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Cláudia Margarida Vieira Ferreira

INTERPRETAÇÃO E ANÁLISES DOS TESTES PROJETIVOS

CAT-A

1. Era uma vez os passarinhos queriam comer e a mãe tava ao lado dos pintainhos. O pintainho
tava com uma colher para cima e para baixo e uma para cima. (p) Só consigo pensar na
professora. (p) Vão lanchar, vão brincar e depois lanchar e depois brincar e depois jantar.

Este cartão remete para a relação mãe/criança, numa situação de conflito oral. O Miguel substitui a
mãe pela imagem da professora, tratar-se-á de um mecanismo de defesa dado as problemáticas de
vinculação com a mãe, ou terá tomado a professora como substituta da mãe?
As respostas que dá estão relacionadas com a representação de frustração, a mãe apesar de estar
ao lado não fornece comida, não alimenta, não cuida.

2. Eles tão a puxar a corda, os ursos, os três. Só estão a puxar as cordas, a corda. (p) Tão a puxar
uma corda, que são maus para eles próprios e para os outros. (p) São amigos.

O cartão remete para o triangulo edipiano e para a identificação. O Miguel descreve uma situação
de auto e heteroagressividade, tal como em outros momentos da avaliação há uma tentativa de
controlo da pulsão/agressão que tende a emergir associando-lhe algo agradável ou positivo, como
mecanismo de defesa.

3. Era uma vez um leão que tava com os pés um em cima e um em baixo e ele tava com uma
chave. Ele tinha escadas atrás e um pau. (p ratinho) Eu não sei bem…

Este cartão remete para autoridade, poder fálico, imagem paterna. Ao longo da avaliação a figura
paternal está praticamente ausente e aqui nota-se que os atributos deste não são valorizados, é co-
locado em estatua, não há investimento por parte do Miguel.

4. Era uma vez… não percebo o que é isto. (p) Um gato que anda numa bicicleta. Não sabia que
os gatos andavam de bicicleta! (p) E que a mãe trazia um cesto com outro gato. (p) Depois havia
só árvores e cidade.

Cartão representativo da relação mãe/criança, para o fantasma da gravidez, imagem materna. O


Miguel desorganiza-se e “não percebe o que é isto”, não só não identifica bem qual o animal

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representado, como inclusive num primeiro momento lhe altera o género e o local onde o bebé
está (bolsa da mãe). A projecção que parece sentir produz-lhe um conflito interno tão massivo que
necessita de se afastar das imagens centrais, recorre ao evitamento, e tenta controlar-se através do
foco nos outros elementos do cartão.

5. Era uma vez tudo preto e branco que havia uma cama com galinhas. Mais nada, não há mais
nada. (p) Tão a dormir. As galinhas só querem dormir.

Este cartão coloca em evidência as questões da curiosidade sexual, o fantasma da cena primitiva e a
relação libidinal do casal parental.
O Miguel bloqueia, o conflito da representação deste cartão tem um simbolismo tão intenso, que o
faz recuar perante o estímulo latente, parece vivenciar um momento de depressão, de afecto dolo-
roso e de exclusão face ao casal parental e/ou culpabilidade que as pulsões lhe provocam.

6. Era uma vez… (p) Parece um gato, é um panda que tava a ir para a sua gruta. (p) Mais nada…
tava deitado.

Este cartão remete para a cena primitiva com referência a uma situação imaginária, para a curiosi-
dade sexual, porém o Miguel parece estar desorganizado com os cartões, devido aos conflitos que
estão a surgir ou fatigado/angustiado com a tarefa em si, não identifica bem a espécie de animal,
não há investimento.

7. Um tigre! Salta uma pessoa, e a enfiar as unhas e arranha, arranha (…) (e toca com os dedos
no cartão). (p) Vai ser apanhada.
Este cartão remete para a o modo de organização face à agressividade, para a representação da
agressividade (devoração, castração), relação de desigualdade, ativo/passivo. O Miguel identifica
imediatamente “um tigre!”, parece ter-se projectado nessa figura, inclusive imita-o a arranhar, to-
cando com os dedos no cartão, não consegue controlar a agressividade latente que tem estado
sempre presente durante a avaliação e aqui mostra a sua desorganização.

8. E depois o macaco tava a chatear com o filho, e o outro tava a dizer uma coisa ao macaco e
um tava com o chá e um tava a saber. (p) E um quadro da macaca. (p) Não sei.

Esse cartão identifica a assimilação das proibições parentais, capacidade de adaptação ao grupo,

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normalmente favorece respostas relativas à relação familiar. A personagem em primeiro plano


remete para a imagem parental, que o Miguel descreve como masculina e em relação de conflito
com o filho. Parece não conseguir identificar as personagens dentro de uma dinâmica familiar, ou a
existência de qualquer relação entre elas. Recorre a uma recusa “não sei”, como modo de não se
envolver mais no que o cartão lhe está a fazer sentir, dada a temática familiar latente.

9. E depois tá tudo preto e branco nesta história. (p) Um coelho tava numa cama a dormir.
(p) E depois alevantou-se e decidiu que a porta tava aberta. (p) Mais nada. Tá só com as o mãos
na cama, mais nada.

Neste cartão aparece a temática da solidão (ou estar só) e para a problemática do abandono;
aspetos depressivos relacionados com a exclusão do casal parental. Como a situação parece estava
a incomodar tanto o Miguel, ele teve que recorrer às cores do cartão, que tem sido as mesmas
desde o primeiro, tenta organizar-se. Há um investimento de superpoderes ao coelho que “decidiu”
que a porta estava aberta. Recorre a vários mecanismos de defesa para aniquilar o conflito
relacionado com o abandono que parece ter vivenciado.

10. E depois a mãe e o pai tava a a a filha tava a ir para a sanita, para o pé da sanita. Os cães não
podem ir para o pé da sanita. (p) A seguir nada, e o pai tava a segurar ela para não ir.

Este cartão evoca aspetos agressivos ou libidinais na relação pais/criança; aproximação corporal ao
nível da analidade, remetendo para aspetos superegóicos relativos à transgressão e punição. O
Miguel desorganiza-se de tal modo que começa por identificar a mãe, mas rapidamente a substitui
pelo pai, depois parece projectar-se mais uma vez na imagem da irmã, referindo “a filha”. Apesar
da transgressão da filha, o Miguel não consegue identificar o aspecto punitivo da situação.

Prova de escolhas:
Escolha +:
9 – Porque este tinha um coelho com as orelhas em pé, porque os coelhos são os meus referidos.
10 – Porque eu gosto muito deste, é a minha preferida!
Escolha -:
1 – Porque esta tinha uma galinha com branco, que era a mãe. Parece cinzento.
2 – Porque esta foi a minha pior história que eu contei.

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RCH

I – (choque)
1. Não percebo!!
2. Coisas a voar, coisas prateadas (D lat).

R.A. Um morcego, tem asas muito grandes, como isto.

O Miguel ao entrar em contacto com o primeiro cartão está perante uma situação nova, reage com
choque, o que é normativo, contudo após o impacto não consegue elaborar uma forma ao que vê, segu-
rando-se à cor como modo de defesa. Estando este cartão associado às imagens parentais e à relação pré-
genital, a dificuldade de organização parece prender-se com a sensação de ameaça.

II –
1. Vermelho, com dourado e com uma varinha ( junção preto sup., “mãos”).
2. Com um bico (Dd junção preto sup., “mãos”).

R.A.
1. Dois elefantes (corpo pretos/tromba verm sup).
2. Raiva (vermelho).

Este cartão, pela presença do vermelho apela aos afetos mais primitivos (pulsões agressivas), à pro-
blemática da castração, sendo ainda considerado um cartão materno. O Miguel tenta controlar a
sua pulsão, ao ser confrontado com o vermelho, recorrendo a algo que é mais neutro e prazeroso
como o dourado. Ao referir a varinha, dado não ter informação se se refere a uma real (Harry
Potter), real funcional (culinária) ou imaginária (das fadas), penso que foi a tentativa de dar um
limite, uma forma, à desorganização que estava a sentir. Importante a referência explicita à Raiva
nas respostas adicionais, que parece estar em relação direta com o vermelho e ainda o facto de
conseguir ver uma banalidade.

III –
1. Vermelho, com um laço (verm central). Eu não percebo nada!!
2. Preto com dourado, tem uma perna, outra perna, duas cabeças, dois corpos, duas mãos e
dois pescoços.

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R.A. Pintainhos (pretos)


I.L. Pessoas (inteiras, não partes como descreveu) Não vê.

O Miguel num primeiro momento foca-se no vermelho central, mais uma vez não consegue
elaborar algo com forma, com limites, então recorre à cor. Como o vermelho lhe desperta as
pulsões que tenta conter recorre à recusa e refere que não percebe nada.
Na resposta 2 demonstra a problemática de identificação, da representação de si face ao outro, ou
do casal parental, não constrói figuras inteiras, completas, mas sim fragmentadas, destruturadas,
separadas em várias partes não conseguindo juntá-las e fazer um todo.

IV –
1. Um monstro, dourado, com coisas assim e coisas assim (aponta para o próprio pescoço) (D
med baixo).

O facto deste cartão remeter para a imagem paterna e/ou de poder, força, dominação, autoridade
e castradora parece ter desorganizado o Miguel que manifesta sensibilidade à cor, textura e esbati-
mento identificando um monstro, mas que logo aparece o mecanismo de defesa que utiliza normal-
mente de associar algo bom, ou bonito imediatamente (dourado).

V –
1. Um morcego, com orelhas grandes. (G)
2. E borboleta que tá dourada. (G)
3. Ou abelha. (G)

Concentra-se na cor, tenta dar-lhe um limite, uma forma e consegue fazê-lo referindo a banalidade
(morcego) porem associa-lhe uma forma irreal, uma combinação absurda (orelhas grandes),
contudo ao analisarmos os desenhos é uma característica constante, talvez seja um aspecto físico
da família ou de algum modo relacionado com problemáticas de audição (?).
Considerando que se trata do cartão de adaptação à realidade, da imagem de si, da unidade e inte-
gridade do corpo e da sua personalidade, as três respostas dadas demonstram a dificuldade que
tem de ligação com a realidade e da sua própria identificação.

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VI –
1. Um gato (D sup).
2. E rainha (D).
Inquérito: Não tem pernas, partiu as pernas.

Tenta encontrar nos detalhes a informação que necessita para enunciar de alguma maneira uma
forma, mas mesmo assim não consegue percepcionar a mancha na sua totalidade, completa e una.
Divide-a em 2 partes, e o que refere no inquérito demonstra uma vez mais a problemática que tem
em elaborar o outro. Este cartão remete para a projeção da castração, contudo quando menciona
“não tem pernas, partiu as pernas” parece-me ter projectado a sua própria fragmentação.

VII – (muito rápido)


1. Nuvens (G).

R.A. D baixo – Coisa que fura a roupa.

O choque com o cartão teve um forte impacto no Miguel que dá uma resposta rápida, sem investi-
mento, nada elaborada. Na resposta adicional e considerando que este cartão remete para a
imagem materna e para a relação com o sexo feminino, parece referir-se ao órgão genital feminino
como algo indefinido, que provoca dor (que fura), que fere, sem mais uma vez lhe conseguir dar
uma forma consistente e identificatória.

VIII –
1. Branco, azul, vermelho, raiva (vermelho), azul e amor e laranja e azul.
2. E tá aqui riscos (eixo mediano).

Inquérito: É tudo amor.


I.L. Não vê os animais D lat rosa.

Para o Miguel as cores desempenham um papel fundamental para a elaboração da representação,


estes elementos sensoriais reativam as suas pulsões. A partir deste cartão, é evidente a presença de
desorganização e a tentativa constante de modificação na verbalização, numa tentativa de anular a
função de afecto associativa da cor, camuflando o incomodo.
Neste cartão é notório o camuflar das pulsões de agressividade e libidinais, mistura a Raiva com

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Amor. Ao ser reenviado ao mundo exterior social, para a relação com o outro, para a expressão de
identidade, não consegue sequer estruturar o cartão a partir dos animais (D lateral), emerge a
função de bloqueio, numa tentativa de controlo das pulsões.
IX –
1. Laranja, raiva e verde.
2. E um risco (eixo mediano).

Considerando tratar-se de um cartão que apela à regressão, ao simbolismo materno pré-genital,


com os fantasmas de gravidez ou nascimento e com o estar só face ao mundo, dado o valor
pulsional que suscita ao Miguel ser ainda mais forte que o precedente, ele repete o
comportamento de evitamento, de bloqueio, demonstrando novamente a sua angústia,
imaturidade, dificuldade na área da criatividade

X –
1. Azul, verde, dourado, raiva, laranja, laranja, amarelo, amarelo, amarelo, dourado, raiva, azul,
azul, azul e verde.
2. Uma torre Eiffel (D cinza sup).

As respostas a este cartão parecem ser o resultado da desorganização interna sentida pelo Miguel
neste momento do teste, dado esta prova o ter colocado em contacto com os seus limites,
angustias, relações de identidade, mecanismos de defesa e de luta entre o seu mundo interno e
externo.
Aqui a desorganização perante o cartão já é tão massiva que as suas respostas reenviam direta-
mente para a angústia de fragmentação, já nem identifica o vermelho substituindo pela pulsão
agressiva emergente.

Prova de escolhas:
Escolha +
V – Porque parecia um morcego e era um morcego. X – Tinha muitas cores.

Escolha –
I – Isto era uma borboleta que eu não sabia muito bem. II – Porque não sabia o que é que era.

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1. DESENHO LIVRE

Narrativa: Era uma vez um arco-íris e a capuchinho vermelho a a cair do avião e ia dar um bolinho
e a avó (…).
Não é narrada uma história, mas sim apresentada uma frase mal construída, sem organização e
sem um contexto, sequencia ou logica.
Não se visualiza o capuchinho vermelho (figura feminina), nem a avó (outra figura feminina), nem o
bolinho (alimento, necessidade de afecto) ou o avião a cair (temática de fragmentação, de
destruição eminente ), não sei se no desenho original estes elementos são visíveis.
O arco-íris é apresentado no centro da página e em primeiro plano com recurso massivo de cores
quentes, que normalmente remetem para as pulsões, observa-se um grande investimento nesta
parte em oposição com as linhas que representam as restantes cores, que são ténues e quase
imperceptíveis. Parece tentar controlar as pulsões através da utilização destas linhas, do coração e
das flores.

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2. DESENHO DA FIGURA HUMANA;

Projecção do Miguel numa figura que é identificada verbalmente e visualmente como feminina.
Proporção do tronco (peito?) muito grande em relação ao resto do corpo, linha grossa, ausência de
cor. Desenho centrado na página, todas as partes do corpo estão unidas, dimensões exageradas das
orelhas (a voz dele é aguda e alta, será que ouve bem?), proporção de boca e olhos correcta,
ausência de nariz, tem braços, mãos com dedos, pernas e pés colocados nas posições correctas.

Obs.: Parece não ter uma identificação de si próprio organizada e estável, projectando-se assim na
irmã, foi a sua companhia durante a infância (?), não utiliza lápis de cor por não investir muito na
tarefa? O facto de desenhar novamente um arco-íris e de embelezar o desenho com “adereços” de
corações e flores, parece ser uma tentativa de suavizar/disfarçar os maus sentimentos que
emergem quando confrontado com a situação que descreve.

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3. DESENHO DA FAMÍLIA;

Questionário:
- O que estão a fazer: Tão a dar um passeio, lalalalalala.
- Mais feliz: Eu, porque tenho um anel.
- Menos feliz: Mano porque me bate.
- Mais simpático: A mãe porque ela gosta de me dar coisas para eu fazer.
- Menos simpático: Ninguém, a minha mana porque ela me bate e eu quero um estojo dela.
- Mais se zanga: A mana é invejosa.
- Vão dar um passeio, mas alguém fica em casa: Ninguém… o meu pai porque ele mete as
coisas no carro.

Todos os elementos da família parecem flutuar no espaço, nenhum está assente no chão, como se
não houvesse estabilidade e consistência.
Fisicamente são todos idênticos, a única diferença a nível de género reside no pormenor do cabelo,
e a nível etário só é visível na dimensão da imagem do irmão mais novo. As orelhas
exageradamente grandes parecem ser uma característica de desenho do sujeito (terá problemas
auditivos?).
A irmã é praticamente do tamanho dele e parece ser maior que a mãe, talvez se deva ao facto de
ter sido a irmã a sua companhia e figura feminina de referência e securizante. Parece projetar-se
muito na imagem da irmã, talvez pelo facto de que o lugar desta na família está mais “esclarecido”
que o dele, para os pais trata-se da filha mais velha e única menina, com 5 anos de diferença do

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Miguel as necessidades ou exigências dela no seio familiar terão sido tendencialmente menores
que as dele.
No questionário não se identifica com o que é menos feliz apesar de segundo as respostas que dá
“o irmão lhe bater... a mãe dar-lhe coisas para fazer...a irmã ser invejosa e bater-lhe também”, mais
uma vez ele não consegue verbalizar os conflitos internos que sente.

4. DESENHO HTP

Figura Humana: Uma mulher, 50 anos, Tá a ir para casa e viu maçãs numa árvore, Gosta de ir à
rua e fazer os trabalhos de casa, Não gosta de fazer nada.
Desenho da figura humana elaborado como expressão do Eu, ou do corpo, no ambiente,
considerando o cabelo e o retângulo que representa a roupa, parece ser uma figura humana
feminina, são os únicos elementos que permitem de algum modo a identificação de género. O
cabelo ocupa imenso espaço, parece flutuar no ar, a figura é instável, não se encontra segura no
chão, como se fosse imaginária e não real. Arvore e figura humana na mesma proporção.

Casa: Tá ao pé só de uma árvore.


Simboliza o autorretrato, onde são projetadas fantasias, angústias, defesas psíquicas. Na impressão
global da casa, pode-se afirmar que ao encontrar-se no centro da página é representativa de
rigidez, a falta de detalhes demonstra retraimento, representação pouco estruturada e logica, o

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que é sinonimo de um Ego fragilizado, porta grande relacionada normalmente com a dependência
familiar, telhado fragmentado e com aparência pouco segura. Estrutura da casa torta,
desequilibrada, parece que facilmente irá cair, não está segura ao solo. Não existem sinais
exteriores de vida dentro de casa, grade da janela pode significar que o Miguel sente a casa como
uma prisão ou como um meio fechado, clausura (?).

Árvore: É uma árvore de maçãs, Não tem mais árvores ao pé.


Normalmente representativa da auto-imagem do sujeito no seu contexto com o meio ambiente, ao
tratar-se de uma árvore frutífera é indicativa de dependência e imaturidade, as ocorrências mais
recentes são representadas normalmente no topo e neste desenho parece estar “cheia demais” de
frutas, como se não houvesse espaço para nada, claustrofóbico, a copa parece que irá chegar ao
limite a qualquer momento. O tronco fechado na base é o único dos elementos que parece estar
firme, como se o Miguel procurasse consolidar-se, organizar-se de alguma maneira para enfrentar
um meio que é sentido como hostil.

De notar a utilização de contorno mais fraco, menos investido, na figura humana, sendo mais rígido
no desenho da arvore e da casa.
Todo o desenho realizado sem uso de cor, só com recurso a lápis de carvão, parece evitamento ou
tentativa de controlar as emoções, desenho limpo, sem hesitações.
O tamanho grande dos 3 elementos desenhados em relação à página parece indicar um ambiente
restritivo, de tensão.

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INTERPRETAÇÃO E ANÁLISES DAS PROVAS GRÁFICAS

CPM (MATRIZES PROGRESSIVAS DE RAVEN) - 50«PC«75


Classe III+ – capacidade intelectual média

BABY-BENDER

COTAÇÃO TOTAL 17
Constata-se que as dificuldades de aprendizagem escolar não estão relacionadas com eventual
défice de organização grafo-percetiva e visuomotora.

Forma: Relações internas de orientação e de dimensões relativa; Relação contiguidade-separação:


Intervém em todos os modelos; Orientação geral: Orientações primitivas alto/baixo, direi-
ta/esquerda; Orientação precisa: Exatidão da horizontal, da vertical, das oblíquas, por referência às
coordenadas da folha e por referência recíproca dos elementos do modelo; Precisão dos
alinhamentos: Alinhamento dos pontos ou das retas cuja exatidão determina em parte a
adequação do modelo; Exatidão das dimensões: Dimensão das cópias, das proporções internas e
das relações de simetria.

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Houve um investimento na tarefa, inclusive ocorreu uma tentativa de correção (nº 5), valor da cota-
ção dentro do normativo para a faixa etária do Miguel, estudos indicam que existe cerca de 60% de
probabilidade de crianças com 6 anos errarem na copia das últimas figuras.
Hipótese: Será que o facto de se tratar de uma tarefa com imagens isoladas facilitou a organização
do sujeito (o inverso ao que se irá constatar no FCR).
FCR – forma B;

CÓPIA
Tempo de cópia: 55’’75 (percentil 80)

Círculo 1
Dois pontos dentro do círculo 0
Triangulo 0,5
Cruz dentro do triângulo 0,5+1
Retângulo 0
Quadrado 0
Semicírculo dentro do retângulo 0,5+1
Linhas perpendiculares dentro do semicírculo 1+1
Diagonal do quadrado 1
Ponto dentro do quadrado 1
Signo (=) 1
TOTAL COTAÇÃO = 9,5 (corresponde ao intervalo entre o percentil 1 e 10)

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MEMÓRIA
Tempo de memória: 1’27’’42

Círculo 1
Dois pontos dentro do círculo 0
Triangulo 0
Cruz dentro do triângulo 0
Retângulo 0
Quadrado 1
Semicírculo dentro do retângulo 0
Linhas perpendiculares dentro do semicírculo 0
Diagonal do quadrado 0
Ponto dentro do quadrado 0
Signo (=) 1
TOTAL COTAÇÃO = 3 (corresponde ao intervalo de percentil entre 1 e 10)

O processo de tempo investido quer na cópia quer na memória é escasso, ambos com reprodução
defeituosa e com esquecimentos, notória desorganização na percepção das formas e com
significativos símbolos em falta. O Miguel encontra-se num nível muito inferior de elaboração
visuo-espacial, falhando tanto na reprodução da recordação como na percepção. Parece haver uma
vontade de “despachar” a tarefa, ou imaturidade na memória visual que não o permite elaborar.

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No caso da reprodução da cópia o sujeito parece reduzir a figura a um esquema familiar, em que o
círculo e o triangulo adquirem uma forma humana ou um boneco (redução a um Esquema
Familiar). Na reprodução por memória observa-se deformação por simplificação, ou seja, o
desenho reduz-se a uma figura simples (um quadrado ou uma circunferência ou triângulo) e alguns
elementos são só evocados e reproduzidos de maneira incompleta.

Os valores obtidos neste teste demonstram que o Miguel possui um défice cognitivo, dado que os
resultados são nitidamente inferiores à normativa, tanto na cópia como na memória, não ultrapas-
sando o percentil 25, desenhos muito incompletos, reproduções com lacunas ou só parciais. Porém
ao analisarmos toda a avaliação psicológica realizada, especialmente ao comparar com os
resultados da Baby Bender e CPM, parece estarmos perante a presença de um conjunto de fatores
que o impediram de ter êxito na realização desta tarefa como: inaptidão especifica por atraso
perceptivo, reação à prova, atitude geral, particularidade sensorial. A sobreposição de símbolos
parece ter desorganizado o Miguel, que apresenta dificuldades na elaboração de limites, de
continente, de dentro e fora e da projeção corporal, levando-o a desinvestir na tarefa.

OBSERVAÇÕES SOBRE A ANAMNESE

Miguel tem 6 anos e ingressou no 1º ano, é o filho do meio de uma fratria de 3, no momento da
avaliação o irmão mais novo tem 5 anos e a irmã 11 anos, ambos os pais na faixa etária dos 40
anos.
Em bebé demonstrava um comportamento muito agitado, com forte relação de dependência da
mãe, de considerar o facto de nessa altura ter de “partilhar” a mãe com a irmã que tinha somente 5
anos, o que nos remete para eventual problemática de vinculação. A vinculação insegura antes dos
2 anos tem sido relacionada com menor sociabilidade, relações mais pobres com os pares,
agressividade, menor controlo dos comportamentos durante os anos pré-escolares. A vinculação
segura é um fator importante para o desenvolvimento da criança, promovendo a sua autoestima,
autonomia e um funcionamento social adaptado.
Quando tinha 1 ano nasce o irmão, o novo membro parecer ter ocupado o lugar do Miguel no seio
familiar, que deixou assim de ser o bebé da família e o que recebia os cuidados da mãe. A mãe
torna-se assim “indisponível” para as necessidades do Miguel que fica entregue aos cuidados do
pai, tendo ainda de o partilhar com a irmã.

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Pouco tempo depois, aos 3 anos, entra para o jardim de infância, o que o “obrigou” a afastar-se do
meio familiar, ficando lá o irmão, levando-o a ter de viver o desconhecido, um mundo e pessoas
que não lhe eram familiares ou conhecidas.
Esta mudança parece ter resultado num grande impacto emocional, comportamental e social para
o Miguel, que tem sido manifestado com recurso a heteroagressividade, dificuldade no relaciona-
mento com os pares, no incumprimento de regras, dificuldades na aquisição de conhecimentos,
e comportamento desafiador e de oposição. De salientar a aquisição dos principais marcos do
desenvolvimento psicomotor dentro das idades esperadas.

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