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UNIDADE I: Gênese e natureza da filosofia

1.1.Filosofia: Etimologia do termo

. A palavra filosofia é formada pela junção de dois vocábulos gregos: phílos


(amor) e sophía (sabedoria). Para os gregos filosofia é amor à sabedoria.
..Phílos deriva de philía, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre
iguais. Sophía quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophós, sábio. É
bom notar que a própria etimologia do termo mostra que a filosofia não é puro
lógos, pura razão: ela é a procura amorosa da verdade. Filosofia indica um
estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, que deseja o conhecimento, o
estima, o procura e o respeita.
. O filósofo será aquele que é amigo do saber. Filósofo = sophós = sábio.
. Pitágoras de Samos (século VI A. C.) é tido como o inventor da palavra
filosofia. “ Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence
aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se
filósofos. Dizia Pitágoras que três tipos de pessoas compareciam aos jogos
olímpicos ( a festa pública mais importante da Grécia): as que iam para
comerciar durante os jogos, ali estando apenas para satisfazer a própria
cobiça, sem se interessar pelas disputas e os torneios; as que iam para
competir e brilhar, isto é, os atletas e artistas (pois, durante os jogos também
havia competições artísticas de dança, poesia, música, teatro); e as que iam
para assistir aos jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar o valor
dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é
o Filósofo.

Com isso, Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por interesses
comerciais – não coloca o saber como propriedade sua, como uma coisa para
ser comprada e vendida no mercado; também não é movido pelo desejo de
competir – não é um “atleta intelectual” , não faz das idéias e dos
conhecimentos uma habilidade para vencer competidores ; e, sim, é movido
pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, as
pessoas, os acontecimentos, a vida; em resumo, é movido pelo desejo de
saber. A verdade não pertence a ninguém(para ser comerciada) nem é um
prêmio conquistado por competição. Ela está diante de todos nós como algo a
ser procurado e é encontrada por todos aqueles que a desejarem, que tiverem
olhos para vê-la e coragem para buscá-la.”(CHAUI, Marilena.Convite à
Filosofia. 2003, p.25)

1.2.Introdução: a problemática filosófica

O que é a Filosofia?

. Heráclito (século VI a. C.) : “...é necessário que os homens filósofos sejam


bons pesquisadores de muitas coisas.”
. Sócrates (século V a.C.): mostra que a filosofia é busca; que está por vir; é
tardia; é saber produzido e elaborado pelo homem. “Só sei que nada sei”
. Platão( século IV a.C.) : “A filosofia é o uso do saber em proveito do homem”
. Descartes (século XVII d.C.): “...esta palavra significa o estudo da sabedoria ,
e por sabedoria não se entende somente a prudência nas coisas, mas um
perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para
a conduta de sua vida quanto para a conservação de sua saúde e a invenção
de todas as artes...”
. Thomas Hobbes ( Século XVII d.C.) : “...Filosofia é, por um lado, o
conhecimento causal e, por outro, a utilização desse conhecimento em
benefício do homem...”
. Kant ( Século XVIII D.C.): “Não há filosofia que se possa aprender, só se
aprende a filosofar.”
. Merleau-Ponty (Século XX): “A verdadeira filosofia é reaprender a ver o
mundo.”
. Husserl (Século XX) : “O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e
campo das minhas elaborações, sei-o, naturalmente. E contudo, não o
sei...Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de
ser um enigma?... Só os pensadores secundários que na verdade, não se
podem chamar filósofos, estão contentes com as suas definições.”
. Karl Marx (Século XIX) : “Os filósofos até agora só fizeram interpretar o
mundo de diversas maneiras: trata-se agora de transformá-lo.”
. Gilles Deleuze e Félix Guattari (séc. XX): A Filosofia é a arte de criar,
fabricar e inventar conceitos. Para eles a própria interpretação, ou seja, a
criação de conceitos já é uma intervenção no mundo. O conceito é um
reaprendizado do vivido, uma resignificação do mundo.
. Hannah Arendt (séc XX) – Para Arendt, filosofar é assumir uma lucidez
desesperada, colocar em dúvida qualquer verdade, afrontar–se com o novo.”
Segundo Arendt, a “dominação totalitária rompeu o fio da continuidade
histórica e, estilhaçando a própria idéia de humanidade, nos obriga a imaginar
novas categorias políticas.[...] A partir de então, a filosofia não pode mais ser
uma visão de mundo. Ela não detém mais o poder de revelação. As idéias se
tornaram, no melhor dos casos, simples valores, sendo submetidas a uma
reavaliação constante. Até mesmo o conceito de verdade se torna duvidoso.
Mas a filosofia nem por isso está morta numa sociedade onde o céu das
idéias, outrora claro e límpido, escurece a cada dia.” ( Laure Adler, Nos Passos
de Hannah Arendt, p. 372 e p.381)
. Karl Jaspers (séc XX) – “...filosofar é dar esperança e tentar reunir os
fragmentos de um mundo pós-catástrofe.” (Laure Adler, Nos Passos de
Hannah Arendt, p.372)

.De uma maneira geral, a Filosofia está relacionada com reflexão em torno dos
elementos da realidade, com busca e questionamento e sua função é
beneficiar a vida do homem.

. Características da reflexão filosófica: ser radical, rigorosa e de conjunto.


A reflexão filosófica difere de outras formas de pensar. Reflexão deriva do
termo latim reflectere que significa fazer retroceder, voltar atrás. Refletir é
retomar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e
colocar em questão o que já se conhece. Por isso a Filosofia não é um pensar
qualquer, é uma reflexão . Quando vemos nossa imagem refletida no espelho,
há um “ desdobramento” da nossa figura, pois estamos aqui e estamos lá; no
reflexo da luz, ela vai até o espelho e retorna. Mas ela também não é qualquer
reflexão. A reflexão precisa ser radical, rigorosa, e de conjunto. O professor
Dermeval Saviani explica: Radical: é quando exige-se que o problema seja
colocado em termos radicais, entendida esta palavra no seu sentido mais
próprio e imediato. Quer dizer, é preciso que se vá as raízes da questão , até
seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma reflexão
em profundidade. Rigorosa: Em segundo lugar e como que para garantir a
primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja, criticamente, segundo
métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da
sabedoria popular e as generalizações que a ciência pode ensejar. De
conjunto: Em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo
parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em
questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. É neste
ponto que a filosofia se distingue da ciência de um modo mais marcante. A
maneira pela qual se faz rigorosamente essa reflexão varia conforme a
orientação do filósofo. (Dermeval Saviani)

. O objeto da filosofia: a vida, a morte, o ser, a natureza, a ciência, a política,


a ética, a liberdade e tudo que faz parte do arranjo existencial.

. As perguntas características da atitude filosófica são: Por quê? Qual o


sentido? Qual o significado?

. A filosofia não deve ser confundida com a ciência.


A ciência era parte da filosofia, mas ela somente firmou-se como um saber
autônomo, a partir do século XVII. A partir desse período, a Filosofia continua
tratando da mesma realidade apropriada pelas ciências, mas ela busca
considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. À física cabe investigar
o movimento dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as
transformações substanciais, e assim por diante. Com a ciência há uma
fragmentação do saber, cada ciência se ocupa de um objeto específico e o seu
método é marcado pela observação e pela experimentação. A ciência faz com
que a Filosofia fique esvaziada? Não, porque a Filosofia continua tratando
dessa mesma realidade, só que a ciência trata essa realidade de forma
especializada e a F. jamais renuncia a totalidade de seu objeto. Isto não nega
o papel do especialista , nem o valor da técnica , mas queremos dizer com
isso, que o saber especializado , sem a devida visão de conjunto leva à
exaltação do “discurso competente” e às conseqüentes formas de
dominação. Saber o que é ciência , o que distingue este conhecimento de
outros, o que é o método, qual a sua validade, não é da alçada da ciência. O
cientista pode até dedicar-se à essas questões, mas nesse momento deixa
de ser cientista e passa a ser filósofo. Sendo assim, a Filosofia não faz juízos
de realidade, como a ciência, mas juízos de valor. Por isso, filosofar é dar
sentido à experiência.

1.3.Para que Filosofia?

. O que é ser útil? – Para Bentham útil é o que possibilita maior grau de prazer
em detrimento da dor. Na atualidade útil é o que possibilita maior sucesso, traz
dinheiro, fama, que apresenta uma resposta imediata, que tem um valor
pragmático, que tem uma utilidade imediata. Nesse sentido, a filosofia não tem
utilidade.
. Por outro lado, a Filosofia permite o homem surgir como um ser de projeto.
. O filosofar sempre se confronta com o poder, não devendo sua investigação
estar alheia à ética e à política.
. A função da filosofia é desvelar o que está encoberto pelo costume, pelo
convencional, pelo poder. Portanto, ela é uma crítica da ideologia.
.O próprio trabalho da ciência pressupõe a Filosofia.
. “ Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e
os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela
submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se
buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil;
se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na
política for útil;se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para
serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade
e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o
mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.” (CHAUI,
Marilena,Convite a Filosofia, p.24)
O que é a Filosofia?

“A filosofia é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. A


filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado,
fechado em si mesmo. Ela é, antes de mais nada, um modo de se colocar
diante da realidade, procurando refletir sobre os acontecimentos a partir de
certas posições teóricas. Essa reflexão permite ir além da pura aparência dos
fenômenos, em busca de suas raízes e de sua contextualização em um
horizonte amplo, que abrange os valores sociais, históricos, econômicos,
políticos, éticos e estéticos. Por essa razão, ela pode se voltar para qualquer
objeto. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode
pensar a religião ; pode pensar a arte; pode pensar o próprio homem em sua
vida cotidiana. Uma história em quadrinhos ou uma canção popular podem ser
objeto da reflexão filosófica.
A filosofia é um jogo irreverente que parte do que existe, critica, coloca
em dúvida, faz perguntas importunas, abre a porta das possibilidades, faz-nos
entrever outros mundos e outros modos de compreender a vida.
A filosofia incomoda porque questiona o modo de ser das pessoas, das
culturas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética,
econômica, cultural e artística. Não há área em que ela não se meta, não
indague, não perturbe. E, nesse sentido, a filosofia é perigosa, subversiva, pois
vira a ordem estabelecida de cabeça para baixo.
Podemos, agora, perceber a razão da condenação de Sócrates na
Antigüidade ou da proibição da leitura de Karl Marx no Brasil pós-64. Ambos
foram ( e são, ainda) subversivos, perigosos, pois, ao indagar sobre a
realidade de sua época, fizeram surgir novas possibilidades de comportamento
e de relação social. Do ponto de vista do poder estabelecido, mereceram a
morte e/ou o banimento de suas obras”
(Texto extraído da obra de ARANHA, M. l. de Arruda e MARTINS, M. H. Pires.
Temas de filosofia. 2 ed., São Paulo: Moderna, 1998. p. 78)

. A arte de criar conceitos – “Entre as vantagens de se estudar filosofia pode-


se mencionar a habilidade de pensar logicamente; de analisar e resolver
problemas; de falar e escrever claramente; de expressar melhor as questões;
de persuadir e de pesquisar; de conhecer a si próprio. Mas isso é mesmo útil?
Tudo depende do modo como a noção de ‘utilidade’ é compreendida. Vivemos
em uma época em que são privilegiados as ações que provocam resultados
imediatos para uma melhoria visível e concreta na vida humana. A filosofia não
produz nenhum benefício imediato, não serve para construir casas, barcos ou
remédios, não torna a vida mais fácil. Parece, portanto, ser inútil. Entretanto,
nem tudo que parece ser inútil é desnecessário. A arte, por exemplo, também
não tem diretamente nenhuma função. Por outro lado, o que pode haver de
mais valioso na vida do que a arte, mesmo sem nenhuma utilidade concreta?
A filosofia tem em comum com a arte a característica de não gerar
conhecimentos ou objetos capazes de favorecer imediatamente os interesses
humanos. A importância da filosofia e da arte é indireta, quase imperceptível;
trata-se de modificar nosso olhar sobre o real, aprendendo a reconhecer que
as coisas não foram antes do mesmo jeito que são agora e não precisam
continuar a ser tal como têm sido até então. A filosofia e a arte desconfiam do
mundo tal como o conhecemos, preparando o terreno para a construção de
outros mundos.
Em uma palestra para estudantes de cinema intitulada O Ato de Criação
(1987), o filósofo francês Gilles Deleuze sugere uma perspectiva inusitada da
filosofia, enquanto ‘arte de criar conceitos.’ A definição deleuziana traz duas
importantes conseqüências: primeira, que a atividade criativa não é uma
propriedade exclusiva dos artistas ou dos profissionais de propaganda e
marketing; e segunda , que os conceitos não estão prontos e acabados em um
‘céu de conceitos’, esperando para serem observados, contemplados ou
elucidados. Os conceitos podem ser invisíveis , mas não são transcendentes,
como se estivessem para além de toda a experiência humana. Os conceitos
têm história, se encarnam e se efetivam nos corpos. Os conceitos não são
verdades absolutas e eternas, mas estratégias do pensamento para lidar com
problemas e questões.” (Texto extraído da obra Explicando a Filosofia com
arte, de Charles Feitosa, Rio de Janeiro: Ediouro,2004,p. 24-27)

O QUE É ISTO - A FILOSOFIA?

Os pensadores gregos, Platão e Aristóteles, chamaram a atenção para o


fato de que a filosofia e o filosofar fazem parte de uma dimensão do homem,
que designamos dis-posição (no sentido de uma tonalidade afetiva que nos
harmoniza e nos convoca por um apelo).
Platão diz: (...) “É verdadeiramente de um filósofo este páthos - o
espanto; pois não há outra origem imperante da filosofia que este”.
O espanto é enquanto páthos, a arKhé da filosofia. Devemos
compreender, em seu pleno sentido, a palavra grega arkhé. Designa aquilo de
onde algo surge. Mas este “de onde”não é deixado para trás no surgir; antes, a
arkhé torna-se aquilo que é expresso pelo verbo arkhein, o que impera. O
páthos do espanto não está simplesmente no começo da filosofia, como, por
exemplo, o lavar das mãos precede a operação do cirurgião. O espanto
carrega a filosofia e impera em seu interior.
Aristóteles diz o mesmo: (...) “Pelo espanto os homens chegam agora e
chegaram antigamente à origem imperante do filosofar” (àquilo de onde nasce
o filosofar e que constantemente determina sua marcha).
Seria muito superficial e, sobretudo, uma atitude mental pouco grega se
quiséssemos pensar que Platão e Aristóteles apenas constatam que o espanto
é a causa do filosofia. Se esta fosse a opinião deles, então diriam: um belo dia
os homens se espantaram, a saber, sobre o ente e sobre o fato de ele ser e de
que ele seja. Impelidos por este espanto, começaram eles a filosofar. Tão logo
a filosofia se pôs em marcha, tornou-se o espanto supérfluo como impulso,
desaparecendo por isso. Pôde desaparecer já que fora apenas um estímulo.
Entretanto: o espanto é arkhé – ele perpassa qualquer passo da filosofia. O
espanto é páthos. Traduzimos habitualmente páthos por paixão , turbilhão
afetivo. Mas páthos remonta a pásthein, sofrer, aguentar, suportar, tolerar,
deixar-se levar por, deixar-se com-vocar por. É ousado, como sempre em tais
casos, traduzir páthos por dis-posição, palavra com que procuramos expressar
uma tonalidade de humor que nos harmoniza e nos con-voca por um apelo.
Devemos, todavia, ousar esta tradução porque só ela nos impede de
representarmos páthos psicologicamente no sentido da modernidade.
Somente se compreendermos páthos como dis-posição (dis-position)
podemos também caracterizar melhor o thaumázein, o espanto. No espanto
detemo-nos (être en arrêt). É como se retrocedêssemos diante do ente pelo
fato de ser e de ser assim e não de outra maneira. O espanto também não se
esgota neste retroceder diante do ser do ente, mas no próprio ato de retroceder
e manter-se em suspenso é ao mesmo tempo atraído e como que fascinado
por aquilo diante do que recua. Assim o espanto é a dis-posição na qual e para
a qual o ser do ente se abre. O espanto é a dis-posição em meio à qual estava
garantida para os filósofos gregos a correspondência ao ser do ente.
(HEIDEGGER, O que é isto – a filosofia?)

Exercício 1) Questões sobre o texto O que é isto – A filosofia ?


1. A expressão páthos foi utilizada para traduzir e indicar quais termos?
2. Qual o significado do espanto no processo do filosofar?
3. Cite um problema na atualidade que merece uma atitude de espanto diante
dele? Justifique sua resposta.

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