Você está na página 1de 32

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DA CRIANÇA

Manual da Formação – 1ª Parte

Sílvia Duarte, Psicóloga Clínica, 2020


ÍNDICE DE TEMAS
Introdução

1. REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Modelos de avaliação psicológica e sua especificidade
Modelos de observação clínica e anamnese
Avaliação psicológica e diagnóstico
Referência à psicologia do desenvolvimento. Teorias, princípios e técnicas da avaliação
instrumental
Modelos teóricos de referência.

2. PRIMEIRA INFÂNCIA - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA PRIMEIRA INFÂNCIA E IDADE PRÉ-ESCOLAR


Especificidade da avaliação clínica na primeira infância e idade pré-escolar
Modalidades de observação clínica, com referência às teorias do desenvolvimento
Apresentação das Escalas de desenvolvimento psicomotor

3. IDADE ESCOLAR - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA IDADE ESCOLAR


3.1. Avaliação psicológica Instrumental
3.2. Provas projetivas

4. DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO

2
Introdução
A Avaliação Psicológica é o ato psicológico realizado exclusivamente por psicólogos.
Remete, não só para o conhecimento claro e profundo dos testes utilizados, mas igualmente
para a integração de conhecimentos sobre teorias do desenvolvimento, psicopatologia e dos
dados recolhidos nas várias entrevistas com a criança e a família.
A realidade psicológica é essencialmente dinâmica. Não se compara com um mosaico de
formas justapostas, mas com um campo de forças em contínua interação, do qual nos
cumpre avaliar menos os valores absolutos do que os relativos, ou melhor, o ponto de
equilíbrio e a resultante sob forma de uma tendência dominante que orienta toda a
personalidade em determinada direção (Corman, L., 1974).
A Avaliação Psicológica da Criança inscreve-se num processo mais geral de avaliação
clínica, diagnóstico e intervenção.
É um processo que visa identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, ao
mesmo tempo que investiga a existência, ou não, de psicopatologia.
A utilização de testes pode ser um passo importante do processo, mas constitui apenas um
dos recursos de avaliação possíveis, como veremos. Paralelamente, os procedimentos de
avaliação dependem, em grande medida, do modelo teórico adotado pelo psicólogo.

3
1. Pressupostos Teóricos
A Avaliação Psicológica da criança inscreve-se num processo global de avaliação clínica
que tem por finalidade o estudo psicológico individual aprofundado através de entrevista,
observação e análise compreensiva e interpretativa dos resultados da avaliação instrumental
(quando aplicada). Investiga, quando necessário, indicadores de psicopatologia.

IMPLICA:
1. Experiência clínica e competências técnicas;
2. Domínio da psicologia do desenvolvimento;
3. Conhecimentos aprofundados das teorias, princípios e técnicas da medida psicológica;
4. Conhecimentos sobre a psicopatologia.

“Numa palavra, para compreender as crianças, é necessário amá-las, simpatizar com elas, isto é, ser capaz
de “colocar-se no seu lugar”. (...) o exame psicológico não é um exame no sentido comum da palavra, com um
sujeito que examina e um objeto examinado. É um intercâmbio, um diálogo entre dois sujeitos. Fala-se muito
da entrevista, objeto de um ensino sem dúvida muito útil. Mas é necessário um dom, muito menos um dom
intelectual do que afetivo, que se caracteriza por uma atitude de recetividade, de disponibilidade ao outro,
considerado como sujeito autónomo, válido em si mesmo, digno de toda a consideração”. (Corman, L.,1974)

Importa fazer referência ao conceito de EMPATIA - capacidade de compreender o estado


mental do outro, identificando-se, de forma transitória, com ele. Permite ao psicólogo
colocar-se mentalmente no lugar da criança, representar o que ela sente e pensa sem, no
entanto, partilhar as suas crenças e sentimentos.

Os procedimentos de avaliação dependem:


1. Do modelo/pressupostos teóricos que influenciam a prática do clínico;
2. Da finalidade: diagnóstico, peritagem médico-legal, acompanhamento.

A psicanálise constitui uma das referências fundamentais no domínio da psiquiatria e da


psicologia da infância e da adolescência, a par da referência constante ao desenvolvimento.

A Avaliação Psicológica da criança assenta em vários pressupostos:


1. Ligação estreita com a prática clínica;
2. Importância atribuída ao pedido;

4
3. Importância da relação entre psicólogo e sujeito;
4. Importância do envolvimento familiar;
5. Relação estreita com a psicologia do desenvolvimento;
6. Avaliação da dimensão social.

➢ Perspetiva clínica dinâmica


É um modelo compreensivo e interpretativo cujo objetivo não é a classificação nosológica.
Os sintomas são interpretados no contexto de uma organização específica, com referência
à estrutura e aos mecanismos de defesa. Considera que as experiências relacionais
precoces são primordiais para a futura organização da personalidade (normal ou patológica)
e que os sintomas têm um significado individual. Assim, a avaliação é qualitativa e não
apenas quantitativa. Interessa-se pela atividade simbólica e criativa e privilegia a empatia e
a relação como instrumentos principais na avaliação.

➢ Diagnóstico Psicológico
O Diagnóstico Psicológico deve permitir:

1. Descrever a criança e os problemas que ela apresenta, mas também as suas


potencialidades;
2. Classificar o problema e definir a sua forma específica, assim como aquilo de que se
diferencia (diagnóstico diferencial);
3. Fazer um prognóstico;
4. Dar uma orientação.

O Diagnóstico Psicológico suporta-se em técnicas de recolha de informação, como


entrevistas, observação, desenho, jogo, testes e escalas. A integração interpretativa dos
dados procura compreender o significado e a origem dos problemas e/ou dos conflitos, assim
como as formas particulares de resolução dos mesmos (Mecanismos de Defesa).

OBJETIVOS:
1. Dar resposta ao problema colocado;
2. Obter informações complementares e/ou confirmação de dados já conhecidos;
3. Investigar mais profundamente setores de funcionamento psíquico;

5
4. Colocar questões.

PERMITE:
1. Estabelecer fatores etiológicos;
2. Diferenciar estruturas;
3. Definir as reações pessoais ao problema ou perturbação;
4. Estabelecer um prognóstico de evolução e avaliar a probabilidade de sucesso da intervenção
proposta;

Contudo, não se confunde com o diagnóstico nosológico.

➢ Avaliação Psicológica
A Avaliação Psicológica será realizada de forma diferente conforme o contexto em que se
realiza e a sua finalidade. Em qualquer caso, o primeiro momento deverá ser sempre uma
ou várias entrevistas, com os pais e com a criança. A primeira entrevista/observação da
criança será adaptada à idade e características relacionais particulares. Cada observação
implica hipóteses da parte do psicólogo que determina a orientação da sua investigação e a
escolha das técnicas a usar.

A Avaliação Psicológica tem como objetivos:


1. Elaborar hipóteses sobre o diagnóstico (sintomático, nosológico, estrutural);
2. Caracterizar as modalidades defensivas, processos de pensamento, representação de si e
estilos de vinculação.

➢ Especificidade da avaliação na infância


Em clínica infantil, o pedido é indireto, não é feito pela criança. A primeira tarefa da avaliação
é o estabelecimento de uma relação empática com a criança, procurando obter a sua
colaboração e criando condições favoráveis ao seu melhor desempenho. Para compreender,
explicar e dar sentido aos dados da observação, é necessário compreender a sua origem, a
sua história e o seu significado numa perspetiva individual.

Os instrumentos de avaliação são um suporte e pretexto de relação, facilitadores dos


processos de comunicação e de projeção.

6
❑ Procedimentos
• Entrevista com os pais – anamnese e observação da criança;
• Exame psicológico – testes, questionários, escalas;
• Integração interpretativa do conjunto dos dados da observação.

Entrevista Clínica
A Entrevista Clínica é um dos utensílios privilegiados do processo de diagnóstico. Permite
aceder a informações subjetivas (história de vida, representações, sentimentos, emoções,
experiências). A especificidade da Entrevista Clínica reside em associar a perspetiva
histórica a uma abordagem dinâmica e interpretativa. Objetivar o subjetivo!

A Entrevista Clínica pode ser realizada em diferentes contextos e responder a objetivos


diferentes:
1. Diagnóstico – identificar sintomas, classificá-los, examiná-los e possibilitar o conhecimento
do funcionamento psíquico;
2. Terapia – a entrevista constitui a base da intervenção terapêutica;
3. Investigação.

Formas de entrevista
➢ Entrevista Livre, não diretiva – inteiramente orientada para a subjetividade do sujeito.
Valoriza a realidade psíquica, a vivência subjetiva do sujeito. O psicólogo adota uma atitude
não diretiva e não intervém no discurso do sujeito;

➢ Entrevista Semi-diretiva – a atitude não diretiva que favorece a expressão pessoal é


combinada com aprofundamento temático;

➢ Entrevista diretiva – utilizada em investigação.

O modelo de entrevista é diferente conforme o contexto da intervenção (institucional,


privada, escolar). O psicólogo segue, em geral, um roteiro com tópicos de referência para a
orientação da entrevista. A maior ou menor ênfase dada a cada tópico tem a ver com o
objetivo do exame, idade e circunstâncias da avaliação.

7
A Entrevista Clínica procura apreender e compreender o funcionamento psíquico da criança
e dos pais, centrando-se sobre o vivido e valorizando a relação. A narrativa pessoal recolhida
na entrevista é a peça central do diagnóstico.

História pessoal/Anamnese
É, essencialmente, orientada para os dados a valorizar. Em clínica infantil, a anamnese é
fornecida pelos pais. Numa perspetiva psicodinâmica, procura-se perceber a relação
consciente e inconsciente dos pais com a criança.

Esquema Geral
• PEDIDO:
1. Motivo da consulta/avaliação (sintomas, problemas referidos);
2. Quem faz o pedido, quem envia.
• PROBLEMA ATUAL:
Descrição das alterações referidas
1. Quando surgiram/Por ordem de aparecimento/Evolução;
2. Contexto;
3. Grau de perturbação na vida individual e familiar;
4. Reações do próprio e dos outros;
5. Tentativas anteriores de resolução.

“Os pais vêm até nós para nos pedir algo. É necessário, em primeiro lugar, compreender o que eles nos querem
dizer e o que nos pedem. Eles têm as suas ideias, as suas preocupações, o seu diagnóstico e, possivelmente,
têm já uma solução em mente para os seus problemas.
Nós não podemos impor-lhes os nossos preconceitos científicos, nem esquecer o enorme esforço que
representa da sua parte a sua presença perante nós. É preciso ajudá-los, aceitando ser para eles um
personagem da sua vida fantasmática, mas poder reagir de modo diferente.” (João dos Santos, 1963)

Antecedentes Pessoais
✓ Gravidez, parto, pós-parto;
✓ Primeiros anos de vida;
✓ Marcos do desenvolvimento: psicomotor, linguagem;
✓ Separações;
✓ Socialização;
✓ Percurso escolar;

8
✓ Sintomas;
✓ Doenças, hospitalizações.

Antecedentes Familiares
✓ Composição do agregado familiar;
✓ Genograma/organigrama familiar;
✓ História dos pais;
✓ Relações familiares;
✓ Situações especiais de doença.

OBSERVAÇÃO DA CRIANÇA
1. Descrição geral da criança;
2. Relação de objeto (relação com o observador, com os pais, com as outras crianças);
3. Funções do EU (consciência, conhecimento, memorização e autoconservação): autónomas,
teste da realidade, modos de defesa;
4. Afetos – tristeza, ansiedade, labilidade...;
5. Pulsões (modos de expressão da agressividade e da líbido);
6. Superego (grau de interiorização).

• Diagnóstico provisório – a formular no fim da primeira consulta/entrevista;


• Informações complementares – exames/observações complementares.

Diagnóstico Estrutural (psicodinâmico)


1. Organização psicossomática;
2. Organização psicótica;
3. Organização borderline;
4. Organização depressiva;
5. Organização neurótica;
6. Variante do normal;
7. Organização deficitária.

• Intervenção terapêutica (proposta).


Intervenção psicopedagógica;
Consultas terapêuticas;

9
Psicoterapia com a criança;
Psicoterapia com os pais;
Encaminhamento para outros técnicos.

Observação Clínica da criança


Na Observação Clínica, tenta-se obter o máximo de indicadores possíveis que permitam a
avaliação dos aspetos da dinâmica do desenvolvimento em relação com:
✓ o seu meio familiar;
✓ os aspetos que contribuíram para os conflitos internos atuais ou passado. Permite,
igualmente, formular hipóteses que determinam a orientação da investigação e a escolha
das técnicas a utilizar.

Esquema de observação (adaptado – Drª Graça Barahona Fernandes)

1. ASPETO FÍSICO E PRIMEIRO CONTACTO


Desenvolvimento estato-ponderal
o Descrição física – harmónico, dismórfico, características físicas;
o Apresentação – limpeza, vestuário...
Contacto inicial
o Recusa, ansiedade, aceitação passiva;
o Reservado, tímido, distante, contacto fácil, extrovertido, indiferente, contacto demasiado fácil
ou próximo.

2. TIPO DE HUMOR
o Alegre, triste, lábil, neutro, eufórico.

3. MÍMICA E POSTURA
o Mímica rica, expressiva ou pobre, inexpressivo, sorriso defensivo, olhar triste, vazio ou
interrogativo;
o Postura tensa, hipotónico, atitude corporal.

4. CONTACTO POSTERIOR
Evolução do contacto
o Reserva inicial e progressivamente mais à vontade;

10
o Inibição ou bloqueio, depois de um bom contacto inicial;
o Alheamento.
Tipo de comunicação verbal
o Diálogo espontâneo e rico;
o Respostas inibidas monossilábicas;
o Eventual mutismo com ou sem contacto pelo olhar.

5. COMPORTAMENTO GERAL
o Comportamento - estável, instável, controlado. Agitação, instabilidade psicomotora;
o Atenção - captável ou não, dispersa ou concentrada;
o Linguagem – nível de vocabulário, construção de frases, capacidade narrativa;
o Motricidade – lateralização, tonicidade, coordenação, qualidade das praxías.

6. ADAPTAÇÃO À REALIDADE
o Adaptação à tarefa;
o Como se situa no espaço e no tempo (sabe o nome, a data de nascimento, a morada, a
composição familiar);
o Nível de conhecimento.

7. VIDA IMAGINATIVA E AFETOS


o Expressão de afetos e emoções;
o Exprime fantasias, medos, sonhos, desejos, aspirações, gostos, motivações;
o É capaz de elaborar uma história acerva de um desenho;
o Controlo/descontrolo de impulsos e afetos;
o Adequação da verbalização (verborreia, fuga de ideias, ...);
o Nível de ansiedade.

8. CONTEÚDO DA OBSERVAÇÃO
o Atividade lúdica;
o Desenho – qualidade formal e conteúdo;
o Qualidade e conteúdo do discurso/diálogo;
o Provas utilizadas.

11
9. CONCLUSÃO
o Impressão geral sobre a criança;
o Nível intelectual e instrumental;
o Diagnóstico da situação;
o Orientação, prognóstico, gravidade e significado das dificuldades;
o Potencialidades evolutivas da criança e do seu mundo relacional.

ADAPTAÇÃO ÀS TAREFAS – NÍVEL DE COLABORAÇÃO


✓ Negativismo, insegurança;
✓ Necessidade e busca de apoio e estímulo;
✓ Autonomia, procura de aprovação;
✓ Perseverança;
✓ Crítica;
✓ Verbalização durante a execução (comentários verbais).

Definem-se três modalidades de observação, inseridas em quatro momentos sequenciais


(Drª Graça Barahona Fernandes):
1. Observação livre, não estruturada, sem introdução de material;
2. Observação armada, com introdução de material expressivo-plástico (jogo e desenho);
3. Observação padronizada, com introdução de testes, para aprofundar, complementar,
quantificar e precisar dados das observações anteriores;
4. Integração dos dados com os obtidos na anamnese. Estabelece-se um diagnóstico, um
prognóstico e um projeto de intervenção (terapêutico, educativo, social, familiar).

➢ Avaliação psicológica instrumental


A Avaliação Psicológica é muitas vezes definida no seu todo ou em parte, pela utilização de
instrumentos – os testes: a) testes no sentido restrito do termo (testes psicométricos), b)
técnicas ou provas projetivas. Os testes introduzem a medida em psicologia clínica,
permitindo precisão e objetividade. Comparam um indivíduo em função dos resultados
obtidos com uma amostra de referência; esta comparação é feita implicitamente pelo clínico
que se apoia na experiência e intuição.

12
Atitudes na Avaliação Psicológica

Atitude/modelo da psicologia experimental – O rigor científico, com objetivos


precisos e parciais. Recolha de dados objetivos, quantitativos, padronizados, em que o
observador é relativamente neutro.
Atitude/modelo da psicologia clínica – A singularidade, a escuta compreensiva de
uma criança particular, ser único e total. Recolha de dados qualitativos com sentido individual
e subjetivo, modelados na situação relacional.

Bateria de testes
É o conjunto de testes ou técnicas que podem variar entre 2 a 5 ou mais instrumentos,
incluídos no processo de avaliação, que permitam confirmar ou infirmar as hipóteses iniciais.
Nenhum teste permite, isoladamente, uma avaliação abrangente. A utilização de testes
diferentes, permite a validação inter-testes.
Os testes, em particular os testes projetivos, representam um modo de abordagem e de
compreensão do funcionamento psíquico;
O material serve igualmente de mediador da relação, facilitador da comunicação com as
crianças.

Instrumentos de avaliação mais utilizados na avaliação da criança

1. Avaliação do desenvolvimento
o Escala de desenvolvimento da Griffiths
o SGS II – Growing Skills
o Escalas Bayley de desenvolvimento infantil

2. Avaliação cognitiva
o Escalas de Wechsler (WPPSI, WISC-III)
o Matrizes progressivas de Raven

3. Provas grafo-percetivas
o Provas de organização visuomotora – Baby-Bender, Bender
Figura Complexa de Rey.

13
4. Técnicas expressivas
o Desenho Livre
o Desenho da figura humana
o Desenho da família (L. Corman)
o Outros

5. Técnicas projetivas
Estudo da génese dos conflitos
o Métodos temáticos: CAT (A, H, S), TAT, PN
Avaliação de estrutura de personalidade
o Rorschach

6. Outras provas projetivas


Era uma vez, Ceno-teste, Walter Trinca

O psicólogo deve concentrar-se num número reduzido de instrumentos de forma a conhecê-


los tão profundamente quanto possível. O motivo do pedido orienta a observação. Em
qualquer idade e em qualquer situação ou contexto, a observação e o diagnóstico
psicológicos dependem menos dos conhecimentos teóricos do que da aptidão interior do
psicólogo para a empatia e disponibilidade.

Motivos de pedido de avaliação psicológica

1. Avaliação do desenvolvimento – por atraso global ou específico;


2. Dificuldades de aprendizagem e/ou adaptação escolar – atraso global ou seletivo na
progressão escolar;
3. Perturbação do comportamento – comportamento desajustado na família ou na escola.
4. Perturbação emocional de qualquer natureza – ansiedade, depressão, fobia, alteração
alimentar ou de sono,...;
5. Perturbação somática dependente de disfunção emocional;
6. Diagnóstico de estrutura de personalidade;
7. Diagnóstico diferencial de organizações psicopatológicas.

14
Comunicação de Resultados/Relatório

Os procedimentos e análise de resultados dependem da finalidade da avaliação psicológica.


Nas situações em que o psicólogo é o único interveniente no processo clínico, a avaliação
psicológica pode ser realizada:

1. Na fase inicial de avaliação e diagnóstico


2. Em fases posteriores da intervenção terapêutica

Na fase inicial de avaliação e diagnóstico:


✓ Para uma compreensão aprofundada da criança e do problema apresentado;
✓ Para a definição de um projeto de intervenção (terapêutico, educativo, social).

Em fases posteriores da intervenção terapêutica:


✓ Para confirmar a evolução e/ou testar hipóteses interpretativas.

A análise formal de todas as provas é indispensável quando:

✓ O pedido de avaliação é feito por outro técnico para diagnóstico de estrutura ou diagnóstico
diferencial;
✓ Em todos os casos em que os resultados da avaliação deverão ser transmitidos em relatório
dirigido à família, outros técnicos ou à escola.

A comunicação deverá ter duas dimensões:


1. Uma ligada às dificuldades psicológicas;
2. Outra relacionada com os recursos pessoais.

A comunicação dos resultados corresponde à formalização oral e/ou escrita, das conclusões
a que o psicólogo chegou. A comunicação não abrange todos os dados e não incluí todas
as conclusões: deve haver seleção da informação, em função da finalidade da avaliação e
da entidade que a solicitou. O tipo de comunicação de resultados é definido pelos objetivos
da avaliação. O sigilo profissional compromete o psicólogo a não fornecer certas
informações.

15
A comunicação de resultados corresponde a uma síntese integrativa de todos os dados da
avaliação. A compreensão e explicitação do problema apresentado passa necessariamente
pela procura do seu significado na organização psíquica particular da criança observada.

Deve:
1. Descrever competências, estruturas, conflitos e defesas particulares;
2. Valorizar áreas fortes e fornecer orientações precisas;
3. Adequar-se ao motivo e origem do pedido.

Elementos a valorizar

• Dados da observação do comportamento durante as sessões diagnósticas;


• Revisão das observações e anotações feitas pelo psicólogo no decorrer das sessões. Um
sumário dessas observações constitui já parte introdutória do relatório (adaptação, atitude,
postura, humor etc.);
• Revisão e síntese da história pessoal e anamnese;
• Resultados dos testes aplicados.
• Interpretação quantitativa e qualitativa dos resultados dos testes aplicados. Os dados
qualitativos permitem a compreensão dinâmica da criança e fundamentar a formulação do
diagnóstico e a orientação proposta;
• Os dados obtidos com diferentes técnicas devem ser organizados procurando coincidências
e discordâncias. São identificados os dados mais significativos, confirmando ou infirmando
as hipóteses iniciais;
• As conclusões finais devem responder aos objetivos da avaliação.

Esquema geral do relatório

1. Identificação profissional;
2. Identificação da criança;
3. Referência aos procedimentos: Provas aplicadas;
4. Objetivos específicos da avaliação e quem a solicita;
5. Dados da história pessoal e anamnese (apenas os relevantes para a compreensão da
situação atual);

16
6. Descrição da criança e da relação (comportamento, atitude, humor, adaptação,
colaboração);
7. Resultados das provas aplicadas. Análise qualitativa dos resultados quantitativos;
8. Análise e síntese interpretativa do conjunto de resultados das provas utilizadas;
9. Integração dos dados da observação, características pessoais, história de vida,
comportamento, competências, dificuldades;
10. Conclusões e orientação de acordo com o pedido e a finalidade da avaliação.

➢ Especificidades da avaliação clínica na primeira infância

• Modificações rápidas ao nível do desenvolvimento;


• Dependência física e psíquica do bebé;
• Perturbação “da interação” versus perturbação “da criança”;
• Importância do passado dos pais na organização dos cuidados e dos modelos relacionais;
• Importância dos sistemas familiares e sociais de suporte, para a competência parental;
• Colaboração dos pais no processo de avaliação.
(Maria José Gonçalves, 1998)

O desenvolvimento é conceptualizado no quadro do sistema interativo e é dada importância


à observação direta. A subjetividade e a empatia são “instrumentos” da observação.
Utilizam-se paradigmas experimentais (ex. strange situation) e instrumentos de avaliação.

A avaliação clínica da primeira infância recolhe informação com referência a conceitos e


modelos específicos (Interação, Competências, Temperamento, Vinculação), à
psicopatologia e a um sistema de classificação específico (DC 0-3R; DC 0-5) e aos sistemas
familiares e sociais.

➢ Teorias do desenvolvimento

PSICANÁLISE – importante contributo para a compreensão do desenvolvimento.

• Freud – construção de uma teoria coerente do desenvolvimento a partir da reconstrução das


memórias de adultos em análise.

17
❑ Descrição cronológica do desenvolvimento afetivo (estádios oral, anal, fálico).

• Anna Freud – Conceito de linha de desenvolvimento, a partir da observação direta das


crianças.

• Spitz – Descrição dos organizadores psíquicos


❑ Sorriso social
❑ Angústia do 8º mês
❑ Não.

• Winnicott – O potencial inato de uma criança só se pode transformar se for associado a


cuidados maternos.

❑ Preocupação maternal primária - Capacidade de empatia, identificação da mãe com o bebé;


❑ Mãe função de espelho;
❑ “holding”, forma como é pegada
❑ “handling”, forma como é cuidada
❑ “object-presenting”, modo de apresentação do objeto.

• M. Mahler - Fases:
❑ autismo normal (1º mês)
❑ simbiose normal (2º-9º/12º mês)
❑ separação/individuação (4 etapas; 4º/5º mês-24º mês…).

• Bowlby - Conceito de vinculação a partir dos estudos sobre a separação e privação de


cuidados maternos:
❑ Função de proteção – Segurança dada pelo adulto
❑ Função de socialização – Ao longo do ciclo de vida a vinculação desloca-se da mãe para
os outros familiares e depois para grupos mais amplos.

18
➢ Desenvolvimento emocional do bebé

• Primeiros Mecanismos de Defesa – meios de proteção e equipamento do Self em


crescimento;
• Utiliza o corpo para lidar com a ansiedade interna e a intrusão externa;
• Mãe responde em sintonia, aliviando bebé de um sentimento de fragmentação;
• O sentimento que o seu corpo e, como tal, a sua pessoa, é importante, fá-lo sentir-se
compreendido e querido.

• FREUD - Estado Oral:


❑ Utiliza a boca para testar os objetos, ganhar prazer (alimentação);
❑ Proto-sexualidade.

• WINNICOTT:
❑ A entrada em contacto com a realidade feita pelo bebé e pela mãe é feita em concordância,
para que o bebé suporte;
❑ Permite-lhe um sentimento de frustração, uma experiência de desilusão, necessária ao
desenvolvimento.

➢ Desenvolvimento emocional na 1ª infância

• Maior autonomia e assertividade;


• Ambivalência na relação com a mãe, que tem de recusar alguns dos seus pedidos;
• Pensamento mágico;
• Crescente capacidade de integrar amor e ódio na mesma pessoa (objetos totais);
• Sentido de género;
• Estado Anal;
• Desenvolvimento da linguagem;
• Construção da Identidade – uso do EU;
Jogo: 1º brinca ao lado…2º brinca com…

Pelos 5/6 anos…


• Resolução Edipiana e Sexualidade dos pais;

19
• Renúncia à intensa relação com a mãe.

“A resolução do Complexo de Édipo implica uma renúncia. Não só a criança tem de deixar a fantasia que pode
ter uma relação exclusiva com o pai do sexo oposto, como tem de aceitar que existe uma ordem objetiva das
coisas que ela nunca compreenderá e controlará na totalidade. Em alguns casos, esta consciência é vivida
como uma castração ou ferida narcísica. Esta falha vai criar na criança a necessidade de poder e curiosidade
e obter satisfação na aprendizagem.” (Hamilton, 1996)

➢ Desenvolvimento emocional na latência

• Idade das regras, justiça e aquisição do autocontrole;


• Estabelecimento de um superego não persecutório, para poder lidar com a entrada na
puberdade;
• Sentimentos de “não pertença” à família ajudam a criar a distância da paixão intrafamiliar
anterior;
• Brincadeiras entre o grupo do mesmo sexo;
• Identificação a heróis e ídolos.

➢ Modelo de interação recíproca

O desenvolvimento é o resultado de uma interação contínua entre a criança e a experiência


fornecida pela família e pelo meio social. É indissociável das relações interpessoais e é
parcialmente determinado por:

❑ Crenças, valores da família e do meio social;


❑ Personalidade dos pais;
❑ Padrões interativos da família;
❑ História transgeracional;
❑ Apoios sociais e culturais.

É definido em termos de unidade biológica e do comportamento. Caracteriza-se por uma


relação dinâmica entre o indivíduo e o meio. Valoriza a complexidade e significado
adaptativo do comportamento infantil e a contribuição do bebé para o seu próprio
desenvolvimento.

20
➢ Diferenças Individuais – Competências

As competências interativas do bebé, presentes desde o nascimento, tem um papel


importante na organização das respostas maternas. Dão indicações à mãe através da
mudança de estado, intensidade da atividade motora, do choro ou do olhar.

➢ Características físicas;
➢ Processos fisiológicos (reatividade automática);
➢ Organização do comportamento (níveis de atividade);
➢ Reatividade aos estímulos;
• As diferenças individuais estão na base da identificação das características
temperamentais.

➢ Diferenças Individuais – Temperamento

Características biologicamente determinadas que influenciam a interação da criança com o


meio. Comportamentos que surgem durante o primeiro ano de vida, de origem biológica e
genética que se mantém estáveis ao longo do tempo (Rutter 1987, Wachs 1994). Contribui
como componente emocional para a formação e expressão da personalidade.

• Constitucional; padronizado; estável.

➢ Nível de reatividade;
➢ Ritmo/regularidade das funções biológicas;
➢ Qualidade do afeto;
➢ Tendência para procurar ou evitar experiências novas;
➢ Persistência no confronto com obstáculos;
➢ Adaptabilidade.

CARACTERÍSTICAS DO TEMPERAMENTO (Thomas&Chess, 1968):


❑ Nível de atividade;
❑ Ritmo (regularidade das funções biológicas);
❑ Tendência para procurar ou evitar experiências novas;

21
❑ Adaptabilidade;
❑ Limiar de resposta;
❑ Intensidade das reações;
❑ Humor;
❑ Distratibilidade;
❑ Persistência/concentração.

Padrões de temperamento

1 –FÁCIL
• Regularidade biológica
• Reação positiva a situações novas
• Adaptabilidade
• Afeto positivo
• Reações de intensidade ligeira

2- LENTO
• Respostas tardias
• Evitamento inicial
• Adaptação lenta
• Reações de intensidade moderada

3- DIFÍCIL
• Irregularidade biológica
• Evitamento de situações novas
• Adaptabilidade pobre
• Afeto negativo
• Reações intensas

22
➢ Tarefas do desenvolvimento – Desenvolvimento precoce

• Até aos 3 meses – regulação da homeostase - organização dos ritmos sono/vigília e


alimentares;
• A partir dos 3 meses – diferenciação da comunicação – vinculação;
• A partir dos 9 meses – individualização – a partir da internalização da relação.

Homeostase (até aos 3 meses)

Inclui
➢ Regulação das funções vegetativas;
➢ Regulação dos movimentos do corpo;
➢ Consolabilidade através dos vários estados de alerta;
• Depende
➢ Capacidades constitucionais da criança;
➢ Apoio dado pela mãe através dos vários aspetos da função materna.

Mãe
➢ Regularidade e continuidade dos cuidados;
➢ Capacidade da mãe interpretar os sinais do bebé;
➢ Apoio dado pela mãe através dos vários aspetos da função materna;
➢ Experiências de satisfação e redução dos estados de tensão.

Bebé
➢ Regulação do equilíbrio interno;
➢ Regulação das funções vegetativas;
➢ Regulação dos movimentos do corpo;
➢ Capacidade de estar atento, calmo, alerta;
➢ Atenção mútua;
➢ Capacidade integradora multissensorial;
➢ Consolabilidade;
➢ Autorregulação e interesse no mundo exterior;
Organização mnésica das experiências.

23
Vinculação (a partir dos 3 meses)

A vinculação é definida por Bowlby como “o produto da atividade de um certo número de


sistemas comportamentais que tem como resultado a proximidade da criança em relação à
mãe”. A vinculação é o laço afetivo forte e duradouro que se estabelece com a figura de
apego.

Sistema de vinculação:

Perigo, ameaça > procura de proximidade > exploração do mundo

Tem uma dupla função:


➢ Função de proteção - segurança dada pelo adulto;
➢ Função de socialização - ao longo dos ciclos de vida, a vinculação desloca-se da mãe para
os familiares e depois para grupos mais amplos.

Estes sistemas desenvolvem-se na interação a partir do nascimento e têm o seu


desenvolvimento máximo no decurso do segundo ano. A vinculação é um sistema biológico.

O período sensível para a vinculação parece situar-se entre os três e os doze meses, com
um máximo entre os 4 e os 6 meses. A vinculação é tanto mais forte quanto a experiência
da interação com uma pessoa é mais intensa.

Uma vez estabelecida tende a persistir:


➢ apesar da separação;
➢ mesmo que se tenha desenvolvido segundo linhas não funcionais;
➢ na ausência de estímulos exteriores e/ou das condições anteriores de que dependia.

Bowlby e Ainsworth – Descreveram, a partir dos comportamentos de vinculação, diferentes


padrões.

• Bowlby:
➢ comportamento instintivo;
➢ necessidade de proximidade e segurança;

24
➢ protesto na separação.

• M. Ainsworth - Desenvolveu os trabalhos de Bowlby, criando uma situação experimental


para a avaliação da segurança da vinculação (situação estranha/separação reunião).

PADRÕES DE VINCULAÇÃO:

Distribuição dos padrões de vinculação na população geral:


➢ B - SEGURA – Protesto e choro na reunião - 65%
A – Evitante - 21%
➢ INSEGURA
C – Resistente - 14%
➢ D - DESORGANIZADA, confusa.

Variáveis de descriminação dos grupos A; B; C:


➢ Proximidade;
➢ Evitamento e resistência no reencontro;

Padrão seguro B:
o Protesto na separação;
o Prazer no reencontro (sorriso, vocalização ou gesto);
o Clareza, abertura na expressão emocional.

Padrão inseguro A - inseguro evitante:


o Não reage à separação, no reencontro tende a evitar a proximidade e contacto com
a mãe;
o Restrição na expressão emocional, afeto negativo.

Padrão inseguro C - ambivalente /resistente:


o Reação intensa à separação (procura de contacto/rejeição), dificuldade em ser
confortado;
o Intensificação da expressão emocional e vigilância. Preocupação.

25
Padrão desorganizado D:
o Sequência ou simultaneidade de comportamentos contraditórios;
o Comportamentos bizarros, estereotipados no reencontro;
o Medo da figura de vinculação (mães assustadas e assustadoras).

A vinculação segura é um fator protetor importante para o desenvolvimento. A experiência


de vinculação segura na infância promove a autoestima, a autonomia e um funcionamento
social adaptado-

A vinculação insegura antes dos dois anos tem sido relacionada com:
➢ menor sociabilidade;
➢ relações mais pobres com os pares;
➢ Agressividade;
➢ menor controlo do comportamento durante os anos pré-escolares.

Padrão Desorganizado – evolução:


➢ Gestão problemática do stress;
➢ Problemas do comportamento;
➢ Comportamentos dissociativos;
• Fatores familiares:
➢ Maus tratos;
➢ Conflitualidade conjugal;
➢ Depressão parental/pert. Bipolar;
➢ Luto não resolvido/trauma.

Os diferentes padrões de vinculação remetem para diferentes histórias relacionais.


Dependem da interação da criança com a figura de vinculação ao longo do primeiro ano.
Tem uma importante função adaptativa pelo desenvolvimento de estratégias de regulação
emocional.

Importância da sensibilidade da figura parental:


✓ Estar física e emocionalmente disponível;
✓ Responder e ler adequadamente os sinais e a comunicação do bebé.

26
Fatores que impedem a organização de um padrão de vinculação seguro

Dificuldades dos pais:


➢ História relacional dos pais;
➢ Perdas ou traumas não resolvidos;
➢ Falta de apoio dos próprios pais;
➢ Crises pessoais ou familiares que dificultam a interação com o bebé.

Dificuldades do bebé:
➢ Características do comportamento (irritabilidade);
➢ Características individuais (atributos físicos);
➢ Temperamento;
➢ Conflito internalizado.

Torna-se importante o estudo dos padrões de vinculação para perceber a sua continuidade
ao longo do desenvolvimento. Os padrões de vinculação determinam as características das
relações interpessoais e a representação individual acerca dos outros.

A classificação dos padrões de vinculação pode ser entendida como um descritor do estilo
de personalidade (P. Kernberg).

As características que distinguem as relações de vinculação de outras relações sociais são:

➢ a procura de proximidade;
➢ a noção de base de segurança;
➢ a noção de comportamento de refúgio;
➢ as reações perante a separação.

O interesse do modelo de vinculação é particularmente importante no plano da avaliação do


risco.

A perturbação precoce da vinculação tenderia a:

➢ prejudicar a elaboração dos limites de si e da identidade pessoal;

27
➢ influenciar negativamente o processo de representação mental, em especial as
representações relativas a si próprio e aos outros.

Individualização/Sentido de Self

Resultado da relação entre as competências inatas do bebé e as respostas seletivas do


meio. Condiciona a capacidade adaptativa da criança. Fase essencial do desenvolvimento
e da constituição da identidade. O sentimento de “self”, de subjetividade, permite o acesso
ao pensamento simbólico e à linguagem. A intersubjetividade permite a partilha e
comunicação dos estados afetivos. A formação da identidade é determinada pelas
sensações corporais, sendo a imagem corporal a base dessa identidade (M. Mahler).

• D.Stern – “sentido de si” ou sentimento de self - referência organizadora da experiência


relacional e social do bebé:

➢ Entre os 2 e os 6 meses – sentido de self nuclear, enquanto unidade física separada coesa
e limitada;
➢ Entre os 8 e os 18 meses – ligação intersubjetiva com o outro.

Descoberta de que as suas experiências não são únicas e que a vida interior pode ser
partilhada.

O Processo de separação/individuação é teorizado por diferentes autores e considerado


momento chave do desenvolvimento:

➢ M.Mahler – Processo de separação-individuação (4/5 meses).

➢ Winnicott – Importância da espera na satisfação, tolerância à falta e à frustração; estádio


de dependência relativa.

➢ Spitz
Descrição dos organizadores psíquicos (sorriso social, angústia do 8º mês, Não),
indicadores da passagem pelos diferentes estádios no quadro da relação mãe-filho. A
angústia do 8º mês marca o início das relações de objeto e indica o começo da consciência

28
de si. O “não”, que surge a partir dos 15 meses, implica a descriminação consciente e o
início do processo secundário, ou princípio da realidade, consolida o sentimento de
identidade.

➢ Tarefas do Desenvolvimento – 2º ano

Fase de profunda mudança plano dos interesses e modalidades relacionais da criança. O 3º


organizador da vida psíquica de Spitz é o “não”, entre os 16 e os 18 meses. M. Mahler
descreve, nesta fase, o 3º tempo do processo de separação /individuação (fase de
reaproximação entre os 15 meses e os dois anos). Assiste-se a um conflito entre o desejo
de exploração e de proximidade com a mãe.

O processo de separação individuação está ligado a importantes aquisições do


desenvolvimento:

➢ Exploração e controlo do mundo dos objetos externos;


➢ Capacidade locomotora;
➢ Maior reconhecimento das pessoas e das situações;
➢ Jogo funcional;
➢ Linguagem;
➢ Pensamento emocional;
➢ Representação.

Assiste-se, igualmente, ao desenvolvimento das funções cognitivas, da comunicação verbal,


da função simbólica e a uma elaboração de uma representação estável da identidade.

Emergência do Pensamento e Maturação afetiva – 2º ano

Representação mental como primeiro momento e condição indispensável da organização do


pensamento.

Winnicott - papel da “espera” na organização do pensamento. Permite que a necessidade


se elabore como desejo.

29
O objeto interno nasce na ausência. A representação mental do objeto ausente é a primeira
fase da função de simbolização. A espera e as representações mentais que dela resultam,
constituem um ponto de convergência do desenvolvimento cognitivo e afetivo.

A capacidade simbólica é um processo interno, resultado da elaboração da experiência


emocional, em função do vínculo mãe/bebé.

A função simbólica não é apenas verbal. Outros sistemas simbólicos:


➢ imitação diferida;
➢ Desenho;
➢ jogo.

Pensamento Simbólico/Linguagem

A linguagem como sistema simbólico principal:

Período pré-linguístico
➢ Até aos três meses (Homeostase)
o Choro, gritos, vogais abertas;
➢ A partir dos três meses (Vinculação)
o Imitações; Diferenciação das expressões em função do estado interno;
o Aquisição dos diferentes sons da língua (lalação).

Período linguístico
➢ A partir dos nove meses (Individualização/organização do “self”)
o Duplicação das sílabas;
o Imitação de sons;
o Primeira palavra (12 meses);
➢ A partir dos 18 meses (Sentido do Self)
o Utilização simbólica da linguagem;
o Pronomes pessoais;
➢ A partir dos 24 meses
Primeiras frases.

30
Pensamento Simbólico/Jogo

➢ Winnicott
• Jogo como espaço potencial entre a mãe e o bebé;
• Objeto transitivo:
o Valor simbólico de união com o objeto materno;
o Defesa face à angústia de separação;
o Projeção da ambivalência;
o Intermediário para a identificação do real;
o Primeira manifestação da capacidade para simbolizar.

➢ M. Klein
• “No jogo a criança traduz para um modo simbólico os seus fantasmas, os seus desejos, as
suas experiências vividas”;
• O jogo como meio de acesso direto à vida pulsional da criança;
• Através do jogo a angústia é transformada em prazer.

➢ A. Freud
• Organização da capacidade de jogar;
• Linha de desenvolvimento: “Do corpo ao brinquedo e do jogo ao trabalho”.

Sintomas do Desenvolvimento

As reações de ansiedade são um dos sintomas mais frequentes aos dois anos.

Winnicott valoriza o papel do “objeto transitivo” na luta contra a ansiedade de separação.


Para Bowlby, a ansiedade de separação está ligada ao sentimento de insegurança ou
indisponibilidade em relação à mãe ou figuras de vinculação privilegiadas.

A ansiedade manifesta-se numa grande variedade de sintomas:


➢ Rituais de adormecimento;
➢ Atividade autoerótica;
➢ Protesto/angústia em situação de separação;
➢ Desafio/oposição.

31
➢ Tarefas do Desenvolvimento – Dos 3 aos 6 anos

✓ Melhor compreensão da relação entre os pais;


✓ Reconhecimento do papel do pai na família;
✓ Progresso na representação da imagem de si;
✓ Identificação secundária com o pai do mesmo sexo;
✓ Interiorização dos interditos parentais (supereu).

A passagem da relação dual à relação triangular, estrutura a personalidade e determina a


qualidade das relações com o outro. Implica a diferenciação entre o corpo próprio e o objeto
com o qual a criança se identifica. O sentimento de “self”, de subjetividade, permite o acesso
ao simbólico e à linguagem. Momento chave estruturante da personalidade.

✓ Aos 3 anos, importância do uso do “eu”. Corresponde a uma melhor representação


de si próprio;
✓ Importância das condutas de imitação;
✓ Identificação ao agressor (o “não” de Spitz);
✓ Desenvolvimento da linguagem e da motricidade;
✓ Pensamento mágico;
✓ Sintomas:
o Rituais, fobias

32

Você também pode gostar