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Uma experiência de Psicoterapia


Breve de Família

José Outeiral
Frederico Seewald

Introdução

O objetivo desta comunicação é relatar uma experiência de atendimento familiar; através de


entrevistas conjuntas, utilizando-se as técnicas de Psicoterapia Breve.
A partir do material clínico são feitas considerações dinâmicas e apresentados os
procedimentos técnicos utilizados.
O atendimento de famílias vem sendo utilizado há alguns anos o Centro Psiquiátrico Melanie
Klein, e este trabalho, tem como base a experiência desenvolvida em nosso Serviço.
Os marcos referenciais teóricos e práticos que utilizamos na Psicoterapia Breve de família
se derivam da Psicanálise e da Psicoterapia Breve Individual e de grupo.

Material clínico

O material clínico a ser apresentado será desdobrado em três fases: a crise, o


desenvolvimento do atendimento e a situação atual.

A) A CRISE:
A família Pereira é constituída de 10 pessoas; o casal e oito filhos com idades
compreendidas entre 4 e 22 anos.
No natal de 1973, Sílvio, de 15 anos, brincando com uma arma, feriu com um tiro –
acidentalmente – sua irmã, Isa, de 11 anos, que morreu em poucos instantes,
Duas semanas mais tarde, Dona Ivete, a mãe, procurou o Centro Psiquiátrico Melanie Klein,
buscando atendimento para Sílvio. No dia seguinte, seu Osmar, o pai, levou o menino para
consultar no setor de Psiquiatria do Hospital de Clínicas. Os dois terapeutas procurados
entraram em contato e discutindo o caso, perceberam que na procura de atendimento – com a
mãe e o pai, levando o menino a consultar em locais diferentes já se evidenciava uma intensa
dissociação do grupo familiar.
Na avaliação constatou-se que não apenas Sílvio, mas toda a família atravessava por sérias
dificuldades emocionais. Iniciou-se então, um atendimento familiar conjunto, com os dois
terapeutas trabalhando em coterapia.

B) O DESENVOLVIMENTO DO ATENDIMENTO:
A entrevista inicial desenvolveu-se num clima de muita ansiedade. Sílvio sentava-se
inteiramente fora do círculo formado, sem que ninguém da família faça algum intento para
integrá-lo no grupo. Dona Ivete iniciou um prolongado relato citando queixas somáticas suas e
do marido. Disto, passou a verbalizar uma intensa idealização da filha, morta sobre todos os
aspectos, era a melhor filha, a mais inteligente de seu colégio, ótima bailarina em síntese, uma
menina quase-perfeita. Contaram o acidente, sendo o relato intercalado várias vezes por um
choro triste. Sílvio permaneceu a maior parte do tempo de cabeça baixa, não atendendo as
solicitações para que participasse. Seu Osmar culpou-se pelo acontecido e aludiu em um
determinado momento que talvez a solução fosse que também ele morresse. Os filhos
interferiram dizendo que ele não tinha culpa e ressaltando a importância que teria sua
participação na tentativa de enfrentar o problema de sua responsabilidade com a família. Sílvio
é convidado por um dos terapeutas para sentar-se junto com o grupo, o que foi associado pelo

Jornada Gaúcha de Psiquiatria Dinâmica, 1981


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pai como o fato de que logo após o acidente Sílvio foi mandado para a casa de um parente,
mas que logo em seguida, sentindo sua falta, buscaram-no de volta. Regina, de sete anos,
escreveu em uma folha de papel, o nome de todos os membros da família, excluindo o da
menina morta.
Em uma das entrevistas seguintes compareceu apenas seu Osmar e a filha mais moça. Nos
informa que Sílvio, que já há algum tempo vinha apresentando febres altas freqüentes, havia
sido internado em um hospital clínico, com suspeita de febre tifóide. O menino permanece
cerca de um mês hospitalizado e após a alta mostrou-se mais disposto, comunicativo e
retornou a escola com um bom rendimento. Nesse período foi morar com a família, uma
sobrinha que passou a dormir na cama de Isa, vestir suas roupas e executar suas tarefas
domésticas. A família verbalizou explicitamente que esta moça tinha vindo substituir Isa. Algum
tempo depois abandonou a casa, e uma das filhas é quem passou a assumir as características
e atividades da morta.
Seguem-se episódios alucinatórios em que rotativamente alguém da família acreditou ter
visto ou ouvido a voz de Isa. Logo a seguir, seu Osmar resolveu submeter-se à cirurgia de uma
hérnia, que vinha adiando há tempo. Vinculou várias idéias de morte com a cirurgia, fazendo
comentários tais como: talvez eu não acorde da anestesia, não importa qual médico vai me
operar, etc... Depois da intervenção parece melhorar bastante e retorna ao trabalho. Dona
Ivete, por sua vez, faz uma crise hipertensiva por ela mesmo definida como “quando vou
ficando mais nervosa sinto como se houvesse um vulcão dentro de mim, com a pressão
subindo cada vez mais”.

C) SITUAÇÃO ATUAL:
Progressivamente a família foi apresentando elementos depressivos que se acompanhavam
de uma melhora dos sintomas mais agudos e regressivos, como as dores somáticas e as
alucinações. Atualmente a família Pereira segue em acompanhamento ambulatorial tendo
entrevistas a cada quinze dias. Ainda que muito deprimidos, os filhos e o casal retornaram às
suas atividades e as crianças apresentam um bom rendimento escolar.

Procedimentos técnicos

a) Foram realizadas cerca de vinte entrevistas num período de seis meses, estando a
família atualmente em seguimento quinzenal. Os dias, horários, e o tempo de duração de
entrevistas (entre trinta e sessenta minutos) não eram fixos, evitando-se a estruturação de um
“setting” com limites muito definidos, o que estimularia a regressão induzida;
b) O atendimento foi realizado em coterapia como habitualmente tem sido feito, na terapia
familiar conjunta, em nosso meio, visando principalmente ao processo ensino-aprendizagem;
c) Todo o atendimento foi centrado em um “foco”, a crise determinada pela morte de um dos
membros da família;
d) Evitou-se sempre a regressão induzida, trabalhando-se sempre com os aspectos
progressivos e as capacidades adaptativas do Ego;
e) As sessões eram abertas e toda a família, ainda que nem todos sempre comparecessem.
Interpretávamos o não comparecimento de algum membro, apenas quando julgávamos que a
ausência estava estreitamente vinculada ao “foco” do atendimento;
f) Intervenções dos terapeutas: As intervenções eram dirigidas individualmente e, quando
necessárias, ao grupo como um todo. Utilizou-se de: esclarecimentos, assinalamentos e
interpretações extra-transferenciais. Com o objetivo de explicitar os tipos de intervenções
verbais utilizaremos o material clínico a seguir:
ESCLARECIMENTOS – Em uma das sessões os terapeutas orientaram a família, sobre as
medidas legais e o andamento do processo junto ao juizado de menores. Esta intervenção teve
como objetivo atenuar a ansiedade confusional e paranóide incrementada com a ida de Sílvio a
Audiência Judicial.
ASSINALAMENTO – Na segunda entrevista, uma das crianças escreveu o nome de todos
os membros da família, com exceção do da morta, num momento em que havia uma intensa
negação da perda por parte dos adultos. O terapeuta, utilizando o matérial gráfico, assinalou
que a menina representava uma maneira mais real a morte. Esta intervenção dirigiu-se aos
aspectos mais integrados, progressivos e as capacidades adaptativas do “Ego familiar”. Este
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manejo possibilitou o aparecimento de elementos depressivos, trazidos nas associações


seguintes;
INTERPRETAÇÃO – Em uma das sessões a mãe relatou ter tido a impressão de ver a filha
morta, à noite, na porta de seu quarto, mostrando-se muito ansiosa com o fato. Um dos
terapeutas interpretou que ela pensava ter visto a filha porque lhe era muito difícil aceitar a
perda e imaginar vê-la, era como se não estivesse morta. O objetivo, desta interpretação era
trabalhar sobre o intenso mecanismo de negação e a tentativa de recriar a menina
alucinatoriamente, o que não ocorria só com a mãe, mas com vários outros membros da
família.
g) Quando do comparecimento de crianças, utilizou-se de material gráfico, para a expressão
da comunicação não verbal;
h) Como recurso auxiliar, usamos tranqüilizantes menores, para facilitar a abordagem
psicoterápica;
i) Foi realizada uma visita familiar, pela estagiária de psicologia da equipe.

Aspectos compreensivos

Os aspectos dinâmicos nos levam a compreensão do processo de elaboração do luto no


grupo familiar.
Com a morte da menina, há um incremento de culpa persecutória (Glinberg) com a
utilização por parte do grupo, de mecanismos de defesa do tipo esquizo-paranóide,
especialmente a dissociação e a identificação projetiva e introjetiva determinam o surgimento
de papéis, dos quais o mais característico é o de “bode expiatório”, assumido por Sílvio,
depositário de culpa persecutiva de família. A idealização de Isso nos dá uma idéia de como a
perda é negada e de como o objeto morte é vivido persecutoriamente.
Os mecanismos alucinatórios utilizados em distintos momentos pelos membros da família
(resultado de um intenso jogo de identificações projetivas) visava possibilitar a negação, da
morte e a tentativa onipotente de recriar a morte (alucinatoriamente), além da expiação de
culpa (persecutória) através do sofrimento.
A identificação com a morte surge em duas situações. Primeiro com uma prima de Isa que é
convidada a morar com a família, depois da morte da menina e que assume um grande número
de características da mesma, se encontrando atualmente em tratamento psiquiátrico, cujo
“foco” é exatamente esta identificação patológica. Em segundo lugar, quando uma das irmãs
começa a se vestir com as roupas de Isa, executar suas tarefas domésticas e dormir em sua
cama.
Os quadros orgânicos e as queixas hipocondríacas se vinculam e intensas vivências de
perseguição interna.

Comentários

A Psicoterapia Breve de Família é uma experiência relativamente nova em nosso meio, e


como tal passa a ser encarada muitas vezes como uma panacéia ou com reservado descrédito
por parte dos terapeutas. Na realidade é uma técnica de indicações e “enquadre” muito
precisos, e no momento com uma série de limitações.
Concordamos com experiências anteriores de que é esta indicada nas crises do tipo
acidental e evolutivas (Kapla e Ericson) naquelas famílias sem desenvolvimento psico-
patológicos importantes, no período imediato à eclosão da crise, e quando se conta com a
presença de elementos depressivos que permitam ao grupo elaborar conjuntamente a situação
“focal”.
Desta forma é necessário um conhecimento prévio e uma correta avaliação diagnóstica do
tipo de mecanismos que predominam no grupo familiar (sejam eles esquizo-paranóides e/ou
depressivos e de como o grupo enfrentou crises anteriores.
Acreditamos correta a contra-indicação, que vários autores fazem de família com
predomínio de mecanismos esquizo-paranóides, para Psicoterapia Breve de Família.
Julgamos necessário que este atendimento seja realizado por um psiquiatra com
experiência em Psicoterapia Breve Individual ou de Grupo.
Em relação ao material clínico apresentado observamos que com a morte de um dos
membros do grupo familiar houver um incremento da culpa persecutória e de ansiedades
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confusionais e paranóides, com a utilização de mecanismos esquixo-paranóides, com a


utilização de mecanismos esquizo-paranóides, especialmente a dissociação e a identificação
projetiva.

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