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TRANSITANDO E ASSUNTANDO PELO VAZIO, PELA PERDA E PELA

MORTE

AUTORES: Dra. Sueli Hisada *


Dr. José Outeiral **

Eu perco você
Eu fico triste
Winnicott, 1968

HISTÓRIA DA SEMENTE DE MOSTARDA:

Era uma vez uma jovem que perdeu seu filhinho de um ano para a doença.
Desolada, ela foi de casa em casa da aldeia com a criança agarrada ao peito,
implorando um remédio para ressuscitá-la. Pensando que ela havia
enlouquecido, os vizinhos estavam assustados e faziam tudo para evitar suas
súplicas. Contudo, um homem quis ajudá-la e disse:
-“Eu sei de um remédio, mas precisarei de um punhado de sementes de
mostarda de uma casa onde não tenha morrido nenhuma criança, nenhum
marido, nenhum pai ou mãe”.
Ao rodar por toda a aldeia, aos poucos se deu conta de que essa casa não
existia. Deixando o corpo de seu filhinho na floresta, ela voltou ao
acampamento .
-“Você conseguiu o punhado de sementes de mostarda?” Perguntou o homem.
–Não, respondeu a mãe.
O pessoal da aldeia me disse: “Os vivos são poucos, mas os mortos são
muitos. A lei da morte diz que entre as criaturas vivas não há nenhuma
permanência”.
O homem respondeu: “Então começa a viver o luto dessa perda que tanto
havias temido antes”.

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Esta é uma parábola sobre o vazio, a transitoriedade e a morte. O vazio da


perda jamais pode ser eliminado; mas a experiência desse vazio pode ser
transformada. É desse vazio, desse sentimento de perda que gostaríamos de
tratar nesta intervenção...

Quando alguém amado morre, o processo de luto faz parte da resolução,


dentro do indivíduo, do sentimento de responsabilidade pessoal pela morte, por
causa das idéias destrutivas e impulsos que acompanham o amar. A
depressão, neste extremo da escala, se forma neste padrão que fica mais
óbvio no luto, a diferença estando em que na depressão há um grau maior de
repressão e o processo se efetua em um nível que é mais inconsciente (no
sentido de ser reprimido) do que no luto.

Para Winnicott na saúde, a depressão é potencial, pertence ao âmago da


personalidade e se constitui numa evidência de saúde.
Em relação à morte, Winnicott refere que para um bebê nos estágios iniciais, a
morte significa algo bem definido, ou seja, a perda do ser em razão de uma
reação prolongada contra a intrusão ambiental (o fracasso total da adaptação
suficientemente boa).
Quando a morte ocorre na experiência emocional de uma criança que já tenha
alcançado a capacidade para os relacionamentos interpessoais (em temos de
pessoas totais), mesmo que a situação familiar se rompa, ainda assim a
criança poderá ser capaz de sair-se relativamente bem, caso seja encontrado
um substituto para o lar e a confusão total seja evitada. É mais fácil para a
criança suportar ou recobrar-se da morte de um dos pais do que das
complicações provocadas pelas dificuldades emocionais graves entre eles.
Tudo depende, como sabemos, do desenvolvimento emocional anterior.

Para Winnicott, por outro lado, não tem utilidade unir a palavra morte com a
palavra instinto e ainda menos se referir ao ódio e a raiva pelo uso das
palavras instinto de morte uma vez que ele não acredita na agressividade como
inata.

A depressão, como estado de espírito, tem três causas:

1) a perda da vitalidade devido ao controle do instinto nos primeiros momentos


em que a integração começa a funcionar a partir de um estado dissociado.

2)a dúvida normal e saudável, em que, seja possível separar o que é bom do
que é mau e organizar um padrão temporário que permite lidar com os objetos,
forças e fenômenos internos.

3) a depressão que surge como um estado de espírito quando a dúvida sobre


os fenômenos internos é grande demais, como adotar uma defesa patológica
obscura sobre a vida do mundo interno como um todo.

É preciso observar que há outros sentidos importantes para o termo clínico


depressão. O conceito da posição depressiva de M. Klein como estágio normal
do desenvolvimento nos ajuda a compreender melhor esta questão. Ela
postulou que a capacidade de se deprimir, de sofrer um luto por uma perda,
não é inata, nem constitui uma doença; é alcançada com o uma conquista do
crescimento emocional saudável, e existe um momento do desenvolvimento de
cada bebê saudável em que é possível dizer que esta capacidade ainda não foi
alcançada. O importante é a capacidade o bebê ou do indivíduo de aceitar a
responsabilidade pela intenção destrutiva no impulso amoroso total.

Temos, é importante referir pela expressão clínica, a negação da depressão


que se esconde por trás do exagero da vivacidade, ou excitação, que está
oculta na felicidade e na incansável atividade, peculiar à defesa maníaca. Por
outro lado, temos a doença maníaco-depressiva que é organizada e na qual as
lágrimas se misturam grandes alegrias, e a alegria é diluída muitas vezes pela
mágoa. O elemento central negado na defesa maníaca é a morte no mundo
interno, ou um entorpecimento que a tudo abarca, já que a ênfase na defesa
maníaca recaí sobre a vida, a negação da morte como fato básico da
vida. .Existe, ainda, um outro tipo de depressão: aquela das pessoas
esquizóides, que resulta mais da despersonalização que do mecanismo de
controle mágico, cuja intenção é curar e onde o indivíduo vive um profundo
dilema entre comunicar-se o o pavor de que a comunicação aconteça.

Observando a biografia de Freud, podemos pensar que as preocupações dele


quanto a morte estão presentes desde o nascimento da psicanálise , não só
sob o efeito do envelhecimento ou do câncer, ou da perda de sua filha e de seu
neto. Freud afirmou, apropriadamente, que a pulsão de morte trabalha em
silêncio. Ele falou sobre o estado inorgânico do qual se origina cada indivíduo e
ao qual todo indivíduo retorna, e com base nisto formulou a sua idéia dos
Instintos de vida e de morte. Introduziu a morte perceptível, a distinção
perceptível entre o orgânico e o inorgânico. Para ele, mesmo se não podemos
saber o que é a morte e representa-la, e mesmo se o inconsciente a ignora -no
sentido de que não lhe dá nenhum lugar- isto não suprime a consciência que o
homem tem de se saber mortal.

Em “Totem e tabu”, Freud ao falar do pensamento dos primitivos sobre a


imortalidade nos mostra que a morte das pessoas investidas pela libido e
interiorizadas no Eu não só suprimem a existência dentro de nós, como ainda
reaparecem em nossos sonhos, sobrevivendo no inconsciente. Em “Luto e
melancolia” Lady Macbeth desperta de um interminável pesadelo que só
termina com a sua morte, pois os mortos se apresentam a nós quando tem
algo pra recriminar.

Continuando a pensar quais são os processos que se desenvolvem em torno


deste centro da perda e do luto, vamos trazer o complexo da mãe morta de
Green.

Agora, não se trata das conseqüências psíquicas da separação real da mãe,


mas de uma imago que se constitui na psique da criança, em conseqüência de
uma depressão materna; assim a mãe morta é uma mãe psiquicamente morta
aos olhos da criança de quem ela cuida. O traço essencial desta depressão é
que ela se dá na presença de um objeto, ele mesmo absorto num luto. A mãe
morta se apresenta na transferência. Como conseqüência temos um
desinvestimento do objeto materno e a identificação inconsciente com esta
“mãe morta”. O paciente tem a sensação de que pesa sobre ele uma maldição,
a da mãe morta que não acaba de morrer e que o mantém prisioneiro. Assim,
pode passar o resto da sua vida encarregado se ser o único possuídor da
chave da sepultura. Continua preso entre duas perdas: a morte na presença ou
da ausência na vida.

Green fala de três tipos de angústias e as relaciona com cores:

1) angústia de castração associada a uma ferida corporal , um ato


sangrento de destruição, que evoca a cor vermelha de sangue.

2) Preto como a depressão grave, e no ódio que é constatado na


psicanálise dos deprimidos.
2) Branco como nos estados vazios, que traduz a perda sofrida ao nível do
narcisismo ou a clínica do vazio, do negativo.

A ambivalência é um traço fundamental dos investimentos dos depressivos. O


amor é gelado pelo desinvestimento, paradoxalmente, é um gelo que queima.
Ele não pode dispor de sua riqueza, nem pode gozar dela. Assim, o amor não
pode ser satisfeito, só pode ser vivido na melhor das hipóteses de forma inibida
ou mutilada , o que não deixa de ser uma morte em vida.

Ninguém escapa da depressão que está ligada à condição humana, pois é o


preço que pagamos pelo vínculo com os objetos que paradoxalmente nos
trazem alegria de viver.

Mesmo o luto dos seres mais queridos, termina um dia. Esta é a lição de Proust
“Em busca do tempo perdido”. Há o desejo de recuperar o tempo perdido, de
voltar ao tempo passado, talvez para manter vivas as lembranças.

Winnicott, no seu entender sobre o viver criativo, procura viver plenamente


inclusive a experiência de morrer. Ele escreveu:

Estive morto.
Não era particularmente agradável e me pareceu que levou um bom tempo
(porém apenas um momento da eternidade). Chegando o tempo, eu sabia tudo
sobre meu pulmão cheio de água> Meu coração não conseguia fazer seu
trabalho, pois o sangue já não podia circular livremente pelos alvéolos. Havia
falta de oxigênio e asfixia. Não havia porque ficar revolvendo a terra, como
dizia nosso velho jardineiro. Minha vida foi longa. Vejamos um pouco do que
aconteceu quando eu morri? Meu pedido havia sido escutado (Meu Deus, faz
com que eu viva o momento de minha morte!).

Referências bibliográficas:

EPSTEIN, M. Partir-se sem quebrar:meditação, psicoterapia e totalidade.


Trad.B.Sidou. Rio de Janeiro, Ed. Gryphus, 1999.

GREEN, A. Narcisismo de vida, narcisismo de morte. Trad. C.Berliner.São


Paulo, Ed. Escuta, 1988.
WINNICOTT, D.W. Natureza humana.trad.D.Bogomoletz, Rio de Janeiro, Ed.
Imago, 1990.

WINNICOTT,D.W. O ambiente e os processos de maturação:estudos sobre a


teoria do desenvolvimento emocional. Trad.I.Ortiz, Porto Alegre, Ed.Artes
Médicas, 1983.

*DRA. SUELI HISADA : Doutora em Psicologia clínica pela USP, Mestre em


Psicologia clínica pela PUC, Especialização em psicoterapia psicanalítica pelo
SEDES, , psicoterapeuta de crianças e adultos,professora SEDES
SAPIENTIAE, autora de diversos livros em Psicanálise.

** Dr. JOSÉ OUTEIRAL : Médico Psiquiatra. Full Member da Associação


Psicanalítica Internacional

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