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A filosofia e a sua especificidade

“Sócrates:_ Teodoro, meu caro, parece que não julgou mal tua natureza. É
absolutamente de um filósofo esse sentimento: espantar-se. A filosofia não tem
outra origem...” (Platão, Teeteto)

Desde que nascemos, vamos aprendendo a pensar sobre o que fazemos e


onde vivemos, e assim cada um de nós vai se tornando um “filósofo”. Porém
sabemos que esse pensar individual, espontâneo e cotidiano, não é suficiente.

É comum não nos darmos conta de que “o que é notório, justamente porque é
notório, não é conhecido. No processo do conhecimento, a maneira mais
comum para enganar a nós mesmos e aos outros é pressupor algo já definido
e aceitá-lo como tal” (Hegel).

Para sairmos dessa passividade na nossa capacidade de pensar, nossas


ideias e interpretações precisam confrontar-se a cada momento com a
realidade e dialogar com os outros povos. Sendo que estes, não são apenas os
nossos contemporâneos imediatos, mas também as gerações que nos
antecederam e a história de outros povos. Nessa interlocução crítica, a filosofia
busca o sentido das coisas, a conexão profunda dos fatos, o significado das
manifestações culturais, de modo a construirmos uma visão de mundo a mais
ampla possível.

O objetivo desse nosso trabalho é iniciar o estudante no mundo da filosofia


através dos quadrinhos (cartoons). Afinal, o que é a filosofia? Em que ela
consiste? Qual a especificidade do exercício filosófico?

Estamos acostumados, em nossa linguagem corrente, a usar o termo filosofia,


porém, na maior parte das vezes empregamos este termo como uma
concepção de mundo. Ao optarmos pela opção simplista de filosofia, ela será
confundida com consciência empírica do senso comum. E não há equívoco
maior do que fazer isso.

Ao estudarmos a história da filosofia, vemos claramente que, desde as suas


origens, ela estava marcada por um senso crítico, o qual promove um
questionamento acerca do que chamamos de mundo. “Como devemos
entender, por exemplo, a relação da consciência com o mundo? Em que se
fundamenta a possibilidade de conhecimento do mundo? Até onde podemos
conhecer as coisas?”

Portanto, se para a consciência submersa no senso comum basta aceitar o


aparente como realidade, o exercício filosófico tem seu ponto de partida ao
renunciar à ingenuidade e ao acriticismo da forma de considerar as coisas, o
pensamento, o mundo, o conhecimento, a linguagem, o tempo, etc.

Através da atividade reflexiva, vamos determinando e distinguindo em níveis


cada vez mais elevados de clareza esses problemas filosóficos. Problemas
estes, que forçam-nos a revisitá-los , submetendo-os sempre a nova analise
reflexiva.

Pois então, o que é filosofia? a análise etimológica permite-nos perceber uma


marca importante inerente a própria atividade filosófica. A palavra grega
philosophia, constituída pelos termos philos, traduzido por amor (amizade) e
shophia, traduzido por sabedoria, leva-nos a entender o filósofo como amante
(amigo) da sabedoria.

Aprofundando um pouco mais na busca do sentido etimológico destes termos,


descobrimos que o termo philos denota, no grego antigo, a ideia de “estar
permanentemente próximo de algo”. O filósofo seria aquele que está
permanentemente próximo, ou as voltas da sabedoria, numa busca incessante
que o faz avançar, sempre mais, através do exercício do pensamento.

Assim como philos, sophia também pode ser compreendida de duas outras
maneiras: sendo uma chamada de verdade desvelada pelo pensamento, para
um conhecimento verdadeiro da realidade; e outra entendendo a sabedoria
como virtude, uma ação virtuosa, a qual transformada em hábito deixa-nos
mais perto da felicidade.

Entendendo um pouco mais a sua etimologia, nos perguntamos agora: quais as


condições para uma atitude filosófica? Sócrates dizia: “o espanto é o pai da
filosofia”. Por isso podemos dizer com convicção que nenhum homem exercerá
a filosofia, se não for acometido por um espanto, por uma perplexidade perante
o mundo que o cerca. No entanto, que este espanto cause-lhe desconforto
aponto de impulsioná-lo, por meio do pensamento reflexivo, em direção à
verdade. Além do espanto, será necessário também, a coragem para levar um
questionamento adiante.

Por isso a filosofia é uma espécie de “aventura do espírito” que procura meditar
reflexivamente sobre os problemas. Muitas vezes será necessário abrir mão da
própria consciência, dos “pré-conceitos” para seguir adiante com uma
investigação filosófica. Daí compreendemos, o que Sócrates costumava dizer
acerca da própria ignorância: “Só sei que nada sei”. Vemos, portanto, a
humildade do filósofo, que não é um sábio, mas sim um amante da sabedoria,
um amante do seu próprio espanto, daquilo que o impulsiona a buscar
constantemente o que é o objeto próprio de seu amor a sabedoria.

TOURINHO, C.D.C. saber-fazer filosofia: da Antiguidade à Idade Média.


Aparecida, SP: Idérias & Letras, 2010,

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