evitava. A calma se esvaiu e minha fome por ela,
que tinha sido enterrada por todos esses anos voltou com uma força
absurda.
Nana abriu a boca, dando passagem para a minha língua e
trazendo a sua para me encontrar, me fazendo gemer ao
experimentar o gosto de sua língua melada e adocicada que tornava
o beijo ainda mais gostoso e quente. Um som quase obsceno
deixou sua garganta e arrepiou meu corpo inteiro, ao passo que ela
me agarrava pelos ombros, cravando as unhas diretamente na
minha pele e puxando meu corpo para si.
Usei uma das mãos para me apoiar na bancada e segurei
sua perna com a outra, a puxando de forma displicente para mais
perto de mim e me encaixando entre suas coxas para me inclinar
sobre ela. Quase a engoli naquele beijo violento e sem controle,
mas não parecia o suficiente.
Queria mais, queria seu calor, seus gemidos, seus tremores
de prazer quando a fizesse gozar outra vez.
Agarrei sua cintura por dentro da blusa, sentindo a pele
quente e macia aquecendo minha palma.
— Igor... — Ayana afastou os lábios dos meus por um
segundo, me chamando com a voz rouca.
— Agora não. — Apertei-a, colando seus seios contra o meu
peitoral e levando os lábios até seu pescoço.
Seu cheiro gostoso me desnorteava, mas as sensações que
minha língua causava em sua pele conseguiam me desestabilizar
de tal forma que nada na minha cabeça fazia mais sentido. Mas,
continuei chupando e lambendo-a, sentindo os pequenos espasmos
e arrepios contínuos que provocava em seu corpo.
Ela era tão sensível e receptiva. Gostosa pra caralho.
Capítulo 14 — Igor Reis

 
— E se alguém entrar? — Nana parou um segundo para
perguntar e eu me afastei, olhando para seu rosto, procurando
algum receio ou arrependimento ali, no entanto, ela parecia apenas
excitada.
— A ideia de ser flagrada gemendo enquanto eu passo a
língua pelo seu corpo te assusta... — Pausei, testando sua reação
antes de continuar: — ou excita?
Ela abriu um sorriso lento e sensual, prendendo a pontinha
do lábio inferior com os dentes.
Como imaginei, apesar do medo envolvido, o perigo também
contribuía com o momento, tornando-o mais excitante.
— Você fode com a minha cabeça, porra! — falei, um tanto
perturbado, antes de voltar a beijá-la com força.
O jeito que respondia a mim e ao meu beijo, me dando
acesso ao seu corpo, derretendo-se nos meus braços enquanto eu
parecia prestes a devorá-la, era enlouquecedor.
Nana passou as mãos pelos meus ombros arrastando minha
camisa, até que estivesse escorregando por meus braços. Tirei
minhas mãos dela por um segundo para deixar o tecido cair, mas
não demorei a voltar.
Um som baixo e rouco de satisfação saiu da minha garganta
quando suas unhas passearam por meus ombros, costas e
desceram por minha lombar.
No início era apenas uma carícia gostosa, ao passo que
continuávamos explorando a boca um do outro, excitados, buscando
mais proximidade do que o possível. Em um determinado momento,
seus gemidos foram ficando mais intensos, e suas unhas já não
acariciavam mais, elas se arrastavam com uma força dolorosa em
meu couro. Apertei os dentes sobre seu lábio inferior como forma de
protesto, contudo, em vez de reclamar, Nana se contorceu,
arquejando, pedindo por mais.
Meu pau latejou em resposta. Ela gostava de brincar e eu a
mostraria o quanto era bom naquilo.
Segurei firme sua nuca com uma das mãos e enfiei a outra
por dentro de seu short, agarrando a bunda nua com a mão inteira,
à medida que minha boca se abria ainda mais sobre a sua. Éramos
apenas nós dois ali entre arquejos, línguas e lábios, toques ousados
e um tesão fodido, que arrancava a minha capacidade de raciocinar.
Ergui seu corpo com apenas uma das mãos e Nana soltou
um gritinho estrangulado, apoiando-se em meus ombros para
equilibrar o corpo. Coloquei-a sentada sobre a bancada e tirei o
banco da frente, voltando a me encaixar entre suas pernas.
— Vou te provar inteira agora — avisei, antes puxar a parte
da frente de sua blusinha para baixo e enfiar o rosto entre seus
seios, beijando tudo ali, até que meus lábios estivessem sobre o
mamilo ereto.
O som que saiu de sua boca quando a suguei ali pela
primeira vez talvez ficasse para sempre se repetindo em minha
mente, em um loop infinito, de tão sensual que era. E o gosto dela
me atiçava, obrigando-me a mamar cada vez mais duro enquanto a
mulher arqueava as costas, oferecendo-se inteira para mim.
Alisei suas pernas nuas com as duas mãos de uma vez,
esquentando a pele, construindo a expectativa de tocá-la. Tive
vontade de deixar tapas naquelas coxas gostosas, contudo, os
estalos chamariam atenção para o que estávamos fazendo. Apesar
que os gemidos de Nana já faziam muito bem esse papel.
Fechei os dentes de leve ao redor de seu bico sem a
intenção de machucar, esperava que ela fosse gostar, só não
contava com o seu pedido:
— Mais forte! — Nana pediu com a voz afetada, subindo
uma das mãos para agarrar firme em meu cabelo.
— Você quer foder duro, gostosa? — perguntei admirado,
louco por aquela descoberta.
— Faz o que quiser comigo, Igor, só não seja gentil agora.
Não pude responder. O que eu diria? Que ela era perfeita
pra caralho?
Mordi mais forte como pediu e depois lambi, ouvindo o
barulho de seus dentes trincando à medida que se esforçava para
não gritar.
Meu pau pulsava louco dentro da boxer, estava tão duro que
me causava agonia. Nós dois precisávamos da atenção dela ali,
mas minha cabeça fodida só queria continuar ouvindo aqueles sons
produzidos por Nana, enquanto eu estimulava seu corpo.
Lambi mais seus seios e subi uma das mãos por sua coxa,
alcançando a barra do short, que não serviu de obstáculo para que
eu a enfiasse ali, e então foi a minha vez de gemer contra sua pele,
sentindo a boceta molhada e livre, pois ela não havia vestido sequer
uma calcinha.
— Porra, Ayana! — me afastei para dizer, com a voz rouca e
entrecortada.
Fiz com que ela se inclinasse e lambi seu pescoço e colo,
passando os dedos pela carne quente e melada de sua vulva.
— Quero seus dedos dentro de mim — ela falou, jogando o
pescoço para trás, ao passo que eu brincava com sua entrada,
Afastei a boca de seu corpo para olhá-la, apreciando a
forma como ficava linda quando estava entregue a mim.
Dei-lhe esperanças de afundar meus dedos em seu canal,
porém não o fiz, subindo-os de volta para seu clitóris. Nana apoiou
as duas mãos atrás de si e rebolou, procurando por mais atrito, no
entanto, meu toque continuou como uma carícia leve, nada que a
possibilitasse gozar, ao menos não por enquanto.
Abri mais suas pernas e me inclinei, beijando a parte de
dentro das coxas antes de colocar seu short para o lado de modo
que eu pudesse ver a boceta brilhando pela lubrificação. Impaciente,
meti meu rosto inteiro entre as pernas dela, sentindo o gosto doce
em minha língua conforme a explorava.
Chupei sua boceta como se não existisse nada mais
saboroso no mundo inteiro, e talvez não houvesse mesmo. Não
naquele momento. Seus gritinhos estrangulados se tornaram uma
música insana e sensual para os meus ouvidos, entretanto,
consegui uma centelha de consciência para me atentar em tapar
sua boca com minha mão para abafar o barulho.
Tentava mantê-la no lugar com um dos braços, mas Ayana
não parecia disposta a ficar quieta, impulsionando o quadril em
direção à minha boca enquanto arquejava contra a palma da minha
mão. Quando contornei a língua ao redor do nervo pulsante, ela
perdeu de vez o controle, deitando as costas na bancada, abrindo
mais as pernas para mim e enroscando os dedos em meus fios para
forçar minha cabeça contra si, ao passo que tentava erguer a
bunda.
Endireitei a postura, não aguentando mais aquela tortura,
mesmo que fosse deliciosa. Abri o botão da bermuda e estiquei os
lábios em um sorriso quando Nana bufou um som de insatisfação.
Ela queria gozar, mas só faria isso quando estivesse totalmente
preenchida por mim.
Antes que a mulher ainda insatisfeita e teimosa resolvesse
pular da bancada, pensando que poderia tomar as rédeas da
situação, a puxei em um impulso, colocando-a sobre seus próprios
pés antes de virá-la de costas para mim e terminar de tirar minha
roupa. Chutei minha bermuda e masturbei meu pau devagar,
sentindo uma urgência que nunca experimentei antes.
Eu gostava de sexo lento, porém intenso. Preferia torturar
minha parceira até que estivesse lânguida e louca para receber o
meu pau, mas com ela eu tinha pressa, mesmo não querendo que o
momento terminasse, eu não queria mais esperar nem um segundo
para tê-la.
Quando subi o olhar, Nana estava com o queixo apoiado no
ombro, me observando com o olhar guloso.
— Empina essa bunda gostosa pra mim, gostosa— Mal
reconheci minha própria voz ao ordenar.
— Porra, achei que você nunca fosse pedir — ela disse,
antes de apoiar os cotovelos na bancada e ficar na ponta dos pés
com o quadril projetado em minha direção.
Me acariciei, enquanto tirava um segundo para olhar a
perfeição que era a mulher. Segurei na lateral de sua bunda com
uma das mãos, afastando o short que eu não queria tirar. Ela ficava
gostosa pra caralho com aquele baby doll curtinho, despertando os
meus desejos mais sujos.
Me aproximei e pincelei minha glande por sua vulva,
gemendo pelo atrito quente dos nossos sexos. Queria muito
conseguir prolongar o momento, sentir prazer em cada pedacinho
de seu corpo, no entanto, já não aguentava mais me segurar.
Trinquei os dentes, fazendo um tremendo esforço para não a
penetrar de vez e causar algum desconforto.
Deixei o ar escapar com força, sentindo seus músculos me
envolverem à medida que nossos sexos se encaixavam pouco a
pouco, entretanto, a mulher impaciente se moveu, rebolando e
engolindo todo o meu pau de uma vez.
Foi a minha vez de gemer alto, me dando conta do quanto
sentia falta daquele contato íntimo. Da eletricidade correndo pelas
veias, do sangue quente e dos arrepios pelo corpo. Era foda pra
caralho! E o fato de ser Nana ali, levava-me ao limite do prazer.
— Isso! — chiei, louco ao ver meu pau se perdendo dentro
dela quando movia o quadril. — Rebola em mim, Nana. Rebola pra
mim.
Levei uma das mãos até seus cabelos e agarrei um
punhado deles, fazendo com que seu corpo se curvasse mais
conforme puxava sua cabeça para trás. Queria tanto ver seu rosto,
sua expressão tomada de prazer enquanto a penetrava por trás,
porém, ao mesmo tempo, não tinha coragem de sair daqui. Não
agora.
Abri a boca sem consegui parar de grunhir ao sentir seu
canal me esmagando ao mesmo tempo que ela rebolava gostoso, e
aquela visão de sua bunda mexendo contra mim era o paraíso.
— Ayana! — chamei alarmado, sentindo como se todo meu
sangue tivesse se acumulado na minha pelve.
Apertei seu quadril com uma das mãos, tentando conter um
pouco seu movimento frenético, porém ela não estava disposta a
parar. Chiei ao vê-la levar uma de suas mãos até o meio de suas
pernas para se tocar. Sua boceta contraiu, me apertando e soltando,
fazendo com que meu membro tocasse quase todos os lugares
dentro dela ao mesmo tempo.
— Porra, Ayana! — protestei mais alto, tentando fazer com
que ela maneirasse um pouco, ou eu não aguentaria mais do que
alguns segundos daquela forma. — Espera! — pedi, puxando o ar
com dificuldade e projetando o quadril para trás para sair de dentro
dela.
Agi rápido, virando seu corpo de frente para o meu em um
impulso e fazendo com que suas pernas abraçassem meu quadril.
Precisou apenas de um ajuste pequeno para que meu pau estivesse
dentro dela novamente, contudo, diferente de antes, eu tinha um
pouco mais de controle agora.
Beijei-a com força, segurando firme dos dois lados de sua
bunda, que cabiam perfeitamente na palma da minha mão.
Tudo sobre Ayana parecia projetado para se encaixar em
mim.
A apertei, impulsionando nossos quadris na direção um do
outro, engolindo os choramingos que ela soltava sempre que eu
chegava até o fundo.
Ajoelhei-me no chão, trazendo seu corpo comigo na mesma
posição e me sentei sobre meus próprios calcanhares,
acomodando-a em meu colo. Podia sentir toda sua boceta se
esfregar contra meu púbis enquanto mantinha meu pau enterrado
dentro dela. Pelo menos daquela forma meu acesso à sua boca,
pescoço e seios era ilimitado e eu me aproveitei daquilo, fazendo o
possível para me distrair do meu orgasmo prestes a se libertar.
— Goza, Ayana — sussurrei ao pé do seu ouvido, sabendo
exatamente todos os efeitos que aquele ato causava nela. — Goza
com meu cacete todo enterrado na sua boceta.
Voltei a beijar sua boca conforme nossos gemidos altos se
misturavam um ao outro e eu me derramava dentro dela, usando
uma das minhas mãos para ajudá-la a quicar em mim e segurando
firme em seu cabelo com a outra.
O pior de tudo é que, mesmo esporrando em seu canal, não
queria parar. Sentia-me pronto para recomeçar tudo mais uma vez,
e outra, e talvez mais algumas, todavia, Ayana havia relaxado em
meus braços.
NANA

— Você acha mesmo que acabou? — Minha pulsação


voltou a acelerar quando ouvi a voz de Igor próxima ao meu ouvido.
Ele ficou de joelhos comigo ainda em seu colo e deitou
minhas costas no chão com um cuidado até um pouco gracioso
demais para a situação. Ergui-me um pouco, sentindo o piso
extremamente gelado embaixo de mim.
— Aqui — falou, forrando sua própria camisa no chão. Não
era confortável, mas serviria para o propósito. — Você quer ir para o
meu quarto? — perguntou, impulsionando o quadril para me
penetrar outra vez.
Podia sentir sêmen escorrendo pela minha boceta e pernas,
misturando-se com minha própria excitação e aquilo era gostoso pra
caralho.
— Você quer acordar a casa inteira? — indaguei com a voz
entrecortada, abrindo mais as pernas para acomodá-lo. — Se sim,
podemos subir agora.
Igor sorriu de lado de uma maneira muito sensual e
flexionou os braços, dobrando-os ao lado da minha cabeça para se
aproximar.
— Tenho formas bem interessantes de te manter quietinha
— Seu rosto estava em paralelo com o meu e sua língua saiu para
lamber meu lábio inferior. — Quer experimentar, Ayana? — Seu
nariz se esfregou contra o meu de uma forma muito sexy, porém ele
não me beijou. — Eu posso calar a sua boca com minha mão ou até
mesmo com a sua própria blusa.
Era tentador demais, no entanto, naquele momento eu só
queria que ele se movesse para meter com força em mim. Precisava
daquilo agora, por isso tomei a iniciativa e o beijei, usando a força
do calcanhar para impulsionar minha pelve contra a dele.
Igor mordeu meu lábio inferior antes de endireitar a postura,
apoiando-se apenas nos próprios joelhos.
— Você não tem ideia do quanto fica linda assim, Ayana. —
Começou a mexer o quadril em um ritmo cadenciado, que parecia
muito com um rebolado sensual na posição em que eu estava. —
Toda aberta pra mim — ele continuou falando, levando um pouco
mais da minha sanidade em cada palavra. — Levando meu pau
inteiro, até o limite.
— Mete rápido — Eu estava implorando. — Mais. Por favor!
— Levei minhas mãos até meus seios, esfregando os mamilos com
os dedos, usando a série de estímulos para me satisfazer.
Pelo olhar que ele me deu, sabia que estava gostando da
vista, contudo, a minha era muito melhor daqui.
A foda se tornou frenética. Forte. Insana.
As estocadas que ele me dava faziam com que meu corpo
deslizasse pelo piso liso ao passo que nossos gemidos se
misturavam pelo ambiente, juntando-se ao som molhado de cada
golpe do seu pau em minha boceta.
Em um determinado momento, meus tornozelos foram
erguidos e eu pude sentir seu membro mais fundo dentro de mim,
quase causando dor pelo tamanho exagerado, entretanto, apesar do
frenesi do momento, ele foi gentil, estimulando meu clitóris com o
polegar até que meu corpo voltasse a se convulsionar em um
orgasmo muito mais potente que o anterior.
Só então Igor deixou o controle se esvair, me aprisionando
entre o chão e seus braços enquanto se afundava em mim de
maneira violenta. Foi impossível não gozar outra vez enquanto ele
se perdia no próprio orgasmo, produzindo um som animalesco bem
próximo ao meu ouvido, pois já conhecia um dos meus pontos
fracos, talvez até mais de um.
Ficamos quietos, ainda no chão, seu corpo protegendo o
meu da brisa fresca que entrava pela fresta da porta, enquanto
nossas respirações voltavam ao normal. Passamos minutos ali, ele
com a testa encostada no porcelanato e sustentando o peso do
corpo com os braços, e eu não sabia bem o que fazer. Na verdade,
após a onda passar, comecei a temer que Igor surtasse, da mesma
forma que aconteceu em Barcelona, no entanto, ele começou a rir.
Fiquei alarmada, sem saber o motivo daquela histeria
repentina.
— Essa foi a melhor foda da minha vida — ele declarou,
erguendo o pescoço para me fitar.
Estreitei os olhos, não acreditando naquele papo furado pós-
sexo carregado de serotonina.
— Entrou para o meu top 5 — Dei de ombros, me
esforçando para soar indiferente.
Foi muito bom, mas não conseguia parar para comparar
nada disso agora.
Igor sorriu outra vez. Era um belo sorriso de dentes
alinhados, exceto pelos caninos que se sobressaíam de um jeito
fofo. Ele deveria sorrir dessa forma mais vezes.
— Vou te comer até me tornar seu top 1, Ayana.
Ele sabia muito bem o que dizer a uma mulher, e meu
sangue voltou a esquentar ao ouvir sua promessa suja.
— Cuidado com as promessas, querido. — alertei, erguendo
meu corpo e me apoiando em meus cotovelos. — Você pode
precisar passar muito tempo tentando cumpri-las.
— É um desafio? — questionou, cerrando as pálpebras.
— Entenda como um aviso. — Estiquei os lábios, não
conseguindo conter o meu próprio sorriso.
— Se na minha primeira vez já estou entre os cinco
melhores, acho que estou indo bem. — Dizendo aquilo, Igor saiu de
dentro de mim.
Tão autoconfiante...
Gostoso do caralho!
— Nana — Igor parou de joelhos com o olhar fixo em algo à
sua frente, me chamando um pouco alarmado.
Olhei ao redor confusa, achando que alguém havia nos
flagrado ou algo pior.
— O que houve? — Olhei para ele, assustada.
— Gozei dentro de você duas vezes — seus olhos
arregalaram-se e seu peito passou a subir e descer rápido. —
Merda, merda! Eu nem pensei...
— Tenho um implante — Falei, mais tranquila agora. — Não
transo há séculos e, mesmo assim, nunca fiz sem camisinha.
Bailarinas grávidas são praticamente bailarinas desempregadas.
— Nossa, é sério? — Franziu o cenho, parecendo surpreso.
— Sim, faz um tempão que não saio com ninguém. — Dei
de ombros.
— Não, Nana. — Ele soltou uma risada curta. — Sobre ficar
desempregada em caso de gravidez. Isso é legal?
— O ballet clássico tem um padrão rigoroso. Por mais que
hoje em dia muito se fale sobre quebrar esses estereótipos, já vi
meninas talentosas e novas serem dispensadas da companhia após
a gravidez, até mesmo durante.
— Isso é horrível— ele falou, fazendo uma careta.
— A indústria é cruel, Igor — afirmei, um pouco ressentida
também pelo que havia rolado comigo.
— Sinto muito — disse, me ajudando a ficar de joelhos e
levantando-se junto comigo. — Não transo há pouco mais de um
ano, não tenho exames recentes, mas sei que estou limpo.
Me calei. Sabia que comentar ou perguntar algo nos levaria
à sua ex-noiva, e eu não queria trazer isso à tona agora.
Endireitei meu short e cobri meus seios, notando que ele
apenas afastou minhas roupas, sequer chegou a tirá-las.
— Você tem algum fetiche em foder com pessoas vestidas?
— questionei curiosa, mudando de assunto.
— Eu gosto de te ver meio vestida. — Puxou a cueca e
bermuda para cima de uma vez, ajeitando-as em seu corpo. —
Principalmente se for um desses pijaminhas engraçados que você
usa.
— Eles não são engraçados — Coloquei as mãos em minha
cintura, fingindo estar brava. — São confortáveis.
Igor recolheu a camisa do chão e jogou sobre o ombro,
dando alguns passos até chegar em minha frente.
— Se por confortáveis você quer dizer acessíveis —
Colocou os braços ao meu redor, me induzindo a erguer os meus
para seu pescoço —, então sim, eles são muito confortáveis.
— Você é meio cretino às vezes, sabia? — Deixei um
selinho em seus lábios, fazendo-o sorrir.
— Da última vez que chequei, você adorava essa minha
característica.
— Também precisamos falar sobre esse seu lado
presunçoso, Igor — Tentei me desvencilhar do seu abraço, porém
ele intensificou o aperto sobre mim.
— Você também pode me beijar em vez de questionar as
minhas qualidades. — Abriu aquele sorriso irresistível outra vez e eu
molhei os lábios, me preparando para receber os dele.
Queria que aquele não fosse o beijo mais gostoso que eu já
havia provado, e também continuaria fingindo que não havia
possibilidade de me viciar neles.
Capítulo 15 — Igor Reis

Acabamos os dois na minha cama que, de acordo com


Ayana, não era muito maior do que a que tinha em seu quarto, mas
era confortável ficar naquele clima gostoso, com nossos corpos
enrolados, tão juntos que parecíamos colados um ao outro.
— Na última vez que fui ao Brasil, não me lembro de ter
reparado as suas tatuagens — Nana comentou, traçando com a
ponta do dedo indicador uma águia que havia em meu antebraço.
Não era novidade, já que, do meu ponto de vista, ela nunca
reparou em mim, no entanto, na época eu não tinha tantas ainda.
— Acho que eu não tinha todas — falei preguiçosamente,
enquanto subia e descia minha mão pela lateral de seu corpo. — Fiz
a maioria de uns dois anos para cá.
Suas costas estavam apoiadas em meu peito nu e a bunda
encaixada com perfeição na minha pelve. Pelo visto, tínhamos uma
posição favorita.
— Eu gosto delas. — Sorri quando ela falou.
Se minhas contas estivessem corretas, Nana havia visitado
o Brasil há quatro anos. Acho que na época eu estava quase
namorando uma ex-colega de faculdade, que no fim nem deu certo.
Todavia, lembro-me de ter observado cada detalhe dela.
Nana costumava passar muito tempo longe, porém, sempre
que voltava, conseguia me atrair de alguma forma.
Lembro até de termos tirado uma foto juntos naquele Natal,
onde Ayana vestia um vestido vermelho longo, moldado ao corpo.
Foi uma fotografia normal, como se fôssemos amigos aproveitando
as festas de fim de ano, mas a postei nas redes sociais e olhei
durante meses; foi impossível não fazer isso, já que ela quase me
causou uma arritmia na época, pois jamais tinha visto uma
combinação tão perfeita quanto ela naquele vestido.
Porém, quando arquivei todas as minhas fotos, não me
lembro de ter encontrado essa em específico.
— Tiramos uma foto juntos naquele Natal, você se lembra?
— perguntei. — Eu postei no Instagram na época, mas não sei o
que...
Parei de falar um pouco, rememorando um dia em que
Clarissa insistiu que eu deveria lhe dar minhas senhas, como não
tinha o que esconder, acabei cedendo, contudo, antes disso, ela
havia me perguntado algumas vezes quem era a mulher na foto.
— Lembro. Devo ter salva na nuvem.
— Pode me mandar se encontrar? — Apertei o corpo dela
contra o meu, buscando algum tipo de conforto silencioso.
Clarissa deve ter apagado uma dúzia de fotos onde as
meninas apareciam, ela sempre encontrava algum motivo para
sentir ciúmes de alguma delas, mesmo que eu cansasse de afirmar
que nada nunca aconteceu.
Ayana foi a única que ela não chegou a conhecer, e nem
imagino o inferno que teria feito em minha vida se notasse algum
olhar meu para ela.
— Mando sim. — Nana bocejou ao terminar de dizer, e
caímos em um silêncio confortável por mais alguns minutos.
Pela janela, conseguia ver o céu escuro se transformando e
as nuvens começando a refletir o tom alaranjado do sol que
nasceria em breve.
O dia seria melhor hoje. Já estava sendo.
— Sabe que preciso ir para a minha cama, não sabe?
— Sei — disse, enfiando o rosto entre seus cabelos,
fazendo com que minha voz se tornasse abafada. — Mas, vamos
fingir por alguns minutos que não precisa.
Ouvi o som da sua risada baixinha ao mesmo tempo que se
aconchegava mais contra mim.
— As coisas seriam muito mais fáceis se você não fosse tão
afetuoso, sabia? — Inclinei meu pescoço para trás, me afastando
um pouco para olhá-la e ela fez o mesmo.
— Mais fáceis para quem? — perguntei, mais sério do que o
momento pedia.
— Para mim. — Nana notou minha expressão e fechou o
sorriso. — Estou tentando dizer que é fácil querer repetir a transa
com você.
— Você pode repetir o quanto quiser pelo tempo que
estivermos aqui — falei, compreendendo o seu ponto. — Além
disso, já avisei que vou chegar no topo do seu ranking, gostosa. —
Abri um sorriso safado, curtindo aquela nossa interação
descontraída.
Agora que já havíamos ultrapassado todo e qualquer limite
possível, não fazia sentido recuar, além disso, eu queria repetir. Não
via a hora de colocar minhas mãos sobre ela outra vez, de ouvir os
gemidos desesperados que soltava quando estava perto de ter um
orgasmo. Do quanto gostava de causar estragos em minha pele
com as unhas e os dentes. Também estava ansioso para ter aquela
boca gostosa ao redor do meu pau e levá-la ao limite.
— Você tá ficando duro? — Nana perguntou espantada, me
fazendo rir.
Não fazia nem meia hora desde que subimos para o quarto.
— Estou? — devolvi a pergunta, mesmo sabendo que era o
resultado dos meus pensamentos pervertidos.
— Essa dissimulação não cai muito bem em você, Igor. —
Imitou a frase que disse para ela em Barcelona há alguns dias.
— Eu estava pensando em nós dois juntos — disse baixinho
ao pé de seu ouvido e não demorou até que a textura de sua pele
mudasse. — Ainda não consigo controlá-lo quando se trata de você.
— Deixei um beijo entre seu pescoço e mandíbula e fiquei quieto
para me conter.
Se as coisas esquentassem entre nós outra vez,
possivelmente acordaríamos o andar inteiro com gemidos. E não
seria bonito.
— É melhor eu ir — Nana falou, mas não fez menção
alguma em se levantar. — Não que eu queira agora, porém, você
me deixou com tesão.
Puxei-a de forma rápida para cima de mim, de modo que a
sua única opção foi abrir as pernas sobre o meu quadril. Não foi
muito inteligente, pois meu pênis, agora completamente duro,
pulsava sob sua boceta.
— Não. — Adverti, travando a mandíbula quando Nana
estava prestes a rebolar em cima dele. — Não vou resistir a você
desse jeito. — Soltei o ar com força.
Ayana não parecia disposta a agir pela razão agora, e se
fôssemos um pouco mais além, acabaríamos os dois pelados,
fodendo e gemendo como loucos.
— Também acho muito arriscado fazer qualquer coisa lá
embaixo agora. Tia Ivana é sempre a primeira a acordar.
— Tem razão. Mas rebolar no meu pau não vai ajudar muito.
Ela fez um beicinho inconformado e fofo, porém, acabou
levantando-se.
Além do pijama cheio de bichos-preguiça, Nana também
vestia minha camisa branca como se fosse um casaco com os
botões abertos. Ela era uma visão do caralho, linda demais.
Sentei-me na cama, sentindo uma vontade fodida de puxá-la
de volta, contudo, usei a razão como apoio para não fazer isso.
Ela se inclinou para me dar um selinho antes de sair e eu
aproveitei o momento, falando baixinho contra seus lábios:
— Vai me contar se precisar se tocar?
Seus olhos sorriram de uma forma muito sexy e sua língua
saiu, umedecendo os lábios. Quase perdi o controle. Quase.
— Não vou contar, mas você pode tentar imaginar.
Ao dizer aquilo, a mulher se afastou, espiando pelo corredor
antes de sair para seu próprio quarto.
Ela conseguia ser perversa quando queria.
Abri um sorriso, me jogando de volta no colchão e usando o
antebraço para apoiar minha cabeça.

Desci uma hora mais tarde, encontrando parte da família já


tomando café da manhã. Duas moças terminavam de colocar os
alimentos sobre a mesa com a ajuda das minhas tias e mãe.
— Bom dia — cumprimentei, sorrindo para todos.
Deixei um beijo nos cabelos da mamãe, que falava algo
para tia Virgínia no momento, mas se interrompeu para me dar um
meio abraço.
— Dormiu bem, Macedinho? — Tio Jota perguntou do outro
lado da mesa. Era cedo e o velho já parecia mais animado do que
todos nós juntos.
— Muito bem — respondi, também de bom humor.
— Hmm, está animado. — Iara cutucou minhas costelas,
fazendo com que eu me esquivasse um pouco, rindo.
— Bom dia pra você também, pestinha. — Provoquei, me
sentando ao seu lado na mesa.
Iara me olhou por alguns segundos com uma expressão
curiosa, porém logo começou a se servir.
— Vai ter pelada hoje, Igor. Bora? — Eric chamou. Ele
estava na outra ponta da mesa, ao lado da minha sobrinha,
Manuela, os dois eram casados agora.
Pegar a sobrinha, filha ou neta um do outro havia se tornado
meio que uma tradição na nossa família.
— Quem vai? — perguntei interessado. Fazia tempo que
não jogava e talvez essa fosse a parte que mais sentia falta do
Brasil: as peladas com os amigos no fim de semana e até os jogos
esporádicos que costumávamos fazer no quintal do papai.
— Acho que todo mundo, né? — Ele coçou a cabeça,
olhando para tio Jota, que apenas deu de ombros mastigando sua
torrada.
— Eu defendo um lado e você o outro, o que acha? —
Júnior perguntou, quase em tom de desafio.
— Fechado! — respondi rápido, sorrindo ao cerrar as
pálpebras.
Mesmo aos cinquenta anos, ele ainda era um goleiro
fenomenal.
— É um jogo amistoso, senhores — mamãe falou e Agenor
fez uma careta para ela.
— Pelada entre nós sem competição não vai rolar. — Meu
padrinho assoviou, contrariando minha mãe. Ele havia tomado a
decisão errada, óbvio.
— Eu vou apitar — mamãe disse, abrindo um sorriso
provocativo. — Se é à vera, então vai rolar cartão.
— Você não pode apitar, vó — Manu entrou na conversa,
falando em tom de brincadeira. — Tem conflito de interesses.
— Todo mundo aqui tem conflito de interesses — papai
inteirou, olhando ao redor da mesa.
— Obrigada, amor, tirou as palavras da minha boca.
A conversa continuou animada e eu segui ouvindo tudo
enquanto me alimentava, até Ayana entrar no cômodo e roubar
completamente o meu foco. Ela havia trocado o pijama por um
biquini branco e um short jeans curto, porém, minha camisa
continuava vestindo-a. As mangas dobradas até os cotovelos e os
botões abertos, da mesma forma que saiu do meu quarto há
algumas horas.
Ela parou ao lado do pai e o abraçou, fez o mesmo com sua
mãe antes de dar um bom dia geral. Baixei os olhos para a mesa,
antes que alguém notasse que eu não tirava a atenção dela. Voltei a
comer, me esforçando para não olhar apenas em sua direção, no
entanto, precisei fazê-lo quando perguntou:
— Todo mundo desce para o café da manhã? — perguntou
para a mãe.
— Normalmente sim, querida.
— Por que, Pocahontas? — Tio Jota questionou, curioso.
— Ah, nada demais... Tenho uma notícia para dar a vocês.
— Deu de ombros, derramando leite na xícara de café.
Sorri, me sentindo privilegiado por já saber do que se
tratava, se fosse mesmo isso que ela pretendia comunicar, é claro.
— O Macedinho sabe! — Tio Jota apontou pra mim e eu
franzi o cenho, tentando disfarçar. — Por que ele já sabe e nós
ainda não, Pocahontas?
— Eu não sei de nada — respondi, tentando disfarçar o
sorriso.
— Então por que esse sorrisinho? — Meu padrinho cruzou
os braços, questionando.
— Vocês não estão juntos, né? — Tio Jota perguntou,
olhando de Nana para mim. — Eu sabia que ficar no mesmo quarto
era... — começou a falar de forma rápida.
— Não! — o interrompi ao mesmo tempo que Ayana dizia:
— Mas é claro que não!
Papai e mamãe estavam com os pescoços inclinados,
olhando para mim de forma curiosa, assim como todo o restante da
mesa.
— Nós não estamos juntos — falei outra vez, caso ninguém
tivesse entendido.
— Eu saí de Bolshoi. — Nana disse em um impulso,
atraindo a atenção de todo mundo para ela. — Era para falar
quando todo mundo estivesse aqui, mas...
Um silêncio incômodo tomou conta do lugar, enquanto todos
os olhos permaneciam fixos em Ayana. Eric franziu o cenho,
parecendo confuso; tio Jota estava com os olhos arregalados e tia
Virgínia fitava a filha de maneira impassível. Ninguém sabia se
deveria ficar feliz, afinal, Nana colocou toda a sua vida em função de
sua carreira.
— Filha, você está bem? — tia Virgínia foi a primeira a
questionar, pegando a mão da bailarina de cima da mesa.
— Eu estou ótima! — Nana sorriu. — Voltarei a morar no Rio
e vou abrir o meu próprio estúdio. — Ela parou, inclinando o corpo
para frente e olhando de sua mãe para o seu pai: — Tô voltando pra
casa, gente!
Eles finalmente reagiram, comemorando o momento feliz.
— Qual a notícia boa? — Zuri entrou na sala de jantar com
Ariel nos braços, Aurora e Jasmine vieram logo depois, junto com
Turrinha, Noah e os gêmeos.
— Nana vai voltar a morar no Rio — Eric os informou. —
Definitivamente.
O café da manhã tornou-se uma festa, cheia de abraços,
felicitações, gritos e planos. Nana parecia feliz e radiante, falando
animada sobre as viagens que queria fazer e dos seus planos para
o ano que viria.
Acabei me dando conta de que era o último dia do ano e
esse foi o momento mais feliz que presenciei em todos esses dias,
talvez o mais gostoso de todos. Ver nossas famílias ali, unidas em
um momento alegre de comemoração, me trouxe uma paz nunca
senti antes.
Eu era muito sortudo por tê-los. Todos eles.
Capítulo 16 — Ayana Klein

 
Após o café da manhã, os meninos foram para o campo que
havia no quintal da casa. Tia Ivana seguiu com eles para apitar o
jogo e tia Bianca seria a narradora, pois, de acordo com tio Thiago,
o narrador sempre tinha a melhor perspectiva da partida, e ele não
confiava o suficiente na Macedão e em seus conflitos de interesse.
Eu, as meninas e as crianças ficamos na piscina. Eu estava
louca para tomar um banho de mar, porém queria aproveitar para
matar a saudade das minhas irmãs e me aproximar dos meus
sobrinhos. Ariel parecia mais feliz comigo agora e eu estava
amando aquilo.
— Vai me falar a verdade do porquê saiu de Bolshoi? —
Zuzu indagou assim que tivemos um espaço maior. Imaginei mesmo
que por seus olhares ela só estava esperando um momento
sozinhas para me perguntar.
Tia Gabi, Mine, Manu, mamãe, Aurora, Iara e minhas primas
gêmeas, filhas do tio Thiago, estavam na outra borda conversando
animadas sobre a entrevista que a irmã de Igor daria em um
programa de televisão.
— Porque eu quis — inteirei, segurando a neném na boia.
Ariel sorria e batia animada na água com os braços enquanto os
irmãos desciam no escorrego pequeno que havia na borda. — Você
está louca para escorregar também, não é? — perguntei, com
aquela vozinha boba.
Peguei ela nos braços e saí da piscina parecendo uma
contorcionista com apenas uma mão livre. Como imaginei, Zuri nos
seguiu, mas permaneceu dentro da água.
— Fica no fim do escorregador. — Apontei para lá, afinal,
alguém tinha que pegá-la.
Zuzu passou alguns segundos me olhando com seu melhor
olhar petulante, mas fez o que eu disse.
— Não acredito que você investiu sua vida inteira lá para
sair agora, sinceramente... — Ela começou o discurso lá de baixo.
Ignorei sua fala por alguns segundos, segurando na mão da
minha sobrinha enquanto ela sorria e dava gritinhos descendo pelo
brinquedo.
— Peguei você! — Zuzu agarrou ela no fim e Ariel
gargalhou, pedindo para ir de novo.
Peguei-a dos braços da Zuri e a posicionei outra vez no
topo. Era um momento muito fofo, contudo, a minha irmã não estava
disposta a me deixar em paz.
— Ayana, você pode me falar ou eu posso descobrir por
minha conta. E se eu souber que aqueles filhos da puta te
diminuíram ou fizeram você se sentir mal, a coisa não vai ficar
bonita.
Suspirei, me segurando para não revirar os olhos. Eu tinha
muito orgulho dela, mas odiava quando começava com aquele
mood advogada sanguinária.
— Eles começaram a sugerir que faltava pouco para
pendurar minhas sapatilhas — falei, contrariada com aquilo.
— Não é a companhia que toma essa decisão, como assim
eles sugeriram?
— Disseram que, pela minha idade, meu rendimento não
era mais o mesmo de quando cheguei lá. — Encaixei minha
sobrinha no topo do escorregador outra vez e comecei a ajudá-la a
descer.
— Sabe que isso é mentira, certo? — Zuri inclinou um pouco
o pescoço, me olhando como se eu tivesse três chifres.
— Claro que eu sei, por isso entreguei minha demissão
antes de qualquer coisa. Se eles me queriam fora, tiveram do meu
jeito.
— Isso não faz o menor sentido, Nana. — Minha irmã negou
com a cabeça, pegando Ariel e colocando-a na boia, em vez de
entregá-la para mim.
A bebê começou a chorar, pois é claro que queria brincar
mais um pouco.
— Sua malvada — acusei, fazendo careta.
— Deixa que eu a pego agora— tia Gabi se aproximou com
o rosto melecado de protetor e uma tela gigante na cabeça — Vão
discutir em outro lugar, mas depois voltem com a fofoca inteira, por
favor.
— Não tem fofoca, tia. — Dei de ombros, andando pela
borda até me sentar na espreguiçadeira que ficava ao lado da mesa
onde deixei meus objetos pessoais.
Sem se contentar, Zuzu veio atrás de mim.
— Você está com sede de sangue, mana, mas não tem um
caso pra você aqui. — Deitei-me de costas, apoiando o antebraço
na testa para proteger meus olhos do sol.
— Meu instinto diz que há mais do que você quer contar.
— Sempre há mais — Olhei um pouco de lado, vendo-a se
sentar na espreguiçadeira à minha direita. — No entanto, nada que
valha seu tempo. Eu estou feliz, Zuzu, passei anos na Rússia
sozinha, vivendo entre trabalho, estudos, casa...
— Dimitri... — ela completou e eu sorri, já sentindo
saudades do meu melhor amigo.
— Sim, o Dimi. — Concordei com a cabeça. — Mas eu
finalmente posso ficar perto da minha família agora e ainda
continuar fazendo o que amo. Quero começar o projeto do meu
estúdio e vou usar todo o prestígio que a Bolshoi me trouxe.
— Tem certeza de que está tudo bem? — perguntou outra
vez.
— Tenho absoluta certeza.
Sabia que meu sobrenome havia aberto muitas portas para
mim e aquilo fazia com que eu me sentisse mal sempre que
pensava em me lamentar ou revoltar por qualquer problema dentro
do teatro que me envolvessem direta ou indiretamente.
Eu não podia reclamar agora, não podia me lamentar e
muito menos fingir que era uma pobre coitada. Cresci em uma
família milionária e cheia de regalias, estudei nas melhores escolas,
frequentei as melhores academias de dança e tive tudo que
qualquer criança sonha. O fato de ser negra nunca me tornou menor
ou menos talentosa, meus pais fizeram questão de me dizer isso a
vida inteira, e eu sempre acreditei neles fielmente, mesmo com os
olhares enviesados, o racismo velado e a representatividade quase
inexistente por cada lugar que passei.
No início da minha carreira, mal havia com quem me
comparar, nem sapatilhas com meu tom de pele existiam à venda
nas lojas, e eu sempre precisei pintar todas com a minha cor. As
bailarinas eram sempre brancas e perfeitas como bonecas de
porcelana. Elas não possuíam um fio de cabelo fora do lugar.
Nunca. O ballet clássico transmite uma aura de perfeição e eu
sempre fui obrigada a ser mais perfeita do que todos ao meu redor
para me destacar. Ser muito boa não era o suficiente. Não para
mim.
No entanto, nada daquilo me impediu de crescer. Eu sabia
bem onde queria chegar, corri atrás dos meus sonhos e nunca me
contentei com menos do que eu merecia.
— Quero começar um projeto social — falei, ganhando a
atenção da minha irmã. — Com crianças e adolescentes da
comunidade, porém, primeiro preciso que meu estúdio aconteça, só
então vou poder encontrar a melhor forma de administrar esse
plano.
— Uau! Isso é muito foda, Nana — Zuri falou,
impressionada.
— Sim, mas ainda é um plano.
— Seu pai e seus tios vão amar essa ideia — tia Gabi falou
de dentro da piscina, com os braços apoiados na borda. Ela estava
ouvindo a conversa, claro! — Eu os usaria se fosse você. A
escolinha de futebol tem um programa assim, tenho certeza de que
isso pode te ajudar.
— Vou conversar com eles sim, tia — Ergui o pescoço,
sorrindo para ela.
Olhei um pouco além, vendo parte dos meninos correndo
em nossa direção. Noah, Eric, Turrinha e Miguel se jogaram de
cabeça na piscina, gritando, espirrando água para todos os lados e
molhando as meninas, enquanto o restante vinha caminhando mais
atrás, contudo, meus olhos focaram apenas em um deles.
Seu corpo estava coberto somente pelo calção branco. O
peitoral nu revelava a frase tatuada na costela esquerda, que eu
pude ver bem de perto na madrugada passada. Os ombros largos e
abdome definidos eram um puta espetáculo.
Peguei meus óculos escuros na mesinha próxima e os
coloquei, assim poderia secá-lo o quanto quisesse sem que
ninguém notasse. Igor parou, conversando animadamente com tia
Ivana e tia Bianca, ficou ali por alguns minutos e depois se afastou,
indo em direção à casa. Contive a vontade de segui-lo com o olhar,
em vez disso, relaxei os ombros contra a espreguiçadeira, sentindo
minha pele aquecida pelo sol forte.
Fechei os olhos tentando me distrair, mas meus
pensamentos insistiam em me levar até a madrugada insana que
tive. Pensar nisso agora não era a escolha mais inteligente, visto
que apenas o pensamento fazia meu pulso acelerar.
Vencida, comecei a observar minha família na piscina e ao
redor dela. Ainda estávamos no meio da manhã, porém o dia
prometia render, e mais tarde ainda teríamos a virada de ano.
Olhei para o tal do Kostas, conversando com papai e tio
Turra, mas seus olhos estavam em Zuri, que parecia completamente
alheia a ele.
— Zuzu — chamei, e ela tirou um pouco a atenção do
celular.
— Hum?
— E esse Kostas, hein? — questionei em um tom sugestivo.
— O gringo arrogante que se acha a última bolacha do
pacote? — ela ergueu as sobrancelhas, me olhando sob os cílios
volumosos. — O que tem ele?
— É gato... — falei e Zuri fez uma careta de nojo,
encenando um tremor. — Por que ele veio?
— Não tenho a menor ideia, mas, ficaria muito feliz se
esquecêssemos ele aqui no meio do nada.
Dei risada da implicância dela e baixei um pouco os óculos,
voltando a encarar o homem, que desviou o olhar ao perceber que
eu tinha notado.
Não demorou muito até que eu ouvisse o toque do meu
celular na mesa. Sorri, acreditando ser meu melhor amigo, pois só
havíamos nos falado ontem à noite, contudo, a mensagem vinha de
um número estranho.
~Desconhecido: Quer vir aqui em cima?
Abri o perfil, vendo a foto de Igor sério, mas ainda assim
lindo. Ele deve ter conseguido meu número no grupo da família, o
mesmo que ele não interagia há séculos.
Eu: Hmm, o que vou ganhar com isso?
Sorri ao apertar em enviar, imaginando a expressão dele ao
ler. Saí da tela e salvei seu contato, pois não o tinha.
Igor Reis: Você pode descobrir vindo aqui, linda.
Mordi o lábio inferior, dando uma breve olhada ao redor.
Zuzu parecia alheia a tudo, mexendo em seu próprio celular. Todos
os outros estavam conversando, ninguém interessado em meu flerte
virtual.
Levantei-me e vesti a camisa branca de Igor novamente. Só
havia decidido usá-la para testar sua reação e valeu a pena, mas
também corri o risco de alguém notar, mesmo que fosse uma
camisa branca de botões como qualquer outra.
Todavia, caso me perguntassem, poderia até dizer que foi
do Dimitri.
Saí quieta sem olhar para trás, pois poderia levantar
suspeitas. Confesso que ficar nesse “esconde-esconde” garantia
toda a diversão e o tesão do nosso envolvimento.
E era nisso que eu me assegurava quando tentava me
convencer de que só estava sendo tão intenso pelo fato de ser
escondido, não tão proibido, mas ainda assim um pouco
problemático.
Subi as escadas quase correndo e entrei no corredor onde
ficavam os nossos quartos, Igor esperava encostado em sua porta,
olhando de forma ansiosa para a entrada. Ele abriu um sorriso
quando me viu e mal esperou que eu chegasse perto o suficiente
antes de me puxar para dentro do cômodo e me encurralar contra a
parede. Foi tudo tão rápido que mal tive tempo de respirar entre
uma ação e outra.
— Ficar apenas olhando pra você nesse biquíni é a porra de
um castigo. — Inclinou-se, deixando um selinho em minha clavícula.
— Digo o mesmo pra você, desfilando sem camisa por aí —
falei, respirando fundo para controlar meu batimento cardíaco ao
mesmo tempo que erguia mais o pescoço para dar-lhe acesso.
— A ausência da camisa é só para exibir as marcas das
suas unhas nas minhas costas. — Ele riu contra minha pele, sabia
que estava brincando, mas me apavorei por nem ter chegado a
lembrar desse detalhe.
— Alguém notou? — questionei, arregalando os olhos.
— Mamãe e tia Bianca — falou, sem parar de deixar beijos
pelo meu pescoço, contudo, agora eu estava mais tensa do que
excitada. — Eu disse que dormi com a janela aberta e passei a noite
inteira sendo atacado por mosquitos.
— Elas acreditaram nisso? — perguntei, rindo da pior
desculpa que já tinha ouvido antes.
— Claro que sim, ganhei até um repelente.
— Você é um péssimo mentiroso, Igor. — Acusei.
— E você não deveria ficar tão gostosa assim com a minha
camisa. — Ele passou a língua entre meu pescoço e mandíbula, me
fazendo estremecer.
— Me chamou aqui para pegá-la de volta? — provoquei,
ansiosa para ter sua boca na minha.
— Não mesmo — Seus lábios estavam próximos ao lóbulo
da minha orelha agora. — Pode levar todas as minhas camisas se
quiser, elas ficam muito melhor em você.
— Hmmm, é uma ótima ideia, pois assim você vai ser
obrigado a passar o dia inteiro sem elas.
— Você conseguiria tirar os olhos de mim caso
acontecesse? — Ele fechou os lábios sobre meu lóbulo, chupando-o
da mesma forma que fazia com meus mamilos.
— De forma alguma. — Arquejei, tirando as costas da
parede ao me contorcer e ele finalmente reagiu, tomando meus
lábios com aquela sede incontrolável.
Gemi com suas mordiscadas breves sobre meu lábio inferior
e me controlei o máximo que pude para não arranhar sua pele outra
vez. Igor brincava com minha língua como se elas já fossem mais
do que íntimas, e a cada som que saía de sua garganta eu me
perdia mais naquele beijo.
As coisas começaram a ficar insanas quando ele agarrou
minha bunda com as duas mãos de uma vez, me erguendo para
enrolar as pernas ao redor de seu quadril. Pude sentir o pau dele
pulsando contra a parte interna da minha coxa e arquejei, tentando
me esfregar nele.
Eu sabia que nós não podíamos transar aqui essa hora, pois
as chances de sermos flagrados eram muito grandes, e as coisas
podiam ficar bastante esquisitas por aqui se isso acontecesse.
O cara quase viúvo que sumiu no mundo tentando superar a
perda da noiva do nada aparece transando com uma de suas
amigas de infância. Esquisito demais. Além disso, acarretaria uma
série de consequências, como esperanças de que eu fosse curá-lo
de alguma forma milagrosa com o poder sobrenatural do meu amor.
Eu não acreditava em nada daquilo.
Esquivei-me do seu beijo, puxando o ar com força para
recuperá-lo e colocando a minha cabeça no lugar.
— Não podemos fazer isso agora, muito menos aqui — falei,
encostando minha testa em seu ombro.
— Eu sei — Igor alisou minhas costas e deu um passo para
trás, me ajudando a colocar os pés no chão. — O que acha de
fugirmos após o almoço? — questionou, com um olhar cheio de
esperanças.
— Fugir para onde? — Franzi o cenho.
Estávamos no meio do nada, em uma ilha, com tanta gente
conhecida que era quase impossível passar desapercebido.
— Tem uma trilha depois do campinho e o papai me falou
que dava em uma praia com piscinas naturais. Dá pra chegar lá pela
areia também — contou, entusiasmado.
Confesso que era muito bom ver os olhos dele brilhando
com aquela expectativa.
— Tem alguma forma de sairmos de fininho? — perguntei, já
topando aquela ideia maluca.
— Acho que nem precisamos ir escondidos — Estreitei os
olhos, como se ele estivesse ficando louco. — Podemos dizer que
vamos correr, nos exercitar, conhecer a ilha, dar uma volta... — Deu
as opções.
— E se alguém decidir vir conosco?
— Acho que, se dissermos que vamos correr um pouco,
ninguém vem — afirmou, mas estava pensativo.
— Sua mãe não corre com o seu pai quase sempre?
Tia Ivana tinha uma rede de academias, era formada em
educação física, trabalhava como árbitra e ainda era a personal
trainer da família. Ela não deixava de se exercitar um dia sequer.
— Eles estão indo todas as manhãs, pelo que me disseram.
— Então pode funcionar — falei. — Eu digo que quero ir
correr e aproveitar para dar uma volta por aí e você se oferece para
vir junto. — Sugeri.
— Você bem que podia me convidar, hein? — Sorriu,
mexendo as sobrancelhas de um jeito engraçado.
— Posso perguntar se alguém quer vir comigo e aí você se
oferece.
— Fechado. Acho que todos vão estar sonolentos depois da
refeição, o jogo não foi brincadeira. — Ele colocou uma mão na
minha cintura, dando dois passos para frente e voltando a me
imprensar entre seu corpo e a parede.
— Nossa família não brinca quando o assunto é futebol.
— Não mesmo — Inclinou o pescoço para me dar um
selinho — Estou ansioso para a nossa escapada — Capturou meu
lábio inferior entre os seus, me incitando a corresponder o beijo.
Ouvi algumas vozes ao longe, acompanhadas por passos.
— Se não descermos agora, vão acabar nos pegando antes
de escapar. — Avisei, me esforçando o máximo para não me
esfregar contra seu corpo.
— Tem razão — ele disse, se afastando. — Você vai na
frente — Sorriu, olhando para baixo onde o pau estava demarcado
sob a bermuda.
— Ok — Dei risada, passando as mãos pelo meu cabelo e
colocando minhas roupas no lugar.
Eu quase saí direto, mas me lembrei dos riscos e abri uma
fresta da porta, espiando o corredor no mesmo momento em que
Iara entrou nele. Fechei rápido e de forma barulhenta, para o meu
total desespero.
— Sua irmã — colei minhas costas na porta e sussurrei para
Igor, que continuava parado no meio do cômodo.
— Merda! — Fez careta, vindo em minha direção.
Igor colou o corpo grande contra o meu, segurando a
maçaneta ao meu lado com uma mão e levando o dedo indicador da
outra até os lábios, sinalizando que eu fizesse silêncio.
Acenei e fechei os olhos, mas aquilo não foi uma boa ideia.
Comecei a sentir o cheio de seu perfume de forma mais
intensificada e o calor da sua pele suada contra a minha. Eu era
alta, mas ele tinha uns centímetros a mais, além dos ombros e peito
muito largos.
Igor devia se exercitar muito bem agora, pois desde sempre
ele foi mais magro, tinha partes mais definidas, mas não era do tipo
grandão, tanto que seu rosto continuava mais fino como sempre, no
entanto, o corpo atlético já contava outra história.
Voltei a abrir os olhos quando ela bateu na porta atrás de
mim, mexendo na maçaneta, enquanto chamava pelo irmão. Mas a
porta nem chegou a se mexer por conta do peso do corpo dele.
— Igor? — Olhei um pouco mais para cima outra vez,
assustada, com o coração batendo na minha garganta.
Ele me olhou de forma calma, inclinando o pescoço para
trás e respondendo:
— Oi, marrentinha. Subi para tomar um banho.
— Ah... Tá tudo bem?
— Tá sim. Por quê? — ele perguntou e desceu um pouco os
olhos me observando e me dizendo em um mover de lábios sem
som: “calma”.
Acenei com a cabeça, respirando fundo.
— Nada... Você e o Miguel já conversaram?
— Ainda não, mas está tudo bem, mana. Te encontro lá
embaixo.
— Tá bem. — Ouvi o som de seus passos começando a se
afastar, mas ela parou alguns segundos depois. — Ah, Igor...
— Hum?
— Você viu a Nana por aí?
Arregalei mais os olhos, perdendo toda a tranquilidade que
eu tinha adquirido alguns segundos atrás.
— Ela está na piscina — ele falou com uma certeza que não
existia.
— Não está. Mas Zuri pediu para chamá-la caso eu a
encontrasse.
— Quando subi ela estava ao lado da Zuri — Igor continuou
respondendo — Se eu a vir por aí, aviso.
— Ok.
Demorou alguns segundos até termos certeza de que ela já
havia ido embora.
— Essa foi por muito pouco — falei baixinho, levando uma
das mãos até meu peito esquerdo.
— Seria tão ruim assim se ela descobrisse? — Igor me
perguntou, mas não demorou um segundo para que ele mesmo
respondesse. — É, seria. Ela me encheria muito o saco e depois
contaria para a mamãe — Ele fechou os olhos, sacudindo a cabeça
de um lado para o outro com rapidez.
— Pois é!
Eu não tinha interesse em começar uma relação agora, não
com tantos projetos para realizar. Igor era bom de cama, gostoso e
me atraía muito, contudo, não podia criar esperanças aqui, além
disso, ele já havia confirmado que não tinha a menor pretensão em
ficar definitivamente no Rio.
— Eu vou descer — falei, me sentindo um pouco
incomodada por estar remoendo aquele assunto.
Ele apenas acenou e eu saí, dessa vez sem espiar antes
pelo corredor.
Se eu fosse inteligente o suficiente, pararia de transar com
ele agora, assim, não correria risco nenhum de me apegar. Mesmo
que não me apaixonasse de fato, lidar com apego era tão
desconfortável quanto. Porém, deixaria para pensar nisso quando
voltássemos para o Brasil.
Eu tocaria minha vida, ele também, e essa viagem seria
apenas uma boa lembrança.
Capítulo 17 — Igor Reis

Nana saiu do meu quarto e eu resolvi ir mesmo tomar um


banho. Além de dar um tempo entre sua descida e a minha, estava
suado pelo jogo mais cedo.
Quando desci, todos estavam espalhados pelo jardim e
piscina, um funk já tocava de algum caixa de som e a churrasqueira
estava acesa. Quando se tratava de festas, minha família não
costumava brincar.
Assim que coloquei os pés fora da varanda, Miguel se
levantou de uma das espreguiçadeiras e veio andando em minha
direção. Juro que se pudesse postergaria ao máximo essa
conversa, porém, pelo visto, eu não tinha para onde fugir e nem
como me esquivar.
— Quer entrar? — perguntei, apontando para atrás de mim
quando ele parou em minha frente e não disse nada.
— É melhor — Miguel respondeu, acenando com a cabeça.
Entramos na casa e nos sentamos na sala, eu em uma
poltrona e ele no canto do sofá. Em minha opinião, aquele local era
mais reservado do que a cozinha, já que a porta da varanda era
bem próxima à piscina.
Nos encaramos por alguns minutos antes de Miguel desviar
o olhar, eu não tinha ideia de como começar e ele parecia tão
perdido quanto.
Era um assunto dolorido para nós dois, pelo visto.
— Me desculpe por não te atender — comecei pelo caminho
mais seguro. Não me desculparia por ter ido embora, pois, como
minha irmã havia falado, era uma escolha e direito meus. — Eu não
queria ouvir as mesmas coisas, o mesmo papo de “você não tem
culpa de nada” ou “não tinha como você saber”. Entende?
— E você acha que eu também não me culpei? — ele
respondeu com a voz baixa, mas não menos brava. Miguel também
não me olhava enquanto falava e aquilo me incomodou. — Tem
ideia de quantas noites eu deixei de dormir pensando que poderia
ter feito algo diferente...
— Vocês eram melhores amigos, Miguel — o interrompi,
usando todo meu controle para não alterar minha voz. — Eu ia me
casar com ela, nós dois morávamos juntos há meses e tudo
aconteceu bem debaixo do meu nariz. Como você acha que eu
fiquei depois disso?
— Eu não estou diminuindo a sua dor — Ele ergueu o olhar
do chão, focando em mim. — Também não estou te isentando da
responsabilidade.
Aquilo me chocou muito mais do que deveria. Passei meses
evitando escutar das pessoas que nada do que houve era minha
culpa, deveria estar preparado para ouvir o contrário.
— O quê? — Ele soltou uma risada seca — Achou mesmo
que eu viria aqui te dizer o quanto você é inocente?
— Não — respondi sem hesitar —, mas não pensei que
fôssemos começar a fazer acusações. Quer falar das receitas de
medicamentos com seu carimbo?
— Eu não sabia de nada aquilo — sua fala saiu entredentes.
— Quando descobri, fiquei tão surpreso quanto você. Mas como
uma pessoa se droga com remédios debaixo do seu nariz e você
não percebe? — questionou em tom de acusação.
Voltar àquilo não era nem um pouco confortável. Doía. Doía
de um jeito que eu nem conseguia mensurar.
— Ela apagava, Miguel — Respirei fundo e tentei explicar:
— Eu sentia falta, é claro, mas, quando questionava, Clarissa dizia
estar muito ocupada e cansada pelos preparativos do casamento.
— Ela me dizia a mesma coisa — ele falou, baixando um
pouco a guarda. — Eu não sabia das receitas, do vício, de nada.
Desviei o olhar e acenei. Nunca desconfiei de Miguel e tinha
certeza de que ele, se soubesse de algo na época, me alertaria. A
decisão de não manter contato não teve a ver com isso, e sim com o
meu estado emocional. Ele me lembraria dela, e lembrar me faria
reviver tudo outra vez, como estava acontecendo agora.
— Combinamos de almoçar naquele dia — Comecei a
contar como as coisas aconteceram, já que todos sabiam apenas
uma parte. — Nos encontraríamos no restaurante, mas ela resolveu
ir até a empresa me encontrar. Era comum que Clarissa fizesse
aquilo, você sabe... Eu estava em reunião com uma das diretoras e
ao nos encontrar sozinhos saindo da minha sala, ela surtou. —
Minha pulsação acelerou ao lembrar dos gritos e do meu desespero
ao tentar acamá-la. — Precisei segurá-la, pois ela quase agrediu a
moça. Aquela foi a gota d’agua.
— Pela forma como agia com você, mais cedo ou mais tarde
ela faria algo assim, cara. Como você não via?
— Eu estava apaixonado — declarei, em tom de defesa. —
Achei que com um tempo ela se sentiria mais segura em nosso
relacionamento. Sabia que suas atitudes eram problemáticas, porém
não achei que iria tão longe com aquilo, e ainda assim, não tinha
nada demais na situação, era uma reunião de trabalho.
— Clarissa era obcecada por você, Igor — Miguel esfregou
as duas mãos no rosto, como se aquele assunto o perturbasse tanto
quanto a mim. — Ela não te amava, mas tinha algum tipo de
possessão doentia, e eu tentei te avisar, só não podia fazer nada
além disso.
— Agora eu sei — Acenei devagar. — Mesmo que seja
tarde demais.
— Por que você não me ligou aquele dia? — perguntou,
com o olhar bem atento em mim. — Sabe que teria ido buscá-la.
— Eu não a coloquei para fora, Miguel — afirmei de forma
triste. — Na verdade, eu nem terminei com ela, apenas pedi um
tempo.
— E isso não é terminar? Não se dá um tempo um mês
antes de se casar.
— Eu não a mandaria embora, cara. Disse que passaria
alguns dias na casa dos meus pais para que nós dois esfriássemos
a cabeça, já que ela estava descontrolada e eu com muita raiva. —
Ignorei o aperto no peito e continuei: — Sabe como foi humilhante
ter que tirá-la da empresa na frente de todos, com Clarissa aos
gritos nos meus braços? Você entende isso?
Ele acenou, desviando o olhar e sem conseguir dizer nada.
Alguns segundos se passaram e ele perguntou:
— Ela surtou quando você disse que passaria alguns dias
fora?
— Sim. Foi então que tirou os medicamentos da bolsa —
falei, sentindo meu coração acelerar ao voltar àquela memória
horrível. — Ela tomou dois de uma vez, enquanto chorava
desesperada dizendo que eu não podia deixá-la. Falou várias vezes
que me amava e que só fez aquilo porque não queria me perder. Foi
assustador — Curvei um pouco o corpo, apoiando os cotovelos em
minhas pernas, fitando o chão. — Não parecia ela, cara, era loucura
demais. A forma apavorada como dizia que não podia me perder e
que eu pertencia a ela era meio macabra. Você não tem noção.
— E então ela resolveu sair de carro?
A última vez que detalhei aquela história foi para a polícia,
em um momento muito mais perturbador do que esse. Meu
depoimento deve ter ficado arquivado e depois eu nunca mais
toquei nesse assunto com ninguém. Até agora.
— Eu a abracei e a consolei, esperei um pouco para que se
acalmasse e falei que tudo aquilo não estava fazendo bem para
nenhum de nós dois. — Subi o olhar de volta para o dele, contando.
— Depois daí foi tudo muito rápido. Eu disse que adiaríamos o
casamento, e nós procuraríamos ajuda psicológica. Não fiz
promessas, também não disse que estava a deixando, porém, a
menção de cancelar o casamento, mesmo que temporariamente, a
deixou muito mais transtornada do que antes.
“Ela pegou as chaves do meu carro, pois o dela havia ficado
na empresa. Perguntei para onde iria, tentei impedi-la de ir embora,
mas não consegui.”
— Você não sabia o que ela tinha tomado? — Miguel
perguntou.
— Não tinha ideia. Ela era médica, podia ser qualquer coisa.
— Entendo — Suspirou, recostando-se no sofá.
— Se eu soubesse, teria feito qualquer coisa para mantê-la
no apartamento, mas, naquele momento, eu imaginei que ela iria
para a casa dos pais, ou até que voltaria para o trabalho e eu só
precisava de um tempo sozinho para processar a decepção e a
raiva que estava sentindo. De qualquer maneira, eu conseguia
acompanhar sua localização pelo GPS do carro.
O restante da história ele sabia. Infelizmente.
Daí em diante só recordava de flashs rápidos: das ligações
e do desespero quando cheguei ao local do acidente, dos gritos da
mãe e da irmã dela ao verem o estado do carro, dos bombeiros
removendo seu corpo sem vida, dos meus pais chegando para me
tirar de lá.
Dei dois depoimentos para a polícia e pouco tempo depois
descobri que Clarissa vinha tomando antipsicóticos de forma
irresponsável e exagerada.
Tudo acontecia bem debaixo do meu nariz e eu sequer
havia notado.
— Óbvio que algumas coisas estavam diferentes, e havia
muito estresse e tensão pelo nosso casamento, porém eu imaginei
que tudo fosse por causa da festa. Se eu soubesse... — falei,
quando o silêncio se estendeu mais do que o confortável.
— Acho que não tinha mesmo como saber. Nenhum de nós.
— Sinto muito por não ter falado com você antes — falei
com sinceridade —, ainda é muito difícil lidar com essa situação.
Fico me perguntando como as coisas teriam sido se eu tivesse feito
diferente, pedido ajuda a alguém desde a primeira vez que Clarissa
surtou com ciúmes. Se não tivesse aceitado suas loucuras..., mas
eu cedi, Miguel. Ela sempre encontrava uma forma de me fazer
aceitar as suas condições.
— Esse foi o seu erro. Você sempre encontrava uma
justificativa para as atitudes malucas dela. — Ele balançou a cabeça
em negativo enquanto falava. — Apesar de gostar muito da
Clarissa, nunca apoiei essa merda de prisão em que vocês viviam.
Porra, você só jogava no fim de semana porque íamos juntos e ela
falou mais de uma vez que, se eu parasse, daria um jeito de te
convencer a não ir.
— Ela tentou me convencer a parar de jogar. Brigamos
algumas vezes por isso.
— Tá vendo? Era doentio — ele falou um pouco mais alto.
— Ela era minha amiga, eu não podia fazer nada além de te dar uns
toques de vez em quando, mas, na minha cabeça, não conseguia
entender como as coisas funcionavam. Pra mim, você aceitava
porque fazia o mesmo com ela.
— Nunca exigi nada dela. Não da mesma forma.
— Sim, mas ela tinha você na palma da mão, Igor, e
também evitava sair com os amigos, falava com os pais
esporadicamente. O mundo todo dela girava em torno da relação de
vocês. Como você deixou chegar naquilo?
— Não sei. — Neguei com a cabeça, crispando os lábios. —
Eu gostava muito dela, e no início não era assim. Tínhamos sonhos
juntos, completávamos um ao outro, era tão bom estar com ela que
fomos morar juntos muito rápido.
— Você gostava da versão que ela te mostrava, cara. Ela
era diferente comigo também, mas às vezes dava para notar um ou
outro comportamento estranho.
— Mas Clarissa não fez nada sozinha — afirmei, desviando
o olhar outra vez. — Eu fui permitindo, abrindo esse espaço. Uma
parte de mim sabia que nosso relacionamento não era muito
convencional, pois vivíamos grudados além no necessário e, ainda
assim, não dei a atenção de que precisava. Sei que tenho a minha
parcela de culpa e acredite quando digo que nunca vou me perdoar
por isso.
— Você não devia ser tão radical, Igor. Você falhou, mas ela
fez as escolhas erradas. Acho que, de agora em diante, você
deveria analisar bem suas relações, ser mais racional.
— Você quer dizer que sou irracional? — franzi o cenho,
questionando.
— Quero dizer que quando você se apaixona as coisas
parecem sair do controle. Você fica cego, perde até a própria
opinião, e isso não é nada saudável. Talvez Clarissa tenha se
aproveitado dessa sua entrega ou talvez você tenha colocado o
controle nas mãos dela, não tenho como saber. Mas uma hora você
vai ter que seguir em frente e, se não aprender com os erros do
passado, acabará vivendo a mesma situação trágica.
— Tudo bem — falei, nem um pouco disposto a discutir
sobre mim.
— Tá na hora de parar de se esconder, meu amigo.
— Estou trabalhando nisso. — Assenti, dizendo.
Nos abraçamos de uma forma meio distante e encerramos
nossa conversa ali. Sabia que ele ainda estava um pouco
ressentido, e eu abalado por ter voltado ao passado.
Saí de novo com a mente um pouco distante, provavelmente
pelo choque ao reviver tudo aquilo. Me esmagava, doía demais e
não era fácil. Alguns dias atrás, eu ficava mal só em lembrar, e falar
sobre o assunto sem desabar foi uma puta evolução.
O problema era o depois.
Aquela sensação sombria voltava, misturada à aflição e a
culpa.
— Ei — Ayana me parou no meio do jardim, colocando uma
mão em meu peito. — Tá tudo bem? — Eu nem havia a notado ali
quando saí da sala.
Olhei nos olhos dela, enxergando aquela paz que
costumava transmitir nas íris castanhas.
— Sim, tá tudo bem. — Afirmei com uma certeza que não
existia em mim, no entanto, só o fato de a ter ali amenizava parte do
peso que havia em meu peito.
— Você quer conversar? — perguntou, parecendo
preocupada.
— Sim — falei, respirando devagar e olhando ao redor para
ver quem estava nos observando, pois sempre tinha alguém. —
Depois do almoço, longe dos olhares curiosos — falei mais baixo
para que ninguém nos ouvisse e Nana sorriu, assentindo.
Capítulo 18 — Ayana Klein

Após o almoço, acabamos todos reunidos na área de


descanso do jardim. Havia camas com dossel e redes penduradas.
Também tinham algumas poltronas com almofadas, e eu estava
encolhida em uma delas, com os joelhos dobrados e os braços em
volta das minhas pernas.
Igor dividia uma das redes com Iara, cada um de um lado.
Eu achava fofa a relação dos dois. Amava muito meus irmãos e
éramos muito unidos, jogávamos sempre no mesmo time, contudo,
Igor e Iara pareciam se entender com olhares e quase completavam
as frases um do outro.
Como Igor havia previsto, todos ficaram naquele clima
preguiçoso, alguns quase dormindo, outros conversando baixinho.
— Eu queria correr um pouco — falei para ninguém em
particular, colocando em ação o nosso plano.
— Correr agora? Tá brincando, né? — tia Gabi questionou,
erguendo o pescoço para me olhar com uma careta.
— Não. Estou sem me exercitar há dias, também não
conheci a ilha ainda e sequer tomei um banho de mar — falei.
— É ruim quebrar a rotina, não é? – tia Ivana falou do outro
lado, entrando na conversa.
— Demais. E eu tenho um cronograma muito rigoroso por
causa dos ensaios. — Eu continuava na mesma posição relaxada,
com a bochecha apoiada em um dos joelhos.
— Eu iria com você, Nana. Mas prometi ao Arthur que ficaria
acordada até o ano virar — ela falou e tio Turra riu ao seu lado —,
por isso preciso cochilar.
— Ela nunca consegue manter os olhos abertos depois da
meia noite — Arthur contou. — E se levanta às cinco da manhã no
primeiro dia do ano.
— Só sendo doida mesmo. — tio Thiago soltou uma
risadinha ao falar e tia Ivana ergueu o dedo do meio para ele.
— Meu corpo é acostumado a essa rotina. É bem difícil
quebrá-la.
— A ilha é tranquila, Pocahontas — meu pai falou de uma
das camas à minha esquerda. Ele estava deitado com a mamãe de
um lado e Zuri do outro, ambas já cochilando. — Não tem perigo ir
sozinha, só cuidado com as iguanas.
— Iguanas? — franzi o cenho, questionando.
— Sim, é cheio delas por aí.
Fiz careta, me esforçando para não olhar na direção de Igor,
que nem tinha se pronunciado ainda.
— Eu vou com você — ele finalmente falou.
— Jura? Não sabia que você corria. — Olhei para ele, me
fazendo de sonsa.
— Todos os dias. Não saía para correr em Barcelona por
causa do clima — explicou.
— Eu acho que nós também vamos, não é, amor? —
Desviei a atenção para Eric e Manu, me contendo para não me
entregar pela expressão facial que gritava: ferrou!
— Não vamos, não — Manuela respondeu, quase me
fazendo suspirar de alívio.
A sobrinha de Igor se ergueu um pouco, cochichando algo
no ouvido do marido, que mudou de fisionomia em menos de um
segundo.
— Boa sorte com as iguanas, mana — meu irmão me falou,
abrindo um sorriso.
Nem queria imaginar o que ela disse em seu ouvido.
— Vou apenas vestir um short confortável e saímos — Olhei
outra vez para Igor —, quero descansar um pouco antes da virada
também.
— Beleza, eu vou assim mesmo — ele disse e eu acenei,
mordendo as bochechas com força para não sorrir, mas Igor não
conseguiu segurar.
Subi rapidamente e peguei um boné, tirei o short jeans, vesti
um mais leve e troquei o biquíni por um top pequeno. Coloquei
perfume, meus óculos de sol e amarrei meu cabelo em um rabo
antes de sair no corredor e encontrar com Igor saindo de seu próprio
quarto.
— Esqueci o boné, os óculos e o protetor — ele justificou,
segurando os dois com uma das mãos. — Quer me ajudar a
passar?
Pelo seu olhar, conseguia notar todas as más intenções que
tinha, porém, esperava que apenas eu enxergasse daquela forma.
Peguei o tubo e espirrei um pouco do creme em minha mão.
Usei a ponta dos dedos para espalhar o conteúdo por seu rosto,
enquanto Igor não desviava o olhar do meu.
— O que foi? — perguntei, abrindo um sorriso pequeno.
— Você é tão linda que fica difícil desviar os olhos, Nana.
Eu queria não me afetar com os elogios dele, mas aquelas
palavras aqueciam meu interior de uma maneira perigosa e eu
estaria mentindo se dissesse o contrário.
— Pronto — falei devagar, ao terminar de espalhar o
produto pelo rosto dele.
Peguei o frasco de protetor outra vez e coloquei mais um
pouco em minha mão, esfregando uma na outra e dando a volta em
seu corpo para espalhar o produto em suas costas.
— Posso retribuir a gentileza? — ele virou o pescoço,
perguntando sobre o ombro.
— Pode sim, quando estivermos há mais de um quilômetro
de distância daqui — falei de forma sugestiva.
Terminei de passar o protetor nele e esfreguei o que sobrou
em meu próprio corpo de forma rápida, pois tinha passado em mim
há poucas horas.
— Vamos? — chamei, abrindo a porta do meu quarto e
jogando a embalagem na cama, e Igor fez um gesto de mão,
indicando que eu fosse primeiro.
Segui em sua frente com a mente cheia de expectativas.
Quando saímos da casa, nossas famílias estavam da
mesma maneira preguiçosa de antes e sequer notaram quando nos
afastamos caminhando.
— Achei que a conversa com o Miguel tivesse te deixado
mal — comentei com ele, não o olhando diretamente ainda.
Quando Miguel se aproximou de Igor, Iara e tia Ivana se
entreolharam, tio Arthur fez menção em ir na direção deles, mas
meu pai o chamou, tirando sua atenção dos dois.
Pela cena que eu havia presenciado na cozinha, sabia que
precisavam de um momento a sós.
— Foi pesado... — respondeu, soltando um suspiro audível
—, mas eu vou ficar bem.
— Ok — Meneei a cabeça.
Comecei a trotar pela parte fofa da areia e Igor me seguiu.
Vez ou outra conseguia sentir a água em meus pés quando o mar
avançava. Não tinha o hábito de correr todos os dias, porém
possuía um ótimo preparo físico que, pelo visto, não era tão bom
quanto eu pensava se fosse comparar ao homem ao meu lado, que
me ultrapassava e desacelerava quase sempre para me
acompanhar.
Parei após alguns minutos, sentindo dificuldade para
respirar e com o coração acelerado. Apoiei as mãos no joelho e
curvei o corpo, olhando para baixo.
— O que foi? — Igor parou ao meu lado, perguntando.
— Não sou acostumada a correr — falei, fazendo esforço
para puxar o ar.
— Vamos caminhar, então — sugeriu, colocando mão nas
minhas costas para me ajudar a endireitar a postura.
— Eu tô bem — falei, ficando de pé — Achei que correr na
areia fosse tão fácil quanto petit allegro[4], porém, parece mais com o
meu primeiro fouetté.[5]
— O quê? — Igor cerrou as pálpebras, confuso.
— Nada não — Dei de ombros, não disposta a explicá-lo
agora.
Voltamos a caminhar, dessa vez devagar. Dei uma breve
olhada para trás, vendo a mansão ao longe enquanto nos
afastávamos cada vez mais.
— Acha que eles desconfiaram de alguma coisa?
— Acho que a Iara meio que sacou, mas depois falo com ela
— disse tranquilo, pegando em minha mão de forma inesperada.
Olhei assustada para nossos dedos entrelaçados e depois
subi o olhar para ele.
— O que foi? — perguntou.
— Caralho, você é muito fofo — praticamente gritei e notei
que saiu como se fosse um xingamento, e talvez fosse.
— Eu não sou fofo — defendeu-se. Consegui ver seu cenho
franzido entre os óculos escuros e o boné.
— Gostar de planejar jantares, abrir a porta do carro e andar
de mãos dadas é sim ser fofo, Igor.
— Meu pai é assim e eu não o acho fofo.
— Tio Turra é maravilhoso. A carranca dele é só aparência
mesmo.
— Isso porque você nunca o viu bravo com alguém.
Continuamos caminhando de mãos dadas e, apesar de não
me incomodar nem um pouco com isso, sentia uma sensação
estranha na boca do estômago. A mesma emoção que eu
experimentava antes de entrar nos palcos como solista de um
espetáculo: nervosismo.
Nunca tinha me sentido daquela forma com homem
nenhum.
— Seu pai é assim. Ele é fofo? — perguntou alguns
segundos depois, me tirando da direção dos meus pensamentos.
— É sim — dei risada ao dizer, agindo da forma mais natural
que eu conseguia.
— Eu fui fofo com você na noite passada, Ayana? — A
maneira séria e sugestiva que fez a pergunta acelerou minha
pulsação.
— Eu não disse que você soca fofo — me justifiquei. —
Longe disso.
— Bom saber. — Ele esticou os lábios em um sorrisinho
lateral muito sexy para o meu desespero.
— Então. Quais os planos para o próximo ano? —
Perguntei, querendo desviar um pouco do tema sexual.
— Não parei para pensar nisso, acredita? — Seu polegar
alisava o meu à medida que caminhávamos. Era uma carícia
gostosa, cheia de intimidade e afeto. — Mas me inscrevi para um
curso preparatório em Munique, pois em abril começam as
inscrições para o mestrado em Micro e Nanotecnologia que quero
fazer.
— Uau! — exclamei impressionada. — Você é superdotado
ou algo assim?
— Me diz você! — Ele deu risada com a piada sem graça e
eu não consegui fazer nada além de rir também.
Havia uma leveza gostosa entre nós dois, como se fosse
apenas certo estarmos juntos.
— Falando sério agora, a única coisa que não planejo é ficar
no Brasil. — Seu rosto se contorceu um pouco, antes dele começar
a explicar: — A sensação é que não há nada no Rio para mim além
de lembranças doloridas.
— Você ainda está preocupado com a volta para casa?
— Preocupado acho que não, mas também não estou muito
animado.
— Comigo é diferente — confidenciei. — Foi duro largar a
companhia, porém estou muito animada para voltar a morar perto
dos meus pais. Só quem fica muito tempo longe da família sabe que
a pior parte mesmo é a saudade. Era sempre angustiante quando
eu ficava doente e não tinha o colo do meu pai ou o cuidado da
minha mãe, sabe?
— Entendo você — Ele virou o rosto em minha direção, me
fitando, mas não consegui distinguir seu olhar por conta das lentes
escuras.
— Existe alguma coisa que te faria mudar de ideia sobre
ficar no Rio? — Era uma pergunta perigosa, que eu fiz apenas para
alimentar minha curiosidade.
— Nada — crispou os lábios, afirmando. — Depois desses
dias com você e com minha família eu me sinto diferente, mais vivo,
mais animado com o futuro — Não deixei de notar que me incluiu,
no entanto, evitei criar expectativas acima daquilo —, mas não acho
que mudarei de ideia sobre esse ponto.
— Você se sente melhor, mas ainda dói, não é?
Igor me deu apenas um aceno silencioso e eu também não
tive mais coragem de perguntar nada. Pelo menos ele havia sido
totalmente sincero comigo e aquilo cortou qualquer tipo de
esperança que minha mente ou coração queriam alimentar.
No fim das contas, foi melhor daquela forma.
Capítulo 19 — Igor Reis

Era impossível não reconhecer o lugar que papai me indicou


mais cedo. A ilha inteira era fenomenal, mas esse lado parecia
ainda mais extraordinário. Havia piscinas mais fundas e outras mais
rasas, cercadas por bancos de areia.
— Isso aqui é um espetáculo — Nana falou ao meu lado, já
encaixando os polegares no short para tirá-lo.
Não consegui desviar o olhar enquanto ela descia o tecido
pelas pernas torneadas, revelando a tanga branca minúscula do
biquíni.
Ela era o verdadeiro espetáculo.
— É sim — concordei e continuei comendo-a com os olhos.
Talvez Ayana não conseguisse notar meu olhar intenso por trás dos
óculos escuros, mas com certeza notaria meu membro já semiereto
na bermuda.
Nem eu podia me criticar por ter uma ereção assim, quase
do nada. Eu já havia provado dela, sabia que seu corpo se
encaixava perfeitamente no meu e que o gosto dela era como tocar
o céu.
— O que você tá fazendo? — perguntei, ao vê-la se esticar
e tocar a barra do top para tirá-lo.
— Topless — respondeu, puxando o pedaço de pano por
cima da cabeça.
Meu pênis endureceu de vez ao ver os mamilos escuros e
pontudos expostos para mim. Precisei passar a língua pelos lábios
quando os senti secar e apalpar o volume incômodo apertado pela
sunga que havia colocado mais cedo.
— Não me olha assim — ela disse em um tom provocador.
— Achou mesmo que eu ia ficar com a marquinha do top? Meu
vestido de hoje à noite tem as costas nuas.
— Pode fazer topless pra mim quando quiser — falei,
lambendo os lábios e louco para colocar um dos mamilos na boca
outra vez. — Só não vou suportar olhar esses seus biquinhos
gostosos por muito tempo sem colocá-los na boca.
Ao ouvir aquilo, Ayana soltou uma risada.
— Não vamos fingir que não viemos aqui para transar, Igor.
Eu sei muito bem o que você quer. Sei muito bem o que eu quero.
A mulher tirou o boné e o óculos, colocando-os na areia
perto das roupas, e não esperou que eu respondesse antes de virar
as costas e sair andando em direção à água.
Olhei embasbacado para a bunda redondinha e empinada
que se sobressaía ainda mais no fio dental branco. Ela era a porra
de uma tentação. Atrevida, determinada e que não colocava limites
no que queria e merecia.
Um mulherão da porra!
Tirei o calção, o boné e os óculos e ajeitei meu pau como
pude dentro da sunga antes de segui-la, sem conseguir desviar os
olhos dela por mais de um segundo. Para nossa sorte, o sol havia
se escondido por trás das nuvens, deixando o dia meio nublado.
Talvez chovesse um pouco, porém, por enquanto, parecia perfeito
para nós dois.
Entrei no mar, notando que as áreas que julguei serem
fundas não eram o suficiente, pois a água chegava até a altura do
meu joelho, um pouco acima dos de Nana.
— Acho que não vai ser possível seu mergulho aqui — falei,
e Nana parou, virada de costas para mim.
— Não tem problema, a água está gostosinha.
— Você é gostosinha, Nana — Aproximei-me por trás dela e
deixei um beijo em seu ombro nu, passando as mãos pela lateral de
seu corpo. — Na verdade, é uma delícia.
— Se eu soubesse que você é assim tão safado, teria te
pegado antes. — Ela me olhou sob o ombro ao dizer.
— Eu achei que você gostasse dos românticos — zombei,
esfregando meu nariz em sua bochecha.
— Eu gosto dos que fodem bem. — Sorri com sua fala
atrevida e girei rápido seu corpo para ficar frente a frente com ela.
— Então você tem vários motivos para gostar de mim —
falei, inclinando um pouco o pescoço para beijá-la.
Era bom tê-la assim, livre, com os seios nus roçando em
meu peitoral à medida que apertava seu corpo contra o meu. Uma
das minhas mãos estava espalmada em suas costas e eu subi a
outra para seu cabelo preso em um rabo, puxando-o com força para
trás.
Ayana soltou o ar com força, gemendo em minha boca e
erguendo uma das pernas, enrolando-a em volta do meu quadril.
Sorri, ainda com os lábios nos seus, e a puxei para cima. Ela era
leve a ponto de eu conseguir sustentar o peso dela com apenas
uma mão e continuar com o outro punho enrolado em seus cabelos.
A bailarina fincou os pés na base da minha coluna, usando o
impulso para esfregar nossos sexos. Safada pra caralho!
Joguei-me de costas na água de surpresa, fazendo com que
Ayana soltasse um gritinho estrangulado, se desequilibrando junto
comigo. Dei risada quando emergi, vendo sua expressão brava ao
me encarar.
— O que foi? — Me fiz de sonso. — Achei que você
quisesse mergulhar.
Ela cerrou as pálpebras, atirando água em mim com uma
mão.
— Vem aqui — Puxei-a pelo braço, sentando-me na água e
fazendo com que montasse em mim. — Bem melhor assim — falei,
antes de beijá-la novamente.
Senti seu gosto misturado ao sal da água e puxei forte seu
lábio inferior com os dentes, arrancando um gemido dela em
protesto. Desci a boca para seu queixo e depois para o seu
pescoço, mordiscando e chupando sua pele gostosa, provocando
em Nana uma série de arrepios, que vinham acompanhados de
gemidos altos e alucinantes.
Seu gosto, seu cheiro... Tudo nela me deixava louco me
fazendo querê-la cada vez mais.
Meu pau pulsou dolorosamente duro dentro da sunga
apertada e eu me apoiei em uma das mãos, me arrastando com
Ayana pela água para chegar a uma parte mais rasa.
Queria deitá-la na areia e provar cada pedacinho dela, como
não pude fazer mais cedo, no entanto, assim que me pus sobre seu
corpo, Nana me empurrou para trás pelos ombros.
Tomei um susto inicial, achando que havia feito algo para
machucá-la, mas a mulher apenas montou sobre mim, com um
sorriso mal-intencionado emoldurando aqueles lábios gostosos.
Ela esfregou a pelve contra a minha, causando uma onda de
choques gostosos pela minha pele, de modo que foi impossível não
ofegar.
— O que você vai fazer? — perguntei, com a voz rouca e
entrecortada pela respiração pesada.
— O que eu quiser, gatinho — falou atrevida, inclinando-se
para frente, fazendo com que seu rosto ficasse na mesma altura do
meu.
Segurei sua cintura e me inclinei para beijá-la, porém Ayana
se afastou, me dando um sorrisinho perverso para depois se
aproximar, passando o nariz pela minha barba.
Minhas mãos alisavam sua cintura e costas, ocasionalmente
descendo até a bunda deliciosa e apertando-a. Estava louco para
deixar uns tapas ali enquanto a comia de quatro, mas esperava que
fosse pelo menos em um lugar decente, já que nossas opções até o
momento foram o chão da cozinha e a areia que, apesar de oferecer
a privacidade que queríamos, não era tão confortável.
— Nana! — chamei devagar, sentindo sua língua passear
pelo meu pescoço e beijar a minha pele. Foi a minha vez de
arrepiar, adorando a sensação de ter sua boca em mim.
Ela desceu para o meu peitoral, dessa vez me olhando vez
ou outra com aquela cara impagável de safada. Contudo, o que
arrancou mesmo meu juízo foi a sua língua rodeando e logo depois
chupando o meu mamilo.
— Porra! — Xinguei, agarrando seu cabelo para afastar sua
boca dali.
— O que foi? — Nana perguntou com o cenho franzido. —
Ninguém nunca brincou com os seus mamilos antes?
— Não! — respondi, um pouco atordoado e Ayana riu.
— Por mais que eu goste quando você agarra meu cabelo
assim, preciso que me solte — ela falou sério, e eu aliviei o aperto,
até soltar completamente a mão de seus fios. — Acha que só as
mulheres têm os peitos sensíveis?
No lugar de esperar minha resposta, ela voltou com a boca
para o meu peito, sugando o bico quase inexistente e levou a mão
até minha sunga, alisando meu pau por cima do tecido. Rugi alto,
um pouco confuso com a sensação nova de prazer naquela área,
que enviava os espasmos diretamente para o meu membro. Ela
continuou brincando por ali e em um determinado momento puxou
minha sunga para baixo, colocando a mão quente ao redor do meu
cacete, masturbando-o.
— Ayana! — chamei por ela de novo, impulsionando o
quadril para cima, buscando por mais atrito.
— Calma, bonitão, já vou cuidar de você.
— Depois eu quem sou safado. — Consegui provocá-la em
meio ao êxtase.
— Eu nunca disse que era santa, Igor. — Ela escolheu
aquele momento para jogar o corpo para baixo e abrir a boca de vez
sobre meu pau.
— Puta que pariu! — Urrei quando ela me sugou ali, tirando
mais um pouco do meu controle.
Estava me comportando como a porra de um adolescente
recebendo o primeiro boquete, e que se foda, pois ninguém nunca
me chupou desse jeito.
Apoiei meu peso sobre os cotovelos para ter a porra da
melhor visão da minha vida: Nana com a bunda gostosa empinada
enquanto se esforçava para engolir meu pau por completo. Eu não
era só grande, também era um pouco mais grosso do que o comum
e sabia que não era nada fácil me levar inteiro, mas ainda assim ela
tentava.
Não conseguia parar de gemer, e nem queria, já que meus
gemidos pareciam incentivá-la a continuar. E, puta que pariu, foder
sua boca quase superava foder a boceta apertada que ela tinha.
Quase!
Deitei as costas outra vez e ergui apenas o pescoço para
vê-la. Puxei o laço que prendia seus cabelos e coloquei ao redor do
meu pulso para não perder. Agarrei seus cabelos com as duas
mãos, uma de cada lado, e cessei seus movimentos contínuos,
dando-lhe um olhar intenso antes de questionar:
— Posso? — Não precisava explicar que queria foder mais
duro sua boca, pois estava nítido nas minhas intenções.
Ayana acenou sem medo ou hesitação. Perfeita pra caralho.
— Se for demais, você crava as unhas na minha coxa, tudo
bem? — comandei, pois era ali que ela estava com as mãos
apoiadas. Outro aceno. — Respira fundo — mandei, preparando
meu psicológico para o que eu tinha certeza de que seria
enlouquecedor.
Ayana puxou o ar e, assim que parou, inclinei sua cabeça
para baixo, sentindo sua garganta engolir parte da minha glande.
— Caralho, Ayana! — Meu lábio tremeu, na verdade, meu
corpo inteiro, e eu nem havia colocado tudo ainda.
Seu olhar parecia provocador e orgulhoso, como se
questionasse: isso é o melhor que pode fazer?
Puxei a sua cabeça para cima outra vez, querendo ouvir sua
voz atrevida.
— Quer me dizer alguma coisa? — perguntei.
— Enfia tudo — falou, pegando meu pênis com a mão para
colocar em sua boca outra vez.
— Você é... — comecei a dizer e precisei parar no meio,
sentindo minhas bolas retesarem e meu pau inchar ainda mais do
que o possível quando sua garganta me engoliu um pouco mais.
Queria continuar e encontrar um elogio equivalente à
perfeição que era essa mulher.
Deixei-a me mamar por conta própria mais um pouco antes
de retomar o controle. Fiz da mesma forma, apertando os dedos em
seus fios e trazendo sua cabeça para baixo, sem resistência alguma
da parte dela.
Comecei aos poucos, rugindo alto sempre que meu pau
chegava quase no limite. Era a porra da sensação mais alucinante
da vida. Não demorou muito até que eu conseguisse enfiar tudo, de
modo que seus lábios encostassem em meu púbis. Fiquei alguns
segundos parado naquela posição e de olho em suas reações,
porém ela não reclamou. Parei com a brincadeira de explorar seus
limites e comecei a nos mover em sincronia, erguendo o quadril ao
mesmo tempo que trazia sua boca até mim.
— Me deixa gozar nessa sua boca gostosa, Nana? — pedi
ao sentir o orgasmo começar a crescer de forma desenfreada.
Ela acenou mais de uma vez e voltou a se empenhar nas
sugadas firmes, usando a língua para me estimular também.
Esporrei em sua garganta bem mais rápido do que previ,
gemendo como um animal sem controle, enquanto Nana continuava
a me chupar, engolindo meu sêmen até não sobrar mais nada.
Puxei-a para cima, não resistindo a beijar sua boca com
violência, sentindo meu próprio gosto amargo em sua língua. Ainda
era a porra do beijo mais gostoso que já provei e o meu gosto nela
só deixava tudo mais erótico e excitante.
Afastei-me, fitando seu olhar desnorteado de tesão.
— Eu vou chupar sua boceta até acabar com você, gostosa!
— Não era uma promessa, e sim um aviso, pois não perdi nem mais
um segundo.
Girei-a em meus braços, fazendo com que Nana caísse de
costas na areia, pois a água rasa nem chegava a cobri-la, mesmo
que estivesse deitada. Ergui suas coxas, levantando e abrindo-as
para mim, queria fazer aquilo até o seu limite, mas o corpo da
bailarina parecia ser de elástico.
Desci seus joelhos em direção ao seu corpo e consegui
encostá-los acima dos seus seios, quase na altura dos ombros.
Porra!
— Puta que pariu! — exclamei, impressionado.
— O que foi? — Ela riu, me olhando daquela posição
estranha, mas totalmente aberta para mim. — Você devia me ver
aquecendo.
— Quero muito presenciar isso um dia. Uau!
Rocei meu dedo indicador por sua virilha, passando pela
borda da tanga que, para terminar de me enlouquecer, era a porra
de um fio dental. Nana arquejou, com um olhar cheio de tesão
misturado à expectativa.
Inclinei-me, deixando um beijo na popa de sua bunda, em
sua virilha e depois no monte de vênus coberto. Sem conseguir
mais me controlar, passei a língua por uma parte de seus grandes
lábios, que escapava pelo biquíni.
Nana gemeu, começando a agitar o corpo, e eu precisei
parar para segurar os dois lados de suas coxas.
— Você gosta mesmo de me torturar, não é? — ela
reclamou, ainda tentando se remexer e com a voz entrecortada.
— Gosto de ver você se contorcendo, linda — Ergui
novamente a postura para dizer: — O jeito que você se perde
quando está excitada... porra!
Meu pau começou a ganhar vida outra vez, o que era um
problema fodido, já que eu havia acabado de gozar, mas com ela,
aparentemente, eu queria sempre mais, não conseguia me saciar.
Usei meu dedo indicador para afastar o tecido, esticando-o
para apenas um dos lados e olhei impressionado para a boceta
melada e totalmente exposta para mim. Naquela posição, até o seu
cuzinho ficava acessível, não que eu pretendesse brincar com ele
hoje, mas com certeza exploraria um pouco.
Inclinei-me para baixo, sem desconectar meu olhar do dela,
e, antes de afundar meu rosto em sua carne macia, acumulei minha
saliva e a soltei pelos lábios, pingando em seu centro. Nana mordeu
o lábio inferior, me fitando com o olhar mais faminto que já vi em
toda minha vida.
Desci de vez e esfreguei minha língua aberta por toda sua
extensão, me deliciando com o gemido alto e sensual que soltou.
Comecei devagar, sentindo seu gosto misturado à água salgada,
explorando cada pedacinho daquele paraíso.
E, porra, era muito bom estarmos sozinhos, pois os sons
altos que Ayana soltava me faziam gemer junto de tão excitantes.
Eu queria devorá-la, dar todo prazer que essa mulher merecia.
Usei meus lábios para ajudar, agitando a língua em cima de
seu botão com uma cadência repetida. Nesse momento, Nana
trouxe as duas mãos para o meu cabelo, usando uma força quase
sobrenatural para me empurrar em sua direção.
Meu couro cabeludo ardeu e eu murmurei em protesto,
agarrando seus pulsos e tirando-os dali. Apoiei meus antebraços na
parte inferior das coxas erguidas e prendi seus punhos na altura de
seu estômago, imobilizando-a.
Ergui o rosto, vendo sua expressão cheia de tesão e um
pouco de raiva agora. Abri um sorriso provocativo, gostando de tê-la
daquela forma.
— Sabe que pode me pedir para parar, não sabe? — falei,
observando sua reação. — Apesar que tenho quase certeza de que
você não quer parar, não é? — Inclinei o rosto e estreitei o olhar,
esperando por uma confirmação.
— Cala a porra da boca e me chupa, Igor. — Quase dei
risada por sua impaciência, mas preferi voltar a focar na boceta
dela, que contraía a olho nu.
Era uma visão linda pra caralho!
Enfiei minha boca ali novamente, forçando um pouco a
língua em sua entrada enquanto meus lábios estimulavam boa parte
de sua vulva. Ayana gritou, voltando a se agitar sob mim, mesmo
que estivesse quase completamente imobilizada.
Sua boceta começou a babar e o líquido foi se misturando
com minha saliva, escorrendo pela fenda. Desci mais a língua,
rodeando-a por seu ânus, que também piscava em desespero e
Ayana soltou um palavrão estrangulado, tentando se libertar do meu
aperto. Tirei um pouco a pressão dos seus pulsos e deixei que ela
os movesse. Para a minha surpresa, a safada voltou a enganchar os
dedos em meus fios, pressionando mais em sua direção. Ela queria
mais, pelo visto.
Porra, cacete, caralho!
— Eu preciso... — Se interrompeu para gritar quando forcei
a língua no buraco, porém sem penetrar. — Caralho, Igor! — A
safada voltou a se contorcer.
— Precisa...? — Afastei-me um segundo para incitá-la a
terminar a frase.
— Preciso gozar. — Lambi outra vez a extensão de sua
fenda, fazendo com que sua voz entrecortasse. — Você está me
matando, porra!
Sorri, satisfeito. Se estivéssemos em um local mais
adequado, meu dedo estaria enterrado ali, mas a água salgada ou a
areia poderiam lesioná-la, e seria mais desconfortável do que
prazeroso.
Imobilizei novamente seus punhos e voltei a dar atenção ao
clitóris inchado, alternando entre sugadas e estímulos com a língua.
Investi forte e rápido, fazendo com que seu corpo se agitasse,
ondulando e arqueando contra mim. Ela estava sem controle e não
demorou muito para sentir o tremor característico em suas pernas.
Ela gozou me chamando e eu soltei suas mãos para apertar
a carne gostosa de sua bunda, mas não consegui parar de chupá-la.
Desci as duas mãos espalmadas sobre a junção de suas
coxas e bumbum, me deleitando com o barulho estalado do meu
tapa somado ao seu gemido alto e rouco.
Olhei para cima por um momento, vendo seu peito subindo
e descendo com rapidez, seu queixo estava erguido e o pescoço
totalmente curvado para trás, impossibilitando minha visão de seu
rosto.
Limpei uma das mãos na água e enfiei dois dedos em seu
canal vaginal, curvando-os para cima.
— Porra, Igor! — Gemeu alto, trazendo as mãos para os
meus ombros e apertando-os.
Seu segundo orgasmo demorou mais um pouco do que o
primeiro, contudo, quando veio, meus dedos foram esmagados e
conseguia sentir o clitóris pulsar bem na ponta da minha língua.
Quase me perdi junto a ela, de tão gostoso que foi vê-la arrebatada
e desnorteada.
Capítulo 20 — Igor Reis

 
Alguns minutos após o último orgasmo de Nana, o tempo
começou a mudar. Uma nuvem pesada avançou pelo céu em nossa
direção, trazendo primeiro os chuviscos e depois a chuva mais forte.
Foi no mínimo engraçado nosso desespero, correndo para
pegar nossos objetos pessoais e roupas na areia. Vesti minha
bermuda e ajudei Ayana a se ajeitar também, colocando o boné em
sua cabeça e deixando um beijo na ponta do seu nariz, mesmo em
meio a toda aquela pressa para encontrar um refúgio.
Os bonés não ajudavam em quase nada a nossa proteção
contra os pingos da chuva e nem louco eu ficaria embaixo dos
coqueiros, já que eles balançavam descontrolados com o vento.
— Acho que precisamos ir debaixo de chuva mesmo — falei
para ela, me dando conta de que não havia nada aqui para nos
abrigar.
— Também acho melhor — disse, estendendo a mão para
mim.
Em vez de pegar sua mão a abracei pelos ombros, ajudando
a proteger um pouco seu corpo dos pingos, que eram fortes a ponto
de doer a pele.
Andamos por alguns metros e, em uma parte do caminho, vi
uma árvore grande e apontei, correndo junto com ela para o lugar.
— Ufa! — Suspirei, me escorando no tronco para descansar
um pouco.
Os uivos do vento atingindo as árvores eram até um pouco
assustadores, porém, ao menos aqui embaixo poucos pingos nos
atingiam.
— Acho que não demos muita sorte — Nana gritou por cima
do barulho da tempestade, fazendo uma careta assustada e
apontando para um galho.
Virei o pescoço, vendo o animal marrom esverdeado com as
unhas cravadas em um dos galhos. As patas lembravam a de um
jacaré e o corpo o de um camaleão, mas os olhos eram menores e a
pele passava a impressão de ser mais áspera.
— Eu acho melhor a gente ir embora daqui. — Ayana foi
dando passos de costas para fora do abrigo natural que a árvore
nos proporcionava.
Eu nunca tinha encontrado com um bicho desses, mas sabia
que eles não atacavam, a menos que fosse para se defender.
— Ele não vai nos incomodar, Nana. — Tentei fazer com
que ela se acalmasse um pouco. — Na verdade, nós quem estamos
no ambiente dele.
— Por isso mesmo é melhor a gente ir. — Ela arregalou os
olhos e o medo começou a tomar conta da sua expressão.
— Ei, calma. — Sorri, ajeitando a postura e me aproximando
dela. — Ele mal se mexe.
— Igor, o rabo dele caiu! — Nana levou uma mão à boca,
falando apavorada e eu virei o pescoço, vendo parte da calda do
bicho no chão, se mexendo.
— Vamos embora. — Voltei a abraçar seus ombros e nos
guiar para longe da árvore.
Por sorte, mesmo que ainda estivesse forte, a chuva havia
aliviado um pouco. Andamos por uns cinco minutos até Nana
começar a gargalhar, parei em sua frente, estranhando a forma
nervosa como ria.
— O que foi?
— Você viu aquele bicho? — Conseguiu dizer em meio a
soluços.
— Sim — gargalhei também, um pouco pela situação e pela
sua reação.
Ela deve ter sentido mesmo muito medo, já que agora seu
corpo estava tentando liberar a tensão involuntariamente.
— Tá tudo bem, Nana — Passei meus braços ao redor de
seus ombros trêmulos. — Eu não ia deixar a iguana jantar você —
falei, tentando amenizar um pouco a situação.
Alguns segundos se passaram e o riso foi perdendo a força,
até que ela se acalmou por completo dentro do meu abraço.
— Ele era muito feio — disse, mais calma.
— Eu sei. — Afastei-me e olhei em seu rosto antes de me
inclinar para lhe dar um selinho. — Não vamos mais nos afastar
tanto assim da mansão, tá bem?
— Mas como a gente vai transar? — ela fez beicinho
perguntando e foi a minha vez de gargalhar.
— Você estava aí tremendo de medo de um iguana e agora
está preocupada onde vamos transar? — perguntei e ela acenou
devagar, confirmando. — Aquela casa é enorme, Nana. Vamos dar
um jeito. Iara me contou que tinha até uma biblioteca. Depois
podemos explorar.
Sugeri, me aproximando e puxando seu lábio inferior entre
os meus.
— Eu também posso fugir pra sua cama de madrugada —
ela disse, com a boca encostada a minha.
— Hmmm, isso pode ser perigoso — falei, subindo uma das
mãos para os cabelos de sua nuca e puxando-os.
Beijei sua boca gostosa, sentindo a água da chuva se
misturando às nossas salivas enquanto os pingos escorriam por
entre os nossos corpos.
Talvez, nosso beijo nunca perdesse essa intensidade e
fascinação gostosa. Era sempre como da primeira vez.

Quando chegamos à mansão, todos haviam se dispersado.


Somente Kostas estava na sala de estar e informou que todos foram
para seus quartos quando o temporal começou.
Ayana e eu subimos também, tentando fazer o menor
barulho possível. Em vez de deixá-la entrar no próprio quarto, a
puxei para o meu e tranquei a porta, tirando nossas roupas
molhadas.
Eu estava morto de frio e os lábios dela tremiam devido ao
banho de chuva e ao vento. Enrolei a toalha em volta da minha
cintura e peguei outra para ajudar a secá-la.
— Você deve estar com frio também — falou baixinho,
abraçando o próprio corpo.
Ignorei e continuei comecei a secar o corpo dela. Os
cabelos de Nana pingavam e nem havia mais cor em suas mãos
devido à temperatura.
— Acho que fugir não foi a melhor ideia que tive — me
lamentei. No início tinha funcionado, mas depois, com a chuva, a
Iguana e o frio, talvez tivesse melhor ter permanecido em casa.
— Você não podia adivinhar, Igor — Ayana disse enquanto
eu espremia seus cabelos com a toalha.
Depois que nos secamos, peguei uma das minhas camisas
e a vesti. Coloquei uma boxer e bermuda, e nos deitamos
abraçados para descansar.
— Se continuarmos nesse grude, todos vão acabar
percebendo. — Nana comentou um tempinho depois com o nariz
colado ao meu.
— Podemos dizer que somos apenas amigos — sugeri. —
Nos conectamos com a viagem e nos tornamos bons amigos.
— Ou talvez devêssemos pegar um pouco mais leve, não é?
— Tudo bem, vamos pegar mais leve.
Eu não entendia bem qual o significado de pegar leve, já
que ela saiu da minha cama apenas na hora de se arrumar e eu
jamais reclamaria disso. Apenas tentaria fazer o que sugeriu, no
entanto, tudo ficava cada vez mais difícil, principalmente porque não
havia nenhuma chance de eu tirar os olhos dela aquela noite.
Quando desci, boa parte da nossa família já estava
arrumada, todos de um lado para o outro terminando de organizar a
nossa festa. Já não chovia mais e toda a casa estava iluminada,
incluindo o jardim, piscina e a praia.
— Uau, você tá um gato, filho! — Sorri para mamãe, que
abriu um sorriso radiante ao me ver.
Dona Ivana também estava linda, com seu macacão longo
em um tom claro de creme, que parecia quase branco. Eu tinha
vestido apenas uma camisa branca de botões e uma calça jeans,
nada demais.
— A senhora quem está linda, mãe! — elogiei, abraçando-a.
— Papai ainda não desceu?
— Seu pai saiu, acredita?
— Ele e o tio Jota — Iara apareceu ao nosso lado. — Eles
estão aprontando algo, alguém quer apostar?
— Eles sempre estão aprontando algo — mamãe disse e
elogiou minha irmã também, que vestia uma calça branca enorme e
um top cintilante pequeno de alças.
Ela estava linda, mas eu jamais diria aquilo em voz alta.
Éramos unidos, mas ainda irmãos.
Aproximei-me do meu padrinho, que conversava
animadamente com o treinador do Blues. Eu amava futebol, joguei
profissionalmente por um período pequeno, porém, ainda assim, era
meu esporte favorito, por isso entrei no assunto.
Em um determinado momento, algo atraiu quase que
automaticamente meu olhar para o topo das escadas, e então minha
respiração ficou presa na garganta. A mulher mais linda que já vi
descia devagar, ainda alheia ao meu olhar admirado.
O vestido longo verde-água tinha um decote profundo na
frente e uma fenda enorme na lateral, deixando uma de suas pernas
à mostra enquanto descia os degraus. Eu queria, ou melhor, deveria
desviar a atenção, contudo, parecia impossível.
Seus cabelos longos estavam secos e caíam por seus
ombros. Os brincos, o colar de brilhantes pequenos e até a
maquiagem leve... todo o conjunto era uma perfeição.
Abri um sorriso largo quando ela me viu, e Nana hesitou um
pouco, desviando o olhar para a minha esquerda. Virei o pescoço a
tempo de ver tio Thiago me encarando com as pálpebras cerradas e
o cenho franzido. Continuei sorrindo, tentando disfarçar o meu
coração acelerado e a respiração um pouco descompassada. Voltei
a ouvir sobre a nova contratação do Bluedogs, um jogador alguns
anos mais velho, mas que tinha um bom rendimento nos times
Europeus.
— Papai jogou no Blues até os trinta e oito, acho — falei
para Kostas — e só parou quando a mamãe engravidou de Iara. O
plano era ele se aposentar um pouco antes, mas não conseguiu por
conta dos contratos e tudo mais.
Fiz o que pude para não olhar na direção de Nana, que
parou ao lado de mamãe e Iara. Porra, eu precisava achar uma
forma de me controlar.
— Bruno está voltando por motivos pessoais. Ele é um meia
excepcional, porém, nós sabemos que o emocional é um fator
importante no rendimento do atleta.
— Mas se ele resolveu voltar, mesmo com todo o prestígio
na Europa, acredito que tenha um motivo forte. Talvez sua situação
melhore, talvez até consiga um desempenho melhor por estar
recebendo o apoio da família de perto. Não há como prever — tio
Thiago falou, tirando a atenção de mim.
— Você pode ter razão — Kostas concordou.
A noite seguiu e a cada vez que meus olhos se encontravam
com os dela, meu coração acelerava e eu rapidamente os desviava,
tentando parecer entretido com outra coisa.
Só dispersei minha atenção de Ayana quando notamos que
papai e tio Jota continuavam desaparecidos e ninguém tinha a
menor ideia de para onde foram. O tempo passou rápido e faltavam
dez minutos para a meia-noite quando nos reunimos do lado de fora
no jardim.
— Eu só vi os dois pegando o barco sozinhos mais cedo. Já
estavam arrumados — Júnior explicou, no meio da rodinha que
fizemos.
— Ai, ai! — tia Virgínia suspirou, massageando a testa com
a ponta dos dedos. — O que esses dois malucos estão aprontando?
Mamãe continuava quieta ao lado da minha irmã, com as
duas mãos na cintura e o olhar vagando de uma pessoa para outra.
— Mãe? — chamei, sondando se ela sabia de alguma coisa.
— Só sei que seu pai insistiu para que eu ficasse acordada
até depois da meia noite. Ele disse que iria acontecer algo muito
legal.
— Por muito legal quer dizer que eles fizeram alguma merda
— meu padrinho completou.
— Como que vocês dois estão de fora dessa? — Gabi
apontou de Júnior para tio Thiago com a expressão desconfiada.
— Não olha pra mim, os idiotas não me disseram nada. —
tio Thiago se defendeu.
— Nem pra mim! — Júnior balançou a cabeça em negativo,
agitado e preocupado.
— Vamos só nos acalmar, tá bem? — Zuri espalmou as
mãos na frente do corpo, com as palmas viradas para fora e o
celular aceso em uma delas. — Caso eles não voltem em uma hora,
entro em contato com a guarda costeira ou a embaixada Brasileira
daqui.
— Ajudou muito a promover a paz agora, mana. — Erik
zombou.
— Alguém já tentou ligar? — Turrinha perguntou.
— Claro! — Um coro de vozes soou, respondendo-o.
— Gente, dez segundos para o ano novo — Noah falou,
erguendo o punho com o relógio.
Começamos uma contagem regressiva desanimada, todos
se entreolhando com um misto de preocupação e nervosismo.
Ninguém estava no clima, de fato, pois um desaparecimento a essa
altura, bem no momento do réveillon, era um pouco assustador.
Contei junto com eles, aproveitando o momento para
observar Nana, que roía as unhas de tão nervosa que estava.
Quando chegamos no fim da contagem decrescente, nos
observamos em silêncio, todos sem reação. Nada de abraços,
felicitações ou gritaria. Apenas um completo silêncio...
Até que um apito alto soou de algum lugar, e todos
começaram a procurar a direção do barulho. Um segundo depois,
fogos de artifício começaram a explodir do mar e, à medida que eles
estouravam, mais clara ficava a imagem de um barco grande perto
da ilha.
Ninguém entendia nada. Nem os fogos, muito menos o apito
contínuo, até que uma luz forte acendeu, revelando a popa de um
iate médio e um homem acenando incessantemente do terraço
superior.
— Anh? — alguém murmurou.
Fomos todos para a praia, tentando entender o que estava
rolando. Poucos minutos depois, a buzina parou e o celular de tia
Virgínia começou a tocar.
— É ele — ela falou, deslizando o dedo na tela para atendê-
lo.
— Feliz ano novo, minha Bela! — Tio Jota gritou do outro
lado.
— Onde você está, João Paulo? — a mulher questionou em
um tom bravo.
Tio Jota abriu um sorriso enorme e começou a caminhar
pelo local claro, bem na hora que o homem sumiu do terraço do
Iate.
Eles não fizeram isso.
Fizeram?
Tio Jota aproximou-se do meu pai, no que parecia ser uma
cabine de comando.
— Nós compramos um Iate! — falou animado.
— Vocês o quê?! — mamãe e tia Virgínia perguntaram ao
mesmo tempo, estarrecidas.
— Conheçam o nosso Possante! — meu pai falou animado,
sentando a mão na buzina outra vez.
— Puta que pariu! — Mamãe levou a mão à testa, fechando
os olhos e respirando fundo.
— Mascotinho — tio Jota gritou por cima do som —, esse é
pelos velhos tempos!
Os dois coroas estavam muito encrencados!
Capítulo 21 — Ayana Klein

Arrastei minha mala para fora do elevador, entrando no


andar do meu apartamento. Eu já havia visitado aqui antes, mas as
coisas pareciam diferentes agora.
O prédio que pertencia ao tio Thiago e ao tio Turra era
luxuoso e aconchegante. Havia apenas dois apartamentos por
andar, e papai já havia me avisado que eu não tinha vizinho de
porta.
Por falar nele, seu João Paulo e dona Virgínia insistiram
muito para vir comigo, no entanto, eu queria tanto curtir esse
momento sozinha que os convenci a ficar em casa. Estávamos
todos cansados de viagem também, pois chegamos no Rio ontem
no fim da tarde, e eu acabei dormindo no condomínio.
Viemos de avião, lógico! Quem se arriscaria em uma viagem
longa de iate com dois aspirantes a marinheiros? Mamãe e tia Ivana
quase surtaram com a novidade deles e os dois tiveram muito o que
explicar, porém, no fim, deu certo. O iate era lindo e luxuoso, e nos
aproveitamos bastante dele durante esses dias que ficamos na ilha.
Contudo, agora eu estava em casa e tinha uma lista de
tarefas enorme para cumprir: comprar lençóis, travesseiros e itens
domésticos. Copos, talheres, panelas... não tinha nada disso ainda
e estava animada para começar a montar o meu cantinho.
Na Rússia, morava sozinha em um bairro muito bom, meu
apartamento era confortável, entretanto, não havia essa sensação
gostosa de pertencimento como acontecia aqui. Moscou nunca seria
meu lar definitivo, ao contrário do Rio.
Destranquei a porta e me admirei com a beleza do lugar que
era muito diferente dos vídeos e das fotos. A construtora havia feito
um trabalho impecável, integrando até os pequenos detalhes que
sugeri, mas eu ainda precisava de um sofá, um tapete e talvez uma
ou duas mesinhas aparadoras.
Tirei meu celular do bolso e abri a câmera frontal, tirando
uma selfie que mostrasse o apartamento como pano de fundo.
Enviei para Igor, não conseguia decifrar o porquê, mas foi a primeira
pessoa para quem quis mostrar. Depois encaminhei para Dimitri,
avisando que já estava em casa.
Passamos mais seis dias na ilha após o réveillon, fugimos
inúmeras vezes no meio da noite e algumas durante o dia também.
Ele era insaciável, e meu fogo no rabo estava no mesmo patamar.
Foi muito bom enquanto estivemos na ilha, parecendo dois
adolescentes no auge da puberdade, naquela fase em que os
hormônios sempre falam mais alto. Entretanto, agora estávamos
cara a cara com a realidade. Ele foi sincero comigo todo esse
tempo, deixando claro que não existia possibilidade de ficarmos
juntos, porém, era difícil não pensar nele sempre que eu queria
compartilhar algo, pois, além das transas, nos tornamos bons
amigos.
Igor era bom de cama e bom de papo. Na verdade, ele
sempre sabia o que me dizer, nas conversas e naquele momento
sórdido ao pé do ouvido. Eu gostava das conversas pós sexo, das
risadas e da maneira que se soltava quando estava comigo. Era
bom, mas agora eu precisava esquecer.
Igor Reis: Está bem vazio, não acha?
Ele me mandou uma mensagem, tornando mais difícil a
tarefa de esquecê-lo.
Eu: Sim, vou sair daqui a pouco para comprar móveis. E
talheres, pratos, eletrodomésticos, roupas de cama...
Igor Reis: Ou seja, tudo!
Igor Reis: Quer companhia?
Eu: Vai carregar minhas sacolas no shopping?
Igor Reis: Com prazer.
Eu: Barra Shopping em uma hora?
Igor Reis: Só se você almoçar comigo.
Eu: Combinado então.
Sorri como uma idiota para a tela do celular e, ao notar o
gesto, sacudi a cabeça, enfiando-o de volta no bolso do jeans e
puxando minha mala pelo corredor até o quarto vazio. Eu não tinha
cama ainda, mas ao menos havia um closet anexo ao quarto já
equipado com araras e prateleiras. Olhei ao redor, imaginando
minhas roupas todas arrumadas naquele espaço.
Deixei minhas coisas no cômodo e saí andando pelo
apartamento. Primeiro parei no miniestúdio que pedi para incluir no
lugar de um dos quartos. Duas das paredes eram de espelhos do
chão ao teto e havia uma barra enorme fixada no meio de um deles;
o sistema de som e iluminação estavam embutidos e podiam ser
controlados pelo interruptor ou pelo comando de voz ao assistente
virtual que eu ainda precisava instalar. Esse espaço era o paraíso.
Claro que eu já havia visto tudo por fotos, só que nada se
igualava a estar aqui.
Parei no meio do cômodo e chutei os sapatos, esticando os
braços e me apoiando em apenas uma das pernas para elevar a
outra. Rodopiei, impulsionando meu corpo para cima e saltando.
Não foi perfeito, claro, a falta de sapatilhas influenciava o impacto
com a madeira maciça, mas, assim que o restante das minhas
coisas chegasse da Rússia, voltaria a dançar aqui. Por enquanto
faria apenas meus alongamentos e logo, logo este lugar se tornaria
meu santuário.
Calcei os sapatos outra vez e saí dali, checando os outros
dois quartos, sala de estar, cozinha, lavanderia e varanda.
Demoraria um tempo até conseguir mobiliar e arrumar tudo, porém
ficaria o máximo.

Cheguei ao shopping perto do horário combinado e


estacionei em uma área mais tranquila. Digitei uma mensagem para
Igor, informando onde eu estava e não demorou até que um carro
parasse ao lado do meu. Não meu, do meu pai.
Papai tinha uma coleção de carros, a maioria de luxo, e
quando falei que chamaria um motorista no aplicativo para ir
embora, ele quase me devolveu para adoção. Era inadmissível eu
ficar transitando de Uber quando havia bem mais de uma dúzia de
carros na garagem.
Escolhi o Jeep Commander, pois, de acordo com papai, era
um dos mais seguros. Peguei minha bolsa e desci do veículo,
animada pelo fato de ele ter vindo me encontrar. Pelo visto, eu tinha
caído que nem uma tonta no charme de Igor. Foram tantas energias
direcionadas para não me apegar que fiz exatamente o oposto.
— Oi, estranha — Ele abriu aquele sorriso lento e sensual,
me cumprimentando de longe.
Ainda não entendia esse lance de estranha, contudo,
enquanto ele sorrisse para mim dessa forma, não questionaria. Igor
abriu os braços e eu me encaixei dentro deles, sentindo aquela
agonia na boca do estômago outra vez.
Merda!
Meu corpo não podia reagir dessa forma sempre que
estivesse ao lado dele. Era absurdo!
— Como você está? — perguntei, ainda dentro de seu
abraço firme.
Nos vimos pela última vez ontem à tarde, quando
desembarcamos, e eu sabia que voltar aqui era um desafio para ele.
— Tudo tranquilo — falou, afastando-se um pouco para
deixar um selinho em meus lábios. — Você parece bem feliz. —
Sorriu ao dizer.
— Eu estou.
— E o que achou do apê? — perguntou, ainda animado.
— O estúdio ficou magnífico — contei, empolgada. — O
lugar todo ficou maravilhoso, na verdade, mas o estúdio e o closet
me pegaram, confesso.
— Sabia que você iria gostar. — Igor trouxe uma de suas
mãos enormes para o meu rosto, fazendo com que aquela sensação
agonizante voltasse.
Meu coração acelerou rápido e minha boca secou enquanto
olhávamos um para o outro. Eu amava ver brilho naquelas íris azuis,
amava também que ele demonstrasse essa leveza comigo.
Igor tocou meus lábios com os seus, cobrindo parte da
minha nuca, bochecha e mandíbula com mão. Seu polegar se
encaixou um pouco acima da minha garganta, me mantendo na
posição que bem queria, ao passo que sua boca assaltava a minha.
Subi as mãos para os seus ombros, puxando-o mais em minha
direção, e seu outro braço se encaixou ao redor da minha cintura
com firmeza, causando-me um arrepio gostoso da base da coluna
até o fio de cabelo.
Eu queria montar nele ali mesmo, fazer com que me
imprensasse entre um dos carros para me foder com força, mas
estávamos no estacionamento do shopping, e provavelmente isso
fez com que ele nos interrompesse.
— Mais um pouco disso e eu te enfio dentro de um dos
carros — falou com o tom de voz rouco. Sensual demais.
— Eu te imaginei me imprensando contra um deles.
— Você é pior que eu, Nana. — Senti o tremor de sua risada
contra minha pele e quase soltei um gemido. — As coisas seriam
tão mais fáceis se eu não quisesse te beijar a cada vez que te vejo.
— Mais fáceis pra quem? — Sorri de olhos fechados,
imitando uma de suas falas da primeira vez que transamos,
enquanto ele acariciava minha nuca com a mão.
— Pra nós dois — respondeu baixinho e depois completou:
— Amo quando você fica molinha assim nos meus braços.
Abri as pálpebras devagar, sentindo tudo o que não deveria.
Indo contra tudo que prometi a mim ao me envolver com Igor, no
entanto, a grande questão aqui era: existia alguma possibilidade de
não me apaixonar?
Não. Não quando esse homem dizia todas as coisas certas,
não quando ele era carinhoso, romântico e cuidadoso de uma forma
tão natural que nem ele mesmo notava. Igor era especial... em todos
os sentidos.
— Nana? — ele me chamou, e só então notei que estava
com o olhar distante.
— Oi! — Ele estava me olhando com uma grande
interrogação expressa no meio da cara, mas nunca que eu
compartilharia meus pensamentos. — Vamos entrar?
Desvencilhei-me do seu abraço com facilidade, travei o
carro e comecei a andar, esperando que me acompanhasse.
— Tem uma ordem de prioridade?
— Eu preciso de todos os móveis que se tem dentro de uma
casa. Incluindo lençóis, panelas, pratos, copos, talheres. Nem
consigo pensar nos meus pais indo ao meu apartamento sem nem
terem onde se sentar.
— É a primeira vez que você está morando sozinha no
Brasil, Nana, eles vão entender.
— É capaz do meu pai mobiliar minha casa no mesmo dia,
você o conhece — falei apavorada e Igor deu risada.
— E isso seria ruim por quê?
— Não seria nada ruim, mas ele já me deu tanto, incluindo o
apartamento, e eu sequer paguei pela reforma dele. Eu posso e
quero pagar por tudo, entende?
— Pobre menina rica! — Igor suspirou dramaticamente.
— Cala a boca que você também é rico. — Sorri,
empurrando o ombro dele de brincadeira.
— Mudando de assunto, já comecei a pesquisar alguns
espaços para o seu estúdio. Achei algumas opções legais que vou
te mandar mais tarde. Você quer que seja na zona sul, certo?
— Na verdade, não é uma regra. Seria bom que fosse em
um local acessível, perto da minha casa e que tivesse bom acesso
de ônibus. Sei que a maioria dos meus alunos vêm de carro, mas
quero que seja fácil para todos chegarem.
Entramos na área comum do shopping e apertei o botão do
elevador, parando para olhá-lo.
— Por causa do projeto social, não é?
— Isso. Inclusive, vou passar na sua casa mais tarde para
conversar com o tio Turra sobre isso.
— Será um prazer te receber. — Igor deu aquele sorriso
cheio de más-intenções e ergueu um dos braços, apoiando a mão
na parede ao meu lado.
— Vai ser um prazer ou você pretende me dar prazer? —
Aproveitei que estávamos ali sozinhos e baixei a voz, deixando meu
tom o mais sensual que consegui.
— Acho que as duas coisas — Seu sorriso se alargou e ele
inclinou o pescoço na intenção de me beijar outra vez, no entanto, o
elevador apitou e as portas duplas se abriram ao nosso lado.
— Vamos lá! — Respirei fundo ao mesmo tempo que dava
um passo à frente e ele suspirava, me seguindo.
Capítulo 22 — Igor Reis

Assim que pousamos no Rio, nossas famílias se


dispersaram. Turrinha e Jasmine já tinham voos marcados para
Connecticut, pois os dois estudavam em Yale. Eric e Manu voltaram
no Bumbum de Ouro para a Europa, e eu confesso que só não
retornei com eles pois havia prometido aos meus pais que ficaria no
Rio por um tempo.
Voltar ao Rio de Janeiro talvez fosse meu maior dilema de
algum tempo pra cá e devo admitir que as pessoas mais animadas
com minha presença eram meus pais e minha irmã.
Ontem à noite fizemos até uma sessão de cinema em
família, como costumávamos fazer quando eu e Iara éramos
crianças. Tudo se resumia em papai tirando altos cochilos, Gabi,
Agenor e Iara discutindo cada parte do enredo, e mamãe e eu
prestando atenção. Nada mudou, foi tudo do mesmo jeito.
O quarto em que passei a infância, adolescência e uma
pequena parte da fase adulta estava pronto em casa para mim, e no
fundo foi bom relembrar a época que em que minhas únicas
preocupações eram estudar, tirar boas notas e jogar bola com os
meninos no quintal. No entanto, a realidade agora era um coração
quebrado e uma série de traumas quase irreversíveis.
Aproveitaria esse tempo no Rio para ver como andavam as
coisas na empresa, tirar um novo visto para os Estados Unidos e
ajudar Nana a escolher o local de seu estúdio. Confesso que essa
parte era a que mais me animava: nosso tempo juntos.
Contudo, era nítido que em algum momento tudo
desandaria, e ele, aparentemente, havia chegado.
— Quer ir ao meu apartamento? — Nana perguntou assim
que paramos no estacionamento para pegar nossos carros. —
Tenho que pegar umas roupas antes de ir dormir nos meus pais,
pois os móveis só chegam amanhã. Sabe que lá não tem nada além
da bancada, apesar que bancadas e chão de cozinhas não são
novidades para nós.
Ela disse animada, virando-se de frente para mim.
Passamos uma manhã bem proveitosa, comprando tudo de
que precisava para o seu novo lar. Minhas duas mãos estavam
repletas de sacolas e as dela também, isso porque já havíamos
trazido a maioria para o carro.
— Eu marquei de ir à empresa ainda hoje — falei, olhando
para o meu relógio no pulso que marcava quase duas da tarde. —
Acho que fica pra uma próxima — Sorri, mesmo sabendo que
provavelmente não cumpriria aquela promessa.
Talvez Ayana ainda não soubesse, mas o seu apartamento
é ao lado do que eu costumava morar com Clarissa, e eu não tinha
a menor pretensão de voltar àquele lugar, porém, não fazia ideia de
como contar. Acho que, pela primeira vez, tive vergonha de dizer
que estava com medo de não suportar o peso das lembranças ao
voltar para o prédio onde morei por dois anos.
E nem era novidade para ninguém o quão destruído fiquei
depois de tudo que aconteceu, mas hoje, com ela, eu desejava não
ser esse homem.
— Ah, nossa! Eu te aluguei e sequer perguntei se você tinha
outros compromissos — Nana falou, destravando o carro e abrindo
o porta-malas lotado.
— Eu que me ofereci para vir. — Lembrei a ela, fazendo
uma careta e começando a reorganizar as compras para que
coubesse tudo.
Eu tinha descido o banco traseiro para caber mais coisas,
no entanto, o espaço ali já estava quase todo ocupado.
— Bem que eu queria dizer que exagerei, mas não tinha
nada em casa — ela disse, me entregando mais sacolas.
— Creio que ainda esquecemos algumas coisas, porém,
com o tempo você vai organizando tudo — falei, segurando o
presente que havia comprado para ela quando se distraiu em uma
das muitas lojas em que passamos. — Aqui — Virei-me, entregando
a caixa em suas mãos —, um pouco de você na sua decoração.
— O que é isso? — perguntou, desconfiada.
Ela não me deixou pagar por nada além do nosso almoço,
então aproveitei seu momento de distração e comprei a escultura
que vi em uma loja de artesanato. O objeto parecia ter sido moldado
para ela.
— Abre — incentivei, dando-lhe um sorriso pequeno.
Nana começou a desembrulhar a caixa e depois a abriu,
tirando a escultura de dentro.
— Uma bailarina — falou admirada. — Que linda!
Senti orgulho de mim mesmo por ter certeza de que ela iria
gostar assim que coloquei os olhos no ornamento.
— Achei que combinaria muito com você.
— Sim, e é incrível! — ela falou, segurando o objeto com
uma mão enquanto me abraçava com apenas um dos braços. —
Muito obrigada.
— Por nada, linda. — Deixei um beijo em sua bochecha
antes de me afastar. — É meu presente de boas-vindas.
— Não precisava, Igor, mas eu amei, obrigada!
Foi muito bom ver o brilho nos olhos dela enquanto dividia a
atenção entre a escultura e eu, contudo, não queria focar nisso
agora, nem ceder à vontade que tive de beijá-la outra vez no meio
do estacionamento.
Ayana era um sopro de vida muito bem-vindo. A luz e
alegria que transmitia conseguiam afastar de mim parte da
escuridão que me cercava.
O que tínhamos começava a ir além da atração física e do
sexo, mas eu não podia permitir que excedesse mais algum limite,
pois em breve sairia do Brasil, e ela havia entregado tudo para
reconstruir sua vida aqui.
E o pior disso tudo é que eu olhava para o futuro e já me via
com ela, sendo dela e entregando o mundo aos seus pés. E era
exatamente nesse ponto que deveria colocar a porra da minha mão
na consciência. Passamos alguns dias juntos, poucos dias, e eu já
estava tão entregue que era até vergonhoso. Miguel tinha mesmo
razão, meu lado racional saía totalmente de questão quando o
emocional começava a falar.
Mais um pouco de tempo nesse arranjo e podia apostar que
eu desistiria de morar fora do país, do mestrado que queria tanto
fazer e voltaria para o Rio, mesmo que precisasse convencê-la a se
mudar daquele prédio.
— Igor? — Nana chamou quando passei um longo tempo
fitando seu rosto sem nenhuma reação após fechar o porta-malas.
Deveria ser forte o suficiente para não me deixar levar, mas
era tão intenso que, quando via, já estava lá. Ayana me puxava de
forma invisível, me fazia querer estar presente.
Mas eu não podia.
— Eu vou indo — falei, dando alguns passos para trás e
entrando em meu carro sem dizer mais nada.
Coloquei o cinto de segurança e olhei para fora, vendo seu
olhar confuso em minha direção.
Eu estava sendo a porra de um babaca idiota.
Estiquei os lábios em um sorriso e acenei para ela antes de
acelerar para longe dali.
Ayana nunca saberia de nada. Nem da paixão adolescente,
nem dos sentimentos conturbados em meu coração.
E, para o bem de nós dois, eu compraria minha passagem
para Munique o mais rápido possível.
Ela merecia muito mais do que um cara com o coração
quebrado em vários pedaços.
Merecia um homem que não fosse preso a tantas dores e
lembranças, merecia ter uma vida feliz aqui no Rio, sem alguém que
estivesse o tempo inteiro querendo fugir do passado.
Capítulo 23 — Ayana Klein

 
Passei a tarde inteira tirando tudo que comprei das
embalagens. Como já tinha armários em casa, aproveitei para
guardar os itens de cozinha. Fora eles, também havia comprado
cabides, caixas organizadoras, lixeiros, um aspirador de pó e duas
mesinhas aparadoras pequenas e muito charmosas que deixei na
sala. Coloquei a bailarina que ganhei em cima de uma delas e me
animei ao ver tudo começando a ganhar forma.
Uma parte dos móveis chegariam amanhã à tarde; alguns
menos essenciais, como mesa de centro e rack para TV, deixei para
comprar depois. Também não havia comprado uma televisão ainda.
Mas, como Igor citou, com o tempo eu organizaria tudo.
O importante é que eu estava feliz.
Em Moscou, sabia que, por mais tempo que ficasse, uma
hora acabaria voltando pra casa, e por isso tentava não me apegar
a nada, porém, aqui era um pouco diferente. Eu queria me envolver
em cada pequeno detalhe, pois tinha certeza de que moraria aqui
por bastante tempo. Construiria boas lembranças nesse lugar e,
quem sabe, criaria filhos aqui também.
Espantei os pensamentos melancólicos e tranquei o
apartamento, saindo para ir dormir no condomínio.
Àquela noite, levei a ideia do estúdio e projeto para tio Turra,
que chamou tio Thiago, tio Júnior e meu pai para nossa pequena
reunião.
— Você já tem um espaço, Pocahontas? — papai
perguntou, sentado à minha frente, na cozinha da casa do tio Arthur.
— O Igor começou a ver isso pra mim. Contei minha ideia a
ele ainda em Barcelona.
— Ah, então foi isso que ele sabia naquele dia na mesa do
café da manhã? — Tio Thiago concluiu, levando uma das mãos à
barba.
— Exatamente. — Concordei. — Por falar nisso, onde ele
está? Ficamos de ver os locais juntos.
Perguntei, tentando disfarçar que minha vontade, na
verdade, era encontrar com ele e quem sabe conseguir fugir, como
fazíamos na ilha.
— Ele saiu de manhã para ir à empresa e deve ter se
empolgado, pois ainda não voltou.
— Acha que o Macedinho fica no Brasil dessa vez? — papai
perguntou ao tio Turra e aquilo era algo que eu também queria ouvir
dele, apesar de já saber da resposta.
— Ele conseguir estar de volta já é muito bom, mas não
parece muito animado para ficar — tio Arthur voltou a falar, apesar
do tom desanimado, também parecia conformado.
— Talvez ele encontre um bom motivo. — Tio Thiago olhou
sutilmente para mim e eu franzi o cenho.
Ele desconfiava. E isso significava que qualquer vacilo daria
certeza a ele.
— Eu acho que ele não se afastar já é um grande passo —
Tio Júnior falou pela primeira vez, eu nem sabia que ele estava
prestando atenção na conversa, já que ficou calado por bastante
tempo.
— Concordo, Mascotinho. Ele pode viver onde quiser,
contanto que não nos afaste outra vez. Além do mais, Igor quer
fazer mestrado em Munique, e eu não acho que isso seja ruim,
muito pelo contrário. — Tio Arthur concluiu.
— Tem razão, exceto a Moana, todos os meus filhos já
moraram fora do país. A Manu e o Turrinha moram fora, o Noah já
jogou em times Europeus. A minha bailarina aqui passou anos na
Rússia. — Papai apontou para mim com um sorriso orgulhoso que
eu retribuí. — As crianças voam, papito.
— Ah, não. De novo com essa merda, João Paulo?
E assim eles começaram a conversar ou discutir, não sabia
realmente como eles definiam o ato de implicar um com o outro sob
livre demanda. Depois começaram a falar do Possante que chegaria
ao Rio na semana seguinte e da primeira viagem que queriam fazer:
Angra.
Fiquei um pouco perdida no meio da confusão deles e
resolvi que era hora de sair de fininho. Eles mal notaram quando
deixei a sala e fui para a porta de entrada, ao abri-la, dei de cara
com Igor chegando.
Ele vestia um terno preto com uma camisa branca por baixo
e os primeiros botões abertos. Era tão injusto ele ficar atraente de
qualquer forma...
— Oi — Abri um sorriso lento, cheio de boas e más
intenções. — Acabei de perguntar por você ao seu pai.
— Falou com eles sobre o estúdio? — questionou, um
pouco sério demais. Diferente de como estava mais cedo.
— Sim, eles adoraram a ideia. Só falta mesmo começar a
ver o espaço — comentei fechando o sorriso, já que ele não havia
retribuído.
— Falei com um dos meus corretores. Ele localizou e me
encaminhou algumas opções, vou te enviar tudo. — Eu estava
mesmo ouvindo aquilo?
O tom de Igor era tão profissional que parecia estar
fechando um negócio.
— Você está bem? — questionei, confusa agora.
— Sim, sim. E você? Conseguiu organizar tudo no apê?
Pisquei e inclinei o pescoço para trás, confusa pra caralho.
Olhei ao redor para conferir se não havia ninguém nos observando e
tudo estava quieto. A casa de Tio Thiago, a minha casa, até a casa
de Aurora ainda tinha as luzes apagadas, ela devia estar no
parquinho com as crianças.
— Aconteceu alguma coisa? — Cerrei as pálpebras ao
questionar.
Mesmo que não estivesse me tratando mal, aquilo era muito
diferente do Igor de Barcelona e das Bahamas. Aquele Igor era frio
e apático, muito diferente do cara que enfiava a língua na minha
boceta dias atrás.
— Está tudo bem, Ayana — disse de forma enfadonha.
Suspirei, observando a expressão entediada em seu rosto,
enquanto meu coração acelerava e o estômago embrulhava de uma
maneira muito ruim.
Pela primeira vez na minha vida inteira, me senti usada.
Embora eu tivesse me aproveitado bastante do nosso tempo juntos;
ainda que eu soubesse de todas as implicações e consequências de
me envolver com ele; apesar de saber esse tempo todo que Igor
partiria em algum momento, eu não esperava por aquela atitude.
Talvez por isso estivesse sentindo o baque. Não conseguia
acreditar como as coisas haviam mudado tanto do início da manhã
até aqui. Esse cara na minha frente, com as mãos nos bolsos da
calça e o olhar sem vida parecia outra pessoa.
Olhei para seu rosto, sentindo uma mistura de confusão e
raiva. Queria gritar, xingá-lo e ao mesmo tempo arrancar a verdade
dele. Perguntar o que eu havia feito de errado. Será que eu havia o
pressionado demais?
Mas não disse nada. Apenas virei as costas e atravessei a
rua, entrando na casa dos meus pais. Não tinha ideia de como lidar
com essa situação, contudo, sabia que uma coisa era certa: eu não
merecia ser tratada daquela forma. Não merecia ser jogada fora.
Não assim.

Jantei com minha família e depois fui até a casa de Aurora


curtir um pouco com meus sobrinhos e isso me ajudou a dispersar
uma parte dos meus pensamentos sobre Igor. Eu nem devia estar
tão chateada assim. Foi bom, eu gozei muito e acabou.
Queria apenas entender por que meu coração burro não
entendia isso.
Quando voltei para casa, me despedi dos meus pais e subi
para o meu quarto, começando a me organizar para dormir. Ao me
deitar, peguei meu celular para ver se Dimitri havia respondido
minhas mensagens de mais cedo, porém, encontrei várias outras de
Igor.
Não podia ignorar o frio no estômago e o meu órgão
estúpido palpitando no peito.
Eu tinha me apaixonado.
Porra!
Em menos de dez dias eu me apaixonei por ele.
Que idiotice, Ayana!.
Suspirei, apertando os olhos por alguns segundos e
pensando em como diabos me envolvi tão rápido.
Abri as mensagens cheia de esperanças de que houvesse
uma explicação ali, algo que justificasse suas atitudes de mais cedo,
entretanto, outra vez eu me decepcionei pelas minhas próprias
expectativas.
Igor: Vou te encaminhar aqui todos os links e informações
das salas disponíveis. Destaquei as melhores opções e vou te
mandar o número do meu melhor corretor. Ele vai poder te
direcionar.
Embaixo da primeira mensagem havia oito opções de
estúdios. Como falou, ele destacou as melhores alternativas e no
fim estava o contato profissional de um corretor de imóveis.
Eu deveria estar feliz, certo?
Igor prometeu me ajudar e estava cumprindo sua promessa,
então, por que eu não conseguia me conformar com suas atitudes
indiferentes agora?
Eu: Obrigada. Pode mandar a conta também.
Bloqueei o aparelho, quase jogando-o de tão frustrada. Eu
estava bem perto do meu período menstrual e só isso conseguia
explicar a raiva desenfreada.
Segundos depois meu celular vibrou e eu o peguei outra vez
para abrir a mensagem.
Igor: Estou fazendo isso como seu amigo, não se preocupe.
Eu: Ah, então agora somos amigos?
Igor: Nós sempre fomos amigos, Nana.
Respirei fundo para não surtar e resolvi não responder.
Dormiria e amanhã pensaria melhor sobre como lidar com os meus
próprios dilemas internos.
A semana praticamente voou.
Meu apartamento já estava inteiramente mobiliado e
organizado. Agora parecia realmente um lar, e não um lugar vazio e
sem vida.
E eu também resolvi adotar um cãozinho. Na verdade, uma
cadelinha: Gretchen.
Sim, foi o papai quem deu o nome, ele era ótimo em
inventar apelidos insanos. Seu João Paulo também foi comigo
buscá-la no canil.
Gretchen era uma vira-lata caramelo de porte pequeno. Pelo
formato do focinho e os latidos irritantemente constantes e finos,
papai e eu achamos que ela era misturada com a raça pinscher.
Nossa primeira noite tinha sido difícil, pois ela só me deixou
dormir quando a coloquei em cima da minha cama, mas podia dizer
que nesses quatro dias nós duas adaptamos bem. Pelo menos a
Gretchen já fazia suas necessidades em seu cantinho e não tentava
mais se atirar da varanda ou rasgar o estofado do sofá. O que foi
um avanço notável.
Hoje, em particular, era um grande dia. Convidei toda minha
família para conhecer meu apê. E toda minha família implicavam
nos meus pais, irmãs, tios e tias e primos. Pelo menos todos que
moravam no Rio.
Havia feito uma chamada de vídeo mais cedo com Jasmine
e Erik ao mesmo tempo, mostrando todos os detalhes. Passamos
mais de uma hora conversando enquanto eu terminava de organizar
meus itens no closet.
Conferi outra vez se estava tudo certo com as bebidas e os
petiscos e olhei ao redor da sala grande, que já tinha rack e uma TV
também.
A bailarina que ganhei de Igor ainda descansava no mesmo
lugar, como uma lembrança permanente do tempo e conexão que
tivemos juntos. Confesso que uma parte de mim tinha esperanças
de que ele aparecesse hoje, mesmo que só como amigo e por
pouco tempo.
Não nos falávamos desde a semana passada, no último dia
em que dormi na casa dos meus pais. Eu não respondi sua última
mensagem e ele não fez questão de dizer mais nada. Ao que
parece, tudo o que aconteceu entre nós na ilha foi passageiro, e
agora eu não tinha ideia se podia culpá-lo ou não por ter me
apegado em tão pouco tempo.
Encerrei meus próprios devaneios quando ouvi vozes altas
no corredor quase ao mesmo tempo que minha campainha tocou.
Gretchen veio em disparada pelo corredor, latindo alto para
o barulho. Pelo visto, ela não curtia muito receber visitas.
— Vem aqui! — Peguei a cadelinha com um dos braços e a
apoiei em meu corpo, abrindo a porta.
Sorri animada para a multidão esperando do lado de fora,
convidando-os para dentro. Papai foi o primeiro a entrar, tirando
Gretchen do meu braço, mesmo que ela não parasse de rosnar para
ele.
— Simpática sua nova amiga — mamãe falou, segurando o
riso.
— A Gretchen é um amor! — Suspirei falsamente,
abraçando dona Virgínia.
— Esse nome foi ideia do seu pai, não é? — Mamãe cerrou
as pálpebras, me segurando pelos ombros.
— Claro que não! — arregalei os olhos, negando devagar
com a cabeça e mamãe me deu aquele olhar de quem sabia que eu
mentia. — É, foi! — concordei.
Ela riu, me dando um beijo antes de entrar. Zuzu me
abraçou também, erguendo depois a garrafa de vinho caro que
havia trazido.
— Você tem taças? — perguntou, já se espalhando na
minha cozinha.
— Somente copos de boteco e potes de requeijão! — gritei
da porta, provocando Zuri, enquanto falava com Ariel nos braços de
Aurora. Minha sobrinha nem parecia mais me conhecer, nossa
relação era assim: cheia de altos e baixos.
Tia Gabi, tio Júnior, tio Thiago, tia Bianca, Milena e Yasmin,
Noah, tio Turra, tia Ivana e Iara também vieram. Todos eles, menos
Igor.
— Eu trouxe uma coisa pra você — Iara falou, ela era a
última da fila para entrar.
Minha prima levantou a sacola grande e entregou nas
minhas mãos.
— É um difusor. Não sei se você curte, mas eu utilizo
aromaterapia no consultório e faz muito bem. Têm algumas
essências aí também que escolhi com a Gabi.
— Espero que você goste, Nana. — Tia Gabi colocou uma
mão em meu ombro. — Desde que Iara me apresentou isso, não
consigo mais viver sem.
— Eu tinha um na Rússia, mas era enorme e ficava no chão
do meu quarto — contei, animada. — Muito obrigada, gente. —
Abracei as duas de uma vez, fechando a porta atrás de mim quando
passaram.
— Igor chegou a vir aqui desde que chegou? — Tia Gabi
perguntou a Iara à medida que entravam na sala.
Todos os outros já estavam envolvidos em suas próprias
conversas, papai tinha ligado a TV, mas continuava com minha
cadelinha no braço, que parecia ter se acalmado. Mamãe, tia Ivana,
Tia Bianca e Zuri estavam atrás do balcão da cozinha, tentando
descobrir como abrir uma garrafa de vinho sem saca-rolhas, já que
eu não havia lembrado de comprar. Contudo, naquele momento, só
consegui prestar atenção no assunto sobre Igor, morrendo de
vontade de perguntar o porquê não tinha vindo junto com todos.
— Não — Iara respondeu, tranquila. — Foi por isso que ele
não quis vir hoje também.
— Como assim? — Não resistir em questionar e as duas
olharam para trás ao mesmo tempo. — Por que o Igor não viria
aqui?
— Ah, você não sabe.... — Tia Gabi concluiu, pensativa. —
O apartamento em frente ao seu é onde o Igor morou por um tempo
com a ex-noiva. Acho que seu pai te deu esse aqui antes de ele
começar a reformar o dele.
Tentei a todo custo disfarçar o choque em meu rosto, não
tendo certeza se havia, de fato, conseguido.
No mesmo dia em que ele mudou completamente comigo,
eu tinha o convidado para vir aqui. Pior, estava chamando-o para
transar.
Aquela descoberta estragou um pouco o meu humor. Eu me
sentia culpada agora, não que precisasse, pois jamais invalidaria
seus sentimentos. Igor sabia bem que podia conversar comigo
sobre qualquer coisa, foi assim desde o início e aquilo não mudaria.
No entanto, ele preferiu se esquivar e agir como se nada entre nós
dois houvesse existido algum dia.
Passei parte da noite um pouco aérea, tentando dar atenção
e mostrar toda a casa para minha família, ao mesmo tempo que
tudo reverberava em minha mente. Em um determinado momento
não aguentei e peguei meu celular, digitando uma mensagem para
ele:
Eu: Você podia ter me contado.
Deixei o aparelho em meu bolso para esperar sua resposta
enquanto tentava ouvir a conversa animada das mulheres sobre
utensílios domésticos que, na visão delas, eram inúteis, como o
descascador de bananas. Eu nem sabia que isso existia.
Igor: Do que estamos falando?
Parei de prestar atenção quando ele me respondeu e saí da
sala, indo me trancar no banheiro do meu quarto. Começava a ficar
um pouco difícil esconder a minha agitação.
Eu: O apartamento em frente ao meu é seu. Sabe que
poderia ter me dito, mas preferiu esconder isso e me evitar.
Igor: Não faria muita diferença se eu tivesse te contado, e
eu não estou evitando você, Nana.
Eu: Ah, não está?
Igor: Desculpe se dei a entender que rolaria algo além do
que tivemos na ilha.
Apertei o celular, com raiva.
Deus, eu precisava me controlar. Foi só a porra de um
feriado e acabou. Quanto mais rápido eu entendesse aquilo, melhor
seria para mim.
Eu: Quer saber...?
Eu: Vai se foder, Igor.
Eu: Pode fugir o quanto quiser e espero mesmo que você
nunca mais me dirija a palavra. Se era minha repulsa que queria,
você conseguiu. Tenha uma boa vida.
Coloquei o celular em cima da pia com mais força do que o
necessário e respirei fundo, tentando aplacar o misto de
sentimentos perturbadores que sentia: raiva, mágoa, dúvida,
arrependimento. Todos me atingiam de uma só vez.
Talvez me sentir daquela forma estivesse atrelado ao fato de
que eu esperava aquelas atitudes de qualquer um, menos dele.
Porém, pelo visto eu estava muito enganada.
Deveria ter dado ouvido a minha própria voz em todas as
vezes em que disse a mim para não ir além, não me envolver, não
me apegar. Fiz tudo errado e agora estava aqui, tentando não
chorar por conta de uma aventura, que nem chegava a ser uma
relação de verdade.
No quesito foder com minha própria cabeça, dessa vez eu
consegui me superar.
Capítulo 24 — Igor Reis

 
Olhei outra vez para a última mensagem furiosa dela e
comecei a digitar outro pedido de desculpas. Talvez fosse o
centésimo que escrevi na última semana e eu sempre terminava da
mesma forma, apagando tudo tão rápido quanto digitei.
A verdade é que meu coração acelerava só em pensar nela
e apertava ao lembrar o quanto deveria estar magoada com a minha
indiferença.
Nem eu sabia que era capaz de fingir tão bem, porém,
nesse momento não era sobre mim, e sim sobre Ayana. Pular de
cabeça em uma relação com ela poderia nos levar para o mesmo
problema do meu relacionamento anterior.
Por mais que eu tentasse me convencer de que Ayana e
Clarissa eram pessoas diferentes e não havia o mínimo de
semelhança entre as duas, nada tirava de mim a sensação de que o
problema, na verdade, era eu.
E por isso eu tinha certeza de que me afastar era a melhor
coisa a se fazer.
— Suas malas já estão prontas? — Levantei a cabeça ao
ouvir a voz de mamãe, nem tinha notado sua entrada na cozinha.
— Estão sim. Consegui um apartamento bem legal em
Munique também.
— Isso é ótimo, filho. — Ela sorriu, pegando um copo no
armário.
Mamãe estava suada e vestia roupas de treino,
provavelmente tinha voltado agora de sua corrida matinal.
— Vocês vão me visitar assim que possível, não é? —
perguntei e ela me olhou um pouco surpresa.
— Claro que vamos. — Mamãe acenou, sorrindo. — Qual é
mesmo o tempo de duração do seu doutorado?
— Eu ainda não passei, mãe.
— E você ainda tem alguma dúvida de que vai conseguir?
— Ela me olhou com aquela expressão confiante, como se eu fosse
o cara mais esperto do mundo. Bem coisa de mãe.
Deveria explicar para ela que é um programa muito
concorrido, um dos melhores do mundo, no entanto, aproveitei para
roubar um pouco daquela sua fé em mim antes de sair de casa.
Queria passar na empresa antes de almoçar com minha
irmã, pois era meu último dia no Rio. Minhas passagens estavam
marcadas para amanhã cedo e por esse motivo também estava indo
me despedir de Iara.
No entanto, ao sair do condomínio, me vi indo em outra
direção.
Tentei me controlar.
Fiquei o tempo inteiro empenhado em me convencer de que
havia ficado louco, porém, quando dei por mim, já estava
estacionando o carro na calçada do prédio que não só construí,
como morei.
Seu Luís, o mesmo porteiro, me reconheceu e liberou minha
entrada assim que me viu, dizendo o quanto era bom me ver.
Ergui a mão para apertar o botão de número 23 no elevador
e só então me dei conta de que estavam um pouco trêmulas. Nada
conseguia apagar as emoções que senti na última vez que estive
nesse lugar, mas eu queria ser corajoso e enfrentar os meus
próprios demônios agora.
Quando o elevador parou, dei alguns passos para fora dele
e entrei no corredor.
Algumas cenas se desenrolavam diante dos meus olhos e
me vi cercado pelas lembranças de dias felizes, mas também pelas
sombras dos meus erros passados. Tentei afastar esses
pensamentos, me concentrar no presente, entretanto, a dor parecia
tão forte que era quase palpável.
Parei em frente a porta de Nana e respirei fundo uma, duas
vezes antes de apertar a campainha.
Meus ouvidos estavam quase surdos devido ao barulho
cadenciado das batidas frenéticas do meu coração. Entretanto,
ainda consegui ouvir os latidos vindos do outro lado da porta.
Ela tinha um cachorro agora?
Toquei a campainha mais uma vez, por precaução.
Segundos se passaram, segundos que se transformaram em
minutos e eu continuava ali, parado em sua porta, até notar que ela
não estava em casa.
Saí de lá um pouco frustrado pela viagem perdida, mas
ciente de que não tinha direito de invadir o espaço dela dessa
maneira e que, na verdade, eu nem deveria estar aqui. Porém, ao
mesmo tempo, a saudade que sentia por ela era tão forte que
parecia que ia me engolir por completo.
Na verdade, eu não estaria me sentindo tão mal se tivesse
aberto o jogo, porém, de qualquer forma, tinha certeza de que
Ayana me daria motivos para ficar. Me diria para não ter medo.
— A moradora do 2301 não está em casa? — perguntei ao
porteiro, ansioso por qualquer migalha de informação.
— Saiu de carro há mais ou menos meia hora. Algum
problema? — Seu Luís questionou.
— O cãozinho dela está agitado — falei para disfarçar.
— Ah, a Gretchen late por qualquer coisa, mas ela é dócil.
— Franzi o cenho quando ele falou, e o porteiro precisou explicar. —
A cadela da dona Ayana, o nome dela é Gretchen.
— Ah, sim. — Meneei a cabeça, antes de agradecer e sair
de lá.
Sentei-me no carro e peguei meu celular, olhando outra vez
para nossas últimas mensagens. Eu tinha feito tudo para me afastar
e, apesar da saudade que me fez vir até aqui, não podia voltar atrás
agora.
Droga!
Eu aguentei firme a semana inteira e agora estava tão
próximo de perder o controle e ligar, implorar por um momento
juntos.
Passei as mãos pelo meu rosto, frustrado, tão cansado de
lutar contra mim, contra tudo. Liguei o carro e saí dali, fazendo o
possível para colocar minha cabeça no lugar novamente.

Fui direto para a empresa.


Pelo que pude observar nessas duas semanas que fiquei no
Rio, Rafael não deixava a desejar na gestão. Claro que mesmo
longe eu acompanhava tudo, e papai vinha aqui sempre que podia,
mas meu amigo fazia um trabalho excelente.
Fiquei lá pelo resto da manhã, me despedi da equipe,
participei de duas reuniões, e na hora do almoço busquei minha
irmã em seu consultório.
Iara tinha sua própria clínica, onde só atendia crianças e
adolescentes. O lugar tinha o nome dela bem grande escrito na
frente: Iara Macedo, Psicóloga e Neuropsicóloga infanto-juvenil.
Hoje em dia ela não atendia mais sozinha, pois contava com toda
uma equipe especializada.
Nossos pais sempre nos influenciaram a empreender.
Desde muito novos, fomos ensinados e incentivados a pensar
grande. Mamãe e papai conquistaram seus sonhos profissionais e
sempre nos disseram o quanto aquilo era possível. E eu tinha o
maior orgulho da minha irmã mais nova, mesmo que não
verbalizasse com muita frequência.
Assim que encostei na calçada, Iara saiu da recepção,
andando em direção ao carro.
— Estou morta de fome — disse assim que entrou, puxando
de maneira desleixada o cinto de segurança.
— Boa tarde pra você também, marrentinha.
— Boa tarde, mas você demorou, hein? Se perdeu no Rio?
Esqueci que agora você só sabe andar pela Europa. — Zombou,
empurrando meu ombro com uma das mãos.
Dei risada, acelerando novamente o carro para nos levar até
o restaurante.
— Papai e mamãe estão bem mesmo com sua viagem? —
Iara perguntou algum tempo depois, suspirando.
— Eles estão conformados, Iara. — Manobrei para o
estacionamento do restaurante que era bem perto de seu
consultório. — Acho que o fato de estar indo de cabeça fria para me
inscrever em um Doutorado também os ajuda a ficarem tranquilos.
Dessa vez é uma escolha consciente.
— Tem razão — ela falou devagar, parecia triste. — Vou
sentir muito sua falta. Esse último ano foi tão pesado sem você aqui.
— Você vai me visitar três vezes por ano, marrentinha —
falei, sorrindo e engatando o freio de mão.
— Ah, claro! — Minha irmã revirou os olhos. — Como se eu
não tivesse uma clínica para dar conta, pacientes para atender...
Nem todo mundo tem o privilégio de ter um amigo como o Rafael.
— O segredo é que eu o trato mais como meu funcionário
do que como amigo. — Desci e dei a volta para abrir a porta da
minha irmã. — Somos amigos na teoria, mas ele não faz o que bem
entende em hipótese alguma.
— Você está dando conselhos administrativos para mim? —
disse, cerrando as pálpebras.
— É apenas uma amostra gratuita — falei, a ajudando a
descer do veículo alto com os saltos enormes. — Para a consultoria
completa, você precisa marcar um horário.
— Você é ridículo, Igor Reis. — Iara me deu um tapa no
braço que mal fez cócegas, e eu dei risada por conseguir irritá-la.
Nos sentamos em uma mesa para dois perto da janela e,
após pedir nossa refeição, peguei Iara me observando. Parecia me
analisar, e a filha da mãe era muito boa nisso.
— O que foi? — ergui uma sobrancelha, questionando.
— E a Nana?
Só a menção do nome fez meu coração voltar a bater mais
forte, mas eu tentei disfarçar, mesmo que minha respiração
ameaçasse descompassar.
— Não vi mais, por quê?
— Você não me engana. Sabe disso, não é? Sei que
naquela manhã ela estava no quarto com você e de tarde os dois
saíram juntos. Ela chegou te tratando de um jeito e no outro dia só
faltava tirar suas roupas com os olhos. Não viu quem não quis, Igor.
— Discordo. Nem todo mundo tem esse olhar analítico que
você tem — falei, cruzando os dedos sobre a mesa.
— É... Mas era só prestar um pouquinho mais de atenção.
— Acha que alguém mais notou? Fora você...
— Fora eu e o tio Thiago? — ela perguntou, franzindo um
pouco o nariz. — Não... acho que não.
— Ela não merece isso, Iara — disse, um pouco frustrado.
— Não quero voltar a morar no Rio e ela deixou a carreira para viver
aqui. Fora isso, tem todo o resto que você sabe. Ficamos poucos
dias e eu já estava louco por ela... Só pode ter algo de errado
comigo. — Suspirei ao terminar de falar.
— Se fosse alguém aleatório, acho que eu seria a primeira a
mandar você ir se tratar — Ela abriu mais aqueles olhos castanhos,
que já eram enormes. — Porém, o seu sentimento pela Nana já
estava aí desde muito tempo.
— Você não vai me convencer, marrentinha. — Cortei de
vez aquele papo. — Ayana merece um cara inteiro, alguém que
consiga pelo menos ir ao apartamento dela sem se lembrar da ex-
noiva.
— Tudo bem — Minha irmã acenou devagar, concordando.
— Se você acha que é o melhor, confio no seu julgamento.
— Eu fui até lá hoje pela manhã — contei, crispando os
lábios. — Agi como um babaca a semana inteira, evitando-a,
respondendo as mensagens com meias palavras, mas hoje eu não
aguentei.
— E aí? — Iara se inclinou, atenta ao que eu contava.
— Foi duro voltar lá, quase desisti umas três vezes no
caminho. No fim das contas, ela nem estava em casa. — Dei de
ombros, tamborilando os dedos na mesa. — Deve ter sido um sinal.
— Você acredita nessas coisas? — Iara ergueu uma das
sobrancelhas, questionando.
— Não. — Sorri. — Mas é isso, não há esperanças.
— Se você está tão certo disso, talvez seja melhor eu
guardar a minha opinião.
Quase agradeci a ela por isso e, assim, mudamos de
assunto. Ficamos cerca de uma hora sentados. Conversamos,
comemos bem e, depois, minha irmã pediu uma sobremesa para
dividirmos. Estávamos quase no fim quando alguém se aproximou
da nossa mesa.
Subi os olhos por reflexo e senti meu sangue gelar, meu
coração também parou por um segundo quando eu pensei estar
vendo um fantasma.
Levei mais do que alguns segundos para notar que a mulher
em questão não era Clarissa, e sim sua irmã, que agora tinha o
mesmo corte e cor de cabelo da minha ex-noiva.
— Cássia — falei, voltando a respirar fundo e sentindo o
sangue circular de volta para o meu rosto.
— Juro que não acreditei quando me disseram. — Sua voz
carregada de veneno e seu olhar raivoso nem foram tão ruins se
comparado ao que veio a seguir: — Ainda não consigo suportar a
ideia de que você ainda esteja livre para curtir sua vidinha miserável
por aí quando foi o culpado pela minha irmã ter se fodido naquele
barranco.
— Vem cá, qual é o seu problema, hein? — Iara se levantou,
confrontando-a.
— Qual é o seu? Defendendo um assassino! Pensa que ela
não me ligou quando saiu de casa aquele dia? Você tinha acabado
de trair sua noiva um mês antes do seu casamento e ainda permitiu
que ela saísse sozinha de carro transtornada. — Baixei o olhar, sem
conseguir dizer nada.
O restaurante inteiro havia silenciado e as pessoas pararam
de conversar para a acompanhar o show.
— Você ficou maluca? — Iara gritou de volta, perdendo o
controle, e minha irmã quase nunca perdia o controle, xingar alguém
de maluca, então, era algo que eu nunca a tinha visto fazer.
Quis dizer para ela se acalmar e não falar nada, mas eu
sequer conseguia abrir a boca. Meu ouvido zumbia, o ar parecia não
querer entrar em meus pulmões.
— Maluca? Além de tudo, esse filho da puta teve a coragem
de dizer para a polícia que não sabia dos remédios que ela tomava.
Ainda não acredito que te deixaram impune, nunca vou me
conformar com a falta de justiça nesse país, deixando um criminoso
ir e vir livremente.
Fechei os olhos e neguei com a cabeça. Cássia só estava
com raiva, ela tinha direito de se sentir assim depois de perder a
irmã. Se fosse com Iara, eu provavelmente odiaria quem quer que
fosse pelo resto dos meus dias.
— É melhor você arrumar um bom advogado para te
defender pelo processo de calúnia que vou meter no seu cu, Cássia.
— Iara apontou o dedo. — Quem é você pra acusar o meu irmão?
Por que não falou para Clarissa se acalmar quando ela te ligou? Por
que deixou a porra da sua irmã sair de carro?
— Iara... — chamei devagar. — Deixa ela.
— Como é? — Minha irmã se virou para mim com o olhar
raivoso.
— Ela perdeu a irmã. — Olhei para cima, quando minha
visão nublou. Com certeza alguém estava filmando essa merda
toda, eu não podia chorar aqui. Também não pararia para explicar
agora a Iara que confrontar minha ex-cunhada não era a coisa certa
a se fazer.
Porra!
Me virei para Cássia, que continuava bufando, com as mãos
em punho ao lado do corpo.
— Eu amava a sua irmã — falei com calma, sentindo um nó
se formar em minha garganta. — Jamais faria qualquer mal a ela, e
espero que um dia você possa me perdoar.
— Isso nunca vai acontecer.
Fechei os olhos e puxei o ar com força quando Cássia deu
as costas e saiu.
— Vem. Vamos embora daqui. — Minha irmã me arrastou
para fora do restaurante, depois de pagar a conta. — Vou te deixar
em casa e depois pego um Uber para o consultório.
Ao notar minhas mãos trêmulas, Iara disse:
— Igor! Nada do que aquela louca disse é verdade.
Acenei, tentando acreditar.
Por mais que eu não houvesse traído Clarissa, sabia que
uma ou duas atitudes diferentes teriam a mantido viva naquele dia e
mesmo que eu não fosse o culpado por sua morte, não havia como
não me sentir responsável.
Nunca haveria.
Capítulo 25 — Ayana Klein

 
Meus dias estavam sendo uma loucura. Tirei a semana para
visitar os espaços que Igor havia sugerido, pois, mesmo que nesse
momento nós o odiássemos — entenda nós como eu e a Gretch, já
que venho desabafando muito com ela ultimamente — os locais
eram bons demais para serem ignorados.
Descartei as três primeiras opções pelo tamanho que julguei
insuficiente; o que vi ontem não tinha um piso adequado e precisaria
de uma boa reforma, contudo, hoje tudo indicava que as coisas
seriam melhores, visto que o espaço ficava em cima de outro bem
popular por aqui.
Magnólia Montenegro[6] era uma das bailarinas mais
conceituadas do Rio de Janeiro e tinha vários estúdios de dança
contemporânea, incluindo esse em Curicica. Além da expectativa
para conhecê-la, havia também o benefício de ter um estúdio de
ballet infantil vizinho a uma academia de dança voltada para um
público bem diferente do meu.
A matemática era muito simples: as mães poderiam deixar
as crianças no ballet enquanto faziam suas aulas no andar inferior.
Acho que até eu me inscreveria para aprender lap e strip-dance com
a mulher. Ela era, definitivamente, a melhor nessa área.
— Como pode ver, tudo está perfeitamente apto para se
tornar um estúdio de dança — o corretor falou quando terminamos a
tour. — Você pode adaptar os banheiros com vasos sanitários
menores e fazer as mudanças de que precisa, contanto que não
mexa muito na estrutura original.
— Claro — falei, dando mais uma olhada ao redor.
Conseguia imaginar as barras espalhadas pelo meio do
espaço, as crianças transitando de tutu, meu nome em alto relevo
em uma dessas paredes. Eu me via ali.
Saí do estúdio esperançosa e fiz chamada de vídeo para
minha mãe do carro.
— Oi, filha — Dona Virgínia atendeu com um sorriso.
Ela estava com um chapéu enorme na cabeça e roupas de
banho.
— Acho que encontrei o espaço perfeito para o estúdio,
mamãe — falei, mas parei um segundo para perguntar: — Onde a
senhora está?
— Isso é ótimo, Pocahontas! — papai apareceu ao lado
dela, sorrindo. — Estamos no Iate, quer vir pra cá?
— Não posso ir hoje, papai, quem sabe na próxima? — Dei
um sorriso amarelo, ainda não muito segura em navegar com ele
pilotando, porém, longe de mim jogar água fria em seu novo hobby.
Passei alguns minutos em chamada com eles, falando sobre
o lugar e, ao desligar, senti uma vontade imensa de falar com Igor e
agradecer pelas indicações, mas a quem eu queria enganar? A
vontade de ligar era apenas porque sentia sua falta. Essa era mais
uma das artimanhas do meu cérebro para me fazer ir atrás, nem
que fosse para ouvir a voz dele. Entretanto, eu não cederia. Ele
sequer havia respondido à minha última mensagem e aquilo já
significava muito.
Sacudi a cabeça, decidindo que Igor não estragaria meu dia,
pelo menos não hoje.

Na semana seguinte, meu sonho começou a acontecer.


Contratei um designer de interiores para fazer o projeto e deixar o
estúdio com a cara do projeto. Eu tinha tantas ideias... Queria uma
parede ilustrada, como um padrão sem costura com figuras fofas
associadas à dança. Queria um espaço para os pais que quisessem
acompanhar as aulas também.
Ainda precisava contratar uma recepcionista e uma bailarina
para me auxiliar nas aulas. Já tinha entendido que nada aconteceria
de uma hora para outra, mas pelo menos as coisas começavam a
caminhar. Contudo, apesar de estar seguindo em frente com meus
planos, ainda não conseguia tirar Igor da minha cabeça.
No domingo, meus pais me intimaram para almoçar no
condomínio. Como era comum, nossas famílias se reuniriam para
um churrasco, e eu obviamente fui, me sentindo um pouquinho
culpada por não ter aparecido durante a semana.
Morei sozinha por muito tempo e gostava mais do que
imaginei de ficar quieta no meu cantinho. Claro que era ótimo não
estar a meio mundo de distância deles, porém, com todas as
demandas para organizar meu estúdio e as infinitas pesquisas sobre
a burocracia envolvida, o tempo restante estava sendo dedicado
apenas a mim.
Assim que estacionei em frente às casas do meu pai e do tio
Turra, a expectativa de vê-lo surgiu. Confesso que estava mais
tranquila agora, aquela raiva que sentia por Igor na semana
passada era quase inexistente e eu só queria esquecer toda a
nossa aventura, mesmo que fosse impossível.
Ele não saía da minha cabeça.
Todas as noites antes de dormir eu me pegava lembrando
das nossas fugas, das noites em que ficamos grudados naquela
cama minúscula e dos olhares que vez ou outra me lançava como
se eu fosse a pessoa mais especial do mundo. Era duro notar que
enquanto eu me sentia amada, protegida e única, ele só estava
tirando o atraso.
Entretanto, depois de muito remoer sobre tudo o que havia
acontecido entre nós, notei que caí na minha própria armadilha de
carência e solidão.
Talvez Igor até merecesse a minha raiva pela forma como
agiu, mas, ele pode ter notado primeiro o quanto eu tinha me
envolvido e por isso se afastou. Essa era minha teoria e eu
pretendia perguntá-lo hoje sobre isso. Ele me devia ao menos um
pedido de desculpas, e eu o daria essa chance e quem sabe não
pudéssemos voltar a ser amigos ou no mínimo ter uma relação
pacífica?
Deixei o carro na calçada e saí andando para o quintal da
casa do tio Thiago, onde acontecia o churrasco na piscina. Após
cumprimentar a todos, sentei-me para comer com todo mundo e
nada de Igor aparecer, o que não fazia o menor sentido, pois até
Iara estava aqui.
Segurei o máximo que pude a vontade de perguntar, e horas
se passaram com aquele clima estragado. Eu sequer consegui me
divertir, não entrei na piscina e comi muito mal, pois sentia meu
estômago muito embrulhado naquele dia. Fingi animação, tentei
brincar com meus sobrinhos e até dancei um pouco junto com
minhas irmãs e tias. Quando não aguentei mais, puxei um assunto
qualquer com Iara, esperando que me contasse por conta própria
onde seu irmão havia se enfiado, mas ela começou a falar sobre
como a dança poderia ajudar alguns de seus pacientes. Era incrível
a paixão que demonstrava pelo seu trabalho, mas nem aquilo
conseguiu desviar meu foco.
— E o Igor? — interrompi sua fala para perguntar quando
não aguentei mais.
Iara parou e inclinou o rosto, me olhando com o cenho
franzido.
— Ele está ótimo — esticou os lábios em um quase sorriso.
Não pude deixar de notar sua falta de entusiasmo em sua
expressão.
— E onde ele está? — Fui mais clara, caso ela ainda não
tivesse entendido o que eu queria saber.
— Na Alemanha...
Falou pausadamente, como se fosse óbvio.
Arregalei os olhos e joguei a cabeça para trás, chocada
demais com aquela informação.
— Todo mundo sabia, eu achei que você também soubesse.
Seus pais até foram conosco levá-lo ao aeroporto.
— Ninguém me contou... — falei, apertando os lábios que
ameaçaram tremer. Ele não me contou.
— Você gosta dele, não é? — A pergunta pareceu retórica,
pois, pelo seu tom de voz, Iara sabia da resposta.
— Claro que gosto — Sorri, disfarçando o nervosismo. —
Crescemos juntos. Sempre vou considerar seu irmão como minha
família.
Levantei-me, pendurando minha bolsinha no ombro.
— Já vai? — Iara questionou, confusa.
— Sim, eu me esqueci de colocar ração para a Gretch e
lembrei agora — Inventei a pior desculpa da minha vida. — Se o
papai perguntar, você diz que eu ligo mais tarde?
— Claro que digo — Iara acenou com a cabeça e eu lhe dei
um sorriso pequeno, virando as costas para sair dali, torcendo para
que ninguém notasse minha fuga repentina. Não me afastei muito
antes que Iara me chamasse novamente: — Nana!
Virei de lado, inclinando a cabeça para ouvi-la.
— Sinto muito — Iara falou, crispando os lábios.
Acenei, fingindo uma indiferença que não existia, e consegui
sair dali de fininho.
Nunca fui esse tipo de mulher vulnerável e confusa. Claro
que já tinha sido magoada antes, mas nunca doeu tanto assim, e
aquilo me trazia um misto de vergonha e frustração.
Começava a me perguntar se a conexão com ele foi
unilateral, se não criei sozinha todo aquele cenário na minha
cabeça, esperando por algo que não existia.
Mas ele me disse coisas. Ele...
Merda!
Fui tão irrelevante assim que não valia uma mensagem de
adeus?
Eu me sentia tão pequena e insignificante agora... E o pior
de tudo é que, mesmo que meu lado racional se recusasse a sofrer
por ele, já que Igor não merecia tanta relevância assim, o meu
coração não concordava e ganhou aquela batalha sem ao menos eu
me dar conta.
Capítulo 26 — Ayana Klein

4 meses depois...
 
A vida seguiu seu rumo.
Dias viraram semanas que se transformaram em meses.
Meu estúdio estava pronto e eu já tinha feito entrevistas com
as possíveis candidatas a recepcionistas e auxiliares. Comecei a
pesquisar sobre serviços de marketing e social media, e agora só
faltava mesmo marcar a data da inauguração. Aquilo me animava
bastante, já que agora eu vivia exclusivamente para o trabalho.
E também evitava tudo que dizia respeito a Igor Reis.
Quando falavam seu nome em alguma conversa, eu fazia
questão de sair de perto, excluí o contato dele e até tentei ficar com
outros caras nesse tempo, apesar de tudo me trazer de volta para
Igor.
Eu comparava o jeito de andar, de falar e a forma como me
tratavam. Até o tamanho da mão deles era insuficiente, comparadas
as de Igor. Beijei apenas um, e foi a experiência mais ridícula da
minha vida.
Não encaixava, não tinha graça. Não era ele.
Sentia vontade de arrancar meu coração sempre que ele
apertava ao lembrar daquele imbecil, pois eu não tinha a menor
ideia de como lidar com aquele sentimento.
Estava na pior há meses por algo que durou pouquíssimos
dias.
Era agonizante notar como ele se infiltrou em mim tão
rapidamente. Mesmo tentando seguir em frente, eu não conseguia
parar de pensar nele. No modo como seus olhos azuis transmitiam
afeto e seu sorriso me fazia sentir a pessoa mais sortuda do mundo
por recebê-lo.
Igor me fez acreditar que eu estava ajudando a reconstruí-
lo, mas agora eu quem estava quebrada e o pior de tudo é que a
minha vida inteira parecia afetada por aquilo.
Não comia e nem dormia bem, os dias pareciam se arrastar,
e eu me sentia a porra de uma adolescente dramática que levou um
chute do primeiro namorado e se comportava como se a vida
tivesse acabado ali. Eu mesma tinha raiva até de mim.
Ultimamente, nem dançar me animava. Esforçava-me para
me alongar todos os dias, pois era parte crucial da minha rotina,
mas os rodopios me deixavam tonta a ponto de a cabeça latejar.
Fazia um mês que eu mal conseguia me manter acordada
quando chegava em casa e aquilo me levava a crer que havia algo
de errado com minha saúde. Também vinha sentindo cólicas fora do
meu período menstrual, que já estava bem estranho, e meu útero
parecia inchado.
Depois de muito relutar e de muitos avisos de mamãe sobre
me puxar pelos cabelos até o hospital se eu não marcasse uma
consulta com um médico, precisei reagir e, para poupar tempo,
escolhi uma ginecologista que também atendia como clínica geral.
Eu cuidava bem da minha saúde, fiz exames ginecológicos
preventivos há pouco mais de um ano e tinha aproveitado para fazer
minha primeira mamografia, mesmo que ainda estivesse longe dos
quarenta. Queria me certificar de que minha saúde estava em dia.
Os resultados foram perfeitamente normais.
Uma parte de mim começava a acreditar que meu
emocional estava me sabotando.
Era Igor fodendo com a minha vida indiretamente.
— Ayana Castanheira — A médica chamou quando chegou
a minha vez.
Cumprimentei-a ao entrar em seu consultório e, como
padrão de uma consulta, ela me perguntou qual era a queixa.
Detalhei tudo: o mal-estar, a falta de apetite, a tontura ao tentar
dançar algumas vezes, as cólicas fora de época e enxaqueca
insuportável.
— Tem menstruado normalmente? — a mulher, que parecia
ter mais ou menos a minha idade, perguntou e eu acenei. — Notou
algum aspecto diferente no período?
— Fora as dores, o fluxo também ficou estranho — contei.
— Eu me mudei há alguns meses de Moscou. Minha rotina inteira
foi modificada e achei que as mudanças no corpo tivessem a ver
com isso.
— Pode ocorrer — ela refletiu. — Qualquer tipo de estresse
pode impactar seu ciclo menstrual, pois ele mexe com a mesma
região do cérebro que produz o FSH, o hormônio que influencia na
sua ovulação e consequentemente no seu ciclo.
— Estresse é o que mais tenho tido de uns meses para cá
— falei de forma enfadonha e a médica sorriu.
— Você tem vida sexual ativa? — ela questionou. — Vi aqui
que é solteira, usa o implanon como método contraceptivo, mas tem
se relacionado com frequência?
— Não. — Crispei os lábios ao dizer.
Meu vibrador tinha trabalhado bastante nas últimas
semanas.
— Tudo bem — Ela terminou de digitar no computador e se
virou para mim. — Vou prescrever alguns exames e dar uma olhada
no colo do seu útero antes de fazermos um ultrassom abdominal pra
ver como estão suas trompas, ovários e útero.
— Ok — acenei.
A médica me deu alguns minutos para que eu me trocasse
após me guiar para outra parte do consultório. O constrangimento
começou ali, quando apoiei os pés no suporte de modo que ela
conseguisse ver até minha alma através do canal vaginal, mas tudo
bem, era aceitável, toda mulher passava por isso.
Fitei o teto branco e tentei relaxar, apesar de ser meio
impossível, mas a doutora foi muito gentil, me avisando de todas as
suas ações. Primeiro ela inseriu o espéculo e eu travei um pouco os
dentes com o contato incômodo e gelado.
— Ayana. Você lembra o último dia do seu ciclo menstrual?
— Hmmm... — Pensei um pouco, achando embaraçoso
conversar enquanto ela olhava dentro de mim. — No dia quatro, eu
acho.
— E qual foi a última vez que você teve relações sexuais?
— Mesmo que ela questionasse de forma tranquila, aquilo acendeu
um milhão de alertas na minha cabeça.
— Início de janeiro. Dia seis, talvez.
Estávamos quase em maio. O que uma coisa tinha a ver
com a outra?
— Tudo bem — a médica falou, tirando o espéculo devagar.
— O que foi? — Ergui um pouco o pescoço, olhando para
ela pelo vão entre minhas pernas? — Eu tenho câncer? — Arregalei
os olhos, morrendo de medo de sair dali com apenas dois meses de
vida contados.
— O quê? — A própria médica se assustou. — Não!
— Então eu peguei alguma IST? — Levei uma das mãos à
minha testa, começando a ficar agitada. — Só era o que me faltava,
o filho da puta vai embora sem nem me dizer um “tchau, se cuida” e
ainda passa uma IST pra mim. Onde diabos eu estava com a
cabeça quando me envolvi com ele, hein? — me desenrolei a falar,
nervosa demais com as possibilidades.
— Ayana, preciso que você relaxe e mantenha a calma. —
Ela pediu, com a voz pacífica. — Consegue fazer isso?
— Tudo bem — Respirei fundo, agora um pouco
envergonhada. — Me desculpe.
— Sem problemas, querida. Vamos mudar de maca agora,
tudo certo até aqui.
Me recompus e levantei como a médica pediu. Ela liberou
que eu vestisse a calcinha, o que me deixou um pouquinho mais
confortável, e pediu para que eu me deitasse na outra maca.
Doutora Sabrina, li seu nome no jaleco, pois àquela altura já
havia esquecido, colocou o gel na minha barriga e, como havia
informado antes, começou a fazer o ultrassom. Sentia-me mais
confortável agora, com as pernas devidamente fechadas, enquanto
ela movia o aparelho pelo meu abdômen.
— Como eu desconfiei... — falou pensativa, talvez mais
para si do que para mim, mas agora eu queria saber.
— O quê? — Arregalei os olhos.
— Você não tem nenhuma IST, Ayana — Ela sorriu e eu
suspirei de alívio. — Mas tem um bebê.
— Como é? — Franzi as sobrancelhas, achando que não
tinha ouvido direito.
— Você está grávida. E pelo tamanho, ele tem umas
dezesseis ou dezessete semanas.
— Puta que pariu — Apertei os olhos, aturdida, e levei as
mãos para massagear a lateral da minha testa quando começou a
latejar.
Em um primeiro momento, talvez eu não tivesse sentido
tanto o impacto do significado daquela frase, porém, à medida que
os segundos passavam, minha respiração ficava mais curta e meu
sangue parecia gelado.
A voz da doutora me chamando foi ficando cada vez mais
distante, enquanto eu me perdia em minhas próprias lembranças...
 

“— Gozei dentro de você duas vezes — os olhos de Igor


estavam arregalados, enquanto seu peito subia e descia
rapidamente. — Merda, merda! Eu nem pensei...
— Tenho um implante — Respirei tranquila, pois a porra do
implante ainda estava ali. — Não transo há séculos e, mesmo
assim, nunca fiz sem camisinha. Bailarinas grávidas são
praticamente bailarinas desempregadas.
— Nossa, é sério? — Franziu o cenho, parecendo surpreso.
— Sim, faz um tempão que não saio com ninguém. — Dei
de ombros.
— Não, Nana. — Ele soltou uma risada curta, ele tinha uma
risada linda. — Sobre ficar desempregada em caso de gravidez.
Isso é legal?
— O ballet clássico tem um padrão rigoroso. Por mais que
hoje em dia muito se fale sobre quebrar esses estereótipos, já vi
meninas talentosas e novas serem dispensadas da companhia após
a gravidez, até mesmo durante.
— Isso é horrível— ele falou, fazendo uma careta.”
 
“— O que foi? — perguntei, abrindo um sorriso pequeno.
— Você é tão linda que fica difícil desviar os olhos, Nana.
Eu queria não me afetar com os elogios dele, mas aquelas
palavras aqueciam meu interior de uma maneira perigosa e eu
estaria mentindo se dissesse o contrário.”
 
“— Eu me sinto melhor — Sua expressão suavizou e ele
ergueu sua mão para cobrir a minha. — Isso porque você tem uma
maneira incrível de iluminar tudo ao seu redor sem precisar mover
um dedo ou falar sequer uma palavra para isso. — Deixei minha
mão cair de seu rosto, sem saber como de fato reagir à sua
declaração — Eu vejo essa luz em você. — Seus lábios se
separaram em um sorriso pequeno, fazendo com que meu olhar se
desviasse para eles.
— Em mim? — questionei, tanto impressionada quanto
admirada.
— Sim. Você me encoraja a me abrir, me seduz a confiar,
me atrai em sua direção e nem se esforça para fazê-lo. — Nossos
rostos estavam em paralelo um com o outro, e nem notei como
chegamos aqui, talvez eu tivesse me aproximado ou ele se moveu
para chegar até mim, só sabia que bastava me inclinar para ter
minha boca na sua.”
 
“— Aconteceu alguma coisa? — Cerrei as pálpebras ao
questionar.
Mesmo que não estivesse me tratando mal, aquilo era muito
diferente do Igor de Barcelona e das Bahamas. Aquele Igor era frio
e apático, muito diferente do cara que enfiava a língua na minha
boceta dias atrás.
— Está tudo bem, Ayana — disse de forma enfadonha.
Suspirei, observando a expressão entediada em seu rosto,
enquanto meu coração acelerava e o estômago embrulhava de uma
maneira muito ruim.
Pela primeira vez na minha vida inteira, me senti usada.
Embora eu tivesse me aproveitado bastante do nosso tempo juntos;
ainda que eu soubesse de todas as implicações e consequências de
me envolver com ele; apesar de saber esse tempo todo que Igor
partiria em algum momento, eu não esperava por aquela atitude.”

 
Todo o flashback mental me afundou mais ainda na lama, de
modo que comecei a soluçar sem ao menos perceber. Ainda
conseguia sentir uma mistura de raiva, nojo e decepção sempre que
me lembrava da forma como tudo ocorreu, de seu carinho inicial e
sua indiferença final. E agora isso: eu carregava um filho dele.
Não! Eu carregava um filho meu que era dele por tabela,
mas, ainda assim, estava dentro de mim.
— Ayana! — Abri os olhos quando a médica voltou a me
chamar. — Sei que é uma notícia impactante e deve haver muitos
sentimentos conflitantes envolvidos, mas respira fundo, tá bem?
Acenei energeticamente com a cabeça, tentando fazer com
que pelo menos os soluços cessassem, já que as lágrimas se
recusavam a parar de cair.
— Quer que eu chame algum familiar seu? — Dra. Sabrina
perguntou, interrompendo um pouco o exame.
— Pode pegar meu celular no bolso da calça? — pedi,
passando o antebraço pelo meu nariz para limpá-lo.
— Claro! — Ela se levantou e foi até a parte do trocador,
voltando logo em seguida com meu aparelho em mãos.
O peguei e disquei o número de Aurora.
— Oi, Nana! — minha irmã atendeu, animada.
— Rory, você pode vir me buscar? — perguntei, com a voz
embargada.
— Você tá chorando? — seu tom de voz mudou
completamente e eu me senti pior por assustá-la. Que droga! —
Nana, onde você tá?
— Estou em uma clínica, vou te passar a localização por
mensagem. — respirei fundo e falei mais calma. — Pode vir sozinha
e não contar nada pra ninguém?
— Você tá me deixando preocupada, Ayana. Me conta o que
aconteceu. — Consegui ouvir a vozinha de Ariel no fundo e os
meninos gritando enquanto brincavam.
— Rory, só vem rápido... Juro que estou bem, não se
preocupa.
— Tudo bem, tô esperando o endereço.
Me despedi rapidamente e desliguei, enviando logo minha
localização e colocando o aparelho ao lado do meu corpo.
— Podemos esperá-la para continuar... — A médica sugeriu
e eu acenei em negativo de forma energética.
— Já me acalmei — Puxei o ar com força —, vamos lá!
— Você é uma mulher forte, Ayana! — Ela elogiou, me
dando um sorrido doce.
A coitada deveria estar com medo de presenciar mais um
colapso meu.
— Obrigada — Respirei fundo outra vez para me acalmar.
— Então, você quer saber o sexo?
— Já dá pra ver? — Arregalei os olhos.
— Claro que dá. Você descobriu a gestação um pouco mais
tarde do que o comum, mas não se preocupe, acontece bastante
também...
— Eu achei que estivesse segura com o implanon —
desabafei, segurando a vontade de chorar outra vez.
— Vamos investigar para saber o que aconteceu. Preciso
que você olhe a data exata da colocação, só assim poderemos
levantar alguma hipótese.
— Tudo bem... — falei. — Pode me contar o sexo.
— É uma menina — a médica disse sem precisar conferir.
— Eu vi de primeira, mas não tinha certeza se você queria saber.
As coisas foram desandando aos poucos daí em diante, de
modo que eu não consegui mais conter as lágrimas. Dra. Sabrina
colocou os batimentos para que eu ouvisse e os soluços retornaram.
Tudo parecia inacreditável, era difícil de aceitar que havia
alguém crescendo dentro de mim e, porra, mais difícil ainda quando
essa pessoinha ligava minha vida com a de Igor para sempre.
Saí da consulta com várias vitaminas e alguns
medicamentos prescritos, uma lista de exames para fazer e um
encaminhamento para a obstetra na mesma clínica. Quando
cheguei à área da recepção, Aurora me esperava impaciente, com
os braços cruzados e a perna balançando incessantemente.
— Eu te liguei um monte de vezes — minha irmã reclamou.
— Estava quase entrando e começando a gritar seu nome para ver
se te encontrava.
— Desculpe, a consulta ainda não tinha acabado. — Parei
na frente dela, fungando pelo nariz ao mesmo tempo que me
controlava para não chorar.
— Meu Deus, é ruim assim? — Aurora arregalou os olhos,
ficando com o rosto muito vermelho.
— Eu tô grávida. — Cuspi as palavras junto a um soluço e
mais lágrimas.
— Nossa! — Rory franziu as sobrancelhas, um pouco
assustada.
— É uma menina — Meu rosto contraiu quando tentei me
controlar. — Estou com dezessete semanas.
— Vem, Nana... — Ela pegou no meu braço e me puxou. —
Vou chamar um Uber e nós vamos sair daqui.
— Eu estou de carro — falei, apontando para o
estacionamento. — Droga, esqueci que você detesta dirigir.
— Não tem problema — Pegou minha mão, me levando na
direção que apontei. — Vamos.
Me acalmei e dirigi por uns vinte minutos até o meu
apartamento. Aurora me deu um copo de água com açúcar e se
sentou comigo no sofá, esperando pacientemente meu tempo.
Quando finalmente me acalmei, comecei a falar:
— O pai é russo. — Foi a primeira idiotice que eu disse. —
Eu tenho um implante, não sabia que podia engravidar.
— Vai dar tudo certo, mana — Aurora se aproximou, me
abraçando pelos ombros. — É um bebezinho... Você está aqui no
Brasil agora, com sua família, cercada de pessoas que te amam.
— Eu sei, mas é tão...
— Assustador, sim. — Ela riu. — Mesmo sendo uma notícia
feliz, surgem tantas dúvidas quanto à maternidade...
Aurora começou a me contar sobre sua experiência e
passamos horas no meu apartamento conversando.
Por fim, pedi para que não contasse a ninguém ainda, e ela
concordou, porém perguntou sobre o pai do bebê.
— Eu nem o conheço, Rory — menti, mas na realidade
havia um fundo de verdade. Todas as certezas de que tinha sobre
Igor se foram no momento em que ele resolveu me ignorar. — Estou
sozinha. — Dei de ombros.
— Você jamais estará sozinha, Nana — minha irmã falou
antes de me abraçar para descer, pois Noah a esperava lá fora.
Capítulo 27 — Ayana Klein

 
Os dias seguintes não foram fáceis, tinha a adaptação com
as vitaminas, com a gravidez, com a ideia de ser mãe e tudo mais.
Estava cheia de dúvidas sobre o melhor momento de
inaugurar o estúdio agora, já que eu não sabia se daria conta de
tudo.
Gravidez não era doença, óbvio, porém, quando idealizei o
meu empreendimento, não contava com um bebê como parte do
pacote. Em alguns meses eu teria que parar com as aulas por causa
do parto, e como explicaria isso para os pais? Se era meu nome que
estava na porta, não tinha como simplesmente sumir, e aquilo
acabou me frustrando bastante.
Minha barriga também começou a crescer. Parecia até que
a bebê estava esperando apenas que eu a descobrisse para se
mostrar de fato. Agora a curva acentuada que ela fazia era muito
visível, e se tornava ainda mais difícil escondê-la.
No fim de semana acabei indo ao shopping e comprando
algumas coisinhas muito fofas e ainda inúteis para ela, mas aquilo
me ajudou a me acostumar mais um pouco com a ideia de ser mãe.
Entretanto, não consegui contar para meus pais nessa primeira
semana.
Sabia que era estupidez da minha parte e que mamãe e
papai ficariam felizes com a notícia. Eu era uma mulher adulta e
independente gerando um bebê. No entanto, a questão da
paternidade me segurava no lugar. Eles questionariam, óbvio. Fora
isso, se a notícia chegasse em Igor, ele poderia desconfiar.
Uma parte de mim estava torcendo para que ele
continuasse sendo babaca ao ponto de ignorar a possibilidade de
ser o pai, mas eu não tinha certeza se faria isso.
Na semana seguinte, a brecha que eu precisava surgiu, pois
ninguém na nossa família falava de outra coisa a não ser sobre a
aprovação de Igor no doutorado. Se ele havia acabado de realizar
seu sonho, talvez nem se atentasse à notícia da minha gravidez, até
porque, já fazia cerca de cinco meses desde que ficamos pela
última vez.
Além disso, comparado ao fato de que teríamos mais um
doutor na família, era possível que ninguém fizesse as perguntas
relevantes, aquelas que ligavam todos os pontos certeiros, como o
número de semanas, apesar que eu também poderia mentir sobre
isso.
Por hora, havia decidido que a melhor opção era criar a
minha bebê sozinha e, em um dia de muita coragem, peguei o carro
e fui até o condomínio informar isso aos meus pais. Minha barriga
de quase vinte semanas já não era possível ser escondida e eu
também não queria.
Havia aceitado no mesmo dia em que descobri e agora já
estava cem porcento adaptada à ideia de que seria mãe. Na
verdade, eu já era mãe.
Quando estacionei em frente à garagem da casa dos meus
pais já passava das onze, o que significava que era quase a hora do
almoço e eu estava faminta. Não bati na porta ou toquei a
campainha, apenas entrei e gritei por minha mãe enquanto largava
a bolsa no sofá.
— Ela lembrou que tem família. — Ouvi a voz de papai do
andar de cima e sorri.
— Eu ouvi isso, pai! — falei mais alto. — Nunca esqueci.
Estava morta de saudades, pois passei mais de duas
semanas inventando desculpas para não os ver. Seu João Paulo
começou a descer as escadas, ainda sem parar para me olhar por
completo. Óbvio que eu estava esperando que ele visse por conta
própria agora que já não era mais possível esconder, e isso
aconteceu quando ele pisou no último degrau da escada.
Papai olhou para minha barriga saliente, franziu o cenho e
subiu o olhar para o meu rosto. Eu lhe dei um sorriso amarelo e ele
desceu os olhos novamente, agora arregalando-os. Passamos
alguns segundos naquele loop, onde ele descia e subia o olhar,
confuso.
— Pocahontas... — papai falou, levando a mão para coçar a
cabeça. — Filha... você tem ganhado peso ou...?
Agora ele parecia desconcertado, e eu não pude segurar a
risada.
— Estou grávida, pai. — Contei de uma vez. — Quase vinte
semanas. — Exibi todos os meus dentes, encenando um sorriso
perfeito para mascarar parte do meu nervosismo.
— Bela! — ele berrou. — Desce aqui agora!
— O que houve? — Mamãe apareceu no topo das escadas,
olhando curiosa para nós. — Nana? — As sobrancelhas de dona
Virgínia saltaram e ela começou a descer com pressa.
— Filha, eu sou cardíaco. — Papai levou a mão ao peito
dramaticamente, começando a se aproximar.
— Não é, não! — Franzi as sobrancelhas.
— Tem razão, não sou. Só não estava preparado para isso.
— Ele parou perto do sofá grande e se sentou. — Você tá saindo
com alguém? Podia ter nos contado.
Chegamos ao problema até mais rápido do que pensei.
Sentei-me ao lado dele e mamãe se juntou a nós com muitas
perguntas impressas no rosto, mas, por sorte, começou pela mais
simples.
— Então era por isso que você estava passando mal? —
dona Virgínia perguntou.
— Sim... eu não sabia que a gravidez era uma possibilidade,
tomei um belo de um susto. — Contei, suspirando. — O pai é russo.
— Menti na maior cara dura, torcendo para que eles não
desconfiassem.
— Como assim o pai é russo? — papai indagou.
— Na minha última semana em Moscou, saí com algumas
amigas para comemorar e... — Parei, achando que inventar uma
história agora era ir longe demais. — Acho que não preciso entrar
em detalhes, certo?
Mamãe acenou, com os olhos arregalados.
— Ele vem para o Brasil quando o bebê nascer? — mamãe
perguntou. — O que vocês combinaram?
— Mãe... — falei devagar. — Foi só uma noite e só sei o
primeiro nome do homem.
— Hum — ela acenou devagar, pensativa e depois começou
a falar, em um rompante. — Vou ligar pra o Maurício Madeira, ele já
fez um milagre assim antes... Quero o nome do lugar que você foi,
as características desse homem e o nome dele. Suas amigas o
viram?
Surtei quando mamãe ergueu o celular, começando a digitar
furiosamente.
— Mãe, para! — Praticamente gritei ao pedir. — Nada de
ligar pra o detetive. Não vamos procurar pelo pai do bebê porque eu
vou criar a Naninha sozinha.
— Naninha? — Ela parou, perguntando.
— Sim, é uma menina. — Sorri, esperando que dona
Virgínia amolecesse um pouco e foi justamente o que aconteceu.
— Eu prefiro Tiana — papai falou do meu outro lado e eu o
olhei.
— A princesa e o sapo?
— Sim.
— Vamos chamá-la de Tiana por enquanto, então. — Ele
sorriu, satisfeito.
O coração dele nós já havíamos ganhado, faltava só dona
Virgínia ceder com a procura do pai que eu não queria.
— Mãe?
— Filha... precisamos estar prevenidas. E se ele for um
mafioso?
— Mais um motivo para não o procurar, né? — Suspirei,
organizando na mente as ideias do que dizer para convencê-la. —
Eu pensei muito sobre isso, sabe? Ir atrás de um cara na Rússia
pode complicar tanto a minha vida e a da Tiana. — Olhei de soslaio
para papai, vendo-o sorrir quando falei o nome. — Eu estou aqui
com vocês e, apesar de estar com muito medo, sei que não vou
ficar sozinha.
— Tem toda razão, meu amor — mamãe disse, um tanto
emocionada. — Estamos com você e com essa bebezinha.
— Tiana — papai corrigiu.
— Nana, você vai mesmo chamar minha netinha de Tiana?
— Mamãe cerrou as pálpebras para papai, desafiando-o.
— Por enquanto, sim — falei.
— Rá! — seu João Paulo gritou.
— Pai, melhor você pegar leve — aconselhei, rindo.
Almoçamos e fiquei com eles pelo resto da tarde
conversando. Sabia que não demoraria muito até a notícia se
espalhar, mas queria postergar o momento pelo máximo de tempo
que eu conseguisse.
— Você está se alimentando direitinho, filha? — mamãe
perguntou quando anunciei que iria embora.
— Agora estou tentando comer melhor — contei, já
caminhando para a porta junto com ela. — Estava tão acostumada
com a culinária de Moscou que agora parece tudo novo de novo.
— Vem morar com a gente por enquanto, Pocahontas —
Papai apareceu do meu outro lado. — Aqui nós vamos ficar de olho
em você e te alimentar direitinho.
— Nem pensar — falei, assustada. — Eu gosto do meu
cantinho, pai, mas prometo que vou aparecer mais vezes.
— Ou nós vamos até sua casa — mamãe avisou.
— Podem ir me ver sempre que quiserem — falei. — Vou
adorar ter vocês lá comigo.
Quando papai abriu a porta, Zuri vinha caminhando pela
passarela de entrada, digitando no celular distraidamente. Minha
irmã estava linda demais com um terninho branco e os cabelos
soltos balançando à medida que caminhava.
— Uau, que gata! — elogiei, e ela ergueu o olhar.
— Nana! — Abriu um sorriso, mas não demorou muito até
que o fechasse, espantada. — Nana?!
— Sim, estou grávida, vinte semanas, é uma menina e o pai
é russo. Não o conheço, nem quero conhecer, e detetives estão
proibidos. — Mentir estava se tornando muito mais fácil do que eu
imaginei.
Daqui a pouco eu passaria a acreditar que o pai do bebê era
mesmo russo.
— Puta merda! — Ela falou, levando a mão até o peito.
Zuzu marchou em nossa direção e me pegou pela mão,
arrastando-me de volta para dentro.
— Eu estou indo emboraaaa! — gritei enquanto era
rebocada.
— Nem pensar, eu acabei de chegar. — Zuri parou,
chutando os sapatos e jogando a bolsa e o celular de vez no sofá.
— Você vai me contar essa história direitinho, Nana.
Precisei ficar por mais algumas horas e terminei jantando
com eles e Aurora, que fez um belo teatro fingindo surpresa ao ver
minha barriga.
Saí do condomínio tarde da noite, com a barriga cheia,
algumas marmitas para comer nos dias seguintes (cortesia do meu
pai) e o coração aliviado por não precisar mais me esconder, pois
agora, até Jasmine e Erik estavam cientes de que seriam tios pela
quarta vez.
Capítulo 28 — Ayana Klein

 
Quando contei para os meus pais sobre minha primeira
consulta com o obstetra, mamãe logo me indicou o médico que fez o
parto da Jasmine, do Turrinha e dos bebês da Rory.
Aurora encheu um pouco meu saco, dizendo que não
recomendava quebrarem a tradição. Até a Zuri entrou no apelo,
usando todos os argumentos para me convencer a marcar uma
consulta com o tal milagreiro das vaginas. Sim, elas o chamavam
dessa forma, porém, mesmo sentindo um pouquinho de vergonha
alheia, acabei topando.
Uma hora antes da consulta, minha irmã mais velha fez uma
chamada de vídeo para mim. Apoiei o celular no balcão da cozinha
e atendi, continuando a comer o meu almoço.
— Oi, Zuzu — falei.
— Você está pronta? — ela questionou, andando por dentro
de casa. — Nós vamos passar aí para te buscar em alguns minutos.
— Nós? — Franzi as sobrancelhas, questionando.
— Nossa, Ayana... — Minha irmã parou, cerrando as
pálpebras pra mim. — Você achou mesmo que nós te deixaríamos ir
sozinha?
— É... — Parei, sem saber o que dizer, pois eu já estava
mais do que preparada para ir só.
— Esses anos morando sozinha só podem ter afetado o seu
cérebro. — Minha irmã me olhou com tédio. — Por isso eu ainda
moro com o papai e a mamãe.
Dei risada, quando ela arranjou mais uma justificativa para
ainda morar na casa dos nossos pais depois dos trinta anos.
— Eu não esperava mesmo que vocês fossem, mas fico
feliz por tê-las comigo. — Minha voz embargou um pouco no fim da
frase.
Descobri recentemente que toda essa sensibilidade era por
conta dos hormônios da gestação. Acredito também que pelo
mesmo motivo havia sentido tanto a falta de Igor quando foi embora,
além da raiva e da solidão. O que explicava muita coisa, já que eu
não costumava ser essa mulher tão sentimental.
— Acho mesmo bom, pois eu cancelei todos os meus
compromissos para ir a essa consulta com você.
— Então estarei esperando, Zuzu.
— Chegamos em vinte minutos — Minha irmã passou pela
porta de entrada, colocando os óculos escuros no rosto.
Nos despedimos e eu voltei a comer um pouco mais rápido,
para não as deixar esperando. Com vinte minutos quase contados,
seu Luís interfonou, avisando que me esperavam lá embaixo, em
frente ao prédio, e eu desci.
Sabia que mamãe viria e também que Aurora não perderia
por nada, já que insistiu para que eu me consultasse com o doutor
Bernardo, no entanto, não contava com a presença da Tia Gabi.
Tentei disfarçar minha tensão assim que a vi de longe, sentada ao
lado de Zuri no banco da frente e me aproximei delas.
— Oi — Dei um sorriso amarelo para todas elas.
Se tia Gabi estava aqui, isso significava que toda a família já
sabia.
— Uau, Nana — ela foi a primeira a me cumprimentar. —
Que barrigão lindo!
— Obrigada, tia! — Passei a mão por minha barriga,
fazendo carinho na Tiana, antes de puxar o cinto de segurança. —
Mas tô precisando de roupas novas. Esse vestido foi a única coisa
que entrou em mim hoje! Antes de encontrá-lo, até cogitei ir de
pijama.
— Podemos ir ao shopping depois da consulta, o que
acham? — Aurora lançou a ideia.
Zuri manobrou para fora da calçada do prédio, nos
colocando em tráfego.
— Só não podemos demorar, pois o Kostas irá jantar lá em
casa hoje — mamãe falou.
— Aff — Zuzu bufou do banco da frente. — Não vou jantar
em casa, mãe.
— Pra não ouvir ele te chamar de mimada, sendo que você
é realmente mimada? — Aurora provocou, fazendo com que minha
irmã mais velha virasse o pescoço rapidamente para a fuzilar com o
olhar.
— Olha pra frente, Zuri — mamãe a repreendeu e ela voltou
a atenção para o trânsito, apesar de estarmos atrás de uma fila de
carros no sinal.
— Eu não sou mimada, você que é, princesinha...
— Você ainda mora com o papai e com a mamãe, mana.
Não existe mulher no mundo mais filhinha de papai do que você.
— E daí? — Zuri deu de ombros. — Se dependesse do
papai, até você moraria conosco. Sabe disso, né?
— Isso é verdade — mamãe concordou.
— Até eu e o Júnior moraríamos com vocês... — tia Gabi
falou e nós demos risada.
— Ele perguntou se eu não queria passar uns dias lá antes
de ontem— contei —, mas estou tão feliz no meu apê novo.
— Ficou incrível mesmo — tia Gabi concordou. — Igor fez
um ótimo trabalho, e aquele seu espaço pra ensaiar está um show!
— A respiração ficou presa na minha garganta com a simples
menção ao nome dele. — A propósito... vocês dois têm se falado?
— Não — respondi rápido, olhando pela janela para que
ninguém notasse a mágoa que meus olhos deviam estar
transmitindo.
— Nas Bahamas vocês dois pareciam próximos. — Prendi o
ar outra vez quando ela falou.
O ambiente já pequeno do carro caiu em um silêncio
incômodo, me causando uma sensação ruim de claustrofobia, e eu
precisei me recompor rapidamente para responder:
— Sim, ficamos muito amigos em Barcelona, porém, ele mal
falou comigo aqui no Rio. — Dei de ombros.
Fiquei quieta o resto da conversa, enquanto ela falava sobre
a mudança dele que, dessa vez, havia sido muito tranquila. A
verdade é que eu não queria saber de nada daquilo, pois reabria
uma ferida mal curada em mim.
O fato de ele ter ido consciente e tranquilo só inflamava
mais o sentimento de insignificância que guardei. Ele teve tempo e
todos os meios para ao menos me avisar, contudo, achou que eu
não era digna de receber nem um adeus.
Em contrapartida, aquilo me incentivava mais a manter
aquela farsa do pai russo. No que dependesse de mim, jamais
saberiam que Igor era o pai da Tiana e ele nunca mais voltaria para
minha vida e brincaria com os meus sentimentos. Por mim, o idiota
podia se explodir na Alemanha.
Por sorte, a fofoca nunca tinha apenas um foco e não
demorou até que elas começassem a falar de outro assunto
aleatório. Quando dei por menos, já estávamos estacionando na
clínica.
A consulta foi agendada por hora marcada e eu era a
primeira paciente após o horário de almoço, por esse motivo,
acabamos trombando com o doutor assim que entramos na
recepção.
— Olha só quem está de volta! — O médico, que estava na
faixa dos seus cinquenta anos, abriu um sorriso ao ver tia Gabi e
Aurora entrarem na frente.
Meu queixo quase caiu, pois o homem era um Josh
Duhamel da vida: com a barba bem desenhada e os cabelos
grisalhos perfeitamente penteados para trás. A camisa branca de
botões parecia até apertada em seus braços musculosos e o sorriso
era de matar... Tipo, de matar mesmo.
— Puta merda! — exclamei baixinho para mamãe, que
estava ao meu lado. — Agora entendi por que vocês o chamam de
milagre.
— Ayana! — mamãe me repreendeu, mas seu tom era de
riso. — Ele é casado com o meu ginecologista.
— Ah! — exclamei. — Mas... dá gosto de olhar, não é?
— Isso porque você não viu o marido dele — Zuzu falou
entredentes, abrindo um sorriso para o médico.
— Então você deve ser Ayana — Ele se aproximou,
estendendo a mão para me cumprimentar. — Já notou que elas só
continuam voltando aqui porque eu sou bonito, não é?
Dei risada com sua frase e o cumprimentei de volta.
— Ele gosta de fingir modéstia, mas sabe que é o melhor.
— E amo colocar bebês no mundo — Dr. Bernardo voltou a
falar, sorrindo.
Pela simpatia, já havia me ganhado, e como médico
também foi excelente. Além de ouvir muito bem e explicar as
próximas etapas da gestação com muita riqueza de detalhes, ele
conseguiu me deixar super à vontade, mesmo que não
estivéssemos sozinhos no consultório.
Fizemos um ultrassom morfológico e foi impossível não me
emocionar ao ver os traços da bebê.
— São dez dedinhos nas mãos, mamãe — Dr. Bernardo
disse, apontando para a tela onde mostrava a imagem das duas
mãozinhas de Tiana perto da boca.
Meu coração se encheu de amor e as lágrimas começaram
a cair, não teve jeito.
— Olha essa boquinha — falei e olhei para trás, mostrando
às meninas.
Àquela altura, a única que não chorava era Zuri, no entanto,
consegui ver os olhos dela brilhando, vidrados na tela.
Ganhei uma cópia das imagens em 5D, assim como Rory,
Zuzu, mamãe e tia Gabi. No fim, todas saímos de lá satisfeitas.
— Eu disse que ele era o melhor! — Rory se gabou,
enquanto caminhávamos para o carro.
— Eu nem quero mais consultar outro — falei, morrendo de
felicidade por ter visto minha filha.
Não pude evitar de pensar em Igor em meio àquele
momento de vulnerabilidade emocional. Qual seria sua reação ao
ver a filha? Será que se emocionaria também? Afastei todas as
questões do pensamento e foquei no momento e em todos os
sentimentos bons que aquela consulta havia me trazido; o que Igor
sentia agora importava muito pouco.
Por recomendação do doutor Bernardo, comecei uma rotina
de exercícios físicos e voltei a dançar aos poucos. O médico falou
que a dança me faria muito bem, era só tomar os cuidados devidos
e parar imediatamente caso me sentisse mal; e a atividade física
também ajudaria, inclusive com o parto.
Confesso que a parte do parto me deixava um pouco tensa,
já que era minha primeira experiência, e o que se comentava sobre
o assunto não era nada reconfortante, contudo, eu estava seguindo
todas as recomendações.
Mandei mensagem pra tia Ivana e ela fez um cronograma de
treinos pra mim, de modo que eu conseguisse praticar aqui mesmo
no prédio. Os primeiros dias foram bem dolorosos, pois além de
passear com Gretch e me alongar todas as manhãs, eu havia
parado totalmente com a musculação e com o cardio, sentia
preguiça até de me vestir para treinar.
Aquilo só podia ser da gravidez também, já que sempre fui
muito disposta e disciplinada com os exercícios.
Também comecei a sentir alguns movimentos sutis dentro
de mim, porém, por enquanto eram muito leves. Sabia que em breve
Tiana começaria a chutar e a se agitar com mais frequência e
estava muito ansiosa por isso.
Coloquei a mão na lateral da minha barriga, torcendo para
sentir alguma coisa, enquanto encarava a porta do closet, buscando
alguma centelha de coragem para me arrumar e descer para fazer
ao menos uma caminhada, até porque nem com Gretchen eu havia
passeado hoje, e logo, logo ela começaria a latir desesperada.
Entretanto, antes que eu me levantasse ou fizesse qualquer
movimento, a campainha começou a tocar sem parar.
As únicas pessoas autorizadas a subir sem se identificar
eram meus pais e meus irmãos e, seja qual deles fosse, tinha
pressa.
— JÁ VAI! — gritei do corredor, com a cadelinha no meu
encalço.
Ela já não latia tanto para as visitas, o que era muito bom...
O toque incessante continuou e aquilo começou a me
aborrecer. Se eu tivesse absoluta certeza de que não era papai ou
mamãe no corredor, soltaria um ou dois palavrões.
Abri a porta com raiva, já pronta para perguntar o motivo da
pressa e xingar muito, caso fosse Rory ou Zuzu, no entanto, as
palavras travaram na minha garganta. Meu sangue gelou e consegui
ouvir os batimentos fortes do meu próprio coração. Eu não sabia o
que dizer ou como reagir ao homem parado na minha porta.
O olhar perturbado de Igor foi do meu rosto para a minha
barriga, voltando outra vez para os meus olhos.
Minha respiração encurtou e a mágoa voltou a me
espezinhar, tão forte e real dessa vez que eu só conseguia senti-la.
— Por quanto tempo pretendia esconder de mim? — Ele foi
o primeiro a falar, sério, taciturno.
Passei alguns segundos observando suas feições: as
olheiras profundas, o olhar preocupado, o rosto pálido. Ele não
parecia bem, mas eu não podia lidar com seus problemas, não
quando havia uma série de conflitos dentro de mim.
Da mesma forma que abri a porta, a fechei com força.
Deixando-o plantado no corredor.
— AYANA! — ele gritou. — Abre essa porta, Nana, vamos
conversar.
Foi então que Gretch começou a latir e o barulho fez com
que eu cerrasse as pálpebras, começando a massagear a lateral da
minha cabeça. Ignorei totalmente a presença dele e fui até a
cozinha beber um copo com água enquanto Igor continuava
berrando meu nome do lado de fora.
Puxei o ar com força, me concentrando em minha própria
respiração. Tinha lido que rompantes emocionais não faziam bem
na gestação e eu não queria me descontrolar agora.
Na verdade, não iria.
Capítulo 29 — Igor Reis

 
— Ayana, eu não vou sair daqui até você falar comigo —
gritei outra vez, encostando a testa na porta e respirando fundo para
controlar a minha respiração.
Voei quatorze horas até aqui e nada me preparou para o
baque de vê-la carregando minha filha.
Porra!
Era minha, eu sabia.
Toda essa farsa de pai russo era uma maneira de me
manter distante, pois me lembro muito bem de quando disse que
não transava há séculos antes de mim. Além disso, era só somar
dois mais dois e ficava nítido se comparado ao tempo de gestação
em que Gabi me disse que ela estava.
Não transamos uma única vez com camisinha e eu havia
perdido as contas do quanto gozamos naquela porra de ilha.
— Nana, abre essa porta, vamos conversar — Tentei, dessa
vez mais calmo, mas continuei ouvindo apenas latidos do outro lado
da porta. — Eu fico o resto do dia aqui sentado se for preciso,
Ayana.
Merda!
Passei a mão pelos cabelos, quase arrancando-os de tanta
frustração e colei minhas costas na porta, deixando meu corpo
escorregar até que estivesse sentado no capacho.
Os últimos meses tinham sido uma merda, no entanto, ao
contrário de como ocorreu no ano passado, todos os dias eu ligava
para os meus pais fingindo felicidade por estar na Alemanha. Aquilo
também me ajudava a mentir para mim mesmo que continuar
morando lá, mesmo sem querer, foi a melhor decisão que eu havia
tomado.
Estudei que nem um desgraçado para conseguir a vaga no
doutorado, sabendo bem que, caso não fosse aprovado, minha
primeira atitude seria voltar para o Brasil, e eu não queria motivos
para isso.
Fiz tudo que estava ao meu alcance para ficar longe e ao
mesmo tempo não preocupar ninguém, esperando que Ayana
tocasse sua vida, mesmo que tirá-la da cabeça fosse meu maior
desafio.
Eu fechava os olhos e via seu sorriso, seu rosto, sua luz.
Fui embora decidido que era o melhor para ela, porém, meu
peito vivia apertado de saudades. Eu sentava para estudar e não
demorava até me distrair com o site de passagens aéreas. Fiz isso
mais vezes do que conseguia contar, sempre segurando o impulso
de embarcar no primeiro voo de volta ao Rio de Janeiro.
Troquei o número de celular, desativei as redes sociais e fui
firme ao meu propósito, tirando do meu alcance qualquer pequena
facilidade que me levasse até ela, mas, ainda assim, era tudo inútil.
Ayana estava nos meus melhores sonhos e piores
pesadelos.
Tinham os sonhos bons em que eu podia sentir a
eletricidade correndo nas minhas veias enquanto a beijava e tomava
seu corpo para mim. Porém, tinham os ruins, onde eu a tinha nos
meus braços, sem vida e gelada, enquanto minha família inteira
gritava ao redor que era minha culpa. Aquilo fodia minha cabeça de
formas inimagináveis.
No início eu acordava chorando, abraçado ao meu próprio
corpo e perdia o sono por dias, evitando ver as mesmas cenas.
Há dois meses resolvi procurar um terapeuta, que ligou os
pesadelos ao dia que Cássia me confrontou no restaurante, e
começamos a trabalhar a questão da culpa que eu sentia. Fiz
progresso nesse tempo de consultas, pouco, mas o bastante para
ter coragem de entrar no primeiro avião quando vi aquela foto no
grupo da família.
Fiz de tudo para não encontrar um motivo que me trouxesse
de volta quando na realidade ele já existia e crescia no ventre da
mulher que eu amava.
Fiquei sentado ali por um longo tempo, por vezes segurando
a cabeça entre as mãos e por outras encarando a porta do meu
antigo apartamento, pensando em entrar lá e tomar um banho, pelo
menos, no entanto, não queria sair daqui e perder a chance de falar
com Ayana, pois uma hora ela teria que sair e não tinha nenhum
outro lugar por onde pudesse passar.
Quase caí quando a porta foi aberta, mas me endireitei com
rapidez e levantei, ficando de pé para encará-la, porém, Nana me
ignorou, recolhendo as chaves e pendurando a bolsa em um dos
ombros, segurando a cadelinha embaixo do braço.
— Pra onde você vai? — perguntei.
— Não é da sua conta.
— Nana... — Quase cantei seu nome em tom de súplica.
Não queria discutir, nem a deixar com raiva, apesar de já ter
feito isso, mas precisávamos ter uma conversa.
Ela me ignorou mais uma vez, atravessando a porta de
modo que fui obrigado a sair da frente ou me atropelaria. A
cadelinha rosnando para mim dos braços dela também era um aviso
para que eu me afastasse.
Ayana trancou o apartamento e seguiu para o elevador, e eu
apanhei minha mochila do chão, jogando sobre o ombro para
acompanhá-la.
— Nana, fala comigo — pedi devagar, entrando no elevador
junto com ela.
— Se você não sair de perto de mim, eu vou de escada. —
Ela arqueou uma das sobrancelhas, me desafiando a ficar ali e eu
dei alguns passos para trás, saindo da caixa de metal.
— Ayana, eu só quero conversar — Tentei mais uma vez
enquanto ela apertava o botão no painel e depois voltou para o
centro e endireitou a postura, me olhando com raiva.
— Desculpe se dei a entender que tinha qualquer
possibilidade de conversarmos. — As portas do elevador se
fecharam e eu fiquei ali, parado, encarando o metal frio, provando
da porra do meu próprio veneno e, puta merda, como doía.
Em vez de descer vinte e dois andares de escada, peguei o
elevador de serviço e cheguei ao estacionamento bem a tempo de
ver Ayana acelerando para fora do prédio.
Não deu tempo de segui-la, mas desconfiava que ela iria
para o condomínio e, de qualquer modo, eu teria que ir até lá
também para desmentir toda essa baboseira de pai russo.
Eu estava aqui.
Com todos os meus medos, receios e dúvidas, mas estava
aqui e merecia no mínimo a oportunidade de criar a minha filha.
Dirigi o carro que aluguei quando cheguei ao aeroporto por
cerca de vinte minutos e o porteiro liberou minha entrada assim que
me identifiquei. Ninguém sabia da minha chegada, na verdade, nem
desconfiavam.
Há três dias Gabi colocou algumas fotos no grupo da
Grande Família, onde Ayana estava distraída, vendo roupinhas cor
de rosa em uma loja. E por si só as fotos já fizeram meu coração
palpitar, com todos os sentimentos de uma vez, incluindo a
saudade, no entanto, o que me quebrou foi o ultrassom que
mostrava o rosto totalmente formado de um bebê. A boquinha
desenhada parecia muito com a minha e o nariz era de Ayana.
Talvez eu estivesse ficando louco, pois se recém-nascidos
não se parecem com ninguém, fetos devem se assemelhar ainda
menos, mas eu conseguia nos ver nos traços da bebê.
Uma conversa começou a se desenrolar e o tio JP soltou
que a Tiana estava com vinte semanas.
Tiana...
Minha filha já tinha até nome e todos sabiam, menos eu.
Estacionei na calçada dos meus pais e comecei a subir os
degraus, mas voltei ao ouvir a risada da minha mãe vinda do outro
lado da rua. Ótimo, estavam todos reunidos, assim eu deixaria tudo
às claras de uma vez por todas.
Estava tão focado em dar a notícia que entrei sem bater e
segui o emaranhado de vozes até a cozinha, me deparando com os
quatro casais sentados à mesa no meio de um jogo de tabuleiro.
— Puta que pariu! — Gabriela arregalou os olhos a me ver.
— Macedinho? — Tio Jota falou, erguendo as sobrancelhas.
— Igor? — mamãe chamou, me observando um pouco
incerta. — É muito bom te ver, mas, aconteceu alguma coisa?
— Eu sou o pai — falei de uma vez e tio Jota inclinou um
pouco a cabeça, parecendo confuso.
— Porra, eu sabia! — tio Thiago gritou, comemorando e
atraindo a atenção de todos.
— Merda, perdi quinhentinhos — Júnior lamentou.
— Espera aí, vocês dois apostaram? — minha madrinha
olhou do marido para Júnior.
— Puta merda, agora entendi! — Tio Jota se levantou,
exclamando. — Bela, o pai da Tiana não é mafioso.
— Claro que não! — falei.
— E por que a Nana não contaria que você é o pai? —
papai cruzou os braços e franziu o cenho, questionando.
Bem, aqui eu estava fodido, pois meus pais eram
maravilhosos, contudo, em hipótese alguma encobriam ou faziam
vista grossa para as minhas atitudes erradas.
— Eu a magoei — contei, suspirando e massageando minha
testa com todos os dedos.
— Calma, Macedinho — tio Jota se aproximou de mim, me
puxando pelo braço. — Você vai se sentar e explicar essa história
direitinho.
— E eu espero que você tenha um bom motivo para ter
deixado a Ayana sozinha e grávida — mamãe falou, cerrando as
pálpebras para mim.
— Eu não sabia, tá bom... — falei, cansado. — Descobri
quando a Gabi mandou aquelas fotos no grupo.
— Mas o que você fez com a minha filha a ponto de ela
precisar mentir para todos nós? — Tia Virginia questionou.
— Nós dois ficamos pela primeira vez em Barcelona —
comecei, mas logo fui interrompido por tio Jota.
— Eu avisei, sabe? — ele reclamou, revoltado. — Aí veio
você — Apontou o indicador para o meu pai — com a história de
“meu filho não é igual ao seu, pipipi popopo” — Fez uma voz fina,
como se estivesse imitando seu Arthur.
— João Paulo, deixa o menino terminar — tia Virgínia pediu
e ele silenciou, entortando os lábios.
— Só que, quando voltamos pra cá, me dei conta de que
sequer conseguia ir ao apartamento dela. Ainda havia muitas
mágoas e sentimentos conflitantes dentro de mim, por isso, resolvi
que era melhor parar de alimentar a relação. Cortei o contato com
ela e fui embora sem me despedir.
— Cara, você é muito burro — meu padrinho xingou,
inclinando o corpo pra frente e colocando as duas mãos cruzadas
em cima da mesa. — Ela não deve nem querer olhar na sua cara
agora.
— E com razão — papai concordou.
— Não foi só sexo — afirmei, mesmo que estivesse em
frente aos meus pais e aos dela — Tivemos uma conexão e em
poucos dias eu já estava apaixonado. — Dei uma pausa,
observando todos os rostos chocados. — Justamente por me
apegar tão rápido resolvi que deveria parar. Eu tive medo.
— De viver a mesma relação problemática que teve com a
Clarissa? — Júnior perguntou e eu acenei. — Faz sentido. — Todos
olharam para ele, buscando uma explicação. — Ele sofreu um
trauma, qualquer um no lugar dele teria medo. Quanto tempo você
ficou solteiro depois que voltou para o Brasil, Arthur? — Ele olhou
para o meu pai, erguendo uma das sobrancelhas, e depois fitou a
mesa ao redor, parecia procurar por alguma coisa. — É, acho que o
Turra é o único exemplo aqui, porque vocês dois eram péssimos. —
Apontou do tio Jota para o tio Thiago.
— Olha o respeito, Mascotinho — tio Jota o repreendeu. —
Eu sempre fui homem pra casar.
— Hum... — tia Virgínia entortou os lábios e franziu as
sobrancelhas, zombando da fala dele.
Balancei a cabeça, notando que eles já haviam se desviado
do assunto, e resolvi voltar a falar:
— Não sei se vocês me entendem, mas mesmo que não
estejam dispostos a isso, nada vai me fazer desistir da minha filha.
— Ela é minha filha — a voz de Ayana soou atrás de mim e
eu virei com rapidez, vendo-a na entrada da cozinha com uma
embalagem de açaí em mãos e uma colher de plástico na outra. —
Sério que você veio tentar ganhar a aprovação popular? — Bufou,
raivosa. — Você pode até convencê-los, Igor, mas eu não quero
você na minha vida.
— Nana, vamos conversar...
— Não, não e não! — ela falou, dando alguns passos para
frente e erguendo um dedo para falar. — Não vem fingir agora que
eu sou relevante na sua vida. Não finja que eu importo, até porque,
na hora de ir embora, você sequer lembrou que existo.
— Eu fui até lá, sabia? — me levantei, dizendo. — Um dia
antes de ir embora, mesmo cheio de lembranças ruins, fiquei
minutos na sua porta e você não estava em casa.
— Não interessa. — Revirou os olhos, negando com a
cabeça. — E como você tem tanta certeza de que a filha é sua?
— Nós dois sabemos que ela é — Balancei a cabeça,
chateado por sua recusa, mas sem poder culpá-la por ter tanta
raiva. Eu que fiz essa merda toda e agora precisava me virar para
desfazer.
— Tudo bem — Ela acenou, suspirando —, então vai ser o
seguinte: quando a bebê nascer, você vai ter direito de nos visitar
uma vez na semana e ficar algumas horas com ela. Quando Tiana
tiver idade o suficiente, dois finais de semana serão seus. Enquanto
isso, ela está crescendo dentro de mim e olhar pra sua cara me
causa náuseas, então, me faça um enorme favor, e fique o mais
longe possível de mim.
— Filha, calma... — tia Virgínia pediu.
— Estou calma, mãe. — Ela se virou, começando a sair do
cômodo, mas parou na entrada. — Ah, vou dormir aqui hoje, porque
estava sendo incomodada no meu apartamento.
Dizendo aquilo, Ayana saiu de vez, fazendo com que eu
voltasse a enfiar a cabeça entre as mãos.
Capítulo 30 — Igor Reis

 
Mamãe, tia Virgínia, tia Bianca e Gabi acabaram indo atrás
de Ayana, para ver se ela estava bem, e eu fiquei sentado, olhando
apático para o centro da mesa onde o jogo agora estava
abandonado.
— Você ama minha filha, Macedinho? — Tio Jota perguntou,
atraindo minha atenção para vê-lo me fitando de uma maneira muito
séria.
— Amo mais do que consigo lidar agora, tio. — Fui sincero,
não havia o que esconder. Não depois de tê-la engravidado. — Não
acho que seja o melhor para a vida dela e também tenho muito o
que superar antes de merecê-la por completo, mas eu a amo.
Suspirei ao colocar aquilo para fora. Parecia até que estava
tirando um peso dos meus ombros ao admitir.
— Então faça por merecer e ela vai te perdoar — disse com
uma tranquilidade de quem tinha certeza, no entanto, eu não tinha
tanta fé quanto ele.
— Vocês estavam aqui há alguns minutos — Olhei ao redor
para meu pai, padrinho e cunhado, vendo todos quietos me
observando. — Viram a forma como me disse para ficar longe. Ela
me odeia.
— Ela não te odeia, filho — tio Jota me interrompeu, falando
com calma. — Ela só está grávida e brava.
— Além disso, você acha mesmo que é o primeiro a passar
por isso? Quando conheci sua madrinha, ela não queria me ver nem
pintado de ouro — tio Thiago falou, com um dos braços pendurados
no encosto da cadeira e a postura relaxada.
— Sua mãe me detestou de primeira, e claro que a culpa foi
minha, mas eu consegui conquistá-la depois. — Papai sorriu,
parecendo orgulhoso e convencido ao mesmo tempo.
— Na verdade, ela quem te conquistou — Tio Jota
provocou.
— Ah, sim. Vamos falar da Virgínia então, porque ninguém
aqui é mais pau-mandado que você, João Paulo.
— Eu não sou pau-mandado, imbecil. — Tio Jota ignorou
meu pai, olhando diretamente para mim agora: — Sua tia achava o
diabo mais santo do que eu.
Olhei para Júnior, que continuava quieto em seu lugar,
apenas observando nossa interação.
— Não vai dizer nada, Mascotinho? — meu padrinho o
perguntou.
— A Bibi sempre foi louca por mim. O que eu posso dizer?
— Deu de ombros.
Os outros três homens na mesa começaram a falar de uma
vez só e, apesar de me esforçar muito para entender qualquer
coisa, era difícil.
— Tá bom! — falei mais alto do que eles e consegui suas
atenções de volta. — Então, como vocês fizeram?
— Eu nunca a levei pra pescar. Tem dado certo — papai
falou, e eu cerrei as pálpebras e balancei a cabeça sem entender. —
Eu não vou dar detalhes da minha intimidade com sua mãe, Igor.
— Melhor não insistir, Macedinho, vai por mim — tio Jota
aconselhou, esbugalhando os olhos e acenando com a cabeça. —
Eu apenas mostrei a sua tia quem eu sou de verdade. Ela desperta
o melhor de mim. Sempre.
— Eu fiz um plano junto com esses três otários — tio Thiago
falou, bebendo um gole de sua cerveja e fazendo uma careta para o
líquido, que devia estar quente agora.
— É isso! — tio Jota se levantou em um rompante. — O
plano!
— Ah, não! — tio Thiago lamentou. — Isso não foi uma
ideia, cara.
— Mas pode dar certo — Júnior concordou, se levantando.
— E lá vamos nós — papai levantou também, balançando a
cabeça em negativo. — Levanta, Thiago, ninguém mandou você
abrir o bico, porra.
Eles saíram da cozinha e eu fui obrigado a segui-los até
pararmos em um quartinho nos fundos da garagem, cheio de
muambas dentro.
— Isso é um depósito de lixo? — perguntei, vendo uma pilha
de copos de requeijão em um canto, uma sandália virada com um
prego embaixo e mais um monte de objetos aleatórios.
— Mais um insulto e eu deixo você se virar sozinho,
Macedinho — tio Jota ameaçou.
— Desculpe — Espalmei as mãos na frente do corpo.
— Notaram que de tempos em tempos nós quatro
acabamos aqui? — papai falou, encostando o quadril em um birô
velho que havia ali.
— Meu plano de jogo é uma tradição, queridos — tio Thiago
se gabou.
— Seu plano? — Papai franziu o cenho, olhando feio para
ele.
— Tudo bem, nosso plano. — Meu padrinho corrigiu.
— O pior é que funciona — Júnior afirmou.
— De um jeito muito perturbador, mas funciona. — Seu
Arthur acenou com a cabeça, pensativo.
— Então, vamos lá! — Tio Jota puxou um lençol, exibindo
um quadro branco com um dos pés remendados. Nele havia escrito
a frase: Plano Invertido e alguns tópicos sem nexo nenhum.
Quem sugeriria aquilo a alguém?
Dar atenção a outras garotas, exibir seu tanquinho sempre
que possível e jogar uns olhares 43.
Que porra é olhar 43?
Ele usou o próprio lençol para apagar todo o conteúdo que
havia nele antes que eu terminasse de ler e depois pegou alguns
pincéis marcadores.
— Eu só não comprei pincéis novos — O dono das
bugigangas olhou meio desanimado para as canetas.
— Dá isso aqui! — Júnior puxou da mão do homem, abrindo
as tampas e lambendo de uma por uma.
— Que porra é essa? — perguntei, horrorizado.
— Pior que essa merda funciona, moleque — meu padrinho
falou, mas revirou os olhos com uma careta de nojo.
— Confia! — tio Jota completou.
— Cara, não fala confia. — Papai negou com a cabeça.
— Tá arrepiado, Turra? — tio Jota zombou. — Sei que você
fica todo eriçado quando ouve essa palavra.
— Vai se foder, seu puto! — papai xingou.
Era difícil acompanhá-los, visto que eu não dormia há umas
trinta e seis horas, estava sem tomar banho há quase vinte e quatro
e não comia desde o avião. Contudo, a adrenalina estava me
mantendo de pé.
— Aqui, JP. — Júnior devolveu os pincéis.
— Valeu, mascotinho. — Tio JP deu tapinhas nas costas do
meu cunhado e começou: — Primeiro precisamos de um bom nome.
— O plano perfeito? — sugeri.
— Hum... — tio Jota pareceu pensativo. — Muito comum.
— A tática infalível! — Júnior sugeriu e tio JP apontou,
empolgado.
— Boa! Mandou bem, Mascotinho.
— Agradeça ao Luan Santana — ele falou e fechou a mão
em punho na frente dos lábios começando a cantar: — Eu vou
postar só pra doer em você, uma foto acompanhado, num baile
lotado.
Cerrei as pálpebras, olhando confuso para ele.
— Se fizer isso aí que ele cantou, eu quebro sua cara. — tio
Jota apontou para mim, ameaçando.
— Ele não é louco — Papai virou o pescoço para mim, me
questionando com o olhar. — Não é?
— Claro que não! — me defendi.
— Então, Tática infalível... — Tio Jota escreveu no quadro
ao mesmo tempo que tio Thiago começava a andar pelo espaço
pequeno, falando:
— Pela minha vasta experiência em planos, se a Nana já se
envolveu com você, mas está te detestando agora, só tem um jeito
de você fazer ela te aceitar de volta. — Ele parou de falar, olhando
para todos de um por um.
— Hum? — Júnior inclinou o pescoço para frente,
esperando.
— O quê? — papai perguntou.
— Provando que você ainda vale à pena. Qual é, idiotas,
essa era muito fácil. — Meu padrinho parou em frente ao quadro,
pegando um dos pincéis e escreveu:
1 – Se mudar para o apartamento ao lado do dela.
— Ele está certo, Macedinho. Isso vai mostrar que você
superou — tio Jota falou, levando a mão até o queixo coberto pela
barba.
— Mas eu não superei — falei, olhando para todos eles.
— Então você finge que superou, cara — Júnior disse,
pegando um dos pincéis. — Se vira.
2 – Fazer o café da manhã dela todos os dias.
3 – Atender a todos os desejos dela, por mais
estranhos que sejam.
Meu cunhado escreveu, parando para explicar.
— Você precisa cuidar da Nana, mesmo que ela grite na sua
cara que você faz tudo errado. — Ele riu.
— Vai por mim, elas fazem mesmo isso. — Tio Jota
balançou a cabeça, concordando, e foi o próximo a escrever no
quadro.
4 – Pedir para sentir o bebê mexer, mesmo que
ela negue todas as vezes.
5 – Ir com ela em todas as consultas.
— Boa! — papai aprovou — As mulheres amam um pai
atencioso. E isso nos leva a...
Ele se desencostou do birô, pegando o pincel da mão de
Júnior e escrevendo:
6 – Comprar itens para o bebê e compartilhar
com ela sua empolgação.
— Isso vai derreter o coração dela — papai explicou,
sorridente.
— Mas você precisa pedir desculpas sempre que tiver a
oportunidade — tio Jota aconselhou.
— E dizer o que sente por ela sempre que possível —
Mascotinho completou.
— Você também podia começar a decorar o quarto da bebê,
pedir ajuda e ideias para ela, assim vai se mostrar participativo e
aos poucos vai ganhando o coração da Nana de novo — meu
padrinho aconselhou.
— Isso é perfeito! — tio Jota falou, voltando a escrever no
quadro:
7 – Pedir desculpas sempre que a oportunidade
surgir.
8 – Afirmar o que sente por ela com frequência.
9 – Começar a arrumar o quarto da bebê.
— Nós mandamos muito bem dessa vez — Papai apoiou as
duas mãos nos quadris, acenando com a cabeça.
— Então, é só seguir passo a passo que vai ser sucesso,
moleque — Meu padrinho se aproximou, deixando tapas no meu
ombro.
— Não me faça me arrepender de ter te aconselhado,
Macedinho — tio Jota falou, mais sério do que antes.
— Antes vamos em casa tomar um banho e dormir um
pouco, porque você parece acabado — seu Arthur falou, já me
puxando pelo braço.
Tio Jota encostou ao meu lado e aproximou um pouco nariz,
fungando.
— Tomar banho deveria ter sido o meu primeiro conselho —
falou, inclinando o pescoço para trás logo depois e fazendo uma
careta.
Neguei com a cabeça, sem energia para pensar em
qualquer resposta que fosse e segui o conselho do meu pai, e deixei
a sala, não sem antes olhar uma última vez para o quadro.
Capítulo 31 — Ayana Klein

 
— Acorda! — Senti alguém puxando meu pé e pisquei os
olhos, confusa.
— Me deixa dormir, inferno! — xinguei, chutando a mão
gelada.
— Vamos ter que cobrar cinquenta reais da titia, não é meu
amor? — A voz de Aurora ficou fina e engraçada, e Ariel respondeu
a ela em seu próprio idioma.
Abri os olhos, vendo Zuzu e Rory com minha sobrinha nos
braços paradas ao lado da minha cama.
— Bom dia, flor prenha do dia! — Rory inclinou a cabeça,
me olhando de cima, com as pálpebras cerradas.
— Você enganou a gente direitinho, Ayana Klein
Castanheira.
Enganei?
Passei alguns segundos para descobrir do que estavam
falando: Igor.
— Agora vocês já sabem... — ouvi minha própria voz
arranhada pela rouquidão e sentei na cama, me arrastando para
encostar na cabeceira.
— Confesso que estou até mais aliviada, pois já tinha
começado a juntar evidências para te defender caso o tal pai russo
descobrisse a gravidez e resolvesse te processar por sequestro —
Zuzu falou, sentando-se no fim do colchão.
— Quê? — Franzi o cenho, confusa.
— Qual é, Nana... Você acha mesmo que pode engravidar e
tudo ficaria por isso mesmo? Nós te apoiamos porque somos sua
família e eu iria até o fim para sustentar sua decisão, mas o pai tem
tanto direito quanto a mãe de participar das fases da gestação e do
desenvolvimento da criança já nascida.
— Merda! — Suspirei, limpando os olhos com as pontas dos
dedos.
— Já perdeu cem reais. — Rory tapou os ouvidos da filha,
olhando feio pra mim. — Pega leve, garota, ainda são sete da
manhã.
— Vocês que vieram me acordar às sete da manhã — falei,
irritada. — Não podem reclamar do meu mau humor.
— Nana, viemos dizer que, com o Igor sendo o pai, as
coisas ficam menos complicadas — Rory completou, soltando Ariel
na cama, de modo que minha sobrinha começou a engatinhar por
cima dela.
— Não ficam nada de menos complicadas — cortei sua
certeza, começando a desabafar. — O Igor não sabe o que quer, ele
é confuso e covarde. Eu não quero criar um filho com um cara fraco.
— A gente já entendeu, mana — Zuzu acenou —, mas ele é
mesmo o pai? — questionou.
— Sim — respondi e revirei os olhos.
— Então, você vai ter que aprender a conviver com ele, meu
amor. — Zuri parecia muito complacente, o que era uma surpresa.
— O cara veio da Alemanha depois de passar no doutorado
dos sonhos só pra assumir a Tiana, mana. — Aurora entrou em
defesa dele. — Isso é um bom sinal.
— Ele não fez mais que a obrigação — Zuzu falou.
— Eu quero que ele se foda — falei quase ao mesmo
tempo.
— Menos cento e cinquenta — Aurora voltou a contar. —
Meu pix é o meu número de celular.
— Eu me apaixonei por ele, sabe? — comecei a desabafar,
ignorando a minha irmã, abraçada às minhas próprias pernas. —
Parecíamos estar indo bem, ele conversava comigo, eu acolhi os
sentimentos que ele sentia, fiquei ao lado dele, porém, do nada, Igor
mudou comigo e foi embora sem ao menos me dizer um adeus.
Vocês imaginam como fiquei? Eu me senti usada, descartada... e,
mesmo tendo a porra do coração mole, me recuso a deixar qualquer
filho da puta me tratar dessa forma.
— Duzentos e cinquenta — Aurora suspirou, olhando para a
filha, que parecia alheia a nossa conversa enquanto brincava de
sacudir o meu celular.
— Cala a boca, Rory, depois você manda a conta. — Abanei
a mão. — Se for pra xingar em paz, eu prefiro pagar.
— Ou eu posso levar a minha princesinha daqui — papai
entrou no quarto e Ariel gritou, abanando os bracinhos.
— Não acredito que você estava ouvindo atrás da porta,
papai — Zuzu acusou, rindo.
— Claro que não, passei aqui por acaso — disse, erguendo
a pequena.
— Hum... — Rory franziu as sobrancelhas como se não
acreditasse.
— Continuem, meninas — Ele fez um galanteio, antes de
sair do quarto, mas disse do corredor: — Vejo vocês na mesa de
café da manhã.
Quando teve certeza de que papai havia se afastado o
suficiente, Zuri voltou a falar:
— Você sabe que não precisa aceitar o Igor de volta, não é?
Deixá-lo ir em uma consulta por mês e informar como está a saúde
da bebê é o suficiente. Depois que ela nascer, você com certeza vai
precisar de ajuda, e ele é o pai. A única pessoa que vai amar mais a
Ti do que ele é você.
Merda, ela estava certa.
— E querer privá-lo do básico pode acabar comprometendo
o bom funcionamento das nossas famílias, mana. — Rory se sentou
ao meu lado, falando devagar. — Sei que você está bastante
chateada, mas não é um estranho pedindo para participar da vida
da filha. É o Igor. Ele cresceu com a gente e olha diferente pra você
desde que era moleque.
— Pera... o quê? — Franzi o cenho, olhando diretamente
para minha irmã.
— Ah, não, Ayana. — Aurora balançou a cabeça. — Não me
diz que você não notava... ele só faltava babar!
— É — Zuri deu risada. — Teve uma época em que vocês
ficaram tão próximos que achamos que os dois estavam namorando
escondido.
— Isso é loucura, gente — Neguei com a cabeça, tentando
buscar na memória algum momento em que Igor agiu diferente
comigo. — Sempre fomos amigos.
— Você sempre o tratou como amigo, ele te comia com os
olhos e fazia qualquer coisa que você pedisse.
— Vocês estão viajando legal — acusei, incrédula.
— Enfim, Nana — Minha irmã mais velha revirou os olhos
—, não posso te forçar a nada, mas acho que você deveria
reconsiderar um pouco essa história de privá-lo da vida da Tiana e
da sua. Esse é meu conselho como advogada — Ela parou um
pouco, se inclinando em minha direção. — Como sua irmã, sugiro
que infernize a vida dele até que ele se arrependa de ter te
engravidado.
Gargalhei quando ela sussurrou o último conselho e Aurora
pegou um dos travesseiros, jogando-o em Zuri.
— Vou pensar direitinho, meninas — falei, baixando um
pouco a guarda.
— Mas, então, mata aí minha curiosidade... — Aurora pediu.
— Vocês ficaram só em Barcelona ou foderam na ilha toda
também?
— Rory! — fiz careta e neguei com a cabeça, repreendendo-
a.
— Qual é, você tá aí grávida, não vem se fazer de recatada
agora — minha irmã devolveu.
— Ela tem razão — Zuri acenou.
— Não transamos em Barcelona — contei. — A primeira vez
foi na ilha, um dia antes do réveillon... e todos os dias depois.
— Como vocês conseguiram se esconder? — Zuzu
perguntou. — Meu quarto era ao lado do seu, safada.
— Então... Fizemos no chão da cozinha, no mar, no mato,
em todos os banheiros do térreo, embaixo das escadas e na
biblioteca. Menos no quarto — falei, sentindo meu corpo esquentar
ao lembrar de todos os orgasmos que ele me deu.
— Porra! — Rory quase berrou, levando uma das mãos à
boca.
— Então, se tem algo que ele faz, é foder bem? — Zuri
perguntou, franzindo os lábios.
— Foi bom enquanto durou — Dei de ombros e comecei a
me arrastar para fora da cama. — Será que podemos descer? Eu tô
com fome.
Dessa forma, consegui convencê-las a levantar e cortar
aquele papo meio constrangedor.
Capítulo 32 — Ayana Klein

 
Fiquei dois dias na casa dos meus pais, apesar da certeza
de que Igor estava do outro lado da rua, confiava que ele não
invadiria meu espaço, e felizmente isso não ocorreu.
No outro dia após o café da manhã, precisei encarar minha
realidade e ir para o meu apartamento. Eu já tinha me acalmado, o
susto havia passado e agora todos sabiam que eu e Igor nos
envolvemos em algum momento entre Barcelona e a Ilha nas
Bahamas.
Tio Turra e tia Ivana eram avós da Tiana e confesso que
essa parte era ótima, mas o pai dela ainda me dava dor de cabeça,
como nesse momento em questão.
Assim que saí do elevador, me deparei com dois homens
estranhos, ambos carregando caixas enormes nas mãos. Foi só me
aproximar da minha porta para notar o apartamento vizinho vazio,
cheio de pessoas andando por ele. Um barulho de furadeira
insuportável e gente falando alto.
Era o inferno!
Fiquei alguns segundos parada, um pouco incrédula e
irritada, pois, pelo visto, passaria o dia ouvindo aquilo. Entrei em
casa com Gretchen embaixo do braço e tranquei a porta, largando a
bolsa, chaves e chutando os sapatos. Liguei o sistema de som no
maior volume que consegui e fui me alongar.
O pandemônio continuou no dia seguinte, sendo a primeira
coisa que ouvi pela manhã. Levantei-me puta, vendo no relógio que
ainda nem havia passado das oito e caminhei com raiva até a porta,
abrindo-a sem me importar por ainda estar de pijama, no entanto,
dei de cara com Igor.
— Eu quero dormir, porra! — gritei brava, pouco me
importando com quem estava perto dele.
O imbecil me olhou de cima a baixo, demorando um tempo
maior na minha barriga redonda e descendo pelas minhas pernas.
— Vamos parar um pouco, pessoal — ele falou alto, olhando
ao redor. — Continuamos depois do almoço.
Fiquei quieta, vendo-o dispensar seu pessoal por minha
causa, e não posso negar que me senti muito poderosa naquele
momento.
— Opa, desculpe senhora.
— Tenha um bom dia.
Os homens foram passando entre mim e Igor enquanto
falavam. Contei seis deles.
— O que diabos você acha que está fazendo, Igor? —
perguntei quando ficamos sozinhos.
— Reformando o meu apartamento — falou, como se não
fosse muito óbvio. — Estou voltando a morar no Brasil e não vou
ficar na casa dos meus pais já que tenho meu próprio apê.
— Nossos pais têm outros prédios espalhados pelo Rio de
Janeiro — falei, cruzando os braços bem acima da curva da minha
barriga e atraindo o olhar dele para lá. — Tinha que vir morar logo
aqui?
— Vou fazer o que for melhor para você e para nossa filha,
Ayana, então estarei aqui, você querendo ou não.
Falou firme, sem hesitar ou pestanejar. Eu já tinha ouvido
sobre o peso que este lugar tinha para ele e mudar-se para o
apartamento ao lado do meu com essa determinação era corajoso,
um pouco fofo e também perturbador. Talvez mais perturbador do
que corajoso.
— Vocês estão bem? — ele perguntou devagar, me olhando
com aquela intensidade natural que tinha.
— Estamos — Acenei e fechei a porta sem me despedir.
Nem percebi o quanto a minha respiração estava pesada e
o coração acelerado antes de entrar e ser acolhida pelo silêncio do
meu quarto outra vez. Meu corpo ainda reagia ao dele, pelo visto, e
aquilo era muito, muito ruim.

A reforma durou uma semana inteira, mas Igor fez questão


de conferir todos os dias se eu estava acordada para começar.
Eu tinha o hábito de mandar bom dia para o meu pai todas
as manhãs e sempre depois dessa mensagem os trabalhos no
apartamento ao lado começavam. Tive certeza desse padrão
quando resolvi fazer um teste no terceiro dia e enviei a mensagem
perto das onze da manhã, sendo que eu estava acordada desde às
oito e tudo estava calmo do lado de fora. Quinze minutos depois de
falar com meu pai as vozes começaram a aparecer, incluindo a de
Igor, que agora era oficialmente meu vizinho.
No outro dia pela manhã, assim que enviei minha
mensagem corriqueira de bom dia, a campainha tocou e eu me
levantei da cama, andando com preguiça até a porta.
Eu tinha certeza de quem era e ainda pensei em deixá-lo
plantado me esperando, porém, eu não era tão megera assim.
Embora quisesse conseguir ser.
— Bom dia — cumprimentei meu novo vizinho, ainda sem
olhar, enquanto abria a porta.
— Bom dia — ele respondeu e foi então que vi a bandeja de
acrílico nas mãos dele, na verdade, acho que devo ter sentido o
cheiro antes de olhar.
O sorriso de Igor murchou totalmente ao descer o olhar para
o meu corpo, pois eu estava com o mesmo baby doll de bicho
preguiça que usava na ilha na primeira vez em que transamos. O
mesmo que ele nem chegou a tirar para me comer de todas as
formas naquela cozinha.
Meu sangue esquentou, porém eu engoli em seco e sacodi
um pouco a cabeça, perguntando:
— Isso é para mim?
Ele demorou alguns segundos para, pelo visto, recuperar a
habilidade de falar.
— Sim — confirmou. — Queria ter trazido nos dias
anteriores, mas as coisas aqui em casa estavam uma zona.
Olhei para a bandeja com pão fresco, geleia, queijos, um
bolo pequeno, algumas frutas cortadas e um copo de suco. Senti
meu estômago roncar.
— Você quer entrar? — perguntei, me afastando um pouco
para dar passagem a ele. — Não vou conseguir comer isso tudo
sozinha mesmo.
— Sério? — Ele inclinou o pescoço para trás, admirado. —
Quer dizer... claro! — corrigiu-se rapidamente, dando passos para
dentro da sala.
Fechei a porta e observei enquanto ele ia até a cozinha e
depositava a bandeja na bancada, olhando fixamente para a
bailarina ainda sobre a mesinha. Na verdade, eu a mantive ali por
todo esse tempo porque me acostumei tanto com a existência dela
que passei a ignorar.
— Você guardou... — Igor falou, abrindo um sorriso
impressionado.
— É uma boa escultura. — Dei de ombros, fingindo que
aquilo não era importante e adentrei na área da cozinha.
Como acontecia todas as manhãs, peguei o pote de ração
de Gretch dentro do armário e balancei, ouvindo o som do pingente
que havia em sua coleirinha enquanto ela corria do quarto, mas, ao
ver Igor, a cadelinha estacou no chão, rosnando.
— Ela não gosta muito de mim — Igor falou de trás do
balcão e eu passei por ele para pegá-la.
— Pelo menos ela é sensata — provoquei, olhando para ele
com uma das sobrancelhas erguidas. Achei que Igor fosse ficar
chateado ou até mesmo reclamar do comentário, mas ele abriu um
sorriso cheio de dentes, se divertindo com a minha provocação.
— Apenas ela?
— Eu não vou cair nesse seu papinho, Igor — avisei, me
agachando para pegá-la do chão.
Levei Gretch para perto de Igor e enfiei o focinho da cadela
no pescoço dele.
— O que você tá fazendo? — Igor perguntou, se
esquivando.
— Se você quer continuar vindo aqui em paz, então ela
precisa conhecer você — expliquei e ele deixou a cadelinha cheirá-
lo para logo em seguida latir.
— Eu acho que ela continua sem gostar de mim — falou.
— Mas isso vai evitar que abocanhe suas canelas. — Soltei
Gretch, vendo-a ir até seu pote de ração.
— Isso significa que eu posso vir aqui? — Nem tinha me
dado conta de que, indiretamente, acabei permitindo as suas visitas.
— Se parar de trazer comida, eu te barro outra vez — disse,
pegando dois pratos no armário e depois me sentando na bancada
ao lado dele.
— Ok — Ele sorriu outra vez, inclinando o pescoço para
ficar me olhando.
Ignorei todas as sensações confusas que o olhar dele trazia
e comecei a comer, tentando fingir indiferença quando, na verdade,
meu corpo inteiro estava muito atento à proximidade dele. Alisei
minha barriga que estava cada dia mais redonda e Igor desviou os
olhos para lá.
— Ela se mexe muito? — ele perguntou, interessado. — Li
em algum lugar que com vinte e duas semanas já dá para sentir os
chutinhos.
— De manhã ela é quietinha, no fim da tarde fica um pouco
mais agitada, mas nem sempre dá para sentir aqui de fora —
expliquei com calma.
Eu estava me esforçando para passar por cima das minhas
mágoas também, já que Igor parecia empenhado em participar das
nossas vidas. Foi assustador para mim descobrir a gravidez
praticamente no meio dela, porém, deve ter sido muito louco para
ele também. E voltar para o Rio, mesmo afirmando sempre que
podia que jamais voltaria a morar aqui, era corajoso da parte dele.
Claro, era o mínimo que deveria fazer como pai, contudo, eu
já tinha levantado uma mentira que possibilitava a escapatória dele.
Ninguém jamais desconfiaria ou o apontaria como possível pai da
bebê, no entanto, ele veio certo e determinado e, depois da raiva
inicial, aquilo me impressionou um pouco.
— Não tomo café, então pode ficar com ele se quiser —
falei, apontando para o copo que eu nem havia notado e começando
a tirar os itens da bandeja para me servir.
— Obrigado... Então, peguei as plantas dos nossos
apartamentos e descobri que o seu último quarto de hóspedes dá
em um dos meus — ele começou a falar, se servindo também.
— O que tem? — perguntei.
— Podemos abrir em um quarto só com duas entradas.
Comecei a desenhar um projeto com o Rafa e, se você concordar, já
começamos a trabalhar nisso.
Confesso que nem eu havia pensado no quarto da Tiana
ainda. Sabia que em algum momento teria que começar a escolher
os itens, pensar na decoração e em todo o resto, mas estava
postergando e nem eu entendia o motivo.
— Você pretende ser o tipo de pai que levanta e troca
fraldas de madrugada? — perguntei, pois, se estava tão interessado
em ter acesso ao quarto da bebê, teria que haver um motivo
plausível.
— Claro que sim! — ele afirmou com convicção. — O meu
pai se aposentou muito antes da mamãe, então, sempre esteve
presente. Quando minha mãe parou de apitar, eu já tinha 12 anos e
a Iara tinha 10, claro que ela era presente, mas não tanto quanto o
meu pai... — Ele pareceu se interromper no meio da sua própria
explicação. — O que quero dizer é que, com a minha referência de
paternidade, jamais colocaria todas as responsabilidades nas suas
costas.
— Tudo bem — sorri, mas logo me veio um questionamento.
— E como fica a nossa privacidade nesse arranjo?
— Privacidade? — ele franziu o cenho, dando um gole no
café depois de assoprá-lo.
— Sim, eu posso começar a sair com alguém ou até mesmo
você, precisaríamos definir limites. — Não era bem esse o centro da
questão, já que eu não conseguia sequer pensar em outra pessoa
agora.
Mas éramos adultos, eu não queria entrar no apartamento
dele e dar de cara com outra mulher e imagino que ele também não
gostaria de passar por algo assim.
— Você tá brincando? — A expressão dele caiu e Igor
começou a ficar vermelho.
— Não estou — falei, me divertindo internamente com
aquele papo.
— Nossa, você é muito boa em estragar o apetite de alguém
— ele falou, colocando a xícara sobre a mesa e se levantando. — É
melhor eu ir embora, Ayana. Espero que pelo menos você tenha um
bom dia, já que acabou de estragar o meu.
— Ah, não, Igor! — protestei, prendendo o riso. — Nós
somos dois adultos, poxa, volta aqui.
Ele parou no meio da sala olhando para mim com a
expressão séria.
— Pra você pisar nos meus sentimentos?
— Quer mesmo falar em pisar nos sentimentos de alguém?
— perguntei, mudando de humor no mesmo segundo. — Porque
você mandou bem demais em pisar nos meus.
— Me desculpa — ele falou, baixando a guarda agora. — Eu
não queria esperar você se apaixonar sabendo que iria embora em
poucos dias.
— Sendo assim, deveria ter interrompido tudo alguns países
antes, não acha?
Igor respirou fundo e fechou os olhos por um segundo,
voltando a falar com mais calma depois:
— Antes de tudo que rolou, avisei que não queria ser mais
um na lista dos caras que partiram seu coração. E eu nunca prometi
ficar, Ayana.
— E eu sabia que você iria embora, mas a forma como me
afastou, como se eu fosse um nada... — Me calei, começando a
ficar agitada com a discussão.
— Eu errei, eu sei. — Igor acenou com a cabeça e baixou os
olhos.
— Foi cruel. — Neguei com a cabeça, tentando colocar
aquele sentimento ruim para fora de uma vez por todas. — Eu achei
que fôssemos amigos acima de tudo, que você me considerasse
não apenas para transar...
— E eu considero — ele me interrompeu.
— Não o bastante para me mandar a real, pelo menos. —
Foi a minha vez de pular da bancada, ficando sobre meus próprios
pés para discutir com ele. — Eu sempre acolhi os seus sentimentos
— falei mais alto do que deveria, talvez os vizinhos de cima e de
baixo estivessem ouvindo, mas pouco me importava. — Eu abracei
você, respeitei os seus limites mesmo quando eles me irritavam.
Não me atraí sozinha, não fiz nenhuma manobra extraordinária para
te seduzir, você ficou comigo porque queria tanto quanto eu.
— Eu sei... Acha que não me arrependo por ter te evitado?
Acha que não doeu em mim também? Meus dias foram um inferno
sem você, Nana.
— Agora imagina os meus... — falei, irritada — Quando me
contaram que você foi embora, eu me senti insignificante, Igor. Foi
tão decepcionante que comecei a detestar você e, além de sentir
ódio todos os dias, ainda descobri que carregava uma filha sua.
Igor se aproximou de mim, trazendo as duas mãos para o
meu rosto e prendendo meu olhar com o seu para dizer:
— Eu nunca mais te farei passar por isso — prometeu.
— Claro que não vai — falei, tirando as mãos dele do meu
rosto. — Porque eu jamais vou permitir isso de novo.
— Nana... — Veio com aquele tom de cão abandonado
outra vez.
— É melhor você ir embora — declarei, precisando de um
momento sozinha, ou até uma semana. — Estou tentando te incluir
nas nossas vidas, mas não ache que tem algum direito divino sobre
mim só porque me engravidou. — Mandei a real.
— Se precisar de alguma coisa, pode me ligar — avisou
antes de bater a porta.
Puxei o ar com força, controlando a vontade de chorar.
Capítulo 33 — Igor Reis

 
Já fazia mais de uma semana desde que mudei para o
prédio que havia jurado nunca mais voltar ou morar. As coisas
tinham acontecido muito diferentes do que planejei, mas aquele
lugar não me incomodava mais. Diante dos meus problemas atuais,
a tristeza que eu sentia por estar ali ficava até pequena.
Ayana estava mesmo determinada a não me aceitar de volta
e aquela discussão no nosso café da manhã fracassado deixou isso
bem claro.
Contudo, eu persisti, fui lá no dia seguinte e ela aceitou o
café, mas não me convidou para entrar. No outro dia, fechou a porta
na minha cara outra vez e só falava comigo em meias palavras.
Comecei a deixar bilhetes de desculpas junto à refeição e até pedi
para sentir a bebê, porém ela negou.
Ainda parecia brava, e eu nem podia culpá-la.
Me partiu o coração saber como ela se sentiu após a minha
ida, o que era muito irônico, já que o único motivo pelo qual me
afastei foi para não a ver sofrer. Eu me sentia um idiota por isso,
mas não sabia mais o que fazer para me redimir.
Mas eu estava sendo paciente e focando também na minha
própria vida. Voltei a trabalhar e a ir ao futebol aos domingos,
treinava com minha mãe todos os dias e comecei a me sentir em
casa no Rio de Janeiro outra vez. Há muito tempo eu não me sentia
dessa forma e aquilo me trouxe esperança de que as coisas fossem
se ajeitar aos poucos.
Saí do elevador meio desajeitado, com um monte de
sacolas nas mãos, tentando caber no corredor junto com elas. Tinha
ido ao shopping com Iara, e eu e minha irmã nos empolgamos um
pouco e quase trazíamos a loja inteira. Queria que Nana estivesse
conosco, mas ela não me atendeu quando liguei na hora do almoço,
nem respondeu às minhas mensagens.
Seu Luís me disse que ela não saiu durante o turno dele e
seu carro continuava na garagem também, o que era estranho.
Toquei sua campainha três vezes antes de ela me atender,
com as pálpebras cerradas e o rosto sonolento.
— Você tá bem? — perguntei, soltando todas as sacolas no
chão.
— Acho que estou resfriada — contou, voltando para dentro
da casa e se deitando no sofá.
A segui preocupado e me sentei próximo, levando a mão até
a sua testa para ver se estava com febre, mas parecia normal para
mim.
— Quer ir ao hospital?
— Claro que não, Igor, é apenas um resfriado — reclamou,
como se a ideia fosse ridícula.
— Já aconteceu antes?
— Sim, eu só não sabia que estava grávida ainda.
Acenei devagar, fazendo um plano mental para derrubar a
gripe.
— Já comeu hoje? — questionei, já entrando em sua
cozinha.
— Tomei café da manhã tarde e dormi depois do analgésico.
Vi a louça suja em cima da bancada ao lado de uma cartela
de paracetamol. Ela tinha frutas em casa, o que era bom, pois
poderia fazer um suco.
— Você tem comida aqui?
— No congelador tem refeições prontas, mas não precisa se
preocupar, Igor, eu vou levantar para esquentar. — Seu tom de voz
estava anasalado por causa do nariz entupido e apesar de dizer que
se levantaria, sequer se mexeu.
Comecei a vasculhar sua cozinha, colocando uma das
marmitas no micro-ondas e pegando pratos, talheres e laranjas para
fazer um suco. Pelo menos ela tinha todos os utensílios domésticos.
No meu apartamento só tinha duas panelas e seis copos, já que me
livrei de tudo que havia lá.
O café da manhã de Ayana era encomendado e todos os
dias eu buscava cedo na mesma padaria, tinha até feito amizade
com os donos de tanto que eu aparecia por lá.
Servi sua comida no prato e despejei o suco no copo,
levando até onde ela estava ao mesmo tempo que a cadelinha de
Ayana veio do corredor, correndo ao notar a porta aberta.
— Ela quer passear — Nana avisou. — Pode fechar a porta
pra ela não sair? — pediu e eu acenei, entregando a comida em
suas mãos quando ela se sentou e colocando o copo sobre a
mesinha lateral.
Peguei a cadelinha, apoiando-a embaixo de um dos braços
e puxando todas as sacolas para dentro do apartamento para fechar
a porta.
— O que é isso tudo? — ela perguntou, apontando para as
sacolas com o garfo.
— Algumas coisas que eu comprei. Quer ver? — falei
empolgado e ela deu de ombros, acenando. — Você não vai
acreditar no que eu encontrei...
Comecei a procurar a embalagem verde no meio da
bagunça e, quando achei, ergui a fantasia minúscula de abacate.
— Pra combinar com o seu pijama. — Sorri, vendo Nana
olhar estranho para mim enquanto sorria. — O que foi? Você ainda
nem viu o restante.
Fui mostrando os itens aos poucos à medida que ela se
alimentava. O bebê conforto lilás, as fraldas de pano, as toalhas
engraçadas com capuz. Os bodys que Iara me ajudou a escolher,
uns mais simples e outros com babados muito fofos.
Desembalei tudo, espalhando os itens pela sua sala e
notando o olhar de Nana brilhando cada vez mais. Era aquela
emoção que eu queria ver em seus olhos quando estava comigo;
não raiva, mágoa e rancor.
Ela terminou de se alimentar e tomou todo o suco,
colocando o copo e o prato em cima da mesinha.
— Também comprei algumas roupinhas — ela compartilhou
comigo. — Mas acho que já está na hora de planejarmos o
quartinho, não é? Ainda não fui escolher os móveis.
Cocei a cabeça quando ela falou aquilo, lembrando do que
havia feito dias atrás.
— Espero que você não fique brava comigo — Tirei o celular
do bolso e abri o aplicativo de uma loja para itens infantis. — Eu vi
esse berço de madeira redondo e achei incrível, acabei comprando
sem te perguntar — Me aproximei, mostrando a ela a imagem na
tela. — Mas dá tempo trocar — falei, um pouco incerto.
— Acho ótimo que fuja um pouco do padrão branco ou rosa.
— Nana pegou o aparelho da minha mão, rolando as fotos para o
lado. — Será que conseguimos encontrar os outros móveis da
mesma cor?
— Posso pedir para fazer sob medida caso não
encontremos.
— Então está perfeito. — Ela sorriu e, acho que por
costume, tirou do aplicativo, colocando na tela inicial e vendo a foto
do ultrassom morfológico como meu papel de parede.
Nana me entregou o aparelho e ficou me olhando com a
expressão pensativa. Minutos depois voltou a falar:
— Você está curtindo mesmo a ideia de ser pai, não é? —
perguntou e eu senti minha própria respiração se amontoar na
garganta.
A verdade é que descobrir que eu seria pai me deu um novo
propósito. Quando a vi grávida naquelas fotos e depois olhei para o
rostinho de um bebê meu, crescendo dentro dela, só pensei em ser
um homem melhor para as duas.
Eu queria ser um pai incrível e, se um dia Ayana me
permitisse, seria um parceiro incrível para ela também.
— Estou ansioso, Nana — contei, um pouco melancólico. —
Não tem um dia em que eu não pense em ter a Tiana nos meus
braços. — Sorri e inclinei o pescoço, olhando para ela a tempo de
ver uma lágrima escapar.
— Malditos hormônios — ela falou embargada, passando as
costas da mão pela bochecha.
— O projeto do quarto está pronto — contei, tentando mudar
de assunto para não a fazer chorar. — Você quer ver?
Ayana acenou rápido e eu fui ao meu apartamento pegar o
notebook para mostrá-la.
Essa tinha sido a primeira abertura real que ela tinha me
dado, mas tomei cuidado para não forçar a barra, pois eu sabia que
costumava ir sempre com muita sede ao pote.
Aos poucos provaria para Ayana que valia à pena, porém,
sem meter os pés pelas mãos outra vez.
Naquele dia ficamos conversando até tarde. Ela deu
algumas sugestões para o projeto e eu anotei para modificar.
Guardei tudo que comprei em seu closet e Nana me mostrou os
itens que já tinha comprado também.
Fizemos uma lista de coisas realmente necessárias para
receber a bebê e planos para o futuro, como pais ansiosos e
sonhadores.
Foi difícil me despedir, pois queria abraçá-la para dormir e
acordar vendo seu rosto bonito, entretanto, estava focado em pegar
leve.
Assim que entrei no meu apartamento, abri o grupo no
WhatsApp que tinha com meu pai, tio Jota, Júnior e meu padrinho.
Era lá que eu os informava de tudo que acontecia, e eles também
me ajudavam em algumas questões. Tio Jota havia criado uma
figurinha e mandava todas as manhãs quando Ayana acordava. Foi
assim que sobrevivemos à semana da reforma.
TÁTICA INFALÍVEL.
Eu: Fizemos progresso!
Contei animado e apoiei o celular no espelho para escovar
os dentes antes de dormir.
Tio Jota: Ela já te aceitou de volta?
Eu: Ainda não, mas pelo menos conversamos sem ela gritar
comigo.
Júnior: Isso é muito bom.
Padrinho: Foco no objetivo, garoto, você merece mais.
Tio Jota: Minha filha que merece mais.
Pai: Os dois merecem mais...
Meu pai colocou um emoji revirando os olhos logo abaixo da
mensagem.
Júnior: Isso, se casem, amo bolo de casamento.
Tio Jota: Estou de olho, Macedinho, não me decepcione.
Eu: Pode deixar.
Pela primeira vez desde que pisei no Rio de Janeiro, dormi
animado e esperançoso, em vez de receoso pelos pesadelos,
mesmo que estivessem cada vez menos recorrentes.
Capítulo 34 — Ayana Klein

 
Quando Igor voltou e resolvi tentar incluí-lo em minha vida,
não imaginei que os sentimentos ruins fossem desaparecer tão
rápido, dando lugar a alguns que já existiam e a outros novos,
sentimentos esses que eu nem sabia que podia desenvolver: afeto,
admiração, orgulho...
Ele parecia mais vivo agora, mais feliz, empolgado com a
gestação e cheio de esperanças para o futuro. Tiana nem havia
nascido ainda e Igor já se mostrava um pai excelente e muito
cuidadoso.
As reformas para o quarto da bebê haviam começado e ele
fez questão de lacrar temporariamente a porta de acesso ao meu
apartamento, de modo que toda a bagunça, poeira e destroços da
parede quebrada passava apenas pelo seu, contudo, não pude
deixar de notar que ele usou essa circunstância para passar mais
tempo aqui, e eu fui deixando.
Ele ainda fazia meu café da manhã diariamente e comecei a
responder às suas mensagens no meio do dia perguntando se
estávamos bem. Eram detalhes sutis, passos quase invisíveis que
ele dava para dentro do meu coração outra vez.
Fomos juntos à minha consulta esse mês e o homem
parecia uma criança quando ouviu os batimentos cardíacos da filha.
— Você tá chorando? — deitada na maca, perguntei ao
mesmo tempo que dava risada.
— A maioria deles choram... — Doutor Bernardo falou,
tentando amenizar o lado dele. — Ou melhor, os melhores pais
choram, querida — piscou para mim e eu revirei os olhos, rindo.
— Vem cá — Estiquei o braço, para pegar a mão dele. — Eu
também chorei na primeira vez.
Igor colocou sua mão quente e suada na minha e eu a
apertei de leve, passando um pouco de conforto para ele.
Todos os dias eu me via ansiosa pela sua chegada, algumas
vezes até pedimos comida juntos no meu apartamento. Inclusive,
começamos até a ver uma série juntos e estávamos nos
relacionando como bons amigos, todavia, ficava cada vez mais
difícil olhar para ele e me lembrar do que aquela boca, corpo e mãos
eram capazes. Era como se meus hormônios estivessem em
ebulição, e o meus vibradores já nem eram suficientes para aplacar
o tesão.
Algumas vezes ele aparecia na minha porta pela manhã
suado e sem camisa; coincidentemente, isso sempre ocorria depois
que eu mandava bom dia para o papai. Eles ainda continuavam
sincronizados nisso.
Comecei a sentir tesão nele outra vez sem nem notar.
E agora eu tinha um grande problema.
Tentei me segurar, disfarcei e passei a me estimular sozinha
mais de uma vez por dia, contudo, naquele dia em particular,
acordei extremamente frustrada e Tiana parecia ter notado, já que
quase dava cambalhotas na minha barriga.
Mandei uma mensagem rabugenta para o meu pai e ele
respondeu perguntando se estava tudo bem, respondi que sim e
não demorou muito até a campainha tocar. Suspirei e me levantei,
pronta para receber o pai gostoso e idiota que eu tinha dado a
minha filha.
Abri a porta com meu pijama de abacate, alisando a barriga
que estava bem mais redonda, mas não tão grande. Tinha certeza
de que estava descabelada e com a cara amassada, no entanto,
não me importei muito com isso em um primeiro momento.
Me senti horrível ao descer os olhos devagar pelo homem
vestido com calças jeans e camisa branca com os primeiros botões
abertos e as mangas estendidas até os cotovelos. Sua barba
parecia recém-feita e os cabelos estavam cortados de um jeito
descontraído e moderno. Os olhos azuis pareciam me explorar da
mesma forma que eu fazia com ele.
— Bom dia — ele sorriu e puta merda!
Eu tinha que ser muito forte para manter as pernas
fechadas.
— Bom dia — respondi fingindo tédio e voltei para dentro do
apartamento, bem ciente de que ele me seguiria.
— O que houve, estranha? — E ainda tinha o apelido que
voltou junto com nossa intimidade. — Você parece frustrada.
— Sua filha está treinando pra as próximas olimpíadas
dentro da minha barriga — reclamei, fazendo-o gargalhar ao mesmo
tempo que deixava meu café da manhã sobre a bancada.
— E qual a modalidade? — perguntou, divertido.
— Não tenho a menor ideia, mas deve ser algo muito radical
— contei, parando entre a sala e a cozinha.
Igor parou de sorrir, me olhando por um segundo antes de
perguntar:
— Posso sentir?
Eu não tinha o deixado tocar na minha barriga ainda. Já
fazia um tempo desde a última vez em que pediu, e eu havia
negado, porém, as coisas pareciam diferentes agora. Não existia
mais nenhum sentimento ruim entre nós. Igor conseguira apagar
tudo.
Estendi a mão e Igor pareceu surpreso, respirando com
mais intensidade, mas se aproximou, me dando o que pedi. Segurei
seu pulso e trouxe até o lado em que a bebê parecia mais à vontade
para se mover, encostando sua palma ali.
Meu corpo reagiu ao toque quente e minha própria
respiração encurtou à medida que ele esperava, com a mão enorme
cobrindo pouco mais de um quarto da minha barriga.
Senti seu cheiro, o calor familiar do corpo dele e seu hálito
gostoso tocar meu rosto. Fechei os olhos, engolindo em seco,
enquanto tentava ignorar o desejo latente.
— Nossa! — ele riu quando a bebê se moveu sobre sua
mão. — Isso é incrível, Nana — quando falou, Tiana voltou a se
agitar, fazendo com que ele se divertisse ainda mais.
Abri os olhos, observando suas íris azuis muito brilhantes
agora. Minha pulsação aumentou e o ar saiu entrecortado pelo meu
nariz. O tesão parecia falar muito mais alto que a razão, e Igor
notou, fechando o sorriso e umedecendo os lábios com a pontinha
da língua.
Porra!
A mão dele se moveu, alisando minha pele por completo.
Seu toque parecia queimar em mim, me tentando ainda mais a fazer
aquela loucura.
— Você tá esperando o que pra me beijar, Ayana? — ele
perguntou com o tom de voz rouco e baixo.
— Quem disse que eu quero? — provoquei, fingindo um
controle que não existia em mim.
— Consigo te sentir vibrando daqui — Sua voz era quase
um sussurro. — Você pode não querer, mas seu corpo quer. —
Como se quisesse provar sua teoria, Igor inclinou mais o pescoço,
roçando a ponta do nariz em minha bochecha.
Apertei os olhos, puxando o ar uma, duas, três vezes mais
forte antes de avançar sobre ele, gemendo ao sentir sua boca outra
vez sobre a minha.
Igor me agarrou pela cintura, tentando colar nossos corpos,
mas sorriu nos meus lábios ao ser barrado pela barriga. Senti suas
duas mãos sobre o meu rosto, demonstrando uma ternura que eu
não precisava naquele momento.
Agarrei seus cabelos e o beijei de maneira quase violenta,
desesperada, com fome, ao passo que ele se inclinava sobre mim
colocando um dos braços por baixo dos meus joelhos e o outro nas
minhas costas para me erguer.
Achei que me levaria para cama, na verdade, aquela era a
minha expectativa, no entanto, Igor tinha outros planos. Ele se
sentou em uma poltrona que eu tinha na sala, me colocando sobre o
seu colo sem parar de me beijar.
— Igor... — chamei, rebolando sobre seu colo à medida que
sentia seu pau endurecer embaixo de mim.
— Você tem pressa, não é? — ele perguntou, porém não me
deixou responder, beijando-me com força por mais alguns
segundos. — Mas eu não quero uma rapidinha, Nana. Quando eu te
comer outra vez, vou passar horas metendo em você.
Esqueci o quanto ele sabia o que dizer e, caralho, aquilo
piorou consideravelmente o meu estado de excitação.
— Eu preciso gozar — falei, apertando o queixo dele com
minha mão. — E se você sair daqui sem resolver o meu problema,
nunca mais te deixo pisar neste apartamento — ameacei, vendo um
sorrisinho sacana nascer na lateral do seu rosto.
— Eu disse que estaria aqui para cuidar de você, lembra? —
Alisou minhas coxas de uma maneira muito sensual, fazendo com
que minhas pernas se separassem em expectativa. — E eu vou
cuidar de todas as suas necessidades, Ayana, incluindo o tesão.
Igor segurou minha nuca, tomando o controle do beijo, e
moveu a língua habilidosa sobre a minha enquanto subia a outra
mão por minhas pernas, fazendo-me arquejar. Abaixou as alças da
blusinha, puxando a peça para baixo para libertar meus seios, e não
demorou muito até que eu sentisse a pressão de seus dedos em um
dos mamilos. Arqueei as costas, gemendo alucinada contra sua
boca enquanto espasmos eram enviados diretamente para a minha
boceta.
Seus lábios fizeram um caminho lento e excruciante pela
minha mandíbula e pescoço até chegar aos seios, prendendo um
dos bicos entre os dentes e arrancando um grito rouco da minha
garganta.
— Continua, porra, assim mesmo! — implorei com a voz
entrecortada, incitando-o a continuar com a tortura gostosa.
— Eles parecem muito mais sensíveis do que antes — falou,
brincando com a língua ao redor do biquinho.
Choraminguei, desesperada por mais, perdida pela forma
como ele ligava meu corpo.
— Mais um pouco disso e eu gozo sem você nem tocar
minha boceta — contei ofegante, fazendo com que Igor chupasse
forte, quase de maneira dolorosa, fazendo com que meu canal se
contraísse por conta própria.
A palpitação no meio das minhas pernas era quase um
tormento e a mão de Igor ainda estava parada ali no meio delas.
— Me toca — exigi, impaciente. — Eu sei que você adora
me enlouquecer, Igor, mas eu não aguento mais. — Esfreguei a
bunda sobre sua pelve outra vez, sentindo o pau pulsar embaixo de
mim.
— Você é insana pra caralho! — ele falou, subindo a mão
pela minha coxa. — Tudo em você me enlouquece, Ayana —
continuou, colocando a mão dentro do meu short e começando a
explorar a minha intimidade. — Incluindo essa sua mania de não
usar calcinha. Puta que pariu! — rugiu quando seus dedos entraram
em contato com a vulva encharcada.
Seus dedos finalmente encontraram meu clitóris inchado,
causando um tremor por todo o meu corpo enquanto eu gozava,
movimentando o quadril sem controle em busca de mais atrito.
Meus gemidos altos foram abafados por mais um beijo faminto, e
Igor não parou de me estimular até que os espasmos diminuíssem.
— Vamos para a cama? — implorei, sentindo meu corpo
ainda ligado e aflito por atenção. Desci minhas mãos dos seus
ombros para os botões da camisa, começando a abri-los com as
mãos um pouco trêmulas.
— Eu ainda não acabei com você, linda — ele falou,
rodeando minha entrada com as pontas dos dedos e me fazendo
arquejar de tesão a ponto de esquecer o que estava fazendo.
Dois dedos foram me abrindo ao passo que eu contraía ao
redor deles, ansiosa por aquele estímulo que sabia ser capaz de me
tirar do chão. Igor passou a entrar e sair devagar, porém, me
segurou no lugar quando ameacei agitar os quadris.
— Para de brincar com meu juízo — reclamei, voltando a
puxar seus cabelos entre meus dedos. Sabia que estava fazendo
seu couro cabeludo arder pela força em que colocava, mas ele
também fazia meu corpo arder com aquela calma irritante.
— Como você quer, amor? — falou ao pé no meu ouvido,
fazendo com que minha pele inteira se eriçasse. — Assim? —
Curvou os dedos para cima, tocando em um ponto sensível dentro
de mim.
Esqueci como respirava, arquejando sem parar enquanto
ele repetia o movimento, levando meu corpo a se contorcer sobre
seu colo.
— Não para — pedi, jogando o pescoço para trás e
apertando os olhos.
— Olhos em mim, Ayana — Sua voz grave reverberou sobre
todo meu corpo conforme ele diminuía a intensidade do movimento.
— Quero que você goze me olhando, vendo como eu sou bom em
te enlouquecer — completou, me motivando a abrir as pálpebras e a
endireitar o pescoço para fitá-lo.
Ele voltou a me estimular com a expressão concentrada e
determinada, o pau pulsando embaixo de mim e a respiração
entrecortada. Pelo visto, eu não era a única a me perder em tesão
aqui.
Não demorou muito até que minhas pernas começassem a
tremer outra vez, e foi necessário um esforço quase sobrenatural
para manter minhas pálpebras abertas à medida que meu corpo
inteiro esquentava e explodia, liberando a tensão acumulada. Minha
visão nublou e eu gritei, perdida nas sensações alucinantes.
Foi intenso... muito mais do que qualquer outro orgasmo que
Igor já havia me dado. Não sabia como isso era possível, já que ele
ainda estava todo vestido e minhas roupas também continuavam em
meu corpo, mesmo que não cobrissem mais os lugares certos.
Quando a onda passou, o homem tirou os dois dedos de
dentro de mim devagar, enfiando entre os próprios lábios e
gemendo ao sentir meu gosto neles.
— Você é tão gostosa quanto eu me lembrava — disse,
fazendo com que eu inclinasse o pescoço, apoiando minha testa em
seus ombros.
Ele me enlouqueceria qualquer dia desses.
Capítulo 35 — Igor Reis

 
— Você tá brincando? — Nana perguntou quando eu
levantei com ela no colo dizendo que precisava ir trabalhar.
— Infelizmente não — falei, franzindo os lábios. — Você
precisa comer e eu tenho duas reuniões agora pela manhã.
Coloquei seu corpo sentado sobre a poltrona e apoiei uma
mão em cada lado do encosto, me inclinando para deixar um selinho
em seus lábios.
Meu pau estava sofrido, apertado pela cueca e o jeans, sem
mais espaço para pulsar. Só pensava em libertá-lo e me enfiar
dentro dela, porém, tinha mesmo que ir embora. Não só pelos
compromissos, mas também pela minha urgência. Eu só me via
sendo rude com Ayana, a comendo freneticamente enquanto a ouvir
gritar pelo meu nome, contudo, ela nem havia tomado café da
manhã ainda.
Além disso, não queria apenas uma transa em um momento
de desespero seu.
Queria que me aceitasse de volta em sua vida e retomar as
coisas de onde paramos para que finalmente pudesse chamá-la de
minha. Sabia que poder ter acesso ao seu corpo e fazê-la gozar
assim era um progresso enorme, já que há dois meses ela gritou
que não me queria em sua vida.
No entanto, precisava pegá-la de volta, provar que eu podia
fazê-la feliz, ser o cara para ela, o homem que não fugiria outra vez
quando se sentisse inseguro.
Acho que eu havia mesmo aprendido a lição, pois numa
dessas, quase perdi minha família. E não havia nada mais
importante no mundo para mim do que eles.
Mesmo deixando Ayana brava em casa, segui para a
empresa. Fiz tudo da mesma forma que vinha fazendo desde que
voltei, inclusive a mensagem no almoço.
Eu: Alimentou nossa filha?
Mandei a mensagem de uma forma diferente dessa vez.
Nana: Já.
Ela vinha me respondendo bem esses dias, em alguns dias
até conversávamos, e Nana me contava detalhes do seu dia. Às
vezes ela ia passar a tarde com os pais, ou até mesmo inventava
algum programa com Aurora ou Zuri, mas hoje ela parecia mal-
humorada.
Eu: De mal humor, linda?
Nana: Não se faz de sonso, Igor.
Nana: Você foi embora. Porra!
Dei risada quando respondeu. Sabia bem que ela estava
irritada por aquilo.
Eu: Parece até que foi você quem precisou sair de pau duro
daí.
Nana: Você não pode reclamar. Se tivesse me dado quinze
minutos, eu resolvia seu problema.
Eu: Não quero só quinze minutos, Ayana.
Quase completei com um “quero a porra da vida inteira”.
Talvez fosse muita “forçação” de barra dizer isso, então
mantive o comentário. Fiquei encarando a tela por minutos, vendo-a
digitar e parar em seguida várias vezes, até finalmente mandar:
Nana: Eu quero mais.
Eu: Mais o que?
Nana: Mais de você, do seu beijo, da sua língua, do seu
corpo.
Droga! Era muito cedo para comemorar?
Eu: Está me aceitando de volta?
Perguntei, esperançoso. Mais uma vez a mensagem
demorou e os segundos pareciam passar mais lentamente,
aumentando ainda mais a minha ansiedade.
Nana: Melhor conversarmos quando você estiver aqui.
Eu: Tudo bem, chego mais tarde.
Eu queria sair correndo para casa e foi quase o que fiz, no
entanto, mais uma vez segurei a minha impulsividade. Mesmo que
contasse cada maldito minuto.
Não consegui me concentrar em porra nenhuma, muito
menos entender meia dúzia do que me diziam. Só pensava na
mulher me esperando em casa, pela primeira vez em muito tempo,
ansiosa por mim.
Acabei saindo da empresa duas horas antes e dirigi como
um louco, sem aguentar mais guardar todos os sentimentos que eu
tinha. Eles pareciam querer explodir dentro de mim agora e algo me
confirmava que aquele era o melhor momento. Não dava para
perder a chance.
Toquei sua campainha furiosamente, como da primeira vez
em que estive aqui assim que retornei da Alemanha. Conseguia
sentir o sangue quente fluindo pelas minhas veias e meu coração
bater descompassado.
Ayana abriu a porta em um rompante, fazendo minha mão
sobrar no ar. Fiquei parado, respirando pesado enquanto a mulher
me olhava confusa. Minutos se passaram conforme a minha mente
fervia, tentando juntar as palavras para dizer algo realmente
coerente.
— Você tá passando bem? — Nana perguntou, inclinando o
rosto para frente.
— Sou apaixonado por você desde que entendi a existência
do sentimento — Coloquei para fora, gesticulando de uma forma
muito esquisita. — Você me tratava como um irmão e então resolvi
deixar de lado aquele afeto, achando que era apenas coisa de
adolescente confuso. Aí você foi embora para a Rússia e foi uma
das épocas mais tristes da minha vida.
Encostei o braço no batente da porta um pouco acima da
minha cabeça.
— Nossa! — ela esbugalhou um pouco os olhos,
exclamando.
— Sempre que você voltava, aquele sentimento renascia e
eu tentava sufocá-lo. A ideia de voltar a gostar de você quando sua
vida era o ballet, os espetáculos e vinha ao Brasil apenas uma vez a
cada dois anos era muito assustadora, porém eu não conseguia
parar de te olhar, te desejar, de imaginar uma vida junto a você.
— Por que nunca me contou sobre isso? — Ayana negou
com a cabeça, parecendo confusa.
— Você estava vivendo seu sonho, fazendo sucesso em sua
carreira, e eu só tinha uma atração unilateral. — Suspirei, buscando
os termos certos para continuar: — Tudo mudou em Barcelona. Eu
sabia que estava quebrado e magoado demais, por esse motivo
tentei evitar..., mas como eu resistiria a você, Nana?
Senti o sangue se acumular mais em meu rosto,
evidenciando o meu nervosismo.
— Quando chegamos ao Brasil, eu já te amava tanto que
achei que havia algo de errado comigo. Tinha certeza de que faltava
pouco para me mudar de vez para o Brasil, por você, para ficar com
você, e aquilo me assustou. Então me afastei e voltei para aquele
lugar obscuro em que me acomodei durante todo aquele tempo
antes de te reencontrar. Queria tanto você, e algo dentro de mim
gritava que eu não te merecia, e eu não tinha ideia do que fazer
para te merecer, Ayana. — Penteei meu cabelo para trás com os
dedos, só então notando que minha mão tremeu por todo o tempo
desde que chegara aqui. — E ainda não sei como, mas estou
tentando todos os dias.
Vi o exato momento em que seus olhos umedeceram e
droga! Minha intenção não era fazê-la chorar, eu só queria
verbalizar todos os sentimentos que havia guardado dentro de mim
por tanto tempo.
— Eu amo você, Ayana — falei, erguendo a mão para sua
bochecha e capturando com o polegar uma lágrima que escapou. —
Amo cada pedaço teu e serei o homem mais feliz do mundo se você
me aceitar de volta.
Ela pareceu assustada por alguns segundos, parando para
me encarar com as íris negras brilhantes, mas depois Ayana reagiu,
me puxando pela camisa para dentro do apartamento e batendo a
porta atrás de nós.
— Eu te quero de volta — ela falou antes de me beijar com
desespero e parar alguns segundos depois. — Se pisar na bola
comigo outra vez, faço um inferno na sua vida.
— Nunca mais — prometi com convicção, andando com ela
para o sofá e fazendo com que se sentasse no meu colo. — Eu
passei o dia inteiro sem te tirar da cabeça. Tem noção?
— E você me deixou molhada e frustrada — ela reclamou,
se segurando em meus ombros e ajeitando a postura, de modo que
se encaixasse em mim de pernas abertas.
Tirei sua blusa com pressa e passei a língua por seu corpo,
parando no mamilo durinho e sensível. Mamei ali, ficando ainda
mais duro ao ouvir os sons que começaram a sair de sua garganta.
Eu queria ir devagar, queria mesmo, mas Nana não
facilitava em nada para mim. Ela tirou minha camisa de qualquer
jeito e depois começou a abrir o botão da calça.
— Estou tentando ir com calma — Arfei ao sentir suas mãos
envolverem o meu pau.
— Você tem todo tempo do mundo pra ir com calma. Depois
— falou, se levantando para terminar de tirar as roupas.
Olhei-a de cima abaixo, guardando na memória o quanto
ficava ainda mais linda com a barriga saltada, abrigando a nossa
menina.
— Vai sentar em mim assim? — perguntei com o tom
entrecortado quando senti minha glande em contato com a boceta
que, puta merda, já estava molhada.
Ayana desceu devagar, arrancando um gemido rouco do
meu peito.
— Gostosa demais! — falei afetado ao senti-la me
acomodar inteiro e mexer o quadril como se se preparasse. — É
incrível quando você engole meu pau assim inteiro.
— Essa sua boca suja... — Ayana suspirou, se contorcendo
como se apenas minhas palavras a deixassem excitada.
— Rebola pra mim — Subi as mãos por suas pernas até
encaixar em seu quadril, incentivando-a a se mover. — Vem tomar o
que é seu, cachorra.
Ayana gemeu, movendo o quadril como mandei e cravando
as unhas em minha pele nua. Quase perdi o controle e esporrei
dentro dela nos primeiros segundos em que começou a quicar,
tirando parte do meu pau e voltando a engoli-lo de novo, e a visão
disso era de enlouquecer.
— Sua boceta foi feita pra mim, porra! — rugi, sentindo-a me
apertar.
Levei a mão até seu clitóris quando já não aguentava mais e
me perdi junto a ela, ouvindo nossos gemidos se misturarem pela
sala silenciosa.
Transamos de novo naquela mesma posição quando a
primeira onda passou, mas de forma mais lenta. Depois a levei para
o chuveiro e fodemos outra vez antes do banho, e durante também.
Quando nos deitamos na cama, Ayana subiu em mim novamente e
a brincadeira recomeçou. Se aquilo não era saudade, não sabia que
nome deveria dar.

Ayana cochilou em meus braços, nua, relaxada e também


parecia feliz.
Eu nem sabia o que fazer para esconder meu sorriso
enorme, porém, tinha certeza de que, quando ela acordasse, estaria
faminta, por isso a acomodei sobre os travesseiros e levantei para
pedir alguma refeição. Encontrei nossas roupas no chão da sala e
cerrei as pálpebras ao ver Gretchen deitada em cima da minha
camisa branca.
A cadelinha me olhou com tédio, quase me desafiando a
tirá-la dali, e eu apenas sacudi a cabeça, pegando minha cueca no
canto e vestindo antes de apanhar meu celular do bolso da calça.
Antes de abrir o aplicativo de delivery, abri o grupo para
contar a novidade aos malucos que me ajudaram com aquele plano.
TÁTICA INFALÍVEL
Eu: O plano deu certo.
Tio Jota: Quê?
Padrinho: Voltaram?
Papai: Se isso for uma pegadinha...
Eu: Ela me aceitou de volta.

Eu:

Papai:

Tio Jota:

Tio Jota:

Padrinho:
Papai: Lá vem você com essas gracinhas, TH.
Padrinho: Nada mais fiel ao momento do que essa imagem.
Você me ama, Turra, para de fingir que não.
Tio Jota: Tô orgulhoso de você, Macedinho, mas se magoar
minha filha...

Papai:
Papai: Eu prefiro essa daqui.

Júnior:

Júnior:
Júnior: Mandou bem demais, cunhadinho.
Júnior: A tática foi mesmo infalível.
Padrinho: Tem certeza de que quer começar essa guerra,
Turra?

Padrinho:

Tio Jota:
Papai: Meu filho tá nesse grupo, filho da puta.

Mascotinho:

Papai:
Eu: Pai... Eu sei, tá?
Eu: Eu e todo mundo...
Contei, caso ele não estivesse ciente. Tia Cecília até havia
me convidado para ir no clube uma vez, mas BDSM definitivamente
não era a minha praia.

Papai:
Tio Jota: Ferrou. Vou ali socorrer seu pai, Macedinho.
Tio Jota: Cuida da minha filha.

Tio Jota:
Dei risada da loucura deles e fechei o grupo, indo escolher
uma comida decente para mim e para a minha bailarina.
Epílogo — Ayana Klein

 
Nós tínhamos entrado na trigésima sexta semana de
gestação, e minha barriga agora parecia prestes a explodir a
qualquer momento. Era pesada e incômoda de se carregar para lá e
para cá. Parecia um pesadelo.
Igor, que agora praticamente morava dentro do meu
apartamento, se mostrava cada dia mais cuidadoso. Ele me ajudava
a me trocar e não me deixava carregar nada, parecia até que eu não
tinha mais mãos.
Todos os dias me abraçava por trás e entrelaçava as mãos
grandes embaixo da minha barriga, sustentando o meu peso e o da
Tiana ali.
Era um alívio enorme!
Minhas roupas não entravam mais e nem meus sapatos
fechados, já que meus dois pés pareciam duas bolas de futebol. Igor
também fazia massagens neles toda noite, ajudando a drenar o
líquido acumulado ali.
Essa semana talvez estivesse sendo a mais difícil, pois meu
obstetra havia me aconselhado a parar de dançar, quando Igor
contou sobre o último tombo que levei. Briguei com ele depois da
consulta, sem conseguir controlar os meus hormônios, porém,
quinze minutos depois, nos reconciliamos quando ele me comprou
açaí. Tiana amava açaí.
Eu ainda podia me alongar todos os dias, mas ainda assim,
não dançar me desanimou um pouco. Contudo, estava me
agarrando ao mantra de que tudo isso era temporário. Todas as
fases da gravidez e da neném, por mais dolorosas que fossem,
eram passageiras e aquilo me deixava um pouco melhor.
A nossa vida parecia fluir muito bem, com Igor voltando a ter
uma vida de verdade, indo ao futebol, trabalhando todos os dias,
mesmo que fosse parar por alguns meses após o parto por sua
escolha. E ele também estava se consultando com um terapeuta.
Aquilo me impressionava demais. Na verdade, era um
grande passo em seu processo de superação. Não havíamos
definido um rótulo ao nosso relacionamento ainda, mas ele estava
sendo bom para mim e aquilo era mais do que suficiente.
Me mexi inquieta na cama àquela manhã, sentindo um
pouco de dor abdominal.
— Tá tudo bem? — Igor perguntou de frente para mim,
passando a mão por minha barriga.
Eu gostava daquela posição, com a minha barriga apoiada
na dele. A bebê parecia se acalmar dessa forma, mas Igor vivia
reclamando que queria ficar mais perto, e eu respondia que
ninguém mandou me engravidar.
— Sim, só o incômodo com a posição mesmo — respondi
com a voz rouca e fechei os olhos para voltar a dormir.
— Tá bem, amor. — Ele se inclinou, beijando minha testa e
depois se arrastou pela cama, parando para falar com minha
barriga. — Você precisa deixar sua mamãe dormir, filhota — Abri
apenas um olho quando ouvi sua voz sussurrada e senti o hálito
quente contra a pele da minha barriga. — Senão, depois ela fica
muito irritada com o papai.
Dei risada, me divertindo um pouco com o quanto ele era
bobo. Igor subiu outra vez e eu o olhei, vendo a preocupação
impressa em sua expressão.
— Se piorar, me liga que eu volto correndo, tá? — Penteou
os fios do meu cabelo rebelde para trás com os dedos de forma
carinhosa.
— Uhum... — respondi sonolenta e ele riu, me dando o
próprio travesseiro para que eu colocasse uma das pernas em cima.
Normalmente eu conseguia voltar a dormir com certa
facilidade, mas naquele dia ouvi todos os passos dele por dentro do
apartamento, ignorando a dor chata e contínua que estava sentindo.
Doutor Bernardo havia avisado sobre as contrações e os
possíveis incômodos, me levando a crer que era tudo comum nesse
último trimestre. Levantei-me quando Igor ainda estava em casa
tomando café da manhã e me alimentei junto com ele.
Ignorei as dores a manhã inteira, no entanto, à tarde as
coisas começaram a piorar. Mandei mensagem para o meu médico
e ele avisou que estava de plantão na maternidade, mandando que
eu fosse para lá. Imediatamente me arrumei e peguei a bolsa com
os documentos, porém, antes de sair, liguei para Igor.
Não queria alarmar ninguém porque poderiam ser apenas
contrações de treinamento, contudo, ele gostaria de saber que eu
estava indo ao hospital.
— Oi, linda! — disse ao atender.
— Estou indo encontrar com o doutor Bernardo na
emergência, você quer ir pra lá?
— Tá tudo bem? — Igor parecia alarmado.
— Tá sim, amor. São só algumas contrações, não se
preocupa.
Ouvi um barulho de algo caindo, seguido de uma porta
batendo.
— Você não vai sair — ele disse com a voz aflita. — Ayana,
me espera em casa, não vou demorar.
— Igor... — chamei devagar. — Está tudo bem — falei,
sabendo bem a raiz de sua preocupação.
— Por favor, Nana, não sai. — Senti meu coração afundar
ali. Ele estava com medo, dava para ouvir pelo seu tom.
— Me sentei no sofá — falei, tentando mantê-lo calmo. —
Não precisa correr, estamos te esperando.
Ele havia me contado toda a história do início: o
relacionamento conturbado com aquela mulher tóxica, as coisas que
aconteceram no dia do acidente fatal e as acusações da irmã dela
quando ele voltou para o Rio.
Igor dizia que talvez esse sentimento de culpa não passaria,
porém, ao menos agora ele conseguia conviver com os seus
próprios demônios.
— Já estou no carro, não desliga.
— Dirige devagar — pedi, agora eu quem estava alarmada.
— Tiana precisa de você vivo para nascer. — Soprei e coloquei a
mão na barriga, sentindo o útero contrair.
— Você acha que ela já vai nascer? — Agora ele parecia
mais empolgado e nervoso do que assustado.
— Não tá na hora ainda, mas se isso for a dor de
treinamento, quero estar muito drogada na hora do parto. — Travei
os dentes quando voltou a doer.
— Respira fundo — Sua voz soou no alto-falante —, se
lembra de como aquela mulher louca ensinou?
Por louca ele queria dizer a doula que contratei para um
possível parto humanizado.
Continuamos conversando pelo resto do caminho até que a
porta do apartamento se abriu e Igor me olhou, preocupado e
aliviado.
— Finalmente... — falei, sorrindo para tentar aliviar sua
tensão, mas ele estava suando.
Igor me ajudou a levantar e pegou minha bolsa com uma
das mãos, colocando a outra ao redor da minha cintura para me
ajudar. Eu até conseguia andar sozinha, mas deixei que ele me
ajudasse porque o homem parecia mesmo aflito.
— Quando descobri minha gravidez, achei que você fosse o
pior pai que eu poderia ter escolhido para a Tiana — contei quando
estávamos no corredor.
— Isso é pra me animar, Nana? — perguntou, me olhando
horrorizado. — Não tá funcionando!
— Eu posso terminar? — Ergui uma sobrancelha,
desafiando-o a me interromper mais uma vez.
— Vai lá, me detona mais. — Fez careta.
— Puta merda, como você é dramático — xinguei.
— Não sou dramático, eu fiquei assustado pra caralho
quando você me ligou dizendo que ia pra emergência. — Ele
apertou o botão do elevador, resmungando.
— Igor — falei mais alto, esperando que ele calasse a boca.
— Eu quero terminar de falar antes que a contração volte, será que
eu posso?
— Tudo bem, me desculpa. — Ele franziu os lábios e baixou
os ombros.
— Vou pular para o final — falei, começando a sentir aquela
agonia precedente à dor. — Você é o melhor pai que eu poderia ter
escolhido e, puta merda, eu amo você! — falei o final gritando e
curvando o corpo quando senti a pressão. Parecia que meu útero
sairia sozinho.
Igor me segurou e soltou uma risada, me ajudando a ficar de
pé.
— Eu também amo você — ele disse, beijando minha testa.
— Tá doendo pra caralho, Igor, se você rir mais uma vez
ninguém nunca mais vai ver seus dentes — ameacei.
— Você disse que me amava pela primeira vez — ele
justificou. — Eu estou feliz em ouvir.
O elevador parou no nosso andar e ele deu um passo para
dentro, esperando que eu fosse também, mas eu estanquei no lugar
ao sentir o líquido descendo pelas minhas pernas.
— Eu acho que ela vem agora — Igor arregalou os olhos,
me olhando de cima a baixo.
Fiquei aliviada, não podia mentir, e ao mesmo tempo com
muito medo, já que era do meu corpo que uma criança sairia aquele
dia.
Foi doloroso e também tempo emocionante.
Igor não soltou minha mão em nenhum momento e nossas
famílias fizeram um verdadeiro caos na sala de espera do hospital,
todos ansiosos pela nossa pequena.
Sete horas de trabalho de parto e muitos palavrões depois,
Tiana nasceu com seus três quilos e cento e cinquenta gramas
berrando a plenos pulmões. Eu chorei, Igor chorou, meu pai chorou
e até o tio Turra, provando o quanto os homens dessa família são
emocionados.
— E agora, qual o nome dela? — perguntei a Igor, que não
parava de olhar para a filha nos braços.
Já estávamos no quarto, pois ficaríamos em observação
aqui por algum tempo. A pequena já tinha sido amamentada e agora
era ninada por Igor na poltrona. Eu estava exausta, mas também
não conseguia tirar os olhos deles dois. Minha filha tinha as íris
azuis como as do pai e a boca dele também, com o arco do cupido
bem desenhado. Era perfeita e negra como eu.
— Você consegue chamá-la de algo além de Tiana? — ele
riu ao perguntar. — Não consigo mais associar nossa princesa a
nenhum outro nome.
— Quanto o papai te pagou? — perguntei, franzindo o
cenho.
As enfermeiras barraram nossos pais do andar, pois não era
hora de visitas. Tio Thiago até tentou subornar uma delas, mas a
mulher foi firme. Não duvido nada que nesse meio tempo papai
tivesse bolado algo mirabolante para que o nome escolhido por ele
fosse da bebê.
— Nada — Igor ficou confuso, negando com a cabeça. —
Chamamos ela de Tiana esse tempo inteiro, achei que você
gostasse do nome.
— Eu gosto — falei, percebendo que eu realmente curtia.
— Então... Tiana Castanheira Reis?
— Sim, acho que temos um nome. — Sorri, sentindo as
pálpebras pesarem.
— Seu avô vai ficar maluco — Igor falou para a neném,
sorrindo daquele jeito terno e feliz.
Acho que ele finalmente havia encontrado uma felicidade
que merecia. E esse arranjo nos fazia muito feliz também.
 
 

FIM
Reveja Igor, Nana e Tiana no livro da Iara, filha mais nova do
Arthur Reis.
O livro sai em algum momento entre hoje e para sempre kkkk
Brincadeira, tá pertinho.
Conheça os outros spin-offs da série
SÉRIE ARTILHEIROS:  ORDEM DE LEITURA DOS SPIN-
OFFS

 
 
 
 
 

PLANO INVERTIDO:
https://a.co/d/6lhU6CF
 
Clichê invertido – New adult – Enemies to lovers -  Irmã do melhor amigo – Eles são
vizinhos – Futebol
 
“Dizem que algumas escolhas mudam a nossa vida para sempre.
No meu caso, isso aconteceu quando fiz um garoto chorar.”
 
Aurora implicou com Noah, o melhor amigo de seu irmão e vizinho de frente deles, durante
toda a vida. Na adolescência, aprontou as maiores barbaridades.
Só não estava preparada para a versão de 19 anos do garoto que sempre esnobou. O
jogador, recém-contratado pelo Bluedogs, cresceu em todos os aspectos.
Agora ela terá que correr atrás do prejuízo e conquistá-lo, sem saber que a indiferença
demonstrada por ele faz parte de um plano cujo objetivo é exatamente ficar com a garota
que ele amou desde que se entende por gente.
 
Ela é debochada
Ele é um príncipe
Ela é o caos
Ele é a paz
Ela está disposta a tudo para vencer
Ele também
Mesmo que isso signifique seguir à risca as ideias mais insanas que já viu na vida.
 
Plano Invertido é um spin-off da Série Artilheiros e traz como protagonistas Aurora
Castanheira, filha do JP (livro 3), e Noah da Silva, filho do TH (livro 1).
Por ser uma nova geração, o livro pode ser lido de forma independente.
 
Gatilho: Relacionamento abusivo que não envolve o casal principal; traumas do passado.
 
 
 
 
 

JOGO PROIBIDO:
https://a.co/d/03iFVT7
 
New Adult - Romance Jogador de Futebol - Amor Proibido
Duda Marques pega e não se apega, jogador em campo e no amor, é um safado de
carteirinha.
 
Recém-contratado como centroavante no Bluedogs, está de volta ao Rio de Janeiro, sua
cidade natal.
Agora, além de precisar provar seu valor como titular do time de coração, próximo da
família, vai resistir à sua maior tentação: segurar com todas as forças o desejo que sente
por Maitê, sua prima.
 
Ela é uma artista sinestésica, que sente o sabor das cores e palavras.
 
Apaixonada pelo jogador desde a infância, Maitê é uma garota sonhadora e ingênua
demais para perceber que sempre foi correspondida.
 
Ele é um cafajeste.
Ela é romântica.
Ele é baladeiro.
Ela mal sai de casa.
Eles são primos e se amam ardentemente.
A união dos dois pode separar a família e macular a amizade intensa entre seus pais.
Quanto vale lutar por um amor proibido?
Duda e Maitê irão descobrir.
 
Jogo Proibido é o segundo livro do spin-off da Série Artilheiros.
 
 
 
 
 

JOGADA DE SORTE
https://a.co/d/bzRZshn
 
New adult – Romance proibido – Jogadores de futebol - Eles vão dividir o mesmo
teto e a mesma cama
 
Eric é um jogador de futebol cafajeste e que não pretende se apaixonar. Manuela é a filha
de seu tio favorito, que sempre foi apaixonada por ele.
Em um Natal, eles acabam tendo que dividir o mesmo teto e é tempo o suficiente para virar
a vida perfeitamente caótica do zagueiro de cabeça para baixo.
Em pouco tempo, ele percebe que a garotinha cresceu e é a mulher mais encantadora que
já conheceu.
 
Ele é insano
Ela é focada
Ele é um cafajeste
Ela só amou um homem
Ele é yin
Ela é yang
 
Mas o destino tem um jeito curioso de fazer almas gêmeas se encontrarem.
 
Jogada de sorte é um conto spin-off da Série Artilheiros e traz como protagonistas Eric
Castanheira, filho do JP (livro 3), e Manuela Fernandes, filha do Mascotinho (livro 4).
Por ser uma nova geração, o conto pode ser lido independente dos demais.
Não há gatilhos, mas saliento que se trata de um conto e não um romance. Leia também a
nota da autora.
 
 
 
 
 

JOGADA DE RISCO
https://a.co/d/g6kx82b
 
New adult – Friends to enemies to lovers – Eles são vizinhos — Found family
 
“— Turrinha, você é do tipo que fala safadeza no sexo? — Pergunta animada — meu Deus!
Por que perdemos tanto tempo?”
 
Eles cresceram juntos.
Eles são melhores amigos.
Eles são rebeldes.
Eles são hackers.
Eles são apaixonados um pelo outro desde sempre.
Eles são filhos de Agenorzinho e João Paulo.
Eles são Jasmine e Turrinha, conhecidos por serem dois gênios. Tão inteligentes, quanto
inconsequentes.
 
“Se antes eu já fazia tudo por ela, agora eu seria capaz de qualquer coisa. Sabemos que,
às vezes, burlar as leis não é um problema para mim.”
 
Jogada de risco é um spin-off da Série Artilheiros e por ser uma nova geração, o livro pode
ser lido de forma independente.
 
Conteúdo +18.
 
[1]
O Ballet Bolshoi é a Companhia do Grande Teatro Acadêmico para Ópera e Ballet de
Moscou. Bolshoi possui um grande naipe de profissionais, como: bailarinos, mímicos,
cantores e músicos adultos e infantis. E anualmente produz em média de quatro
espetáculos por mês, entre balés e óperas.
[2]
Querida.
[3]
Gatinho
[4]
No ballet clássico são saltos curtos e rápidos.
[5]
(Chicoteado) Um termo aplicado a um movimento de curto chicoteamento do pé
levantado, que passa rapidamente na frente/atrás do pé de apoio (como o Flic-flac) ou
chicotadas maiores ao redor do corpo de uma direção para outra.
[6]
Protagonista do livro Não Foi Amor à Primeira Vista da autora Kel Costa.

Você também pode gostar