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"Eu posso fazer o que quero." Disto não há dúvida, evidentemente. Até
agora eu não estou prisioneiro, nem paralítico, nem ligado por qualquer
obstáculo físico, eu sou livre: posso fazer o que quero. "Mas posso eu querer o
que quero e não querer nada mais?" Eis aqui a grande questão. Ora esta
inconsciência primitiva, para que lado pende mais: para o livre arbítrio ou para
o determinismo?”(Pessoa, 1968)
Com as colocações até aqui propostas fica claro que é possível desejar,
mas não pode ser possível escolher o que desejar. Assim, toda ação que seja
dependente de um desejo, não pode ser livre. Por mais que apresentemos
razões para justificar que somos livres, a razão está sempre subordinada à
vontade, que por sua vez é o principio universal da natureza, responsável pelos
movimentos e transformações no mundo. Além disso, o desejo do sujeito esta
sempre, direta ou indiretamente, impregnado do desejo do outro. Por mais que
se acredite que certa vontade venha puramente de si mesmo, ainda assim,
estará impreterivelmente carregada do desejo do outro.
Isso pode tomar maior proporção na medida em que, a perda inclui certa
sensação de não ter cuidado bem daquilo que se perdeu, gerando um
sentimento de culpa. Consequentemente, o desejo guarda sempre uma cota de
passado, e isso é representado pela persistência da memória que nos leva a
repetir, repetir, repetir... Por mais que a vontade seja a principal tendência de
Eros, representado na pulsão de vida, o desejo se encontra impregnado das
forças da pulsão de morte, representada por Thânatos. Ele busca sempre o
retorno de algo perdido, numa tentativa de retornar à condição anterior, rumo
ao estado inanimado. Portanto, memória e desejo estão muito próximos, assim
como Freud propõe em sua célebre obra INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS, a
ideia de que a memória é o desejo no passado. Ora, se concordarmos quanto a
isso, poderíamos formular que, se a memória é desejo do passado, então o
desejo é, também, uma espécie de memória do futuro. Em ATENÇÃO E
INTERPRETAÇÃO, Wilfred Bion escreve que não é possível fazer uma
diferenciação entre memória e desejo através de impressões sensoriais. “No
entanto, na prática psicanalítica é possível definir quando o paciente está
experimentando memória e quando está experimentando desejo: um é o tempo
verbal "passado"; o outro, "futuro".” (Bion, 1970)
É a inexorável luta entre o que é real e o que se deseja que seja, ou até
mesmo, o que se teme que possa ser (já que o medo é filho do desejo). Um
processo de rigidez, nesse nível é inevitavelmente gerador do que poderíamos
denominarde pseudo-sabedoria, ou mesmo sabedoria psicótica, que só se
mantém através da imposição e resguardado pela arrogância. Porém, quando
existe a satisfação completa do desejo isso coincide com a morte num estado
de inércia. Na satisfação total nãoexiste mais reflexão, saturou-se a
experiência. Isso fica claro naobservação de um bebê que logo adormece,
depois de satisfeito com o seio da mãe.
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