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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DA CRIANÇA

ÍNDICE DE TEMAS

1. REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Modelos de avaliação psicológica e sua especificidade Modelos de observação clínica e anamnese
Avaliação psicológica e diagnóstico
Referência à psicologia do desenvolvimento. Teorias, princípios e técnicas da avaliação
instrumental
Modelos teóricos de referência.

2. PRIMEIRA INFÂNCIA - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA PRIMEIRA INFÂNCIA E IDADE PRÉ-


ESCOLAR Especificidade da avaliação clínica na primeira infância e idade pré-escolar Modalidades
de observação clínica, com referência às teorias do desenvolvimento Apresentação das Escalas de
desenvolvimento psicomotor

3. IDADE ESCOLAR - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA IDADE ESCOLAR


3.1. Avaliação psicológica Instrumental
3.2. Provas projetivas

4. DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO
Introdução
A Avaliação Psicológica é o ato psicológico realizado exclusivamente por psicólogos. Remete, não só
para o conhecimento claro e profundo dos testes utilizados, mas igualmente para a integração de
conhecimentos sobre teorias do desenvolvimento, psicopatologia e dos dados recolhidos nas várias
entrevistas com a criança e a família.
A realidade psicológica é essencialmente dinâmica. Não se compara com um mosaico de formas
justapostas, mas com um campo de forças em contínua interação, do qual nos cumpre avaliar
menos os valores absolutos do que os relativos, ou melhor, o ponto de equilíbrio e a resultante sob
forma de uma tendência dominante que orienta toda a personalidade em determinada direção
(Corman, L., 1974).
A Avaliação Psicológica da Criança inscreve-se num processo mais geral de avaliação clínica,
diagnóstico e intervenção.
É um processo que visa identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, enquanto
investiga a existência, ou não, de psicopatologia.
A utilização de testes pode ser um passo importante do processo, mas constitui apenas um dos
recursos de avaliação possíveis, como veremos. Paralelamente, os procedimentos de avaliação
dependem, em grande medida, do modelo teórico adotado pelo psicólogo.
1. Pressupostos Teóricos
A Avaliação Psicológica da criança inscreve-se num processo global de avaliação clínica que tem por
finalidade o estudo psicológico individual aprofundado através de entrevista, observação e análise
compreensiva e interpretativa dos resultados da avaliação instrumental (quando aplicada).
Investiga, quando necessário, indicadores de psicopatologia.

IMPLICA:
1. Experiência clínica e competências técnicas;
2. Domínio da psicologia do desenvolvimento;
3. Conhecimentos aprofundados das teorias, princípios e técnicas da medida psicológica;
4. Conhecimentos sobre a psicopatologia.

“Numa palavra, para compreender as crianças, é necessário amá-las, simpatizar com elas, isto é, ser
capaz de “colocar-se no seu lugar”. (...) o exame psicológico não é um exame no sentido comum da
palavra, com um sujeito que examina e um objeto examinado. É um intercâmbio, um diálogo entre
dois sujeitos. Fala-se muito da entrevista, objeto de um ensino sem dúvida muito útil. Mas é
necessário um dom, muito menos um dom intelectual do que afetivo, que se caracteriza por uma
atitude de recetividade, de disponibilidade ao outro, considerado como sujeito autónomo, válido em
si mesmo, digno de toda a consideração”. (Corman, L.,1974)

Importa fazer referência ao conceito de EMPATIA - capacidade de compreender o estado mental


do outro, identificando-se, de forma transitória, com ele. Permite ao psicólogo colocar-se
mentalmente no lugar da criança, representar o que ela sente e pensa sem, no entanto, partilhar as
suas crenças e sentimentos.

Os procedimentos de avaliação dependem:


1. Do modelo/pressupostos teóricos que influenciam a prática do clínico;
2. Da finalidade: diagnóstico, peritagem médico-legal, acompanhamento.

A psicanálise constitui uma das referências fundamentais no domínio da psiquiatria e da psicologia


da infância e da adolescência, a par da referência constante ao desenvolvimento.

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A Avaliação Psicológica da criança assenta em vários pressupostos:
1. Ligação estreita com a prática clínica;
2. Importância atribuída ao pedido;
3. Importância da relação entre psicólogo e sujeito;
4. Importância do envolvimento familiar;
5. Relação estreita com a psicologia do desenvolvimento;
6. Avaliação da dimensão social.

 Perspetiva clínica dinâmica


É um modelo compreensivo e interpretativo cujo objetivo não é a classificação nosológica. Os
sintomas são interpretados no contexto de uma organização específica, com referência à estrutura
e aos mecanismos de defesa. Considera que as experiências relacionais precoces são primordiais
para a futura organização da personalidade (normal ou patológica) e que os sintomas têm um
significado individual. Assim, a avaliação é qualitativa e não apenas quantitativa. Interessa-se pela
atividade simbólica e criativa e privilegia a empatia e a relação como instrumentos principais na
avaliação.

 Diagnóstico Psicológico
O Diagnóstico Psicológico deve permitir:
1. Descrever a criança e os problemas que ela apresenta, mas também as suas potencialidades;
2. Classificar o problema e definir a sua forma específica, assim como aquilo de que se diferencia
(diagnóstico diferencial);
3. Fazer um prognóstico;
4. Dar uma orientação.

O Diagnóstico Psicológico suporta-se em técnicas de recolha de informação, como entrevistas,


observação, desenho, jogo, testes e escalas. A integração interpretativa dos dados procura
compreender o significado e a origem dos problemas e/ou dos conflitos, assim como as formas
particulares de resolução dos mesmos (Mecanismos de Defesa).
OBJETIVOS:
1. Dar resposta ao problema colocado;

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2. Obter informações complementares e/ou confirmação de dados já conhecidos;
3. Investigar mais profundamente setores de funcionamento psíquico;
4. Colocar questões.

PERMITE:
1. Estabelecer fatores etiológicos;
2. Diferenciar estruturas;
3. Definir as reações pessoais ao problema ou perturbação;
4. Estabelecer um prognóstico de evolução e avaliar a probabilidade de sucesso da intervenção
proposta;

Contudo, não se confunde com o diagnóstico nosológico.

 Avaliação Psicológica
A Avaliação Psicológica será realizada de forma diferente conforme o contexto em que se realiza e a
sua finalidade.
Em qualquer caso, o primeiro momento deverá ser sempre uma ou várias entrevistas, com os pais e
com a criança.
A primeira entrevista/observação da criança será adaptada à idade e características relacionais
particulares.
Cada observação implica hipóteses da parte do psicólogo que determina a orientação da sua
investigação e a escolha das técnicas a usar.

A Avaliação Psicológica tem como objetivos:


1. Elaborar hipóteses sobre o diagnóstico (sintomático, nosológico, estrutural);
2. Caracterizar as modalidades defensivas, processos de pensamento, representação de si e
estilos de vinculação.

 Especificidade da avaliação na infância


Em clínica infantil, o pedido é indireto, não é feito pela criança. A primeira tarefa da avaliação é o
estabelecimento de uma relação empática com a criança, procurando obter a sua colaboração e

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criando condições favoráveis ao seu melhor desempenho. Para compreender, explicar e dar sentido
aos dados da observação, é necessário compreender a sua origem, a sua história e o seu significado
numa perspetiva individual.

Os instrumentos de avaliação são um suporte e pretexto de relação, facilitadores dos processos de


comunicação e de projeção.

 Procedimentos
• Entrevista com os pais – anamnese e observação da criança;
• Exame psicológico – testes, questionários, escalas;
• Integração interpretativa do conjunto dos dados da observação.

Entrevista Clínica
A Entrevista Clínica é um dos utensílios privilegiados do processo de diagnóstico. Permite aceder a
informações subjetivas (história de vida, representações, sentimentos, emoções, experiências). A
especificidade da Entrevista Clínica reside em associar a perspetiva histórica a uma abordagem
dinâmica e interpretativa. Objetivar o subjetivo!

A Entrevista Clínica pode ser realizada em diferentes contextos e responder a objetivos diferentes:
1. Diagnóstico – identificar sintomas, classificá-los, examiná-los e possibilitar o conhecimento do
funcionamento psíquico;
2. Terapia – a entrevista constitui a base da intervenção terapêutica;
3. Investigação.

Formas de entrevista
 Entrevista Livre, não diretiva – inteiramente orientada para a subjetividade do sujeito. Valoriza
a realidade psíquica, a vivência subjetiva do sujeito. O psicólogo adota uma atitude não diretiva e
não intervém no discurso do sujeito;

 Entrevista Semi-diretiva – a atitude não diretiva que favorece a expressão pessoal é


combinada com aprofundamento temático;

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 Entrevista diretiva – utilizada em investigação.

O modelo de entrevista é diferente conforme o contexto da intervenção (institucional, privada,


escolar). O psicólogo segue, em geral, um roteiro com tópicos de referência para a orientação da
entrevista. A maior ou menor ênfase dada a cada tópico tem a ver com o objetivo do exame, idade
e circunstâncias da avaliação.
A Entrevista Clínica procura apreender e compreender o funcionamento psíquico da criança e dos
pais, centrando-se sobre o vivido e valorizando a relação. A narrativa pessoal recolhida na
entrevista é a peça central do diagnóstico.

História pessoal/Anamnese
É, essencialmente, orientada para os dados a valorizar. Em clínica infantil, a anamnese é fornecida
pelos pais. Numa perspetiva psicodinâmica, procura-se perceber a relação consciente e
inconsciente dos pais com a criança.

Esquema Geral
• PEDIDO:
1. Motivo da consulta/avaliação (sintomas, problemas referidos);
2. Quem faz o pedido, quem envia.
• PROBLEMA ATUAL:
Descrição das alterações referidas
1. Quando surgiram/Por ordem de aparecimento/Evolução;
2. Contexto;
3. Grau de perturbação na vida individual e familiar;
4. Reações do próprio e dos outros;
5. Tentativas anteriores de resolução.

“Os pais vêm até nós para nos pedir algo. É necessário, em primeiro lugar, compreender o que eles
nos querem dizer e o que nos pedem. Eles têm as suas ideias, as suas preocupações, o seu
diagnóstico e, possivelmente, têm já uma solução em mente para os seus problemas.
Nós não podemos impor-lhes os nossos preconceitos científicos, nem esquecer o enorme esforço que
representa da sua parte a sua presença perante nós. É preciso ajudá-los, aceitando ser para eles um

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personagem da sua vida fantasmática, mas poder reagir de modo diferente.” (João dos Santos,
1963)

Antecedentes Pessoais
 Gravidez, parto, pós-parto;
 Primeiros anos de vida;
 Marcos do desenvolvimento: psicomotor, linguagem;
 Separações;
 Socialização;
 Percurso escolar;
 Sintomas;
 Doenças, hospitalizações.

Antecedentes Familiares
 Composição do agregado familiar;
 Genograma/organigrama familiar;
 História dos pais;
 Relações familiares;
 Situações especiais de doença.

OBSERVAÇÃO DA CRIANÇA
1. Descrição geral da criança;
2. Relação de objeto (relação com o observador, com os pais, com as outras crianças);
3. Funções do EU (consciência, conhecimento, memorização e autoconservação): autónomas,
teste da realidade, modos de defesa;
4. Afetos – tristeza, ansiedade, labilidade...;
5. Pulsões (modos de expressão da agressividade e da líbido);
6. Superego (grau de interiorização).

• Diagnóstico provisório – a formular no fim da primeira consulta/entrevista;


• Informações complementares – exames/observações complementares.

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Diagnóstico Estrutural (psicodinâmico)
1. Organização psicossomática;
2. Organização psicótica;
3. Organização borderline;
4. Organização depressiva;
5. Organização neurótica;
6. Variante do normal;
7. Organização deficitária.

• Intervenção terapêutica (proposta). Intervenção psicopedagógica; Consultas terapêuticas;

Psicoterapia com a criança; Psicoterapia com os pais; Encaminhamento para outros técnicos.

Observação Clínica da criança


Na Observação Clínica, tenta-se obter o máximo de indicadores possíveis que permitam a avaliação
dos aspetos da dinâmica do desenvolvimento em relação com:
 o seu meio familiar;
 os aspetos que contribuíram para os conflitos internos atuais ou passado. Permite,
igualmente, formular hipóteses que determinam a orientação da investigação e a escolha das
técnicas a utilizar.

Esquema de observação (adaptado – Drª Graça Barahona Fernandes)

1. ASPETO FÍSICO E PRIMEIRO CONTACTO


Desenvolvimento estato-ponderal
o Descrição física – harmónico, dismórfico, características físicas;
o Apresentação – limpeza, vestuário...
Contacto inicial
o Recusa, ansiedade, aceitação passiva;
o Reservado, tímido, distante, contacto fácil, extrovertido, indiferente, contacto demasiado

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fácil ou próximo.
2. TIPO DE HUMOR
o Alegre, triste, lábil, neutro, eufórico.

3. MÍMICA E POSTURA
o Mímica rica, expressiva ou pobre, inexpressivo, sorriso defensivo, olhar triste, vazio
ou interrogativo;
o Postura tensa, hipotónico, atitude corporal.

4. CONTACTO POSTERIOR
Evolução do contacto
o Reserva inicial e progressivamente mais à vontade;
o Inibição ou bloqueio, depois de um bom contacto inicial;
o Alheamento.
Tipo de comunicação verbal
o Diálogo espontâneo e rico;
o Respostas inibidas monossilábicas;
o Eventual mutismo com ou sem contacto pelo olhar.

5. COMPORTAMENTO GERAL
o Comportamento - estável, instável, controlado. Agitação, instabilidade psicomotora;
o Atenção - captável ou não, dispersa ou concentrada;
o Linguagem – nível de vocabulário, construção de frases, capacidade narrativa;
o Motricidade – lateralização, tonicidade, coordenação, qualidade das praxias.

6. ADAPTAÇÃO À REALIDADE
o Adaptação à tarefa;
o Como se situa no espaço e no tempo (sabe o nome, a data de nascimento, a morada,
a composição familiar);
o Nível de conhecimento.

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7. VIDA IMAGINATIVA E AFETOS
o Expressão de afetos e emoções;
o Exprime fantasias, medos, sonhos, desejos, aspirações, gostos, motivações;
o É capaz de elaborar uma história acerva de um desenho;
o Controlo/descontrolo de impulsos e afetos;
o Adequação da verbalização (verborreia, fuga de ideias, ...);
o Nível de ansiedade.

8. CONTEÚDO DA OBSERVAÇÃO
o Atividade lúdica;
o Desenho – qualidade formal e conteúdo;
o Qualidade e conteúdo do discurso/diálogo;
o Provas utilizadas.
9. CONCLUSÃO
o Impressão geral sobre a criança;
o Nível intelectual e instrumental;
o Diagnóstico da situação;
o Orientação, prognóstico, gravidade e significado das dificuldades;
o Potencialidades evolutivas da criança e do seu mundo relacional.

ADAPTAÇÃO ÀS TAREFAS – NÍVEL DE COLABORAÇÃO


 Negativismo, insegurança;
 Necessidade e busca de apoio e estímulo;
 Autonomia, procura de aprovação;
 Perseverança;
 Crítica;
 Verbalização durante a execução (comentários verbais).

Definem-se três modalidades de observação, inseridas em quatro momentos sequenciais (Drª


Graça Barahona Fernandes):
1. Observação livre, não estruturada, sem introdução de material;

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2. Observação armada, com introdução de material expressivo-plástico (jogo e desenho);
3. Observação padronizada, com introdução de testes, para aprofundar, complementar,
quantificar e precisar dados das observações anteriores;
4. Integração dos dados com os obtidos na anamnese. Estabelece-se um diagnóstico, um
prognóstico e um projeto de intervenção (terapêutico, educativo, social, familiar).

 Avaliação psicológica instrumental


A Avaliação Psicológica é muitas vezes definida no seu todo ou em parte, pela utilização de
instrumentos – os testes: a) testes no sentido restrito do termo (testes psicométricos), b) técnicas
ou provas projetivas. Os testes introduzem a medida em psicologia clínica, permitindo precisão e
objetividade. Comparam um indivíduo em função dos resultados obtidos com uma amostra de
referência; esta comparação é feita implicitamente pelo clínico que se apoia na experiência e
intuição.

Atitudes na Avaliação Psicológica

Atitude/modelo da psicologia experimental – O rigor científico, com objetivos precisos e parciais.


Recolha de dados objetivos, quantitativos, padronizados, em que o observador é relativamente
neutro.

Atitude/modelo da psicologia clínica – A singularidade, a escuta compreensiva de uma criança


particular, ser único e total. Recolha de dados qualitativos com sentido individual e subjetivo,
modelados na situação relacional.

Bateria de testes
É o conjunto de testes ou técnicas que podem variar entre 2 e 5 ou mais instrumentos, incluídos no
processo de avaliação, que permitam confirmar ou infirmar as hipóteses iniciais. Nenhum teste
permite, isoladamente, uma avaliação abrangente. A utilização de testes diferentes, permite a
validação inter-testes.
Os testes, em particular os testes projetivos, representam um modo de abordagem e de
compreensão do funcionamento psíquico;
O material serve igualmente de mediador da relação, facilitador da comunicação com as crianças.

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Instrumentos de avaliação mais utilizados na avaliação da criança

1. Avaliação do desenvolvimento
o Escala de desenvolvimento da Griffiths
o SGS II – Growing Skills (rastreio, pode ser usada por qualquer profissional)
o Escalas Bayley de desenvolvimento infantil (parecidas com Griffiths, até 36m)

2. Avaliação cognitiva
o Escalas de Wechsler (WPPSI, WISC-III)
o Matrizes progressivas de Raven

3. Provas grafo-percetivas
o Provas de organização visuomotora – Baby-Bender, Bender
o Figura Complexa de Rey.

4. Técnicas expressivas
o Desenho Livre
o Desenho da figura humana
o Desenho da família (L. Corman)
o Outros

5. Técnicas projetivas
Estudo da génese dos conflitos
o Métodos temáticos: CAT (A, H, S), TAT, PN Avaliação de estrutura de personalidade
o Rorschach

6. Outras provas projetivas


Era uma vez, Ceno-teste, Walter Trinca

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O psicólogo deve concentrar-se num número reduzido de instrumentos de forma a conhecê-los tão
profundamente quanto possível. O motivo do pedido orienta a observação. Em qualquer idade e
em qualquer situação ou contexto, a observação e o diagnóstico psicológicos dependem menos dos
conhecimentos teóricos do que da aptidão interior do psicólogo para a empatia e disponibilidade.
Motivos de pedido de avaliação psicológica
1. Avaliação do desenvolvimento – por atraso global ou específico;
2. Dificuldades de aprendizagem e/ou adaptação escolar – atraso global ou seletivo na
progressão escolar;
3. Perturbação do comportamento – comportamento desajustado na família ou na escola.
4. Perturbação emocional de qualquer natureza – ansiedade, depressão, fobia, alteração
alimentar ou de sono;
5. Perturbação somática dependente de disfunção emocional;
6. Diagnóstico de estrutura de personalidade;
7. Diagnóstico diferencial de organizações psicopatológicas.

Comunicação de Resultados/Relatório

Os procedimentos e análise de resultados dependem da finalidade da avaliação psicológica. Nas


situações em que o psicólogo é o único interveniente no processo clínico, a avaliação psicológica
pode ser realizada:

1. Na fase inicial de avaliação e diagnóstico


2. Em fases posteriores da intervenção terapêutica

Na fase inicial de avaliação e diagnóstico:


 Para uma compreensão aprofundada da criança e do problema apresentado;
 Para a definição de um projeto de intervenção (terapêutico, educativo, social).

Em fases posteriores da intervenção terapêutica:


 Para confirmar a evolução e/ou testar hipóteses interpretativas.

A análise formal de todas as provas é indispensável quando:

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 O pedido de avaliação é feito por outro técnico para diagnóstico de estrutura ou diagnóstico
diferencial;
 Em todos os casos em que os resultados da avaliação deverão ser transmitidos em relatório
dirigido à família, outros técnicos ou à escola.
A comunicação deverá ter duas dimensões:
1. Uma ligada às dificuldades psicológicas;
2. Outra relacionada com os recursos pessoais.

A comunicação dos resultados corresponde à formalização oral e/ou escrita, das conclusões a que o
psicólogo chegou. A comunicação não abrange todos os dados e não incluí todas as conclusões:
deve haver seleção da informação, em função da finalidade da avaliação e da entidade que a
solicitou. O tipo de comunicação de resultados é definido pelos objetivos da avaliação. O sigilo
profissional compromete o psicólogo a não fornecer certas informações.

A comunicação de resultados corresponde a uma síntese integrativa de todos os dados da


avaliação. A compreensão e explicitação do problema apresentado passa necessariamente pela
procura do seu significado na organização psíquica particular da criança observada.

Deve:
1. Descrever competências, estruturas, conflitos e defesas particulares;
2. Valorizar áreas fortes e fornecer orientações precisas;
3. Adequar-se ao motivo e origem do pedido.

Elementos a valorizar

• Dados da observação do comportamento durante as sessões diagnósticas;


• Revisão das observações e anotações feitas pelo psicólogo no decorrer das sessões. Um
sumário dessas observações constitui já parte introdutória do relatório (adaptação, atitude,
postura, humor etc.);
• Revisão e síntese da história pessoal e anamnese;
• Resultados dos testes aplicados.

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• Interpretação quantitativa e qualitativa dos resultados dos testes aplicados. Os dados
qualitativos permitem a compreensão dinâmica da criança e fundamentar a formulação do
diagnóstico e a orientação proposta;
• Os dados obtidos com diferentes técnicas devem ser organizados procurando coincidências
e discordâncias. São identificados os dados mais significativos, confirmando ou infirmando as
hipóteses iniciais;
• As conclusões devem responder aos objetivos da avaliação.

Esquema geral do relatório

1. Identificação profissional;
2. Identificação da criança;
3. Referência aos procedimentos: Provas aplicadas;
4. Objetivos específicos da avaliação e quem a solicita;
5. Dados da história pessoal e anamnese (apenas os relevantes para a compreensão da
situação atual);
6. Descrição da criançae da relação(comportamento, atitude,
humor,adaptação, colaboração);
7. Resultados das provas aplicadas. Análise qualitativa dos resultados quantitativos;
8. Análise e síntese interpretativa do conjunto de resultados das provas utilizadas;
9. Integração dos dados da observação, características pessoais, história
de vida, comportamento, competências, dificuldades;
10. Conclusões e orientação de acordo com o pedido e a finalidade da avaliação.

 Especificidades da avaliação clínica na primeira infância

• Modificações rápidas ao nível do desenvolvimento;


• Dependência física e psíquica do bebé;
• Perturbação “da interação” versus perturbação “da criança”;
• Importância do passado dos pais na organização dos cuidados e dos modelos relacionais;
• Importância dos sistemas familiares e sociais de suporte, para a competência parental;
• Colaboração dos pais no processo de avaliação.

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(Maria José Gonçalves, 1998)

O desenvolvimento é conceptualizado no quadro do sistema interativo e é dada importância à


observação direta. A subjetividade e a empatia são “instrumentos” da observação. Utilizam-se
paradigmas experimentais (ex. strange situation) e instrumentos de avaliação.
A avaliação clínica da primeira infância recolhe informação com referência a conceitos e modelos
específicos (Interação, Competências, Temperamento, Vinculação), à psicopatologia e a um sistema
de classificação específico (DC 0-3R; DC 0-5) e aos sistemas familiares e sociais.

 Teorias do desenvolvimento

PSICANÁLISE – importante contributo para a compreensão do desenvolvimento.

• Freud – construção de uma teoria coerente do desenvolvimento a partir da reconstrução


das memórias de adultos em análise.

 Descrição cronológica do desenvolvimento afetivo (estádios orais, anal, fálico).

• Anna Freud – Conceito de linha de desenvolvimento, a partir da observação direta das


crianças.

• Spitz – Descrição dos organizadores psíquicos


 Sorriso social
 Angústia do 8º mês
 Não.

• Winnicott – O potencial inato de uma criança só se pode transformar se for associado a


cuidados maternos.

 Preocupação maternal primária - Capacidade de empatia, identificação da mãe com o bebé;


 Mãe função de espelho;
 “holding”, forma como é pegada

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 “handling”, forma como é cuidada
 “object-presenting”, modo de apresentação do objeto.

• M. Mahler - Fases:
 autismo normal (1º mês)
 simbiose normal (2º-9º/12º mês)
 separação/individuação (4 etapas; 4º/5º mês-24º mês…).

• Bowlby - Conceito de vinculação a partir dos estudos sobre a separação e privação de cuidados
maternos:
 Função de proteção – Segurança dada pelo adulto
 Função de socialização – Ao longo do ciclo de vida a vinculação desloca-se da mãe
para os outros familiares e depois para grupos mais amplos.

 Desenvolvimento emocional do bebé

• Primeiros Mecanismos de Defesa – meios de proteção e equipamento do Self em crescimento;


• Utiliza o corpo para lidar com a ansiedade interna e a intrusão externa;
• Mãe responde em sintonia, aliviando bebé de um sentimento de fragmentação;
• O sentimento que o seu corpo e, como tal, a sua pessoa, é importante, fá-lo sentir-se
compreendido e querido.

• FREUD - Estado Oral:


 Utiliza a boca para testar os objetos, ganhar prazer (alimentação);
 Proto-sexualidade.

• WINNICOTT:
 A entrada em contacto com a realidade feita pelo bebé e pela mãe é feita em concordância,
para que o bebé suporte;
 Permite-lhe um sentimento de frustração, uma experiência de desilusão, necessária ao
desenvolvimento.

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 Desenvolvimento emocional na 1ª infância
• Maior autonomia e assertividade;
• Ambivalência na relação com a mãe, que tem de recusar alguns dos seus pedidos;
• Pensamento mágico;
• Crescente capacidade de integrar amor e ódio na mesma pessoa (objetos totais);
• Sentido de género;
• Estado Anal;
• Desenvolvimento da linguagem;
• Construção da Identidade – uso do EU; Jogo: 1º brinca ao lado…2º brinca com…

Pelos 5/6 anos…


• Resolução Edipiana e Sexualidade dos pais;
• Renúncia à intensa relação com a mãe.

“A resolução do Complexo de Édipo implica uma renúncia. Não só a criança tem de deixar a fantasia
que pode ter uma relação exclusiva com o pai do sexo oposto, como tem de aceitar que existe uma
ordem objetiva das coisas que ela nunca compreenderá e controlará na totalidade. Em alguns
casos, esta consciência é vivida como uma castração ou ferida narcísica. Esta falha vai criar na
criança a necessidade de poder e curiosidade e obter satisfação na aprendizagem.” (Hamilton,
1996)

 Desenvolvimento emocional na latência

• Idade das regras, justiça e aquisição do autocontrole;


• Estabelecimento de um superego não persecutório, para poder lidar com a entrada na
puberdade;
• Sentimentos de “não pertença” à família ajudam a criar a distância da paixão intrafamiliar
anterior;
• Brincadeiras entre o grupo do mesmo sexo;
• Identificação a heróis e ídolos.

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 Modelo de interação recíproca

O desenvolvimento é o resultado de uma interação contínua entre a criança e a experiência


fornecida pela família e pelo meio social. É indissociável das relações interpessoais e é parcialmente
determinado por:

 Crenças, valores da família e do meio social;


 Personalidade dos pais;
 Padrões interativos da família;
 História transgeracional;
 Apoios sociais e culturais.

É definido em termos de unidade biológica e do comportamento. Caracteriza-se por uma relação


dinâmica entre o indivíduo e o meio. Valoriza a complexidade e significado adaptativo do
comportamento infantil e a contribuição do bebé para o seu próprio desenvolvimento.

 Diferenças Individuais – Competências

As competências interativas do bebé, presentes desde o nascimento, tem um papel importante na


organização das respostas maternas. Dão indicações à mãe através da mudança de estado,
intensidade da atividade motora, do choro ou do olhar.

 Características físicas;
 Processos fisiológicos (reatividade automática);
 Organização do comportamento (níveis de atividade);
 Reatividade aos estímulos;
• As diferenças individuais estão na base da identificação das
características
temperamentais.

 Diferenças Individuais – Temperamento

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Características biologicamente determinadas que influenciam a interação da criança com o meio.
Comportamentos que surgem durante o primeiro ano de vida, de origem biológica e genética que
se mantém estáveis ao longo do tempo (Rutter 1987, Wachs 1994). Contribui como componente
emocional para a formação e expressão da personalidade.

• Constitucional; padronizado; estável.

 Nível de reatividade;
 Ritmo/regularidade das funções biológicas;
 Qualidade do afeto;
 Tendência para procurar ou evitar experiências novas;
 Persistência no confronto com obstáculos;
 Adaptabilidade.

CARACTERÍSTICAS DO TEMPERAMENTO (Thomas&Chess, 1968):


 Nível de atividade;
 Ritmo (regularidade das funções biológicas);
 Tendência para procurar ou evitar experiências novas;
 Adaptabilidade;
 Limiar de resposta;
 Intensidade das reações;
 Humor;
 Distratibilidade;
 Persistência/concentração.

Padrões de temperamento 1 –FÁCIL


• Regularidade biológica
• Reação positiva a situações novas
• Adaptabilidade
• Afeto positivo
• Reações de intensidade ligeira

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2- LENTO
• Respostas tardias
• Evitamento inicial
• Adaptação lenta
• Reações de intensidade moderada

3- DIFÍCIL
• Irregularidade biológica
• Evitamento de situações novas
• Adaptabilidade pobre
• Afeto negativo
• Reações intensas

 Tarefas do desenvolvimento – Desenvolvimento precoce

• Até aos 3 meses – regulação da homeostase - organização dos ritmos sono/vigília e


alimentares;
• A partir dos 3 meses – diferenciação da comunicação – vinculação;
• A partir dos 9 meses – individualização – a partir da internalização da relação.

Homeostase (até aos 3 meses)

Inclui
 Regulação das funções vegetativas;
 Regulação dos movimentos do corpo;
 Consolabilidade através dos vários estados de alerta;
• Depende
 Capacidades constitucionais da criança;
 Apoio dado pela mãe através dos vários aspetos da função materna.

Mãe

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 Regularidade e continuidade dos cuidados;
 Capacidade de a mãe interpretar os sinais do bebé;
 Apoio dado pela mãe através dos vários aspetos da função materna;
 Experiências de satisfação e redução dos estados de tensão.
Bebé
 Regulação do equilíbrio interno;
 Regulação das funções vegetativas;
 Regulação dos movimentos do corpo;
 Capacidade de estar atento, calmo, alerta;
 Atenção mútua;
 Capacidade integradora multissensorial;
 Consolabilidade;
 Autorregulação e interesse no mundo exterior; Organização mnésica das experiências.

Vinculação (a partir dos 3 meses)

A vinculação é definida por Bowlby como “o produto da atividade de um certo número de sistemas
comportamentais que tem como resultado a proximidade da criança em relação à mãe”. A
vinculação é o laço afetivo forte e duradouro que se estabelece com a figura de apego.

Sistema de vinculação:

Perigo, ameaça > procura de proximidade > exploração do mundo

Tem uma dupla função:


 Função de proteção - segurança dada pelo adulto;
 Função de socialização - ao longo dos ciclos de vida, a vinculação desloca-se da mãe para os
familiares e depois para grupos mais amplos.

Estes sistemas desenvolvem-se na interação a partir do nascimento e têm o seu desenvolvimento


máximo no decurso do segundo ano. A vinculação é um sistema biológico.

25
O período sensível para a vinculação parece situar-se entre os três e os doze meses, com um
máximo entre os 4 e os 6 meses. A vinculação é tanto mais forte quanto a experiência da interação
com uma pessoa é mais intensa.
Uma vez estabelecida tende a persistir:
 apesar da separação;
 mesmo que se tenha desenvolvido segundo linhas não funcionais;
 na ausência de estímulos exteriores e/ou das condições anteriores de que dependia.

Bowlby e Ainsworth – Descreveram, a partir dos comportamentos de vinculação, diferentes


padrões.

Bowlby:
 comportamento instintivo;
 necessidade de proximidade e segurança;
 protesto na separação.

M. Ainsworth - Desenvolveu os trabalhos de Bowlby, criando uma situação experimental para a


avaliação da segurança da vinculação (situação estranha/separação reunião).

PADRÕES DE VINCULAÇÃO:

Distribuição dos padrões de vinculação na população geral:


 B - SEGURA – Protesto e choro na reunião - 65%
A – Evitante - 21%
 INSEGURA
C – Resistente - 14%
 D - DESORGANIZADA, confusa.

Variáveis de discriminação dos grupos A; B; C:


 Proximidade;
 Evitamento e resistência no reencontro;

26
Padrão seguro B:
Protesto na separação;
Prazer no reencontro (sorriso, vocalização ou gesto);
Clareza, abertura na expressão emocional.

Padrão inseguro A - inseguro evitante:


Não reage à separação, no reencontro tende a evitar a proximidade e contacto com a mãe;
Restrição na expressão emocional, afeto negativo.

Padrão inseguro C - ambivalente /resistente:


Reação intensa à separação (procura de contacto/rejeição), dificuldade em ser confortado;
Intensificação da expressão emocional e vigilância. Preocupação.

Padrão desorganizado D:
Sequência ou simultaneidade de comportamentos contraditórios;
Comportamentos bizarros, estereotipados no reencontro;
Medo da figura de vinculação (mães assustadas e assustadoras).

A vinculação segura é um fator protetor importante para o desenvolvimento. A experiência de


vinculação segura na infância promove a autoestima, a autonomia e um funcionamento social
adaptado-

A vinculação insegura antes dos dois anos tem sido relacionada com:
 menor sociabilidade;
 relações mais pobres com os pares;
 Agressividade;
 menor controlo do comportamento durante os anos pré-escolares.

Padrão Desorganizado – evolução:


 Gestão problemática do stress;
 Problemas do comportamento;

27
 Comportamentos dissociativos;

• Fatores familiares:
 Maus tratos;
 Conflitualidade conjugal;
 Depressão parental/perturbação Bipolar;
 Luto não resolvido/trauma.

Os diferentes padrões de vinculação remetem para diferentes histórias relacionais. Dependem da


interação da criança com a figura de vinculação ao longo do primeiro ano. Tem uma importante
função adaptativa pelo desenvolvimento de estratégias de regulação emocional.

Importância da sensibilidade da figura parental:


 Estar física e emocionalmente disponível;
 Responder e ler adequadamente os sinais e a comunicação do bebé.

Fatores que impedem a organização de um padrão de vinculação seguro

Dificuldades dos pais:


 História relacional dos pais;
 Perdas ou traumas não resolvidos;
 Falta de apoio dos próprios pais;
 Crises pessoais ou familiares que dificultam a interação com o bebé.

Dificuldades do bebé:
 Características do comportamento (irritabilidade);
 Características individuais (atributos físicos);
 Temperamento;
 Conflito internalizado.

Torna-se importante o estudo dos padrões de vinculação para perceber a sua continuidade ao
longo do desenvolvimento. Os padrões de vinculação determinam as características das relações

28
interpessoais e a representação individual acerca dos outros.

A classificação dos padrões de vinculação pode ser entendida como um descritor do estilo de
personalidade (P. Kernberg).
As características que distinguem as relações de vinculação de outras relações sociais são:
 a procura de proximidade;
 a noção de base de segurança;
 a noção de comportamento de refúgio;
 as reações perante a separação.

O interesse do modelo de vinculação é particularmente importante no plano da avaliação do risco.

A perturbação precoce da vinculação tenderia a:

 prejudicar a elaboração dos limites de si e da identidade pessoal;


 influenciar negativamente o processo de representação mental, em especial
as representações relativas a si próprio e aos outros.

Individualização/Sentido de Self

Resultado da relação entre as competências inatas do bebé e as respostas seletivas do meio.


Condiciona a capacidade adaptativa da criança. Fase essencial do desenvolvimento e da
constituição da identidade. O sentimento de “self”, de subjetividade, permite o acesso ao
pensamento simbólico e à linguagem. A intersubjetividade permite a partilha e comunicação dos
estados afetivos. A formação da identidade é determinada pelas sensações corporais, sendo a
imagem corporal a base dessa identidade (M. Mahler).

D.Stern – “sentido de si” ou sentimento de self - referência organizadora da experiência relacional


e social do bebé:

 Entre os 2 e os 6 meses – sentido de self nuclear, enquanto unidade física separada coesa e
limitada;

29
 Entre os 8 e os 18 meses – ligação intersubjetiva com o outro.

Descoberta de que as suas experiências não são únicas e que a vida interior pode ser partilhada.

O Processo de separação/individuação é teorizado por diferentes autores e considerado momento


chave do desenvolvimento:

 M.Mahler – Processo de separação-individuação (4/5 meses).

 Winnicott – Importância da espera na satisfação, tolerância à falta e à frustração; estádio de


dependência relativa.

 Spitz - Descrição dos organizadores psíquicos (sorriso social, angústia do 8º mês, Não),
indicadores da passagem pelos diferentes estádios no quadro da relação mãe-filho. A angústia do
8º mês marca o início das relações de objeto e indica o começo da consciência de si. O “não”, que
surge a partir dos 15 meses, implica a discriminação consciente e o início do processo secundário,
ou princípio da realidade, consolida o sentimento de identidade.

 Tarefas do Desenvolvimento – 2º ano


Fase de profunda mudança plano dos interesses e modalidades relacionais da criança. O 3º
organizador da vida psíquica de Spitz é o “não”, entre os 16 e os 18 meses. M. Mahler descreve,
nesta fase, o 3º tempo do processo de separação /individuação (fase de reaproximação entre os 15
meses e os dois anos). Assiste-se a um conflito entre o desejo de exploração e de proximidade com
a mãe.

O processo de separação individuação está ligado a importantes aquisições do desenvolvimento:

 Exploração e controlo do mundo dos objetos externos;


 Capacidade locomotora;
 Maior reconhecimento das pessoas e das situações;
 Jogo funcional;
 Linguagem;

30
 Pensamento emocional;
 Representação.

Assiste-se, igualmente, ao desenvolvimento das funções cognitivas, da comunicação verbal, da


função simbólica e a uma elaboração de uma representação estável da identidade.

Emergência do Pensamento e Maturação afetiva – 2º ano

Representação mental como primeiro momento e condição indispensável da organização do


pensamento.

Winnicott - papel da “espera” na organização do pensamento. Permite que a necessidade se


elabore como desejo.

O objeto interno nasce na ausência. A representação mental do objeto ausente é a primeira fase da
função de simbolização. A espera e as representações mentais que dela resultam, constituem um
ponto de convergência do desenvolvimento cognitivo e afetivo.

A capacidade simbólica é um processo interno, resultado da elaboração da experiência emocional,


em função do vínculo mãe/bebé.

A função simbólica não é apenas verbal. Outros sistemas simbólicos:


 imitação diferida;
 Desenho;
 Jogo;

Pensamento Simbólico/Linguagem

A linguagem como sistema simbólico principal:

Período pré-linguístico
 Até aos três meses (Homeostase)

31
Choro, gritos, vogais abertas;
 A partir dos três meses (Vinculação)
Imitações; Diferenciação das expressões em função do estado interno;
Aquisição dos diferentes sons da língua (lalação).

Período linguístico
 A partir dos nove meses (Individualização/organização do “self”)
Duplicação das sílabas;
Imitação de sons;
Primeira palavra (12 meses);
 A partir dos 18 meses (Sentido do Self)
Utilização simbólica da linguagem;
Pronomes pessoais;
 A partir dos 24 meses Primeiras frases.

Pensamento Simbólico/Jogo

 Winnicott
• Jogo como espaço potencial entre a mãe e o bebé;
• Objeto transitivo:
Valor simbólico de união com o objeto materno;
Defesa face à angústia de separação;
Projeção da ambivalência;
Intermediário para a identificação do real;
Primeira manifestação da capacidade para simbolizar.

 M. Klein
• “No jogo a criança traduz para um modo simbólico os seus fantasmas, os seus desejos, as suas
experiências vividas”;
• O jogo como meio de acesso direto à vida pulsional da criança;
• Através do jogo a angústia é transformada em prazer.

32
 A. Freud
• Organização da capacidade de jogar;
• Linha de desenvolvimento: “Do corpo ao brinquedo e do jogo ao trabalho”.

Sintomas do Desenvolvimento

As reações de ansiedade são um dos sintomas mais frequentes aos dois anos.

Winnicott valoriza o papel do “objeto transitivo” na luta contra a ansiedade de separação. Para
Bowlby, a ansiedade de separação está ligada ao sentimento de insegurança ou indisponibilidade
em relação à mãe ou figuras de vinculação privilegiadas.

A ansiedade manifesta-se numa grande variedade de sintomas:


 Rituais de adormecimento;
 Atividade autoerótica;
 Protesto/angústia em situação de separação;
 Desafio/oposição.

 Tarefas do Desenvolvimento – Dos 3 aos 6 anos

 Melhor compreensão da relação entre os pais;


 Reconhecimento do papel do pai na família;
 Progresso na representação da imagem de si;
 Identificação secundária com o pai do mesmo sexo;
 Interiorização dos interditos parentais (supereu).

A passagem da relação dual à relação triangular, estrutura a personalidade e determina a qualidade


das relações com o outro. Implica a diferenciação entre o corpo próprio e o objeto com o qual a
criança se identifica. O sentimento de “self”, de subjetividade, permite o acesso ao simbólico e à
linguagem. Momento chave estruturante da personalidade.

 Aos 3 anos, importância do uso do “eu”. Corresponde a uma melhor representação de si

33
próprio;
 Importância das condutas de imitação;
 Identificação ao agressor (o “não” de Spitz);
 Desenvolvimento da linguagem e da motricidade;
 Pensamento mágico;
 Sintomas:
Rituais, fobias

2. Primeira infância - Avaliação psicológica na infância e idade pré-escolar

➢ Formas de avaliação clínica na 1ª infância

1. Entrevista/anamnese;
2. Observação da interação mãe-criança;
3. Observação em situação de separação (padrão de vinculação);
4. Observação da criança;
5. Avaliação do desenvolvimento.

O processo de avaliação deve permitir a compreensão da perturbação no seu contexto relacional e


o nível de funcionamento emocional com vista à orientação terapêutica. A entrevista/observação
deverá permitir uma primeira análise compreensiva do problema apresentado.

Entrevista/Anamnese
• Identificação da criança;
• Motivo da consulta;
• Percurso desde o início dos sintomas;
• Caracterização social e familiar;

DISCURSO LIVRE
• Queixas e perceção que os pais têm da criança;
• Qualidade e intensidade do envolvimento.

34
RECOLHA DE DADOS
• Gravidezes e partos anteriores;
• Gravidez e parto atuais e período neonatal;
• História dos primeiros cuidados ao bebé;
• História médica;
• História alimentar e do sono;
• Controle dos esfíncteres.
• Desenvolvimento psicomotor;
• Desenvolvimento da comunicação e da linguagem;
• Socialização;
• Separações;
• Expressão dos afetos;
• Atitudes e interesses particulares.
• Problemas de comportamento;
• Organização do quotidiano;
• Atitudes educativas de cada um dos pais;
• Impressão geral sobre a comunicação pais/criança.

HISTÓRIA FAMILIAR, dos pais e irmãos.


• Acontecimentos de vida;
• Estado de saúde;
• Biografia e relação com os próprios pais (avós);
• Perturbações psiquiátricas.

OBSERVAÇÃO
• Da interação;
• Da criança.

QUANDO NECESSÁRIO
• Observação em meio familiar.

AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

35
• Aplicação de Escalas de Desenvolvimento;
• Aplicação de outros instrumentos de avaliação.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
• Diagnóstico psicodinâmico
• D.C.-0-3R (DC 0-5).

ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA

Tópicos de análise da entrevista


• Investimento do bebé/criança, pelos pais;
• Papel da criança no funcionamento mental dos pais;
• Ligação do problema atual com a história pessoal dos pais;
• Personalidade dos pais;
• Circunstâncias de vida e contexto sociofamiliar.

➢ OBSERVAÇÃO DA INTERACÇÃO
A observação de sequências interativas mãe/bebé permite:

Perceber a forma como o comportamento da mãe e do bebé se ajustam nos vários planos; o
Compreender o papel da vida fantasmática sobre os comportamentos observados.

Permite compreender o uso que a criança faz da mãe/pai, como figuras de referência e a resposta
dos pais a esses comportamentos, a diversidade das modalidades de aproximação e iniciativa que a
criança usa, a diversidade das modalidades de aproximação e iniciativa que os pais usam e as
posturas e movimentos da mãe/pai e sua adequação.

A qualidade da interação depende de vários fatores:

• Intensidade e variedade da expressão dos afetos; o Estrutura temporal das interações;


• Contingência; o Sincronia;
• Reciprocidade; o Mutualidade.

36
• A repetição e a reciprocidade são essenciais (Ex. Paradigma do still face, Tronick).

Pode ser avaliada através:

Da qualidade comportamental; o Da tonalidade afetiva;


Do envolvimento psicológico.

Tópicos de análise da Interação

• Capacidade dos pais para acalmar a criança;


• Capacidade para introduzir interdições adequadas à idade da criança;
• Capacidade da criança em lidar com a frustração;
• Discurso livre dos pais em relação com as manifestações da criança (conteúdo, qualidade
afetiva e adequação);
• Impacto afetivo no observador, durante a consulta.

Observação da Criança

• Formas de lidar com uma situação nova e estranha (inibição; negativismo, excessivo de à
vontade);
• Capacidade de estabelecer relações diferentes, conforme as diferentes pessoas e situações;
• Capacidade e interesse na exploração do meio ambiente;
• Tipo e função do jogo (imitação, funcional, simbólico, repetitivo);
• Balanço prazer/desprazer, durante as atividades, (modo predominante de expressão dos
afetos, variedade e adequação);
• Respostas e atitudes relacionadas com o estado emocional dos pais, (alterações do
comportamento de acordo com o conteúdo do discurso dos pais);
• Linguagem e interesse pela comunicação verbal;
• Modalidades de integração e processamento dos estímulos sensoriais:
 limiar de reatividade aos estímulos;
 condições de estimulação que desencadeiam comportamentos desorganizados ou retirada;

37
• Capacidade de planeamento motor, grau de maturidade e integração da atividade
psicomotora;
• Comportamento e reação à separação;
• Nível de desenvolvimento:
• Psicomotor;
• Linguagem;
• Jogo;
• Apetência para a comunicação social;
• Comportamento com os objetos;
• Reação à separação e ao reencontro;
• Sintomas:

Significado no funcionamento mental do bebé/criança, em função da fase do desenvolvimento.

➢ AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO - O processo de avaliação

Finalidade:
➢ Fornecer informação clínica sobre:
• O nível das competências do desenvolvimento;
• A forma como a criança lida com objetos e pessoas novas;
• O nível de maturação e curiosidade;
• A forma de lidar com a frustração;
• A adaptação aos desafios sociais.

➢ Fornecer informação importante sobre:


• Capacidades regulatórias;
• Tolerância à frustração;
• Controlo dos impulsos;
• Comportamentos particulares.

Pretende-se obter a compreensão do desenvolvimento e do contexto familiar e social e a


caracterização dos modelos de interação pais/criança.

38
Permite:
• Determinação do quociente geral de desenvolvimento;
• Análise qualitativa e quantitativa dos resultados;
• Análise dos perfis de desenvolvimento.

Diagnóstico psicológico
• Diagnóstico diferencial;
• Avaliação do prognóstico;
• Escolha da intervenção terapêutica;
• Avaliação da intervenção.

Permite abordar com os pais as expectativas normais para o desenvolvimento infantil e dá


informação sobre as expectativas e capacidade dos pais para oferecer estrutura e segurança.
Favorece a orientação para a estimulação adequada à idade, nível de desenvolvimento e
características individuais. Fornece informação para a compreensão etiológica dos sintomas e para
o prognóstico. Contribui para a tomada de decisões clínicas e planeamento do tratamento.

Permite avaliar:
• Identidade pessoal e competência social;
• Comunicação e linguagem (linguagem recetiva, expressiva e articulação);
• Desenvolvimento motor (motricidade fina e coordenação olho-mão, controlo motor e
locomoção);
• Resolução cognitiva de problemas;
• Adaptação e autonomia.

Para os pais:
• Informação e orientação para a promoção do desenvolvimento;
• Valor potencialmente terapêutico da aliança estabelecida com o psicólogo;
• A avaliação do desenvolvimento pode constituir uma verdadeira intervenção para aumentar
o envolvimento maternal e a capacidade de resposta parental.

39
O que não fornece:
• Medida estável e imutável do desenvolvimento;
• Os resultados são descritivos, não preditivos do desenvolvimento a longo termo;
• A avaliação de desenvolvimento dos bebés descreve o neuro-desenvolvimento e as
capacidades regulatórias individuais.

Escalas De Desenvolvimento Psicomotor

➢ Gesell Developmental Schedules - Primeira escala de avaliação sistemática do desenvolvimento-


Anos 40, E.U.A.;
➢ Brunet-Lézine - Escala de Desenvolvimento Psicomotor da Primeira Infância;
➢ Bayley’s Scales of infant Development (BSID) – Nancy Bayley E.U.A.
➢ Escalas de Desenvolvimento de Griffiths- Ruth Griffiths 1954 (0-2); 1970 (0-8);
➢ Schedule of Growing Skills (SGS) - M. Bellman, S. Lingam; A. Aukett.

Cada escala é padronizada pela aplicação a amostras numerosas e representativas de uma


determinada população. Permitem avaliar os ritmos de desenvolvimento dos bebés e crianças
pequenas (idade pré-escolar). Os itens das diferentes escalas avaliam funções sensório-motoras e
percetivas e os aspetos da compreensão e expressão da linguagem.

Os resultados serão preditivos das futuras competências cognitivas?

Todas as escalas incluem itens que representam aspetos importantes das competências
intelectuais, mas não fornecem avaliação cognitiva.

O que avaliam:
• Competências motoras;
• Desenvolvimento sensório-motor; o Linguagem;
• Competências sociais.

São importantes no diagnóstico das perturbações do desenvolvimento e dos défices sensoriais.

40
Os testes de avaliação de funções cognitivas para crianças mais velhas, valorizam:
as competências verbais; o funcionamento cognitivo; o pensamento abstrato.

A correlação entre os resultados nas escalas de avaliação do desenvolvimento e o resultado de


avaliações posteriores não é significativa. Até aos dois anos, os valores não são preditivos; a partir
dos 2 anos, em geral são preditivos para valores médios e perfis relativamente homogéneos.

QD e QI não são equivalentes.

❑ SGS II - Escala de Avaliação das Competências no Desenvolvimento Infantil

• Autores: M. Bellman, S. Lingam; A. Aukett


• Base teórica: Mary Sheridan;
• Escala de rastreio, não de diagnóstico;
• Pode ser utilizada por todos os profissionais ligados à promoção da saúde infantil (médicos,
enfermeiros, psicólogos);
• Características:
Permite identificar o nível de desenvolvimento em nove áreas de competências em crianças
dos 0 aos 5 anos.
• A folha de registo pode ser utilizada em quatro momentos diferentes de aplicação;
• Os resultados são apresentados em perfil;
• Pode ser determinado um resultado de competências cognitivas a partir de itens
selecionados;
• Aplicação rápida: 20/30 minutos; pode ser repetida com intervalos pequenos.

ESCALAS:
• Controlo postural passivo
• Controlo postural ativo;
• Competências locomotoras;
• Competências manipulativas;
• Competências visuais;
• Competências na audição e linguagem;

41
• Competências na fala e linguagem;
• Competências na interação social;
• Competências na autonomia pessoal

❑ Escala de Desenvolvimento Infantil de Bayley

• Autor: Nancy Bayley


• Dos 0 aos 30 meses.

3 Escalas independentes:
• Mental
• Motora;
• Registo do comportamento.

Permite obter:
• Idade de Desenvolvimento
• Index de Desenvolvimento Mental
• Index de Desenvolvimento Motor;

Os resultados não são apresentados em perfil.

Características:
• Material variado, aplicação longa e difícil;
• Não é possível a aplicação depois dos 36 meses, não permitindo reavaliações posteriores;
• A escala de Bayley é muito utilizada em estudos de investigação com populações infantis até
aos dois anos;
• Pode ser aplicada apenas uma das formas, mental ou motora.

❑ Escalas de Desenvolvimento de Griffiths

• Escala de Desenvolvimento que avalia as tendências do desenvolvimento de bebés e


crianças até aos 8 anos de idade (Ruth Griffiths 1954, 1970, 1996, 2006);

42
• Dois níveis:
1. Do nascimento aos 2 anos;
2. Dos 2 aos 8 anos. Compreende 6 Subescalas:
(A) Locomotora;
(B) Pessoal social;
(C) Audição e linguagem;
(D) Coordenação olho mão;
(E) Realização;
(F) Raciocínio prático.

A – Locomotora
✓ Avalia a motricidade global, incluindo equilíbrio, coordenação e controlo dos movimentos;
✓ Deve ser observado o modo como a criança executa a atividade;
✓ Muitos itens exigem demonstração D(o); todos tem 2 tentativas (Tx2); alguns não são
possíveis de observar diretamente;
✓ Os resultados são sensíveis aos comportamentos de oposição, inibição e desorganização do
comportamento;
✓ Importante na avaliação do planeamento motor.

B–Pessoal-social
✓ Avalia competências na realização de atividades da vida diária, incluindo
autonomia/dependência;
✓ Avalia a capacidade de interagir com outras crianças;
✓ Alguns itens fazem apelo à linguagem (nome, idade, sexo);
✓ Alguns itens são cotados com base na informação dos pais, devendo sempre que possível
ser observados diretamente;
✓ Os resultados nesta escala são muito influenciados pelas práticas educativas familiares;
✓ Os resultados são importantes para o diagnóstico diferencial das perturbações
psicopatológicas;
✓ A cotação é também influenciada pela subjetividade do observador.

C – Audição-fala

43
✓ Avalia a linguagem, compreensão e expressão linguísticas;
✓ É insuficiente para o diagnóstico das perturbações específicas da linguagem;
✓ É importante no diagnóstico diferencial das perturbações psicopatológicas;
✓ Tem correlação baixa com as provas verbais das escalas de Wechsler;
✓ Pouco sensível aos domínios mais subtis do domínio linguístico;
✓ Pouco sensível à capacidade combinatória e à produção de enunciados complexos;
✓ Não dá informação sobre organização da linguagem narrativa que deverá sempre ser
explorada, acessoriamente.

D – Coordenação olho-mão
✓ Avalia a motricidade fina, destreza manual, capacidades visuo-percetivas;
✓ Permite observar a persistência e organização das atividades;
✓ A preferência manual;
✓ A preensão;
✓ É prejudicada pela instabilidade;
✓ É muito influenciada pela experiência anterior da criança nos seus contextos de vida

(utilização de lápis, tesoura, …).

E – Realização
✓ Competências de manipulação, rapidez de execução e precisão;
✓ Implica a perceção visuo-espacial;
✓ Importante no diagnóstico diferencial;

F – Raciocínio prático
✓ Capacidade para resolver problemas práticos, responder a questões, e ordenar sequências;
✓ Compreensão de conceitos matemáticos básicos.

Estudos/Investigação

Não encontramos na literatura estudos com populações clínicas da área da saúde mental. Tanto a
autora, Ruth Griffiths, como estudos posteriores, apenas fazem referência aos perfis de crianças

44
com alterações e/ou atrasos do desenvolvimento, défices sensoriais e síndromes orgânicos. Esta
escala é muito pouco utilizada na investigação.

❑ Escalas de Desenvolvimento de Griffiths – Revisão 2016

• Association for Research in Infant and Child Development (A.R.I.C.D.)


• Esta revisão foi apresentada em Inglaterra em 2016;
• Alterações mais importantes:
• Deixa de haver separação entre as duas escalas (0-2 e 2-8);
• A faixa etária foi reduzida: 1º mês de vida até aos 5 anos e 11 meses (71 meses);
• Foram introduzidos novos itens e retirados alguns considerados pouco discriminativos;
• Reorganizaram-se os itens pelas subescalas.

Compreende 5 Subescalas:

A / Fundamentos da aprendizagem;
B/ Linguagem e comunicação;
C/ Coordenação olho-mão;

• O número de itens foi reduzido e os materiais foram modernizados.


2006 2016

A Locomotora E Motricidade Global

B Pessoal-Social D Pessoal– social-emocional

C Linguagem B Linguagem e comunicação

D Coordenação Olho-Mão C Coordenação Olho -Mão

E Realização A Fundamentos da Aprendizagem

F Raciocínio pratico

45
Escala A - Fundamentos da Aprendizagem

Avalia:
✓ Capacidade de aprendizagem;
✓ Rapidez de processamento;
✓ Memória;
✓ Atenção;
✓ Funções executivas;
✓ Conceitos;
Atividades lúdica e imaginativa.

Escala B - Linguagem e comunicação


✓ Atenção, escuta;
✓ Intenção comunicativa;
✓ Linguagem expressiva e recetiva;
✓ Raciocínio verbal;
✓ Memória Verbal;

• Maior foco nas competências pré verbais e interativas;


• Atualização das imagens e do vocabulário.

Escala C - Coordenação olho-mão


✓ Preensão;
✓ Coordenação bilateral;
✓ Controlo grafo motor;
✓ Planeamento motor;
✓ Rapidez;
✓ Força;
✓ Sensibilidade táctil;

• Foi reestruturada, tornando-a mais contemporânea e apelativa;

46
• Menos ênfase nas habilidades grafo motoras, mais sensíveis às diferenças culturais e de
género.

Escala D - Pessoal-social-emocional

• Pessoal:
 Autonomia;
 Autoconceito;

• Socio-emocional:
 Vinculação;
 Regulação;
 Interação social;
 Atenção conjunta;
 Compreensão e expressão emocional;
 Cognição social;
 Teoria da mente;
 Juízo moral;
 Empatia.

Nota: A teoria da mente, enquanto marco do desenvolvimento sociocognitivo normativo


emergente em idade pré-escolar, define-se como a capacidade para compreender e atribuir
estados mentais – desejos, cognições, crenças e emoções – a si e aos outros, o que, por seu turno,
permite a previsão e interpretação do comportamento dos outros. Empatia.

Escala E - Motricidade Global


✓ Controlo postural;
✓ Equilíbrio;
✓ Coordenação global;
✓ Coordenação visuo-espacial;
✓ Força;
✓ Planeamento Motor.

47
CLASSIFICAÇÃO DIAGNÓSTICA NA PRIMEIRA INFÂNCIA E IDADE PRÉ ESCOLAR: DC 0-3R, DC 0-5

Processo de Diagnóstico

• Na prática clínica o processo de diagnóstico é contínuo;


• Não se deve fazer um diagnóstico com base na avaliação de sintomas;
• É importante recolher informação ao longo do tempo, de forma a compreender os múltiplos
aspetos do problema e/ou perturbação;
• Devem ser valorizadas as variações na adaptação e no desenvolvimento que se manifestam em
diferentes ocasiões e em diferentes contextos.

O processo de diagnóstico consiste em dois aspetos:

1. Avaliação da criança;
2. Classificação das perturbações;
• Classificam-se perturbações e não indivíduos;
• A avaliação precede necessariamente a classificação;
• O diagnóstico clínico envolve pôr em conjunto as múltiplas observações e fontes de informação
sobre a criança dentro de um esquema geral de diagnóstico;
• Serve também como guia para a intervenção terapêutica.

Diagnóstico: DC:0-3R: Diagnostic Classification of Mental Health and Developmental Disorders of


Infancy and Early Childhood

Pretende complementar outras classificações diagnósticas de Saúde Mental e perturbações da


infância precoce;

• Responde à falha do sistema DSM para incluir:


• Cobertura suficiente das síndromes da infância precoce;
• Consideração dos aspetos do desenvolvimento das perturbações precoces;

48
• A DC:0-3R tem sido usada para a classificação das perturbações nos primeiros 4 anos, confirmando
a sua utilidade nas idades pré-escolares.

✓ EIXO I – DIAGNÓSTICO PRINCIPAL


✓ EIXO II – PERTURBAÇÃO RELACIONAL
✓ EIXO III – SITUAÇÕES MÉDICAS E DO DESENVOLVIMENTO
✓ EIXO IV – STRESSORES PSICOSSOCIAIS
✓ EIXO V – NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL FUNCIONAL

EIXO I
100 - Perturbação de stress pós-traumático
150 - Perturbação de negligência/maus tratos
200 - Perturbação do afeto
210 - Perda prolongada/reação de luto
220 - Perturbação de ansiedade
221 - Perturbação ansiedade de separação
222 - Fóbica específica
223 - Perturbação de ansiedade social
224 - Perturbação de ansiedade generalizada
225 – Perturbação de ansiedade NOS
230 - Depressão da primeira infância e infância precoce Tipo I - Depressão Major

Tipo II - Perturbação depressiva NOS


240 - Perturbação Mista da expressividade emocional
300 - Perturbação de Adaptação
400 - Perturbação da Regulação do Processamento Sensorial
410 - Hipersensível
411 - Tipo A - Receoso/cauteloso
412 - Tipo B - Desafiador/negativista
420 - Hipos sensível
430 - Procura de estimulação sensorial/impulsiva
500 - Perturbação do Comportamento do Sono

49
510 - Perturbação do adormecer
520 - Perturbação do acordar durante a noite
600 - Perturbação do Comportamento Alimentar
601 - Perturbação da regulação
602 - Perturbação da reciprocidade mãe/bebé
603 - Anorexia infantil
604 - Seletividade alimentar (aversão sensorial)
605 - Perturbação Alimentar associada a problemas médicos
606 - Perturbação Associada a problemas gastrointestinais
700 - Perturbação da Relação e da Comunicação
710 - Perturbação Multissistémica do desenvolvimento (MSDD)
800 - Outras perturbações (DSM-TR ou ICD 10)

EIXO II
Deve ser usada quando a perturbação relacional for significativa, independentemente da existência
ou não de sintomas na criança.

Para cada categoria são avaliados os 3 aspetos:


✓ Comportamento;
✓ Tonalidade afetiva;
✓ Envolvimento emocional (significado do comportamento do bebé para os pais).

• A avaliação da qualidade comportamental de cada elemento da díade é considerada o


elemento mais significativo para o diagnóstico de perturbação relacional.

1. EXCESSIVAMENTE ENVOLVIDA
Caracterizada por marcada proximidade física ou psíquica pais / criança, interferindo nas atividades
da criança apropriadas à idade.

2. POUCO ENVOLVIDA
Interações esporádicas ou pouco frequentes, traduzindo-se por uma diminuição do interesse
pais/criança ou má qualidade de cuidados.

50
3. ANSIOSA / TENSA
Interações tensas, pouco variadas, num clima de pouco prazer, pouca mutualidade e tensão.

4. ZANGADA (IRRITADA) / HOSTIL


Caracterizada por interações pais / bebé abruptas e rudes, sem reciprocidade emocional.

5. ABUSIVA: VERBAL, FÍSICA, SEXUAL


O aparecimento deste diagnóstico implica um diagnóstico no EIXO I e este diagnóstico relacional
tem precedência sobre os outros diagnósticos do EIXO II.

Verbal: conteúdo emocional abusivo grave e controlo excessivo;


Físico: maus tratos físicos;
Sexual: desrespeito pelos limites corporais da criança e intrusão sexual.

EIXO III - PERTURBAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO E/OU DOENÇAS MÉDICAS Doenças médicas ou


neurológicas. Condições de saúde física; Atrasos gerais ou específicos do desenvolvimento.

EIXO IV - RISCO PSICOSSOCIAL


Identifica a gravidade e a origem psicossocial dos riscos:
Avalia a duração (aguda, crónica);
Avalia o impacto geral (ligeiro, moderado, severo).

EIXO V - AVALIAÇÃO DA QUALIDADE INTERACTIVA E DE JOGO DA CRIANÇA

Diagnóstico DC:0-5 vs DC: 0-3:


✓ Extensão até aos cinco anos;

✓ Inclusão da Perturbação do espectro do autismo e Perturbação de hiperatividade com défice de


atenção (PHDA);
✓ Inclusão de critérios de limitação de idade e duração;
✓ Inclusão de um texto que descreve os aspetos clínicos da perturbação;

51
✓ Avaliação, para cada perturbação, dos critérios sofrimento e compromisso funcional.

Eixo I Perturbações Clínicas

PERTURBAÇÕES DO NEURO DESENVOLVIMENTO


• Perturbação do espectro do Autismo;
• Perturbação do espectro do Autismo Atípico Precoce;
• Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção;
• Perturbação de Atividade excessiva da criança pequena;
• Atraso global do Desenvolvimento;
• Perturbação do desenvolvimento da Linguagem;
• Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação;
• Outras Perturbações do Neuro desenvolvimento.

PERTURBAÇÕES DO PROCESSAMENTO SENSORIAL


• Perturbação de Hiper-reactividade /Hiper-responsividade sensorial;
• Perturbação de Hipo reatividade/Hipo-responsividade sensorial;
• Outras perturbações do processamento sensorial.

PERTURBAÇÕES DE ANSIEDADE
• Perturbação de ansiedade de Separação;
• Perturbação de Ansiedade Social (Fobia Social);
• Perturbação de Ansiedade generalizada;
• Mutismo seletivo;
• Perturbação e inibição à novidade;
• Outras perturbações de Ansiedade da Primeira Infância.

PERTURBAÇÕES DO HUMOR
• Perturbação depressiva da primeira Infância;
• Perturbação da desregulação da Raiva e agressão da 1ª infância;
• Outras Perturbações Do Humor.

52
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA E RELACIONADAS
• Perturbação Obsessivo-compulsiva;
• Perturbação de Tourette;
• Perturbação de tiques Motores ou vocais;
• Tricotilomania;
• Perturbação de Escoriação “skin picking”;

Outras Perturbações Obsessivo-Compulsivas.

PERTURBAÇÕES DO SONO, ALIMENTAÇÃO E CHORO

• Perturbações do sono
• Perturbação de Insónia inicial;
• Perturbação de Despertares noturnos;
• Perturbação de Micro despertares noturnos;
• Perturbação de Pesadelos da Primeira Infância;

• Perturbações alimentares da Primeira Infância


• Perturbação da ingestão alimentar excessiva;
• Perturbação da Ingestão alimentar reduzida;
• Perturbação de alimentação atípica;

• Perturbação do Choro da primeira Infância


• Perturbação do choro excessivo;
• Outras perturbações do sono, alimentares ou do choro.

PERTURBAÇÕES DE PRIVAÇÃO, STRESS E TRAUMA


• Perturbação de stress pós-traumático;
• Perturbação de adaptação;
• Perturbação de Luto;
• Perturbação reativa da vinculação;
• Perturbação de envolvimento social desinibido;

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Outras Perturbações e Privação Stress e Trauma da Primeira Infância.

PERTURBAÇÕES DA RELAÇÃO
❑ Perturbação Específica da Relação da 1ª Infância.

Eixos II a V

Eixo II Contexto Relacional

• Inclui duas partes:


✓ Classificação do nível de adaptação da relação com o cuidador principal;
✓ Classificação do nível de adaptação ao ambiente de cuidados (rede relacional familiar principal).

Eixo III Condições médicas Eixo IV Stressores psicossociais

Eixo V Descreve competências de desenvolvimento

✓ Domínios emocional, social-relacional, linguagem e comunicação social, cognitivo e motricidade;


✓ Tabela de “marcos do desenvolvimento” e classificação de competências.

MODELOS DE OBSERVAÇÃO E DIAGNÓSTICO NA IDADE PRÉ-ESCOLAR

❑ O Jogo

• Brincar é a atividade mais natural e espontânea das crianças, particularmente nos anos pré-
escolares;
• O jogo simbólico, com a sua função lúdica essencial, permite expressar desejos, conflitos e medos
de origem consciente e inconsciente;
• Através do jogo, a angústia transforma-se em prazer, o que lhe confere em contexto clínico uma
importante dimensão terapêutica;
• O jogo é um excelente meio de observação, permitindo o acesso direto à vida emocional da criança;

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• A observação do jogo é uma forma privilegiada de interpretação dos conflitos internos e da
dinâmica afetiva e emocional da criança;
• Tem um importante papel ao nível do diagnóstico e da intervenção terapêutica. Winnicott: Jogo
como espaço potencial entre a mãe e o bebé;
• Objeto transitivo:
✓ Valor simbólico de união com o objeto materno;
✓ Defesa face à angústia de separação;
✓ Intermediário para a identificação do real;
✓ Possibilita também a projeção da ambivalência;
✓ Primeira manifestação da capacidade para simbolizar;

• No plano clínico, jogar pode constituir uma intervenção terapêutica (técnica do squiggle p.e.). M.
Klein: Introduz o método de psicanálise de crianças pela técnica do jogo;
• “No jogo a criança traduz para um modo simbólico os seus fantasmas, os seus desejos, as suas
experiências vividas”;
• Descobriu que a criança exprime pelo jogo e pelo comportamento aquilo que o adulto apenas
comunica pela palavra
• A criança que brinca faz poucas seleções voluntárias, ao contrário do adulto com os seus
pensamentos;
• A representação simbólica do jogo permite-lhe distanciar-se dos seus conflitos e angústias.

A. Freud: Organização da capacidade de jogar;


• Linha de desenvolvimento “Do corpo ao brinquedo e do jogo ao trabalho”;
• O jogo começa sob a forma de jogo erótico com o corpo (corpo próprio, corpo da mãe);
• As propriedades do corpo são transferidas para um objeto (objeto transitivo), suporte da
ambivalência;
• Brinquedos que possibilitam atividades do tipo esvaziar/encher; abrir/fechar, sujar;
• Brinquedos com movimento, prazer ao nível da motricidade;
• Brinquedos de construção, facilitando a expressão de ambivalência (construir/destruir);
• Brinquedos que possibilitam a expressão da bissexualidade psíquica, encenação da problemática
edipiana;

55
• Prazer associado ao cumprimento de tarefas implica mecanismos de imitação, identificação e
interiorização de experiências positivas;
• A aptidão para o jogo transforma-se por fim em aptidão para o trabalho;

• Importância dos jogos de regras no processo de socialização.

“O espaço de encontro entre a criança e o terapeuta necessita de uma área de jogo, de ilusão, de
criação. Espaço mediador entre o interior e o exterior, a realidade e a fantasia”. Teresa Ferreira

Material de suporte à observação

❑ Pequenas figuras humanas: diferentes gerações e sexo;


❑ Elementos de madeira coloridos (elementos de construção) de cores vivas e de variadas de forma
geométrica;
❑ Peças figurativas de madeira: árvores, cercas;
❑ Carros formas variadas: polícia, bombeiro, comboio;
❑ Animais: domésticos, selvagens.

Simbolismo dos materiais:

❑ Personagens: Imagens parentais e fraternas, meio social;


❑ Animais: Substitutos das imagens parentais ou de si próprios, com simbolismos diversos:
agressividade, conforto;
❑ Árvores: Elementos neutros, por vezes simbólicos; representam, em algumas situações, um aspeto
protetor, defensivo de uma cena que delimitam no espaço;
❑ Comboio, carros: Elementos neutros ou simbólicos;
❑ Blocos: Elementos neutros, podem delimitar espaços;
❑ Outros objetos: A maior parte das vezes neutros, mas por vezes simbólicos;

O que é significativo é a combinação dos diferentes elementos. Importa a forma como são isolados
ou articulados. O mais importante é o sentido que a criança lhes atribui e as manifestações afetivas

56
que acompanham o jogo. O desinteresse pelo material e pelo jogo podem sinalizar uma dificuldade
permanente ou transitória. A excitação e desorganização pode também sugerir perturbação.

❑ O Desenho

M.Klein

• O desenho como expressão de uma atividade inconsciente e como expressão de um gesto mágico
reparador;
• Desenho como processo de simbolização: O simbolismo é a base da fantasia.

Avalia-se em vários planos:

✓ Expressão: forma de comunicação, valor expressivo do grafismo;


✓ Valor narrativo: revela a problemática real e imaginária;
✓ Valor projetivo: interpretado no quadro da relação;
• Permite a investigação dos fatores afetivos;
• Facilita a projeção da criança.
• O artista contemporâneo voltou-se para formas expressivas desestruturadas, em oposição à arte
tradicional figurativa: o happening, a pintura gestual, aproximam-se do universo infantil;
• O interesse pelo desenho infantil inscreve-se nessa procura de uma expressão espontânea e
originária (primitivos, arte bruta, produção de doentes mentais);
• Esta transformação permitiu a descoberta do universo gráfico e plástico da criança ;
• Analogias formais, cromáticas e expressivas entre a expressão plástica da criança, o naif e a arte
moderna.

Valor diagnóstico

• Permite a análise de fatores intelectuais e instrumentais;


• É importante para a análise dos fatores emocionais;
• No desenho a criança representa espontaneamente:
✓ os seus centros de interesse;

57
✓ o seu simbolismo corporal;
✓ as suas relações familiares;
• É uma representação individual da realidade, um meio de expressão, uma linguagem .

FASES EVOLUTIVAS SEGUNDO LUQUET (1927)

1. Realismo fortuito (2 anos) - Não há intenção representativa. Atribuição de significado à posteriori;


2. Realismo fracassado (3/4 anos) - Tentativa de reprodução de formas;
3. Realismo intelectual (4/12) - A criança tenta desenhar não aquilo que vê, mas aquilo que sabe
(i.e., Transparência);

• A perspetiva de Luquet subordina a evolução do desenho à noção de realismo; é, por isso, limitada.

Evolução Gráfica da Criança

1. Da garatuja à pré-escrita

A partir dos 18 meses até aos 3 anos – traçados instintivos, movimentando o corpo todo.

o Ao prazer do gesto associa-se o prazer da inscrição;


o O gesto traduz um investimento pulsional (i.e., agressividade);
o A garatuja revela as potencialidades expressivas da personalidade; o Por volta dos 3 anos
começa a imitar a escrita dos adultos.

2. Fase pré-figurativa

Primeiras formas esquemáticas – o círculo e a cruz, os dois sinais mais simples de fazer tanto por
crianças como por adultos.
o Associados, evocam a forma do girino ou cabeçudo;
o A criança associa a forma arredondada a segmentos de reta para representar simbolicamente
pessoas, animais, objetos.

58
3. O “girino” ou “cabeçudo”

o Ao representar a figura humana, aos 4/5 anos, a criança ainda não distingue a cabeça do tronco;
o Só quando surgem mais tarde outras formas diferenciadas, triângulos, quadrados e retângulos, é
que o círculo passa a representar formas redondas.

4. Ideografismo

O desenho infantil é essencialmente ideográfico.

o Os esquemas de representação infantil correspondem a ideias ou noções que fazem parte do seu
vocabulário figurativo (a ideia de pessoa, de casa, de árvore);
o Desenhar permite também descarregar tensões internas e conflitos.

O Desenho da Figura Humana

Dá conta da representação mental que a criança tem de si própria e do seu esquema corporal.

Aspetos evolutivos:

3 anos: cabeçudo

3/4 anos: Aparecem progressivamente alguns detalhes:


✓ a cabeça com braços e pernas;
✓ depois os olhos;
✓ os pés desenhados em direções opostas.

5 anos:
✓ começa a desenhar o tronco com botões, eventualmente outros detalhes de vestuário;

6 anos:
✓ início das indicações de dinamismo, por ex. movimento dos braços ou pernas;

59
6 anos ½:
✓ aparecimento do perfil;
✓ as indicações de dinamismo aumentam.

Tópicos de análise:

❑ Impulsividade: traço mal controlado, ausência de proporção, pouco cuidado no desenho;


❑ Ansiedade: Traço sombreado, enegrecido, conteúdo de personagens ou objetos assustadores e/ou
agressivos;
❑ Dificuldades relacionais: Recusa do desenho, desproporção de elementos do desenho.
❑ Traços fóbicos/depressivos:
tamanho reduzido do desenho;
realização no canto da página;
traço leve;
ausência de dinamismo;
conteúdos pobres por vezes muito regressivos.

❑ Traços Histéricos:

valorização de detalhes narcísicos: das caras, roupas, encenações;


sexualização simbólica de elementos neutros.

❑ Traços Obsessivos:

minúcia, rigor do traçado, detalhes numerosos;

tentativa de integração e controle pelo preenchimento;


estruturação nítida dos contornos;
elementos duplicados, por vezes simétricos;

o sobre investimento da parte superior do corpo, sugerindo dificuldades de identificação sexual.

60
❑ Traços psicóticos:

o Empobrecimento do desenho ou pelo contrário sobreposições, em particular de atributos sexuais


ou dos seus símbolos;
o Bizarrias importantes de aspeto fantástico ou desorganizado ou pelo contrário, grande qualidade
estética dos desenhos;
o Processos de desvitalização, tendência para desenhar figuras geométricas ou objetos.

O Desenho Temático – Desenho da Família Imaginária (L. Corman)

A instrução consiste em pedir à criança que desenhe não a própria família, mas ”uma família
inventada por si”. Esta instrução favorece a liberdade de projeção e permite uma melhor análise da
personalidade. Convida à projeção dos conflitos relacionais. A proporção relativa das personagens e
a sua localização devem ser avaliados em termos projetivos, mas também genéticos.

O desenho depois de acabado deve ser comentado pela criança. É-lhe pedido que caracterize cada
personagem da família imaginária, na sua individualidade e na relação com os outros. Procura-se
saber com qual das personagens se identifica.

➢ PROVAS GRÁFICAS DE ANÁLISE INSTRUMENTAL

FACTORES GRAFO –PERCEPTIVOS

➢ Etapas genéticas:

• 18 meses - Rabisco;
• 2 anos - Imitação de linhas verticais;
• 2 anos ½ - Imitação de linhas horizontais e verticais paralelas;
• 3 anos - Espirais, círculo;
• 3 anos ½ - Imitação de oblíquas, cruz;
• 4 anos - Quadrado, figuras fechadas;

61
5 anos – Triangulo;
6 anos – Losango.

❑ BABY BENDER - ADAPTAÇÃO PARA CRIANÇAS DOS 4 AOS 6 ANOS

Teste motor de estruturação visual de Bender, adaptações de Santucci e colaboradores.


Constituída por nove modelos simples a copiar. Cotação por comparação com modelos de exemplo;

❑ FIGURA COMPLEXA DE REY- OSTERRIETH

Nestas idades, utiliza-se a Forma B, mais simples e que se destina ao exame de crianças entre os 4 e
os 7 anos.

➢ AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES COGNITIVAS: Escalas de Wechsler - WPPSI R e Matrizes Coloridas

• A avaliação cognitiva, com instrumentos adaptados pode ser um excelente instrumento clínico,
desde que integrado numa abordagem mais global;
• Fornece os meios para proceder ao diagnóstico rigoroso das funções intelectuais;
• Um resultado em termos de QI não define, por si só, as dificuldades de uma criança nem as suas
competências.

Escalas de Wechsler

❑ Análise qualitativa

Para além do valor do QI total, estas escalas permitem uma análise do perfil de resultados,
discriminando quais as áreas em que a criança tem maiores ou menores dificuldades. Permitem
uma análise do funcionamento intelectual enquanto associado a outros aspetos da personalidade,
encarando a inteligência como componente desta última (Debray, 2003).

62
A comparação inter-testes para uma mesma criança, tem um importante valor diagnóstico. Existem
vários tipos análise de “scatter” ou dispersão de resultados, permitindo estabelecer

perfis individuais. O mais usado consiste em determinar as diferentes distâncias das notas dos sub-
testes, em relação à média pessoal, da criança e interpretar esses desvios pelo método dos sinais.

Nas crianças, o QI não tem grande constância.

Diferenças de 20 pontos podem ser obtidos em reavaliação. A WPPSI avalia a eficiência intelectual
e não a inteligência. Para além dos fatores intelectuais, os fatores instrumentais e afetivos
interferem nos resultados.

WPPSI (WECHSLER PRESCHOOL AND PRIMARY SCALE OF INTELLIGENCE: DOS 4 AOS 6 ANOS ½

A WPPSI, (1967), pode aplicar-se dos 4 aos 6 anos e meio. Assemelha-se à WISC em forma e
conteúdo, mas apresenta características próprias:

o Oito dos seus sub testes são derivados da WISC e três são novos: Frases, casa de animais e
desenhos geométricos;
o O sub teste Casa de animais foi incluído com a intenção de substituir o Código, contudo, não pode
ser considerado como seu equivalente.
É também constituída por duas Escalas, Verbal e Realização, com seis e cinco testes,
respetivamente:
o Verbal: Informação, Vocabulário, Aritmética, Semelhanças, Compreensão e Frases (suplementar);
o Realização: Casa de Animais, Comp. Figuras, Labirintos, Desenhos Geométricos e Cubos.

A WPPSI-R, mantém os mesmos 11 subtestes e acrescenta Puzzles, na Escala de Realização. A Casa


de animais passa a ser opcional.

A WPPSI não sendo uma extensão da WISC, mas uma nova Escala, incluí alguns dos seus subtestes o
que permite estudos longitudinais e comparativos.

63
MATRIZES PROGRESSIVAS DE RAVEN COLORIDAS (CPM)

Medem a capacidade de dedução de relações dos sujeitos. Esta capacidade é considerada como
uma das principais componentes da inteligência geral e do fator g.

As MPC de Raven (CPM) são constituídas por 36 itens, divididos em 3 séries de 12, identificadas
como: A, AB e B. Foram concebidas para avaliar crianças e idosos e para serem utilizadas em
avaliações clínicas - idade de utilização entre os 5 e os 12 anos. O seu conteúdo é menos cultural e
apresenta menor apelo à linguagem e às aprendizagens escolares. Possibilita a análise de
estratégias de resposta.

➢ MÉTODOS PROJETIVOS

Os métodos projetivos são testes de personalidade, destinados à avaliação das condutas e conflitos
psíquicos. Em função do modelo teórico, os dados projetivos podem ser interpretados em termos
de processos, organização de personalidade ou perturbação.

PROVAS PROJETIVAS NA CLÍNICA INFANTIL

- N.R. Traubenberg

A situação de teste proposta à criança no exame psicológico combina dois movimentos, dois tipos
de atitude:

1. Testes de eficiência - Exigem adaptação a condições definidas de realidade objetiva;

2. Testes ou técnicas projetivas - Convidam à expressão livre do imaginário a partir de uma realidade
percetiva.

Qualquer produção infantil, padronizada ou livre, inscreve-se entre os polos do real e do


imaginário.

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- Monika Boekhold

Os métodos projetivos integram a perspetiva clínica centrada na dimensão relacional entre o


psicólogo a criança e a mediação oferecida pelo material dos testes. A referência à teoria
psicanalítica constitui o modelo teórico fundamental para análise dos protocolos.

As provas projetivas podem ser:

➢ Criativas, como o desenho temático;


➢ Temáticas, consistindo em organizar uma narrativa ou um jogo a partir de elementos figurativos;
➢ Estruturais, como o Rorschach, em que se trata de designar por palavras um material percetivo
ambíguo.

As provas estruturais e as provas temáticas são complementares, induzindo estímulos e modos de


adaptação específicos.

Escolha da prova temática

Nas crianças pequenas dos três aos seis anos:

o CAT - Teste de aperceção temática


o Algumas crianças são capazes de fazer a seleção dos cartões da Pata Negra. A partir dos 8
anos é comum utilizar-se o TAT.

Os marcos relativos à idade só podem ser aproximados, de acordo com as características de cada
criança.

A escolha da prova pode fazer-se em função dos objetivos da avaliação e das características do
material. O CAT e o Pata Negra comportam, no plano latente, solicitações regressivas enquanto o
TAT procura identificar o eixo edipiano e as modalidades defensivas mais elaboradas.

A organização defensiva

65
A atividade defensiva é a mais fácil de identificar nas provas temáticas.

Na criança pequena predominam as chamadas defesas primitivas, implicadas nos procedimentos


identitários:
✓ A recusa;
✓ A clivagem;
✓ A projeção;

Em princípio, estas modalidades esbatem-se com o tempo. Os mesmos mecanismos, conforme os


contextos, podem ser estruturantes ou desestruturantes.

É no período de latência que se devem instalar as modalidades defensivas mais elaboradas,


resultantes da interiorização dos conflitos:

O recalcamento;
O isolamento;
A formação reativa.

A riqueza do pensamento da criança, reside:


➢ Na capacidade de usar registos diferentes;
➢ Apelando simultaneamente para:

o fantasma e para o controlo


o corpo e para o pensamento
o afeto e para a relação.

PATA NEGRA (PN) – LOUIS CORMAN

66
Tem como base a história de um único animal e da sua família. Implica um processo narrativo a
partir das imagens, sendo nessa medida comparável ao CAT e TAT. Diferencia-se pela forma de
aplicação: As imagens não são apresentadas numa ordem determinada, é a criança que seleciona
os cartões.

É destinado a crianças dos 4 aos 10 anos, com maior eficácia a partir dos 6 anos.

Permite investigar:
✓ Eixo identidade-identificação (capacidade de individuação);
✓ Escolhas objetais;
✓ Narcisismo (imagem de si, do corpo).

Material:
Além do “frontispício” que apresenta o PN e a sua família e “fada” que concluí a prova, o PN
é composto por 17 desenhos designados por um título. O material é totalmente figurativo, sem
zonas de sombra nem imprecisão.

Várias fases de aplicação (L. Corman):

✓ Dizer o que representa para si a primeira prancha(frontispício); um inquérito imediato permite


precisar a idade, o sexo e o grau de parentesco das personagens;
✓ Escolha das pranchas das quais vai contar a história;
✓ De novo com todas as pranchas, deve escolher aquelas de que gosta mais e as de que gosta menos;
✓ Prancha da fada, deve exprimir os três principais desejos do pata negra.

Temas:
✓ Os temas centram-se nas noções de desejo, frustração/castração, agressividade,
culpabilidade/punição;
✓ É uma prova reveladora dos conflitos da primeira infância, particularmente das perturbações
relativas à fratria real e imaginária;
✓ Numa perspetiva dinâmica a liberdade de escolha permite uma interpretação rica da sucessão de
temas.

67
Análise:
o O conteúdo manifesto;
o O conteúdo latente: temas.

Conflitos em relação com:


o Fundamentos da identidade;
o Elaboração da posição depressiva; o Estabelecimento do eixo edipiano.

Limitações:
• A administração e interpretação são longas, mais longas que o CAT;
• Várias pranchas induzem de forma demasiado direta temas regressivos cuja interpretação pode ser
errada.

CAT - “CHILDREN’S APPERCEPTION TEST”

A sua construção inspirou-se no TAT. O CAT, é constituído por 10 pranchas, representando cenas de
animais em situações humanas. Destina-se preferencialmente a crianças entre os 3 e os 10 anos.
Implica capacidade de elaborar uma narrativa (normalmente apenas a partir dos 5/6 anos).

❑ Remete para conflitos de base (conteúdo latente);


❑ Relação da criança com o mundo externo (figuras significativas);
❑ Relação com o mundo interno (impulsos e fantasias).

O suporte percetivo representa:

✓ Cenas mais ou menos estruturadas com personagens animais cuja identidade sexual por vezes não
é evidente;
✓ Reativa situações relacionais cujo modelo é geralmente edipiano;
✓ Algumas situações prestam-se à projeção de relações pré-genitais;
✓ Facilita os processos de simbolização e projeção.

68
L. Bellak

Pressupostos para a utilização de figuras animais:


✓ As crianças identificam-se mais facilmente com personagens animais;
✓ Projetam mais facilmente nelas necessidades e impulsos;
✓ O personagem animal constitui uma figura mais ambígua em termos de sexo e idade;
✓ A natureza mais primitiva do animal permite a projeção de sentimentos e impulsos sentidos
como negativos pela criança.

• No período da latência apela à regressão;


• Permite uma boa abordagem dos conflitos e da adaptabilidade relacional e social da criança;
• Numa perspetiva psicodinâmica dá informação sobre:
o a sucessão e grau de eficácia dos mecanismos utilizados em cada prancha; o a oscilação
eventual das problemáticas e das defesas;
• A interpretação implica um bom conhecimento da teoria psicanalítica.

Referências para a interpretação (Shentoub e Debray, M. Boekholt, C.Chabert, M.


Haworth):

1.Relação mãe/criança, numa situação de conflito oral.


o Remete para a imago materna ao nível da oralidade;
o As respostas estão relacionadas com as representações de gratificação ou frustração;
o Coloca ainda a questão da rivalidade fraterna.

2. Triangulo edipiano, Identificação.


o Contexto libidinal e/ou agressivo do casal e da interação;
o Escolha identificatória.

3.Autoridade, poder fálico, castração.


o Relacionada com a imago paterna;
o Pode ser associada à figura materna ou com personagem não diferenciada;
o Os atributos de poder podem ser valorizados ou desvalorizados.

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4. Relação mãe/criança.
o Relação mãe/criança numa situação de rivalidade fraterna;
o Fantasma de gravidez;
o Remete para a imago materna;
o Os atributos diferenciados dos personagens facilitam a projeção;
o Os conflitos autonomia/dependência podem ser colocados pelas personagens infantis.

5. Cena primitiva com referência a uma situação real.


o Abordagem libidinal do casal parental;
o Coloca as questões da curiosidade sexual e dos jogos sexuais;
o Fantasma da cena primitiva.

6. Cena primitiva com referência a uma situação imaginária .


o Curiosidade sexual;
o Situa-se no registo edipiano;
o Remete ainda para temas de masturbação.

7. Modo de organização face à agressividade.


o Remete para a representação da agressividade (devoração, castração);
o Relação de desigualdade, ativo/passivo;
o A agressividade pode assumir contornos de destrutividade com indistinção sujeito/objeto.

8. Assimilação das proibições parentais.


o Capacidade de adaptação ao grupo;
o Favorece respostas relativas à relação familiar;
o A personagem em primeiro plano remete para a imago parental, materna ou paterna;
o Remete para a culpabilidade associada à curiosidade e à transgressão nas relações
pais/filhos;
o Remete ainda para relações duais entre as personagens em planos diferentes.

9. Estar só face aos “fantasmas”, abandono, culpabilidade.

70
o Remete para a problemática do abandono e solidão;
o Medo do escuro e curiosidade sexual;
o Elaboração da posição depressiva;
o Aspetos depressivos relacionados com a exclusão do casal parental.

10. Relação sadomasoquista pais/criança.


o Evoca aspetos agressivos ou libidinais na relação pais/criança;
o Aproximação corporal ao nível da analidade;
o Remete para aspetos superegóicos relativos à transgressão e punição.

Bellak e Bellak

Tema principal: qual o tema/temas principais da história.

o Persistência ao longo das narrativas;

Herói: personagem com a qual se identifica à volta da qual se desenvolve a história.

o A forma como é descrito corresponde à imagem que a criança tem de si própria e/ou o
papel social que desempenha;
o Pode haver identificação com diferentes personagens;
o A identificação com personagens secundários é importante por representar sentimentos e
atitudes inconscientes;

Necessidades do herói: As necessidades expressas podem corresponder às da criança em termos


de realidade ou fantasia;

Figuras, objetos ou circunstâncias introduzidas: A análise de elementos introduzidos que não


existem na prancha é importante para a interpretação pelo seu significado particular; Figuras,
objetos ou circunstâncias omitidas: Fornece indicadores sobre eventuais conflitos relacionados
com a omissão;

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Conceção do mundo: Agressividade, perigo, desamparo, conforto…

Como são vistas as figuras: Qualidade da relação (simbiótica, oral-dependente,


ambivalente, …);

Conflitos significativos: Natureza dos conflitos manifestos nas histórias e mecanismos de defesa;

Natureza das ansiedades: Ansiedade ligada a desejos inconscientes e uso de mecanismos de


defesa mais usados (punição, agressão física, medo da perda do amor, solidão, desamparo);

Principais defesas: Identificação dos mecanismos de defesa principais e adequação à fase do


desenvolvimento.

Severidade do super-ego: Avaliada pela punição, desproporção do castigo em relação à


transgressão;

Integração do ego: Forma como a criança lida com os impulsos e com a realidade externa;

o Adequação de cada história à fase evolutiva e ao estímulo da prancha; o Confronto com a


realidade expresso nas verbalizações;
o Inclusão de soluções adequadas e realistas.

Síntese interpretativa e conclusão


Nível intelectual: Compreensão de aspetos intelectuais a partir da verbalização, elaboração das
narrativas e coerência das ideias;

Contacto com a realidade: Narrativas não adequadas aos estímulos das pranchas, com distorções,
indicia défice no contacto com a realidade;

Relações interpessoais: As pranchas permitem o acesso a atitudes da criança em relação aos pais,
irmãos e outras pessoas significativas (dependência, medo, rivalidade, solidão). Padrões afetivos:
Sentimentos manifestos (alegria, tristeza). Quem oferece apoio, manejo da agressividade, quem

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agride, quem é agredido, presença ou ausência de culpa; Mecanismos de defesa: Identificação dos
principais tipos de defesa;

Integração do ego e adaptação: Atitudes para consigo próprio (competência, segurança pessoal,
domínio, independência).

Níveis de desenvolvimento psicossexual: Identificação através dos temas e das respostas às


situações específicas de cada história;

Desenvolvimento do super-eu: as histórias podem revelar imaturidade, fragilidade, culpa, medo de


punição, severidade do super-eu.

A conclusão deve incluir:

o Análise dos temas, heróis e suas necessidades que são indicadores da estrutura
psíquica e das necessidades emocionais da criança;

o A conceção do ambiente e das figuras significativas para a criança;

o Os conflitos, ansiedades, os mecanismos de defesa, a severidade do super-eu que permitem


a formulação da sua organização psicodinâmica;

o A resolução das histórias, reveladora da forma como a criança lida com as diferentes
situações.

Procedimentos de elaboração das narrativas - Monika Boekhold

1. RECURSO À ESFERA MOTORA E CORPORAL (MC)

MC1: Retraimento, inibição motora, manifestações auto-eróticas.


MC2: Instabilidade, agitação motora e/ou verbal, interrupções pelo agir.
MC3: Risos, mímicas, caretas, ruídos, onomatopeias.

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MC4: Participação corporal: deslocações, gestos.

2. RECURSO À RELAÇÃO COM O CLÍNICO (RC) RC1: Procura de proximidade corporal.

RC2: Perguntas, Observações dirigidas ao clínico, apelos.


RC3: Críticas ao material e/ou à situação, queixas, pedidos de gratificação.
RC4: Autodepreciação, autovalorização.

3.RECURSO À REALIDADE EXTERIOR (RE)

RE1: Recurso à evidência, apego ao conteúdo manifesto.


RE2: Recurso aos lugares comuns da vida quotidiana, importância dada ao concreto, ao fazer, ao
conformismo, referências à realidade ambiente.
RE3: Insistência no enquadramento, nas delimitações e nos suportes.
RE4: Insistência nas qualidades sensoriais do material.
RE5: Sobre investimento na qualidade do objeto, apego aos Dd narcísicos.

4. RECURSO AO EVITAMENTO E INIBIÇÃO (EI)

EI1: Restrição, silêncios, recusas, necessidade de fazer perguntas.


EI2: Anonimato, razões dos conflitos não esclarecidas, colagens, banalizações.
EI3: Evitamentos específicos, evocação de elementos ansiogénicos seguidos ou precedidos de
paragens no discurso.

5. RECURSO AO AFECTO (RA)

RA1: Expressão verbalizada de afetos.


RA2: Dramatização, exagero, teatralismo, afetos contrastados, labilidade emocional.
RA3: Acentuação da tradução corporal dos afetos.
RA4: Afetos inadequados, afetos maciços.

6.RECURSO AO IMAGINÁRIO E AO FANTASMA (IF)

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IF1: Introdução de personagens que não figuram na imagem.
IF2: Apelo ao imaginário infantil dos contos.
IF3: Encenações, diálogos, importância dada às interações, digressões: transparência das
mensagens simbólicas.
IF4: Erotização das relações, dominância da temática sexual e/ou simbolismo transparente.
IF5: Instabilidade identificatória, hesitações, confusões sobre o sexo das personagens.
IF6: Insistência na representação de ação (ir, correr, fugir, fazer).
IF7: Fabulação longe dos cartões, inadequação do tema ao estímulo.
IF8: Expressões cruas, ligadas a temática sexual ou agressiva.
IF9: Confusão identitária, telescopagem de papéis, instabilidade dos objetos.

7. RECURSO À OBJECTIVIDADE E AO CONTROLO (OC) OC1: Descrição com apego aos pormenores.

OC2: Insistência no fictício, afastamento espacial e temporal.


OC3: Elementos de tipo formação reativa (obediência, simpatia, limpeza).
OC4: Anulação.
OC5: Isolamento dos elementos, personagens ou sequências da narrativa.
OC6: (De)negação, recusa.
OC7: Repetição, ruminação, perseveração.
OC8: Falsas perceções. “escotomas” extravagâncias percetivas.
OC9: Perturbações da sintaxe, perturbações da organização temporal.
OC10: Ligações arbitrárias, associações curtas, extravagâncias do pensamento.

Dos procedimentos às configurações defensivas

AS DEFESAS PRIMITIVAS

Projeção: Modalidade habitual e necessária na criança pequena.

o Recurso ao imaginário e ao fantasma (IF); o Motricidade (MC);

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o Afetos (RA);
o Defesa patológica a partir da idade em que realidade e fantasma devem estar diferenciados;
o Nas provas temáticas, a projeção maciça passa, necessariamente, pelas falhas da linguagem, que
dão conta de dificuldades identitárias subjacentes (OC9; OC10). Recusa: (da realidade exterior)
o Escotomas ou aberrações percetivas (OC8), suscetíveis de conduzir a confusões identitárias
(IF9);
o Como qualquer defesa primitiva, o seu caráter patológico é função da intensidade e da
articulação com outras modalidades.

DEFESAS LIGADAS À ELABORAÇÃO DA POSIÇÃO DEPRESSIVA

o Recurso repetitivo à esfera motora e corporal (MC2,3);


o Importância atribuída à relação com o clínico (RC2,3,4); o Recurso a afetos exagerados e/ou
inadequados (RA2,3);
o “Preenchimento” com personagens ou animais não figurados na imagem (IF1);
o Sobre investimento da qualidade do objeto (RE5), e/ou da representação de si (RC4).

DEFESAS NARCÍSICAS

o As defesas narcísicas procuram reforçar as paredes externas acentuando as delimitações, as


superfícies e a sensorialidade dos envelopes, para evitar a evocação do sofrimento (RE3,4,5);
o A insistência na tradução corporal do afeto, permite afastar a vivência depressiva (RA

3).

o Confusões identitárias sob o ângulo especular (IF 9) o Petrificação pulsional de alguns


isolamentos (OC5); o Hiper-expressividade corporal (MC4);

O sobre investimento da realidade percetiva (RE1,2), pode ter um valor antidepressivo quando
impede a dramatização dos conflitos;

Recurso à objetividade e ao controlo (OC 1,2,3).

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DEFESAS DE TIPO NEURÓTICO

Evitamento: de tipo fóbico (a partir dos 4-5 anos)

Prevalência dos procedimentos (EI1,2,3), que não impedem a encenação dos conflitos
(IF1,2,3,4,5,6);

Verbalização dos afetos (RA 1,2);

Recurso à esfera corporal, versus inibição (MC1) e/ou hiper-expressividade (MC4).

DEFESAS RÍGIDAS

Procedimentos OC 1,2,3,4,5,6;

O seu emprego em doses reduzidas condiciona a construção da coesão identitária;


O excesso de defesas rígidas impede o processo maturativo e pode provocar a organização
neurótica dos conflitos.

Hipóteses relativas ao funcionamento psíquico - Monika Boekhold

Organizações psicóticas

• A atividade percetiva evidencia:


Falsas perceções, extravagâncias, escotomas;
Ligações arbitrárias do pensamento;
Organização caótica da linguagem ou sobre investimento da linguagem com emprego de termos
rebuscados, mas sem significado;

• A problemática é essencialmente identitária;

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• Angústias arcaicas de destruição/fragmentação.

Organizações desarmónicas

Adequação percetiva e da linguagem no início das narrativas, seguida de fabulações extra-imagem;

Ao lado das defesas primitivas surgem modalidades mais elaboradas como o recurso à realidade
exterior;

Formas relacionais variáveis.

Organizações de tipo neurótico

Conflitualização entre a expressão pulsional e as medidas defensivas;


Oscilações identificatórias nas narrativas;
Dramatização dos conflitos.

CAT-H

Utilizado com crianças mais velhas, que já não aceitam bem os estímulos com animais e considera-
os infantis. Na sua construção, sentiram dificuldade em encontrar imagens ambíguas no que diz
respeito ao sexo, idade e atributos culturais.

As normas de aplicação são semelhantes ao CAT-A, tendo-se em consideração alterar a palavra


“animais” para “pessoas”. Para a análise e interpretação dos conteúdos, também se poderá seguir
o descrito para o CAT-A.

CAT-S

Construído por Bellak em 1952. O CAT-S foi construído para trazer à luz situações que ocorrem
frequentemente, não pertencendo necessariamente aos prolemas universais. Qualquer uma das 10

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imagens deve ser apresentada à criança como complemento ao CAT normal. O CAT-S contém 10
imagens adicionais, que podem ser selecionadas de acordo com as necessidades.

As imagens dão a oportunidade ao examinador de observar as reações a determinadas situações ou


acontecimentos, como por exemplo, uma dificuldade ou doença temporárias, a gravidez da mãe ou
o nascimento de um novo bebé, a rivalidade entre irmãos ou pares, entre outros.

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