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Avaliação

Psicológica do
Adulto
Rute Pires
2023-2024
Conteúdos
o Especificidades e exigências técnicas e éticas da
Avaliação Psicológica de adultos
• Diferentes contextos de intervenção

o A personalidade na caracterização e avaliação do


funcionamento psicológico
• O modelo de McAdams como integrador de
conceitos, teorias e metodologias de avaliação

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Bibliografia
Gonçalves, M. M., Cunha, C. A. C., Ribeiro, A. P., Salgado, J., Matos, M., Santos, A., & Mendes, I. (2011).
Innovative moments in psychotherapy: Dialogical processes in developing narratives. In M. Martsin, B.
Wagoner, E. L. Aveling, I. Kadianaki, & L. Whittaker (Eds.), Dialogicality in focus: Challenges to theory,
method and application (pp. 173-192). Nova Science Publishers.

McAdams, D. P. & Olson, B. D. (2010). Personality development: Continuity and change over the life
course. Annual Review Psychology, 61, 517-542.
https://doi.org/ 10.1146/annurev.psych.093008.100507. PMID: 19534589.

Maruish, M. E. (2008). The clinical interview. In R. Archer & S. Smith (Eds.), Personality assessment (pp.
37-80). Routledge.

Weiner, I. & Greene, R. L. (2017). Handbook of personality assessment (2nd ed.). John Wiley & Sons
(Capítulos 1 e 2).

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Avaliação Psicológica Compreensiva

Processo através do qual o psicólogo procura responder às questões de um cliente


através da compreensão do seu funcionamento psicológico global e da descrição das
suas dificuldades, mas também dos seus recursos adaptativos, com vista ao
encaminhamento ou ao planeamento de uma intervenção (Weiner, 20031).

1Weiner, I. B. (2003). The assessment process. In J. R. Graham & J. A. Naglieri (Eds.), Handbook of psychology: Assessment
psychology (Vol. 10, pp. 3–25). John Wiley & Sons.

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Fases do Processo de APC

Recolha Integração Devolução


de da da
informação informação informação

Avaliação
NOMOTÉTICA
MULTIDADOS e
e IDIOGRÁFICA
MULTIMÉTODO
5
Natureza
dos dados Técnicas de
Recolha de dados
LOTS
Entrevista
Testes de Desempenho
LIFE data OBSERVATION SELF-
Self-Reports
data TEST data REPORT
data

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Avaliação Psicológica
o A AP é a 2ª atividade mais desenvolvida por psicólogos clínicos (a 1ª é a psicoterapia) e é considerada uma
atividade muito desafiante e especializada. Para além do CONTEXTO CLÍNICO tradicional (diagnóstico e tratamento
de perturbações mentais), estendeu-se a outros contextos:

• SAÚDE: na avaliação de características da personalidade associadas com a origem e curso de doenças físicas,
ajustamento à doença crónica, tolerância a tratamentos médicos e cirúrgicos e manutenção de estilos de vida
saudáveis.

• GERIÁTRICO: especificidades prórias/ envelhecimento da população no ocidente.

• FORENSE, EDUCACIONAL e ORGANIZACIONAL no apoio a decisões administrativas. Nestas avaliações


administrativas, a avaliação é pedida por um 3º interveniente (o tribunal, a escola, a entidade patronal) e os
resultados podem não beneficiar a pessoa que está a ser avaliada.
✓ Área forense: determinação da competência para o julgamento, na determinação de eventual inimputabilidade, na determinação de
sequelas neuropsicológicas resultantes de acidentes de trabalho ou de violência doméstica, na regulação do poder parental…

✓ Área educacional: identificação de necessidades educativas especiais em estudantes com problemas de comportamento ou de
aprendizagem.

✓ Área organizacional: tomada de decisão sobre a competência para assumir determinada função ou promoção e seleção de colaboradores.
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Avaliação Psicológica em Contexto Clínico

1. Identificar problemas e realizar diagnósticos diferenciais.

2. Descrever e predizer o comportamento habitual.

3. Identificar o tipo de intervenção mais adequada (i.e., características de


personalidade passíveis de influenciar o tratamento).

4. Monitorizar a eficácia do tratamento (i.e., tomada de decisão sobre manter,


modificar ou terminar o tratamento).

5. Utilizar a avaliação como tratamento (i.e., avaliação terapêutica).

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Avaliação da Personalidade
o No início do século XX, a avaliação da personalidade procurava identificar perturbações no funcionamento psicológico e
auxiliar no diagnóstico; só mais tarde evoluiu para a descrição da personalidade, i.e., do modo como as pessoas percebem o
mundo, pensam sobre o que lhes acontece, experienciam emoções, lidam com o stress e se relacionam com os outros.

o Na avaliação da personalidade há duas tradições:

▪ Self-Reports: inferência direta sobre certas características de personalidade ou comportamentos a partir do que as
pessoas dizem sobre si. Ex. NEO-PI-R

▪ Acedem a informação consciente (i.e., estados, motivações explícitas, sintomas e comportamentos), mas estão sujeitos a vários
vieses (e.g., distorções deliberadas e não deliberadas; interpretação subjetiva do item: o que é para mim “muitas vezes”? O que é
para mim “zangar-me”?)

▪ Testes de desempenho: inferência indireta sobre certas características de personalidade ou comportamentos a partir do
modo como as pessoas desempenham tarefas/resolvem situações. Ex. Rorschach

▪ Raramente informam sobre o que as pessoas estão a pensar e a sentir naquele momento ou sobre sintomas que possam estar a
experimentar. No entanto, informam sobre traços, atitudes, motivações implícitas em relação às quais as pessoas podem não estar
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conscientes.
Diversidade e composição de
uma bateria
FUNÇÃO ADITIVA
+ Construtos diferentes
Instrumentos diferentes

FUNÇÃO CONFIRMATÓRIA
+ Mesmos construtos
Instrumentos paralelos

FUNÇÃO COMPLEMENTAR
+ Mesmos construtos
Instrumentos diferentes

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Avaliação da Personalidade
Sobre a função complementar das medidas de avaliação da personalidade…

o Como entender um perfil sem perturbação no MMPI-2, mas com grande perturbação no Rorschach?

o Como entender um perfil com grande perturbação no MMPI-2, mas dentro de parâmetros normativos no
Rorschach?

o O que se poderá esperar das respostas de uma pessoa muito defensiva e/ou a realizar uma AP por razões
administrativas aos testes de desempenho?

o O que se poderá esperar das respostas de uma pessoa muito defensiva e/ou a realizar uma AP por razões
administrativas aos self-report?

▪ Em suma, os psicólogos devem reconhecer que diferentes tipos de instrumentos medem características de
personalidade diferentes. Por isto mesmo, uma bateria de avaliação deve integrar métodos diferentes, pois só
assim se obterá uma visão multidimensional do funcionamento da personalidade da pessoa.
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Modelo de Personalidade
McAdams e Olson (2010)

Desenvolvimento da personalidade ao longo do ciclo de vida:

A pessoa como AUTOR (i.e., as narrativas da sua vida)

A pessoa como AGENTE (i.e., aquilo que deseja, procura e a motiva)

A pessoa enquanto ATOR (i.e., como a pessoa se comporta)


A pessoa enquanto ator: A perspetiva disposicional
• Traços: dimensões psicológicas internas responsáveis pela consistência do comportamento nas várias situações e
ao longo do tempo.
• Avaliados essencialmente através de instrumentos de autorrelato ou heterorrelato, permitem situar a pessoa em
contínuos bipolares que descrevem o nível mais básico e generalista em que as pessoas se diferenciam umas das
outras (e.g., introversão vs. extroversão).
• São as unidades mais básicas da individualidade psicológica (“tijolos”) porque:
1) descrevem as diferenças individuais mais gerais e menos dependentes do contexto (e.g., ser amável, ser
extrovertido) que são facilmente detetadas através da observação do comportamento ao longo do tempo e nas várias
situações;
2) estão presentes desde o início da vida sob a forma de diferentes temperamentos (e.g., há bebés mais bem-dispostos
do que outros; há crianças que procuram oportunidades para serem valorizadas enquanto outras se mostram inibidas)
que evoluem para traços.
A investigação suporta a componente hereditária dos traços de personalidade, mas não a existência
de um determinismo linear entre temperamento e traços (Krueger & Johnson, 2008; Robert et al.,
2008).
Cada traço é determinado por vários genes que interagem com o ambiente de um modo complexo
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(Munafo et al., 2003).
A pessoa enquanto ator: A perspetiva disposicional

• Continuidade Diferencial: refere-se ao grau em que as diferenças individuais num traço se mantêm estáveis ao
longo do tempo.

o A estabilidade temporal dos traços de personalidade aumenta com a idade. A investigação sugere que por volta
dos 40 anos os traços de personalidade tendem a estabilizar (McCrae & Costa, 2008; Terraciano et al., 2006).

• Estabilidade temporal dos traços num indivíduo vs. modo como cada traço se expressa ao longo do ciclo de vida
(diferenças individuais vs. diferenças de grupo na expressão dos traços).

o Princípio da maturidade dos traços de personalidade: com a passagem dos anos, as pessoas sentem-se mais
confortáveis com o que são, tornam-se menos neuróticas, mais generativas, mais centradas em planos a
longo-prazo e menos vulneráveis à impulsividade.
o Em termos do modelo dos cinco fatores este princípio traduz-se num aumento dos resultados médios da
conscienciosidade e da amabilidade e numa diminuição dos resultados médios do neuroticismo.

Haja esperança na biologia evolutiva! As pessoas que mudam menos são as que já eram
emocionalmente mais estáveis na juventude! (Donnellan et al., 2007; Johnson et al., 2007;
Lonnqvist et al., 2008).
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A pessoa enquanto agente: A perspetiva motivacional
• Allport (1937) considerou os traços a unidade básica do estudo da personalidade, mas Murray (1938) desenvolveu o
conceito rival centrado na necessidade ou motivo. A maioria dos grandes teóricos da personalidade do sec. XX (e.g.,
Bandura, Erikson, Freud, Maslow, Rogers, …) valorizaram pouco o conceito de traço, colocaram os construtos
motivacionais e sociocognitivos no centro das suas teorias, enfatizando a dinâmica do comportamento humano, a
aprendizagem social, os esquemas cognitivos, os mecanismos de coping, os estádios de desenvolvimento e as
características da adaptação do indivíduo ao mundo social.

• O que é que as pessoas querem da vida? Como é que procuram alcançar os seus objetivos e evitar o que
temem? Como é que lidam com os conflitos? Com as emoções negativas? Que tarefas psicológicas são
esperadas nas várias fases do ciclo de vida?

• As teorias da personalidade que diretamente abordam estas questões consideram que o ser humano é
autodeterminado e centram-se na pessoa enquanto agente da sua própria vida, fazendo escolhas, estabelecendo
objetivos e tendo esperança. A esperança de atingir o seu potencial de realização máximo.

• Consideram, portanto, que as pessoas fazem mais do que simplesmente agir de modo consistente nas várias
situações e ao longo do tempo.

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A pessoa enquanto agente: A perspetiva motivacional
o Embora alguns estudos (Robert et al., 2004) mostrem correlações positivas entre traços e objetivos de vida (e.g., os
extrovertidos revelam níveis mais elevados de entusiasmo e mais objetivos de vida do que os introvertidos), estas
relações não são assim tão elevadas para permitir concluir que certos traços predispõem certos objetivos de vida.

• E muitas pessoas estabelecem objetivos incompatíveis com os seus traços…

o A investigação mostra que os objetivos de vida mudam ao longo do ciclo de vida:

• Os jovens são motivados pela intimidade, amizade, educação, carreira; os adultos de meia-idade são motivados
pelo futuro dos filhos, pela carreira, pela segurança e estabilidade financeira; os mais velhos são motivados por
questões relativas à saúde, aposentação, lazer, sentido de vida.

o O modo como as pessoas lidam com objetivos incompatíveis também muda ao longo do tempo:
• Os mais novos tentam forçar mudanças no contexto de modo a poderem alcançar os seus objetivos. Os mais
velhos, pelo contrário, mudam de objetivos para se ajustarem às limitações da realidade. São mais capazes de
abandonar objetivos que estão bloqueados e de se ajustar face aos objetivos que não vão alcançar.

✓ Têm menos tempo e mais limitações pelo que se focam em objetivos com maior probabilidade de
retorno.
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A pessoa como autor: A perspetiva da narrativa pessoal

o Assente nos traços e nas motivações e objetivos de vida está a narrativa pessoal que tenta dar à vida um
sentido, um propósito, um significado.

o Esta narrativa inicia-se no final da adolescência, início da idade adulta porque pressupõe a reconstrução
do passado e a imaginação do futuro, de modo a encontrar um sentido para as experiências vividas.

o Haverá estabilidade temporal nestas narrativas?


• Não no que se refere aos conteúdos manifestos, mas sim no que se refere à tonalidade emocional,
às principais motivações e ao grau de complexidade da narrativa.

o Os mais velhos constroem narrativas mais complexas e coerentes do que os mais novos e as suas
narrativas pessoais revelam também maior raciocínio autobiográfico, que é a capacidade de tirar
conclusões sobre o que somos a partir dos acontecimentos de vida que experimentamos.

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Última fase da vida (+ de 75 anos)

o Tem sido menos estudada pelos psicólogos da personalidade, mas parece que a diminuição do
neuroticismo, que é uma característica da meia-idade, sofre uma inversão no final da vida.

o De um ponto de vista motivacional, as perdas começam a ser superiores aos ganhos e o adulto mais
velho tem de se focar no essencial, ou seja, na saúde.

o As narrativas pessoais voltam-se para o passado, tornam-se mais simples e os enviesamentos mnésicos
positivos tendem a tornar a realidade menos dura do que eventualmente foi.

o Quanto mais limitada cognitivamente estiver a pessoa, mais abandonará o papel de autor e até de
agente, voltando a ser ator do dia-a-dia.

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