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Pedro Menezes
Professor de Filosofia, Mestre em Ciências da Educação
Essa frase foi atribuída a várias figuras gregas e não possui ao certo um
autor. É possível que tenha como origem um dito popular grego.
Ao longo do tempo, essa sentença foi apropriada por muitos autores, o que
levou a algumas variações. Um exemplo dessa apropriação é sua tradução
para o latim: nosce te ipsum e, também, temet nosce.
Somente após abandonar os seus preconceitos que o sujeito está apto para
buscar o conhecimento verdadeiro.
Veja também: Método Socrático: Ironia e Maiêutica
Por conta disso, todas as áreas do saber são também áreas próprias da
filosofia e seu objeto de estudo.
A consciência de si
Obra O Pensador (1904), de Auguste Rodin
A pergunta "quem sou eu?" ou "quem somos nós?" é uma das questões
primordiais, metafísicas, que deram um ponto de partida para a filosofia e
toda a produção de conhecimento. O "nós e o universo" é a meta do
conhecimento que movimenta todos os dias a produção de ciência no
mundo.
Ainda que não se tenha chegado à resposta definitiva para essa questão,
sua busca e a necessidade de conhecer a si mesmo, constroem e
modificam o modo de pensar e de compreender a realidade.
Meditar é preciso!
Caso você queira começar já a meditar, sem ter que procurar um centro de
yoga, por exemplo, é simples: sente-se confortavelmente, com a coluna reta,
em um lugar tranquilo e sem distrações. Uma musiquinha de relaxamento de
fundo até que cai bem. Depois, é só focar mentalmente no ponto situado
entre as sobrancelhas.
Considerações finais
Realmente, meditar não é algo fácil, especialmente quando se inicia a prática.
É capaz que seu pensamento esteja acelerado e você não consiga ficar três
segundos com a mente vazia, porque está preocupado com as contas do fim do
mês, com as crianças gritando, com as compras no mercado ou com o
cachorro que bem na hora da sua meditação resolveu latir sem parar.
Por fim, uma boa leitura ao final do dia, seja de auto-ajuda, de filosofia, sobre
assuntos ligados à psiquê humana ou neurociências, é sempre uma forma de
ampliar seus conhecimentos sobre si mesmo, sua relação com o outro e com o
próprio universo.
Índice de Conteúdos
Por que conhecer sobre o processo de autoconhecimento?
O que é processo de autoconhecimento sob a visão da filosofia?
Alguns aspectos da filosofia oriental
Sócrates e Aristóteles: o autoconhecimento para os filósofos
gregos
o A filosofia de Sócrates
o A filosofia de Aristóteles
Como funciona o processo de autoconhecimento na Psicanálise?
o O inconsciente e suas adversidades
o As ideias de Sigmund Freud
o Outras interpretações sobre o inconsciente
o Considerações de Carl Jung
o Os tipos psicológicos, segundo Jung
Processo de autoconhecimento na fábula do cavaleiro preso na
armadura
o Saiba mais sobre o cavaleiro preso na armadura
o Processo de autoconhecimento e o self para Donald Winnicott
o Outras lições que podemos aprender
Considerações finais sobre processo de autoconhecimento
Dessa forma, acredita-se que uma pessoa pode torna-se melhor. Isto
é, ser uma melhor versão de si mesmo. Logo, as relações mudam e as
pessoas convivem melhor entre si.
Sócrates e Aristóteles: o
autoconhecimento para os filósofos
gregos
A filosofia de Sócrates
A filosofia de Aristóteles
“Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem
nenhuma pátria seria um indivíduo detestável (…) Assim, o homem é
um animal cívico”.
O inconsciente e suas adversidades
Contudo, foi Freud quem fez esta descoberta. Então, deu a melhor
definição para o inconsciente, traçando um caminho sobre a dinâmica
e funcionamento da mente. Portanto, no seu mais famoso livro “A
interpretação dos sonhos”, Freud apresenta um modelo do aparelho
psíquico:
Processo de autoconhecimento
na fábula do cavaleiro preso na
armadura
Nesse sentido, para compreender como praticar o autoconhecimento,
a fábula do cavaleiro preso na armadura mostra o processo de
conscientização de si mesmo.
grande sinal de que ele está reconhecendo sua natureza e que busca a
direção da integridade e do conhecimento de sua individualidade. Pois,
para que o consciente exista, é preciso ainda que seja escutado e para
que o ato da existência do inconsciente se efetive é necessário que um
outro sujeito escute e reconheça a importância do inconsciente.
O autoconhecimento em Filosofia
Prof. Larissa Rocha
Sócrates
Sócrates (c. 470-399 a.C) foi um filósofo ateniense do período
clássico da Grécia Antiga e é considerado um dos fundadores da
filosofia ocidental. Curiosamente, ele está entre os poucos
pensadores da humanidade que não registraram as suas ideias por
escrito. Por isso, tudo o que sabemos sobre o seu pensamento e a
sua biografia vem dos relatos produzidos pelos seus discípulos,
sobretudo Platão e Xenofonte. A presença de Sócrates como
personagem principal dos diálogos platônicos, bem como a escassez
de registros históricos fez com que, durante séculos, a sua real
existência fosse amplamente questionada. Somente no século XIX,
com o avanço das pesquisas, houve a possibilidade de comprovação
da existência de Sócrates que, dentre outras coisas, teria participado
da Guerra do Peloponeso.
Autonomia da razão e a
virtude
Sócrates buscava, por meio do diálogo, produzir uma transformação
nos seus interlocurtores, qual seja, desenvolver neles a autonomia da
razão. Entende-se por autonomia da razão, a capacidade do
indivíduo, utilizando-se de sua razão, sem o auxílio das ideias do
senso comum, de gerar conhecimento. O método socrático surge,
portanto, com o objetivo de mostrar um caminho racional para que os
homens pudessem alcançar um conhecimento verdadeiro. Ele
consiste, basicamente, em dois momentos. No primeiro, chamado de
ironia, Sócrates questionava o interlocutor a respeito dos
conhecimentos que, até então, ele tomava como verdadeiros, de
modo a evidenciar a sua ignorância. No segundo, chamado de
maiêutica, eram feitas novas perguntas que visavam promover a
reflexão no interlocutor. Dessa reflexão, surgia um novo
conhecimento, numa espécie de “parto de ideias”.
Repetir o processo
Conhece-te a ti mesmo e a
visão de Foucault
Embora não seja de sua autoria, a máxima conhece-te a ti mesmo é
fundamental para o desenvolvimento da filosofia de Sócrates. Seu
objetivo, ao utilizá-la, era fazer com que o homem buscasse ocupar-
se de si, ao invés de se dedicar às coisas externas como a riqueza, a
fama e o poder. Segundo ele, conhecer a si mesmo é o caminho que
permite o acesso à verdade. Apesar de sua formulação simples, essa
máxima prescreve um exercício contínuo e extremamente difícil de
realizar. Avançando na história, veremos que essa prescrição, que dá
início à filosofia ocidental como a conhecemos, encontrou ecos na
pós-modernidade, com o pensamento do filósofo francês Michel
Foucault (1926-1984), que propõe que o exercício do
autoconhecimento e da autotranscendência deve ser realizado de
maneira extremamente racional.
Sócrates, filósofo grego nascido em Atenas por volta do ano 470 a.C., é um símbolo
da filosofia do autoconhecimento. De origem modesta, era filho de Sofronisco,
escultor, e de Fenarete, parteira, com quem dizia ‘ter aprendido a arte de obstetra
de pensamentos’. Abandonando a arte de seu pai, dedicou-se inteiramente à
missão de despertar e educar as consciências, tendo como influência a filosofia de
Anaxágoras.
Sempre entre jovens, sempre em discussões, o filósofo não deixou nada escrito
para a posteridade e quase tudo que se sabe sobre suas ideias e sua personalidade
origina-se das obras de Platão, seu principal discípulo, e do livro ‘Memorabilia’, do
historiador clássico grego Xenofonte. Esses dois autores, cerca de 40 anos mais
novos que Sócrates, só testemunharam mesmo a última década da vida do filósofo,
cuja atividade consistia em debater temas de filosofia com base
nos conceitos da moral e da ética.
A morte do sábio
Ao se dirigir aos atenienses que o julgavam, Sócrates disse que lhes era grato e
que os amava, mas que obedeceria antes ao Deus do que a eles, pois enquanto
tivesse um sopro de vida, poderiam estar seguros de que não deixaria de filosofar,
tendo como sua única preocupação andar pelas ruas, a fim de persuadir seus
concidadãos, moços e velhos, a não se preocupar nem com o corpo nem com a
fortuna, tão apaixonadamente quanto com a alma, a fim de torná-la tão boa quanto
possível.
Fonte de referências:
https://teonanacatl.org/threads/s%C3%B3crates-e-a-filosofia-do-auto-
conhecimento-feliz.1982/, ‘Sócrates e a filosofia do autoconhecimento’, Fernanda
Negreiros.
Não saber de si
8
O ceticismo aplicado ao problema do autoconhecimento
No mais das vezes, quando os filósofos tratam desse assunto, o que está em questão são
dois problemas: de um lado, o problema moral da deliberação concernente ao modo como,
por meio da reflexão sobre a ação, valores, liberdade e vontade, podemos agir à luz da
razão. O “conheça-te a ti mesmo” solicita que nos examinemos e ajamos sobre a influência
das “melhores razões”, com autonomia e responsabilidade. Por outro lado, há o problema
epistemológico acerca da possibilidade de termos um conhecimento dos nossos próprios
estados mentais, como crenças, desejos, intenções: fala-se de “autoconhecimento” no
sentido em que se pode dizer que uma pessoa conhece a verdade de um enunciado que ela
pronuncia, em referência ao conteúdo dos seus estados mentais.
Há uma diferença crucial que precisa ser feita: frases como “A parede é branca” ou “O
futebol brasileiro é o melhor do mundo” dependem, para a sua verdade, que, de fato, a
parede de que trato seja branca e não verde (se é verde, é falso que “é branca”), o mesmo se
aplicando ao futebol, pois se a Argentina tem um futebol mais bonito e eficiente do que o
brasileiro, será falso que “o futebol brasileiro é o melhor do mundo”. Mas existem frases
que se referem não a objetos e acontecimentos, mas às nossas próprias crenças, desejos,
pensamentos e vontades, como por exemplo: “Eu julgo (ou acredito ou duvido) que existe
vida após a morte”, “Eu penso que a água sacia a sede”, “Eu desejo que meu time seja
campeão”. Nesses casos, o objeto dessas frases são ‘o pensamento de que…”, “a crença de
que…”, “o desejo de que…”. É possível que não exista vida após a morte ou que meu
time não seja campeão, mas isso não torna falso “que eu penso que”, “desejo que”,
“acredito que”, “duvido que”.
Sobre o mundo externo à minha mente posso – e tenho boas razões para – duvidar ou, ao
menos, não tenho como distinguir quais das minhas crenças são conhecimento e quais não
são, já que a fonte de informações sobre os estados do mundo – os sentidos – é precária.
Entrementes, esse mesmo “perigo” não ocorre quanto aos meus pensamentos em relação
aos meus próprios estados mentais: no ato de pronunciar a frase “eu penso”, na primeira
pessoa e no presente momento, não posso estar enganado: isso é claro e distinto, numa
palavra, é conhecimento. Afinal, nada parece mais certo e transparente. Se me perguntam se
gosto de acarajé ou se desejo visitar amigos em Ilhéus, é natural que esperemos que eu saiba
se gosto ou não desse quitute baiano ou se desejo ou não reencontrar velhos amigos. A
imagem de uma autoconsciência, de um saber sobre si, é uma das mais fortes imagens do
pensamento filosófico moderno.
Conseqüências do externalismo
Essa idéia de autoconhecimento, porém, exige uma imagem geral do mundo que deve
admitir um dualismo entre, de um lado, a mente (como instância interior, privada, separada
das outras coisas e obedecendo a leis diferentes das leis da física, pois não é um objeto
físico) e, do outro lado, o mundo (como instância exterior que, na melhor das hipóteses,
pode ser representada pela mente).
Isso não é uma afirmação de que não temos estados subjetivos ou intrínsecos, mas apenas
de que os pensamentos e crenças de um sujeito não podem ser individuados no seu
conteúdo inteiramente sem o concurso de acontecimentos, objetos e eventos que se dão
“fora da mente”, como a composição química dos objetos (água é H 2O) e as práticas
lingüísticas de uma comunidade (o significado de uma palavra é fixado por práticas sócio-
lingüísticas). Por isso, mudanças no mundo externo e diferenças sociais afetam
necessariamente o conteúdo dos pensamentos e atitudes do sujeito. O filósofo Tyler Burge
diz que “nenhum fenômeno mental intencional do homem é insular. Todo homem é uma
parte do continente social.”
Aqui está nossa grande dificuldade filosófica: se essa idéia está correta, a tese central da
filosofia clássica – segundo a qual os conteúdos de um estado mental do indivíduo
são inteiramente determinados pelas propriedades do indivíduo considerado isolado do
mundo social e físico – deve estar errada. Se para esses filósofos o que um sujeito pensa
depende do seu entorno e, em particular, de fatos como o da composição química das
substâncias e da prática lingüística de uma comunidade, então isso deve sugerir que essas
idéias implicam um resultado contra-intuitivo segundo o qual o sujeito pode conhecer o
conteúdo do seu próprio pensamento apenas investigando a composição química das
substâncias ou a prática lingüística da comunidade. Também podemos ser induzidos a
pensar que aquilo que tradicionalmente é chamado de “conhecimento introspectivo”, a
“autoridade da primeira pessoa”, simplesmente não é o caso – ao falarmos de nós mesmos
estaríamos aplicando as palavras “saber” e “conhecer” indevidamente.
Isso não passaria de um simples jogo cômico numa peça literária fantasiosa caso não
existissem esses argumentos filosóficos que se opõem às nossas mais profundas crenças
sobre o conhecimento que temos de nós mesmos. Não estou me referindo à situação
desconfortável, mas não incomum, de alguém que se encontra num estado psicológico
patológico, por exemplo, dominado por forças inconscientes ou sofrendo de uma
enfermidade cerebral que o impede de construir certos raciocínios. Tudo isso está muito
bem documentado na farta literatura psicanalítica e das neurociências. Estou falando de uma
outra situação humana: a filosofia. Uma das grandes tarefas da filosofia é perguntar se
podemos ou não ter razões; se podemos ou não justificar racionalmente nossas idéias,
crenças; se temos conhecimento. Então: somos capazes de apresentar boas teorias
filosóficas que podem justificar, explicar, garantir – sem a bruma do erro e da ignorância –
que conhecemos nossas próprias mentes?
Mas no modo como compreendo as coisas – e que está presente nos céticos antigos e, entre
nós, na obra do filósofo brasileiro Oswaldo Porchat – o ceticismo é, em primeiro lugar, uma
investigação sobre a própria natureza da filosofia e sobre o sentido dos problemas e teorias
filosóficas. O traço característico da filosofia praticada pelo cético não é postular um
conjunto preciso de teses (sejam positivas ou negativas), mas o cultivo de uma atitude
crítica diante da pretensão dogmática de ter descoberto a verdade. Além disso, o cético não
pode evitar a estranheza diante da absoluta falta de acordo entre os filósofos, já que os
filósofos não se põem de acordo sobre nada, nem mesmo sobre a natureza da filosofia.
De qualquer maneira, parece que o intenso debate filosófico sobre o autoconhecimento está
orientado, sobretudo, em torno de um ponto central, a saber, que existem dois domínios
bem determinados, o domínio do mental e o domínio do corporal, a partir dos quais
devemos nos perguntar que tipo de relação eles mantêm entre si. Essa distinção, porém, é
uma invenção estritamente filosófica que apareceu com o próprio nascimento da filosofia
moderna e sua metafísica do sujeito que representa o mundo. Mesmo que a filosofia
contemporânea tente superar a metafísica do sujeito, permanece inscrita num horizonte de
perguntas do tipo: o que são – se é que são alguma coisa – objetos, eventos e estados
mentais ou psicológicos? Qual o lugar que objetos, eventos e estados mentais ou
psicológicos ocupam num mundo natural? A mente conhece o mundo e outras mentes?
Conheço minha própria mente? Pode existir uma ciência de objetos, eventos e estados
mentais ou psicológicos?
Outro filósofo brasileiro, Plínio Smith, escreveu que é sempre com referência a essa
dicotomia, tal como os filósofos a entendem, que o debate ganha sentido, é sempre em torno
da distinção filosófica entre mente e corpo que gira a discussão. O cético, tal como Porchat
o compreende, não negará ou afirmará que temos autoconhecimento – ele não dirá se tal ou
qual teoria filosófica melhor explica nossa condição humana e se conhecemos ou não a nós
mesmos. Talvez não devamos sofisticar ainda esse debate, mas, quem sabe, simplesmente
abandonar essas distinções.
Não saber de si não é um defeito ou uma virtude, não está em jogo aqui um tipo de saber ou
de ignorância… Não saber de si é apenas algo que nos ocorre e nos humaniza.
Uma abordagem
filosófica para a pergunta
“Quem sou eu?”
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O ser humano é repleto de dúvidas. Uma delas, entretanto, costuma tirar o sono de muita
gente: quem sou eu?
Ao longo da história da humanidade, a busca pela identidade tem sido uma constante para
pensadores, que tentaram responder esta complexa questão de diferentes formas. Seja na
inscrição do Templo de Apolo que diz “Conhece-te a ti mesmo”, seja na música Who Are
You, da banda The Who, todos nós já tentamos responder a esta questão em algum
momento, como explica a educadora Amy Adkins.
É claro que uma pergunta tão complexa quanto esta apresenta diferentes respostas,
hipóteses e praticamente nenhum consenso.
Mas se são tantas pessoas capacitadas – filósofos, pesquisadores, pensadores, poetas –
fazendo a mesma pergunta, então por que é tão difícil encontrar a resposta certa?
A primeira dificuldade está no fato de a nossa identidade estar sempre mudando. O ser
humano está constante transformação, no melhor estilo Metamorfose Ambulante, de Raul
Seixas. Ninguém hoje é exatamente a mesma pessoa que era há 5 ou 10 anos. Nem será
daqui a 20, 30 ou 50 anos.
Para complicar, quando a gente se pergunta “quem sou eu”, o “sou” indica o presente, e o
presente pode ser a qualquer momento, dia da semana, hora, minuto ou segundo…
E se isso parece complicado, é óbvio que fica ainda pior quando o “eu” entra em cena.
Será que ele se refere ao eu físico ou ao eu emocional, com nossos pensamentos e
sentimentos, ou ainda nossas ações?
A impressão que se tem é que estamos navegando por águas perigosas, talvez por isso
que o historiador grego Plutarco tenha usado a história de um navio para falar sobre o
assunto.
Diz a lenda que Teseu, o rei que fundou Atenas, matou sozinho o minotauro de Creta e
depois voltou para casa. Durante 1 mil anos, os atenienses mantiveram no porto da cidade
o navio de Teseu, reencenando atualmente a aventura do herói. Sempre que uma parte do
navio ficava gasta ou era danificada, era substituída por uma peça idêntica, do mesmo
material. Em um determinado momento, entretanto, o navio deixou de ter peças originais.
Imagine que há 2 navios: o navio que Teseu atracou em Atenas seria o primeiro e aquele
que os atenienses navegaram 1 mil anos depois seria o segundo. Será que estes dois
navios são o mesmo?
Talvez você diga que durante 1 mil anos só houve um navio pertencente a Teseu, porque
as mudanças feitas ocorreram gradualmente, e em momento algum ele deixou de ser
considerado o navio original – ainda que não tenha sobrado nenhuma peça original. Por
outro lado, os dois navios são numericamente iguais e guardam o mesmo significado,
sendo qualitatavamente a mesma coisa.
A questão seguinte, então, é que Teseu nunca colocou os pés no segundo navio e que
sua presença nele seria essencial para que a propriedade do navio fosse atribuída a ele.
Daí que se eles são numericamente idênticos, eles não são qualitativamente idênticos.
Agora, imagine o seguinte: e se à medida que cada peça original ia sendo retirada do
navio, alguém as recolhesse e fosse montando o navio original inteiro? Quando ficasse
pronto, seria inegável que haveria, realmente, dois navios físicos e ambos poderiam
reclamar o título de navio de Teseu, mas apenas um deles seria o verdadeiro.
A primeira pergunta é qual deles é o verdadeiro. E a segunda é o que isso tem a ver com
você.
Assim como Teseu, todos nós somos uma coleção de peças em constante mudança.
Nosso corpo, mente, sentimentos, ações, circunstâncias… tudo muda o tempo inteiro, mas
por alguma razão, a gente continua sendo as mesmas pessoas.
É por isso que responder a uma pergunta como quem sou eu é tão complicado e, para
tentar respondê-la, seria necessário mergulhar no oceano profundo do paradoxo filosófico.
Ou, quem sabe, continuar vivendo e deixando a vida te levar.
Falar sobre quem nós somos é muito mais do que responder a uma simples pergunta, é
dissertar sobre uma das grandes questões filosóficas da humanidade. Da antiguidade aos
dias de hoje, os filósofos questionam sobre quem, afinal, nós somos. Ainda não há uma
resposta consensual, o que nos mostra o inesgotável valor da Filosofia diante de
questões como esta. É por isso, que é comum que as respostas dadas pelas pessoas de
nossa época estejam de acordo com certos padrões da sociedade e cultura.
Na Filosofia Clínica, cada pessoa possui uma Estrutura de Pensamento (E.P.) que é
formada por vários Tópicos e Submodos que se associam entre si e foram se
estruturando ao longo da história de vida da pessoa. A E.P. é plástica e móvel, conforme
a interação tópica e submodal (Autogenia), bem como das interseções com as
circunstâncias de vida (Bases Categoriais) é que surge a possibilidade de mudança e o
caráter de deslocamento da E.P.
Quem sou para os outros, para o mundo? Quem sou para mim mesmo?
Quem sou nas canções que ouço? Quem sou nos filmes, novelas ou seriados que
assisto? Quem sou nos livros que leio?
Quem sou quando me expresso? Quem sou quando falo? Quem sou quando calo? Quem
sou quando escrevo, quando canto, desenho ou danço? Quem sou quando caminho ou
corro? Quem sou quando medito ou oro?
Quem sou quando amo ou desgosto? Quem sou na alegria e na tristeza? Quem sou nos
sentimentos?
Quem sou nos começos e nos fins? Quem sou quando algo inicia e quando algo finda?
Quem sou no que é verdadeiramente meu? Quem sou no que fizeram de mim?
O que sou? Como sou? São questões que nem todos buscam responder, para alguns,
isso apresenta um caráter irrelevante. O que define a relevância ou não de certas coisas
para cada pessoa, é (um dos) objeto (s) de estudo da Filosofia Clínica. O estudo da
Estrutura de Pensamento de cada pessoa, que “é o modo como a pessoa está
existencialmente no ambiente”[7].
Talvez pareça mais fácil perceber como estamos do que aquilo que somos em essência.
O verbo Estar parece ter um caráter mais transitório, já o verbo Ser parece apresentar
um aspecto mais definitivo. Mas deixemos essa discussão – que vai longe – para os
filósofos da linguagem, a nós, cabe somente perceber que um dos elementos
fundamentais quando se trata de “definir” o Ser (Quem somos?) é a linguagem que
utilizamos para definir, dar nossa resposta, ou mesmo a linguagem do pensar, das
reflexões.
Rubem Alves, que (para mim) foi um dos maiores escritores que o Brasil já teve, conta
que certa vez, ao ser questionado por uma criança sobre quem ele era, respondeu: “Sou
alguém que gosta de ipês amarelos”. Uma resposta simples e de sabedoria profunda, tal
como Rubem Alves, um contador de ‘estórias’ (como ele costumava se definir) que
trazia sabedoria inspirada pelas coisas simples da vida de um modo poético e singelo.
Na orelha de um de seus livros[8], ele escreveu: “Acho que um curriculum vitae é coisa
tola – deveria mesmo é se chamar curriculum mortis –, o elenco das coisas que o
passado cristalizou. O que realmente importa são as coisas que estão vivas no momento,
pois como disse Borges, o momento é a única coisa que existe”. E isso era assim para
Rubem Alves.
A isto, eu acrescentaria, que algumas coisas cristalizadas pelo passado podem ser as
responsáveis pelo que somos no momento. Não somos seres que existem no agora ao
acaso, somos seres com uma história. Para alguns o currículo acadêmico é uma das
partes de sua trajetória de vida de maior relevância, chegam a se definir pelas titulações
adquiridas. Particularmente, acredito que esta é uma parte tão pequena do todo que é
uma pessoa: Como definir uma pessoa por um currículo?
Filosofia, para questionar se somos somente isso. Filosofia, para ultrapassar os limites
do óbvio.
[7] Definição sobre o que é a E.P. por Lúcio Packter em Caderno A de Filosofia Clínica
– Instituto Packter, p. 14 – linha 53.
Quem Sou Eu?
Posted on 15/05/2010
Atualmente, a pergunta sobre o que podemos saber sobre nós mesmos, a clássica pergunta
da teoria do conhecimento, pode ser considerada filosófica apenas sob determinados
aspectos. Ela se tornou, principalmente, assunto da área da neurociência, que nos explica as
bases de nosso aparato de conhecimento e suas possibilidades. Aqui, cabe à filosofia o
papel de conselheira que ajuda a neurociência a compreender melhor a si própria em um ou
outro caso.
Na primeira parte do livro, em que se coloca a pergunta “O que posso saber?”, assim como
nas outras partes, Prechet lança mão de grandes pensadores para nos ajudar a refletir sobre
cada desdobramento da questão-chave. O que é verdade, Friedrich Niestzche? De onde
viemos, Emile Devaux e Louis Bolk? Como funciona meu cérebro, Santiago Ramón y
Cajal? De onde sei quem sou, René Descartes? Quem é o eu, Ernst Mach? O que são
sentimentos, Dr. Spock, a personagem da Jornada nas Estrelas favorita de todos os
apóstolos da razão? O que é meu inconsciente, Sigismund Schlomo Freud? O que é a
memória, Eric Kandel, o neurocientista mais importante do mundo? O que é a linguagem,
Ludwig Wittgenstein?
A segunda parte do livro se ocupa com a pergunta “O que devo fazer?”, ou seja, com ética e
moral. Trata-se também de esclarecer as bases filosóficas. Por que os homens conseguem
agir moralmente? Em qual medida ser bom ou mau corresponde à natureza humana? Nesses
casos, a filosofia, de maneira semelhante, não está sozinha no papel de professor. A
neurociência, a psicologia e as pesquisas comportamentais têm sua importância reconhecida
por Prechet ao argumentar com as idéias de grandes pensadores dessas áreas.
Dessa forma, precisamos de outras pessoas, Jean-Jacques Rousseau? Por que ajudamos os
outros, Frans de Waal, pesquisador de comportamentos? Por que devo ser bom, Immanuel
Kant? Posso querer aquilo que quero, Arthur Schopenhauer? Há moral no cérebro, Hanna e
Antônio Damásio, neurocientistas? Vale a pena ser bom, Giacomo Rizzolatti, que se ocupa
há mais de vinte anos com as funções das células nervosas que orientam ações, os
chamados neurônios de ação? A moral é inata, Marc Hauser, psicólogo? Temos o direito de
matar um ser humano, Jeremy Bentham, filósofo do utilitarismo ou da felicidade? O aborto
é moral, Judith Jarvis Thomson, professora de filosofia no MIT? Devemos permitir a
eutanásia, Norbert Hoerster, filósofo do direito? Temos o direito de comer animais, Peter
Singer, filósofo da ética ou da questão sobre a vida correta? Como devemos lidar com os
grandes primatas, Jared Diamond, biólogo evolucionista? Por que precisamos proteger tudo
que vive, inclusive materiais supostamente mortos, como o petróleo, o húmus, as pedras
calcárias e o oxigênio, James Lovelock, famoso químico, médico e geofisiologista? Temos
o direito de copiar (clonar) um ser humano para fins científicos ou fazer pesquisa com
células-tronco adultas ou embrionárias? Para onde a medicina reprodutiva está nos levando,
Frank Comhaire? Quais são os limites da pesquisa neurológica, neurocientista Robert
White?
A terceira parte, “O que posso esperar?”, trata de algumas questões centrais que ocupam a
maior parte das reflexões das pessoas ao longo da vida – questões sobre a felicidade, a
liberdade, o amor, Deus e o sentido da existência. São questões complexas sem respostas
simples. Mas Prechet tem a coragem de fazê-las.
Deus existe, Tomás de Aquino, Kant, Persinger (neurologista canadense)? Infelizmente,
Prechet não chega a refletir sobre os argumentos do biólogo evolucionista Richard
Dawkins, autor de Deus: Um Delírio. Dawkins investe contra o fundamento básico de toda
e qualquer religião, argumentando que a existência de Deus ou Alá é cientificamente
improvável , inútil e prejudicial, devido aos crimes cometidos em nome dessa crença
religiosa. De acordo com sua argumentação, ninguém precisa de Deus para ter princípios
morais, para fazer o bem, para apreciar a natureza.
Continuando com as questões discutidas por Prechet, na última parte de seu livro, ele ainda
indaga o seguinte. A natureza tem sentido, William Paley, filósofo e teólogo? Contrapõe à
teoria de Darwin da adaptação autônoma das espécies a hipótese do design
inteligente formulada pelo físico irlandês Lorde Kelvin. A expressão-chave
“design inteligente” reúne pessoas que querem enxergar um Deus inteligente e planejador, e
não a natureza, como responsável por tudo aquilo que a física e a biologia ainda não
conseguem explicar de modo satisfatório. De acordo com a tendência moderna da biologia,
a vida é mais do que a soma de todas as peças únicas, criadas por alguma intencionalidade
absoluta. Em vez de enxergar em tudo seqüências simples de causa e efeito, a palavra-chave
atual é “auto-organização”, em que os organismos surgem da troca de átomos e moléculas
com seu ambiente.
Prechet prossegue indagando. O que é o amor, Niklas Luhmann, autor da “teoria da
intimidade”, professor de “Amor como Paixão”? O que é liberdade, Jean Paul Sartre?
Precisamos de propriedade privada, Daniel Defoe, autor de A Vida e As Estranhas
Aventuras de Robinson Crusoe? O que é justo, John Rawls, filósofo americano? Ele propôs
as seguintes regras: primeiro, haver liberdades básicas comuns para todos, com a liberdade
do indivíduo só podendo ser limitada por causa da liberdade dos outros; segundo, diferenças
sociais e econômicas devem ser eliminadas de maneira que o bem-estar alcançado deve ser
o mais vantajoso possível ao menos favorecido, e que exista verdadeira igualdade de
oportunidades, sendo que todos os bens, por princípio, necessitam estar à disposição de
todos.
O que é uma vida feliz, Richard Layard, economista inglês da London School, pesquisador
da “economia da felicidade”(happiness economics)? É possível aprender felicidade,
Epicuro, filósofo grego (341 AC)? Para Epicuro, não é a posse, mas sim as relações sociais
ou inter-pessoais que trazem a felicidade mais duradoura. A vida tem sentido? Que
significado teriam as vitórias se não houvesse as derrotas? Neste último capítulo, Precht
recorre a filósofos de todas as eras, desde Platão, mas conclui que o único que realmente
soube qual era o sentido da vida foi Monty Pyton em seu filme O Sentido da Vida:
“Bem, agora é a vez do sentido da vida. Na verdade, não é nada especial. Tente apenas ser
simpático com as outras pessoas, evite comidas gordurosas, leia um bom livro de vez em
quando, receba algumas visitas e tente viver em harmonia com todas as raças e nações”.
Caso o leitor perguntasse a Richard David Precht como viver, ele simplesmente
responderia: “permaneça curioso, concretize suas boas idéias e preencha seus dias com
vida, e não sua vida com dias”.
Fazer perguntas é capacidade que não deveríamos perder nunca, pois aprender e apreciar
são o segredo da vida plena. Aprender sem apreciar não satisfaz, apreciar sem aprender
emburrece. Este meu “Livro de Cabeceira” alcança seu objetivo de despertar no leitor o
prazer em pensar. Incentiva a viver de maneira consciente por meio de autoconhecimento
crescente, controle dos próprios impulsos vitais, condução da própria vida.
CLASSIFIQUE ISTO: