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Conhece-te a ti mesmo

Pedro Menezes
 
Professor de Filosofia, Mestre em Ciências da Educação

Um dos aforismos mais famosos da história, “conhece-te a ti mesmo”,


encontrava-se no pórtico de entrada do templo do deus Apolo, na cidade
de Delfos na Grécia, no século IV a. C.

Lembre que um aforismo é um pensamento expresso de maneira breve.

Essa frase foi atribuída a várias figuras gregas e não possui ao certo um
autor. É possível que tenha como origem um dito popular grego.

Ao longo do tempo, essa sentença foi apropriada por muitos autores, o que
levou a algumas variações. Um exemplo dessa apropriação é sua tradução
para o latim: nosce te ipsum e, também, temet nosce.

De qualquer forma, a frase foi compreendida como um oráculo (mensagem


do deus) de Apolo para todas as pessoas.

Sendo assim, a grande tarefa da humanidade, segundo o deus Apolo, seria


buscar o conhecimento de si e, a partir daí, conhecer a verdade sobre o
mundo.

O deus Apolo era conhecido por ser o deus da beleza, da perfeição e da


razão. Por esse motivo, era um dos deuses mais cultuados da Grécia Antiga.

A razão, relacionada a Apolo, foi primordial para o desenvolvimento da


filosofia. O caráter reflexivo da filosofia e a busca pelo conhecimento e pela
verdade encontram em Apolo um referencial.

Conhece-te a ti mesmo e Sócrates


O filósofo Sócrates (c. 469-399 a.C.) é quem tornou mais evidente essa
ligação entre o deus e a filosofia nascente.

Foi Querofonte, seu amigo, que em uma visita ao oráculo de Delfos,


perguntou à pitonisa (sacerdotisa que recebe a mensagem dos deuses e
transmite aos mortais) se havia no mundo alguém mais sábio que Sócrates.
A resposta do oráculo foi negativa, não havia ninguém mais sábio que
Sócrates.
Ao receber essa mensagem de Querofonte quando regressou a Atenas,
Sócrates passou sua vida a tentar contestar o oráculo.

O filósofo não compreendeu como ele poderia ser compreendido como o


mais sábio. Julgava não ser detentor de nenhum conhecimento.

O filósofo considerava-se apenas uma pessoa comum com o difícil


propósito de buscar o conhecimento verdadeiro.

Essa contestação teria levado Sócrates a proferir a famosa frase:

Só sei que nada sei.

Intrigado com a mensagem do oráculo, o filósofo procurou todos os sábios


de Atenas para que esses pudessem mostrar-lhe o que era o
conhecimento.

Sócrates fazia-lhes perguntas sobre temas morais como a virtude, a


coragem e a justiça, na esperança de que essas pessoas, reconhecidas pela
sabedoria, pudessem ajudá-lo na busca pela verdade.

No entanto, ele sentiu-se frustrado ao perceber que essas autoridades


gregas possuíam uma visão parcial da realidade, sendo capazes, apenas, de
dar exemplos de alguém virtuoso, corajoso ou justo.

A partir desses encontros, Sócrates percebeu que esses sábios não


passavam de pessoas com uma interpretação errada sobre o
conhecimento, repletas de preconceitos e falsas certezas.

O filósofo compreendeu que a mensagem do oráculo dizia respeito ao fato


dele possuir um autoconhecimento e compreender a sua própria
ignorância, tornando-o mais sábio que os outros.

Veja também: Só sei que nada sei: a enigmática frase de Sócrates.


Ruínas do Templo de Apolo em Delfos
Sócrates dá origem ao período antropológico da filosofia grega. Ou seja, a
partir da ideia de que o autoconhecimento, o conhecimento de si, é a base
para todos os outros conhecimentos sobre o mundo.

Essa frase faz uma referência ao oráculo e sua inscrição “conhece-te a ti


mesmo”. O autoconhecimento e a tomada de consciência da própria
ignorância são as bases do método socrático.

Somente após abandonar os seus preconceitos que o sujeito está apto para
buscar o conhecimento verdadeiro.
Veja também: Método Socrático: Ironia e Maiêutica

Conhece-te a ti mesmo e a filosofia


Busto de Sócrates
A filosofia nasce a partir da reflexão, ou seja, do olhar para dentro. Faz-se
necessário refletir sobre o que significa, de fato, conhecer alguma coisa. A
partir daí, construir bases para todos os tipos de conhecimento.

A extensão da frase atribuída a Sócrates é conhecida como:

Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses.

Sendo assim, o motor da filosofia é o “conhece-te a ti mesmo” do próprio


conhecimento, é o pensamento voltado para si. Busca no entendimento, as
bases que fundamentam o saber.

Por conta disso, todas as áreas do saber são também áreas próprias da
filosofia e seu objeto de estudo.

Veja também: A Origem da Filosofia

Conhece-te a ti mesmo, Mito da


Caverna e Matrix
No clássico da ficção científica, Matrix (1999), o roteiro das irmãs Lilly e Lana
Wachowski toma por base o Mito da Caverna, de Platão.

Em ambas as histórias, grupos de seres humanos encontram-se


prisioneiros sem tomarem consciência disso, por viverem em um simulacro
da realidade.

Em Platão, a simulação de realidade é dada pelas sombras projetadas no


fundo da caverna e tomadas como sendo o todo da realidade.

Já no filme, Matrix, os impulsos eletromagnéticos são produzidos por


máquinas e ligados ao cérebro dos prisioneiros. Isso os leva a experimentar
uma sensação de realidade produzida e controlada por computadores.

No Mito da Caverna, um dos prisioneiros questiona sua condição e


encontra meios de se libertar. Algo semelhante ocorre com Neo,
protagonista do filme. Sua atuação como hacker chama atenção de um
grupo de resistência que lhe dá o direito de escolher entre a hostilidade do
real e o conforto da falsidade.

As semelhanças continuam e as diretoras do filme explicitam essa relação


em uma das cenas. Neo vai consultar um oráculo. Nesse local, numa versão
moderna do templo de Apolo, em cima da porta lê-se a mensagem temet
nosce  ("conhece-te a ti mesmo" em latim), numa clara referência às
semelhanças entre Neo  e Sócrates.

Neo, protagonista do filme Matrix, em frente à placa com a


inscrição Temet Nosce, variação em latim da frase inscrita no pórtico do templo de
Apolo ("conhece-te a ti mesmo")
A exemplo dos gregos antigos, Neo encontra o oráculo e recebe uma
mensagem enigmática acerca do destino e da possibilidade, ou não, de
controlar a própria vida.

O mote central de ambas as histórias, diz respeito à busca pelo


conhecimento de si. A partir daí, o indivíduo liberta-se da opressão e do
controle do que é falso para compreender o que, de fato, é real.

Veja também: Mito da Caverna

A consciência de si
Obra O Pensador (1904), de Auguste Rodin
A pergunta "quem sou eu?" ou "quem somos nós?" é uma das questões
primordiais, metafísicas, que deram um ponto de partida para a filosofia e
toda a produção de conhecimento. O "nós e o universo" é a meta do
conhecimento que movimenta todos os dias a produção de ciência no
mundo.

Química, física, medicina, psicologia, sociologia, história e todas as outras


ciências, cada uma a seu modo, possuem como ponto em comum a
proposta inscrita no templo de Apolo.

Ainda que não se tenha chegado à resposta definitiva para essa questão,
sua busca e a necessidade de conhecer a si mesmo, constroem e
modificam o modo de pensar e de compreender a realidade.

Em outras palavras, a busca pelo conhecimento, desde os gregos antigos


até as sondas espaciais ou a decodificação do genoma humano, atendem à
questão do "conhece-te a ti mesmo".

Conhece-te a ti mesmo: significado do provérbio


Posted on 12/08/2021 Equipe Psicanálise ClínicaPosted in Comportamento
Um dos provérbios mais famosos da história, “conhece-te a ti mesmo”,
encontrava-se no pórtico de entrada do templo do deus Apolo, na cidade de
Delfos na Grécia, no século IV a. C. Parece que se tratava de um ditado grego
popular da época, bastante atribuído ao filósofo grego Sócrates

“Conhecimento de si próprio, das suas características, qualidades,


imperfeições, sentimentos etc; que caracterizam o indivíduo por si próprio.”
Essa é a definição de autoconhecimento, de acordo com o dicionário Aurélio.
Índice de Conteúdos
 Conhece-te a ti mesmo e Psicanálise
o Conhece-te a ti mesmo e autoconhecimento
o Sobre o filme “Noiva em Fuga” e  relação em conhece-te a ti mesmo
 Mas como buscar conhece-te a ti mesmo?
 Conhece-te a ti mesmo e o despertar da consciência espiritual
 Meditar é preciso!
 Considerações finais

Conhece-te a ti mesmo e Psicanálise


Para a psicanálise, o autoconhecimento é sinônimo de mudança de olhar sobre
si mesmo e o outro, o que traz a melhor compreensão e reelaboração dos
afetos, proporcionando equilíbrio e liberdade. Como se pode ver, a busca do
homem pelo autoconhecimento já é bem antiga e ainda assim, a grande
maioria das pessoas acaba passando pela vida, sem ter qualquer intimidade
com sua própria essência, seus sentimentos e desejos mais profundos ou
mesmo de suas virtudes e desafios.

O processo de autoconhecimento não é tarefa fácil e não tem fim. É


importante dedicar atenção ao que te tira ou te coloca no eixo. E isso é de
grande utilidade para a vida profissional e pessoal.

O auto-aprendizado se obtém por meio da observação das características que


muitas vezes não nos damos conta ou que não queremos enxergar, mas que
são perceptíveis nas relações com os outros. E essa observação é uma ótima
maneira de mapear a própria personalidade, juntamente com os dons e,
principalmente, detectar o que é necessário para fazer uma boa gestão de si
mesmo.
Conhece-te a ti mesmo e autoconhecimento

A total ausência de autoconhecimento torna o indivíduo um alvo fácil de


aproveitadores, de manipuladores, além de ser um verdadeiro limitador de
potencialidades e de bem-estar. Quem não tem o mínimo de conhecimento
sobre si mesmo, é facilmente atraído para situações desagradáveis, pois não
tem opinião própria e age como se imitasse o comportamento de um rebanho.

Os “sem auto-conhecimento” são pessoas que não têm preferência por um


tipo de comida, vestem-se para agradar o outro, frequentam lugares que
o outro gosta, enfim, parece que falta um pouco de personalidade.

Essa falta de personalidade, na verdade, é o desconhecimento de sua própria


essência. As pessoas ficam na correria do dia-a-dia e não conseguem tempo
para meditar, para ler um bom livro ou para aquietar a mente e encontrar
respostas sobre si mesmas. Elas acabam seguindo “a boiada” ou se tornam
uma cópia desbotada do outro.

Sobre o filme “Noiva em Fuga” e  relação em


conhece-te a ti mesmo

No filme Noiva em Fuga, estrelado por Julia Roberts, em 1999,  a protagonista


tentou se casar por três vezes, mas acabou deixando os noivos no altar. Um
jornalista (Richard Gere) resolveu fazer uma matéria sobre a noiva e o
resultado foi o esperado de um filme romântico tipo sessão da tarde.

Contudo, tem uma parte interessante do filme, em que o jornalista diz


que ela está tão perdida que não sabe sequer como gosta de comer os ovos
no café da manhã.

E, de fato, após o fim do terceiro noivado, a personagem resolveu


experimentar ao mesmo tempo ovos mexidos, fritos e cozidos, para saber qual
era a sua preferência, porque ela havia se habituado a comer ovos, conforme o
gosto de seus antigos noivos e não fazia ideia do que ela mesma gostava.

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Mas como buscar conhece-te a ti
mesmo?
Há mil formas de se buscar o tão sonhado autoconhecimento. Mas em
minha humilde opinião, a auto-observação e meditação são as técnicas mais
eficazes. Quanto à auto-observação, é interessante começar a se questionar
sobre o porquê de seus próprios comportamentos. É bom também observar
as atitudes com os outros e analisar se aquele modo de proceder é bom
para sua auto-estima ou para seus interesses em geral.

É quando você traz para a consciência o seu próprio comportamento e


situações que ele gera em sua vida. Pode se dizer que esse é o despertar do
autoconhecimento. Já a meditação é o mesmo que colocar o cérebro em
“modo avião” na rotina diária. A meditação permite a consciência de seus
próprios sentimentos e necessidades, sabendo que seu pensamento é
responsabilidade totalmente sua.

Existe uma infinidade de formas de meditar e cada um deve encontrar aquela


que mais estiver de acordo com o próprio jeito de ser. Nem precisa ser um
monge budista para conseguir todos os dias fazer ao menos uns quinze
minutos de meditação.

Conhece-te a ti mesmo e o despertar


da consciência espiritual
O autoconhecimento vai mais além do que a conscientização do ser como
indivíduo apenas. Ao se meditar, abre-se um canal com a verdadeira essência
espiritual, levando àquele que medita a se aproximar cada vez mais do seu Eu
superior.

Assim, o autoconhecimento ganha novas proporções, aumentando tanto o


entendimento da pessoa enquanto ser biológico (com suas necessidades
materiais), quanto do ser espiritual (consciência cósmica), trazendo mais
equilíbrio e segurança para todos os aspectos da vida.

A raja yoga utiliza técnicas milenares de meditação, também muito utilizadas


na Ayurveda e associa o cuidado com a mente e o espírito, trabalhando muito
bem a busca pela essência do ser. É um dos infindáveis métodos úteis para o
autoconhecimento. Mas aqui o importante, de fato, é tirar um tempinho da
correria do dia-a-dia, buscar informações, testar opções e variadas
técnicas de meditação.

Meditar é preciso!
Caso você queira começar já a meditar, sem ter que procurar um centro de
yoga, por exemplo, é simples: sente-se confortavelmente, com a coluna reta,
em um lugar tranquilo e sem distrações. Uma musiquinha de relaxamento de
fundo até que cai bem. Depois, é só focar mentalmente no ponto situado
entre as sobrancelhas.

Você se imagina como um ponto de luz e seu corpo como a “carenagem” de


um carro. É você quem comando o “seu veículo”. Esvazie a mente de
qualquer pensamento, limpando sensações. Essa é a forma mais básica para se
iniciar o processo.

Meditar é dentre outras coisas, esvaziar-se de pensamentos em excesso,


do lixo mental e colocar-se na posição de auto-observador. É dar espaço
para sua mente poder processar melhor as informações que chegam até ele e
ter um melhor discernimento. Dessa forma, é possível alcançar o mais
profundo do seu eu.

Considerações finais
Realmente, meditar não é algo fácil, especialmente quando se inicia a prática.
É capaz que seu pensamento esteja acelerado e você não consiga ficar três
segundos com a mente vazia, porque está preocupado com as contas do fim do
mês, com as crianças gritando, com as compras no mercado ou com o
cachorro que bem na hora da sua meditação resolveu latir sem parar.

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Tudo isso é normal, acredite. Meditar necessita de treino e de boa


vontade, mas quando você pega o jeito, é bom tomar cuidado para não
perder a hora, porque simplesmente, não se sente o tempo passar e uma
sensação de leveza invade o seu ser.

Por fim, uma boa leitura ao final do dia, seja de auto-ajuda, de filosofia, sobre
assuntos ligados à psiquê humana ou neurociências, é sempre uma forma de
ampliar seus conhecimentos sobre si mesmo, sua relação com o outro e com o
próprio universo.

O presente artigo foi escrito por Ellyane Amigo. Jornalista, advogada,


psicanalista e terapeuta holística, com ênfase em tratamento de fibromialgia.
Atende na tijuca, Rio de Janeiro. E-mail de
contato:ellyanemary@yahoo.com.br
15/08/2021 às 07:51

Quando se alcança o autoconhecimento é um sinal claro de


amadurecimento, é o momento de virada de chave do ser
humano, é quando se percebe sua missão neste mundo e todos
os erros cometidos no decorrer da vida, onde gerou gatilhos
emocionais que o travou , magoou , e fez a vida ficar sem
sentido e muito triste no momento vivido, porém quando o
amadurecimento acontece olhamos para trás e agradecemos
por ter passados por inúmeros perrengues, porque eles hoje nos
dão um norte, nos fortaleceu e jamais iremos cometê-los
novamente sem uma boa reflexão, visto que se aprendeu com
os erros e sabe o que acontece se continuar seguindo a mesma
linha! Prática, experiência, observação são os temperos que
fazem um humano ser melhor a cada dia.

Processo de Autoconhecimento: da filosofia à psicanálise


Posted on 01/09/2021 Redação Psicanálise ClínicaPosted in Conceitos e Significados, Filosofia e
Psicanálise

Nem todas as pessoas sabem o que é o processo de


autoconhecimento. Por isso, neste artigo, falaremos sobre este
assunto. Ainda, a partir das perspectivas da filosofia e da psicanálise.
Então, confira!

Índice de Conteúdos
 Por que conhecer sobre o processo de autoconhecimento?
 O que é processo de autoconhecimento sob a visão da filosofia?
 Alguns aspectos da filosofia oriental
 Sócrates e Aristóteles: o autoconhecimento para os filósofos
gregos
o A filosofia de Sócrates
o A filosofia de Aristóteles
 Como funciona o processo de autoconhecimento na Psicanálise?
o O inconsciente e suas adversidades
o As ideias de Sigmund Freud
o Outras interpretações sobre o inconsciente
o Considerações de Carl Jung
o Os tipos psicológicos, segundo Jung
 Processo de autoconhecimento na fábula do cavaleiro preso na
armadura
o Saiba mais sobre o cavaleiro preso na armadura
o Processo de autoconhecimento e o self para Donald Winnicott
o Outras lições que podemos aprender
 Considerações finais sobre processo de autoconhecimento

Por que conhecer sobre o processo


de autoconhecimento?
A necessidade do autoconhecimento, ou seja, o “conhece a ti
mesmo”, visa favorecer a tomada de consciência. Assim,
compreendemos melhor os sentimentos e as ações que pautam a
vivência. Ademais, as nossas relações afetivas com os outros.

Nesse sentido, o processo de autoconhecimento coloca o indivíduo


diante de si mesmo. Logo, há o estímulo de uma nova forma de ver a
si e o mundo. Sendo assim, descobre-se que, além da percepção
externa dos sentidos, existe também a percepção interna. Assim, esta
vital para o despertar de conhecimento.

Dessa forma, acredita-se que uma pessoa pode torna-se melhor. Isto
é, ser uma melhor versão de si mesmo. Logo, as relações mudam e as
pessoas convivem melhor entre si.

Portanto, é necessário compreender melhor sobre o processo de


autoconhecimento. Por isso, traremos dois campos, a filosofia e a
psicanálise.
O que é processo de
autoconhecimento sob a visão da
filosofia?
Antes das psicoterapias, a filosofia se ocupava dos assuntos da
mente humana. Desse modo, a Psicologia se baseia em teorias
filosóficas. Isso porque, ao longo da História da humanidade percebe
a importância do autoconhecimento para uma vida mais plena.

Então, o que seria esse processo para a filosofia? Assim, o


autoconhecimento é uma busca de natureza ética. Ainda, visa a
realização de algo que leve uma pessoa a ser “dona de si mesmo”. 
Como resultado, se torna um ser humano melhor.

Alguns aspectos da filosofia oriental


Desse modo, a filosofia oriental sugere que, por meio do
autoconhecimento, o indivíduo chega à compaixão para com os
outros. Por isso, mostraremos alguns marcos importantes para o
desenvolvimento sobre esse assunto.

Então, destacamos o Budismo, que é uma doutrina espiritual e


filosófica. Esta foi criada pelo indiano Siddartha Gautama, o Buda (563
a.C.). Assim, acredita que as escolhas para se chegar à libertação do
sofrimento estão no autoconhecimento. Ainda, Buda pregava a virtude
em favor dos outros.
A monja Coen, é a representante do zen budismo no Brasil.  Logo, em
uma entrevista ao portal Hoje em Dia, afirma que o
“autoconhecimento é a libertação do ser. Já dizia Sócrates, na Grécia:
conhece-te a ti mesmo. O budismo vai dizer a mesma coisa.”

Ademais, para Coen, a base do ensinamento zen é o


autoconhecimento. Pois, “é o portal principal da mente conhecer a
própria mente”.

Deepak Chopra, médico espiritualista indiano, defende o


autoconhecimento como sendo fundamental para a resolução de
todos os problemas que possam existir no nosso cotidiano. Então,
segundo ele:

Se você for capaz de entrar em contato com seu verdadeiro eu, a


consciência não tem limites (…) o propósito da vida nunca foi ser uma
luta, mas expandir-se, a partir da sua fonte, em pura consciência”.

Sócrates e Aristóteles: o
autoconhecimento para os filósofos
gregos
A filosofia de Sócrates

Sócrates (400 a.C.) ficou conhecido pela sua dedicação em incentivar


a busca por si mesmo. Sendo assim, lhe foi atribuída a máxima
“conhece-te a ti mesmo”. Este era o caminho que o filósofo grego
indicava como base para todos os outros conhecimentos.

Assim, para Sócrates o autoconhecimento era necessário para


compreender a sua própria ignorância. Entretanto, segundo José
Pessanha, “essa ignorância, que é um atributo de Sócrates, em geral,
não é assumida pelas outras pessoas”. Pois, “a ironia socrática tem a
função de propiciar uma catarse”.
NÓS RETORNAMOS PARA VOCÊ

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Psicanálise.
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A filosofia de Aristóteles

Já os trabalhos de Aristóteles enfatizam como alguém deve observar


o seu interior para viver bem entre os outros. Considerando que o
homem tem por fim a felicidade, o filósofo acha que o homem só é ele
mesmo em grupo. Ou seja, no convívio em sociedade. Porque,

“Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem
nenhuma pátria seria um indivíduo detestável (…) Assim, o homem é
um animal cívico”.

Portanto, para viver em sociedade é preciso entender a subjetividade


do outro. Contudo, este conhecimento se dá por meio da consciência
da sua própria natureza. Desse modo, a necessidade do
autoconhecimento em prol do coletivo é conhecida de tempos
antigos.

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Sendo assim, os antigos vinculavam as questões centrais da mente ao


coração. E de acordo com Jung, o coração é considerado “como a
fonte de todos os maus pensamentos”. Dessa forma, a linguagem
usada pelos filósofos da antiguidade era diferente. Entretanto, a
necessidade de falar sobre autoconhecimento continua nos dias
atuais.
Como funciona o processo de
autoconhecimento na Psicanálise?

Para falarmos sobre o autoconhecimento nesse campo, precisamos


tratar do inconsciente. Pois, este é conhecido como o pilar da
psicanálise freudiana. Isso porque pouco nos foi ensinado sobre
como controlar nossas emoções.

O inconsciente e suas adversidades

Já que elas nos levam a agir de uma determinada forma. Entretanto,


não nos damos conta do porquê de nossos comportamentos. Assim,
fazemos coisas que prejudicam a nós mesmos. Mas atribuímos esses
comportamentos aos outros. 

Dessa maneira, existe uma parte no indivíduo que é desconhecida.


Mas que se expressa por meio de palavras, atitudes e
comportamentos. Logo, esta é a razão pela qual muitas pessoas são
agressivas, medrosas ou deprimidas. Pois, elas projetam nos outros
o que não aceitam em si mesmas.

Isso pode ser explicado pela existência do inconsciente. Assim, essa


única instância psíquica desorganiza nossas intenções e
vontades. Acerca disso, Jung escreveu:

“Mas quem se questiona sobre si mesmo depara invariavelmente com


as barreiras do inconsciente, que contém justamente aquilo que mais
importa conhecer.”

As ideias de Sigmund Freud

Contudo, foi Freud quem fez esta descoberta. Então, deu a melhor
definição para o inconsciente, traçando um caminho sobre a dinâmica
e funcionamento da mente. Portanto, no seu mais famoso livro “A
interpretação dos sonhos”, Freud apresenta um modelo do aparelho
psíquico:

O último dos sistemas situados na extremidade motora é o pré-


consciente, para indicar que os processos excitatórios nele ocorridos
podem penetrar na consciência sem maiores empecilhos. Mas, desde
que certas condições sejam satisfeitas (…) O sistema que está atrás
dele é o inconsciente, pois este não tem acesso a consciência senão
através do pré-consciente. (FREUD, 1900, p.135).

Sendo assim, este é composto por três instâncias: consciente, pré-


consciente e inconsciente. Mas, de acordo com Jung, “o inconsciente
em Freud, apesar de aparecer – pelo menos metaforicamente – como
sujeito atuante, nada mais é do que o espaço de concentração desses
conteúdos esquecidos e recalcados”.

Nesse sentido, a metáfora do iceberg foi descrita por Stefan


Zweg. Desse modo, ele mostra as diferenças entre os níveis de
consciência propostos por Freud.  Assim, a parte que fica visível é
referente ao consciente. Logo abaixo na zona intermediária, o pré-
consciente. E, no fundo fica a maior parte, a que equivale ao
inconsciente.

Outras interpretações sobre o inconsciente

Ao longos dos anos, surgiram outras interpretações sobre o


inconsciente. Dessa forma, em “Freud e o Inconsciente”, para Garcia-
Roza,“Freud afirma que o caminho para o inconsciente deve ser
procurado através de lacunas das manifestações conscientes”.

Já Juan Nasio concorda, uma vez “que o inconsciente revela-se num


ato que surpreende e ultrapassa a intenção do analisando que fala.
Então, o sujeito diz mais do que pretende e, ao dizer, revela sua
verdade”.
Considerações de Carl Jung

Em relação aos processos inconscientes, Jung escreveu que, “às


vezes manifestam-se, de forma parcial, através de sintomas, ações,
opiniões, afetos, fantasias e sonhos”(…) O inconsciente nunca está
em repouso. Assim, sua atividade parece ser contínua, pois mesmo
quando dormimos sonhamos”.

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Então, o inconsciente são todos aqueles processos mentais que


ocorrem sem que demos conta. Nesse sentido, o autor descreve ainda
o autoconhecimento como necessário apesar de ser doloroso, “pois o
encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que
evitamos enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta”.

Ademais, “o encontro consigo mesmo significa, antes de mais nada o


encontro com a própria sombra … Mas para sabermos quem somos,
temos que conhecer-nos a nós mesmos.” (JUNG, 2002, p.31). Pois,
para Jung,

quanto mais consciente nos tornamos de nós mesmos através do


autoconhecimento, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente
pessoal que recobre o inconsciente coletivo.  Desta forma, vai
emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho.  Essa
consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos,
temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve
ser compensado ou corrigido por contra tendências inconscientes  (…)
É então que podemos constatar que o inconsciente produz conteúdos
válidos não só para o indivíduo. Mas para outros: para muitos e talvez
para todos.

Os tipos psicológicos, segundo Jung

Dessa forma, Jung traçou um quadro teórico sobre os tipos de


personalidade. Assim, em seu livro “Tipos Psicológicos”, ele mostra
que pessoas pensam e experimentam o mundo de maneiras
diferentes. Então, após um trabalho de quase vinte anos, Carl Jung
trouxe importantes elementos para a compreensão de si mesmo e do
outro.

Sendo assim, o tipo psicológico de uma pessoa é determinado pela


extroversão ou pela introversão. Logo, todo mundo possui ambos os
mecanismos. Contudo, somente o predomínio de um deles constitui o
tipo. Ainda, o conceito de persona também contribuiu no processo de
autoconhecimento.

A palavra persona vem do grego e significa a máscara usada nos


teatros, para diferenciar os personagens e seus papéis. Então,
segundo Jung, “o espelho não lisonjeia mostrando fielmente o que
quer que nele se olhe, ou seja aquela face que nunca mostramos ao
mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator”.

Desse modo, aprendemos a criar um outro e acreditamos nele. E


assim, nos defendemos das verdades do que poderia nos fazer
sofrer. Ou seja, essa é uma função psíquica que ajuda na adaptação
social necessária no dia a dia.

Portanto, é uma máscara que usamos para corresponder a demanda


do outro. Sendo esta importante para nos adaptarmos a certos
contextos sociais. Assim, segundo Jung

a persona é um complexo funcional que surgiu por razões de


adaptação ou de necessária comodidade, mas que não é idêntico a
individualidade. O complexo funcional da persona diz respeito
exclusivamente à relação com os objetos.

Processo de autoconhecimento
na fábula do cavaleiro preso na
armadura
Nesse sentido, para compreender como praticar o autoconhecimento,
a fábula do cavaleiro preso na armadura  mostra o processo de
conscientização de si mesmo.

Portanto, trata-se de um cavaleiro muito orgulhoso da sua profissão


que, quando não está na batalha, está lustrando a sua armadura. Pois,
esta tinha que ser a mais brilhante de todas. Desse modo, o cavaleiro
matava dragões e resgatava donzelas, mesmo quando elas não
queriam ser resgatadas.

Sendo assim, o seu ego inflado, suas crenças limitantes e sua


soberba o fizeram acreditar que ele fosse bondoso. Além de ser gentil
e amoroso. Desse modo, todo indivíduo é inclinado a pensar que é
bom. Contudo, segundo a psicóloga Thaiana Brotto, “todos nós em
algum momento da vida fomos uma pessoa ruim com outras”.

Nesse sentido, segundo Jung, “é importante para o processo de


individuação, isto é, a realização do si mesmo que o indivíduo
aprenda a distinguir entre o que parece ser para si mesmo e o que é
para outros”. 

Saiba mais sobre o cavaleiro preso na armadura

Por muitos anos, o cavaleiro da fábula esforçou-se para ser o número


um de todo o reino. Então, como queria estar sempre à disposição,
não tirava a armadura nem para dormir. Desse modo, ficou preso a ela
e suas relações com as outras pessoas foram rompidas.

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O fato é que muitas vezes para sobreviver, o sujeito social precisa


construir formas de convivência. E assim, se inserir no contexto
social para conseguir estabelecer relações. Ou ainda, comunicar-se
em busca de reconhecimento com o simples fim de ser aceito,
deixando de lado as próprias vontades e desejos.
Diante da pressão de sua esposa, o cavaleiro decide procurar ajuda
para se livrar daquela armadura. E quando alguém recomenda que ele
vá ao encontro do Mago. Sendo esta uma pessoa dotada de grandes
conhecimentos, que pode ajudá-lo. Assim, o cavaleiro não hesita e
inicia uma jornada para retirar sua armadura.

Portanto, ainda segundo Brotto, quando o sujeito se dispõe a fazer


uma viajem em busca de si mesmo. Ainda, para Juan Nasio, esse é o

grande sinal de que ele está reconhecendo sua natureza e que busca a
direção da integridade e do conhecimento de sua individualidade.  Pois,
para que o consciente exista, é preciso ainda que seja escutado e para
que o ato da existência do inconsciente se efetive é necessário que um
outro sujeito escute e reconheça a importância do inconsciente.

A viagem é, portanto, desafiadora e o conduz para um encontro com


ele mesmo. Isso porque a busca é inerente ao ser humano. Pois,
descobre que o seu verdadeiro self ficou lá atrás.

Processo de autoconhecimento e o self para Donald


Winnicott

Para Winnicott, o self verdadeiro pode ficar oculto na vida do sujeito


desde a infância. Ele escreveu em “O ambiente e os processos de
maturação” que “a função defensiva do falso self é a de ocultar e
proteger o self  verdadeiro”.

Ou seja, o indivíduo se esconde atrás de uma falsa identidade


(armadura) para se proteger, como defesa contra o que seria
inimaginável. Ademais, de acordo com o autor, este processo começa
no início da relação mãe-criança. Assim, desde cedo se acumulam
experiências que deixam marcas em cada ser humano. 

Já a professora Manuela Bittar, destaca que que muitas vezes temos


em nos mostrar exatamente como somos. E assim, baixar nossas
armas e revelar nosso rosto.
Por isso, o cavaleiro da fabula acaba, sem querer, se distanciando das
pessoas que ama e perdendo sua verdadeira identidade. Portanto, ele
ocultou o self verdadeiro e como resultado passou a ficar só.

Outras lições que podemos aprender

Assim, ao se colocar na posição do cavaleiro pode dar uma falsa


impressão de segurança e estabilidade.  Assim, o que leva a maioria
das pessoas a evitar assuntos relacionados a persona e ao
autoconhecimento. Pois, acreditam na crença limitante que é mais
fácil não enfrentar tais temas.

Logo, como cavaleiros engessados, seguem suas vidas baseadas em


fórmulas prontas. Ainda, acreditam que todos os defeitos estão no
outro. Contudo, ao tirar a armadura e fazer uma introspecção acerca
de quem se é e quais as causas de suas ações, o homem passa a
desenvolver um olhar mais generoso consigo mesmo.

Ademais, adota uma postura mais reflexiva. Isso influencia também


na sua postura com o outro e, consequentemente, gera resultados em
seus relacionamentos e no mundo ao seu redor. 

Considerações finais sobre processo


de autoconhecimento
Levando em consideração que o outro é muitas vezes mal
interpretado, não tendo a sua subjetividade e autonomia de ser
humano respeitada, mostramos através das teorias de Freud e Jung
que o caminho de descoberta do que é legítimo se dá por meio da
exploração do inconsciente.

Então, ao olhar para si e procurar perceber toda a matéria acumulada


nessa parte do nosso ser, aprendemos a lidar com mais sabedoria
com quem somos. E assim, a melhor conceber nossos
relacionamentos e nossa percepção para com o outro.
Contudo, vale ressaltar que todo o indivíduo visa a felicidade em seus
atos. Logo, seus erros e vícios, são apenas consequência da
ignorância sobre o verdadeiro eu. Dessa forma, fica claro porque o
processo de autoconhecimento se faz condição para a qualidade de
vida e de relacionamentos de todos.

O autoconhecimento em Filosofia
Prof. Larissa Rocha

A professora Larissa Rocha fala sobre o autoconhecimento. Confira!


“Autonomia da razão”
Virtude
Etapas para boa ideia
Conhecer a si mesmo
Visão do Foucault

Sócrates
Sócrates (c. 470-399 a.C) foi um filósofo ateniense do período
clássico da Grécia Antiga e é considerado um dos fundadores da
filosofia ocidental. Curiosamente, ele está entre os poucos
pensadores da humanidade que não registraram as suas ideias por
escrito. Por isso, tudo o que sabemos sobre o seu pensamento e a
sua biografia vem dos relatos produzidos pelos seus discípulos,
sobretudo Platão e Xenofonte. A presença de Sócrates como
personagem principal dos diálogos platônicos, bem como a escassez
de registros históricos fez com que, durante séculos, a sua real
existência fosse amplamente questionada. Somente no século XIX,
com o avanço das pesquisas, houve a possibilidade de comprovação
da existência de Sócrates que, dentre outras coisas, teria participado
da Guerra do Peloponeso.

O pensamento socrático é considerado um marco para a filosofia, na


medida em que inaugura um período que ficou conhecido como
antropológico. Partindo da máxima: Conhece-te a ti mesmo, inscrita
na entrada do Oráculo de Delfos, Sócrates deslocou o foco da
investigação filosófica das questões cosmológicas (acerca da origem
e da composição do universo), para as questões antropológicas, isto
é, questões relativas ao próprio homem, tais como:  “O que é a
coragem?”, “O que é a virtude?”, “O que é a justiça?” etc. 

Autonomia da razão e a
virtude
Sócrates buscava, por meio do diálogo, produzir uma transformação
nos seus interlocurtores, qual seja, desenvolver neles a autonomia da
razão. Entende-se por autonomia da razão, a capacidade do
indivíduo, utilizando-se de sua razão, sem o auxílio das ideias do
senso comum, de gerar conhecimento. O método socrático surge,
portanto, com o objetivo de mostrar um caminho racional para que os
homens pudessem alcançar um conhecimento verdadeiro. Ele
consiste, basicamente, em dois momentos. No primeiro, chamado de
ironia, Sócrates questionava o interlocutor a respeito dos
conhecimentos que, até então, ele tomava como verdadeiros, de
modo a evidenciar a sua ignorância. No segundo, chamado de
maiêutica, eram feitas novas perguntas que visavam promover a
reflexão no interlocutor. Dessa reflexão, surgia um novo
conhecimento, numa espécie de “parto de ideias”.

Para Sócrates, ao contrário do que diziam os sofistas, a discussão


não visa vencer o debate ou persuadir o interlocutor. Sua função é,
sobretudo, alcançar a verdade. Nesse sentido, a virtude tem um
papel fundamental, visto que os homens só teriam o conhecimento
verdadeiro através dela. Note-se que, embora esteja diretamente
relacionada com o conhecimento, a virtude não pode ser ensinada.
No diálogo intitulado Protágoras, Platão apresenta uma rica
discussão a esse respeito, mostrando as inúmeras divergências entre
o pensamento de Sócrates e as ideias dos sofistas (representados na
figura de Protágoras).

Etapas para boas ideias


 Pegar um conceito considerado como verdade

 Buscar uma exceção

 Em caso positivo, o conceito deve ser impreciso

 Achar uma nova definição

 Repetir o processo
Conhece-te a ti mesmo e a
visão de Foucault
Embora não seja de sua autoria, a máxima conhece-te a ti mesmo é
fundamental para o desenvolvimento da filosofia de Sócrates. Seu
objetivo, ao utilizá-la, era fazer com que o homem buscasse ocupar-
se de si, ao invés de se dedicar às coisas externas como a riqueza, a
fama e o poder. Segundo ele, conhecer a si mesmo é o caminho que
permite o acesso à verdade. Apesar de sua formulação simples, essa
máxima prescreve um exercício contínuo e extremamente difícil de
realizar. Avançando na história, veremos que essa prescrição, que dá
início à filosofia ocidental como a conhecemos, encontrou ecos na
pós-modernidade, com o pensamento do filósofo francês Michel
Foucault (1926-1984), que propõe que o exercício do
autoconhecimento e da autotranscendência  deve ser realizado de
maneira extremamente racional. 

Sócrates e a filosofia do autoconhecimento


Qual a importância da autorreflexão para o homem contemporâneo?

Tom Simões, tomsimoes@hotmail.com, Santos (São Paulo, Brasil), março 2017 


MUITAS PESSOAS acham que a filosofia é uma área do saber dispensável. Ora, a
filosofia é muito importante. Através dela, conseguimos entender melhor a nós
mesmos e também aos outros; conseguimos ser capazes de discutir e aceitar
opiniões, e ficar com a consciência de que nada é errado e, porém, nada é
definitivamente certo. Uma das capacidades que a filosofia nos proporciona é a de
nos questionarmos, de sermos capazes de por em discussão a nossa própria
existência e a existência do mundo que nos rodeia assim como ele é. Basta não
ligar ao que os outros dizem e encarar a filosofia como um ensinamento para o
nosso cotidiano, para a nossa vida.

Sócrates, filósofo grego nascido em Atenas por volta do ano 470 a.C., é um símbolo
da filosofia do autoconhecimento. De origem modesta, era filho de Sofronisco,
escultor, e de Fenarete, parteira, com quem dizia ‘ter aprendido a arte de obstetra
de pensamentos’. Abandonando a arte de seu pai, dedicou-se inteiramente à
missão de despertar e educar as consciências, tendo como influência a filosofia de
Anaxágoras.

Numa época em que ainda se deprecia o termo ‘autoajuda’, desconhece-se que


toda a sabedoria de Sócrates se fundamentava nas suas investigações sobre a
‘filosofia do autoconhecimento’. É compreensível haver uma categoria de livros de
autoajuda que só ’chovem no molhado’, com frases ‘bacanas’, difíceis de aplicar na
vida, o que não impede que possam ser úteis a uma categoria de leitores. Mas
realmente não dá pra confundir a ideia da ‘autoajuda convencional’ com a
profundidade da literatura abordando autoconhecimento, fundamentada em
estudos e pesquisas de, principalmente, renomados psicólogos e filósofos, alguns
deles, cientistas de algumas das maiores universidades do mundo. O
autoconhecimento leva ao rompimento com as ideias e formas velhas no mundo do
pensamento, através de um contínuo processo de busca e transformação pessoal.
Diferentemente da ‘autoajuda’, o autoconhecimento requer muita dedicação,
pesquisa, estudo e reflexão.

Sócrates foi o primeiro dos três grandes filósofos gregos que estabeleceram as


bases do pensamento ocidental (os outros dois foram Platão e Aristóteles).
Sócrates era tão filosoficamente interessante, que o romano Cícero disse: ‘ele fez
com que a filosofia descesse dos céus para a terra’. Em outras palavras, o filósofo
conduziu a transição do pensamento dos antigos cosmologistas gregos, que viviam
refletindo sobre a origem do universo, para preocupações maiores com a ética e a
existência humana, adotando o famoso lema: “Conhece-te a ti mesmo”, isto é,
torna-te consciente da tua ignorância - como sendo o ápice da sabedoria. A
introspecção é a característica da filosofia de Sócrates.

Sempre entre jovens, sempre em discussões, o filósofo não deixou nada escrito
para a posteridade e quase tudo que se sabe sobre suas ideias e sua personalidade
origina-se das obras de Platão, seu principal discípulo, e do livro ‘Memorabilia’, do
historiador clássico grego Xenofonte. Esses dois autores, cerca de 40 anos mais
novos que Sócrates, só testemunharam mesmo a última década da vida do filósofo,
cuja atividade consistia em debater temas de filosofia com base
nos conceitos da moral e da ética.

Sócrates adotava sempre um duplo diálogo, conforme se tratava de um adversário


a rejeitar suas ideias ou de um discípulo a instruir. No primeiro caso, assumia
humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até
colher o adversário presunçoso em evidente contradição e constrangê-lo à
confissão de sua ignorância. É a ironia socrática. No segundo caso, tratando-se de
um discípulo (e era muitas vezes o próprio adversário vencido), multiplicava ainda
as perguntas, dirigindo-as agora a fim de obter, por indução dos casos particulares
e concretos, um conceito, uma definição geral do objeto em questão.

A morte do sábio

A sua atividade e a sua vida foram finalizadas pela condenação à morte. Três


cidadãos atenienses instauraram um processo contra o filósofo. Acusavam-no de
não venerar os deuses da cidade, de introduzir inovações religiosas e de corromper
os jovens de Atenas. A gravidade das acusações era de tal ordem, que exigia pena
capital. Sócrates reagiu com serenidade absoluta. Apesar de, durante o julgamento,
lhe ser dada a oportunidade de renunciar às suas ideias, ele preferiu manter-se fiel
à busca da verdade a assumir uma conduta capaz de torná-lo benquisto entre seus
inquisidores. Segundo o relato de Platão, ele desafiou o júri com as palavras:
"Enquanto eu puder respirar e exercer minhas faculdades físicas e mentais, jamais
deixarei de praticar a filosofia, de elucidar a verdade e de exortar todos que
cruzarem meu caminho a buscá-la [...]. Portanto, senhores, seja eu absolvido ou
não, saibam que não alterarei minha conduta, mesmo que tenha de morrer cem
vezes."

Ao se dirigir aos atenienses que o julgavam, Sócrates disse que lhes era grato e
que os amava, mas que obedeceria antes ao Deus do que a eles, pois enquanto
tivesse um sopro de vida, poderiam estar seguros de que não deixaria de filosofar,
tendo como sua única preocupação andar pelas ruas, a fim de persuadir seus
concidadãos, moços e velhos, a não se preocupar nem com o corpo nem com a
fortuna, tão apaixonadamente quanto com a alma, a fim de torná-la tão boa quanto
possível.

Denunciado, então, como subversivo, foi condenado à morte ultrajante; rodeado


por um grupo de amigos desolados, teve de beber uma taça de cicuta na prisão de
Atenas, em fevereiro de 399 a.C.

Sócrates queria que as pessoas se desenvolvessem na virtude. A virtude é um agir


ótimo, é procurar fazer o bem, que é o correto, o ideal. Ser virtuoso é o máximo
que se pode ser. O ato virtuoso depende do fim que se colocar para ele. As coisas
são virtuosas à medida que elas fazem bem às coisas para as quais elas foram
feitas. O caminho para a virtude não é só o intelecto, razão, é o conhecimento
místico também. Para Platão, as principais virtudes são: força, coragem, justiça e
piedade. A virtude abrange, também, criar riquezas.

“A virtude da alma é a sabedoria, que é o que a aproxima de Deus”, dizia.  Para o


filósofo, “a sabedoria tem a ver com humildade intelectual e não com a quantidade
de saber. O ignorante é arrogante porque pensa que sabe. Não descobrindo em si
mesmo espécie alguma de sabedoria, onde quer que estivesse, interrogava seus
interlocutores a respeito de coisas que, por hipótese, deveriam saber. Ao interrogá-
los, verificava que não sabem o que julgam saber, e o que é mais grave, não
sabem que não sabem. Assim, Sócrates se achava mais sábio porque pelo menos
sabia que nada sabia, ao passo que as outras pessoas pensavam que sabiam. O
importante para a sabedoria é o que você faz, não é o que você sabe. A sabedoria
modifica o ser e purifica a alma de forma que seus objetivos fiquem mais fácil de
serem atingidos”.

Na visão de Sócrates, todos os homens procuram a felicidade, quer dizer, o bem, e


o vício não passa de ignorância, pois ninguém pode fazer o mal voluntariamente. “A
filosofia vem de dentro para fora e sua função é despertar o conhecimento, ou seja,
o autoconhecimento, pois a verdade está dentro de cada um. Para conhecer a si
mesmo é preciso conhecer o outro. A alma do outro é como se fosse o espelho da
própria alma”.

O ‘conhecer-te a ti mesmo’, que era, na inscrição de Delfos (onde Sócrates foi


proclamado o mais sábio), uma advertência ao homem para que reconhecesse os
limites da natureza humana, tem dois significados: ter a consciência da condição
humana, não tentar ser mais do que é para os homens serem, não tentar ser Deus,
não ser arrogante, devendo os limites humanos ser respeitados para que se viva
bem, ou seja, a consciência da seriedade e gravidade dos problemas, que impede
toda presunção de fácil saber e se afirma como consciência inicial da própria
ignorância. O filósofo falava sobre o conhecimento interior, ou seja, conhecer o que
permanece oculto, isto é, as coisas divinas eternas, o que as pessoas nem sabem
que podem ser. É necessário conhecer o universo para conhecer a si mesmo.
Sócrates fingia ser capaz unicamente de interrogar, mas não de ensinar alguma
coisa, mas levava o interlocutor, mediante uma série de perguntas habilmente
formuladas, a tomar consciência da própria ignorância e a confessá-la.

É nessas buscas que percebo o quão ainda incompleto é o conhecimento humano.


Basicamente, Sócrates pregava a necessidade de o homem manter uma sensação
de propósito e progresso em sua vida. Todos os seus pensamentos e ações
dirigiam-se a essa meta. Indiretamente, ele chamava a atenção para que o
indivíduo ficasse atento a si mesmo, capacitando-se para ajudar o mundo. Apenas
através do autoconhecimento surge um grande entendimento.

“[...] Portanto, ó homem, aumenta tuas necessidades e poderás expandir


tua percepção”, ditou Jalal ad-Din Rumi, 1207-1273, poeta, jurista e teólogo sufi
persa do Século XII.

O mundo dá muitas voltas. E o homem contemporâneo passa a se inspirar cada vez


mais na base filosófica de um Sócrates e de outros filósofos indianos, por exemplo.
Após ter atingido o apogeu da revolução tecno-científica e se sentir mais solitário,
angustiado, ansioso e infeliz do que nunca, só lhe resta buscar o conhecimento
capaz de assegurar algo tão complexo e tão simples ao mesmo tempo: a conquista
da ‘serenidade’.

O homem precisa de muita sabedoria para enfrentar o futuro. Sócrates eternizou-se


com a sua verdade sobre o que é essencial à natureza humana.

Fonte de referências:
https://teonanacatl.org/threads/s%C3%B3crates-e-a-filosofia-do-auto-
conhecimento-feliz.1982/, ‘Sócrates e a filosofia do autoconhecimento’, Fernanda
Negreiros. 

Autoconhecimento – espinosa e skiner

Tanto Espinosa quanto Skinner eram grandes amantes do


conhecimento. E os dois, igualmente, contribuíram muito para que
o homem pudesse conhecer mais de si mesmo e do mundo. Mas, se
muitos ainda afirmam que a ignorâ ncia é uma bênçã o, precisamos
nos perguntar: por que queremos conhecer? A que nos interessa
conhecer? Ora, podemos responder da forma mais simples
possível: o conhecimento é ú til, ele aumenta nossa capacidade de
afetar e ser afetado pelo mundo, ele é bom porque nos aproxima de
nossa potência de agir. Espinosa diria que o conhecimento é o mais
potente dos afetos; ao experimentar essa possibilidade,
complementaria Skinner, o pró prio conhecimento se torna
reforçador.
Nossa vida não teria sentido sem o conhecimento, qual a eficá cia
de operar no ambiente sem antes conhecê-lo? Somos afetados
pelas contingências, consigamos discriminá -las ou nã o. Portanto, a
ignorâ ncia nã o é uma bênçã o, é uma maldiçã o. E cabe a nós ampliar
ao máximo nosso conhecimento do mundo e de nós mesmos. Mas
nã o podemos nos tornar otimistas ingênuos, nossa linguagem
sobre conhecimento é extremamente mentalista e supersticiosa!
Precisamos primeiramente entender que é muito difícil obter um
conhecimento adequado de si e do mundo.
Para Skinner, a aná lise do comportamento estuda de que forma um
comportamento se dá em determinado ambiente, qual a relaçã o que
eles estabelecem. Há uma relaçã o funcional: por que certos
comportamentos se tornam mais frequentes e outros mais raros? O
conhecimento nasce desta relaçã o, ele é aprendido, se dá através
de reforço e puniçã o. Skinner chama de modelagem. Claro que nã o é
tã o simples, mas podemos dizer que aprendemos conforme
atuamos no mundo, enquanto nos comportamos. Determinados
comportamentos nos geram prazer, felicidade, aprendemos que
isso é bom porque eles nos sã o ú teis, outros geram desconforto,
tristeza, nã o queremos sentir isso outra vez e nã o emitimos estes
comportamentos novamente. A tristeza nada ensina, ou ensina muito
pouco, diferentemente da alegria.
Percebemos então que nascemos na ignorância e vamos pouco a
pouco conhecendo o mundo conforme ele nos afeta. Crescemos
com nossos afetos e nossos bons encontros. Quanto maior a nossa
chance de experimentar vá rias coisas, maior será nosso
conhecimento do mundo. Por isso precisamos explorar o má ximo
possível ao nosso redor, assim como a criança que tira todas as
panelas do armá rio e Adã o que experimenta do fruto proibido.
Precisamos sentir para entender, o conhecimento é o corpo
pensando, sendo afetado pelo mundo, refletindo, sobre o que
aconteceu com ele: foi bom, foi ruim, foi indiferente? Espinosa nos
aconselha a analisar e conhecer estes afetos para padecer menos
deles. Uma ciência dos afetos só é possível se, antes de maldize-los e
desprezá -los procurarmos entendê-los. Quanto mais conhecemos,
mais potente nos tornamos para regular os afetos, desta forma
podemos agir ao invés de sermos passivos.

Por meio desse poder de ordenar e concatenar corretamente as


afecções do corpo, podemos fazer com que não sejamos
facilmente afetados por maus afetos”
– Espinosa, Ética V, prop. 10, esc.
Mas nascemos e vivemos a maior parte de nossas vidas na
ignorância, de modo supersticioso, reduzido a conhecimentos
superficiais. O conhecimento imaginativo cria generalizaçõ es que
nã o correspondem à realidade, ele nos limita, cria medos
desnecessá rios e nos impede de experimentar novas sensaçõ es.
Para sair desta condição precisamos compreender a causa de
nossas sensações, formar um conhecimento racional dos nossos
comportamentos, Skinner chamaria de “aná lise funcional”, já
Espinosa talvez chamasse de conhecimento do segundo gênero,
muito mais seguro e confiável.
Ao compreender as relaçõ es da parte com o todo, podemos
entender o funcionamento, a concatenaçã o, de causas e efeitos,
saímos da contingência, onde temos a impressã o de que tudo
acontece por acaso e entramos na necessidade, onde começamos
a perceber como as partes se relacionam. Conhecer nã o é julgar,
nã o é catalogar, conhecer é compreender o funcionamento, a
relaçã o estabelecida pelas partes. Por isso o conhecimento é uma
ferramenta tã o poderosa, porque desta maneira nós podemos agir
sobre o meio, atuar sobre o ambiente ao nosso redor com mais
segurança e efetividade.
Não se pode imaginar nenhum outro remédio que dependa de
nosso poder que seja melhor para os afetos do que aquele que
consiste no verdadeiro conhecimento deles”
– Espinosa, Ética V, prop. 4, esc.
Disse o Oráculo de Delfos: “conhece a ti mesmo“. Mas como
podemos conhecer a nó s mesmos? Seria este conselho uma grande
apologia à introspecçã o? Como podemos saber quem somos? Disse
Nietzsche, na genealogia da moral: nã o surpreende que nã o nos
conheçamos, afinal, nó s nunca nos procuramos! Bom, precisamos
pensar, talvez estivéssemos procurando nos lugares errados!
“Conhece a ti mesmo pela potência dos afetos, pelos encontros
que geram felicidade, pelas relaçõ es de reforço mú tuo”, é isso que
diriam Espinosa e Skinner, cada um ao seu modo. O modelo de
autoconhecimento do behaviorismo e da filosofia espinosista
implica o contato, o estímulo do ambiente, as superfícies de
encontro, nã o o isolamento e a introspecçã o dos falsos intelectuais,
ingenuamente superiores por se trancarem em sua torre de marfim
e escavarem seus segredos no escuro. Conhecer é tomar parte, nã o
meramente fazer parte.
O autoconhecimento implica que você saiba como se relacionar
com o mundo que te rodeia, saber minimamente de que forma as
coisas te afetam. Dizer, “eu sei nadar”, quer dizer que as suas
partículas do seu corpo conseguem relacionar-se com as partículas
da á gua de modo a aumentar a sua potência, isto reforça seu
comportamento de nadar. Te permite surfar, velejar, praticar
exercícios físicos. O conhecimento te permite agir ou pelo menos
deixar de ser tã o agido assim. Saber que se é alérgico a camarã o, é
saber que as partículas de camarã o decompõ em as partes do seu
corpo. É sempre uma arte dos encontros. Se o mundo é um mar de
partículas em movimento, conhecer a si mesmo é aprender a nadar
nas melhores correntezas. A onda é ruim para quem nã o sabe
surfar. É este conhecimento do mundo que permite conhecer a nó s
mesmos: tornar-se um com o universo. Conhecer como o mundo
age sobre nó s é aprender como podemos agir sobre ele.
E podemos ver como este autoconhecimento é em grande parte de
origem social. Diz Espinosa, nada é mais ú til para o homem do que
outros seres humanos, aprendemos e crescemos uns com os
outros: ajuda mú tua. Nossa sociedade produz conhecimento de nó s
mesmos, precisamos aprender a desfrutar do prazer de conhecer a
nós mesmos. O problema é que muitas vezes alguém pensa por
nó s,  nosso conhecimento é construído, inclusive o nosso
autoconhecimento. Ele é uma construçã o social, ele faz parte de
nossa histó ria de vida dentro de uma cultura, uma sociedade, uma
família, um tempo. Se nos dizem que somos pecadores, que
desejamos nossa mã e quando pequenos, que somos maus por
natureza, podemos cair na armadilha de acreditar. É este
autoconhecimento que queremos? Conhecer nossos pecados
inconscientes? Conhecer que, mesmo simbolicamente, desejei
matar meu pai? Nos comportamos sem saber até que alguém
pergunta: “o que é isso que você fez?”, “por que você faz isso?”, “É
bom ou é ruim?”,e assim podemos nos questionar e nos conhecer
melhor.
Conhecer a si mesmo é saber porque nos comportamos de
determinada maneira em determinado contexto. Abrimos aqui o
caminho para controlar nosso pró prio comportamento, o que
Espinosa define como liberdade. Queremos conhecer a nó s mesmos
porque estamos o tempo todo em relação com o mundo, e
queremos saber como ele age sobre nó s e como normalmente
reagimos a ele. Somos a parte interessada neste processo, ele nos
serve, é ú til, gera pontos em comum sobre os quais nos apoiamos
para ir mais longe. Uma pessoa que se torna consciente de si, nã o
necessariamente através da terapia, é alguém capaz de entender
melhor seu comportamento e agir de novas maneiras.
Conhecemos para melhor agir, nosso conhecimento é açã o. Pensar
é um comportamento. Ou, diria Espinosa, o pensamento é imanente.
O conhecimento nã o está no inconsciente, ou na memó ria, ou em
qualquer lugar, o conhecimento nã o é uma gaveta, ele nã o fica lá
esperando até ser ativado, ele nã o fica passivo até ser descoberto.
Conhecimento é criaçã o! Conhecer é ter um certo repertó rio de
comportamento: “eu conheço o caminho” significa que posso andar
pelas ruas até chegar ao meu destino de forma rá pida. Eu conheço
de Espinosa significa que posso conversar e escrever textos sobre
os conceitos deste filósofo e utilizá-los em minha vida. Conhecer é
uma forma de afetar e ser afetado. Conhecimento é potência, é um
modo pelo qual aumentamos nossa potência.
Frequentemente é útil falar de um repertório de comportamento
que, como o repertório de um músico ou de um conjunto de
músicos, é aquilo que a pessoa ou grupo de pessoas sejam
capazes de fazer, dadas as circunstâncias adequadas. O
conhecimento é possuído como repertório nesse sentido.”
- Skinner, Sobre o Behaviorismo, p. 119
Fica claro aqui como Espinosa se empenhou para mostrar que a
razão deve se aliar-se aos afetos para tornar-se mais forte. Razã o e
emoçã o nã o sã o afetos contrá rios, eles sã o, como já disse Espinosa,
paralelos, a razã o pode ser afetiva e os afetos podem ser racionais.
Ou seja, um nã o luta contra o outro em um campo de batalha, mas
sim operam simultaneamente. O tempo todos somos preenchidos,
seja de tristeza ou de alegria ou de outros afetos, e o tempo todos
pensamos.
Skinner e Espinosa colocam o conhecimento como grande
possibilidade de sair da servidão, desfazer uma subjetividade
dilacerada, para entã o entrar na liberdade, autonomia no todo, co-
autonomia. E assim nasce uma ciência dos afetos, onde podemos
compreendê-los de maneira mais clara e como utilizá-los a nosso
favor. O ponto de virada se dá quando podemos desenvolver, enfim,
uma terapêutica para os afetos, para que o homem possa viver
melhor. Racionalismo sim, dualismo nã o; a razã o nã o briga com a
emoção, elas se tornam aliadas.
A análise dos afetos, funçã o do sá bio e do analista do
comportamento, leva a um conhecimento melhor do modo como
nosso organismo se comporta. A beleza começa quando
percebemos que é na e pela razã o que podemos nos tornar alegres,
o conhecimento nos é ú til, portanto virtuoso, logo, bom. Nã o é uma
revelaçã o mental, é um afeto que atravessa o corpo e se faz
presente como potência de ser. Que alegria constatar este fato: o
conhecimento é realmente o mais potente dos afetos!

Não saber de si
8
O ceticismo aplicado ao problema do autoconhecimento

Waldomiro José da Silva Filho

A idéia de autoconhecimento tornou-se muito popular nos nossos dias, principalmente com


a emergência de um mercado editorial voltado para a auto-ajuda. Essa idéia de auto-ajuda,
apesar de simular um suposto princípio socrático de autoconhecimento, na verdade é um
campo difuso que integra infinitas e desiguais referências oriundas das mais das diversas
fontes – da psicologia das organizações à religião, da programação neurolingüística à magia
e às terapias alternativas. Normalmente esse discurso trata de questões de inserção no
mercado de trabalho, competição empresarial e relações amorosas, e sempre oferecem
receitas, exercícios, conselhos e vivências para que as pessoas tenham sucesso nos negócios
e na vida sexual. Mesmo que muitos autores de best-sellers de auto-ajuda façam menção a
filósofos, seus discursos quase nunca têm qualquer relação com o problema filosófico
do autoconhecimento. E aqui não estou fazendo qualquer consideração crítica aos livros
de auto-ajuda – apenas pontuo uma diferença.

No mais das vezes, quando os filósofos tratam desse assunto, o que está em questão são
dois problemas: de um lado, o problema moral da deliberação concernente ao modo como,
por meio da reflexão sobre a ação, valores, liberdade e vontade, podemos agir à luz da
razão. O “conheça-te a ti mesmo” solicita que nos examinemos e ajamos sobre a influência
das “melhores razões”, com autonomia e responsabilidade. Por outro lado, há o problema
epistemológico acerca da possibilidade de termos um conhecimento dos nossos próprios
estados mentais, como crenças, desejos, intenções: fala-se de “autoconhecimento” no
sentido em que se pode dizer que uma pessoa conhece a verdade de um enunciado que ela
pronuncia, em referência ao conteúdo dos seus estados mentais.

Há uma diferença crucial que precisa ser feita: frases como “A parede é branca” ou “O
futebol brasileiro é o melhor do mundo” dependem, para a sua verdade, que, de fato, a
parede de que trato seja branca e não verde (se é verde, é falso que “é branca”), o mesmo se
aplicando ao futebol, pois se a Argentina tem um futebol mais bonito e eficiente do que o
brasileiro, será falso que “o futebol brasileiro é o melhor do mundo”. Mas existem frases
que se referem não a objetos e acontecimentos, mas às nossas próprias crenças, desejos,
pensamentos e vontades, como por exemplo: “Eu julgo (ou acredito ou duvido) que existe
vida após a morte”, “Eu penso que a água sacia a sede”, “Eu desejo que meu time seja
campeão”. Nesses casos, o objeto dessas frases são ‘o pensamento de que…”, “a crença de
que…”, “o desejo de que…”. É possível que não exista vida após a morte ou que meu
time não seja campeão, mas isso não torna falso “que eu penso que”, “desejo que”,
“acredito que”, “duvido que”.

Para uma ampla tradição filosófica, os problemas conceituais ligados à reflexão


sobre autoconhecimento guardam uma relevante diferença em relação às outras formas de
conhecimento, como o conhecimento do mundo externo e o conhecimento de outras
mentes, visto que, por definição, para conhecermos o conteúdo das nossas próprias crenças,
desejos e vontades não precisamos recorrer aos sentidos, às provas empíricas e à
observação. Para saber algo sobre a cor da parede ou sobre a situação do futebol, faço
observações, leio o jornal, consulto a opinião de outras pessoas; mas eu precisaria fazer
essas mesmas performances para saber o que desejo ou acredito? Por isso, muitos filósofos
dizem que: a) o autoconhecimento é uma cognição especialmente segura, transparente e
direta que o sujeito tem dos seus próprios estados mentais; b) o sujeito dispõe de um
método privilegiado e infalível, a introspecção, para ter acesso aos conteúdos dos seus
estados mentais e; c) os proferimentos que o sujeito faz acerca das próprias crenças, desejo
etc. gozam de uma autoridade especial – é claro que alguém pode se enganar em relação à
cor de uma parede ou o nome de uma capital do Nordeste, mas não seria razoável que se
enganasse acerca do que acredita, deseja, pensa.

Sobre o mundo externo à minha mente posso – e tenho boas razões para – duvidar ou, ao
menos, não tenho como distinguir quais das minhas crenças são conhecimento e quais não
são, já que a fonte de informações sobre os estados do mundo – os sentidos – é precária.

Entrementes, esse mesmo “perigo” não ocorre quanto aos meus pensamentos em relação
aos meus próprios estados mentais: no ato de pronunciar a frase “eu penso”, na primeira
pessoa e no presente momento, não posso estar enganado: isso é claro e distinto, numa
palavra, é conhecimento. Afinal, nada parece mais certo e transparente. Se me perguntam se
gosto de acarajé ou se desejo visitar amigos em Ilhéus, é natural que esperemos que eu saiba
se gosto ou não desse quitute baiano ou se desejo ou não reencontrar velhos amigos. A
imagem de uma autoconsciência, de um saber sobre si, é uma das mais fortes imagens do
pensamento filosófico moderno.

Conseqüências do externalismo

Essa idéia de autoconhecimento, porém, exige uma imagem geral do mundo que deve
admitir um dualismo entre, de um lado, a mente (como instância interior, privada, separada
das outras coisas e obedecendo a leis diferentes das leis da física, pois não é um objeto
físico) e, do outro lado, o mundo (como instância exterior que, na melhor das hipóteses,
pode ser representada pela mente).

Nosso problema é que, na sua maioria, os filósofos contemporâneos, numa direção


diferente, tendem a compartilhar uma visão naturalista e não-dualista do mundo. Isto
significa dizer que os problemas centrais da filosofia, como o conhecimento, a moral, a
linguagem, devem ser investigados a partir do modelo conceitual das ciências da natureza.
Como afirmou Willard Quine: “… conhecimento, mente e significado são parte do mesmo
mundo com o que eles têm a ver e que eles têm de ser estudados com o mesmo espírito
empírico que anima a ciência natural.” Nessa perspectiva, as perguntas sobre o que é a
mente e qual o lugar que a mente ocupa no mundo, envolvem duas coisas: primeiro, o
mundo de que se fala é necessariamente o mundo físico; segundo, ou a mente deve ser
entendida no quadro referencial da natureza ou o conceito de mental não passaria de um
erro categorial, um mito, uma ilusão ou ainda, simplesmente, um mistério.
Uma das tendências do naturalismo é algo que os filósofos chamam
de externalismo ou anti-individualismo. Eles afirmam algo muito simples, mas com
conseqüências desastrosas para nossa imagem tradicional de autoconhecimento: o
significado das nossas palavras e frases e o conteúdo de nossos estados mentais estão
relacionados com o mundo externo. Simples: o que é pensado, o que é objeto da experiência
e o que é objeto da fala dependem, ao menos em parte, do mundo exterior à mente do
sujeito ou, ainda, são causados pelo mundo exterior. Ou seja, os estados mentais não
poderiam existir, tal como o descrevemos comumente, caso o sujeito não exista num mundo
exterior; as crenças, intenções, pensamentos, não poderiam ser corretamente caracterizados
e individualizados sem os objetos e sem o mundo no qual a pessoa está situada temporal e
espacialmente.

Isso não é uma afirmação de que não temos estados subjetivos ou intrínsecos, mas apenas
de que os pensamentos e crenças de um sujeito não podem ser individuados no seu
conteúdo inteiramente sem o concurso de acontecimentos, objetos e eventos que se dão
“fora da mente”, como a composição química dos objetos (água é H 2O) e as práticas
lingüísticas de uma comunidade (o significado de uma palavra é fixado por práticas sócio-
lingüísticas). Por isso, mudanças no mundo externo e diferenças sociais afetam
necessariamente o conteúdo dos pensamentos e atitudes do sujeito. O filósofo Tyler Burge
diz que “nenhum fenômeno mental intencional do homem é insular. Todo homem é uma
parte do continente social.”

Vitangelo e o conhecimento introspectivo

Aqui está nossa grande dificuldade filosófica: se essa idéia está correta, a tese central da
filosofia clássica – segundo a qual os conteúdos de um estado mental do indivíduo
são inteiramente determinados pelas propriedades do indivíduo considerado isolado do
mundo social e físico – deve estar errada. Se para esses filósofos o que um sujeito pensa
depende do seu entorno e, em particular, de fatos como o da composição química das
substâncias e da prática lingüística de uma comunidade, então isso deve sugerir que essas
idéias implicam um resultado contra-intuitivo segundo o qual o sujeito pode conhecer o
conteúdo do seu próprio pensamento apenas investigando a composição química das
substâncias ou a prática lingüística da comunidade. Também podemos ser induzidos a
pensar que aquilo que tradicionalmente é chamado de “conhecimento introspectivo”, a
“autoridade da primeira pessoa”, simplesmente não é o caso – ao falarmos de nós mesmos
estaríamos aplicando as palavras “saber” e “conhecer” indevidamente.

Imagine o quanto é embaraçosamente engraçada e absurda a situação do personagem


Vitangelo Moscarda do romance Um, nenhum e cem mil, de Pirandello: numa certa manhã,
sua mulher, Dida, faz um comentário despretensioso sobre seu nariz – que era levemente
torto para a direita; Vitangelo, ao constatar que nunca percebera aquele seu singelo defeito
facial, se dá conta de que talvez nunca soubera (e ainda não sabe) qualquer coisa sobre si.
Ele brada: “Como suportar em mim este estranho? Este estranho que eu mesmo era para
mim? Como não ver? Como não o conhecer? Como ficar sempre condenado a levá-lo
comigo, em mim, à vista dos outros e no entanto invisível para mim?”

Isso não passaria de um simples jogo cômico numa peça literária fantasiosa caso não
existissem esses argumentos filosóficos que se opõem às nossas mais profundas crenças
sobre o conhecimento que temos de nós mesmos. Não estou me referindo à situação
desconfortável, mas não incomum, de alguém que se encontra num estado psicológico
patológico, por exemplo, dominado por forças inconscientes ou sofrendo de uma
enfermidade cerebral que o impede de construir certos raciocínios. Tudo isso está muito
bem documentado na farta literatura psicanalítica e das neurociências. Estou falando de uma
outra situação humana: a filosofia. Uma das grandes tarefas da filosofia é perguntar se
podemos ou não ter razões; se podemos ou não justificar racionalmente nossas idéias,
crenças; se temos conhecimento. Então: somos capazes de apresentar boas teorias
filosóficas que podem justificar, explicar, garantir – sem a bruma do erro e da ignorância –
que conhecemos nossas próprias mentes?

É isso o que comumente se chama de “ceticismo acerca da autoconsciência”. Mas é


importante uma advertência: num outro texto publicado aqui na CULT (nº-116), salientei
que há uma diferença crucial entre o ceticismo moderno e contemporâneo e o ceticismo
antigo. A literatura filosófica quase sempre compreende o ceticismo como uma atitude
negativa diante das capacidades cognitivas e morais humanas, insistindo que
devemos colocar tudo em dúvida. O cético, nesses traços caricatos, diria que
ninguém conhece nada sobre coisa alguma. 

Investigando a natureza dos problemas filosóficos

Mas no modo como compreendo as coisas – e que está presente nos céticos antigos e, entre
nós, na obra do filósofo brasileiro Oswaldo Porchat – o ceticismo é, em primeiro lugar, uma
investigação sobre a própria natureza da filosofia e sobre o sentido dos problemas e teorias
filosóficas. O traço característico da filosofia praticada pelo cético não é postular um
conjunto preciso de teses (sejam positivas ou negativas), mas o cultivo de uma atitude
crítica diante da pretensão dogmática de ter descoberto a verdade. Além disso, o cético não
pode evitar a estranheza diante da absoluta falta de acordo entre os filósofos, já que os
filósofos não se põem de acordo sobre nada, nem mesmo sobre a natureza da filosofia.

De qualquer maneira, parece que o intenso debate filosófico sobre o autoconhecimento está
orientado, sobretudo, em torno de um ponto central, a saber, que existem dois domínios
bem determinados, o domínio do mental e o domínio do corporal, a partir dos quais
devemos nos perguntar que tipo de relação eles mantêm entre si. Essa distinção, porém, é
uma invenção estritamente filosófica que apareceu com o próprio nascimento da filosofia
moderna e sua metafísica do sujeito que representa o mundo. Mesmo que a filosofia
contemporânea tente superar a metafísica do sujeito, permanece inscrita num horizonte de
perguntas do tipo: o que são – se é que são alguma coisa – objetos, eventos e estados
mentais ou psicológicos? Qual o lugar que objetos, eventos e estados mentais ou
psicológicos ocupam num mundo natural? A mente conhece o mundo e outras mentes?
Conheço minha própria mente? Pode existir uma ciência de objetos, eventos e estados
mentais ou psicológicos?

Outro filósofo brasileiro, Plínio Smith, escreveu que é sempre com referência a essa
dicotomia, tal como os filósofos a entendem, que o debate ganha sentido, é sempre em torno
da distinção filosófica entre mente e corpo que gira a discussão. O cético, tal como Porchat
o compreende, não negará ou afirmará que temos autoconhecimento – ele não dirá se tal ou
qual teoria filosófica melhor explica nossa condição humana e se conhecemos ou não a nós
mesmos. Talvez não devamos sofisticar ainda esse debate, mas, quem sabe, simplesmente
abandonar essas distinções.

É possível estarmos enganados em relação aos nossos pensamentos e crenças? Podemos


conceber que este meu pensamento não é meu, que isso que digo não é o que quero dizer,
que não sei se acredito nesta minha crença? Sim, é claro. E isso é freqüente – é
desagradável, incômodo, perturbador, mas ocorre. Quando isso ocorre, quando o
autoconhecimento falha, falha também nossa capacidade de racionalidade, de reflexão, de
crítica. Dizemos: isso é irracional. Mas por que o drama? Sim, às vezes somos racionais, às
vezes somos irracionais – e não somos menos humanos porque somos tão vulneráveis. É
claro que a filosofia não precisa se preocupar com isso, afinal, como Freud dizia no artigo
“O ego e o id”: “Para muitas pessoas que foram educadas na filosofia, a idéia de algo
psíquico que não seja também consciente é tão inconcebível que lhes parece absurda e
refutável simplesmente pela lógica.”

Não saber de si não é um defeito ou uma virtude, não está em jogo aqui um tipo de saber ou
de ignorância… Não saber de si é apenas algo que nos ocorre e nos humaniza.

Waldomiro José da Silva Filho


é professor de Filosofia da UFBA

Uma abordagem
filosófica para a pergunta
“Quem sou eu?”
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O ser humano é repleto de dúvidas. Uma delas, entretanto, costuma tirar o sono de muita
gente: quem sou eu?

Ao longo da história da humanidade, a busca pela identidade tem sido uma constante para
pensadores, que tentaram responder esta complexa questão de diferentes formas. Seja na
inscrição do Templo de Apolo que diz “Conhece-te a ti mesmo”, seja na música Who Are
You, da banda The Who, todos nós já tentamos responder a esta questão em algum
momento, como explica a educadora Amy Adkins.

É claro que uma pergunta tão complexa quanto esta apresenta diferentes respostas,
hipóteses e praticamente nenhum consenso.
Mas se são tantas pessoas capacitadas – filósofos, pesquisadores, pensadores, poetas –
fazendo a mesma pergunta, então por que é tão difícil encontrar a resposta certa?

A primeira dificuldade está no fato de a nossa identidade estar sempre mudando. O ser
humano está constante transformação, no melhor estilo Metamorfose Ambulante, de Raul
Seixas. Ninguém hoje é exatamente a mesma pessoa que era há 5 ou 10 anos. Nem será
daqui a 20, 30 ou 50 anos.

Para complicar, quando a gente se pergunta “quem sou eu”, o “sou” indica o presente, e o
presente pode ser a qualquer momento, dia da semana, hora, minuto ou segundo…

E se isso parece complicado, é óbvio que fica ainda pior quando o “eu” entra em cena.
Será que ele se refere ao eu físico ou ao eu emocional, com nossos pensamentos e
sentimentos, ou ainda nossas ações?

A impressão que se tem é que estamos navegando por águas perigosas, talvez por isso
que o historiador grego Plutarco tenha usado a história de um navio para falar sobre o
assunto.

Diz a lenda que Teseu, o rei que fundou Atenas, matou sozinho o minotauro de Creta e
depois voltou para casa. Durante 1 mil anos, os atenienses mantiveram no porto da cidade
o navio de Teseu, reencenando atualmente a aventura do herói. Sempre que uma parte do
navio ficava gasta ou era danificada, era substituída por uma peça idêntica, do mesmo
material. Em um determinado momento, entretanto, o navio deixou de ter peças originais.

Plutarco notou que o navio e suas peças substituídas consistiam em um exemplo do


paradoxo filosófico que gira em torno da persistência da identidade. Como pode-se
substituir todas as partes de uma coisa e ela se manter a mesma?

Imagine que há 2 navios: o navio que Teseu atracou em Atenas seria o primeiro e aquele
que os atenienses navegaram 1 mil anos depois seria o segundo. Será que estes dois
navios são o mesmo?
Talvez você diga que durante 1 mil anos só houve um navio pertencente a Teseu, porque
as mudanças feitas ocorreram gradualmente, e em momento algum ele deixou de ser
considerado o navio original – ainda que não tenha sobrado nenhuma peça original. Por
outro lado, os dois navios são numericamente iguais e guardam o mesmo significado,
sendo qualitatavamente a mesma coisa.

A questão seguinte, então, é que Teseu nunca colocou os pés no segundo navio e que
sua presença nele seria essencial para que a propriedade do navio fosse atribuída a ele.
Daí que se eles são numericamente idênticos, eles não são qualitativamente idênticos.

Agora, imagine o seguinte: e se à medida que cada peça original ia sendo retirada do
navio, alguém as recolhesse e fosse montando o navio original inteiro? Quando ficasse
pronto, seria inegável que haveria, realmente, dois navios físicos e ambos poderiam
reclamar o título de navio de Teseu, mas apenas um deles seria o verdadeiro.

A primeira pergunta é qual deles é o verdadeiro. E a segunda é o que isso tem a ver com
você.

Assim como Teseu, todos nós somos uma coleção de peças em constante mudança.
Nosso corpo, mente, sentimentos, ações, circunstâncias… tudo muda o tempo inteiro, mas
por alguma razão, a gente continua sendo as mesmas pessoas.

É por isso que responder a uma pergunta como quem sou eu é tão complicado e, para
tentar respondê-la, seria necessário mergulhar no oceano profundo do paradoxo filosófico.
Ou, quem sabe, continuar vivendo e deixando a vida te levar.

Quem somos: reflexões sobre a grande


questão filosófica
Quem somos: reflexões sobre a
grande questão filosófica
15 de setembro de 2016
Tainara Oliveira
Filosofia, Filosofia Clínica

Falar sobre quem nós somos é muito mais do que responder a uma simples pergunta, é
dissertar sobre uma das grandes questões filosóficas da humanidade. Da antiguidade aos
dias de hoje, os filósofos questionam sobre quem, afinal, nós somos. Ainda não há uma
resposta consensual, o que nos mostra o inesgotável valor da Filosofia diante de
questões como esta. É por isso, que é comum que as respostas dadas pelas pessoas de
nossa época estejam de acordo com certos padrões da sociedade e cultura.

Normalmente, fala-se a respeito do Papel Existencial[1] (Pai/Mãe/Filho/Esposa ou


Marido, Profissão que exerce…) sobre a formação que possui, ou lugares que frequenta
– que em Filosofia Clínica se encaixam no Tópico 1, que diz respeito a Como o Mundo
Parece (fenomenologicamente) à pessoa, trata-se dos coletivos, como por exemplo, a
família, o trabalho, a escola, a igreja, a sociedade… Pode-se falar ainda sobre os
valores[2] ou crenças[3] que possui, os sonhos[4] que almeja, sobre o que acha a
respeito de si próprio[5] – sendo que a visão que temos a respeito de nós mesmos, pode
ou não corresponder com o que de fato somos; também há quem fale sobre como se
sente[6] ao responder sobre quem é. As respostas são inesgotáveis e únicas, estas acima,
são alguns exemplos mais comuns vistos por aí.

Na Filosofia Clínica, cada pessoa possui uma Estrutura de Pensamento (E.P.) que é
formada por vários Tópicos e Submodos que se associam entre si e foram se
estruturando ao longo da história de vida da pessoa. A E.P. é plástica e móvel, conforme
a interação tópica e submodal (Autogenia), bem como das interseções com as
circunstâncias de vida (Bases Categoriais) é que surge a possibilidade de mudança e o
caráter de deslocamento da E.P.

Sendo assim, “Quem somos” é Verbo a ser conjugado em várias temporalidades.

Quem fui? Quem sou? Quem serei?


Quem sou no coletivo? Quem sou na minha intimidade?

Quem sou para os outros, para o mundo? Quem sou para mim mesmo?

Quem sou dentro das estatísticas?

Quem sou nas canções que ouço? Quem sou nos filmes, novelas ou seriados que
assisto? Quem sou nos livros que leio?

Quem sou quando me expresso? Quem sou quando falo? Quem sou quando calo? Quem
sou quando escrevo, quando canto, desenho ou danço? Quem sou quando caminho ou
corro? Quem sou quando medito ou oro?

Quem sou quando trabalho ou estudo?

Quem sou quando amo ou desgosto? Quem sou na alegria e na tristeza? Quem sou nos
sentimentos?

Quem sou nos começos e nos fins? Quem sou quando algo inicia e quando algo finda?

Quem sou no que é verdadeiramente meu? Quem sou no que fizeram de mim?

Quem sou na minha imaginação? Quem sou na minha razão?

Quem sou em mim nos lugares?

Quem sou em mim no tempo?

Quem sou em mim nas relações diárias?

Quem sou em mim nas circunstâncias da vida?

Quem sou nesta existência?

Quem sou eu?

Quem sabe me dizer quem sou?

O que sou? Como sou? São questões que nem todos buscam responder, para alguns,
isso apresenta um caráter irrelevante. O que define a relevância ou não de certas coisas
para cada pessoa, é (um dos) objeto (s) de estudo da Filosofia Clínica. O estudo da
Estrutura de Pensamento de cada pessoa, que “é o modo como a pessoa está
existencialmente no ambiente”[7].

A definição traz os termos: ‘como a pessoa está existencialmente’, e por a Filosofia


Clínica ser brasileira, sabemos que a palavra “está” difere de “é”. Acho incrível que na
Língua Portuguesa, temos dois verbos SER e ESTAR, (diferente do Inglês, por
exemplo, TO BE); isso quer dizer, que o modo como a pessoa está, nem sempre pode
condizer com aquilo que ela é.
Pensemos em exemplos de pessoas que conhecemos: Será que uma pessoa é feliz
ou está feliz? Será que é depressiva ou está depressiva?

Talvez pareça mais fácil perceber como estamos do que aquilo que somos em essência.
O verbo Estar parece ter um caráter mais transitório, já o verbo Ser parece apresentar
um aspecto mais definitivo. Mas deixemos essa discussão – que vai longe – para os
filósofos da linguagem, a nós, cabe somente perceber que um dos elementos
fundamentais quando se trata de “definir” o Ser (Quem somos?) é a linguagem que
utilizamos para definir, dar nossa resposta, ou mesmo a linguagem do pensar, das
reflexões.

Rubem Alves, que (para mim) foi um dos maiores escritores que o Brasil já teve, conta
que certa vez, ao ser questionado por uma criança sobre quem ele era, respondeu: “Sou
alguém que gosta de ipês amarelos”. Uma resposta simples e de sabedoria profunda, tal
como Rubem Alves, um contador de ‘estórias’ (como ele costumava se definir) que
trazia sabedoria inspirada pelas coisas simples da vida de um modo poético e singelo.
Na orelha de um de seus livros[8], ele escreveu: “Acho que um curriculum vitae é coisa
tola – deveria mesmo é se chamar curriculum mortis –, o elenco das coisas que o
passado cristalizou. O que realmente importa são as coisas que estão vivas no momento,
pois como disse Borges, o momento é a única coisa que existe”. E isso era assim para
Rubem Alves.

A isto, eu acrescentaria, que algumas coisas cristalizadas pelo passado podem ser as
responsáveis pelo que somos no momento. Não somos seres que existem no agora ao
acaso, somos seres com uma história. Para alguns o currículo acadêmico é uma das
partes de sua trajetória de vida de maior relevância, chegam a se definir pelas titulações
adquiridas. Particularmente, acredito que esta é uma parte tão pequena do todo que é
uma pessoa: Como definir uma pessoa por um currículo?

Antigamente, tive uma experiência significativa trabalhando em uma agência de


empregos por um curto período: tudo o que eu tinha das pessoas eram seus currículos,
que na época, parecia ser suficiente para saber se a pessoa estava apta ou não a
determinada vaga de trabalho. Quanta ingenuidade a minha, acreditar que uma pessoa se
define ‘somente’ pelo que preenche em um currículo. Se fosse somente isso, fácil assim,
Filosofia para quê?

Filosofia, para questionar se somos somente isso. Filosofia, para ultrapassar os limites
do óbvio.

Se os grandes filósofos da humanidade se debruçaram sobre a questão de conhecer


quem somos e, ainda hoje, apesar de toda a tecnologia ainda não há uma resposta
contundente, pois então, eu também não sei.

[1] Papel Existêncial – Tópico 22 em Filosofia Clínica

[2] Axiologia – Tópico 18 em Filosofia Clínica

[3] Pré-juízos – Tópico 5 em Filosofia Clínica


[4] Busca – Tópico 11 em Filosofia Clínica

[5] O que acha de si mesmo – Tópico 2 em Filosofia Clínica

[6] Emoções – Tópico 4 em Filosofia Clínica

[7] Definição sobre o que é a E.P. por Lúcio Packter em Caderno A de Filosofia Clínica
– Instituto Packter, p. 14 – linha 53.

[8] ALVES, Rubem. O retorno e terno: crônicas. 29.ed. São Paulo: Papirus, 2013.

Quem Sou Eu?
Posted on 15/05/2010

Richard David Prechet, filósofo, publicitário e escritor (autor de dois


romances e de três livros de não ficção), nasceu em 1964 em Solingen, Alemanha. Antes de
iniciar a Faculdade de Filosofia, ele havia imaginado os filósofos como pessoas
interessantes. Mas, lá, encontrou em seus professores aborrecidos senhores de mais idade
vestidos como motoristas de ônibus, em azul ou marrom. Ainda assim, um deles lhe
ensinou a pensar, isto é, a perguntar “por que” e a não se satisfazer com as respostas
rápidas. Além disso, ensinou que suas seqüências de pensamentos e seus argumentos não
deviam ter lacunas entre si.
As vidas dos seus professores, porém, lhe pareciam assustadoramente desinteressantes,
devido ao pouco impacto exercido pela filosofia universitária. Ocorreu-lhe, então,
que existiam poucos livros introdutórios à filosofia que eram realmente satisfatórios,
oferecendo reflexões sobre as grandes questões.
Trabalhou, desde que se formou, em 1994, para quase todos os grandes jornais e emissoras
da Alemanha. Em 2000, ganhou o prêmio de propaganda para biomedicina. Em
2007, inspirado pela questão que um colega filósofo, em estado de bebedeira, lhe indagou –
“Quem sou eu? E, se sou, quantos sou?” –, Prechet a tomou como fio condutor para
escrever tal livro em relação à filosofia moderna e neurociência nesta época de dúvida
fundamental sobre o “eu” e a continuidade da vida. Seu livro (Quem Sou Eu? E, se sou,
quantos sou? Uma Aventura na Filosofia. São Paulo, Ediouro, 2009, 336 páginas) tornou-se
best-seller na Europa.
Quem Sou Eu?
A filosofia não é ciência histórica. No ambiente acadêmico, porém, a filosofia voltada ao
passado ainda predomina sobre aquela centrada no presente. A história da filosofia é uma
história de modas e tendências, do saber que foi esquecido ou reprimido, e de incontáveis
recomeços, que somente parecem novos porque muito do que foi pensado antes foi
colocado em segundo plano.
Na história da filosofia ocidental, a contenda ocorre entre dois pólos: o dos materialistas e o
dos idealistas ou, usando termos de origem inglesa, entre os empiristas e os racionalistas.
O materialismo, isto é, a crença de que não há nada fora da natureza que possa ser
apreendido pelos sentidos, logo, de que não há Deus nem ideais, entrou em moda pela
primeira vez no século XVIII com o Iluminismo francês. Reapareceu como reflexo do
sucesso da biologia e da teoria da evolução de Darwin na segunda metade do século XIX.
Hoje, volta pela terceira vez ao auge com os conhecimentos da moderna neurociência. Entre
essas predominâncias, houve fases nas quais o idealismo reinava absoluto. Ao contrário do
materialismo, ele confia pouco no conhecimento sensorial do mundo e se apóia na força
basicamente independente da razão e de suas idéias.
Não é possível se escrever a história “sincera”da filosofia nem como construção lógica em
seqüência histórica nem como história dos movimentos filosóficos. Por isso, esta introdução
escrita por Prechet às questões filosóficas da existência humana e da humanidade não tem
sequência cronológica. Ela não é história da filosofia. Immanuel Kant ordenou as grandes
questões da humanidade desta maneira: “O que posso saber? O que devo fazer? O que
posso esperar? O que é o ser humano?”. Elas formam belo fio condutor também para a
organização do livro de Prechet, que abriu mão da última delas, na medida em que ela
parece ter sido muito bem respondida pelas três anteriores.

Atualmente, a pergunta sobre o que podemos saber sobre nós mesmos, a clássica pergunta
da teoria do conhecimento, pode ser considerada filosófica apenas sob determinados
aspectos. Ela se tornou, principalmente, assunto da área da neurociência, que nos explica as
bases de nosso aparato de conhecimento e suas possibilidades. Aqui, cabe à filosofia o
papel de conselheira que ajuda a neurociência a compreender melhor a si própria em um ou
outro caso.

Na primeira parte do livro, em que se coloca a pergunta “O que posso saber?”, assim como
nas outras partes, Prechet lança mão de grandes pensadores para nos ajudar a refletir sobre
cada desdobramento da questão-chave. O que é verdade, Friedrich Niestzche? De onde
viemos, Emile Devaux e Louis Bolk? Como funciona meu cérebro, Santiago Ramón y
Cajal? De onde sei quem sou, René Descartes? Quem é o eu, Ernst Mach? O que são
sentimentos, Dr. Spock, a personagem da Jornada nas Estrelas favorita de todos os
apóstolos da razão? O que é meu inconsciente, Sigismund Schlomo Freud? O que é a
memória, Eric Kandel, o neurocientista mais importante do mundo? O que é a linguagem,
Ludwig Wittgenstein?
A segunda parte do livro se ocupa com a pergunta “O que devo fazer?”, ou seja, com ética e
moral. Trata-se também de esclarecer as bases filosóficas. Por que os homens conseguem
agir moralmente? Em qual medida ser bom ou mau corresponde à natureza humana? Nesses
casos, a filosofia, de maneira semelhante, não está sozinha no papel de professor. A
neurociência, a psicologia e as pesquisas comportamentais têm sua importância reconhecida
por Prechet ao argumentar com as idéias de grandes pensadores dessas áreas.
Dessa forma, precisamos de outras pessoas, Jean-Jacques Rousseau? Por que ajudamos os
outros, Frans de Waal, pesquisador de comportamentos? Por que devo ser bom, Immanuel
Kant? Posso querer aquilo que quero, Arthur Schopenhauer? Há moral no cérebro, Hanna e
Antônio Damásio, neurocientistas? Vale a pena ser bom, Giacomo Rizzolatti, que se ocupa
há mais de vinte anos com as funções das células nervosas que orientam ações, os
chamados neurônios de ação? A moral é inata, Marc Hauser, psicólogo? Temos o direito de
matar um ser humano, Jeremy Bentham, filósofo do utilitarismo ou da felicidade? O aborto
é moral,  Judith Jarvis Thomson, professora de filosofia no MIT? Devemos permitir a
eutanásia, Norbert Hoerster, filósofo do direito? Temos o direito de comer animais, Peter
Singer, filósofo da ética ou da questão sobre a vida correta? Como devemos lidar com os
grandes primatas, Jared Diamond, biólogo evolucionista? Por que precisamos proteger tudo
que vive, inclusive materiais supostamente mortos, como o petróleo, o húmus, as pedras
calcárias e o oxigênio, James Lovelock, famoso químico, médico e geofisiologista? Temos
o direito de copiar (clonar) um ser humano para fins científicos ou fazer pesquisa com
células-tronco adultas ou embrionárias? Para onde a medicina reprodutiva está nos levando,
Frank Comhaire? Quais são os limites da pesquisa neurológica, neurocientista Robert
White?
A terceira parte, “O que posso esperar?”, trata de algumas questões centrais que ocupam a
maior parte das reflexões das pessoas ao longo da vida – questões sobre a felicidade, a
liberdade, o amor, Deus e o sentido da existência. São questões complexas sem respostas
simples. Mas Prechet tem a coragem de fazê-las.
Deus existe, Tomás de Aquino, Kant, Persinger (neurologista canadense)? Infelizmente,
Prechet não chega a refletir sobre os argumentos do biólogo evolucionista Richard
Dawkins, autor de Deus: Um Delírio. Dawkins investe contra o fundamento básico de toda
e qualquer religião, argumentando que a existência de Deus ou Alá é cientificamente
improvável , inútil e prejudicial, devido aos crimes cometidos em nome dessa crença
religiosa. De acordo com sua argumentação, ninguém precisa de Deus para ter princípios
morais, para fazer o bem, para apreciar a natureza.
Continuando com as questões discutidas por Prechet, na última parte de seu livro, ele ainda
indaga o seguinte. A natureza tem sentido, William Paley, filósofo e teólogo? Contrapõe à
teoria de Darwin da adaptação autônoma das espécies a hipótese do design
inteligente formulada pelo físico irlandês Lorde Kelvin. A expressão-chave
“design inteligente” reúne pessoas que querem enxergar um Deus inteligente e planejador, e
não a natureza, como responsável por tudo aquilo que a física e a biologia ainda não
conseguem explicar de modo satisfatório. De acordo com a tendência moderna da biologia,
a vida é mais do que a soma de todas as peças únicas, criadas por alguma intencionalidade
absoluta. Em vez de enxergar em tudo seqüências simples de causa e efeito, a palavra-chave
atual é “auto-organização”, em que os organismos surgem da troca de átomos e moléculas
com seu ambiente.
Prechet prossegue indagando. O que é o amor, Niklas Luhmann, autor da “teoria da
intimidade”, professor de “Amor como Paixão”? O que é liberdade, Jean Paul Sartre?
Precisamos de propriedade privada, Daniel Defoe, autor de A Vida e As Estranhas
Aventuras de Robinson Crusoe? O que é justo, John Rawls, filósofo americano? Ele propôs
as seguintes regras: primeiro, haver liberdades básicas comuns para todos, com a liberdade
do indivíduo só podendo ser limitada por causa da liberdade dos outros; segundo, diferenças
sociais e econômicas devem ser eliminadas de maneira que o bem-estar alcançado deve ser
o mais vantajoso possível ao menos favorecido, e que exista verdadeira igualdade de
oportunidades, sendo que todos os bens, por princípio, necessitam estar à disposição de
todos.
O que é uma vida feliz, Richard Layard, economista inglês da London School, pesquisador
da “economia da felicidade”(happiness economics)? É possível aprender felicidade,
Epicuro, filósofo grego (341 AC)? Para Epicuro, não é a posse, mas sim as relações sociais
ou inter-pessoais que trazem a felicidade mais duradoura. A vida tem sentido? Que
significado teriam as vitórias se não houvesse as derrotas? Neste último capítulo, Precht
recorre a filósofos de todas as eras, desde Platão, mas conclui que o único que realmente
soube qual era o sentido da vida foi Monty Pyton em seu filme O Sentido da Vida:
“Bem, agora é a vez do sentido da vida. Na verdade, não é nada especial. Tente apenas ser
simpático com as outras pessoas, evite comidas gordurosas, leia um bom livro de vez em
quando, receba algumas visitas e tente viver em harmonia com todas as raças e nações”.
Caso o leitor perguntasse a Richard David Precht como viver, ele simplesmente
responderia: “permaneça curioso, concretize suas boas idéias e preencha seus dias com
vida, e não sua vida com dias”.
Fazer perguntas é capacidade que não deveríamos perder nunca, pois aprender e apreciar
são o segredo da vida plena. Aprender sem apreciar não satisfaz, apreciar sem aprender
emburrece. Este meu “Livro de Cabeceira” alcança seu objetivo de despertar no leitor o
prazer em pensar. Incentiva a viver de maneira consciente por meio de autoconhecimento
crescente, controle dos próprios impulsos vitais, condução da própria vida.

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