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FACULDADE DE PSICOLO GIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

E PI S TE M O LO G IA E
HI S TÓR I A DA PS ICO L OG IA
CAROLINA LOUREIRO

2º ANO / 1º SEMESTRE

2020/ 2021

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ORIGEM EXPERIENCIAL DO CONCEITO DE MENTE:

A EXPERIÊNCIA DE MIM PRÓPRIO:

Há duas fontes para a experiência do mental:

 A de mim próprio;
 A dos objetos animados.

Ninguém duvida de que existe. Todos temos consciência automática de que


somos nós quem age, quem sente, quem deseja.

Esse sentir-me o centro ativo do mundo traduz-se verdadeiramente na


primeira pessoa dos verbos: eu quero, eu gosto, tenho sede. Além dos desejos e dos
estados emocionais ou de carência, temos consciência de sequências de
acontecimentos imaginados ou recordados: podemos imaginar uma sequência de
ações tão simples como planear o dia ou sonhar acordado. Posso ainda recordar
uma pessoa ou uma ideia, ou analisar um problema, ou abstrair uma regra,
comparando, detetando causas e consequências, e várias outras operações. E
sinto que posso decidir que sou livre na minha decisão.

Não sentimos sempre o mesmo e podemos sentir coisas diferentes em relação


ao mesmo objeto (passamos do gostar ao não gostar), mas não temos a dúvida de
que somos nós, que sou eu, o sujeito, que sentem.

Pode-se dizer que quando me concentro em alguma coisa, passo a ser essa
concentração na coisa.

Essa consciência de mim como sujeito é, na maior parte dos casos, tácita
(implícita), mas não teorizada: sei que sou sujeito, mas não teorizo mais que isso.
Pode suceder que transforme essa propriedade de ser sujeito em objeto (se eu tento
conhecer o sujeito, transformo-o em objeto): eu-sujeito pensa nela como objeto,
mas a sede é sentida por mim, sujeito. Nesse caso poderei então abstrair a própria
subjetividade: sei que sou um sujeito que sente, julga, quer, independentemente dos
objetos do sentir, do julgar e do querer.

Afirmarei que sou uma entidade mental independentemente do estado


mental em que me encontro.

Poderei, para além disso, tentar caracterizar as funções desse eu-sujeito:


percecionar, emocionar-se, desejar, julgar, comparar, analisar, decidir, etc.

Em suma, o mental que infiro a partir da minha experiência é um sentimento


de existir como sujeito num mundo de objetos em relação aos quais me perspetivo

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como agente ou paciente- ajo ou sofro ação, ambos são sujeitos. Esses objetos
podem ser mentais ou corresponderem a coisas que vejo e sinto fora de mim.

Quando penso em mim, objetifico o que de mim sei. Para que a construção
de uma imagem de mim seja possível, tenho de conseguir utilizar conceitos para me
objetificar e, nesse sentido, o eu-objeto é sempre uma construção que, embora
possa ser informada pelo eu-sujeito, difere da experiência de ser sujeito.

A mente é o sujeito consciente, centro ativo do mundo representado.

INFERÊNCIA DE ESTADOS MENTAIS ALHEIOS:

Além de ter consciência de mim como sujeito, tendo a atribuir estados


mentais a determinadas configurações preceptivas. Há vários níveis dessa
atribuição:

 Os mais simples podem ser a atribuição de emoções a expressões faciais e


corporais que são reconhecidas universalmente;
 A sintonia emocional entre duas pessoas, o “contágio emocional”;
 A atribuição de intenções a padrões geométricos que interagem.

O que estes dados sugerem é que o processo de atribuição de estados


mentais é automático, implícito no próprio processo preceptivo.

Outro processo automático de atribuição de mentes consiste na perspetiva


intencional: observando um objeto que exibe uma conduta num ambiente,
atribuímos-lhe estados mentais descritos em termos de pensamentos,
conhecimentos, intenções congruentes com a ação do objeto.

Além disso, compreendemos os estados mentais dos outros de formas mais


complexas:

 Teoria da teoria: defende que temos uma “teoria” implícita sobre o que
significam mentalmente os comportamentos dos outros;
 Teoria da simulação: defende que nos colocamos no ponto de vista da outra
pessoa e simulamos o que ela sente.

Como vimos, o mental corresponde às forças invisíveis que determinam o


movimento espontâneo e a nossa subjetividade. O vivo e o não vivo são, pois,
distinguidos pela capacidade de gerar internamente movimento ou orientação.
Essa capacidade é interpretada como uma intenção, isto é, um estado mental.

Parece provável que existam vários níveis de atribuição de intenções aos


outros: a leitura automática de estados mentais revelada pelos trabalhos de

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expressões faciais, posições e movimentos talvez caracterize as formas mais simples
de interação. Num nível mais elevado, há processos de simulação, como quando
uma pessoa se coloca na posição de outra, podendo inclusivamente fazê-lo
tomando em conta os valores e a personalidade dessa outra pessoa.

DUALISMO: INVISÍVEL/ DINÂMICO – CONCRETO/INERTE:

Há, pois, um espaço “mental”, sentido quer na minha experiência em mim


próprio, quer na interação com os outros.

Em qualquer caso, a experiência do mental é sentida como diferente da


experiência do físico.

O mental é, pois, predominantemente sentido em mim e detetado, a partir


do comportamento, pelos outros. Sendo sentido em mim, é-o de maneira mais ou
menos independente do corpo.

Sentimos, então, um dualismo claro:

 O que é apenas corpo não é sentido como mente;


 O que é mental não é sentido como corporal.

A visão, a audição e a decisão são sentidos como independentes do corpo.

A sensação de que, depois de o corpo morrer, a alma pode sobreviver, ocorre


em todas as culturas em que foi procurada.

O que é considerado “mente” parece, pois, ser aquilo que sinto como
subjetivo, aquilo que acompanha os atos do meu corpo, espontaneamente
fazemos a separação entre a sensação que acompanha os atos do corpo e esse
mesmo corpo.

A mente é uma experiência concreta, porque é sentida, mas invisível. Não é


baseada na visão, mas sim na inferência e na sensação de existir enquanto sujeito.

A MENTE NAS CULTURAS ÁGRAFAS:

ALM A E AGÊNCIA:

Há culturas que não têm a palavra para “mente”, mas todas têm palavra
para “alma”. Mente e alma, a partir de Platão, são palavras quase intermutáveis e
o conceito de alma apenas cedeu lugar ao de mente porque os pensadores
quiseram autonomizar-se da visão religiosa, mais associada à palavra de alma.

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Os etnólogos procuraram estabelecer uma tipologia das almas e concluíram
que a maior parte delas se refere a uma “inteligência/verdade” que dá vida ao
corpo. Há almas do corpo responsáveis pela animação desse corpo. Há almas mais
independentes desse corpo (como as almas dos xamãs); essas almas mais
independentes do corpo podem ser mais agentes ou mais conscientes de si
próprias, sendo que a alma agência decide e age voluntariamente.

O conceito espontâneo, primitivo, de alma corresponde ao conceito de


agência consciente, quer em nós, quer nos outros. Não imaginemos, pois, a noção
primitiva de alma como uma noção abstrata: é a noção de estar vivo e de ser
agente, de sentir e de agir; exatamente a nossa experiência de viver.

ALM AS FORA DO CORPO:

A ideia de que a mente-agência se pode separar do corpo e que determina


as ações corporais é uma característica da nossa espécie. Somos inaptamente
dualistas porque sentimos a mente e a matéria como entidades diferentes.

AGÊNCIAS DESENCARNADAS- OS ESPÍRITOS:

Quando as pessoas de culturas ágrafas encontram um fenómeno poderoso,


procuram a causa para esse fenómeno. A noção de causa puramente física que
ganhou importância no Ocidente foi desenvolvida especialmente na Grécia, a
partir dos pré-socráticos, mas em muitas culturas humanas, a uma pergunta causal
responde-se com a identidade de um agente invisível (deuses, espíritos, etc.).

A explicação desta tendência para explicar fenómenos através da inferência


de agentes invisíveis é fácil de compreender:

1. Identifica-se um efeito (uma coisa a explicar);


2. Infere-se uma intenção por detrás desse efeito e, em consequência;
3. Postula-se um agente portador dessa intenção e realizador desse efeito (um
deus ou espírito do trovão, da seca, ou o criador do mundo).

Este fenómeno ocorre mesmo que não haja qualquer testemunho do corpo
desse agente. Postular-se-á, pois, um espírito, provavelmente de corpo invisível, que
raramente se mostra ou que pode instalar-se em qualquer corpo que queira.

Em todos os casos da agência que não tem corpo, que tem corpo invisível,
que pode mudar de corpo ou separar-se dele, trata-se sempre da separação da
agência e do seu suporte material ou, se preferirmos uma fórmula mais simples, da
alma e do corpo.

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CONCLUSÃO DO ANTERIORM ENTE DITO:

Em conclusão, todas as culturas têm noção de que o homem é um corpo


guiado por alma. A conduta dos outros agentes e dos fenómenos dinâmicos é
sempre interpretada em termos de intenções.

Somos, pois, espontaneamente dualistas, tendemos a acreditar na separação


entre alma e corpo e concebemos um agente como dirigido pela sua alma (os seus
desejos e sentimentos) mais do que pelo seu corpo, que tem de ser animado para
permanecer vivo. É destas duas intuições fundamentais que nos sentimos como
agência e que detetamos nos outros agências, que se desenvolve a noção de
mente.

POSIÇÕES DE PRIMEIRA, SEGUNDA E TERCEIRA PESSOA:

O mental é uma qualidade da nossa experiência e uma interpretação


intencional do movimento ou de acontecimentos inexplicáveis. Não é, pois, um
objeto.

Contudo, para pensar numa coisa qualquer, temos de a transformar em


objeto da nossa atenção: eu, sujeito, concentro-me numa coisa, objeto. Para que
eu possa pensar na mente tenho, portanto, de a transformar em objeto. Posso fazê-
lo de duas maneiras:

 Concentrar-me nos meus estados mentais e tentar descrevê-los;


 Inferir estados mentais a partir da conduta dos outros.

A essa distinção chama-se, de maneira um tanto imprecisa, posições de


primeira e terceira pessoas.

Na posição de primeira pessoa, o sujeito examina a sua mente, quer no


momento imediato, quer pela recordação do que sentiu (descrever o que sinto-
estados mentais- ou representar na mente sem recurso ao exterior- descrever
objetos mentais por memória ou imaginação).

Do processo automático de atribuição de estados mentais que ocorre


quando duas pessoas interagem, estamos a falar então da posição de segunda
pessoa.

Na posição de terceira pessoa, tento hipotetizar quais os processos mentais


que me permitem explicar a conduta “vista de fora”. Muitas vezes, quando se fala
da posição de terceira pessoa, está implicado que se suprime a introspeção, por ser
considerada subjetiva, como método de chegar às hipóteses de explicação da
mente.

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MODELOS DA MENTE:

Qualquer que seja o método a que se recorra (primeira, segunda ou terceira


pessoa), para teorizar sobre a mente, terei de a transformar num objeto conceptual
que eu, sujeito, posso pensar e modificar.

Historicamente, as hipóteses da mente distribuem-se em dois grandes


problemas:

 Como pode a mente chegar onde quer que seja;


 Como podemos controlar-nos para agir de maneira justa e atingir a
felicidade.

A MENTE COMO MISTÉRI O:

DIFICULDADE DE DESCRIÇÃO DO MENTAL:

Por ser invisível, a mente é difícil de descrever por ausência de referentes


comuns. Não posso apontar para uma emoção e dizer “isto é a angústia”; posso
dizê-lo de um comportamento, porque o vejo, mas não de um estado mental. Para
o conseguir, terei de seguir uma estratégia indireta: apresentar uma imagem ou uma
situação que desencadeie uma sensação, e dar nome ao sentimento que ocorre
através da imagem. Nunca saberei, com certeza, se o leitor teve a mesma emoção
que eu.

Dir-se-ia que posso, em contrapartida, descrever os meus estados mentais,


mas isso só é verdade até certo ponto. De facto, não é possível evocar, com
intensidade, sentimentos diferentes em sucessão, de maneira a compará-los uns
com os outros.

Além disso, não consigo tornar os estados mentais em objetos, isto é, coisas
em que me concentro: apenas posso evocar um estado mental recordando um
estímulo que o desencadeia; e posso, até certo ponto, fazê-lo para vários estados,
em sucessão rápida.

Mas, mesmo evocando experiências, não conseguirei descrever muito,


porque é muito mais difícil descrever estados dos sujeito do que estados do objeto.
Apenas posso recordar um desencadeador desse estado mental e assim reviver
tenuemente esse estado mental. A mente é, pois, muito difícil de decompor em
partes, de analisar e de descrever.

Se algo é difícil de tornar em objeto, então também é difícil defini-lo. Para


objetificar a subjetividade, em vez de darmos atenção ao vetor que vai de nós ao
objeto, temos de dar atenção ao que sentimos durante a ativação desse vetor;

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teríamos de passar pela ação/reação para a observação de nós. É isto que é muito
difícil de fazer.

Acresce que atualmente apenas se considera conhecimento objetivo o que


assenta na descrição de um objeto claro, descrição essa que deve ser quantitativa,
se possível. Aplicar essa ideia ao estudo do mental implica uma contradição: o
mental é o subjetivo e não o objetivo. Como vimos, é necessário transformar a
subjetividade num modelo, isto é, num objeto mental, para poder objetificar a
mente.

A MENTE E O SOBRENAT URAL:

O sobrenatural está afastado das nossas vidas, porque conseguimos explicar


quase tudo em termos de causas naturais. Mas o sobrenatural subiste nos espíritos
menos informados.

O sobrenatural ocorre sempre que a ordem que é esperada é violada de


maneira incompreensível. O que é comum a todos os casos de sobrenatural é a
interpretação de um fenómeno, de uma pessoa, de uma atividade, como
dependente ou em contacto com um agente invisível.

Perante o enorme e muito poderoso, que assusta e não se compreende, há


uma experiência específica: a experiência do numinoso, a identificação do
sagrado.

A mente é agente e invisível: não podemos vê-la, mas sabemos que ela tem
intencionalidade e que causa acontecimentos. O mundo do misterioso e do oculto
compõe-se, igualmente, de forças (agentes) invisíveis e consiste na atribuição de
agência a entidades que a não suportam (as estrelas, as cartas, os astros, seres
invisíveis, etc.).

Como vimos, utilizamos precisamente o mesmo mecanismo para interpretar a


conduta dos outros: aquilo que parece ser intencional é interpretado como sendo
produto de uma mente.

Mas, se é verdade que faz sentido interpretar a minha conduta e a dos outros,
que têm mentes como eu, como resultando de intenções, motivos, planeamento e
emoções, aplicar essa interpretação a coisas não animadas é um erro de juízo
provocado pela nossa tendência automática para interpretar os acontecimentos
inabituais e incompreensíveis como produto de uma mente intencional.

É o facto de essas crenças serem tão resistentes, quer à razão, quer aos dados
empíricos, que a nossa mente deteta intenções e agentes invisíveis em tudo; o

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espírito racional tem tido a maior dificuldade em convencer a humanidade de que
se trata apenas de uma ilusão.

Embora, quer a mente, quer o oculto, sejam misteriosas, vagas e inquietantes,


há duas diferenças fundamentais entre a psicologia e o ocultismo:

 A psicologia tenta descrever e explicar as funções mentais de modo a


esclarecer o que parece misterioso;
 O ocultismo faz o contrário, enfatizando o misterioso, o não compreensível, as
forças ocultas que apenas o iniciado é capaz de decifrar e manipular;
 A psicologia ocupa-se de uma coisa que existe, a mente;
 O ocultismo ocupa-se com fantasias que nenhum estudo sério mostra
existirem.

Em suma, a psicologia é o estudo racional dos processos mentais, enquanto


que o ocultismo é um resultado irracional desses processos mentais.

OS PRIMÓRDIOS DA PSI COLOGIA NA GRÉCIA:

OS GREGOS ARCAICOS:

Numa obra muito conhecida, Mimesis, Auerbach apresenta a Grécia arcaica


como absolutamente exterior e não psicológica, ou seja, o contado é aquilo que é
visto, e não se teoriza para além do que se vê. As personagens são, assim, vazias de
conteúdo psicológico, sendo apenas corpos que movem pelas suas paixões ou
vontades dos deuses. As suas vontades e emoções são as que são traduzidas pelas
ações. O relatado é apenas o visível.

Na Grécia arcaica, mesmo as paixões que moviam os homens eram


consideradas produtos das entranhas (dos líquidos que percorriam o corpo) e a
morte era a morte do corpo. Após a morte, a única coisa que restava da vida era a
alma, que era vista como algo espectral (fantasmagórico) que não se assemelhava
ao homem vivo. Os deuses eram os verdadeiros imortais pois, no seu sangue, corria
uma substância que os mortais não tinham: o ichor.

Na Grécia arcaica, haviam vários termos para aquilo que, mais tarde, se
chamou de mente: Psyche ou psuche, que era o “hálito” que animava os corpos e
que os abandonava no “último suspiro”.

Thymus ou thumus era o nome dado ao conjunto das motivações e emoções,


ou seja, as paixões (motivações + emoções = paixões).

Nous era responsável pela perceção da verdade.

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Na Grécia arcaica, dizia-se que os deuses gregos são pouco divinos e muito
humanos, tendo os defeitos e as virtudes dos homens e sendo apenas imortais
devido a um processo meramente material e concreto (Deuses vistos à semelhança
dos homens, apenas com muito mais poder).

Como os fenómenos não visuais não estavam presentes nesta altura, o


visualismo e concretismo extremo têm um grande peso no desenvolvimento
intelectual da Grécia.

Os conhecimentos considerados científicos nos dias de hoje são muito


diferentes dos que eram considerados na Grécia antiga, uma vez que utilizam regras
de validação muito diferentes. É, no entanto, verdade, que foi na Grécia antiga que
se se começou a tentar compreender o mundo e fenómenos exteriores: explicava-
se o visível não com agentes místicos, mas sim com coisas visíveis ou plausíveis no
visível.

Aqui, o objetivo era explicar o mundo e não o homem, sendo que os gregos
defendiam que tudo era feito de matéria, ao invés de forças místicas, sopros, etc.

A ESPECULAÇÃO CÓSMIC A E A DESCOBERTA DO PENSAMENTO:

Como vimos, um acontecimento não quotidiano é sempre explicado por um


agente intencional, ainda que este possa não ser diretamente visível.

A mente é uma dedução da ação e nunca é considerada por si só. São os


gregos que separam ação e mente.

Tales de Mileto, quando se referia à mente, não diferia dos gregos arcaicos.
Por exemplo, dizia que os ímanes tinham alma (isto é, que tinham agência/mente),
já que todos os movimentos não causados pela gravidade ou pela transmissão de
movimento tendem a ser compreendidos como algo “mentalmente causado”,
parece “ter vontade/mente”. Não se sabe muito mais da posição de Tales acerca
da mente, mas acreditava na imortalidade da alma e não acreditava na doutrina
da metempsicose (transmigração das almas).

Com o tempo, vão havendo variações acerca do pensamento sobre o


mundo. Anaximandro postulou que tudo era feito de apeiron, isto é, de infinito ou
de indeterminado (o apeiron é o resultado de várias relações opostas: frio com
quente, seco com molhado. Sendo um elemento presente em tudo); já Anaximenes
defendia que o mundo era feito a partir de ar.

A este grupo de teóricos/filósofos chama-se de “os físicos”, uma vez que


libertaram o pensamento e foram capazes de o aplicar à natureza, sem a

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participação de elementos místicos. Inventaram uma linguagem nova para se
referirem ao que é externo a nós, ao mundo físico que nos rodeia.

Apesar da visão da mente ser ainda muito primitiva, a corrente de


pensamento dos físicos abre um caminho muito importante: as coisas, como as
vemos, têm uma realidade muito diferente daquela que nos é revelada pelos
sentidos. A sua geometria, aquilo de que são feitas não é traduzido pela perceção
que temos dessas coisas. Há, pois, um mundo escondido onde se pode procurar
pela razão e pela especulação. O pensamento – a razão- liberta-se, assim, da
perceção.

Pitágoras não concorda com o pensamento dos físicos.

Pitágoras acreditava que a mente/alma era independente do corpo e que


migrava de corpo em corpo com a morte, necessitando sempre de um suporte, um
corpo, que fosse por ela animado, tal como era defendido com os povos arcaicos.
Ele acreditava, também, que era a alma que apreenderia a verdade e não os
sentidos.

Xenófanes de Cólofon, contemporâneo de Pitágoras, explicita pela primeira


vez um tema muito importante para a filosofia: o de que as coisas não são como
nós as imaginamos, mas são o que são independentemente da maneira como as
vemos. Este argumento era aplicado à forma como os mortais visualizavam os
deuses e os seus comportamentos. Os homens visualizavam os deuses como sendo,
de certo modo, semelhantes, sendo que tecnicamente os deuses seriam agentes
impossíveis de imaginar e que, não é por os percecionarmos assim que eles
efetivamente o são.

Heraclito de Éfeso sugere que tudo quanto pensamos e sentimos é uma ilusão.
Tudo é um fluxo em permanente mudança, e o que acabámos de ver
imediatamente antes já é diferente agora, ainda que os nossos sentidos neguem
isso.

Parménides de Eléia defende, ao contrário de Heraclito, que a verdade física


das coisas é una, eterna e imutável, mas que são os sentidos que nos enganam.

Há uma tendência comum a todos estes autores apesar das suas diferenças:
a realidade não é alcançada pelos sentidos, mas encontra-se num plano só
acessível pelo pensamento.

Uma outra corrente que existia na altura era o materialismo, com Empédocles
de Acragas, em que este afirmava que os objetos emitem eflúvios (vapores?) que
são cópias deles mesmos. Capturaríamos esses eflúvios com cada modalidade

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sensorial e eles misturar-se-iam no sangue. Com o bater do coração transformar-se-
iam em consciência.

Esta teoria materialista convive com a ideia de transmigração das almas, mas
Empédocles leva a dúvida sobre a identidade da perceção e das coisas (ou seja,
o que eu vejo não é o que realmente é) à sua conclusão lógica: se há diferença
entre perceção e realidade, é necessário saber como se faz a tradução de uma na
outra.

Este é um começo para a epistemologia psicológica: estudar o processo de


conhecimento com base nos mecanismos percetivos.

Leucipo de Mileto e Demócrito de Mileto tornam esta corrente mais moderna


ao defender que as qualidades sensoriais eram meras aparências, não porque
houvesse características mentais que determinavam a experiência, mas porque as
coisas não eram o que pareciam. Assim, os sabores amargos ocorreriam porque os
átomos são pequenos, finos e angulosos; e uma coisa parecer-nos-ia doce por ser
composta por átomos maiores e arredondados.

Assim, nos gregos, a centração nas coisas e não na mente levou à


compreensão de que as próprias coisas são ilusões. Esta visão é importante, uma
vez que se normalmente se opõe ao “realismo ingénuo”, a crença de que as coisas
são como as percecionamos, a verificação de que as coisas só existem porque são
representadas na mente e de que a mente, sendo subjetiva, interpreta essas coisas
de modo as podermos conhecer como são. No entanto, nos gregos, o caminho não
foi esse: permaneceram centrados nas coisas, não no sujeito de representação (nós,
que vemos as coisas) e, ao verificarem que as aparências podem enganar,
localizaram esse engano na natureza escondida das coisas e não nos processos de
subjetividade.

Há uma tendência para a explicação do Cosmos e não de Anthropos, do


Mundo e não do Homem. E há uma tendência para a explicação de Physis e não
de Psyche, das coisas e não da mente.

Esta questionação do mundo concreto, levou progressivamente ao


ceticismo, porque os pré-socráticos (todos os autores de que falámos até agora)
compreenderam que o que se observa não corresponde ao que é. Mas enquanto
Pitágoras pensava que a capacidade de ir para lá das aparências pertencia à
alma, o movimento dos pensadores gregos posteriores deslocou-se mais para as
coisas do que para a alma.

A alma, quando referida, é apenas parcialmente independente do corpo.

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Este ceticismo veio gerar o que chamamos de sofismo. Os sofistas eram
pessoas que ensinavam a pensar, a defender e a atacar tudo e o seu contrário
independentemente da verdade.

Para os sofistas, a única verdade reside nas afirmações de cada um, já que o
mundo das aparências é enganador.

A REVOLUÇÃO SOCRÁTICO-PLATÓNICA:

Os gregos, na sequência de Tales, compreenderam que o mundo físico não


é animado e não deve ser estudado em termos de intenções. Isso levou-os a
investigar o mundo físico enquanto matéria, a pensar e a especular sobre ele. Mas
essa especulação levou à conclusão de que os sentidos nos enganam. Não haveria
verdades, tudo seria subjetivo e o pensamento serviria para defender o que se
quiser.

Trata-se de uma crise filosófica: não há verdade possível e deixa-se de se


acreditar na religião, na ética e nos valores.

SÓCRATES:

Tudo o que se sabe dele vem de Platão e, em muitos casos, falar de Sócrates
é equivalente a falar de Platão.

Sócrates caracterizar-se-ia principalmente por um método de interrogar sobre


o que era socialmente estabelecido como verdade ética e, assim, chegar à
“verdadeira verdade” sobre os motivos do nosso comportamento. Defendia
também a imortalidade da alma e acreditava que o conhecimento era possível,
necessário e que estava dentro de nós.

Sócrates também acreditava que a verdade não se atingia através dos


sentidos e que estes eram enganadores: desaparecida uma sensação, o
conhecimento perdura, o que significa que a verdade não está nos sentidos.

Esta compreensão das verdades era possibilitada pela alma que, tal como
em Pitágoras, conhecia diretamente as essências e não as aparências, que são as
únicas representações dos sentidos. Estas verdades têm de ser procuradas no
próprio sujeito: apenas quem pratica a contemplação da mente consegue
entender as essências puras.

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PLATÃO:

Platão vai buscar à subjetividade o seu pilar com que vai erguer um edifício
de certezas. Apesar de toda a confusão dos sentidos, permanece o facto de que
existem ideias claras, inequívocas, para o bem, o justo, o belo, etc.

Mesmo quando analisamos o mundo sensível, fazemo-lo a partir de conceitos


que não se encontram nesse mundo sensível: diferença, semelhança, identidade,
multiplicidade, são detetadas pela mente e não deduzidas pelos sentidos. Estas
ideias não ocorrem com base nos sentidos.

Assim, têm de ter uma outra origem: essa origem deve ser a própria mente.
Mas as ideias claras só com dificuldade e graças a uma disciplina mental austera se
conseguem atingir.

Somos perturbados pelos desejos do corpo- o poder, o prazer corporal- e não


procuramos a verdade. É como se dessas ideias puras apenas tivéssemos uma
recordação ténue (de quando não estávamos a ser perturbados pelo corpo).

Estas ideias puras, ou formas, existem como objeto de conhecimento ou como


realidades: a alma racional pode apreender as ideias se for desenvolvido
pensamento abstrato e, se conseguir submeter as paixões do corpo a uma disciplina
rigorosa, temos então as ideias puras.

A ideia de que existem na mente já ideias inatas com origem no mundo


imaterial, pertence ao movimento do idealismo, que é o âmago da filosofia de
Platão.

Como vimos, os gregos tinham primeiro isolado o mundo físico como diferente
do sujeito. Ao perceber que esse mundo físico é, afinal, enganador, afirmaram que
a única realidade era a subjetividade, sempre em mudança, de cada sujeito. Esse
sujeito parece mutável, sem ordem, com subjetividades diferentes em momentos
diferentes, e cai-se no relativismo de se afirmar que ele é apenas a realidade das
coisas. Perante essa dificuldade, Platão erige uma verdade que o sujeito pode
estudar: o mundo das ideias puras.

Para compreender este mundo, é necessário saber que Platão, tal como
Pitágoras e vários outros pensadores, acreditavam na vida da alma racional
independente do corpo e que, só quando a alma estivesse nesse estado incorpóreo
(imaterial) teria acesso a toda a verdade pura.

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IDEIAS PURAS COMO RE ALIDADES NÃO PSICOLÓ GICAS:

As ideias puras de Platão não são conceitos psicológicos; correspondem a


realidades no mundo ideal. Os conceitos correspondentes a essas formas são
apenas elaborações psicológicas. Ou seja, a ideia abstrata de “belo” eu construo
a partir de várias coisas belas. As formas são, então, produtos da mente e não
existem fora dela e são independentes ao mundo percecionado.

Pode então defender-se que as ideias puras platónicas são uma


reificação/coisificação e correspondem a uma transformação de uma construção
da mente de algo exterior a essa mente.

No caso de Platão, trata-se da reificação de um conteúdo mental num


conceito abstrato (“puro e ideal”) e não num conceito grosseiramente material.

Esta posição de Platão é um degrau necessário para a formação de uma


psicologia: só compreendendo o sujeito como contemplador de um mundo mental
é possível descrever esse sujeito mental. Posso apenas compreender-me como
mente se for espectador de conceitos que criei para descrever essa mente (tenho
determinadas maneiras de pensar, reagir, gosto mais disto do que daquilo).

ANÁLISE DAS IDEIAS D E PLATÃO QUANTO À ME NTE:

Até ao tempo de Platão, em Atenas, o significado de Psyche era


relativamente incerto: queria dizer “ânimo” e “animação do corpo”. Era, pois, uma
psique formulada em termos comportamentais e não de subjetividade. Platão altera
essa situação: psique quer dizer mente, a nossa vida interior (a vida de que cada
um de nós tem consciência).

Chegar às formas puras, isto é, viver no mundo das ideias, seria a maneira de
nos elevarmos a um grau de felicidade mais seguro e menos incerto do que
simplesmente procurarmos prazer.

A alma não é apenas racional, mas principalmente movida pelo desejo (alma
motivada). Esse desejo, essa luta constante consigo e com os outros, é a própria
vida. Numa vida não cultivada, os desejos são todos materiais/carnais. Numa alma
harmoniosa, esses objetivos são substituídos pelo desejo da posse das ideias puras.

CAMINHO DE APERFEIÇO AMENTO ESPIRITUAL:

Conflito entre tendências da mente: Platão explica a alma em termos do


funcionamento de várias tendências. Procura explicar como atingir a justiça e, no

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processo, fornece uma teoria motivacional. Para se compreender o funcionamento
dessas várias tendências convém recordar que Platão queria chegar a uma
formulação justa e ética, não só da pessoa, mas também da sociedade.

Assim, quer numa república, quer numa pessoa justa, há três funções
interligadas. Isto é o mesmo que dizer que a psique tem três funções:

 Os filósofos e a razão (logistikon);


 Os guardas e a paixão (thymos);
 Os artesãos e os apetites corporais (epitymetikon).

Há, então, três tipos de forças a agir na nossa alma e qualquer uma delas
pode tomar precedência e dominar a consciência (o eu-sujeito), mas apenas uma
delas nos permite escolher o nosso rumo, a razão.

Platão diz que em todas as pessoas há desejos contrários à razão e que se há


pessoas que os controlam a ponto de quase os extinguir, outras há em quem eles se
reforçam e multiplicam. Sendo particularmente evidentes nos sonhos.

Platão parece oscilar entre a ideia de uma alma racional una e de uma alma
tripartida. Defende que na República não se pode usar um conceito unitário
quando há conflitos internos.

Teoria da visão: Através da teoria do raio de fogo, no Timeu, verificamos que a


mente vai buscar, não recebe. Isto é uma prova do voluntarismo, da inspiração na
própria experiência. Isto é, o que sentimos, é aquilo que vamos buscar porque
queremos ver, não o que o exterior nos impõe.

Imortalidade da alma: Platão acredita na imortalidade das almas, no entanto,


contradiz-se em duas das suas formulações acerca das mesmas:

 A alma racional (que contempla as ideias puras) é imortal e as almas inferiores


morrem;
 As almas justas são recompensadas, enquanto que as más vão para o Tártaro,
onde ficam por um tempo proporcional aos seus feitos impiedosos.

Dada a teoria da visão, é mais provável que seja a segunda hipótese.

Psicologia, ética ou epistemologia? A psicologia platónica é a hierarquia dos


objetos de consciência, a teoria da relação entre os sentidos e a alma e a teoria
das três vontades.

Como a realidade última é invisível, imaterial e apenas imaginável por


hipóteses mentais, tem de existir uma psicologia mínima que mostra as operações

16
da alma e a maneira como ela chega a essa realidade última. É, pois, uma parte
de uma ética, um programa de conduta para melhorar o homem e a sociedade e
não uma psicologia.

A mente, contudo, é inequivocamente afirmada: ela é o que permite explicar


o visível e hipotetizar o invisível.

A psicologia é geralmente fundada em um de dois pontos de partida: na


ética e na epistemologia. Fundar a psicologia na ética, implica afirmar um modelo
de ação e tentar compreender o que temos de fazer para nos adequar a esse
modelo.

A outra fundação da psicologia é a procura de como pensar a verdade. Para


isso, temos de descrever as operações que nos permitem chegar a conceitos.

Assim, Platão fundou a maior parte dos temas da filosofia posterior e afirmou
a superioridade da mente sobre o resto da nossa vida.

ARISTÓTELES:

Aristóteles não aceitava a teoria das formas: considerava que o espírito


humano não possuía as ideias – essências- do belo, do justo, do puro, e defendia
que a mente não era um espelho dos sentidos.

Aristóteles chamava a atenção para a natureza corporal e material das


funções da vida- possibilitada pela alma-, adotava uma posição mais idealista e
mais próxima do platonismo quando se referia às capacidades epistémicas (à
procura das essências). Essas essências ou “universais”, não poderiam ser
avançados pelos sentidos: teriam de ser identificados “de dentro” da alma.

Segundo Aristóteles, pode-se fazer dez tipos de juízos sobre uma coisa, e esses
tipos de juízos são designados de categorias:

 Substância (uma coisa é uma  Tempo (esta coisa apareceu


determinada coisa: Sócrates é ontem);
um homem);  Posição (está deitado);
 Qualidade (determinada coisa é  Estado (aquilo está molhado);
preta);  Ação (A age sobre B);
 Quantidade (uma dada coisa  Afeção (B é afetado por A).
tem dimensão);
 Relação (uma coisa é
maior/menor que outra);
 Espaço (o lugar onde está);

17
Estas características não são propriamente psicológicas- são abstrações dos
tipos de conceitos usados para pensar as coisas- mas são necessárias ao
entendimento. Estão presentes nas coisas, existem independentemente da mente,
mas têm de estar também na mente para que a perceção e o pensamento delas
seja possível.

Embora rejeite as ideias inatas platónicas, Aristóteles pergunta “como


poderíamos aprender e apreender sem conhecimento pré-existente?”. Quer isto
dizer que conhecer uma coisa resulta das características quer da coisa, quer do
conhecedor.

As ideias não estariam, então, originalmente presentes na mente, mas apenas


a capacidade para as apreender a partir dos sentidos e de as formular. Essa
capacidade seria mental e anterior à experiência. Aristóteles pensava que, a partir
dos sentidos apenas se atinge o acidental: é a razão, ou a mente, que deve
encontrar as essências e os universais.

Assim, quando Aristóteles se refere à mente como uma folha em branco, quer
dizer apenas que a experiência e os sentidos têm de lhe fornecer a matéria-prima
para ela funcionar. Mas a experiência só é possível se houver, na razão, qualquer
coisa de prévio (a priori) e que possibilite que a experiência seja recebida, avaliada
e generalizada.

Nesta perspetiva, a mente deteta os universais através da generalização, mas


não os cria: eles existem, não como coisa física, mas como realidade do
pensamento.

Um outro aspeto importante em Aristóteles é a distinção entre potência e ato,


que tem o significado próximo de realização. Uma bolota tem o carvalho em
potência, mas tem de crescer para que o carvalho seja realizado, ou seja ato. As
noções de potência e ato significam que Aristóteles acreditava que o mundo tinha
um sentido, uma direção. Que a natureza estava organizada teologicamente.
Acreditava, pois, que todas as coisas estavam associadas a um plano divino e que
a função do homem era desvendar o plano da natureza.

Outra característica do pensamento de Aristóteles é a afirmação de que


todas as coisas são compostas por forma (alma) e a matéria. A forma determina a
essência de uma coisa, e a matéria pode ser transformada de maneira a tomar
outra forma. Chamou-se a esta teoria de Teoria das Causas ou Teoria da Forma +
Matéria ou Hilemorfismo.

18
O DE ANIM A E O SEU S IGNIFICADO:

A palavra alma em Aristóteles tem vários significados. Uma definição de alma


seria: a alma seria responsável pelas funções (função = finalidade) que o corpo
desempenha.

Na sua teoria, a explicação de um fenómeno implica elucidar quatro aspetos


(causas):

 A matéria de que é feita;


 A forma que foi imposta à matéria;
 A causa eficiente (ou quem fez com que a coisa exista);
 A finalidade.

Aristóteles afirma que, ao estudar os organismos, é necessário compreender


primeiro a finalidade para depois se poder compreender a organização.
Atualmente, diríamos que, para estudar os organismos, deve-se primeiro identificar
a função e, depois, compreender a organização.

Aristóteles distingue três almas:

 Alma das plantas/vegetativa, que assegura a vida e se baseia na


alimentação e reprodução;
 Alma sensitiva (perceção e movimento), que caracteriza os animais:
o Os 5 sentidos fundem-se (senso comum) numa imagem mental
(fantasma);
o Percecionar é sintonizar o que é comum entre objeto e sujeito;
o Percecionar implica prazer e dor e, por isso, desejo;
o O desejo baseia-se em imagens mentais;
o Essas imagens podem ser guardadas na memória.
 Alma racional.

No Homem, aparece mais uma nova característica da alma: a mente (ou


razão, ou inteligência, ou nous). Há dois tipos de mente:

 Prática: planeamento e estratégia;


 Teórica.

Tal como a perceção, a mente prática é concebida como a captura, pelo


organismo, da forma de uma coisa exterior, a inteligência/mente teórica, seria a
captura das formas das próprias ideias (ex. a ideia de um triângulo).

Assim, a mente pode ter consciência de si própria e tentar analisar-se.

19
O pensamento implicaria sempre imagens mentais, provenientes dos sentidos.
Mas a mente não é cópia desses sentidos: tem de existir, na mente, antes de
qualquer cópia, formas prévias que identifiquem as ideias. A mente tem, assim, uma
espécie de armazém de formas que possam reconhecer o que os sentidos lhe
fornecem. As formas inatas equivalem às ideias puras de Platão.

Contudo, a ênfase é diferente: enquanto Platão fala de reminiscências


(conteúdos) das verdades, Aristóteles fala da capacidade de transformar o que
existe apenas em potência de realidades do pensamento: a alma não teria ideias
puras, mas apenas processos de chegar a formulações abstratas que são
universalmente verdadeiras.

A MENTE ATIVA, NOUS POIÊTIKOS:

Aristóteles faz ainda mais uma separação do nous. Por um lado, há a mente
como potência, isto é, como possibilidade de se transformar nos seus objetos (se
pensarmos e nos concentrar-mos em algo, a mente transforma-se na coisa
pensada). Por outro lado, há o princípio ético que causa essa possibilidade de
transformação da mente nos conceitos.

A esse princípio ativo, ou produtivo, chama-se mente ativa (nous poiêtikos). À


mente que se transforma em todas as coisas, passou-se a chamar de mente passiva
(nous pathetikós).

 Nous poiêtikos: tem as formas puras;


 Nous pathetikós: tem as imagens mentais, a memória e os sentidos que se
estrutura, por influência do nous poiêtikos, em universais, sem matéria.

É a partir desta distinção de mente ativa e passiva que é possível


compreender a posição de Aristóteles quanto à imortalidade da alma.

Apenas a mente ativa é imortal, porque é princípio criador, inalterável,


independente das mentes individuais e existe no plano divino. Está separada do
corpo.

A mente passiva é, por definição, independente do corpo, embora nele


participe durante a vida do corpo. Por outro lado, o conhecimento individual, a
experiência, os universais a que cada indivíduo chegou em vida através dos
sentidos, da memória e das imagens mentais, sendo corporais, morrem com ele.

A mente ativa de Aristóteles é a resposta às ideias puras de Platão. Para


Platão, todo o conhecimento seria um esforço para chegar às ideias puras de que
temos ténue recordação. A posição de Aristóteles parece diferente porque as

20
essências, os universais, numa palavra, as ideias puras, estão em nós em potência e
são atingidas através da mente ativa. Mas essa mente ativa, tal como as ideias
puras, é exterior à mente individual.

Ainda assim, a formulação da “mente ativa” é um progresso importante


relativamente a Platão. Em Platão, a mente recorda-se da verdade que
contemplou fora do corpo. Em Aristóteles a mente adquire capacidades de
organização e de transformação das experiências sensoriais que permitem o
pensamento abstrato. Tem, em si, as regras necessárias para chegar à verdade. É,
pois, uma mente autónoma.

CONCLUSÃO SOBRE ARISTÓTELES:

Quando se trata da mente, Aristóteles tenta uma caracterização do


funcionamento conjunto do pensamento e da perceção. Em ambos os casos
haveria uma captura da forma pelo sujeito de conhecimento; a mente faria uma
espécie de abstração das formas e relacioná-las-ia. Aristóteles apresenta, assim, a
primeira teoria psicológica autónoma.

A mente de Aristóteles implica três coisas diferentes mas relacionadas:

 O mecanismo invisível que anima, que dá vida aos organismos;


 O princípio agente que é responsável, nos animais, pelo comportamento
intencional;
 A capacidade do planeamento e de pensamento abstrato.

Além disso, considerando a mente ativa imortal, implicaria uma quarta coisa:

 Um princípio espiritual que há em todos os homens e que lhes permite o


entendimento.

Aristóteles tentou integrar os vários significados que a palavra “alma” tinha no


seu tempo:

 Responsável pelo movimento e pela agência (Tales e os ímanes);


 Responsável pela vida (psyche);
 Responsável pelo desejo (thymus);
 Capaz de fazer juízos éticos e racionais (nous);
 É, pelo menos em grande parte, apenas material, mas tornado possível por
uma agência sobrenatural (Deus).

21
AVICENA:

Avicena usa o argumento cartesiano para defender a imortalidade da alma.


Imagina ele um homem criado no vazio sem nenhuma experiência dos sentidos
externos.

Sentirá a sua essência? Avicena afirma que esse homem não terá dúvida
nenhuma em afirmá-la, embora não esteja consciente de que tem corpo e não tem
qualquer experiência para além da consciência de ser.

Portanto, conclui Avicena, que a alma é imaterial, independente do corpo ou


das sensações.

A PSICOLOGIA DE AVICENA:

Avicena tem uma teoria muito complexa das almas, ou melhor, das
inteligências. Para ele, apenas o sábio se salva da morte por conseguir chegar mais
perto da inteligência de Deus. O conhecimento é, assim, o dever central do homem.

Todo o conhecimento humano tem início nos sentidos, mas é através da


capacidade de abstrair as formas por imaginação que se consegue chegar ao
conhecimento das coisas. É apenas então que se chega a Deus, purificando a alma
de maneira a poder encontrar formas/ideias puras na mente ativa, e a maneira de
chegar a essas ideias puras seria através da lógica.

A linguagem falada e escrita seria uma espécie de tradução deformada da


lógica.

Avicena retorna as distinções aristotélicas da alma:

 Alma vegetativa: reprodução, crescimento e nutrição;


 Alma sensitiva: com os cinco sentidos que se reúnem num sentido comum;
faculdades mentais e motivações;
 Alma racional:
o Intelecto contemplativo: permite o conhecimento dos universais;
o Intelecto prático: trata dos problemas do quotidiano.

Além da combinação dos cinco sentidos (o senso comum) há:

 Retenção e composição de imagens: podemos imaginar coisas que não


existem, combinando o que já conhecemos;
 Avaliação: dessas imagens em termos do benefício ou perigo que têm.

22
Há, na alma sensitiva, duas faculdades superiores:

 Memória: guarda as avaliações;


 Evocação: permite recuperar essas avaliações, retirando-lhe o conteúdo
sensorial.

A alma racional é imortal como nos platónicos. A discussão inclui a ideia de


que a alma não é feita de partes (é una) e que aquilo que é feito de partes é a
matéria (perecível). A alma tem livre-arbítrio e é julgada depois da morte, sendo
imortal pois faz parte da luz de Deus (não entendi bem isto).

EPICURISMO E ESTOICI SMO:

As duas escolas do pensamento costumam ser apresentadas conjuntamente


porque os seus ensinamentos éticos, embora fundados em filosofias quase opostas,
convergem na tentativa de definir uma vida justa.

O ESTOICISMO:

Para os estoicos, o mundo é todo material: compõe-se de corpos que existem


no espaço e no tempo. Esse mundo é como que uma projeção da inteligência
divina e, por isso, tem lógica e significado. Deus forma o mundo, destrói-o a seguir,
volta a criá-lo, num ciclo sem fim. Como o mundo criado é o próprio Deus, cada
criação é exatamente igual à anterior e tudo o que acontece é exatamente igual
ao que já aconteceu.

Os corpos que compõem o mundo dividem-se em agentes e pacientes. Os


agentes efetuam uma modificação no paciente. A alma é um agente, dirige o
corpo a partir de um centro, o hegemonikon, em que convergem as sensações e
de onde emanam as ações.

A alma humana adulta, que é racional, deve compreender que o mundo é


Deus e que, por isso, o que acontece é o que tem de acontecer.

Há duas incongruências nesta teoria:

 Se a alma humana é racional, esperar-se-ia que todas as pessoas chegassem


à verdade. Mas não é assim, todos somos sujeitos às paixões irracionais;

23
 Mas, se a alma é racional, de onde vêm estes sentimentos? A resposta é que
eles vêem do ambiente e são ensinados. Mas, de onde vem a convicção de
que são ensinados?
 A alma é identificada fisicamente como o centro das emoções. Então, se a
alma é identificada com as emoções, como é possível declarar que essas
emoções são exteriores à alma?
 Se o mundo é uma repetição necessária que emana de Deus, esperar-se-ia
não só que os acontecimentos fossem inalteráveis, mas também que a minha
reação a eles o seja. Mas não o é.

Ou seja, tudo é determinado menos a minha decisão de aceitar ou não essa


determinação; mas essa decisão, a sermos congruentes, também teria de ser
determinada.

Tudo se passa como se a afirmação do materialismo determinista se aplicasse


aos acontecimentos exteriores a mim, mas que tudo o que é interior, toda a minha
atitude mental perante o que sucede dependesse apenas de mim, da minha
vontade. E neste sentido, a posição estoica traduziria afinal um dualismo
matéria/mente disfarçado de materialismo.

Importa compreender que o estoicismo pretendeu enfatizar a importância do


autocontrolo e da autodeterminação emocional.

EPICURO:

Talvez se possa resumir a sua teoria em dois pontos principais: o materialismo


anti-metafísico e a ética. Epicuro era materialista: tudo era matéria, mesmo os
deuses, seres perfeitos e imóveis que achava não interferirem em nada na ação
humana. Defendeu que tudo era feito de átomos. Há uma infinidade deles, mas não
são todos do mesmo tipo: são diferentes consoante as substâncias a que vão dar
origem – por exemplo, os da alma são redondos, porque a alma é subtil.

Se tudo é material, a perceção e a mente também o devem ser. Segundo


Epicuro, toda a mente é perceção: consiste em imagens mentais obtidas por
perceção e em combinações dessas imagens mentais. Contudo, os humanos têm
livre-arbítrio, não são completamente determinados e podem resistir às suas
tendências.

Defende que não se deve teorizar sobre o que não se vê. Mas que é
importante encontrar explicações não-metafísicas mas materiais para o que
sucede.

24
A filosofia deve ocupar-se de saber como devemos levar uma vida boa e ter
prazer. O prazer a que Epicuro se refere é a ausência de dor. Por isso, os prazeres
que nos escravizam – o poder, o sexo, as riquezas, o comer e beber – devem ser
obtidos com moderação, apenas na medida em que são necessários. Estando livre
da escravidão dos prazeres básicos e das interações sociais penosas poderemos
encontrar um estado de paz de espírito, a ataraxia, que é o prazer supremo.

Para chegar a esse estado tem de não se temer o desconhecido, de suportar


a dor com indiferença, de não temer a morte. E Epicuro tem uma fórmula para isso:
quem está morto não sente a morte, porque a alma se dissolve em átomos depois
da morte. Ou seja, não se pode temer um estado em que nunca se vai estar, porque
depois de morto cessarei de existir e de sentir. A morte é-me alheia e eu sou alheio
à morte, e por isso não a devo temer.

A posição de Epicuro tem semelhança superficial com a estoica na medida


em que em ambas a paz de espírito e a indiferença ao que sucede é o objetivo,
mas as razões são muitíssimo diferentes. Nos estoicos a apatheia é atingida por se
compreender que o mundo é perfeito, que foi feito por Deus e que tudo tem de
acontecer como acontece; e no epicurismo a ataraxia deve ser atingida porque é
a forma superior de prazer, e qualquer formulação de hipóteses sobre a estrutura do
mundo deve ser evitada.

DO HELENISMO À IDADE MÉDIA:

DE ATENAS AO RENASCI MENTO:

Quando o cristianismo surge, faz a afirmação de que o homem sobrevive à


morte. Esta afirmação não é fundamentalmente diferente da ideia de alma nos
povos primitivos; no entanto, no cristianismo, o que sobrevive à morte não é um
espírito, mas o homem integral, com sentidos, ação sobre o mundo e emoções.

Assim que surgiu esta crença, começaram as dificuldades. A afirmação da


sobrevivência corporal vai contra o facto inegável de que o corpo morto se
corrompe e desfaz. Sendo assim, como conciliar a imortalidade do homem integral
e o corromper do corpo? Os primeiros cristãos não eram filósofos, mas simplesmente
pessoas que queriam escapar ou ver na morte um alívio por acreditarem na
recompensa que teriam a pós uma vida de sofrimento.

S. Paulo (Coríntios) opõe-se à ideia platónica de que apenas o homem interior,


a mente racional, sobrevive, mas sim que sobreviveria o homem integral.

25
PLOTINO:

Para Plotino, o mundo compreende-se como abstração: as coisas parecem


separadas, mas há sempre ligações entre elementos que se unem em
sínteses/formações mais elevadas. Um corpo tem partes, mas é coordenado por
uma alma, tal como o mundo é tudo o que existe e pressupõe um Uno que é tudo
sem ser nenhum dos seus componentes. É desse Uno que tudo deriva.

Desse Uno, derivam as verdades eternas, o nous ou a inteligência. A alma


agarrada ao corpo e aos sentidos pode chegar à contemplação dessas verdades
eternas, mas não do Uno, que não é possível de se conhecer (incognoscível).

Para os primeiros filósofos cristãos, Deus e Uno era a mesma coisa.

Plotino achava que a linguagem era um meio imperfeito de conhecer a


verdade; a verdade seria Una, enquanto que a linguagem discrimina e distingue. A
verdade atinge-se pela linguagem mas transcende-a. A linguagem é apenas um
processo necessário, mas imperfeito, do conhecimento das verdades eternas.

A ALMA PRESENTE EM SI PRÓPRIA:

AGOSTINHO:

Um movimento importante, o ceticismo, elevava-se contra a especulação


filosófica sobre as causas invisíveis do visível. Nesse sentido, afirmavam os céticos
que não se pode ver a mente, tal como os olhos não se veem a si próprios. Quer isto
dizer que não podemos ser sujeito e objeto ao mesmo tempo. A ser assim, não
poderíamos nunca conhecer a nossa mente por observação.

Santo Agostinho vem refutar essa ideia. O principal argumento é de que a


alma está presente a ela própria. Não a devemos procurar como se estivesse fora
de nós ou nos outros, mas dentro de nós.

Podemos pensar na mente como uma imagem, mas falharemos, porque as


imagens são sempre coisas exteriores. Significa isto, que a mente parece estar feita
para representar o que lhe é exterior e não para se representar a ela mesma; e que,
quando procura perceber-se de si, tem a tentação de se procurar conhecer da
mesma maneira que conhece as coisas exteriores, isto é, através de imagens
mentais (objetificação da mente).

Diz Agostinho, que a mente se afasta de si própria quando se fixa nas imagens
das coisas exteriores. A solução de Agostinho é a seguinte: se a alma se tornar
consciente de si própria, compreenderá que sempre esteve presente, apesar de
afastada de si pela concentração nas coisas exteriores. A alma/mente é a

26
consciência de ser sujeito que acompanha qualquer imagem de um objeto ou um
juízo sobre ele.

A alma é, pois, a consciência de existir. De modo que, mesmo concentrado


numa coisa, sei que sou eu que estou concentrado, por que sinto que existo ao
pensar, agir, reagir. É isto que significa “a alma está presente a si própria”.

A CERTEZA DO EU:

Santo Agostinho apresentou, antes de Descartes, o argumento do Cogito


(Penso/Sinto, logo existo). Contra os céticos, afirmou que a dúvida sobre a existência
é impossível porque, no momento em que duvido, estou vivo, estou a pensar, a
compreender, a avaliar, a tentar resolver a dúvida e sei que estou a duvidar.

As coisas sem as quais a dúvida não seria possível, são a mente, o eu e o


pensamento que me permite duvidar. Ou seja, se duvido, existe um sujeito, logo
existo.

NÍVEIS DE CONHECIMEN TO:

Agostinho especifica as funções da mente humana por comparação com as


dos animais. Temos três níveis de conceitos mentais:

 Sensações: que compartilhamos com os animais;


 Contemplação das verdades eternas: em que a alma se dá conta dela
mesma. Implica sabedoria;
 Comparação das sensações e das verdades eternas: o mundo da ação, que
implica conhecimento. A ação deve ter como objetivo a sabedoria.

Os dois níveis extremos de funcionamento da razão- a sensação e a


sabedoria- correspondem a dois níveis de consciência de si. Quando sei que sei
uma coisa, tenho consciência de mim, e essa consciência ocorre nas crianças,
embora elas estejam demasiado centradas no que se passa à volta delas para se
darem conta de que têm alma. O nível mais elevado de consciência de si é o
pensar sem recurso às coisas que estão à nossa volta, é fechar os sentidos à
experiência e é nesse estado de que nos damos conta de que somos uma mente.

Todos os seres vivos que falam e que podem usar a primeira pessoa (“eu fiz
isto”) têm, necessariamente, essa consciência básica de si ou não poderiam nunca
dizer que sabem, sentem, querem alguma coisa. Mas, num plano mais elevado, a
consciência da mente torna-se explícita. Não só digo “eu quero”, como sei que sou
um mundo mental, onde sinto a ausência de qualquer estimulação exterior.

27
A versão da mente augustiana é parecida com a de Platão: a ênfase na
razão sem recurso aos sentidos, mas com a diferença de que a sabedoria platónica
é o conhecimento puro e, para Agostinho, é o amor de Deus.

LIVRE-ARBÍTRIO:

Chega-se ao amor de Deus através da vontade e do livre-arbítrio.

O livre-arbítrio foi criado por Deus, e o homem pode segui-lo para procurar a
felicidade no amor das coisas materiais ou em Deus. Mas a razão, dada por Deus,
permite-lhe compreender que a felicidade suprema está na contemplação do
imutável e assim decidir-se pelo amor de Deus.

UNIDADE DA ALM A E CONFLITO:

Ao contrário de Aristóteles, Agostinho não distingue entre alma sensitiva e


racional.

Afirma que os sentidos são mediados pelo corpo, mas sentidos pela alma. De
facto, os sentidos, considerados do ponto de vista do sujeito, parecem
determinados pela nossa vontade: não é o mundo que chega à mente através dos
sentidos, é a mente que vai, pelos sentidos, buscar o que está no mundo.

Agostinho baseou a sua teoria da mente na experiência de si próprio (primeira


pessoa) e na introversão do pensamento: dizia que devíamos deixar de dirigir o
nosso interesse para fora e passar a dirigi-lo para dentro. Ao sentirmos a mente,
sentiríamos Deus, porque pela alma podemos conceber as ideias eternas de Deus
(a verdade).

Há, segundo Agostinho e Platão, várias naturezas presentes em nós e que


entram em conflito; estas naturezas diferentes são a razão e os desejos materiais
(pecado e salvação), o conflito ocorre entre uma intenção boa e má.

OCCAM E O CONCEPTUALISMO:

A QUESTÃO DOS UNIVER SAIS:

Um dos problemas mais centrais à filosofia e à psicologia medieval é o das


categorias. Existem mesmo categorias ou são apenas produtos da nossa mente?

28
A doutrina de S. Tomás que Aquino e dos neo-aristotélicos defendia que a
alma identificava os universais, presentes na mente ativa, a partir dos exemplares
que conhecia pelos sentidos. A mente passiva, individual, teria então
representações desses universais.

Existiria, assim, uma categoria “cão” mesmo que não houvesse pessoas para
a inferir. A nossa mente sugere-nos que há, realmente, um “cão” prototípico.

Mas será mesmo assim? Não será cada cão uma realidade única? A
categoria geral de “cão” será uma generalização da nossa mente ou apenas uma
convenção da linguagem? Ou seja, o universal poderia não existir e ser apenas uma
generalização da nossa mente a partir da experiência mental de cada cão, isto é,
um mero conceito mental (conceptualismo); ou uma mera convenção de
linguagem (nominalismo). Se assim for, poderíamos, sob o nome “cão”, conceber
cães e candeeiros na mesma categoria se houvesse acordo entre os vários falantes.

NOMINALISMO, CONCEPT UALISMO E A MENTE ATIV A:

O conceptualismo substitui os universais pelos conceitos, quer dizer, as ideias


mentais são generalizadas a partir da experiência.

Os conceitos teriam origem nas intuições sensíveis e intelectivas, ou seja, a


mente faria uma intuição do que vê no exterior ou sente dentro de si; depois, essas
intuições, dariam lugar, através da abstração, aos conceitos.

Segundo Occam, esses conceitos são coisas reais, embora não concretas: a
sua realidade é psicológica e não seriam apenas palavras, mas sim as
representações mentais, mediadas por palavras, que se tem das coisas. Isto é, os
universais seriam não as palavras, mas os referentes das palavras, referentes esses
que são os conceitos a que damos um nome.

Trata-se, pois, de uma posição psicológica em que se afirma que os conceitos


são reais, mas não materiais.

Os conceitos, mediados por palavras, podem abstrair quer uma sensação de


uma coisa exterior, quer uma realidade interna (ex. vontades, alegria, tristeza).
Occam distingue os vários passos na formação dos conceitos:

1. Cognição sensorial: partilhada com os animais;


2. Cognição intuitiva: apenas humanos a têm e consiste em saber que o
percecionado existe e tem qualidades (ex. vermelho, redondo);
3. Cognição recordativa: a possibilidade de recordar;
4. Cognição abstrativa: permite inserir uma perceção numa classe.

29
É este último passo que corresponde a identificar o universal a partir das
experiências do particular. Exemplo: saber que um pastor alemão e um caniche,
embora diferentes, são ambos cães. Os universais de Occam são, pois, os símbolos
de que a mente se serve para poder pensar.

Nesta teoria, deixa de ser necessária a mente ativa como fonte dos universais:
estes ocorrem devido à própria estrutura interna do pensamento e não são as coisas
que existem num mundo, mas sim as construções da mente.

Esta ideia critica a posição defendida por S. Tomás de Aquino pois, postular a
existência de um “molde” invisível para as coisas visíveis não acrescenta nada ao
que já sabemos das coisas visíveis.

CAMINHOS ABERTOS POR OCCAM:

Occam afirmava que é a linguagem que permite pensar, dado que os


conceitos são relacionados uns com os outros através de palavras.

A crítica de Occam foi pertinente e importante mas, simultaneamente, abriu


caminho a um concretismo perigoso: o de considerar real apenas o que se vê e é
público.

DO RENASCIMENTO AO R ACIONALISMO:

ORIGENS MEDIEVAIS DO CIENTISMO- ROGER BACON:

Bacon defendia a necessidade do conhecimento direto, pela experiência.


Este conhecimento direto obter-se-ia principalmente a partir da visão, mas poderia
combinar-se com a matemática.

Defendia, ainda, que a matemática é o “portão e a chave” para todo o


conhecimento, porque a noção de quantidade seria inata e porque o
conhecimento da matemática treinaria o espírito a pensar corretamente.

É autor de uma filosofia puramente indutiva (a partir de um determinado


número de casos particulares, conclui-se uma verdade geral).

Bacon diz que as palavras são apenas etiquetas das coisas e que a filosofia se
tem ocupado de relações entre palavras sem compreender as relações entre as
próprias coisas. Dizia também que existiam “ídolos” (obstáculos) ao conhecimento.
Esses obstáculos viriam da nossa incapacidade de compreender o mundo exterior
sem nos projetarmos nele e na nossa tendência para nos perdermos nas palavras

30
que já não fazem referência àquilo que designávamos originalmente. Deste modo,
Bacon pede um apagamento do sujeito de pensamento quando encara a natureza.
O conhecimento não deve tentar inferir leis gerais mas apenas, muito
progressivamente, captar a natureza.

GÉNESE RENASCENTISTA DO PENSAMENTO CARTESIANO:

A crítica nominalista de Occam foi devastadora para o aristotelismo: se não


há universais, isto é, se as categorias que usamos forem apenas construções do
espírito, deixa de haver metafísica e passa a ser suficiente estudar aquilo que vemos
e sentimos: em vez da realidade que transcende a experiência humana, deve
estudar-se a própria natureza humana e aquilo que os sentidos nos dizem.

GOMEZ PEREIRA E A RE AFIRM AÇÃO DO ARGUMEN TO DE AGOSTINHO:

Gomez Pereira afirma que, se não houver universais fora da mente, isto é, se
os universais forem conceitos a que a mente chega por abstração dos exemplares,
como pretende Occam, a distinção entre mente ativa e mente passiva não faz
sentido.

Se tomarmos a posição experiencial e não metafísica, a mente revela-se,


como em Agostinho, pela própria experiência que dela temos; experiência essa
que, como vimos desde Platão, Plotino, Agostinho e Avicena, é de uma mente una,
sem partes e separável do corpo. Essa mente aprenderia pelos sentidos as coisas do
mundo exterior e elaboraria os conceitos a partir dessas experiências sensoriais,
como em Occam. Esta elaboração seria função da alma racional, que
corresponde à experiência do eu, una, sem partes e independente do corpo; e,
segundo Gomez Pereira, por nada ter de material, nada teria de corruptível e seria,
por isso, imortal.

Nesse caso, teriam os animais também mente, dado que também têm
sentidos e de guiam por eles. Esta hipótese era impossível de aceitar e Pereira
restringe, então, o sentido de “conhecer”. Segundo ele, conhece-se quando se dá
conta de uma experiência mental. Ou seja, conhece-se quando se sabe que se
sabe: se eu vir uma árvore e tomar consciência explícita disso, afirmando “vejo uma
árvore” estarei a conhecer; se vir uma árvore e me limitar a reagir (ex. procurar uma
sombra) não posso afirmar conhecimento.

Pereira afirma que a conduta animal é determinada por “simpatias e


antipatias” (atração e distanciamento, respetivamente). Os animais teriam a

31
possibilidade de serem adestrados (aprendizagem) mas, não tendo consciência do
que lhes chega aos sentidos, não teriam alma racional.

O RACIONALISMO: DESC ARTES E ESPINOSA:

Chama-se racionalismo à ideia de que se pode compreender o mundo


através da razão rigorosa. Opõe-se ao empirismo, que pretende basear-se na
observação.

O racionalismo baseia-se na ideia de que há uma ordem por detrás das coisas
e que essa ordem é racional, isto é, atingível pela nossa razão. Por ter de existir uma
semelhança entre a nossa razão e essa ordem (caso contrário seria impossível
conhecer o mundo), houve a tendência para se considerar que ambos derivaram
de um Deus criador. Por isso, o racionalismo declara que há capacidades inatas,
dadas pelo criador.

CONTEXTO E PROBLEMA DE DESCARTES:

Descartes diz que o argumento aristotélico de que os conteúdos da mente


têm primeiro de passar pelos sentidos e ser representados como imagens mentais se
baseia numa maneira infantil de pensar: as crianças confiam nos sentidos para
procurar o benefício e evitar o dano, mas os sentidos enganam-se e a realidade
não é o que parece.

Descartes dá como exemplo a cera: vejo-a, toco-a, cheiro-a, meço-lhe o


volume. Mas aqueço-a e todas essas características se alteram. O que é a cera?
Algo de flexível e mutável? Se assim for, nunca a poderei conhecer porque nunca
conseguirei conhecer pelos sentidos todas as formas de que ela pode apresentar.
Apenas posso ter da cera representações mentais que não são certas.

Do que eu não posso duvidar é que de existe a criatura que pensa esses
conteúdos (sejam eles sonhos ou não) e de que essa criatura sou eu. Portanto, tenho
pelo menos esta certeza: penso, sei que penso e isso prova que eu, como ser mental,
existo. É este o significado do famoso Cogito cartesiano.

Sabemos que existimos porque a nossa experiência mental é a única coisa


que temos a certeza, ainda que os conteúdos da mente sejam errados ou ilusórios.
É essa a experiência mental que tanto os filósofos quanto os primitivos chamam
alma e, em parte, é a isso que Descartes chama de mente.

Contudo, Descartes não parou na certeza de existir psicologicamente.


Acreditava que podia admitir a existência de uma coisa desde que essa coisa fosse

32
racionalmente óbvia- uma coisa ou ideia clara e distinta. Isto é, quando uma ideia
é óbvia aos olhos da mente devo aceitá-la como verdadeira.

Descartes argumenta que Deus não engana: as ideias evidentes são


verdadeiras. A mentira provém de imperfeições; logo, se Deus é infinito e perfeito
não mente e, portanto, não nos pode induzir em erro.

NATUREZA DA MENTE E DUALISMO:

Para Descartes, a mente não é apenas consciência, mas consciência de


ideias. Essas ideias podem ter origem em três fontes:

 Abstração;
 Experiência;
 Inatas: dadas por Deus.

O mundo material tem extensão e pode ser representado pelas ideias inatas
da matemática. O mundo mental é diferente: ao mundo mental pode-se aceder
diretamente pela experiência de existir. É o que me permite afirmar que existo, que
sinto, que desejo. É o eu-sujeito.

Descartes acrescenta que Eu sou uma coisa que pensa e que tem uma ideia
clara e distinta do corpo, que nada pensa. O Eu é, pois, equacionado
explicitamente com a alma e distinguido do corpo.

Estamos, então, perante o dualismo: existiriam mente/eu/alma e corpo. A


mente seria, pois, incomensurável (não é possível medir) enquanto que o corpo e a
matéria são mensuráveis. Sendo assim, Descartes tem de admitir que existem duas
ordens de realidades:

 Res Cogitans: coisa pensante imaterial;


 Res Extensa: coisa extensa, com materialidade e mensurável.

Estas duas realidades seriam separadas mas teriam relações, dado que
pensamos nas coisas materiais e que há comunicação entre mente e corpo. A
resposta de Descartes ao problema da ligação entre res cogitans e res extensa é
pouco convincente. A pergunta é como se processa essa ligação, ao que
Descartes respondeu “na glândula pineal”, na altura não se conhecia a função,
mas que estava no centro do cérebro. Sendo assim, Descartes respondeu à
pergunta “onde” e não “como”.

33
FISIOLOGIA, PSICOLOGIA, CONHECIMENTO E PAIXÕES DA ALM A:

A mente de Descartes é autónoma, pode pensar em ideias puras


independentemente das imagens dos sentidos. A máquina dos sentidos é o corpo,
puramente mecânico, como nos animais.

A mente, consciência pura, teria atributos: existência, duração, etc. e teria


dois modos principais:

 O intelecto: que apenas pensa;


 A vontade: que leva à decisão

O intelecto tem, ele próprio, vários modos:

 Puro intelecto: quando se pensa nas ideias inatas;


 A imaginação: imagens mentais;
 Sentidos;
 Paixões da alma (emoções).

Paixões, imaginação e sentidos dependem da ligação entre corpo e mente:


o corpo transmite movimentos à alma, que os interpreta como emoções, perceções
ou imagens, mas o intelecto puro é independente do corpo.

A vontade tem vários modos, também: desejo, aversão, afirmação, negação


e dúvida. Tem origem na mente mas depende do corpo para se exprimir aos outros
sobre o mundo.

A perceção, em Descartes, difere muito da perceção aristotélica. Nesta


segunda, os objetos têm qualidades que lhes são intrínsecas (ex. cor), mas segundo
Descartes, é a nossa mente que interpreta as coisas em termos de cor, cheiro,
temperatura: os átomos livres batem na superfície de um objeto e giram de uma
determinada forma. Esses átomos chegam depois aos sentidos e, por intermédio da
pineal, traduzem esse tipo de movimento em cores, cheiros, etc.

As paixões são estados mentais, sentidos apenas na mente, e são reações a


situações do exterior.

Se os animais apresentam, tal como nós, comportamentos e, aparentemente,


qualquer coisa que se assemelha às nossas emoções é porque, diz Descartes, as
reações “automáticas” dos animais e mesmo da nossa espécie não são
provenientes da alma, mas do próprio corpo. Da mente, são os pensamentos e as
paixões da alma (desejos e motivações); do corpo, são as reações que essas
paixões ou pensamento colocam em movimento.

34
Não é inútil comparar esta versão com a formulação aristotélica de almas
vegetativa, sensitiva e racional: Descartes quebra essa distinção e restringe o termo
“alma” à sua origem experiencial- sentimento de existir. A inferência de intenções
do comportamento animal é, pois, explicitamente rejeitada e atribuída a uma
maquinaria do corpo: a alma vegetativa passa a ser apenas um mecanismo
corporal.

INFLUÊNCIA DA IDEIA DO CORPO COMO MÁQUINA:

Descartes estudou o homem-corpo como se fosse uma máquina. Pensava ele


que as reações fisiológicas se explicavam por princípios inteiramente semelhantes
aos que explicam as máquinas complexas. No entanto, possuiríamos decisão e livre-
arbítrio, quer dizer, possibilidade de escolha; o decisor da máquina seria a alma.

Os animais, não tendo almas, seriam puras máquinas, não dotadas de


propriedades psicológicas.

ESPINOSA:

AS IDEIAS DE ESPINOS A:

Espinosa foi muito influenciado por Descartes. Mas há diferenças de ideias e


de objetivos. Descartes era um espírito sobretudo matemático e mecanista.
Espinosa aceitou as suas influências, mas pretendeu estendê-las não apenas ao
estabelecimento da verdade científica, mas a toda a atividade humana. Enquanto
Descartes estabelece um dualismo entre o pensamento e a matéria, Espinosa afirma
o monismo: tudo é parte de uma realidade una. Essa realidade una é Deus, que é
tudo quanto existe.

Deus seria tudo aquilo que existe, sem nenhuma transcendência; não existiria
um agente todo-poderoso; não nos amaria com sentimentos humanos, apenas
existiria como poder infinito. Deus é a existência e as leis dessa existência. Essas leis
são as leis da natureza e, como o homem é natureza, são também as que
determinam a nossa mente e o nosso comportamento.

Deus tem um número infinito de atributos, mas apenas conhecemos dois: a


extensão e o pensamento (aqui podemos verificar a influência de Descartes com
res cogitans e res extensa).

O pensamento e a realidade (extensão) são a mesma coisa e podemos


chegar a compreender Deus. Para isso, temos de abandonar a nossa maneira de
pensar habitual. Espinosa fala em três tipos de pensamento:

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 Ideias vagas e ouvi dizer: é o pensamento que temos do quotidiano (ex. sei o
dia em que nasci porque mo disseram). Este conhecimento permite-nos
realizar operações numéricas sem compreender a razão de ser matemática.
Este género de pensamento é útil, mas nada interessa para a ciência;
 Leis e causas dessas leis: é o pensamento que utilizam os geómetras e permite
fazer previsões rigorosas;
 Intuição imediata das verdades (vista como uma forma de pensamento
superior): trata-se de coisas que, ao serem pensadas, só têm uma solução (ex.
se A=B e B=C então A=C). Nestes casos não é quase necessário pensar, trata-
se de afirmações cuja verdade é evidente na ausência de qualquer
demonstração.

A esta intuição, Kant viria a chamar de verdades necessárias e, para


Descartes, são as ideias inatas.

Esta separação entre os três géneros de pensamento (empírico, racional e


necessário) encontra-se em mais filósofos. Em todos os casos, significa que o
empirismo é rejeitado e que o nível verdadeiro das coisas é o da união entre o
pensamento e a coisa pensada, chegando assim à essência da coisa e não apenas
às suas aparências e propriedades.

O PENSAMENTO E AS PAIXÕES:

Dado que a nossa vida normal é passada no primeiro modo, como


poderemos compreender Deus? É ao primeiro modo que devemos atribuir as
paixões humanas, que Espinosa compreendeu serem as de qualquer ser vivo.

O grande motor da sua teoria é de que os seres lutam pela sua preservação
e contra a sua destruição, e a sua paixão fundamental seria a auto-preservação, a
procura de aumentar o próprio ser. Mas esse aumento do próprio depende das
condições do ambiente. Há condições que propiciam esse aumento, e outras que
o contrariam. Por isso, há duas paixões fundamentais: uma positiva (a alegria),
quando o organismo garante o seu poder, e outra negativa (a tristeza), quando
perde poder.

Aqui, alegria e tristeza não são termos completamente coincidentes com os


nossos, compreender-se-á melhor se se falar apenas em positivo e negativo.

Assim, o amor e o ódio seriam a combinação da alegria e da tristeza com a


ideia das causas dessa alegria ou dessa tristeza (se alguém nos aumenta o poder,
gostamos dela; se no-lo diminui, odiamo-la). A esperança e a apreensão são a

36
alegria e a tristeza causadas pela imaginação de um acontecimento incerto.
Destas emoções secundárias formam-se ainda outras.

Todas estas paixões são passivas na medida em que são causadas por efeitos
externos e não são determinadas de dentro.

Apenas sabemos que sentimos, mas não sabemos porquê. Identificamos um


alvo exterior como causa, mas a verdadeira causa não é essa. A este facto
chamamos de “tendência para a atribuição externa”, que significa que procuramos
uma causa, uma “culpa”, no exterior e nunca procuramos compreender, dentro de
nós próprios, o que nos levou à situação em que estamos. Enquanto vivermos
apenas nas nossas paixões, nunca nos conheceremos nem ao mundo.

Para Espinosa não existe liberdade nem livre-arbítrio. A liberdade é uma ilusão
porque pensamos ser os autores das nossas ações. Isto sucede porque não
conhecemos a verdadeira causa das coisas e atribuímo-las apenas ao que
sentimos: sabemos que fizemos uma coisa, temos consciência de nós e dos objetos
exteriores da nossa ação; de modo que pensamos “eu fiz isto porque quis” e “a
culpa é de x”. Mas a verdade, é que a maneira como nos comportamos e como os
outros se comportam é determinada pela ordem da própria natureza.

Há, então, alguma possibilidade de escapar a essa escravatura? Recordemos


que o pensamento tem três géneros: se conseguirmos compreender as causas
últimas das nossas ações e das leis do mundo (ou seja, de Deus) conseguiremos
distanciarmo-nos dessa escravatura.

Em vez de reagirmos simplesmente com emoção, podemos compreender o


porquê dessa reação. Distinguir entre o que sentimos e o que pensamos, isto é, ser
espectador das nossas emoções e não deixar o centro de nós próprios ser a própria
emoção, mas forçar esse centro a permanecer na posição de espectador racional.

Se fizermos isso e se conseguirmos compreender que a contemplação das


verdades eternas (da ordem do mundo e das nossas reações) é uma fonte mais
segura de alegria, abandonaremos a procura da satisfação das paixões
desordenadas e escolheremos a beatitude. Desviar-nos-emos então dos prazeres e
das dores das paixões.

A POLÍTICA DE ESPINO SA:

É a mesma busca da liberdade que leva Espinosa a propor um ideal político.

Deixado a si próprio, o homem exerce o poder e, tal como os peixes, o maior


devora o mais pequeno. Ninguém quer viver nessa perpétua angústia e as pessoas

37
compreendem que têm a ganhar em associar-se delegando a autoridade num
governo que puna quem quer que exerça poder demais e não cumpra as regras
cooperativas de apoio à comunidade.

Espinosa acredita que, se os governantes forem sábios, compreendem o dano


que causam a si próprios (por meio dos danos que causam ao seu país) e assim se
abstêm de abusos de poder.

DO EMPIRISMO A KANT:

INÍCIOS DO EMPIRISMO:

A palavra não é a coisa a que se refere, mas apenas um símbolo. Já vimos


que surgiu, pelos nominalistas, uma crítica à ideia de que as palavras se referiam
fosse ao que fosse de real. Agrupamos numa palavra o que quisermos. Isso faz com
que uma palavra não corresponda a uma classe natural de coisas, mas apenas a
uma construção da nossa mente.

Pretendiam, os conceptualistas, que todas as essências, quer dizer, as


características que achamos essenciais, são apenas produtos da nossa mente.
Assim, a maior parte do pensamento baseado em filosofia dos conceitos seria
enganador. Seria, pelo contrário, preciso olhar para as coisas e descrevê-las.

Significa isto, que a descrição empírica do mundo seria mais importante do


que fazer teorias complexas que não são baseadas numa descrição adequada.

Este argumento leva à ideia de que a ciência empírica é mais importante que
a metafísica. E leva a afirmar a maior importância da observação do que da
dedução de raciocínios a partir de princípios que, provavelmente, são apenas
formulações de palavras que descrevem agrupamentos feitos pela mente, mas sem
correspondência no mundo real.

Já vimos que o conceptualista com maior influência foi Occam, que


influenciou Francis Bacon que, na sua obra, defendia que não se fizessem hipóteses,
mas apenas se observasse e se descrevesse.

Mas isto não corresponde ao que os empiristas fazem. É impossível, seja a


quem for, não fazer uma hipótese antes de observar: que mais não seja, a hipótese
está implícita na pergunta que determina a observação.

Um segundo significado de empirismo é a convicção de que o mental é


determinado pela experiência (posição anti-inatista).

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PIERRE GASSENDI:

Gassendi defendia que o conhecimento vem dos sentidos, materialmente: as


imagens ou a luz refletida chegariam à retina e ativariam um processo no nosso
cérebro. Distinguiu também entre qualidades primárias, próprias do objeto, e
secundárias, que são construídas pela mente.

Acreditava também no atomismo, em que os pequenos elementos dariam


origem a todas as coisas e também aos estados mentais.

Gassendi marcou a ciência natural ao afirmar que a razão era um mau critério
de verdade e que os sentidos eram o nosso único guia para compreendermos o
mundo. A razão seria falível porque um raciocínio impõe camadas de significado
sobre a experiência, desvirtuando-a. Os sentidos, embora possam enganar, são mais
diretos pois são passivos e, portanto, de maior confiança. Isto não significa que não
se pudesse teorizar para além da experiência: Gassendi acreditava na teoria
atómica.

As hipóteses inverificáveis pela experiência poderiam ser aceites se houvesse


consenso entre sábios.

Além disso, Gassendi defendia o mecanicismo, isto é, a existência de


explicações mecânicas de todos os fenómenos.

Contudo, a sua obra tem duas fases: a primeira pode ser considerada
materialista. Mas, no fim da vida, defendeu a existência de uma alma racional que
decidia e determinava a alma vegetativa, responsável pelas paixões e desejos
(nunca ninguém conseguiu explicar o porquê desta última fase, continua um
mistério). Na sua segunda fase, passou de um materialismo total a um mais restrito,
aplicável apenas ao mundo físico.

THOMAS HOBBES:

Para Hobbes, as classes do nosso pensamento são apenas nomes


convencionais que aplicamos ao real, agrupamos coisas de acordo com a
definição que damos às palavras.

Hobbes é, pois, nominalista. Opõe-se a Descartes, dizendo que o facto de se


poder pensar na mente como independente do corpo não significa que ela o seja:
é apenas um erro no uso de palavras e conceitos.

O conhecimento mental vem dos sentidos: as coisas são movimento que


entram em contacto com os órgãos dos sentidos. Esse movimento transforma-se em

39
sensações quando entra em contacto com o cérebro e o coração, que reagem à
pressão do movimento com uma contra-pressão “para fora”, que dá origem às
sensações. As sensações persistem na memória, mas enfraquecidas: são as ideias.
Essas ideias podem, depois, ser combinadas de acordo com a imaginação.

A imaginação é, pois, a manipulação das ideias provenientes dos sentidos e


é o fundamento do pensamento. A linguagem permite-nos pensar e comunicar.

Também as emoções seriam provenientes do movimento do corpo, que


geraria uma paixão, seguida de deliberação (a forma como atingir um objetivo); a
deliberação seria assegurada pela imaginação.

Dado que todos procuramos poder e que competimos por ele, Hobbes
conclui que o estado “natural” do homem é de guerra contínua, perigo constante,
desgraça e sofrimento. Mas além da vontade de poder, o homem tem
capacidades racionais e compreende que a situação em que se encontra pode
ser melhorada se houver um contrato em que os indivíduos prescindam da sua
liberdade (do seu poder) para o entregar a alguém que os defenda em conjunto.

Na opinião de Hobbes, um Estado forte é a única alternativa ao caos social.


O Estado forte funcionaria porque uma das motivações essenciais da nossa espécie
é o medo, que é a tendência para preservar a própria vida; dessa maneira o Estado,
ao ameaçar quem quer expandir demasiado o seu poder, garante a paz comum.

A PSICOLOGIA DE HOBB ES:

Hobbes analisa as emoções de forma muito subtil: diz ele que há um número
limitado de paixões simples, mas que a maneira como se sucedem ou se combinam
dá origem a outras.

Hobbes faz uma espécie de análise fria das emoções e motivações humanas:
desejamos o que nos traz benefício, amamos o que nos dá poder ou satisfação, e
detestamos aquilo que nos impede de obter aquilo que queremos e aquilo que nos
magoa.

JOHN LOCKE:

Locke parte da experiência. Nisto, distingue-se tanto dos aristotélicos, que


procuravam identificar as funções (ou faculdades) da alma; quanto dos
cartesianos, que procuravam definir o conhecimento como um processo rigoroso
de chegar à verdade através de linguagens precisas. Locke defende uma coisa
diferente: em vez de ter a pretensão de chegar à verdade sobre as coisas, pretende

40
saber como conseguirmos pensar sobre elas. A sua atenção afasta-se, portanto,
dos problemas de saber o que é o espaço, o tempo, a substância, para se centrar
em como, psicologicamente, se geram essas ideias em nós.

Há, pois, uma mudança de objetivo: Locke não se interessa pela ontologia (o
que é uma coisa), mas pela epistemologia (como sabemos sobre essa coisa).

A representação das coisas não é estudada em termos de funções ou


faculdades hipotetizadas na terceira pessoa, mas por observação direta da mente,
na primeira pessoa.

 Preconceito atomista:

A investigação de Locke é determinada por um pré-conceito atómico que


data dos pré-socráticos: o atomismo.

Esse atomismo das ideias materiais teria um paralelo na mente: primeiro


percecionaríamos os elementos mais simples e depois formaríamos sínteses entre
esses elementos mínimos. Esses elementos mínimos de consciência seriam as ideias
simples.

 Ideias simples:

As ideias simples têm duas fontes: o mundo exterior e a própria mente. Do


mundo exterior vêm as sensações (branco, quente, frio); do mundo interior vêm as
reflexões (a consciência da nossa própria atividade mental). As ideias de reflexão
podem agrupar-se em duas categorias: perceção (capacidade de pensar) e
vontade (capacidade de mover um braço, uma perna, etc.)

Pode-se assim afirmar que a mente é uma tábula rasa, uma folha em branco:
as sensações inscrevem-se progressivamente nessa folha e a reflexão permite,
depois, pensar nessas sensações.

Além de sensações e reflexões, há ainda o prazer e a dor, que são


capacidades inatas do homem (as únicas que Locke afirma explicitamente serem
inatas) e que acompanham as sensações e reflexões.

As ideias simples de sensação não correspondem à realidade. Locke


distingue entre sensações primárias (solidez, extensão, movimento) e secundárias
(cor, som, paladar). As sensações primárias podem refletir propriedades do mundo
real, porque estão sempre presentes, mas não as secundárias.

41
As ideias primárias impõem-se à consciência, que não as pode escolher.
Podemos não dar atenção às perceções e reflexões, caso em que não teremos
memória clara delas. Daremos tanto mais atenção (e fixaremos melhor) tanto maior
o prazer ou a dor que acompanham uma sensação ou reflexão.

 Ideias complexas:

Já as ideias complexas dependem mais da atividade da mente. É a partir de


sensações e reflexões que se vão constituir.

As ideias complexas compõem-se de ideias simples. Locke analisa as ideias


complexas e divide-as em três tipos:

o Substância: O termo significa a realidade última de uma coisa. Locke


recusa-se a pronunciar sobre a natureza das coisas. O que sabemos de
uma coisa é o seu efeito, não a sua natureza e, por isso, não nos
podemos pronunciar sobre ela para além de saber como nos sentimos.

Locke considera que tanto a substância material quanto a espiritual são


igualmente verdadeiras ou falsas. Como nada sabemos das substâncias senão o
seu impacto em nós, não correspondem a nenhum conhecimento certo. O mundo
mental não é, pois, mais irreal do que o mundo material, contrariamente às
aparências.

o Modos: São combinações de várias ideias simples e podem ser, eles


próprios, modos simples, quando constituídos a partir de elementos da
mesma natureza, ou mistos, caso de quase todos os conceitos mais
gerais que utilizamos (ex. moral, lei, política). Um modo é, assim, um
agrupamento de ideias simples numa determinada relação.

Os modos são os conceitos que utilizamos para pensar a realidade. A estes


conceitos damos nomes e definições de maneira a podermos usá-los como
auxiliares de memória e para comunicarmos entre nós.

Há, igualmente, modos mentais; isto é, conceitos que usamos para pensar a
mente. São exemplos deles o pensamento, a memória, a reminiscência, a atenção.

o Relação: Significa, sobretudo, a comparação entre duas coisas; se são


maiores, menores, diferentes ou iguais. Podem comparar-se ideias
simples ou ideias complexas.

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LOCKE E A PSICOLOGIA DAS FACULDADES:

Locke opõe-se à teoria das faculdades, afirmando que o conceito de


faculdades psicológicas não explica nada: a faculdade causal X explica que eu
faça X, o que é circular. Mais vale, em vez de inventariar as faculdades, analisar a
nossa própria mente para ver o que lá se encontra.

EU EM LOCKE:

A representação que faço de “um homem” é diferente da representação


que faço de mim próprio. Para essa identidade subjetiva do sujeito, Locke usa o
termo “uma pessoa”. A pessoa seria o Eu, definido pela capacidade que tem “de
pensar a si próprio”. Essa consciência de si, eu, pessoa ou “coisa pensante” (tudo
sinónimos) é independente da substância que a forma. Imaginando que seria
possível transferir a mesma consciência, depois da morte de um corpo, para o corpo
de uma pessoa diferente e com uma situação social oposta- passar de príncipe a
sapateiro- a pessoa continuaria a mesma: seria o príncipe no corpo do sapateiro; o
homem seria diferente, mas a pessoa seria a mesma.

Ou seja, Locke distingue duas posições relativamente à visão de nós próprios:


a posição de primeira pessoa, o “eu próprio”, e a visão da terceira pessoa, um
corpo animado que posso interpretar, mas não sentir.

Além disso, o Eu é uma sensação subjetiva, não depende “das substâncias


que contribuíram para a sua produção”, ou seja, a sensação do Eu não depende
da matéria do corpo.

O Eu é, pois, a consciência, e os seus limites não são os do corpo (porque um


amputado mantém igual consciência), mas os das suas recordações.

TEORIA DA LINGUAGEM:

Locke não tem confiança na fidedignidade dos modos, isto é, dos conceitos
complexos, que considera convenções culturais. A linguagem é mais fiel
relativamente às ideias simples porque, nesse caso, as palavras funcionam quase
como “apontadores” para o fenómeno. Nos outros casos, nos modos, há sempre
agrupamento arbitrário das ideias simples.

Esses agrupamentos são abstrações, e essas abstrações são diferentes em


pessoas diferentes consoante o peso de cada ideia simples. Tal como,
anteriormente dito, não tem correspondência com a realidade, que é feita de
particulares.

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Para ter a certeza de que os nossos conceitos têm correspondência na
realidade, temos de os comparar sistematicamente.

O ANTI-INATISMO DE LOCKE:

Posso basear-me na minha experiência mental de duas maneiras:

 A primeira consiste em tentar considerar os processos mentais dinâmicos, o


que sinto enquanto penso, enquanto me vejo ou irrito, isto é, os estados do
sujeito. Essa descrição é difícil, porque se estiver concentrado num objeto
exterior não posso, ao mesmo tempo, estar concentrado no que sinto.

Além de não lhes dar atenção durante a minha atividade normal, esses
“estados transitórios” não passam para a memória e não são recuperáveis de
maneira a poderem ser analisados. Terei apenas a recordação dos produtos do
esforço de reflexão (conclusões, soluções intermédias, etc.).

 A segunda maneira de estudar a minha experiência mental é basear-me nas


conclusões, no conteúdo armazenado na minha memória. Nesse caso,
estarei a concentrar-me não na atividade do sujeito, mas nos objetos mentais,
nos produtos da atividade mental do sujeito. Estes produtos são todos objetos
mentais, isto é, coisas em que posso pensar como se estivessem à minha
frente.

Locke concentra-se nos conteúdos objetuais da mente: nos resultados, não


nos processos transitórios do pensamento. Ora, esses resultados (objetos mentais)
são efetivamente provenientes de duas coisas apenas: do exterior (sensações
corporais sentidas como exteriores à mente) e das sensações internas. Locke postula
que os objetos mentais são combinações de ideias simples.

Identifica também emoções, que classifica, genericamente, em prazer e dor.


Conclui então que inatos são o prazer e a dor; todas as ideias complexas são
relações que eu fiz sobre as ideias simples.

A conclusão do empirismo de Locke é pois, inevitavelmente o anti-inatismo:


tudo nos vem dos sentidos, menos a dor e o prazer.

DAVID HUME:

Hume dizia que, para resolver os problemas da filosofia, era necessário


conhecer a natureza humana. Como vimos, os filósofos tendem a criar entidades
não visíveis e não concretas, com base na experiência mental.

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Occam já tinha defendido a necessidade de limitar essas entidades ao
mínimo e de compreender que se trata apenas de conceitos e não de coisas reais.
David Hume chega ao limite dessa perspetiva anti-reificadora de entidades: na
opinião dele, toda essa metafísica é falsa e indutora de confusão. Para explicar os
problemas da filosofia da mente, seria suficiente usar o método da observação, da
descrição da experiência mental (introspeção).

Hume, como em Locke, observa a sua mente, que é o seu objeto de atenção.
No entanto, para explicar um assunto (ex. uma relação entre uma paixão e um
objeto), varia o tipo de relação que o objeto tem com o sujeito e varia o objeto.
Deste modo, utiliza variáveis independentes de maneira a chegar a várias situações.
Imaginando essas várias situações, descreve o que sente em cada uma delas e
chega então a uma conclusão.

A variável dependente é aquilo que o sujeito sente e as independentes são


as constelações de situações imaginadas.

Hume parte da posição estabelecida por Locke e diz que temos acesso a
duas coisas:

 Perceções (do mundo exterior);


o Ideias (forma acentuada da impressão, com caráter mais intenso e
nítido);
o Impressões (versão que fica na memória, mais fraca e menos nítida).
 Reflexões (do mundo interior).

As ideias são, pois, apenas registos de perceções. Hume chama a isto de


ideias simples, que se podem combinar umas com as outras e formar ideias
complexas.

A maneira como as ideias são guardadas difere consoante a recordação seja


quase tão vívida quanto a impressão ou tenha perdido completamente a
vivacidade. Existem dois processos de armazenamento:

 Memória (sempre viva, recorda a sequência das várias impressões originais);


 Imaginação (mais atenuada, podemos alterar a ordem da sequência
original).

As ideias complexas formam aquilo a que nós chamamos de realidades.


Hume considera impossível saber se as sensações que estão na origem de toda a
vida mental são provenientes de coisas reais ou se são ilusões: como a sensação é
tudo a que temos acesso, o problema da sua origem é impossível de desvendar.

O mundo mental não é, contudo, apenas povoado de imagens mentais. Há, na


mente, maneiras de relacionar essas imagens umas com as outras:

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 Semelhança (comparação);
 Identidade;
 Espaço e tempo (à frente, atrás, antes de);
 Quantidade e número (comparação da quantidade);
 Qualidade (este é mais forte que aquele);
 Contrariedade;
 Causa e efeito.

Por observação da mente, Hume afirma que há atração entre ideias que
sejam semelhantes, contíguas ou em que há uma relação de causa e efeito.

A semelhança e a contiguidade são importantes na perceção ou na


imaginação de ideias, mas é a causalidade que nos permite compreender as
relações dinâmicas e hipotetizar causas que não vemos.

Temos tendência em “derramar a nossa mente” sobre as coisas; de maneira


que, em vez de considerar apenas que há uma sensação antecedente e uma
consequente, sentimos uma causalidade e exteriorizamos, projetamos, essa
causalidade no exterior e sentimo-la como uma propriedade das coisas. Presumimos
a causalidade, quando o que experienciamos é apenas sucessão necessária.

Dado que a causalidade não se retira da experiência, mas é-lhe imposta pela
mente, é uma propriedade “natural”, ou seja, inata.

Hume usa a causalidade para explicar muitas coisas. Quando pensamos nas
coisas com vagar e profundamente, deixamos de acreditar nas nossas convicções
estabelecidas; mas mal relaxamos, o esforço intelectual e as convicções primitivas
voltam (sabe-se que o maior inimigo do raciocínio complexo é a pressa e a
excitação). Assim, sentiríamos o mundo como tendo significado porque o sentimos
casualmente interligado mas, se analisarmos o que realmente se passa,
verificaremos que não é assim. No entanto, essa análise não alterará nem as nossas
ações, nem a convicção profunda que sentimos.

A natureza humana seria então fundamentalmente irracional.

O EU EM HUME:

Das coisas- quer sejam reais ou não- temos ideias, que são reflexos
enfraquecidos das impressões originalmente sentidas. O Eu não deriva de nenhuma
impressão e não é, por isso, uma ideia. A mente, o Eu, a alma (tudo sinónimos para
Hume), são apenas as sucessivas perceções. Tendemos a ver continuidade e

46
identidade em impressões sucessivas, apesar de elas serem sempre diferentes (ex.
ver um carvalho a crescer ao longo dos anos, não é sempre o mesmo, mas
assumimos que sim, vemos continuidade).

O Eu é, pois, consequência da sucessão necessária (causalidade) entre um


antecedente e um consequente, mas não é real. Reais são apenas as impressões.

Ou seja, o Eu, como tudo o resto, seria consequência da associação. É uma


ilusão no sentido em que não é uma coisa que é percecionada.

Em Hume, o Eu são os objetos na mente, não o sujeito que os identifica.

A NATUREZA HUM ANA:

Hume distingue razão e paixões (razão e emoção). Diz Hume que a razão não
inicia nenhum pensamento ou ação porque apenas pode decidir sobre a verdade
de determinada afirmação. A vontade seria a consciência de iniciar um novo ato
ou uma nova perceção. Ora, o que determina este início de um novo ato ou
perceção é uma paixão, o interesse por algo (a motivação).

As paixões são consideradas em termos do prazer/dor que dão ao sujeito. Esse


prazer pode ser direto ou indireto (por influência das paixões dos outros). Esse prazer
ou dor é atribuído a dois elementos:

 Causa do prazer ou da dor;


 Objeto do prazer ou da dor: o Eu.

A moralidade vem das paixões, porque queremos que gostem de nós.

“Nenhuma qualidade da natureza humana é mais notável, tanto em si


mesma como nas suas consequências, como a tendência natural que temos para
simpatizar com os outros e para receber por comunicação as suas inclinações e
sentimentos, por muito diferentes ou mesmo contrários que sejam aos nossos.”

Gostamos de gostar, gostamos que gostem de nós. Esta e a base para a


sociabilidade.

É importante compreender que o naturalismo de Hume, por mais empirista


que seja, não exclui aquilo a que chamaríamos de inatismo: é o conhecimento
(sobre as coisas) que é adquirido, não propriamente a razão.

47
DAVID HEARTLEY:

O objetivo de Heartley foi de relacionar a teoria de Locke com uma teoria


fisiológica. A ideia é de que os nervos vibram aquando de uma sensação e mantêm
essa vibração, embora mais fraca (estas seriam as ideias). A estas vibrações mais
fracas chamaram-se vibraciúnculas, isto é, pequenas vibrações. As ideias ligam-se
umas às outras por associação, que ocorre, como em Hume, por contiguidade. Há
uma diferença entre Heartley e Locke: Heartley não atribui importância à “reflexão”
(o exame mental do que se passa na mente) e todas as ideias complexas teriam
origem na associação.

OS MILL:

JAMES MILL:

James Mill deu apoio empírico aos trabalhos de Hume e Heartley. Descreveu,
assim, exaustivamente, várias formas de associação mental, que podem ser
formalizadas em leis da associação.

Defendia também a ideia de que a ação humana é dirigida pelo prazer e


pela dor e que, quando juntávamos essa ideia com as leis da associação,
passávamos a ter as “teorias da aprendizagem”: um estímulo neutro é associado
(pela contiguidade) a um outro que causa prazer ou desprazer e, assim, ele se
transforma em positivo ou negativo (o estímulo neutro inicial).

JOHN MILL:

John Mill defendia que as várias sensações poderiam não apenas associarem-
se e formarem ideias complexas por soma de ideias simples mas também, como na
química, poderiam combinar-se e dar origem a uma sensação completamente
diferente da soma das sensações originais.

Com John Mill se completam as leis da aprendizagem:

 Cada sensação deixa na mente um rasto mais ténue de si, uma ideia;
 Sensações e ideias contíguas são associadas;
 A força da associação varia com a frequência da contiguidade;
 Ideias e sensações mais vivas formam associações mais fortes;
 Ideias semelhantes evocam-se umas às outras.

48
ILUMINISMO E ROUSSEAU:

O iluminismo ocorreu em França, como o resultado de uma tentativa de


libertar o pensamento dos dogmas religiosos e como afirmação da capacidade do
homem que, através da razão, chega a compreender o mundo sem postular
entidades sobrenaturais. O iluminismo defende a experiência.

Dada a influência de Locke e a consequente tentativa de afastar as


explicações das hipóteses não baseadas em factos observáveis, a tendência geral
dos iluministas foi de pressupor que o conhecimento vem de fora e que a nossa
mente é determinada pelo ambiente e pelas sensações internas de prazer e dor.

CONDILLAC:

Defendeu as teorias de Locke, mas não concordava com a importância que


este dava às ideias de reflexão: para Condillac tudo vinha do exterior através da
sensação e da associação entre sensações.

Para demonstrar que a mente tem origem nas sensações, Condillac procede
desta forma: declara que que são conhecidas várias características da mente-
atenção, comparação, juízo, sensação, etc.- mas que não são conhecidas as
origens dessas faculdades. Para isso, vai tentar hipotetizar o funcionamento de um
organismo virgem de experiências, e que tenha apenas a sensação mais simples- o
olfato.

Segundo Condillac, esse organismo, quando sente um cheiro qualquer, é


totalmente preenchido por esse cheiro: é, em termos de consciência, esse cheiro.
Por isso, Condillac afirma que o organismo dá atenção a esse cheiro. Quando o
cheiro desaparece, nem por isso o organismo deixa de o sentir: tem dele uma
recordação. Se, de seguida, aparecer um outro cheiro, haverá comparação se esse
novo cheiro e a recordação do anterior, e será feito um juízo entre semelhanças e
diferenças. Se o organismo repetir esse juízo várias vezes, com vários cheiros, haverá
uma reflexão. Se for apresentado um cheiro desagradável ao organismo, ele
lembrar-se-á de um cheiro agradável (imaginação). Ao conjunto destas
faculdades, chama Condillac o entendimento.

Há um outro conjunto, a vontade. Todos os cheiros são agradáveis ou


desagradáveis. Se, num momento em que o organismo está desagradado com um
cheiro, ocorrer a recordação de um cheiro agradável, ocorrerá necessidade e
desejo. Se o desejo dominar o organismo, haverá paixão, e daí decorrem o amor, o
ódio, o medo e a esperança. Se esse desejo for satisfeito, o organismo terá noção
do querer e poder, que caracterizam a vontade.

49
Através deste raciocínio, é também capaz de explicar as ideias de número,
possibilidade, duração e Eu.

A posição de Condillac ilustra, melhor do que qualquer argumento, a falácia


do empirismo pois, na ausência de predisposições mentais nada pode ser
conhecido, relacionado ou pensado.

LA METTRIE:

La Mettrie afirmava que a alma derivava do cérebro. Declarava claramente


o seu materialismo, mas aceitava a dificuldade conceptual de conceber que uma
estrutura material (o cérebro) pudesse produzir sensações imateriais.

Admite que o pensamento é uma propriedade invisível que surge de uma


ideia mental.

Embora fosse um empirista convicto, tentava caracterizar algumas


qualidades mentais. Por exemplo, interessava-lhe particularmente a imaginação.
Além disso, perspetivou a memória de uma forma completamente física (como uma
marca deixada no cérebro) e antecipou os condicionamentos.

Também investigou as emoções, que reduzia ao amor e ao ódio. Aceitava,


como Hume, que “Deus não deu à minha alma nenhuma ideia de si mesma”.

Acreditava que o ambiente modelava a conduta: defendia ser possível


ensinar a um antropoide (hominídeo) a falar e a comportar-se como um cavalheiro
em miniatura.

Pretendia ainda ser possível inferir as qualidades psicológicas de uma pessoa


apenas pelos seus aspetos exteriores, pela sua fisionomia, pela sua maneira de falar
e pelos seus gestos. O que pretendia, acha-se, é de que não existiria alma, mas
apenas comportamento.

ROUSSE AU:

Rousseau tem duas ideias de base:

 O homem é naturalmente bom;


 A verdade não se atinge nem por especulação filosófica nem por exame
empírico, mas pelos sentimentos mais simples e diretos, isto é, através dos juízos
das pessoas não corrompidas pelas artes e pelas ciências e pelo excesso de
civilização.

50
Rousseau especula, assumidamente sem bases para isso, que nas fases
primitivas da humanidade o homem não teria sido social. Viveria sozinho,
procurando abrigo, alimento e reprodução, aparentemente sem qualquer forma
de família. Não teria linguagem e seria incapaz de reflexão sobre si próprio. Seria
como um animal mas com a possibilidade de querer ou não querer, isto é, teria
escolha, e seria perfectível, isto é, poderia evoluir mentalmente.

Caracterizá-lo-iam dois princípios: a auto-preservação e a liberdade.

A auto-preservação é equacionada com a sobrevivência. Embora


fundamentalmente egoísta, Rousseau não considera esse egoísmo um defeito.
Seria, pelo contrário, uma virtude que até os homens civilizados deveriam seguir,
independentemente de considerações sobre os outros. Refletiria o amor por si
(“amour de soi”, a não confundir com o amor próprio).

Desse amor por si derivaria outra tendência que, até certo ponto, moderaria
o egoísmo primitivo: trata- se da piedade (“pitié”), que poderíamos atualmente
designar por compaixão. Ocorre quando o sujeito vê alguém inferior a si em estatuto
numa situação de sofrimento, situação essa em que o sujeito teme poder vir a estar.

Essas duas motivações, como lhes chamaríamos atualmente, o amor por si e


a compaixão, equilibrar-se-iam no estado primitivo, a que chama «estado de
natureza» (état de nature).

Nesse estado primitivo, o homem seria bom porque, sendo embora


egocêntrico, não mentiria, não seria hipócrita, não humilharia os outros, não teria
amor próprio, que significa, segundo Rousseau, procurar sobressair dos outros. O
homem primitivo agiria, simplesmente, como um animal.

Por pressão de catástrofes naturais, e progressivamente, o homem teria


compreendido a necessidade de se juntar em grupos. Primeiro teriam sido grupos
de caça, evoluindo progressivamente para grupos permanentes.

É o estado selvagem, état sauvage, ainda sem leis, em que os homens


rivalizam entre si pelo acesso aos recursos e é nessa fase que teria nascido a inveja,
a discórdia, a vaidade e o desprezo. É nesta fase que Rousseau situa a origem do
mal: reunidas em grupos, as pessoas comparam-se com as outras e procuram ser
mais do que elas.

A essa fase segue se o estado civil, état civil, resultado da agricultura. A


agricultura requer a propriedade privada, e os mais hábeis e trabalhadores
conseguem enriquecer.

51
Ter se ia assim fundado a separação entre ricos e pobres que se organizariam
em grupos separados; os pobres em bandos de ladrões e os ricos entre si para
controlar e suprimir esses bandos.

Teria então começado a verdadeira sociedade das leis, que dá poder aos
ricos e o tira aos pobres e que destrói a liberdade primitiva e institui a propriedade e
a desigualdade. Teriam então surgido também os conceitos de justiça e de injustiça
(os conceitos de igualdade e desigualdade).

A arte a ciência ter-se-iam desenvolvido entre os ricos, como formas de


ornamento e de marcar a distinção entre os poderosos e os não poderosos. A arte
e a ciência não conduziriam à verdade. A verdade e a bondade encontrar-se-ia
nos espíritos simples, aqueles não corrompidos pela civilização, sendo que isto não
significa que se encontrassem no povo.

Se a verdade se encontra nas pessoas não poluídas pela civilização, a


vontade não poluída deve gerir os grupos.

ROUSSE AU E A SUBJETI VIDADE:

Para Rousseau parece impossível aceitar o determinismo externo mais


extremo. Se tudo viesse do exterior, não haveria lugar para qualquer esforço mental.
Se tudo nos viesse passivamente dos sentidos, chegaríamos às conclusões
automaticamente, por simples associação automática das ideias sensoriais.

O que isto significa é que, Rousseau sentia que a mente não era passiva, como
se defende no externalismo, mas ativa, que somos nós, por esforço voluntário, a
chegar a conclusões.

Enquanto que na maior parte das tradições, a mente ativa é racional e chega
às conclusões por inferências e deduções lógicas, em Rousseau é primordialmente
informada por sentimentos. Esses sentimentos apresentar-se-nos-iam como juízos
evidentes: Deus existe, devemos viver em harmonia com a natureza, a alma é
imaterial, etc. A nenhuma destas intuições se chega racionalmente: são apenas
intuições (tendência para o subjetivismo).

52
KANT:

O PROBLEM A DE KANT:

Kant retoma o problema de Hume, mas do ponto de vista não psicológico


(não introspetivo): se a mente se derrama sobe o que percecionado, é porque há
uma estrutura da mente que determina aquilo que é percecionado.

Aceita a descrição da experiência de Hume, mas o seu objeto é outro: o


conhecimento das condições que tornam a experiência possível (método crítico).

ESPAÇO, TEMPO E APER CEÇÃO PURA:

Kant começa por tentar encontrar as próprias condições das sensações. O


que os sentidos nos transmitem são sensações que, em si, nada significam. São ruído
e, para se tornarem objetos de conhecimento, têm de passar por duas intuições a
priori, ou seja, dois processos automáticos de processar um dado sensorial: tempo e
espaço.

Para Kant, a explicação mais adequada é, sempre, a mais geral, a mais


abstrata. Quando percecionamos ou imaginamos seja o que for externo a nós,
percecionamo-lo no espaço.

O tempo é estruturador dos sentidos internos. Poderíamos chamar-lhe,


atualmente, memória. Para nos darmos conta de um acontecimento, tem de haver
noção do seu início, isto é, memória do tempo em que ele não estava presente.

A diferença de Kant para os outros autores é que a realidade, se não for


processada por essas duas intuições a priori, não pode ser pensada: apenas
podemos pensar um objeto construído a partir das intuições de espaço e tempo.

Há uma outra condição para que haja conhecimento: todas as sensações


têm de ser acompanhadas por consciência. A essa condição, chamou Kant, a
aperceção pura e implica que haja um Ego, isto é, para que haja qualquer forma
de conhecimento, tem de existir um sujeito que representa os objetos de
pensamento ou de sensação (sensibilidade).

Esse sujeito fornece unidade a todas as perceções e representações. Trata-se


da unidade transcendental de aperceção, ou aperceção pura. O sujeito dessa
aperceção é o Eu transcendental ou Eu lógico.

Sem que exista um sujeito consciente das suas sensações, não pode existir
conhecimento: é a função do Eu transcendental tornar subjetivas, isto é “minhas”,
todas as experiências que tem. Só assim as poderá pensar.

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Recapitulando: Os dados dos sentidos são caóticos, sendo organizados por
um processo automático que os define como coisas no espaço e no tempo. Essas
coisas no espaço e no tempo são objetos de um sujeito e formam-se, assim,
conteúdos mentais.

Até que ponto estes conteúdos mentais se assemelham à realidade externa


que lhes deu origem? Segundo Kant, é impossível saber. À realidade exterior, Kant
chamou Coisa em si, ou númeno, mas aquilo a que temos acesso são os fenómenos.

A PRIORI COGNITIVOS QUE ORGANIZAM A EXPE RIÊNCIA:

A faculdade da sensibilidade organiza os dados dos sentidos segundo o


espaço e o tempo. Mas há outra faculdade, a do entendimento, que organiza esses
dados dos sentidos em ideias e juízos que se agrupam em categorias.

Segundo Kant, pensar significa fazer um juízo lógico, juízos esses


determinados pela própria estrutura da mente.

O pensamento científico assentaria, pois, no pensamento lógico, de modo


que Kant amplia a lógica do seu tempo para formar as categorias.

Sendo os juízos aplicações das categorias a priori, os objetos de pensamento


(os fenómenos) vão ser formulados em termos de cada uma das categorias, isto é,
vão ser relacionados uns com os outros por meio dessas categorias (causalidade,
da substância, da ação recíproca, etc.).

Acima da faculdade do entendimento, há a da razão. O entendimento


garante a unidade das aparências segundo regras, e a razão assegura a unificação
das regras do entendimento mediante princípios.

Dado que a razão nada deve aos sentidos, geram-se três princípios e ideias
absolutas:

 O sujeito absoluto ou alma;


 O objeto absoluto ou mundo;
 O ideal absoluto ou Deus.

Mas esses absolutos encontram-se fora da possibilidade de experiência e, por


isso, referem-se à realidade numénica, não podendo, pois, ser objeto de
conhecimento real. A razão deve, em vez de se dedicar a esses temas, exercer-se
sobre as próprias condições de conhecimento; compreender os seus próprios
limites.

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Kant não apresentou uma teoria psicológica de como a mente funciona em
todos os domínios, mas sim uma teoria epistemológica das condições necessárias
para que o conhecimento seja possível, e essas condições dependem consoante o
domínio.

INFLUÊNCIA DE KANT:

Para o estudo da mente, o que teve maior influência foi a noção de que o
conhecimento não é um acumular de impressões do exterior, mas sim que depende
de estruturas internas que organizam o que quer que venha de um mundo exterior
incognoscível.

A primeira influência de Kant foi na fisiologia de Johannes Muller e de


Helmholtz: são os nervos que codificam a modalidade sensorial que
experimentamos e que em nada se parece com a realidade exterior fisicamente
mensurável.

Influenciou também a “biologia” e Uexküll: cada espécie cria o seu próprio


espaço e tempo e define um mundo de experiência que lhes é exclusivo.

Kant não queria estudar a representação empírica que temos do mundo, mas
sim as condições que permitem essa mesma experiência empírica. Ou seja, em vez
da descrição introspetiva dos conteúdos mentais, procurava especificar as
condições lógicas necessárias para que a experiência mental possa ocorrer.

O EU EM KANT:

Kant afirma que nunca se pode conhecer objetivamente o Eu puro. A razão é


que o Eu não pode ser objeto de conhecimento (dado que é sujeito, não pode ser
objeto) e isso ocorreria porque esse Eu não tem origem no espaço e no tempo.

Segundo Kant, tudo quanto é objeto da ciência é visto do ponto de vista


causal (é causado por quê, causa o quê).

Há, assim, uma diferença entre o eu transcendental e o Eu puro/ético: do Eu


transcendental nada se pode dizer além de que é o sujeito da experiência e dos
juízos; do Eu ético dizemos que é um agente e autor de a priori éticos. O primeiro Eu
é uma categoria lógica e o segundo tem mais propriedades qualitativas.

Podemos, assim, verificar um dualismo: o Eu postulado na procura de verdade


objetivo e o Eu implícito na atividade moral. Talvez se compreenda a diferença
aceitando que os dois Eus são descritos em contextos e atividades diferentes: o Eu

55
puro no contexto do conhecimento puro, objetivo, da natureza (daquilo que é
dado pelas intuições do espaço e do tempo); e o segundo eu no contexto da
formulação de um mundo puramente mental, que não depende do espaço e do
tempo.

KANT E A CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA:

A ética de Kant não é psicológica, é puramente formal. Kant parte da ideia


de que existe boa vontade e que essa boa vontade se revela pela decisão racional
de cumprir o dever. O dever é o cumprimento da lei moral.

Pode-se saber se os nossos atos e as regras da nossa conduta se conformam


ou não à lei moral, universalizando-os: se imaginarmos que todas as pessoas agem
de acordo com uma dada regra, poderemos avaliar se o resultado é bom ou mau.

Se agirmos de acordo com a razão, seguir a lei moral é um imperativo, a que


Kant chamou de “imperativo categórico”: age segundo a máxima que desejarias
tornar-se uma lei universal.

A ética pressupõe que a vontade racional do sujeito determina as suas


escolhas. Uma ação não será ética se não implicar, no sujeito que a faz, uma
imposição voluntária da razão aos impulsos ou aos hábitos transmitidos pelo
costume. Isto é, sem livre-arbítrio não existe ética. Ora, a física e o pensamento
iluminista tinham concluído que tudo é determinado e Kant aceita que, se tudo é
determinado, então não pode haver liberdade. Parte da teoria de Kant consiste em
tentar explicar que o livre-arbítrio existe numenicamente, fora do espaço e do
tempo, embora não seja demonstrável racional ou empiricamente.

A HERANÇA DE NEWTON:

Newton diz que a filosofia natural assenta em duas ideias:

 A explicação deve recusar forças indemonstráveis;


 Deve assentar na formulação matemática das leis do movimento e da força.

Encontrar-se-á, assim, a explicação para todos os fenómenos, porque as leis


da física são gerais, universais e se agem de uma certa forma num fenómeno, então
agirão de forma igual em fenómenos semelhantes.

Dado que Newton pensava que a matéria é decomponível em partes


sucessivamente mais pequenas e que essas partes estão sujeitas às mesmas leis de
atração, a matemática/geometria pode explicar tudo.

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Newton deu recomendações de como proceder intelectualmente no
conhecimento científico:

 Não devemos admitir mais causas do que as necessárias e suficientes para


explicar as coisas naturais. Trata-se do princípio defendido por Occam;
 Aos mesmos efeitos naturais, devemos atribuir as mesmas causas (ex. a
respiração dos homens e dos animais);
 As qualidades dos corpos, sem considerar a intensificação ou a diminuição
por graus, e que a experiência nos informa que se encontram em todos os
corpos, são consideradas as propriedades universais de todos os corpos;
 Na filosofia experimental, devemos considerar como verdadeiras ou muito
próximas da realidade, as proposições inferidas por indução a partir de
fenómenos, ainda que existam outras hipóteses que possamos imaginar, até
que ocorram outros fenómenos que tornem essas proposições mais precisas
ou sujeitas a exceções.

IMPACTO DE NEWTON NA FILOSOFIA:

Newton tinha conseguido o enorme triunfo de explicar os movimentos do


sistema solar, apenas com base na formalização matemática de observações
empíricas, sem qualquer auxílio da ideia de um causador metafísico do movimento.
Embora Newton, nos seus escritos não publicados, invocasse um criador das leis que
descreveu, os movimentos do sistema solar eram explicados sem a ajuda de um
agente que causasse esse sistema. É nesse contexto que Newton escreve que não
faz hipóteses.

Hypothesis non fingo: “Até agora não consegui descobrir, a partir de


fenómenos, a causa das propriedades da gravidade e não faço hipóteses porque
o que quer que não seja deduzido dos fenómenos, deve ser chamado hipótese; e
as hipóteses, quer metafísicas, quer físicas, quer sobre qualidades ocultas quer sobre
processos mecânicos, não tem lugar na filosofia experimental”.

A própria atração gravitacional é uma hipótese, mas foi derivada da


observação e confirmada pela previsão. O que Newton diz, é que não admite
hipóteses a priori, que condicionem o tipo de conclusões que se venham a tirar.
Portanto, quando se cita a frase hypothesis non fingo, deve ter-se em conta que
Newton apenas disse, com ela, que não quer entrar em discussões metafísicas e sem
qualquer possibilidade de suporte empírico. Ou seja, que só aceita as hipóteses que
podem ser testadas.

A frase significa, pois, que Newton não encontrou cientificamente a origem


da gravitação, mas que não precisa dessa origem para prever os fenómenos que

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explica; e que não vai emitir hipóteses intestáveis sobre a origem dessa força. Não
significa que Newton nunca faça hipóteses, mas apenas que não quer, neste
campo, especular sem bases empíricas.

Newton não rejeitava Deus, mas no seu “sistema do mundo” limitava-o


apenas à criação. O filósofo tinha de explicar o mundo, não afirmando que Deus o
criou, mas encontrando leis que explicam como funciona essa criação. Ou seja,
Newton não rejeitava um criador, mas considerava que a atividade filosófica
consiste em encontrar o mecanismo dessa criação.

É esta característica, o mecanicismo, a mais significativa, porque rompe com


a intuição da espécie: o mecanicismo deixa de invocar um agente, passa a explicar
tudo em termos de massas, de gravitação e de movimento eterno. Não é precisa
nenhuma inteligência divina, basta fazer as contas para prever a posição de cada
astro relativamente aos outros: é mecanicamente determinada pelas propriedades
gravitacionais.

Considerar a mente humana à maneira de Newton parece, à primeira vista,


tarefa impossível: a mente não tem partes que se possam medir e há uma diferença
fundamental entre as coisas do mundo vivo e as do mundo mental: as do mundo
vivo são animadas e intencionais, sabemos que temos mente e atribuímo-la aos
outros.

Já vimos que, historicamente, quando se rejeitou o idealismo e se recusou


invocar Deus como origem daquilo a que se chama agora “genético” ou “inato”,
se tentou explicar as mentes e as capacidades mentais a partir do efeito
estruturador do ambiente. Isto ocorre porque as capacidades humanas, a serem
explicadas em termos de origem, apenas podem ser atribuídas ao próprio
organismo (inatismo), ou ao ambiente (epigeneticismo) e, sem invocar Deus ou a
seleção natural, não podemos explicar as capacidades inatas, tendo de cair no
externalismo, na ideia de que todas as nossas capacidades nos vêm do ambiente.

Essa posição externalista liga-se, de resto, bem com a ideia de movimento


físico: todo o movimento vem de fora, não dos próprios corpos.

Para pensarmos como Newton temos duas possibilidades:

 Fundamentar toda a teorização na observação e esperar, assim, encontrar


leis, regularidades que permitissem prever, e tentar encontrar a explicação da
mente no exterior do organismo;
 Fundamentar tudo na própria matéria, o que leva à fisiologia. Nesta
perspetiva, a mente passa a ser vista como uma secreção do cérebro, que
seria o verdadeiro decisor.

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O VITALISMO E O MECANICISMO:

Antes da descoberta da seleção natural, havia necessidade, não nos grupos


mecanicistas, de identificar a origem da atividade e interpretação que
caracterizam a matéria viva. Nesta perspetiva, o que distingue os seres vivos dos
corpos inanimados, é o facto de se moverem aparentemente com intenção.

Esta ideia de que a matéria viva tem uma intenção, um significado, um


objetivo, é conhecida por vitalismo. Ainda que os elementos que o compõem não
sejam teleológicos (não tenham uma finalidade), o funcionamento do ser vivo que
deles resulta é-o sem dúvida nenhuma.

O mecanicismo, por seu lado, não aceita teleologia alguma: os animais são
sistemas mecânicos animados e o homem não seria muito diferente (não teria livre-
arbítrio, seria determinado pelo funcionamento físico cego do cérebro e dos nervos;
o Eu seria uma ilusão e consciência dos atos de um epifenómeno- fenómeno do
ambiente- do funcionamento nervoso).

POSITIVISMO:

A posição oficial do materialismo cientifista foi o positivismo, a filosofia de


Comte, inspirada em Saint Simon, que apresentou a teoria dos três estados.

Comte não era um filósofo, mas um politécnico. Assim, considera a técnica e


a ciência aplicada mais importantes que o conhecimento puro.

AS CIÊNCIAS DE COMTE :

Comte pretendia fazer um sistema enciclopédico de todas as ciências,


incluindo as do Homem. Para isso, tentou apresentar a sucessão de experiências, do
mais geral e mais simples, ao mais especializado e complexo.

Ciência “positiva” significa que o conhecimento se deve organizar em leis


descritivas e úteis ao progresso da humanidade. É assim que se compreende a
teoria dos três estados:

 Um estado teológico, em que o conhecimento do mundo é representado em


termos de forças antropotélicas (deuses, diabos, etc.) que provocam coisas
(ex. Júpiter é o deus do trovão);
 Um estado metafísico, em que esses deuses são substituídos por forças
abstratas, mas não explicativas (ex. as plantas cresceriam por propriedades
que as fizessem crescer);

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 Um estado positivo, em que todo o conhecimento seria redutível a leis.

A sociedade passaria também por três estados correspondentes:

 Crença em deuses;
 Confiança em entidades abstratas e mal definidas;
 Religião positiva com rituais similares aos católicos.

POSITIVISMO E PSICOL OGIA:

Comte negava o estatuto de ciência à psicologia, pois defendia que cada


função deveria ter o seu órgão próprio (a sua base material); ora, o estudo da
consciência seria o estudo de uma função sem órgão, de maneira que seria então
pura metafísica.

Em contrapartida, Comte defendia a frenologia de Franz-Joseph Gall. Gall


identificava vários traços psicológicos e presumia que eles se localizassem no
cérebro; comparando pessoas que diferissem nesses traços, Gall tentava localizá-
los no cérebro. Embora não acreditasse nas localizações que Gall propunha, a
redução ao material agradava Comte.

NEO-KANTISMO E FISIOLOGI A DA MENTE:

Johannes Müller, ao trabalhar com os nervos sensoriais, veio dar apoio à


posição kantiana. Descobriu que cada tipo de nervo produz apenas uma sensação:
se se estimular um nervo auditivo ou visual, a sensação será, respetiva e
necessariamente, sonora ou visual. A isto chamou de doutrina da energia específica
dos nervos. Esta ideia sugere que há uma organização a priori na própria estrutura
do sistema nervoso.

Helholtz continuou o trabalho de Muller, demonstrando que há fibras nervosas


diferentes para sensações de cor diferentes; e mostrou também que a altura do som
é codificada pela membrana basilar.

Tudo isto é congruente com uma posição neo-kantiana (um kantianismo


modificado): os a priori não são metafísicos, mas sim físicos e dependentes da
própria estrutura do sistema nervoso. Sobre este ponto surgiram duas posições:

 Os a priori são dados pelos sentidos;


 Os a priori são dados pelos sentidos e pelo cérebro.

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Muller defendia uma posição mais inatista e Helmholtz uma posição mais
empirista, onde seriam os nervos a codificar a informação e os a priori kantianos de
tempo e espaço seriam aprendidos por associação.

A posição de Helmholtz é muito semelhante à que viria a ser tomada por


Wundt. As sensações- os dados mais simples como o brilho, a saturação, etc.- são
a base do que sabemos do mundo. É verdade que não vemos o mundo dessa
maneira, mas sim como árvores, pessoas, cães, casas; mas isso ocorreria por
inferência inconsciente.

Essa inferência seria baseada na aprendizagem: durante a história de vida


formaríamos aquilo a que os associacionistas chamaram de ideias complexas, a
partir das sensações.

Contudo, não defendia uma mente passiva: a mente teria a função primária
de construir uma representação do mundo e de coordenar a ação sobre ele. A
diferença principal relativamente a Kant é que Helmholtz defendia que essa
construção era aprendida.

Na visão de Muller, os a priori seriam, pois, inatos, anteriores à experiência e a


organização do cérebro não seria determinada apenas por associações, mas ser-
lhes-ia pré-existente

PAVLOV E A NATURALIZ AÇÃO DA ASSOCI AÇÃO:

Helmholtz assinou um pacto com Bois-Raymond, Ludwig e Brucke, que


defendia que a explicação científica se deveria limitar às forças físico-químicas e,
particularmente, às leis da atração e da repulsão.

Pavlov, aluno de Ludwig, não tinha a psicologia em boa conta: acreditava


apenas na perspetiva físico-química.

Ao fazer estudos sobre a quantidade de suco gástrico produzido por animais,


reparou que estes começavam a salivar ainda antes de receberem a comida, só
pelo facto de verem os técnicos de laboratório. Pavlov resistiu durante bastante
tempo a estudar este fenómeno: era demasiado psicológico para si. Contudo,
acabou por o fazer: chamou-lhe reflexo psíquico, condicional a um estímulo
associado temporalmente com o desencadeador biológico do reflexo. Haveria,
assim, estímulos incondicionais (o alimento colocado na boca do animal) e
estímulos condicionais (qualquer estímulo neutro que fosse regularmente associado
com o estímulo incondicional).

61
Pavlov interpretou este facto em termo da teoria de Ivan Sechenov. Sechenov
tinha concluído que existiam processos ativos de inibição para além dos processos
excitatórios no sistema nervoso central: a estimulação de certas zonas inibia um
reflexo.

Esta inibição seria responsável pelo controlo voluntário da conduta. Em


concordância com Sechenov, Pavlov teorizou que a conduta se compreenderia
em termos de dois processos opostos: a excitação e a inibição.

As respostas condicionais permitiriam ao organismo uma antecipação do


futuro: um estímulo neutro associado a um estímulo incondicional passava a
desencadear a resposta ao estímulo incondicional, proporcionando, então, um
“sinal” para a ação. A própria linguagem funcionaria desse modo.

FUNDAÇÃO DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL:

O papel de fundador da psicologia experimental tem dois candidatos:


Fechner e Wundt. Ambos trabalharam na tradição da fisiologia, mas ambos
recusavam o materialismo que lhe está normalmente associado.

FECHNER:

A principal descoberta de Fechner foi a metodologia dos limiares diferenciais.


Este método pode ser ilustrado com um exemplo simples: se colocarem um livro nas
vossas mãos e adicionarem mais um, vão notar a diferença de peso. No entanto, se
já estiverem a carregar 10 livros e adicionarem mais um, pouca diferença vai fazer.

Aparentemente, a magnitude do incremento do estímulo relaciona-se de


forma proporcional mas não direta com o aumento da sensação.

Esta noção é de extrema importância, porque forneceu a Fechner a pista


para relacionar quantitativamente o mundo físico com o mundo mental. Medir a
intensidade dos estímulos físicos era fácil, o difícil era medir a sensação mental
produzida.

Utilizando este método, Fechner detetou quais eram as menores diferenças


necessárias para que se sentisse uma mudança no estímulo (mínima diferença
percetível), e notou quem em geral, a relação entre a magnitude do estímulo inicial
e a magnitude de diferença necessária para ser detetada uma diferença era dada
por uma função matemática.

62
Fechner passou a chamar-lhe Lei de Weber mas, atualmente, chama-se de
Lei de Weber-Fechner ou simplesmente Lei de Fechner.

Esta demonstração fora crucial, dado que Kant declarara que a mente era
impossível de medir.

AS PSICOLOGIAS DE WU NDT:

Foi de Wundt que veio o principal impulso para estudar experimentalmente a


mente e a consciência. No entanto, Wundt não considerava que a psicologia fosse
apenas experimental. De facto, não trabalhou apenas no laboratório e efetuou
uma separação clara entre a psicologia experimental e outras formas de psicologia.

Esta separação metodológica deve-se ao facto de Wundt pensar que as


atividades humanas superiores não eram abordáveis pelos métodos experimentais.
Como as funções superiores eram condicionadas por características da cultura,
tentou afirmar uma “psicologia cultural”.

AS BASES INTELECTUAI S DE WUNDT:

As suas ideias evoluíram ao longo do tempo. É de referir que passou


progressivamente da crença de que a fisiologia poderia explicar os processos
mentais, para guardar a fisiologia apenas na metodologia.

Para compreender bem a oposição entre a fisiologia e a psicologia, há que


recordar a distinção entre ciências da natureza e ciências de espírito:

 As ciências da natureza têm como lema a redução de todos os fenómenos


às propriedades da matéria. Só assim a psicologia seria explicável a partir da
fisiologia (esta era a posição de Helmholtz, de quem Wundt fora assistente);
 As ciências de espírito afirmam que os fenómenos da cultura (e a mente)
seriam irredutíveis às formulações materiais e teriam de ser descritas e
apreendidas no nível em que ocorriam, sem redução ao material.

POSIÇÃO FILOSÓFICA DE WUNDT:

A sua posição filosófica foi influenciada por três movimentos intelectuais:

 Positivismo: não especular; basear toda a teoria em observações;


 Elementarismo associacionista dos empiristas e fisiologistas: a mente seria o
produto da associação entre elementos;

63
 Tradição germânica da “mente ativa”: a mente impõe ordem aos dados dos
sentidos, e não é apenas uma consequência da informação exterior.

Para Wundt não haveria distinção entre os fenómenos do mundo físico e os


fenómenos mentais. A influência de Fechner é crucial neste ponto, dado que
Fechner mostrou precisamente que a física e a psicologia são duas linguagens
diferentes mas relacionadas, para descrever o mesmo fenómeno.

Nesta base, Wundt declara que os fenómenos mentais e físicos seriam


exatamente os mesmos mas, na ciência natural, far-se-ia abstração do aspeto
subjetivo desses mesmos fenómenos.

A física e a psicologia partiriam do mesmo fenómeno: aquilo a que


chamaríamos representação mental das coisas. A física faria abstração da parte
psicológica e a psicologia concentrar-se-ia nessa parte. Esta ideia é importante
porque demarca a psicologia da posição do materialismo reducionista: se a
matéria é conhecida a partir de um fenómeno mental (a representação das coisas)
e se é uma abstração desse fenómeno inicial, fenómeno esse que amputamos da
sua componente psicológica, é evidente que é impossível explicar fisicamente a
mente, dado que a física existe porque nega a parte psicológica e, em
consequência, não poderia explicar aquilo que descarta.

Há, assim, uma causalidade física e uma causalidade psicológica, em que


ambas fazem abstrações a partir dos mesmos fenómenos, mas de forma
independente.

AS IDEIAS PSICOLÓGIC AS DE WUNDT:

Wundt é, ao mesmo tempo, atomista e holista. Defende que a experiência


mental é sempre holista, mas que é, ao mesmo tempo, composta por elementos.
Esses elementos são de dois tipos:

 As sensações (as cores, formas, sons);


 Os sentimentos.

Estas duas classes de elementos diferenciam-se de duas formas: analítica e


fenomenológica.

A diferença analítica é que as sensações variam na qualidade e na


intensidade. Toda a experiência mental se basearia nessas sensações. Os

64
sentimentos variam de acordo com três eixos: prazer-desprazer, tensão-distensão,
excitação-repouso e acompanham toda a atividade psicológica.

A diferença fenomenológica é mais importante para o objetivo de Wundt. É


que as sensações reportam-se sempre a qualquer coisa de exterior, enquanto que
os sentimentos são intrinsecamente subjetivos. Ou seja, as sensações tendem para
o objeto e os sentimentos para o sujeito.

Assim, a consciência compõe-se em elementos. Esses elementos são, para


além das sensações e dos sentimentos, a ideia de vontade, isto é, a polarização da
vida consciente como esforço de análise e síntese mentais. Os vários elementos
mentais combinam-se por associação.

A combinação de elementos seria de dois tipos:

 Passiva: apenas a associação não dirigida (ex. associar palavras sem um


pensamento diretor);
 Ativa: faz-se a análise e síntese das várias partes daquilo que está na nossa
consciência.

A consciência teria foco e periferia. As coisas teriam de ser trazidas para o


foco para ser possível a análise e síntese. Aquilo que está no foco da consciência
seria apercecionado, isto é, haveria consciência clara e nítida do que é conhecido;
aquilo que está na periferia é apreendido e não haveria consciência nítida.

A aperceção é quase sempre orientada por um esforço (não é passiva). As


atividades que definem a aperceção são a análise, a síntese, e a orientação para
uma finalidade.

Como vimos, o conceito central de Wundt relaciona-se com a atenção:


aquilo que se encontra no campo de consciência é apreendido, mas aquilo que se
encontra no contro da nossa consciência, que monopoliza a nossa atenção é
apercecionado- uma perceção de que se tem consciência clara e explícita. É
nessa zona central da consciência (blickpunkt) onde se vão passar os fenómenos
mentais mais importantes. Estes podem ser simples ou complexos.

Há, pois, perceção de elementos e aperceção de significados, isto é, a


aperceção consiste numa síntese de elementos num conjunto com significado. É
também a aperceção a responsável pelas atividades mentais, como comparar
coisas que estejam no campo de consciência, analisar, imaginar, compreender e
até recordar.

65
A atividade apercetiva é principalmente ativa, no sentido de que impõe
ordem nos dados confusos que chegam à consciência. Contudo, a aperceção
também pode ser passiva. Por exemplo, se virmos uma mesa, reconhecemo-la pela
semelhança com a representação anterior que temos de outras mesas, não sendo
necessário um esforço de análise e síntese.

O esforço de aperceção, em Wundt, corresponde à vontade, ela própria


definidora do Eu: o Eu é a consciência da atividade estruturante do mundo.

Mesmo a linguagem, o mito e a religião seriam compreendidos em termos de


aperceção. No caso da linguagem, aquilo que o leitor está a ler é um fenómeno
externo. Mas, para o poder entender, tem de ter uma representação interna que
lhe permita atribuir significado.

Se lermos uma frase numa língua estrangeira da qual não conhecemos, não
a vamos conseguir compreender, uma vez que não reconhecemos as palavras em
questão e não temos a representação interna de como o texto deveria estar
organizado ou ser lido.

Wundt frisa que nos recordamos sempre do significado do que lemos ou do


que nos foi dito e não da sucessão das palavras, isto é, recordamo-nos do conjunto
mental apercecionado e não dos elementos em si.

A psicologia de Gestalt criticou Wundt por ser um associacionista que


acreditava que todos os conteúdos psicológicos eram obtidos por aprendizagem,
por associação.

A verdade é que Wundt é associacionista: mesmo a aperceção consiste na


associação de elementos. A diferença relativamente a outros associacionistas
como, por exemplo, em J. S. Mill, onde as associações eram determinadas pela
pregnância dos elementos; em Wundt a associação obedece à vontade do sujeito,
que estrutura o campo da consciência e determina quais as associações entre
elementos- ou seja, Wundt é defensor de uma mente ativa.

No entanto, há muitas afirmações de Wundt que o revelam bastante inatista:

 Acreditava na hereditariedade do adquirido e na progressiva


complexificação mental herdada;
 Defendia que a aprendizagem da linguagem era indicadora de preparações
inatas;
 As emoções exprimir-se-iam através de coordenações motoras inatas;

66
 Defendia que o mito, apesar dos diferentes conteúdos consoante as culturas,
tem propriedades comuns porque é produto da mente, em toda a parte
igual.

Assim, parece haver uma contradição entre o elementarismo associacionista


e o inatismo.

De facto, se é a associação entre elementos que está na origem da


experiência, a aprendizagem torna-se um elemento fundamental da explicação da
consciência unitária e torna-se tentador defender que a mente se constitui por
aprendizagem. Contudo, essa não é a posição de Wundt. O elementarismo deve
ser compreendido nessa perspetiva: há elementos e combinação de elementos,
mas essa combinação leva necessariamente a processos mentais típicos da
espécie.

O facto de Wundt acreditar na ideia de que se herda o adquirido dá à


associação um papel na evolução, mas não o transforma num defensor primado
da aprendizagem.

VOLUNTARISMO:

Esta ênfase na atividade mental orientada para a análise e síntese, faz de


Wundt, na sua própria definição, “voluntarista”. Significa isto que a mente se
compreende bem quando orientada para alguma coisa, seguindo um esforço de
atenção sobre um objeto (externo ou interno); esse esforço é sempre conotado
emocionalmente e é típico da nossa espécie.

O EU EM WUNDT:

A mente compreende-se como um esforço de aperceção. O sujeito desse


esforço é sentido como o Eu que age, reage, estrutura e ordena o mundo em torno
de si.

A mente está sempre em tensão perante uma tarefa (ex. resolver um


problema, querer uma coisa, etc.). Há, então, como que um polo organizador, um
vetor das e para as coisas, uma direção, uma sensação de unidade na atividade
dirigida para a resolução de um problema. O esforço da vontade unifica esses
elementos da consciência e é sentido como diferente desses elementos. É esse
sentimento da vontade que unifica o campo da consciência a que Wundt chama
de Eu.

67
Esse sentimento do Eu pode sentir-se como parte ou como separado do corpo.
A forma mais habitual do Eu é uma experiência de vontade dirigida para um
problema que inclui corpo e mente. Se for separado do corpo, há duas hipóteses:

 O Eu pode ser confundido com os conteúdos da mente (ex. aquilo em que


acredita);
 O Eu pode existir como abstração, isto é, o Eu-coisa dos filósofos idealistas.

O Eu não é uma ideia, é um sentimento que resulta da interconexão de todas


as experiências psicológicas.

Quando uma pessoa se dá conta de que é um sujeito que tem pensamentos,


valorações, sentimentos, mas que não é esses pensamentos, valorações e
sentimentos. É, sim, o sujeito que as possui, o Eu puro. O sentimento puro de existir é
impossível sem uma referência ao que me é mais íntimo- a minha vida mental.

Em suma, a psicologia, para Wundt, tem como objeto a explicação da


subjetividade. Mas Wundt tem clara consciência de que descrever apenas a mente
é uma abstração: o psíquico é sempre uma combinação entre um movimento
interno e os conteúdos que vêm do exterior, ou seja, a experiência é una e é por
abstração que se separa o objetivo e o subjetivo. Wundt pensa que, multiplicando
as experiências, é possível chegar às abstrações da subjetividade que capturem os
seus aspetos essenciais. É esse, e não o elenco de sensações e sentimentos, o
objetivo de Wundt.

A ETOLOGIA:

HEINROTH:

Cada espécie tem uma anatomia única. Vem tudo isto a propósito de que
Heinroth, um ornitólogo, notou que o comportamento também permitia que se
identificassem espécies: em condições naturais, com pouca visibilidade, é por vezes
mais fácil identificar uma espécie pelos seus movimentos do que pela sua aparência
morfológica. Heinroth decidiu então fundar uma disciplina, a que chamou etologia,
em que pretendia elencar os vários elementos comportamentais de algumas
espécies.

Nesses trabalhos, identificavam-se os comportamentos, a sua função e a sua


integração na sequência geral de comportamento.

68
UEXKULL:

O trabalho de Uexküll é completamente diferente. Uexküll era um fisiologista


do comportamento: estudava a função e como a organização anatómica
resultava em funções comportamentais integradas. No seu tempo, o modelo
dominante era atomista: estudavam-se preparações experimentais (ex. a perna de
uma rã ligada a um fragmento da medula espinal) para identificar o mecanismo
(no caso, os reflexos) e supunha-se que os vários detalhes de integravam numa
máquina geral, que era o animal. Os organismos eram então vistos como máquinas
puras, sem intenções, sem alma, sem significado: meros autómatos sem vontade e
mente.

Uexküll não concordava com esta abordagem. O seu argumento principal


era de que os animais não são máquinas passivas e cegas, mas sujeitos de ação.

O CICLO FUNCIONAL:

Enquanto os fisiologistas mais fisicalistas falavam de arcos reflexos (resposta


imediata à excitação de um nervo, sem a vontade ou consciência do animal),
Uexküll defendia que os reflexos só se compreendiam quando integrados na função
que desempenhavam. Assim, o que, numa preparação experimental, parecia ser
apenas um reflexo, quando observado na natureza ou com verdadeiro espírito
biológico revelava ser mais do que isso: seria um elemento daquilo a que
atualmente chamaríamos “programa” de relação com o ambiente.

O comportamento (e os processos nervosos que o controlam) deve ser visto


como uma espécie de programa complexo, feito de vários subprogramas, que liga
o animal ao seu meio e, assim, assegura a vida, a sobrevivência e a reprodução.

O comportamento compõe-se de vários elementos: por um lado a ação, que


permite que o animal se movimente; mas por outro a perceção, que permite que o
animal escolha para onde vai e se oriente no meio. Finalmente, há processos
internos que determinam o que o animal procura num dado momento e como
responde aos estímulos do ambiente.

O argumento de Uexküll enfatiza precisamente esta função de ligação.


Uexküll verificou que os organismos estavam feitos de maneira a responder a
determinados estímulos com determinadas respostas (reflexos, como lhes continuou
a chamar), mas que esses estímulos e essas respostas variavam consoante a
situação do animal.

Assim, Uexküll apresentou um exemplo para demonstrar isto: um a carraça,


depois do acasalamento, locomove-se até encontrar uma superfície vertical. Aí

69
chegado, a única reação que o animal tem é trepar. Normalmente chega a uma
altura em que não pode subir mais e, encontrando-se nessa situação, a resposta
locomotora é inibida: o animal para e fica reativo apenas a um sinal: o ácido
butírico. O ácido butírico é produzido por todos os mamíferos. Se a carraça for
estimulada pelo ácido butírico, deixa-se cair. No ambiente natural, isto acontece
quando um mamífero passa perto ou debaixo do local onde a carraça se encontra.
Ao deixar-se cair, a carraça tem boa probabilidade de cair em cima do mamífero;
se cair no chão, vai voltar a trepar e a esperar que passe mais um animal. Se cair
sobre o pelo, a carraça vai mover-se até encontrar um bom local para morder e
sugar o sangue. Vai crescendo até se deixar cair do animal, reproduzindo-se. A
cada uma destas reações (subir, deixar-se cair, penetrar no pelo até encontrar pele,
sugar o sangue) chamou Uexküll de ciclo funcional, isto é, um ciclo entre um sinal
específico do ambiente que é reconhecido percetivamente pelo animal e que dá
lugar a uma resposta científica.

O que significa, na linguagem de Uexküll, é que, na vida da carraça, aquilo a


que se chama reflexos está integrado numa função mais vasta, a sobrevivência do
animal por ajustamento ao ambiente graças à organização dos ciclos funcionais
uns com os outros. A essa organização chamava Uexküll de “plano”, isto é, um
superprograma que gere as relações entre o organismo e o seu ambiente. Este
plano compõe-se de pontos e de contrapontos.

Um ponto é um recetor de significado, localizado no animal que estamos a


estudar; e um contraponto é o emissor de significado, localizado no ambiente.
Assim, o animal seria um sujeito que interpretaria o organismo de acordo com os
ciclos de pontos e contrapontos inscritos na sua fisiologia e no ambiente em que
esse animal vive.

70
Haveria, assim, uma série de ciclos de perceção-ação, em que um ponto
corresponde a uma perceção e o contraponto corresponde àquilo que estimula
essa perceção. É necessário compreender que o sujeito animal, tal como o sujeito
humano, não recolhe do ambiente toda a informação disponível: faz uma
interpretação desse ambiente: filtra certos aspetos e reage-lhes com
comportamentos específicos que lidam com determinado setor do ambiente.

O esclarecimento destes planos (a interação entre o organismo e o meio)


seria mais importante do que a elucidação dos mecanismos materiais que
asseguram o funcionamento dos ciclos funcionais.

Significa isto que Uexküll redefine o estudo do comportamento como uma


interpretação do animal-sujeito num ambiente-objeto, ambiente esse a que o
animal responde. Ou seja, o comportamento, tal como a nossa mente, seria uma
forma de interpretar o ambiente.

LORENZ:

A ideia de que o comportamento é composto por unidades motoras bem


delimitadas- atos instintivos, como lhes chamavam. Esses atos instintivos seriam
inatos, no sentido de que são típicos de cada espécie.

Coordenações inatas + Estímulo-chave = Atos instintivos

Mas Lorenz sempre soubera que há unidades motoras típicas de cada


espécie. Esse conhecimento dos animais permitia a Lorenz saber que, para
comunicarem uns com os outros, dependiam de sinais específicos. É nesse ponto
que entra a influência de Uexküll.

Lorenz concluiu que os ciclos funcionais consistiam no desencadear dos atos


instintivos. Esse desencadeamento ocorreria na presença de um estímulo-chave.

Lorenz deixou de tratar este processo como sendo reflexos e passou a chamá-
los de mecanismos inatos desencadeadores.

A ideia do mecanismo desencadeador é mais complexa e está mais de


acordo com o que se observa: os animais procuram ativamente a estimulação que
desencadeia um determinado padrão motor. Essa procura depende da ativação
de um processo interno que os etólogos caracterizam comportamentalmente.
Chama-se a esses fatores internos motivações.

71
Este aspeto é importante porque deixam de ser processos periféricos para
poderem ser controlados centralmente. Desta maneira, podem estra sob controlo
do SNC e, assim, definir sistemas motivacionais.

Outra diferença importante dos mecanismos desencadeadores podem ser


completados por aprendizagem. Assim, a maior parte dos vertebrados reage de
forma inata a estímulos, mas igualmente presente nas instruções inatas estão as
regras de ganho de informação de determinada informação.

Lorenz e Tinbergen achavam que os mecanismos desencadeadores eram


ativados ou não a partir da soma de dois fatores: a energia interna/disposição
interna (motivação) e a quantidade e intensidade de estímulos-chave que eram
apresentados. A resposta é um padrão fixo de ação.

TINBERGEN:

De Tinbergen vem a ideia de que o instinto está organizado hierarquicamente,


ou seja, defendeu que o instinto se encontrava organizado mais ou menos da
mesma maneira que a anatomia: grupos de ações que se organizavam em
comportamentos que, em conjunto, desempenhariam uma função; essa função
faria parte de uma função mais geral.

Esta hierarquia dos instintos foi empiricamente corroborada em várias


espécies e, intuitivamente, faz sentido. Os fatores causais organizam-se em grupos
funcionais que asseguram a relação do organismo com o ambiente. Esta ideia é
conhecida como “sistema comportamental”.

O “sistema comportamental” de cada espécie consiste pois, no elenco de


todos os padrões fixos de ação (atos instintivos) e dos seus desencadeadores, das
relações de concorrência entre esses padrões fixos de ação, da identificação de
fatores motivacionais comuns e da relação desses fatores entre si.

O projeto de Lorenz era o de saber o que permitia o comportamento


adaptado. Era o encadeamento entre vários ciclos funcionais que explicava a
aparente intencionalidade e a grande perfeição do relacionamento dos
organismos com o seu ambiente. Lorenz interpretava este conhecimento dos
animais como inato.

Era esse conhecimento (que não é mental, mas apenas se baseia em


relações inatas entre estímulos e respostas) que explicaria a adaptação. Essa
explicação era, tanto em Uexküll como em Lorenz, explicitamente ligada à noção
kantiana de que o organismo tem a priori. Lorenz achava que o saber inato era um
equivalente biológico dos a priori kantianos (que, tal como os mecanismos

72
desencadeadores, tornam a experiência possível; a diferença é que Kant queria
saber o que é necessário para o conhecimento mental, e Lorenz definia o
conhecimento em termos de conduta). Esse “saber inato” seria produto da seleção
natural e não de um criador independente.

FRISCH:

Recebeu um prémio Nobel por descobrir que quando uma abelha encontra
uma flor, vai avisar a colónia através de uma espécie de dança.

Estudou também os sistemas sociais. Em geral, nas sociedades, mesmo nas


mais complexas, dependem de sistemas comportamentais e dos ciclos funcionais
dos animais. Assim, as hierarquias funcionam com base na ameaça,
apaziguamento e submissão.

A estrutura social depende da tendência para existir ligação do macho com


a fêmea, entre machos, entre fêmeas, ou nada disso.

CRÍTICAS:

Robert Hinde criticava toda a possibilidade de se falar em mecanismos inatos


desencadeadores e em motivação sem que houvesse provas fisiológicas da
existência desses mecanismos; criticava o termo inato; e criticava a metodologia
etológica, propondo, como alternativa, o estudo ateórico do desenvolvimento.

É necessário compreender a irrelevância dos argumentos de Hinde. O


mecanismo desencadeador é um conceito hipotético e funcional que procura
caracterizar o facto de o comportamento do animal ser ativo e desempenhar
funções de ligação com o ambiente; sem este conceito isso não é possível.

O conceito de inato é indispensável, não para classificar o comportamento


em inato ou aprendido, mas para compreender quais as instruções que um animal
tem sobre a maneira de lidar com o ambiente, isto é, para responder ao problema
de Lorenz de se saber quais as fontes de informação para o comportamento
adaptado; por exemplo, a aprendizagem só se pode compreender como um
processo dependente de mecanismos inatos que existem no animal.

A proposta de Hinde- o estudo ateórico do desenvolvimento. Nunca foi


seguida porque é impossível qualquer estudo ateórico.

Hinde propunha prescindir dos conceitos não materialmente observáveis, e


daí a sua centração nos métodos de medição exata do comportamento e na

73
ênfase em processos mais pequenos e mais fáceis de estudar em laboratório. Mas,
ao fazê-lo, perdia de vista as ideias de adaptabilidade do comportamento e a sua
origem.

ETOLOGIA E PSICOLOGI A:

A etologia representa uma visão explicitamente neo-kantiana ao problema


da conduta e da mente. Baseia-se na reconstituição dos processos internos
necessários à explicação da conduta que ocorre naturalmente. É holista e estuda
as relações entre organismo e ambiente, ultrapassando assim a questão do
dualismo: o organismo é visto como um todo no seu meio, e não como uma mente
que determina a conduta.

É baseada na terceira pessoa, mas é possível complementar essa posição


com uma descrição da primeira pessoa em condições naturalistas.

A etologia não é monista, não procura um princípio explicativo único, pelo


contrário, há tradicionalmente considerados, 4 ou 5 níveis de explicação.

Também se verifica isto ao nível da própria organização comportamental,


uma vez que os sistemas motivacionais incluem a compreensão quer de processos
“mentais”, quer comportamentais. Esta organização pode ser explicada de vários
modos:

 Explicação da fisiologia subjacente;


 Identificação de pressões seletivas (adaptação);
 Estudo da ontogénese do processo comportamental estudado;
 Estudo da filogénese (da evolução) desses processos comportamentais
estudados (ex. riso).

CONCLUSÃO GERAL:

A etologia aparece na tradição de rejeição do mecanicismo extremo,


defende que os organismos estão adaptados ao ambiente através de sistemas de
relação compostos de ciclos funcionais, eles próprios organizados em sistemas
comportamentais.

Daí, entende-se que a mente humana, a ser estudada, deve ser considerada
como um sistema de trocas entre organismo e ambiente- um interface (?).

74
Toda a etologia assenta, implícita ou explicitamente, na noção de
propriedades emergentes (para explicar o comportamento do organismo no seu
ambiente é necessário, além de tudo isso, estabelecer as leis de relação (ação,
reação, procura de estímulos, modificações motivacionais, etc.) entre o organismo
e o seu meio).

É materialista e cientifista, mas não aceita apenas um nível de explicação que


seja a redução ao sistema nervoso.

A TEORIA GESTALT:

Goethe definia a palavra “Gestalt” como a ideia de que uma coisa tem, no
seu todo, propriedades impossíveis de identificar nas partes.

No século XIX e com a industrialização da Alemanha, houve uma reação forte


contra o elementarismo mecanicista, a máquina, a indústria, a tecnologia. A
fisiologia e os métodos fisiológicos pareciam participar na transformação da visão
do mundo numa grande máquina sem significado. A fisiologia considerava o
cérebro como uma grande máquina de associações. Mesmo o Wundtismo, que
não pretendia reduzir a mente à matéria, apresenta a mente como uma máquina
de associações, embora dirigidas de dentro.

PERCURSORES:

A primeira crítica do elementarismo Wundtiano vem de Christian von Ehrenfels.


O argumento de Ehrenfels era o seguinte: independentemente dos elementos, há
qualidades de conjunto que são sentidas na apresentação desses conjuntos. Essas
qualidades são de vários tipos. Imaginemos a qualidade de aspereza: encontra-se
em superfícies, em sons, etc.

AS IDEIAS DA PSICOLO GIA DE GESTALT:

Independentemente de sermos mais inatistas ou ambientalistas, o nosso


modelo da compreensão da mente e do comportamento é fisiológico. Pensamos
que existe um organismo que filtra a potencial informação que se encontra “lá fora”
e que a estrutura com base na organização do sistema nervoso central e periférico.

Há, pois, três grandes fases:

1. A informação não transformada, fora do organismo;

75
2. A informação transformada no organismo;
3. A experiência consciente e o comportamento

Destas três fases podemos chegar a uma fórmula:

Realidade  Transformação/Inata  Representação

Partimos, pois, do objeto (o que está “fora do sujeito”) para chegar ao sujeito
da experiência; no processo há transformação. A maneira como essa
transformação se faz, seria o objeto de estudo da psicologia: podemos formular
essas regras de transformação em termos de a priori, como fazia Kant; como
associação, como fazia Hume; como estrutura do sistema nervoso, como fazem os
fisiologistas; como modelo hipotético de organização interna como fazem os
psicólogos e os etólogos. Mas, em todos estes casos, o modelo de pensamento é o
mesmo: acredita-se que a potencial informação do ambiente é constrangida e
modificada pelos mecanismos neurais e processos psicológicos que dão lugar à
consciência e ao comportamento.

O processo seria, então, análogo ao de uma máquina que transforma a


informação presente no mundo e a torna consciente ou gera comportamento.

Não é esta a posição de Gestalt. Na verdade, é precisamente contra esta


conceção que ela se levanta.

O movimento Gestalt critica a ideia de que a mente deve ser explicada em


termos das constrições que o sistema nervoso impõe à informação proveniente do
ambiente. Em vez de se considerar que a energia, quando libertada, se traduz em
caos e destruição, os gestaltistas sugerem que as próprias forças da natureza são
organizadas.

Gestalt afirma que se deve compreender a mente e o comportamento não


em termos da metáfora da máquina que transforma a informação do meio em
consciência e em comportamento, mas em termos da relação auto-organizada
que a mente estabelece diretamente com o ambiente. Para compreender esta
ideia, é necessário vincar um outro ponto.

O estudo da mente no tempo do gestaltismo era dominado pelo movimento


wundtiano, sobre o qual Gestalt se vem opor a todos os seus pressupostos. Era
contra:

 A ideia de que a realidade psicológica fosse composta de elementos;


 A ideia de associação mental como origem do significado das coisas;

76
 A ideia de que o conhecimento implicaria uma modificação profunda dos
dados do mundo real;
 A utilização dos métodos da fisiologia;
 A ideia de auto-observação provocada à maneira da fisiologia.

O objetivo da Gestalt é a consciência, concebida não como resultado de


uma restrição pelo sistema nervoso mas como processo de deteção de forças no
ambiente. Para isso o investigador centra-se na experiência comum, quotidiana, de
olhar para um objeto sobre um fundo. Esta experiência ingénua revela não a
deteção de elementos, que só sucede se se usarem as metodologias muito artificiais
de Wundt, mas a apreensão de conjuntos. Nunca se veem os elementos, mas
apenas os conjuntos definidos por esses elementos.

A prova mais forte da ideia de que não se veem os elementos mas o resultado
da combinação desses elementos é dada pelo fenómeno fi, ou φ. (Vídeo que
explica o fenómeno: https://www.youtube.com/watch?v=jnCktDtX7vk). Por mais
que se procure identificar, na experiência que deu origem ao fenómeno fi, os
elementos, não se consegue: o que se vê, o que se sente que se viu, é movimento
de um ponto para o outro. Isto significa então que aquilo que é experienciado não
é o mesmo que o que nos é apresentado; em consequência, todos os trabalhos
sobre os elementos, que dependem da ideia de que a imagem retiniana tem de ter
uma representação consciente é falsa.

A experiência consciente não se baseia em sensações primárias nem é uma


cópia delas e, sobretudo, que não temos consciência de elementos isolados mas
de conjuntos com significado. A consciência das coisas teria então de ser explicada
de outra maneira que não a associação entre as cópias que os sentidos fazem do
ambiente; teria de haver regras autónomas da mente que organizam a experiência
em conjuntos.

As regras de organização da psicologia Gestalt são várias. Todas elas


implicam que a mente impõe ao mundo físico uma estrutura que os elementos,
considerados individualmente, não possuem:

 Proximidade;  Completamento;
 Semelhança;  Boa forma;
 Continuidade;  Reversibilidade;
 Insight.

Mas a teoria Gestalt não seguiu na direção de admitir que, ainda que mais
complexo, o mundo psicológico era sempre resultado de uma máquina. A ideia

77
mestra da teoria Gestalt era sublinhar não que a mente impusesse ordem à
realidade exterior, por restrição e agrupamento (o que constituiria a posição
kantiana que todos defendemos atualmente), mas que a mente detetasse ordem,
que existe também no mundo exterior.

Seria então necessário identificar os padrões e a maneira como explicam a


relação entre mente e ambiente. O sistema nervoso não é desprezado, mas
considera-se que tem de gerar os padrões globais que a Gestalt identificou na nossa
experiência preceptiva. Chama-se a esta ideia –a ideia de que a experiência e as
leis do sistema nervoso são paralelos– o isomorfismo.

Isto significa que os gestaltistas veem a mente e o comportamento, tal como


o sistema nervosos, tal como a física dos campos (elétricos e magnéticos), como
manifestações das mesmas leis naturais da dinâmica e da energia.

A ser assim, a tarefa da psicologia não seria a tentativa de explicação da


experiência (consciência) a partir dos constrangimentos do sistema nervoso, mas a
identificação das leis gerais da dinâmica.

Kohler propôs que estas poderiam ser estudadas através da disciplina


matemática da topologia, e Kurt Lewin aplicou essa ideia na teoria do campo.
Nesta teoria, as atividades humanas ocorreriam num campo de forças que é o
espaço vital. Este espaço vital seria composto por todos os acontecimentos
passados e presentes e com todas as expectativas de acontecimentos futuros com
o potencial de influenciar o com portamento por corresponder a necessidades do
sujeito. O espaço vital seria diferente para cada pessoa: para algumas seria muito
simples, mas para as pessoas mais diferenciadas seria muito complexo e rico.

A interação entre o sujeito e os vários objetos num dado espaço vital podem
ser representados através da topologia. Cada objeto em cada espaço vital passa,
assim, a ter uma determinada valência que corresponde à intensidade com que é
desejado; esta necessidade é representada por um vetor na direção desse objeto
(hodologia). Quando um determinado objeto é desejado mas é difícil de obter há
conflito e o vetor passa a representar a força combinada das duas tendências. A
teoria presume que os sujeitos tendam para o equilíbrio com o ambiente. Para isso
não podem existir vetores isto é, as necessidades têm de ser satisfeitas.

Um campo vital está, constantemente, a sofrer tensões e a desfazê-las por


meio de comportamentos. É, pois, um sistema intensamente dinâmico.

78
PSICANÁLISE:

Freud e Jung, os dois teóricos mais importantes desta abordagem, basearam


as suas teorias num pressuposto que atualmente é bastante duvidoso: o de que há
um significado oculto, fora de nós, mas a que somos, de forma não racional, vaga
e imprecisa, sensíveis.

Esse significado oculto, a que se veio a chamar “inconsciente”, manifestar-se-


ia através de sonhos, de delírios, de relações que estabeleceríamos entre coisas
aparentemente sem relação. Para chegar a esse significado oculto, Freud baseou-
se na associação livre (como quando associamos palavras sem ter qualquer
preocupação em manter coerência no significado das associações), Jung em
exercícios de imaginação livre e ambos se basearam na interpretação dos sonhos
que iam tendo. Acreditavam, desse modo, ter acesso ao inconsciente.

ROMANTISMO COMO RE AÇ ÃO AO ILUMINISMO:

Quando vemos uma coisa que nos desperta o interesse reagimos-lhe. O


mistério fascina-nos, o sexo excita-nos, as lutas tornam-nos partidários; mas em
condições normais não analisamos o fenómeno que nos fez reagir.

Não há uma clara separação entre o sujeito que somos e o objeto que nos
fez reagir. Não há qualquer tentativa de compreender o objeto
independentemente da nossa reação emocional a ele. Também não distinguimos
completamente sujeito e objeto quando tentamos compreender um fenómeno em
termos das nossas motivações: descrevemos o fenómeno em termos das nossas
emoções.

A história da física moderna consiste, em grande parte, em resistir a esse


impulso de “ler” o mundo físico como se fosse animado pelas mesmas motivações
que nós. Em vez disso pretendeu-se compreender, sem os antropomorfizar, os
processos naturais. No Séc. XVII isso fez-se através do mecanicismo, sem recorrer a
qualquer “intenção” da matéria.

Isto implica abster-nos de qualquer projeção de nós sobre as coisas a explicar.


Passamos de participantes a meros observadores. Registamos o que ocorre,
fazemos generalizações que nos levam a leis (regularidades da natureza) e
imaginamos um processo mecânico por detrás dessas regularidades. Tentamos
nunca nos projetar sobre a natureza.

Passamos então a estar não entre nós e o objeto, mas a apagar-nos tanto
quanto possível e tentar captar apenas o próprio objeto.

79
Podemos então concluir que o iluminismo tornou claro que o mundo era
explicável e fê-lo:

 Separando o sujeito e objeto e;


 Acentuando o objeto e o apagamento do sujeito conotador.

O resultado é frio, impessoal, quase inerte. Não há lugar para a expressão


individual, e fica imenso por explicar.

A EXPRESSÃO DO SUJEI TO E O ROMANTISMO:

O romantismo aceitou essa separação, mas afirmou que os sentimentos e


motivações do sujeito perante a natureza não eram mero subjetivismo, mas que
correspondiam a características da própria natureza. Há um sujeito que conhece e
uma realidade que se deixa conhecer, como Kant acentuava. O romantismo
centrou-se no impacto da realidade sobre o sujeito.

O romantismo é o culto do sujeito, portanto: o culto do que sentimos, não o


culto do objeto.

SUJEITO E OBJETO NO ROMANTISMO- A FILOSOFIA DA NATUREZA:

Um sujeito puro é uma abstração, não existe sem reagir a um objeto.

Para reagir ao ambiente, tem de existir uma sintonia entre sujeito e objeto;
entre mim, consciente e que me emociono com uma coisa, e essa coisa. Essa
sintonia dependeria de um código, de uma realidade escondida, tal como no
iluminismo, mas não se lhe chegaria apenas através da análise empírica e racional.
A essa realidade escondida chegar-se-ia pelo sentimento mais íntimo.

Ou seja, os sentimentos que temos perante o que nos emociona não seriam
apenas reações subjetivas ao objeto; seriam também propriedades do próprio
objeto.

É neste ponto que entra com maior importância a noção de inconsciente. Se


há, entre sujeito e objeto, uma afinidade, podemos tentar explicá-la.

O inconsciente é aquilo que nos permite reagir e vibrar com as coisas; não se
trata de entender o mundo racionalmente, mas de vibrar com ele emocionalmente,
sentir-lhe o significado profundo. O inconsciente é, ao mesmo tempo, essa realidade
escondida e o que, em nós, nos permite identificá-la. O inconsciente não era
apenas psicologia, mas sim uma espécie de inteligência geral do mundo.

80
Em suma, romantismo herdou do iluminismo a separação entre sujeito e
objeto, mas afirmou que as reações e sentimentos do sujeito não eram de desprezar
mas que, pelo contrário, correspondiam a aspetos da realidade não acessíveis
através da linguagem da ciência.

VON SCHUBERT:

Freud também foi influenciado por V. Schubert, na associação entre a


procura do amor e a da morte. Além disso, o sonho teria uma linguagem diferente
da vigília: baseada em imagens em vez de palavras. Os sonhos usariam uma
linguagem universal de símbolos, igual em todas as épocas e lugares. Essa
linguagem é um código descodificável.

SCHOPENHAUER E A VANIDADE DA VONTADE:

A filosofia de Schopenhauer baseia-se no conhecimento de si próprio a partir


do interior: se uma pessoa se conhecer, e às paixões que o movem e animam, pode
controlar-se e, como em Espinosa, chegar a uma felicidade tranquila.

Schopenhauer pretendeu encontrar a chave do significado, um processo


único a partir do qual tudo pode ser compreendido.

A vontade é fator do sofrimento humano; mas que, quando se compreende


isso, se pode combater a vontade e torná-la inofensiva.

Da vontade fazem parte as regras do entendimento. O corpo é a objetivação


da vontade humana e apenas a vemos como separada, individuada, porque a
consideramos com os a priori do espaço e do tempo, que são uma ilusão imposta
pela nossa mente; mas a vontade é una. Por isso, todas as forças são vontade: a
causalidade, a vida, a gravidade, etc.

Quase tudo em nós é determinado pela vontade mais ou menos inconsciente.


Não fazemos as coisas de acordo com argumentos racionais, mas inventamos
argumentos racionais para justificar a vontade que temos de fazer essas coisas.

O prazer é apenas uma espécie de antídoto temporário para o sofrimento:


uma espécie de fuga do sofrimento perpétuo que é a vida.

O intelecto não está, contudo, totalmente dependente da vontade e pode


chegar a impor-se-lhe, como nos casos de suicídio. Por isso, e na medida em que o

81
sujeito consiga fazer triunfar o cérebro sobre os órgãos sexuais, pode substituir a
obediência ao desejo pela contemplação do eterno – como em Espinosa. Assim, o
intelecto pode dominar a vontade.

É o reconhecimento de que a vontade individual não faz sentido (é apenas a


expressão do egoísmo que é próprio da vontade), e de que a vontade é una. Assim
se opõe a vontade una à vontade egoísta e a perfeição consiste em abdicar
completamente dessa vontade egoísta como no cristianismo ou, melhor ainda,
porque já não estamos perante um comportamento dirigido pela vontade de
salvação.

Influências na psicanálise:

 A mente deixa de ser estudada apenas como condição da cognição, como


ocorria nos racionalistas e empiristas, mas como emoção e motivação;
 A noção do dinamismo fundamental da vida psíquica, determinado pela
vontade de viver, manifestando-se sobretudo na sexualidade, e a que depois
Freud chamou Eros;
 Essa vontade é inconsciente e não faz qualquer sentido racional embora haja
justificações a posteriori, aparentemente racionais, mas na verdade
determinadas pelo desejo;
 Tanto em Schopenhauer quanto em Freud há oposição entre razão e
emoção: intelecto e vontade em Schopenhauer, e o Ego e o Id em Freud.

NEORROM ANTISMO:

Por volta de 1885, em reação contra o positivismo e desenvolvendo-se


paralelamente a ele, apareceu uma nova forma de romantismo. É diferente do
romantismo porque em vez da ideia de desenvolvimento se enfatiza a de
decadência. O individualismo deu lugar ao narcisismo, à ideia de solidão antissocial.
Houve obsessão pelo misticismo, ocultismo, pelo misterioso e, naturalmente, pelo
inconsciente.

EDUARD VON HARTMANN E A INCONSCIÊNCIA DA VONTADE:

Também para Hartmann o inconsciente é vontade, mas é, sobretudo,


inteligência.

82
Para Hartmann, haveria três níveis de inconsciente:

 Inconsciente absoluto, que constitui a substância do universo;


 Inconsciente fisiológico, que deriva do anterior, responsável pela origem e
desenvolvimento dos seres, incluindo o homem;
 Inconsciente relativo ou psicológico, fonte da atividade mental.

No Homem, o inconsciente exprime-se nas funções fisiológicas, em categorias


de apreensão que enformam a experiência. O psiquismo consciente flutua sobre o
inconsciente, dado que apesar de o indivíduo agir motivado por uma vontade
inteligente que desconhece, tenta dar sentido aos seus atos, construindo razões
falsas para os explicar.

NIETZSCHE E A VONTAD E DE PODER:

Recusava a causalidade, as leis naturais, a possibilidade de se chegar a


qualquer verdade: “nada é verdade, tudo é permitido”.

Nietzsche passou de considerar vários instintos para um só mas,


progressivamente, restringiu os instintos à vontade de poder.

A vontade schopenhaueriana deixa pois de ser modelada no sexo e passa a


ser vista como puro domínio. Viver seria exercer a vontade de poder e a própria
sexualidade seria subordinada a essa vontade. Assim, Nietzsche interpreta a vida
(qualquer forma de vida) como uma luta pelo controlo do ambiente.

Nietzsche inverte a ideia schopenhaueriana da negação da vontade de


viver. Afirma precisamente o contrário, e defende a manifestação da vida, de forma
quase selvagem. Considera que a sociedade civilizada é uma negação dos valores
mais positivos do homem.

Nietzsche falava do “instinto da manada” e da falta de autonomia e


coragem que implica “ser-se como os outros”. O super-homem poderia então ser
uma criatura que transcende a condição humana, isto é, que transcende quer a
sua cultura quer os seus instintos de manada.

Influência na psicanálise:

O inconsciente seria uma área de pensamentos confusos, de emoções e


instintos e de re-experienciar das fases passadas quer do indivíduo quer da espécie.
É incoerente e desordenado como éramos no passado primitivo. Revela-se no
sonho, na doença mental ou na paixão descontrolada.

83
Nietzsche passou de considerar vários instintos para um só. Instintos de prazer,
luta, sexo, instinto de manada, conhecimento foram todos considerados parte da
vontade de poder. Esses instintos exprimir-se-iam por descargas substitutivas, por
compensações ilusórias, sublimações e inibições.

Também como em Freud, à medida que a civilização se complexifica, os


instintos voltam-se contra o próprio. O conquistador não pode continuar a ser
apenas um predador livre; a civilização obriga-o a dirigir a agressividade para
dentro. Daí o sentimento de culpa, raiz da consciência moral. O homem vai
acreditando progressivamente mais na ética.

As paixões são passíveis de controlo pelo intelecto, havendo, pois, um conflito


entre vontade e intelecto, que, segundo Thomas Mann, Freud formulou como
conflito entre Id e Ego; e ainda se encontra o Superego, nas convenções sociais

O QUE ERA ACEITE SOBRE O INCONSCIENTE AN TES DE FREUD:

A ideia de inconsciente é muito anterior a Freud. Mas, mais do que isso, não
era uma ideia “suspeita”, mas sim um conceito aceite.

O inconsciente determinaria o hábito, as recordações, os movimentos


inconscientes, as simpatias e antipatias inexplicáveis pelo sujeito e permitiria obter
soluções de problemas durante o sono. Já vimos que se aceitava que se exprimia
pelos sonhos e pelos estados alterados de consciência e que era como que um
grande reservatório pulsional e de conhecimento, uma espécie de código do
significado do mundo.

A PSICANÁLISE DE SIGMU ND FREUD:

A psicanálise é uma versão da intuição fundamental de Schopenhauer: que


a mente só se pode compreender como orientada pelo desejo, por um objetivo. A
psicanálise é, pois, uma teoria tipicamente romântica: dinâmica (pulsões que se
combatem), trágica (porque o sofrimento é inevitável) e misteriosa (os motivos são
inconscientes).

84
PEQUENA INFLUÊNCIA D A PSICOLOGIA ACADÉMI CA E INFLUÊNCIA INDI RETA DA
FISIOLOGIA:

Fechner, embora nada tenha escrito sobre a sexualidade, comparava a vida


psíquica a um iceberg, com uma pequena ponta visível e a maior parte escondida.
Esta imagem foi importante para Freud, que a cita mais do que uma vez.

CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO PSICANALÍTICO:

 Pensamento objetual

A marca mais distinta do pensamento freudiano é conceber a vida mental à


imagem das emoções em relação a outras pessoas.

Para Freud, uma perturbação emocional tinha muitas vezes na origem o que
o paciente sentia por outras pessoas ou pensava que essas outras pessoas sentiam
relativamente a ele. As motivações na teoria freudiana são, pois, objectuais e os
conteúdos da vida mental são representados em termos relacionais concretos.

Esta visão é, claro, redutora: há emoções e motivações que não têm que ver
com aquilo que se sente pelos outros. Esta interpretação de quase tudo em termos
de sentimentos interpessoais parece ter sido uma característica pessoal de Freud:
um sonho aterrorizante implicava medo de uma pessoa específica e não apenas
medo; as várias instâncias da vida psíquica (Ego, Id, Superego) têm, umas com as
outras, relações de tipo objectual também, e as relações de Freud com as outras
pessoas nunca eram impessoais: tudo o que os outros faziam era interpretado como
direcionado para ele.

 Inconsciente e repressão

As primeiras tentativas interpretativas de Freud convenceram-no de que havia


poderosas motivações inconscientes, frequentemente sexuais que influenciavam o
comportamento das pessoas, e que esses comportamentos tendiam a ser
interpretados em termos de razões (falsas) conscientes. Além disso, interpretou as
dificuldades de acesso às verdadeiras causas como uma resistência inconsciente
em aceitar a verdade, que seria censurada. Para atingir as verdadeiras causas,
Freud encontrou um método mais seguro do que a hipnose: a associação livre.

Mais tarde, Freud desenvolveu a interpretação dos sonhos que eram, segundo
a teoria, diretamente provenientes de processos não-conscientes. Contudo, mesmo
nesses casos, a censura não se encontraria ausente, de modo que seria necessária
uma hermenêutica do sonho que revelasse os seus símbolos e significados ocultos.

85
O sonho, tal como o sintoma neurótico, seria então a consequência da
combinação do inconsciente e de uma menor repressão sexual e funcionaria como
um escape aos processos de censura operantes no estado de vigília.

A teoria de Freud é complexa e evoluiu no tempo. Há, por isso, o hábito de referir
as primeiras formulações como “primeira tópica” e as formulações mais tardias
como “segunda tópica”.

 Primeira tópica e sexualidade infantil

Seguindo a técnica da associação livre e da interpretação das associações,


Freud concluiu que o inconsciente não era apenas um repositório de conteúdos
censurados, mas, sobretudo, uma luta pela expressão de conteúdos censuráveis
contra os mecanismos da censura. Haveria, pois, duas forças diferentes em
oposição: os desejos sexuais, que constituiriam o chamado princípio do prazer,
inconscientes e que procurariam exprimir-se; e o princípio da realidade,
determinado pelo comportamento que o sujeito tem de assumir para não ser
punido. Nesta fase do desenvolvimento das ideias de Freud, a vida psíquica é
concebida como polarizada entre as motivações de auto-preservação,
conscientes (o princípio da realidade) e as pulsões sexuais (princípio do prazer)
egoístas e passíveis de punição social.

Na inter-relação entre estes dois princípios formar-se-ia a sexualidade infantil,


fundamentalmente egocêntrica, em que o prazer seria sucessivamente sentido em
três zonas erógenas do corpo: boca, ânus e pénis.

A criança, concebida como um “perverso polimorfo”, seguiria cada uma das


fases – oral, anal, genital. Iria, também, assegurar o triunfo do princípio da realidade
sobre o princípio do prazer, culminando no complexo de Édipo. A criança desejaria
sexualmente a mãe mas sentir-se-ia impedida pela posse efetiva, pelo pai, do
objeto dos seus desejos. Isto é, a mãe, associada à satisfação dos desejos, é o
primeiro objeto sexual. Mas a criança teria de rivalizar com o seu próprio pai, que
poderia, em vingança, castrá-la; em consequência teria de se tornar a igual do pai
e transferir o seu investimento sexual para outras figuras; se o processo não fosse
adequadamente resolvido, haveria neurose.

Esta teoria é apenas centrada no rapaz. O desenvolvimento da rapariga seria


idêntico ao do rapaz mas ela dar-se-ia conta de que lhe falta o pénis. Assim,
desenvolveria uma “inveja”, uma espécie de consciência da sua inferioridade
relativamente ao rapaz, que seria o traço distintivo do sexo feminino. Esta inveja
explicaria também a vontade de ter filhos, a atração pelo pai e a depreciação da
mãe.

86
 Segunda tópica e instinto de morte

Na sequência da Grande Guerra de 14-18, Freud modificou


consideravelmente a sua teoria, principalmente por ter sido muito impressionado
pelo facto de os traumatizados de guerra tenderem a sonhar, repetidamente, com
as situações traumáticas.

Na base da ideia de que a neurose tem origem na repressão do princípio do


prazer, não se conseguia explicar a ocorrência de sonhos repetidos e a intrusão das
recordações dos horrores da guerra.

Distinguiu, então, pulsões de vida (Eros), que seriam pulsões sexuais de


reprodução; e pulsões de morte (Thanatos), que tenderiam para a dissolução e para
a quebra de todos os laços e seriam responsáveis pela agressividade. Estas duas
tendências estariam presentes desde o início da vida da criança. A argumentação
é que há, em qualquer organismo, anabolismo e catabolismo ou, diz Freud, vida e
morte.

Eros e Thanatos estariam sempre em conflito. Assim, Freud abandona a


oposição entre o princípio da realidade (a autopreservação) e o princípio do prazer
(as pulsões sexuais) e passa a agrupar, num polo, princípios de autopreservação do
Eu e de autopreservação da espécie, que reúne sob Eros; e, no outro polo, a pulsão
de morte, Thanatos.

Do livro “La psychologie des foules”, Freud retirou a ideia de que o Ego é
influenciado por modelos exteriores e que essa influência não se compreende em
termos da oposição Eros-Thanatos. Essa reflexão levou Freud a elaborar uma
segunda tópica, isto é, um esquema das instâncias psíquicas ou, se preferirmos, das
entidades que participam no dinamismo psíquico, que se sobrepõe à tópica
anterior (que constava de inconsciente, pré-consciente, consciente) e muito
diferente da oposição entre princípios do prazer e da realidade. Nesta nova tópica
as instâncias do psiquismo seriam três: o Ego, o Superego, e o Id. Seguindo a
metáfora do iceberg:

 O Ego seria a parte mais consciente do Id, onde se encontram os elementos


conscientes e pré-conscientes, isto é, que podem facilmente voltar ao campo
da consciência e a que o sujeito tem acesso fácil;
 O Id seria a parte mais inconsciente do psiquismo e muito poderosa: conteria
os impulsos profundos de Eros e Thanatos. Seria esta a zona mais profunda do
inconsciente, de que chegariam à consciência vestígios muito alterados;

87
 O Superego corresponde à interiorização dos interditos e obrigações sociais
impostas, interditos esses provenientes sobretudo, dos pais e que
determinariam o que é permitido, proibido e desejável.

Esta análise tripartida da mente é muito semelhante à alma tripartida de


Platão. Mas nem por isso é menos útil: permite descrever o Homem como uma
espécie determinada por motivos e por preconceitos que tem de aprender a
dominar através do conhecimento de si próprio. O Ego, parte psicológica, tem de
conseguir compreender as manifestações do Id e de reconhecer as conotações do
Superego, que limita e orienta a ação do Ego. Isto é, trata-se de uma visão
integrada dos fatores psicológicos, sociais e biológicos

FREUD E A CIVILIZAÇÃO

Freud verificou a existência de um conflito entre os desejos egoístas, individuais


e as normas de conduta sociais. Para haver adaptação social tem de haver
repressão dos desejos.

A solução para esta necessidade de repressão seria dada pela sublimação.


Isto é, a energia do Id poderia ser canalizada para outra forma de expressão além
de Eros e Thanatos.

O desejo profundo dos indivíduos seria a obtenção do prazer imediato, a


expressão direta de Eros e Thanatos e não a sua sublimação, que se acompanharia
de sintomas neuróticos ou, em qualquer caso, de sofrimento. Como a civilização só
é possível pela repressão dessas pulsões primárias, estaria sempre associada à
neurose.

AV ALI AÇÃO DA PSICANÁLISE FREUDIANA:

 Importância de um modelo biopsicossocial

Pode-se dizer que, contrariamente ao que Freud pretendia, as pressões


culturais interiorizadas não são principalmente provenientes dos pais, mas das
pressões do grupo; pode-se dizer que os determinantes biológicos não são bem
definidos em termos de Eros e Thanatos; pode-se dizer que a sexualidade infantil foi
mal definida; e pode-se ainda dizer que o inconsciente é um conceito mal
formulado em termos energéticos. Tudo isso será verdade, mas não me parece
negável que a nossa espécie funciona precisamente na base de um conflito entre
pulsões biológicas que não conhecemos bem e instruções sociais que adotámos
sem as questionar; e que, finalmente, a única possibilidade de compreender o

88
conflito e de o resolver está na capacidade que temos em nos compreender e nos
sentir.

 Associações arbitrárias

Uma associação entre duas coisas é arbitrária quando está presente na


mente de um observador graças a idiossincrasias desse observador. Sabemos que
a associação é nossa e não universal. Em Freud isto nem sempre foi assim.

Uma variante desta arbitrariedade nas associações é aquilo a que chamo o


“erro polissémico”. A palavra “secretária” tem, pelo menos, dois significados: um
móvel e uma mulher. Mas o facto de terem o mesmo nome não implica qualquer
semelhança entre a mulher e o móvel. Ora Freud analisa palavras que ocorrem em
sonhos de maneira a inferir significados baseados na semelhança da palavra com
outra palavra qualquer com conotação sexual.

 Atribuição impossível de agência

Outro erro frequente de Freud (na verdade é uma característica da sua


teoria) é o facto de todas as instâncias psíquicas (Id, Ego e Superego) quererem,
desejarem, pensarem. Freud parece pensar em estruturas mentais dotando-as de
intencionalidade.

 A solução precede a observação

Uma teoria científica tem de gerar previsões e ser confrontada com os dados.
Para Freud as neuroses tinham de ter uma origem sexual ou no instinto de morte; as
outras hipóteses não eram consideradas. Um exemplo disso é a dificuldade que
sentiu em compreender as neuroses de guerra e a maneira como as explicou
inicialmente – a motivação de repetição seria masoquista e portanto sexual. Afirmar
que os conflitos são de índole sexual mesmo quando nem os conteúdos de
consciência nem os contextos em que ocorrem o indicam, corresponde a praticar
uma sucessiva distorção de forma a reinterpretar os dados de que se dispõe em
termos da teoria.

A maneira como Freud relaciona inconsciente, repressão e censura sofre


desse mesmo mal.

89
CARL JUNG:

A teoria de Freud tem principalmente que ver com as relações objetuais, onde
o inconsciente funcionaria, sobretudo, em termos de representação dessas relações
entre pessoas. Os desejos inconscientes seriam sempre tremendos: morte e sexo.

Jung não acreditava que o inconsciente apenas tivesse representações desse


tipo, havia mais motivações além das sexuais e de morte. Embora Jung sempre
considerasse que as motivações sexuais eram muito importantes no desencadear
das neuroses, pensava que essa era apenas uma das expressões da líbido, que
poderia igualmente estar ligada a qualquer outro processo conducente à vida
(crescimento, alimentação). Além disso, Jung conceptualizava o inconsciente em
termos bastante diferentes dos de Freud. Haveria dois níveis de inconsciente:

 Num nível mais superficial encontrava-se o inconsciente pessoal, em que os


problemas de cada pessoa se organizavam de uma forma particular;
 Mas num plano mais profundo, e esse completamente inacessível, havia
estruturadores do significado humano, estruturadores esses que eram comuns
à espécie. Jung chamou-lhe arquétipos e a este inconsciente mais profundo
inconsciente coletivo.

APRIORISMO E ARQUÉTI POS:

O núcleo da teoria de Jung é que o homem é determinado “de dentro”. Isto


é, o homem possuiria vários estruturadores a priori que determinam a forma
específica como ele se relaciona com o ambiente e consigo próprio. Esses
estruturadores são considerados como forças inconscientes que procuram a sua
realização. Trata-se dos arquétipos, que são “... imagens [a que] falta conteúdo
sólido sendo, portanto, inconscientes. Só adquirem solidez, influência e consciência
quando encontram factos empíricos que estimulam as predisposições inconscientes
e as precipitam para a vida. São, em certo sentido, depósitos de todas as nossas
experiências ancestrais, mas não são as nossas próprias experiências”.

Esses arquétipos podem ou não traduzir-se em imagens. São evidenciados


pelos vários universais da mente humana: todas as culturas têm deuses criadores, o
inimigo, pai, mãe, noção de identidade, e assim por diante. De modo que, para
Jung, a cada universal humano corresponde um arquétipo que é necessário
identificar.

Ou seja, os arquétipos são os moldes em que se organiza a experiência de


cada um. Cada arquétipo manifesta-se, potencialmente, sob a forma de um

90
complexo, específico ao indivíduo. Neste sentido, os arquétipos são os equivalentes
simbólicos dos Mecanismos Desencadeadores que encontrámos na etologia.

Os arquétipos têm alguma semelhança com a tese central da teoria Gestalt.


Não se trataria apenas de estruturas biológicas responsáveis pela apreensão de
uma realidade confusa, mas entrariam em ressonância com a própria realidade.
Seria, ao detetar esses arquétipos, que a mente se uniria no significado total,
entrando numa espécie de paz universal, num nirvana cósmico. Esta capacidade
de apreensão dos arquétipos explicaria as experiências de sincronicidade: pensa-
se ou sonha-se com um acontecimento ao mesmo tempo ou antes de ele
acontecer. Segundo Jung, a sincronicidade corresponderia à deteção de um
arquétipo, entrando o sujeito em ressonância com a realidade independentemente
das formas habituais de apreensão (perceção, imaginação, raciocínio, conotação)
e prevendo, assim, o que está ou que vai acontecer. Este é um dos pontos do
trabalho de Jung mais criticados, devido a ser uma ideia que se aproxima do
domínio do ocultismo.

O desenvolvimento psicológico far-se-ia com base na sucessiva


concretização dos arquétipos em complexos. A estruturação da personalidade far-
se-ia, pois, mediante o impulso de arquétipos que procuram a sua concretização.

A FORM AÇÃO DA PERSON ALIDADE:

Há cinco conceitos fundamentais para compreender a evolução da


personalidade. São eles o si, o ego, a persona, a sombra e o par anima-animus.

O Si (Selbst) é o centro da vida psíquica. Não corresponde a um centro


consciente, mas ao ponto mais central, ao motor principal da vida psicológica. A
sua função é de conseguir o desenvolvimento máximo das potencialidades
humanas da pessoa, incluindo-se aqui funções biológicas como a sexualidade e a
alimentação e, também, funções espirituais como o desenvolvimento pessoal
através da alma, da religião ou da arte. Funciona como uma espécie de fator de
autodesenvolvimento e de crescimento pessoal. É dele que deriva a tendência,
central ao pensamento de Jung, para a individuação. Corresponde a um arquétipo
totalizante e integrador.

O Ego é a zona consciente, a instância em que temos consciência do que se


passa. É o fator de identidade que permite que, ao longo da vida e de todas as
transformações que cada pessoa sofre, cada indivíduo se reconheça como uma
unidade. Esta consciência renasce cada dia, quando o indivíduo acorda; assim, a
cada dia se recria o Ego. A importância do Ego é variável ao longo da vida e tem
um papel primordial nas fases em que o indivíduo tem de se ajustar eficazmente ao

91
mundo. Nessa fase desempenha um papel próximo do Ego freudiano, de
coordenador, executivo e decisor, e elemento mediador dos vários componentes
do Si.

A persona corresponde a constatação de que todos temos uma forma de


apresentação. “Persona” quer dizer “máscara” e a noção captura precisamente
esse especto da nossa personalidade: é aquilo que gostamos de apresentar aos
outros.

Jung infere então um arquétipo social, ou arquétipo de conformismo, que


corresponde à constatação de que, em todas as culturas, há pressões sociais para
que o indivíduo tenha certas características. As pessoas que vivem exclusivamente
na persona podem tender a formas histeriformes de personalidade: vivendo
continuamente na charneira de contacto com os outros, perdem o contacto com
o seu inconsciente, desequilibrando toda a dinâmica da sua vida. A persona
encontra-se estreitamente ligada ao complexo moral – o superego de Freud – que
determina a repressão dos aspetos da pessoa que não cabem na persona.

A sombra é uma espécie de negativo da persona. Trata-se do conjunto de


características que a pessoa não admite em si própria e que, em consequência do
complexo moral, são reprimidas. Este conjunto de características vai ser agrupado
num conjunto predominantemente negativo: aquilo que não queremos ser por
acharmos ser o mal.

Na visão jungiana é extremamente importante que os indivíduos consigam ser


confrontados com a sua sombra. Dessa forma ultrapassam a negação de elementos
da própria personalidade, e, conhecendo-se mais profundamente, podem a
escolher eticamente a ação.

O par anima-animus são arquétipos que nos permitem relacionar-nos com


elementos particularmente relevantes do ambiente: as pessoas de sexo oposto.
Assim, o homem tem um arquétipo de anima e a mulher um arquétipo de animus.

Interagindo com o ambiente, esses arquétipos vão tomar formas específicas,


havendo assim “protótipos” de mulher e de homem. Além disso, e para qualquer
dos sexos, o par anima-animus funciona simetricamente à persona. Na medida em
que há uma imagem do homem e da mulher bem definida socialmente, quanto
mais um sujeito admitir os seus elementos femininos (no homem) ou masculinos (na
mulher) menor será a sua conformação ao estereótipo. Se o estereótipo dominar a
personalidade, esses elementos permanecerão inconscientes, tornando o sujeito
vulnerável a “paixões” (intrusões de impulsos inconscientes) que não sabe explicar.

92
TIPOS PSICOLÓGICOS:

 Introversão e extroversão

O sistema de Jung desloca-se entre dois polos: um interior e inconsciente, e


outro exterior e consciente. Assim, uma pessoa que viva sobretudo na persona perde
contacto com os elementos profundos do seu próprio Si; e uma pessoa que viva
predominantemente nos aspetos mais inconscientes e interiores do Si arrisca-se a
perder o contacto com a realidade.

Jung pensava tratar-se de um eixo fundamental da personalidade humana.


As pessoas podiam ser mais introvertidas ou extrovertidas. A introversão e
extroversão junguianas tem mais que ver com o “centro” das pessoas. Há pessoas
que vivem, principalmente, no exterior e que se interessam pela manifestação
exterior dos fenómenos. Outras, pelo contrário, vivem principalmente das
repercussões íntimas que esses fenómenos têm.

Esta dicotomia era importante para Jung, até por motivos pessoais. Tratando-
se de um introvertido, compreendia a dificuldade na adaptação à sociedade das
pessoas que vivem não no concreto mas na representação interior das coisas. E
sabia que é sozinho que se confrontam os grandes problemas da vida e que a busca
de significado tem de ser atingida por uma exploração profunda de si próprio.

 As quatro funções

Além da preeminência da extroversão ou da introversão, Jung pensava que


as pessoas diferiam na maneira como representam e apreendem o ambiente.
Haveria quatro funções determinantes da forma de reagir e perspetivar os
fenómenos com que o sujeito se depara; essas funções poderiam, por sua vez, ser
introvertidas ou extrovertidas.

Haveria duas funções “racionais”, isto é, funções que implicam operações


mentais mais complexas e duas funções “irracionais”, “impressões” deixadas por
determinada sensação ou acontecimento. As funções racionais são o pensamento
e o sentimento; as irracionais são a sensação e a intuição.

O termo sentimento não é muito claro, porque sugere mais uma função
irracional. Mas Jung entendia pelo termo a avaliação de valor, o juízo. Por exemplo,
perante determinado acontecimento a pessoa pode, predominantemente, ter
sentimentos de beleza, de justiça ou de asco.

O pensamento consistiria na tendência para pensar o problema em termos


de linhas causais: decompõe-se o fenómeno em termos de uma explicação.

93
Na sensação predomina a impressão sensorial do acontecimento.

Na intuição há uma “impressão” global do fenómeno, uma reconstituição


desse fenómeno e uma recriação ativa dele.

Jung achava que as funções se encontram, geral mas não necessariamente,


agrupadas aos pares. Assim, uma das funções racionais ou irracionais constituiria a
função dominante e seria complementada por uma das funções do outro grupo.

OS SONHOS:

Os sonhos são, em Jung como em Freud, a melhor porta para estudar o


inconsciente. Contudo, ao contrário de Freud, os sonhos são não uma manifestação
indireta, deturpada e censurada do inconsciente, mas produto direto da atividade
simbólica desse inconsciente. Ocorrem como forma de compensar desequilíbrios
da vida psíquica e, dado determinado problema, os sonhos poderiam apresentar a
solução de forma a transcender o problema. Se corretamente interpretados,
forneceriam não só as chaves da resolução das perturbações psicológicas do
indivíduo mas uma das únicas portas de acesso ao inconsciente.

Não há, propriamente, uma técnica de interpretação de sonhos jungiana. O


que Jung fazia era procurar, nas imagens dos sonhos, símbolos relevantes para a
pessoa. Esses símbolos poderiam fazer parte do inconsciente individual ou coletivo
e deveriam ser compreendidos dessa forma.

IMAGINAÇÃO ATIV A:

Há ainda a considerar a técnica da imaginação ativa em que se pede a um


sujeito, em estado de quase adormecimento, que deixe vaguear o seu espírito mas
que capture, antes de adormecer, as imagens que estavam na sua mente.

A TERAPIA:

O objetivo da terapia, em Jung, é sempre promover a individuação através


do confronto com o inconsciente. Jung achava que era no inconsciente que a
pessoa se ligava aos grandes arquétipos que davam sentido à sua existência.

O aspeto fundamental da terapia junguiana consistia em estabelecer a


história. Significa isto identificar por palavras o problema do sujeito, o que ele pode
não conseguir fazer. Ou seja, Jung procurava dar um sentido narrativo ao problema
do paciente para poder trabalhar sobre a história da vida dele.

94
Depois de estabelecer a história, leva-se o sujeito a compreender os seus
problemas em termos de desequilíbrio entre as suas necessidades de participação
nos arquétipos. É com base na eliminação da frustração arquetípica que se espera
obter a transformação do paciente e a sua cura.

AV ALI AÇÃO:

Os erros de pensamento de Jung não diferem dos do seu mestre, Freud:


também Jung faz relações entre partes que ignoram o todo (nos sonhos), cai no erro
polissémico e não pensa em contra-argumentos para as suas ideias.

Apesar das imprecisões, Jung é inovador em muitos aspetos. O primeiro, é o


da consideração do inconsciente coletivo.

Apesar das suas peculiaridades, Jung é um dos poucos psicólogos que


compreendia, realmente, as pessoas. Freud falou sempre de si. O mesmo fez,
embora de forma diferente, Watson.

ALFRED ADLER:

A teoria de Adler é uma teoria da subjetividade, uma teoria de como os


sujeitos representam os acontecimentos. A ideia principal de Adler é que há uma
vontade de poder, de potência e de afirmação de si. Essa afirmação de si far-se-ia
através da aprovação dos outros. Para que haja aprovação dos outros teria de
haver uma interiorização dos objetivos partilhados pelos outros, uma identificação
dos objetivos gerais das pessoas de uma determinada cultura e de uma
determinada época. É a essa interiorização dos objetivos que Adler chama
“inconsciente”, dado que as pessoas raramente têm consciência explícita da
origem e mesmo dos conteúdos dos seus valores, que permanecem não
explicitados. Assim, os neuróticos seriam aquelas pessoas que desdenham
conscientemente a apreciação dos outros mas que continuam a partilhar,
inconscientemente, dos objetivos desses outros.

A teoria de Adler parece mais empírica do que a de Freud. Enquanto que


Freud afirmava que os mecanismos da mente eram fixos para toda a gente, Adler,
sem rejeitar essa afirmação, procurava compreender o ponto de vista do outro,
saber como ele vê o mundo e se vê a si próprio.

Em termos mais simples, a teoria trata de como eu me vejo a mim próprio e


quais são os critérios de sucesso com que eu considero esse mim próprio.

95
UM A ÚLTIMA NOTA SOBRE A NOÇÃO DE “INCONS CIENTE” NA PSICANÁLI SE:

A psicanálise assenta na ideia da existência de motivações inconscientes.

Não se pode duvidar de que há processos e motivos inconscientes. Do que se


pode duvidar é de que exista uma entidade que é o inconsciente. A palavra
“inconsciente” aplica-se a um estado. Mas o que a psicanálise acaba por fazer é
reificar um estado numa entidade: “o inconsciente exprime-se pelos sonhos”.

A PSICOLOGIA PROPRIAMENTE NORTE-AMERICANA:

PANO DE FUNDO INTELE CTUAL DOS E STADOS UNIDOS NOS FINAIS DO SÉC. X IX:

Os Estados Unidos formaram-se a partir de imigrantes que queriam fugir da


perseguição religiosa ou, mais frequentemente, da miséria em que viviam na
Europa. Formou-se assim um país de comerciantes e industriais práticos. Tinham
espírito de iniciativa, esperança na mudança e fé na força de vontade. Neste pano
de fundo, era inevitável que estas tendências culturais influenciassem a vida
intelectual nascente.

Num território virgem, as prioridades não são, geralmente, as do espírito, mas


as necessidades mais práticas de subsistência. Numa época de mudança rápida,
tudo era julgado em termos do seu valor sobre o ambiente: foi a primazia do espírito
utilitarista, em que se privilegiavam as consequências sobre as essências, em que
se procurava prever o ambiente mais do que compreendê-lo profundamente; era
muito mais importante curar uma doença do gado do que pensar na causa das
coisas.

Há ainda uma outra tendência cultural americana com importância neste


contexto: a recusa da interioridade e a consequente exterioridade. Utilitariamente,
as coisas eram avaliadas pela impressão que causavam, e os homens fugiam da
subjetividade, pouco produtiva e vergonhosa: o calvinismo e ao capitalismo, que
produziu um homem tosco, rápido, prático, e sem vontade nem capacidade de
auto-análise psicológica.

Tudo isto levou a uma forma de concretismo pragmático e tecnológico que


influenciou imensamente os Estados Unidos e a psicologia: as emoções são
fraqueza, as teorias são patranhas e o que conta é o facto sólido que se pode ver
diante de nós.

96
FUNCIONALISMO E TRAN SIÇÃO PARA O CONDUTI SMO:

No final do Séc. XIX ocorre uma revolução mental nos Estados Unidos em que
se procura reformar a sociedade por meio da psicologia.

Este movimento não poderia ter por base nem o “estruturalismo” de Titchener
nem a psicologia de William James: ambas eram sobre a mente e a consciência e
não era isso que interessava. No ethos norte-americano, a psicologia teria de ser o
estudo da mudança e da ação.

O resultado foi um movimento chamado “funcionalismo”. A ideia é bastante


simples e resulta em grande parte de uma modificação da psicologia de William
James. Segundo ele, a mente e a consciência têm de ter uma função de
adaptação. O funcionalismo explorou essa ideia: era necessário estudar esse tipo
de processo adaptativo.

Se a mente tem funções de adaptação ao ambiente, essa adaptação


certamente se traduzirá em comportamento. De resto, só podemos saber da mente
dos outros através do comportamento que eles manifestam. Assim, um estudo sobre
a adaptação mental tem, forçosamente, de incluir a adaptação comportamental.
A biologia de Uexküll e o movimento Gestalt estavam de acordo com esta ideia.
Mas a preocupação americana com a intervenção, com a eficácia, e com a
adaptação a situações novas (aprendizagem) levou a que, progressivamente, a
mente passasse a ser considerada como condição de adaptação
comportamental, ou, mais simplesmente, apenas como alteração
comportamental.

Por outro lado, a investigação dedicou-se progressivamente mais à


aprendizagem e menos a outro tipo de estudos.

Foi com Hugo Munsterberg que apareceu a formulação que retirava


explicitamente importância à consciência: assim, a consciência seria apenas um
epifenómeno da ação. A sequência seria a seguinte. Somos subconscientemente
informados pelos nossos músculos de que queremos fazer uma coisa e declaramos
a nossa intenção de a fazer; a seguir fazemos essa coisa; como dissemos que íamos
fazer a coisa que fizemos, pensamos que foi a nossa consciência que determinou a
nossa ação. Mas na realidade, segundo Münstenberg, foi o contrário, isto é, foi a
nossa ação que determinou a nossa consciência.

Esta ideia implica que a consciência não tem qualquer importância e que o
que nos faz agir são os músculos.

Esta posição foi popular, e pela mesma altura, John Dewey sugeria que
apenas eram conscientes os momentos em que a nossa ação era entravada; nesse

97
caso, tínhamos de encontrar alternativas para a ação automática de maneira a
encontrar a solução. Só nesse caso a consciência interviria; o resto seria feito com
base em hábitos e automatismos.

Foi na psicologia animal que o processo de passagem da psicologia a estudo


do comportamento e não da mente se concretizou. Thorndike defendia a
inutilidade do conceito de mente quando se investigavam animais e crianças
jovens. Thorndike quis estudar a inteligência animal. Leu os estudos de um discípulo
de Darwin, George Romanes, sobre o tema e ficou incrédulo com as capacidades
cognitivas que eram atribuídas aos animais. O método de pensamento de Romanes
é o seguinte: quando se encontra uma atividade que parece implicar inteligência,
ou que nós, humanos, levaríamos a cabo por meio da inteligência, admite-se que
os processos animais que a asseguram são tão inteligentes quanto os nossos.

Thorndike defendeu que se trata de uma interpretação abusiva e


antropomórfica: não é por nós resolvermos o problema dessa maneira que os
animais também o fazem. Estudou então a resolução de problemas: um gato era
fechado numa gaiola e tinha de conseguir sair. Observava-se o comportamento do
animal e verificava-se que não havia compreensão do mecanismo de abrir a
fechadura, mas apenas ensaio e erro. Se o animal conseguia sair, tendia a repetir a
ação que resultaria da abertura da gaiola.

Este efeito, que é a base do condicionamento instrumental (ou operante),


seria capturado pela lei do efeito: uma ação que tem consequências positivas é
repetida, as que têm consequências negativas são inibidas. Thorndike tinha, em
grande parte, razão, mas a sua posição era mais forte: se não podemos falar de
mente porque não é necessário fazê-lo com animais, podemos deixar de estudar a
mente animal para estudar a adaptação comportamental.

WATSON E CONDUTISMO:

John Watson (1878-1958) é considerado o fundador do condutismo. Contudo,


segundo Leahey, isso não é verdade: os elementos do condutismo watsoniano
estavam já presentes antes dele:

 A tendência para estudar o comportamento em vez da mente;


 A tendência para considerar o comportamento apenas como uma forma de
adaptação (aprendizagem);
 O perifericismo (a pouca importância da vontade consciente na
determinação do comportamento);
 A ênfase na psicologia como ciência natural, como a física e biologia;
 A preeminência da previsão e do controlo;

98
 A importância da psicologia como fator de reforma da sociedade.

Todas estas características se encontram, antes de Watson, no funcionalismo.


O único elemento novo é a ideia de não se usar o conceito de mente e de não
aceitar qualquer relato introspetivo como fonte de conhecimento psicológico.

Watson sofreu a influência de Jacques Loeb, um investigador alemão que


defendia que o estudo dos tropismos explicava todo o comportamento.

Loeb enfatizava quatro coisas diferentes:

 Os processos que controlam o comportamento são devidos a uma reação a


estímulos externos;
 Essa reação nada tem que ver com a consciência;
 Todos os organismos são explicáveis a partir dos mesmos processos;
 Todos os processos são elementares.

Todos estes princípios se encontrarão, mais tarde, no condutismo.

O SIGNIFICADO DE “CO NDUTA” EM WATSON:

O que Watson considerava ser o comportamento é um tanto diferente das


definições quer da fisiologia, quer do condutismo posterior quer, sobretudo, da
posição da etologia.

A etologia estuda padrões motores e a organização sensorial e motivacional


que permitem a ligação comportamental do organismo ao ambiente; a fisiologia
estuda “respostas”, a parte eferente dos reflexos. Watson não definia o
comportamento em moldes tão estreitos quanto um reflexo. Enquanto que num
reflexo há um estímulo e uma resposta precisamente identificados (a incidência de
luz na retina e a contração da pupila, por exemplo), em Watson um estímulo e uma
resposta eram quaisquer conjuntos de variáveis. Por exemplo refere que deve haver
um estímulo para um divórcio, para a revolução soviética, etc. Watson não queria
estudar o animal reflexo a reflexo, isto é, analiticamente, mas sim a adaptação do
animal como um todo às alterações do ambiente.

Watson também não estudava o comportamento em termos de padrões


motores como a etologia. A sua posição difere em dois aspetos. Por um lado
enfatizava a aprendizagem e não as características de perceção/comportamento
típicas de cada espécie. Seria a aprendizagem o principal objeto de estudo: a
mudança adaptativa, isto é, a possibilidade de um organismo se adaptar com
eficácia a condições novas. Por outro, não considerava o comportamento como
composto de ciclos funcionais mas apenas de associações estímulo-resposta. Para

99
Watson “comportamento” significa qualquer resposta observável do organismo que
modifique a sua relação com o ambiente.

A aprendizagem dever-se-ia à associação entre um estímulo, um


comportamento e um reforço: a associação de um estímulo que causa medo a um
estímulo que o não causa leva, por associação, a que o estímulo que não causa
medo passe a causá-lo. É a modificação das funções do comportamento que
interessa a Watson, não a anatomia da modificação dos próprios comportamentos
e das perceções que os acompanham. É, pois, uma perspetiva ainda mais
funcionalista do que a da etologia: o que importa é o resultado, e o processo é
menos importante.

Inicialmente, Watson acreditava que havia elementos inatos e adquiridos no


comportamento. Fez alguns estudos com aves, com intenção de lhes alterar o
comportamento. Não conseguiu produzir alterações, o que lhe deu a impressão de
que havia muitas reações inatas. Mas com o tempo acabou por defender uma
posição muito mais extrema: seria o meio, não o inato, que determinaria o
comportamento, pelo menos na nossa espécie. A razão por que se convenceu disso
é que definia como inatas apenas as reações observáveis logo a seguir ao
nascimento. Essas reações seriam um conjunto restrito de reflexos que, pensava
Watson, rapidamente seriam modificáveis pelo condicionamento.

Para compreender este ponto, pode-se considerar as reações que Watson


considerava inatas. Haveria vários movimentos do corpo (mexer um dedo, uma
perna, etc.) que o seriam. Mas em termos mais relevantes para a psicologia, haveria
três comportamentos emocionais inatos. Seriam o medo, desencadeado por
barulhos fortes e por situações em que a criança está em risco de cair; a raiva, que
ocorre perante uma contrariedade, quando a criança é impedida de se mover; e
o amor, que não é particularmente bem definido e que parece ser mais próximo do
prazer. Watson descreve-o como comportamento “affectionate”, “good natured”
e “kindly”. Estas reações primárias combinar-se-iam durante a vida por
condicionamento.

O comportamento é definido como o resultado da atividade muscular. Em


nenhum momento seria necessário fazer referência a entidades mentais. A ideia é
que o desenvolvimento de uma pessoa se compreende como uma contínua
complexificação, por condicionamento, de respostas primárias.

Watson pretende que a formulação válida para a criança se aplica ao


adulto. Os conceitos mentais, todos eles, seriam ficções, usos não científicos da
linguagem: “Estar consciente é apenas uma frase literária popular que descreve os
atos de nomear o nosso universo de objetos quer dentro quer fora e [...] a
introspeção é uma frase de significado muito mais estreito que descreve o ato, mais

100
difícil de capturar, das mudanças dos tecidos que estão a ocorrer, isto é, o
movimento dos músculos, tendões, secreções glandulares, respiração, circulação e
coisas desse género. Devem ser considerados apenas como formas literárias de
expressão”.

Sobre as imagens mentais, afirma o seguinte: “Presumo, claro, que as


“imagens”, aquelas “memórias” de figuras semelhantes a fantasmas de objetos não
presentes aos sentidos, foram abandonados pela psicologia”.

A posição de Watson sobre o que são emoções não é clara, mas parece que
tudo o que não é materialmente necessário ao desempenho de uma função seria
emocional: “O conjunto dos objetos e situações que estão à volta das pessoas
provocam reações mais complexas do que o necessário à manipulação do objeto
ou situação”.

É bastante conhecida a posição de Watson sobre o pensamento.


Originalmente declarou tratar-se apenas de discurso subvocal. Ou seja, não haveria
pensamento, mas atividade (conduta) das cordas vocais. A opinião é depois
alterada para afirmar que o pensamento é uma sequência de atos aprendidos,
sejam palavras e frases, sejam movimentos. Se uma situação desencadear em nós
predominantemente atos, o pensamento será sem palavras. Se exigir reflexão, “... os
hábitos musculares aprendidos no discurso visível são responsáveis pelo discurso
interno ou implícito (pensamento)”.

A personalidade seria um “sistema de hábitos”, e quando dois ou mais


sistemas de hábitos entram em conflito haveria mudanças de eficácia. Seria essa a
origem da noção de “atenção”. A atenção, a memória, todos os conceitos
psicológicos são redefinidos em termos apenas de situação e de conduta. A ideia
de Watson é anular tudo o que sentimos vir de dentro do organismo como ímpeto
(a agência que sentimos ter) e reformular tudo isso em termos de músculos e
glândulas que permitem uma relação com o ambiente. Pretende, pois, uma física
do organismo no ambiente, não uma psicologia mental, que afirma não existir e ser
apenas uma ilusão. A única diferença entre um organismo e uma máquina é que o
organismo aprende.

A psicologia é, assim, vista como uma pura ciência da matéria, com estímulos
que produzem uma ação visível sem que a consciência, a mente, ou o livre-arbítrio
desempenhem o menor papel. A psicologia, ciência da mente, é assim aniquilada
e substituída pela ciência da ação e da adaptação da ação ao ambiente.

101
O CONDUTISMO RADICAL DE BURRHUS F. SKINNER:

A FILOSOFIA DE SKINN ER:

Skinner é um teórico da aprendizagem – o seu interesse é a modificação do


comportamento; mas com base na aprendizagem tenta explicar todas as
atividades humanas. A sua teoria é pouco intuitiva, porque Skinner, ao contrário de
Watson, não nega a mente ou a consciência; apenas a reformula em termos de
conduta e de condicionamento.

CONCEITOS ESTRUTURAD ORES DO PENSAMENTO DE SKINNER:

 Equiparação do mentalismo com o vitalismo

O vitalismo parte de uma verificação: os organismos parecem ter propósito,


parecem teleológicos e orientados para fins quer na embriologia quer na conduta.
Se observarmos um animal que caça, não poderemos ter dúvidas de que ele tem
uma imagem mental da presa, que a persegue. O argumento anti-vitalista foi
sempre o de que é na própria estrutura da matéria que se encontra a explicação
da teleologia da vida: aquilo que parece ser uma vontade, uma inteligência
superior a determinar o desenvolvimento ou o instinto é apenas a organização da
matéria, organização essa determinada pela seleção natural e pela própria
estrutura física dos tecidos vivos.

 Posição de terceira pessoa

Em consonância com o cientismo, Skinner pretende-se um teórico da terceira


pessoa: afirma (mas não cumpre) analisar a conduta dos outros, a partir do exterior,
como observador neutro. O procedimento é, como em Watson, o mesmo que o do
físico: observa-se o que se passa em termos de leis da física, considerando um
agente como se fosse um objeto.

Negando-se a determinação interna e mental da conduta, não faria sentido


observar-se o organismo do ponto de vista mental, mas Skinner não conseguiu
manter esta posição, pelo menos na análise da conduta humana.

 Justificação do ambientalismo extremo

Skinner concentra-se no fisicamente observável. Um estado mental, se for


concebido como não-físico, não poderia causar um estado físico. Dado que Skinner

102
procura apenas causas físicas, palpáveis, que não podiam, na altura, ser
encontradas no sistema nervoso, afirma que um Estímulo afeta um Organismo que
dá uma Resposta- trata-se da fórmula E-O-R. Negando implicitamente a
importância do sistema nervoso, Skinner afirma que as causas são todas externas.
Sendo assim, os estados de O que influenciam R são todos previsíveis a partir de E.

A preocupação de Skinner é, portanto, a capacidade de determinar o


comportamento de um organismo a partir do ambiente. Como quem controla o
ambiente em laboratório é o experimentador, Skinner enfatiza o controlo da
conduta. Vai assim usar vários métodos para modificar a conduta dos seus sujeitos
experimentais.

Skinner não nega que existam reações inatas, mas o que lhe interessa é a
capacidade de modificação da conduta.

O condutismo radical enfatiza, quase com exclusão de fatores internos, o


papel do ambiente. O argumento de Skinner não poderia ser mais claro: o
mentalismo ter-nos-ia fechado os olhos aos efeitos do ambiente.

Skinner é inequívoco quando afirma que a explicação da conduta se deve


fazer “a partir de fora”, isto é, do ambiente, e nunca a partir de planos do organismo.

Este externalismo tem duas formas, pouco relacionadas entre si: seria o
ambiente a determinar, por aprendizagem, a conduta individual; e seria o ambiente
a determinar, por seleção natural, as características do organismo, entre elas a sua
sensibilidade à aprendizagem.

As duas ideias (determinação externa da evolução e da conduta) são


assimiladas no termo “contingências”. Uma coisa é contingente a outra quando se
lhe segue causalmente: a conduta seria contingente a reforços. Faríamos aquilo que
foi reforçado anteriormente e inibiríamos o que teve consequências más.

Tal como na aprendizagem individual as variações de conduta que


promovem a adaptação são reforçadas e tornadas mais frequentes, também na
evolução são retidas e se tornam mais frequentes as características do organismo
que promovem a sobrevivência.

Quer na conduta individual quer na evolução há variação, teste e


retenção/eliminação das variações, de modo a chegar à adaptação. Assim, quer
a aprendizagem quer a evolução podem ser concebidas como “contingências”: a
conduta aprendida é contingente a reforços e as características biológicas são
contingentes à reprodução diferencial. Skinner usa os termos “contingências de
reforço” e “contingências de sobrevivência” para se referir a estes dois tipos de
relação causal. Temos então que o organismo é duplamente determinado de fora:

103
a espécie tem várias características que foram selecionadas durante a evolução; e
o indivíduo aprende durante a sua vida através da seleção das condutas que são
seguidas por reforços.

 O anti-mentalismo não implica que não exista interior

Watson negava a mente. Skinner não o faz: admite os estados internos. O que
são estados internos em Skinner? São o que se sente da atividade dos sistemas
circulatório, respiratório e digestivo. O que sentimos são, pois, estados do nosso
corpo, no sentido mais concreto do termo; de novo vemos a tentativa de limitar a
psicologia às variáveis acessíveis puramente pelos sentidos.

De onde vem então a ideia de mente, se o que sentimos interiormente não é


mental mas meramente físico? Skinner afirma que se trata de uma tradição de
pensamento errada, fundada por Platão: todos os pensadores de que tratámos
nesta sebenta estariam enganados por ter seguido o trilho iniciado por ele. Seria por
influência do platonismo que usamos vocabulários mentalistas. Essa tradição teria
impedido o desenvolvimento da verdadeira descrição das causas do
comportamento: os fenómenos do ambiente que antecedem uma ação.

Sejam o que forem os estados internos, seriam apenas epifenómenos dos


reforços e não determinariam nunca a conduta.

 Previsão e controlo

Conseguir prever a conduta seria a prova de que a teoria está correta: se


Skinner conseguir prever, com base na história passada de reforços, a conduta dos
indivíduos, terá mostrado, pensa, a utilidade da sua perspetiva.

Em Skinner, anti-mentalista e condutista, exatamente como em Watson, a função


da conduta é a relação com o ambiente: um comportamento é estudado em
termos das consequências que tem no ambiente em que o organismo se encontra;
se não tem consequências pode ser ignorado.

 O que significa “conduta” para os condutistas?

“Comportamento”, para Skinner, é uma resposta arbitrária, e a atenção


centra-se nas manipulações que o experimentador impõe ao ambiente e que
alteram essa resposta. É assim que se compreende a “caixa de Skinner”. O objetivo

104
do condutismo é estudar de que maneira pode o experimentador manipular o
ambiente de maneira a alterar as respostas do organismo.

O que Skinner e Watson pretendem ao dizer-se condutistas é recusar


conceitos não observáveis (mente, atenção, etc.) e centrar-se nas manifestações
comportamentais desses conceitos, isto é, no sensorialmente observável.

 Reformulação da mente em conduta

Skinner admite que existe vida interior, isto é, que aquilo a que chamamos
mente, existe. Defende até a possibilidade de introspeção. Contudo, a vida interior
revelada pela introspeção consistiria apenas em estados do corpo. Esses estados do
corpo seriam interpretados em termos mentalistas porque existiria a ficção platónica
da mente. Não teríamos nomes para os estados internos porque, diz Skinner, não há
consenso fácil dado que a observação não é pública.

 Teleonomia e vontade

O propósito, isto é, a teleonomia, só ocorre quando há reforços: se eu for


reforçado por fazer determinada coisa repeti-la-ei. Não há, portanto, qualquer
propósito: faço o que faço não por querer fazê-lo, mas porque fui reforçado no
passado para o fazer. A ideia de que faço uma coisa por querer fazê-la seria uma
ilusão. Outro conceito semelhante é a vontade. Skinner também a não pode admitir
e afasta-a afirmando que seria a invenção de um acontecimento iniciante, isto é,
admitir a vontade seria admitir que a conduta ocorre a partir da mente/organismo
e não do ambiente.

Este ponto é importantíssimo: se os organismos tiverem propósito toda a teoria


externalista dos determinantes ambientais da conduta se esvai. Por isso a questão é
sumariamente afastada com uma afirmação dogmática: não há propósito,
fazemos o que o ambiente nos determina que façamos; o que sentimos é um
epifenómeno das contingências de reforço; custa-nos aceitar essa “verdade”
porque possuímos uma teoria errada que interpreta o que sentimos como mente
iniciadora de ações.

 Perceção, atenção e “funções cognitivas”

A perceção dependeria do conceito cópia (do que eu vi). Mas, diz Skinner, o
que importa é o ato de ver, não as cópias que eu penso fazer. O que isto significa é

105
que não é boa estratégia estudar as perceções em termos de imagens mentais mas
sim de preparação para a ação.

Além disso, Skinner defende que a perceção seja estudada em termos


puramente da terceira pessoa: usando o método dos limiares diferenciais, posso
saber se outra pessoa distingue ou não dois estímulos. Ou seja: mesmo que tenhamos
a sensação de que existem imagens mentais, esse problema é um falso problema,
o que interessa é conhecer a história de reforços do indivíduo porque é ela que
permitirá prever a conduta, que é a ligação do organismo com o ambiente.

Também não haveria memória: haveria contingências do ambiente que


modificam o organismo, mas não armazenamento de informação na mente – esses
conceitos seriam erros filosóficos.

A atenção seria um conceito mentalista que seria corretamente explicado


apenas em termos da história de reforços: dirijo o meu olhar para uma coisa apenas
porque ela no passado me afetou. Não haveria, pois, atenção, apenas conduta
determinada pela história dos reforços.

 Controlo de Si, Eu-sujeito e objeto

Skinner dá muita atenção ao controlo do próprio comportamento. Diz ele


que, ao colocar no ambiente a ênfase da determinação da conduta, parece que
o indivíduo fica inteiramente passivo; e que, contudo, não é assim, porque ele tem
a possibilidade de determinar a sua conduta. Fá-lo alterando as condições de
ambiente da mesma maneira que o faria para controlar a conduta de outra pessoa.

Este tema leva, naturalmente, ao problema do Eu sujeito e Eu objeto: se eu


exerço controlo sobre mim estamos a dividir o Eu em duas partes. Qual é a solução
dentro do paradigma condutista? O Eu seria um vestígio do animismo, isto é, uma
crença na fantasia de que os corpos são animados por espíritos. Esta afirmação
radica no ênfase na terceira pessoa: se olharmos para outro apenas veremos
conduta, e inferiremos um agente mental. Skinner não aceita essa atribuição, que
considera ser semelhante a postular espíritos que decidem mandar chuva. Para ele,
uma pessoa não é um agente em que se origina a ação: é apenas um ponto em
que se exercem as influências biológicas e das contingências de reforço. Ou seja,
não há Eu ativo.

Contudo, Skinner interessa-se, como vimos, pela questão do controlo de si, o


que o leva a tentar explicar a dicotomia Eu sujeito/objeto. Na sua opinião postula-
se um Eu de cada vez que há coerência nas várias condutas de uma pessoa. Assim,
quando estamos num contexto formal, temos uma série de condutas de certo tipo

106
– somos graves, discretos, reservados, cerimoniosos; mas quando estamos com
amigos somos mais expansivos, podemos até brincar, o critério de boas-maneiras
altera-se. São dois eus? Skinner diz que são dois sistemas de respostas.

Assim, trata-se de um problema teórico que Skinner nunca resolveu e que nem
pode ser resolvido, uma vez que não se pode simultaneamente negar e afirmar a
autonomia do sujeito.

EGO, SUPEREGO E ID:

Compreende-se que Skinner tenha tentado reformular em termos de conduta


vários conceitos da psicanálise. Entre outros, tenta recuperar a divisão Ego-Id-
Superego. O Id seria os reforços mais biológicos e o Superego os reforços da
sociedade. O Ego não tem equivalente explícito, mas tem de se pressupor que é o
sujeito dos sistemas de respostas. Parece, pois, estar presente um Eu sujeito
espectador e decisor que não é nunca enunciado como tal.

Apesar de Skinner declarar que o sujeito não é um decisor mas apenas um


ponto em que se encontram as tendências comportamentais selecionadas
biologicamente e as dependentes da história dos reforços, postula, sem o dizer, um
sujeito mental apesar de lhe chamar comportamental. Pretende assim ser coerente
com o anti-mentalismo, mas não o parece ser suficientemente.

PENSAMENTO:

Pensar, em Skinner, corresponde a ação coberta. Assim (o exemplo é de


Skinner), afirmar “penso que a porta de trás está aberta” quando encontro a porta
da frente fechada, seria uma ação coberta.

O pensamento é apresentado como resolução de problemas: a solução de


um problema é a resposta que o resolve; essa resposta ocorre por processos
semelhantes ao ensaio e erro. (Eu sei que isto soa confuso, mas nem o professor diz
conseguir entender a diferença entre ação coberta e pensamento)

Parece que a dificuldade está em Skinner não admitir a existência de reforços


mentais: a curiosidade, a satisfação em resolver um problema mental não são
considerados – não o poderiam ser, dado que não são coisas visíveis e físicas mas
apenas conceitos mentais. A conclusão de Skinner é que quando aparece uma
resposta que resolve o problema, ele deixa de existir.

As ideias novas tratar-se-iam apenas de respostas antigamente aprendidas


que seriam emitidas em diferentes contextos. Não haveria nenhuma originalidade

107
no “pensador original”. Esta afirmação é determinada pelo preconceito de
esvaziamento do sujeito e da colocação de toda a causa da agência no ambiente.

A abstração não seria mental, seria conduta: respondo com a palavra


“verde” a vários objetos que têm uma cor particular; ou seja, parece haver
abstração, mas na realidade haveria apenas condicionamento de um
comportamento a um estímulo: a conduta de emitir o som que se ouve como
“verde” perante certo tipo de comprimentos de onda.

A generalização não é considerada uma atividade do sujeito: é apenas uma


resposta a um estímulo que tem características presentes em outros estímulos. Ou
seja, não há uma generalização mental, mas apenas uma distribuição da
probabilidade de emissão de determinada resposta perante estímulos mais ou
menos parecidos com o estímulo a que a resposta foi condicionada.

MOTIVAÇÕES:

O conceito de motivação (drive) é mantido por Skinner o considerar útil, mas


é-lhe tirado todo o conteúdo mental: por exemplo, se várias manipulações
experimentais (ex. privar de bebida, aumentar a temperatura) fizerem aumentar,
por exemplo, a quantidade de água bebida poder-se-á falar, por ser prático, de
motivação (drive) para beber. Contudo, Skinner, como já antes dele Watson,
aceitava vários conceitos da psicanálise. As motivações/emoções biológicas de
sexo e destruição postuladas por Freud eram aceites pelo condutismo.

LINGUAGEM:

Para mostrar que o mentalismo não é necessário, Skinner defende que é


possível formular a fala como operante (um operante é um comportamento com
consequências sobre o ambiente e que está sob controlo desse ambiente- é, pois,
uma resposta possível de condicionamento). Falar estaria sujeito a contingências de
reforço como qualquer outro operante. Assim, o comportamento verbal (uma frase
emitida) não é considerado como referência a nada: seria apenas um
comportamento reforçado em determinado contexto.

Em resumo, Skinner afirma que:

 O mental não determina a ação;


 O verbal é um comentário à ação, comentário esse que foi reforçado;
 O sujeito não determina a sua ação, pelo que os comentários verbais não
podem ser determinantes do comportamento e têm de se apenas uma ação

108
condicionada antes e que acompanha as verdadeiras razões que
determinam a conduta;
 As verdadeiras causas são as contingências de reforço.

A ANÁLISE EXPERIMENT AL DO COMPORTAMENTO:

A análise experimental do comportamento é um conjunto de conceitos e de


métodos de estudo da aprendizagem. Os conceitos mais importantes são o de
reforço e duas classes de comportamentos: os respondentes, isto é, as reações
reflexas, e os operantes, isto é, as respostas cuja frequência foi aumentada pelos
reforços.

Os reforços devem ser compreendidos como contingências de reforço, o que


significa que a conduta é contingente às propriedades do reforço: se esse reforço é
contínuo ou intermitente e se é dado a intervalos fixos ou em proporções de repostas
fixas.

Não só o condutismo é intrinsecamente contraditório, pelo menos em termos


de teoria, como não parece suficiente para capturar a verdadeira dinâmica da
conduta, que requer mais informação sobre as tendências herdadas e, pelo menos
na nossa espécie, a consideração da mente como conceito necessário.

Watson e Skinner afirmam que as explicações mentalistas não são


explicações; mas querem explicar, sem recurso à mente, os mesmos fenómenos
identificados através do mentalismo. É assim que Skinner reinterpreta os conceitos
mentalistas de ansiedade, de raiva, de medo, de eu, de id e de superego, em
termos de manipulações do ambiente que têm efeitos na conduta. Não se trata,
strictu sensu, de uma ciência do comportamento, mas de uma ciência dos
conceitos mentais traduzidos para o comportamento.

Enquanto a etologia faz emergir os seus conceitos da observação dos


animais, o condutismo baseia-se nos conceitos psicológicos e redefine-os em termos
de conduta. Há, pois, uma redefinição não mentalista do mental, mas é do mental
que se parte.

DESENVOLVIMENTOS POST-CONDUTISTAS:

ORIGENS CONDUTISTAS DO COGNITIVISMO:

O condutismo é externalista: um organismo reage a estímulos externos com


comportamentos que são, eles próprios, determinados pela interação passada
entre o organismo e o ambiente (as associações de estímulo e resposta ou as

109
contingências de reforço, segundo as escolas). A ideia, portanto, é que o ambiente,
na forma de estímulos e reforços, determina a resposta.

Esta conceção do comportamento vem da fisiologia dos reflexos. Nessa


teoria, defende-se a ideia de que o comportamento é decomponível em pequenas
reações independentes, cada uma das quais desencadeada por um estímulo
específico do ambiente. No entanto, em cotexto de etologia, esta afirmação não
é verdadeira.

Na psicologia da aprendizagem, que foi muito influenciada pela teoria dos


reflexos e muito pouco pela etologia, pretende-se, da mesma maneira, isolar o
processo que se quer estudar: a modificação adaptativa do comportamento ou,
no termo mais usado, a aprendizagem. Para isso isolou-se tarefas que se achava
que poriam em evidência o processo de aprendizagem – labirintos,
condicionamentos clássico e instrumental e, na forma mais influente, caixas de
Skinner. Há, pois, definição de uma tarefa que se presume evidenciar um processo,
mas não há a garantia de que essa tarefa seja válida, isto é, que evidencie o
processo que se quer estudar.

Uma consequência desta maneira de proceder é que nunca se estuda o


“animal natural” mas apenas partes do seu comportamento. Assim, embora
nenhuma das escolas condutistas mais influentes seja elementarista, a
aprendizagem é estudada ainda em termos de estímulo e resposta, de tal forma
que determinado estímulo passa a desencadear determinada resposta,
pressupondo-se que houve uma associação E-R (Watson) ou pressupondo-se essa
ideia sem a afirmar por não se observar a associação na mente (Skinner). Esta
formulação E-R é anti-mentalista e não influenciou o cognitivismo.

Há áreas da psicologia da aprendizagem que definiram o processo E-R de


maneira menos austera do que o condutismo radical. Nomeadamente, Hull e
Tolman defenderam teorias em que o organismo tem algumas propriedades: para
Hull o organismo faria associações não traduzíveis no comportamento, ligações
entre estímulos internos e respostas internas. Assim, quando se apresentasse ao
animal um estímulo, esse estímulo ativaria um processo interno, concebido como
associações E-R encobertas. O comportamento de um animal seria então
formulável como dependendo das associações E-R. Tolman foi mais longe e
defendeu que os animais faziam mapas cognitivos internos, aprendizagens de locais
que eram representadas como mapas do ambiente. Os dois autores podem, pois,
ser considerados teóricos E-O-R. Esse organismo interno é definido em termos das
associações e as representações do ambiente que o investigador hipotetizou a
partir da conduta exibida pelo animal na tarefa que lhe foi imposta. Nestes modelos
continua-se a pensar que é o estímulo inicial que determina todo o processo de
comportamento, mas admite-se que há, dentro do organismo, processos que

110
medeiam a relação E-R (Hull) e mesmo a estruturação do conhecimento sobre o
meio (Tolman).

O ESTUDO DA MENTE:

O livro de Neisser marcou a posição teórica da psicologia cognitiva. Assim, a


psicologia deveria voltar a considerar os processos de transformação que dão
origem à experiência recorrendo à analogia dos computadores (metáfora da
mente como um computador).

Neisser opõe as estruturas cognitivas, que pretende estudar, às motivações, e


trata de perceção, atenção e memória quer visuais quer auditivas, e de funções
superiores, como memória e pensamento.

A TEORIA COGNITIVISTA:

O cognitivismo assenta em dois pontos fundamentais:

 Aceitação de variáveis internas, formuladas em termos de constructos


hipotéticos (perceção, atenção, memória, pensamento, linguagem, etc.);
 Formulação da mente como um sistema de regras de tratamento de
informação semelhantes aos sistemas informáticos. Estas regras não são
motivacionais, mas procura-se chegar a uma estrutura dos programas de
processamento da informação. Estas duas posições implicam que a
perspetiva cognitivista seja internalista, embora o organismo não seja ativo no
sentido de motivado (não age, apenas processa informação).

Na investigação, embora tenha havido muitas variações, os cognitivistas


procediam formulando uma hipótese sobre um processo mental. Essa hipótese era
depois testada numa situação que se pensava implicá-la, havendo previsões sobre
o que era esperado se a hipótese fosse verdadeira.

Uma variável cognitiva é uma variável interna hipotética formulada em termos


de processamento de informação; essa variável é invocada na explicação do
desempenho do sujeito numa tarefa que se presume implicar uma determinada
faculdade psicológica. Essas faculdades psicológicas são formuláveis como
perceção, atenção, memória, pensamento e linguagem etc.. As variáveis
dependentes são, na psicologia cognitiva clássica, variáveis comportamentais; mas
o objetivo é chegar às variáveis internas que se pensava afetarem a conduta. Trata-
se, pois, das variáveis intermédias.

111
Ou seja, chama-se às variáveis intermédias “variáveis cognitivas” porque se
pensa que as tarefas propostas aos sujeitos implicam atividade cognitiva. É a isto
que Miller chamava a psicologia no senso comum: todos presumimos ter faculdades
internas; os condutistas radicais achavam que essa atividade interna era impossível
de estudar e recusavam toda a forma de mentalismo; os cognitivistas não o fazem
e aceitam que se uma tarefa parece implicar atividade mental, essa atividade
mental está mesmo presente.

A psicologia cognitiva rejeita, em geral, o subjetivismo. Pretende ser uma


perspetiva explicativa dos processos mentais puramente científica, na terceira
pessoa.

Como é possível uma teoria da mente sem recurso à experiência subjetiva?


O pressuposto cognitivista é que quer estados mentais quer comportamentos são o
produto de uma série de processos internos. Esses processos internos não são
conscientes, ou pelo menos não o são necessariamente. Quando fazemos
introspeção temos consciência dos resultados e não dos próprios processos. De
modo que os cognitivistas procuram fazer modelos funcionais da mente que
consistem na sequência das operações formais necessárias a gerar esses resultados.

O SISTEM A E-O-R E O OPERACIONISMO:

A psicologia cognitiva herdou do condutismo e da fisiologia conceção E-O-R


da investigação. Coloca-se ao organismo um problema que se pensa implicar
determinada faculdade psicológica, regista-se a resposta e interpreta-se o
resultado em termos de propriedades do organismo.

Compreende-se que o que se pode inferir dos processos psicológicos é


estritamente dependente das manipulações feitas – da situação de estímulo e da
resposta tomada. Isto leva-nos à questão do operacionismo.

A psicologia, através de S.S. Stevens, tirou o conceito de operacionismo do


físico Bridgman que defendia que a descrição de um fenómeno deve ser
acompanhada da descrição dos procedimentos utilizados para o demonstrar.

Na psicologia, como o objeto a descrever (a mente, os processos mentais)


não é claro porque não se pode ver, porque não está formulado em termos de
quantidades e não se pode representar concretamente de nenhuma maneira, os
psicólogos experimentais procuram definir com o maior rigor possível as condições
que lhes possibilitam identificar cada fenómeno: quem quer que replique essas
condições deve conseguir encontrá-lo.

112
Mas há um risco inerente ao operacionismo: o de definir um conceito em
termos apenas dos processos que usamos para o descrever. O exemplo clássico
deste fenómeno é a famosa frase atribuída a Alfred Binet: “a inteligência é aquilo
que é medido pelo meu teste”. Ora não é nada claro o que é a inteligência e há
muitas dúvidas sobre o significado do conceito.

Sucede que os conceitos mentais de senso comum de que parte a psicologia


cognitiva têm todos contornos mal definidos. Uma reação radical a essa
ambiguidade seria tentar fundar os conceitos todos na observação, como Uexküll e
James defenderam.

Os cognitivistas, contudo, usavam uma grelha de análise baseada nas


faculdades do senso comum e não aceitam a introspeção como método seguro.

Não querendo fundar a psicologia cognitiva nem na observação


comportamental nem na da mente, apenas resta a posição de Kant: especificar,
teoricamente, as operações necessárias ao conhecimento e depois, mais
empiricamente, testar a existência dessas operações. Foi aproximadamente isso
que a psicologia cognitiva fez, com a diferença de que as operações necessárias
ao conhecimento não foram racionalmente especificadas mas apenas adotadas
das faculdades do senso comum e depois reformuladas na linguagem dos
computadores.

O grande problema da psicologia E-OR é que, não havendo uma fase de


descrição prévia à investigação, o investigador vê-se obrigado a definir todos os
processos mentais em termos das operações que permitem identificá-los,
exatamente como acontecia na psicologia condutista.

A este conjunto de operações que permitem evidenciar um processo pode-


se chamar “paradigma experimental”. Um paradigma experimental é, pois, um
método que permite pôr em evidência um fenómeno ou conjunto de fenómenos.

Na medida em que determinados fenómenos apenas são evidentes através


de um paradigma, corre-se o risco de não saber se estamos a descrever um
fenómeno geral ou o resultado particular de um conjunto de procedimentos. Ou
seja, na ausência de descrição pode ocorrer que o fenómeno que isolámos não
seja “normal”, no sentido de “naturalmente ocorrente” mas apenas uma aberração
produzida pelos métodos de o pôr em evidência.

Era este risco que Neisser designava como falta de realidade da psicologia
cognitiva. Já antes de Neisser, William James identificara o problema, a que chamou
a “falácia dos psicólogos”: não descrever o que ocorre de facto mas criar conceitos
que são sempre confirmados dado que são criados pelos métodos utilizados para
os pôr em evidência.

113
Exemplo: uma das teorias mais influentes da psicologia cognitiva é a da
memória de Baddeley. Nesta teoria há um executivo central, um armazém de
episódios, e dois sistemas diferentes de memória: um verbal e articulatório e outro
visual e espacial. A teoria parece explicar bem os dados existentes, mas não parece
explicar coisas como a memória motora, o reconhecimento de cheiros, ou a
memória de estímulos implícitos. A memória de estímulos implícitos é estudada na
psicologia cognitiva, mas os paradigmas que se usam no teste das hipóteses de
Baddeley e na memória implícita são demasiado diferentes para permitirem que as
teorias se interpenetrem. Ou seja, criam-se dois “paradigmas” que estudam partes
da memória mas que a definem de maneira diferente e sem relação teórica.

A tentação do rigor laboratorial e da operacionalização é grande e a


psicologia cognitiva, que durante um período pareceu preocupar-se com a
validade ecológica, deixou esse assunto morrer.

É essa ausência de descrição prévia ao teste de hipóteses E-O-R que torna a


validade ecológica da psicologia cognitiva problemática.

INFALSIFICABILIDADE DE PARADIGM AS:

Na medida em que o operativismo se traduz no domínio dos “paradigmas


experimentais”, ocorre uma situação paradoxal: a validade dos próprios
paradigmas não pode ser falsificada empiricamente. Para o ser, os paradigmas
teriam de poder ser integrados em teorias mais vastas e comparados e relacionados
uns com os outros de maneira a permitir saber da validade e representatividade de
cada um desses paradigmas. Mas como há relutância em tomar esse caminho mais
teórico, fica-se, necessariamente, preso aos dados que surgem dentro de cada
paradigma e a refutação empírica da teoria implícita que gerou o paradigma é
impossível porque os dados são gerados dentro do paradigma.

Seria então necessário um esforço teórico que ultrapassasse os limites estreitos


de cada paradigma – isto é, teria de haver teorias suficientemente gerais para
relacionar vários paradigmas.

VALIDAÇÃO PELA NEUROPSICOLOGIA:

Houve consciência de que a psicologia cognitiva não estava a avançar e,


por isso, procurou-se recorre a uma estratégia de validação pela neurociência.
Assim, se se encontrasse uma zona ou estrutura cerebral cuja atividade
correlacionasse com o processo implicado, ter-se-ia a validação.

114
Contudo, estudam-se apenas locais, mas isso pouco significa uma vez que
apenas indicam o “onde” e não o “como”. Se o paradigma não avalia um processo
significativo, o correlato neural não tem significado preciso. Não tem significado
preciso porque a mesma estrutura pode estra implicada em funções mentais de
tipos diferentes.

Se a psicologia cognitiva é sobre processos mentais parece-me necessário


estudar descritivamente a atividade humana espontânea e, com base nessa
descrição, procurar os conceitos que capturem essa atividade, operacioná-los de
várias maneiras, todas conceptualmente relacionáveis, e aprofundar e desenvolver
uma teoria preditiva mas suficientemente vasta para permitir decidir quais os bons
e maus paradigmas. Só dessa maneira os paradigmas experimentais poderão ser
avaliados e tornados ecologicamente válidos.

JEAN PIAGET:

A TEORIA DE JEAN PIAGET:

A teoria de Piaget é claramente herdeira do pensamento kantiano. A


psicologia genética parte da ideia de que o mundo representado tem de ser
construído e que essa construção é um processo complexo que deve ser descrito
através de estruturas de entendimento. A teoria de Piaget é inovadora na psicologia
no sentido de que procura, explicitamente, caracterizar as relações entre organismo
e ambiente, exatamente como a etologia.

O seu interesse foi o estudo da inteligência. Afirma que a inteligência humana


tem de ser caracterizada em termos de regras de funcionamento internas que
devem ser inferidas a partir das interações com o meio; mas em vez de, como na
etologia, se interessar por todos os tipos de interação com o meio. Piaget interessou-
se apenas pelas interações que lhe permitiam hipotetizar o funcionamento da
inteligência e dos juízos de verdade e morais. Assim, Piaget nunca se interessou, por
exemplo, por interações sociais: apenas se interessou pelo próprio pensamento.

Piaget defende que só se pode compreender a construção dessas


capacidades se se recorrer a uma perspetiva de desenvolvimento. A ideia
fundamental é que há estruturas iniciais que se vão aplicar ao mundo exterior, e
assim assimilar esse mundo exterior. Para assimilar esse mundo, as estruturas internas
têm, geralmente, de ser um tanto modificadas para se acomodar ao aspeto
particular a que estão a ser aplicadas. Essa acomodação das estruturas internas vai
modificar as próprias estruturas originais, num processo dialético.

115
Um outro pressuposto da teoria de Piaget é que o conjunto de estruturas que
assimilam o ambiente se modifica não progressiva mas por saltos qualitativos:
geram-se assim estádios de desenvolvimento, que se podem usar para caracterizar
certos períodos na vida da criança. Esses estádios devem poder ser descritos em
termos de agrupamentos lógicos, isto é, conjuntos de operações lógicas
congruentes entre si, formalizáveis em termos lógico-matemáticos. Cada estádio
evolui de tal forma que certas experiências com o exterior, ocorrendo em
determinado momento de desenvolvimento, destroem o seu equilíbrio; Piaget
postula então uma tendência à equilibração das várias estruturas, que são o
princípio de passagem de um estágio ao seguinte. A identificação das estruturas
lógicas que caracterizam cada estádio e a sequência de modificações na lógica
de um estádio para outro são os objetivos da teoria de Piaget.

O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:

A inteligência do período sensório-motor (0-2 anos) baseia-se, segundo


Piaget, em reflexos e esquemas. Mas os esquemas, no primeiro período, são ações
aplicadas ao ambiente: por exemplo, sugar ou agarrar. Esses esquemas derivam dos
reflexos.

Os esquemas, que consistem, por exemplo, no morder, agarrar, chupar,


através das reações circulares primárias (repetição do mesmo esquema), vão ser
aplicados a uma grande quantidade de objetos. Assim, de cada vez que há uma
aplicação de um esquema a um objeto novo, ocorrem duas coisas: há uma
assimilação desse objeto a esse esquema; e, como o esquema, ele próprio, se
modifica ao ser aplicado ao objeto, acomodação do esquema ao objeto. Os
esquemas iniciais que se acomodam a vários objetos podem formar, por
diferenciação, esquemas novos.

É com base nesses esquemas que a criança interage sobre o mundo. Estes
esquemas descrevem aquilo a que os etólogos chamam ciclos funcionais e a que
os condutistas chamam resposta operante: trata-se de uma resposta que, aplicada
a uma determinada coisa, tem uma consequência, adaptando-se a essa coisa.

Um pouco mais tarde aparecem as reações circulares secundárias. Trata-se


de comportamentos que são mantidos de maneira a aumentar a exposição à
estimulação. Assim, por exemplo, uma criança pode aprender que determinado
gesto tem consequências no ambiente (por exemplo, um ruído); a criança repetirá
então esse gesto para continuar o ruído. A diferença relativamente às reações
circulares primárias é que nestas o reforço é o próprio ato de executar a ação
(agarrar, seja o que for, por exemplo); enquanto que nas reações circulares

116
secundárias o reforço provém das consequências que a ação tem no ambiente: a
criança faz um comportamento para variar a estimulação proveniente do
ambiente.

As relações com o ambiente dependem, mais tarde, de reações circulares


terciárias. A diferença principal relativamente às secundárias é que a criança tem
maior noção da independência entre agente e agido: assim, vai variar o seu
comportamento de maneira já quase intencional para fazer variar a estimulação;
em vez de haver apenas aumento do comportamento sobre os estímulos que
produzem resultados interessantes, a criança, verificando um resultado interessante,
varia o comportamento de maneira a compreender que variação de
comportamento tem que efeito no objeto.

No período pré-operatório (2-6/7 anos), a criança existe num mundo que lhe
é exterior, mas mantém uma grande auto-centração. A separação entre o Eu e o
ambiente torna-se progressivamente maior: a criança começa a conseguir ter
imagens mentais, modificações representadas do que viu ou do que fez. Pretende
Piaget que essas imagens mentais podem vir de uma representação acional: por
exemplo, uma criança pode representar uma caixa de fósforos a abrir e fechar com
o abrir e fechar da boca, e pode imitar o comportamento dos outros. Apesar disso
as imagens mentais não permitiriam ainda uma manipulação mental.

Mais tarde o comportamento da criança passa a ser mais plástico, e a isto


chamou Piaget o período das operações concretas (~6 a ~11 anos). O que é mais
relevante neste período é que as condutas da criança, nas tarefas de classificação,
de conservação de objetos, e de transformações (todas elas tarefas de
classificação e relação lógicas), podem ser descritas em termos de operações
formais da lógica. Contudo, a criança não “possui” essa lógica, no sentido de
apenas conseguir fazer as operações sobre materiais concretos e não em abstrato.

O desenvolvimento culmina no período das operações formais (11-15 anos).


Esta fase caracteriza-se por passar a haver a possibilidade de representar
abstratamente relações entre conceitos. Enquanto que no período anterior as
operações ocorrem sobre coisas e ações concretas ou imagens dessas ações ou
dessas coisas, neste período a criança passa a ser mentalmente capaz de
compreender conceitos puramente abstratos, sem qualquer referência ao mundo
concreto, como na álgebra e na filosofia. Assim, a representação que a criança faz
do mundo é menos acional e mais cognitiva: pensa os problemas sem necessidade
do concreto, considera quais as combinações possíveis para a solução desses
problemas e procura depois corroborar essa solução empiricamente. Ou seja,
segundo Piaget, entre os 11 e os 15 anos a criança transforma-se num pensador
capaz de inventariar as soluções possíveis que um problema comporta, de formular

117
essas soluções em enunciados que podem ser verificados e de confrontar esses
enunciados com a realidade.

118

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