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OU
Em sua autobiografia, não editada e da qual temos somente alguns trechos publicados
por Claire Winnicott, DWW conta que quando estudante de Medicina (no St.
Bartholomew’s Hospital, em Londres) contraiu um abcesso pulmonar e ficou três meses
hospitalizado. Sobre este período ele escreveu:
“Estou convencido de que pelo menos uma vez na vida é necessário que o médico tenha
estado no hospital como paciente.” (OUTEIRAL, J. GRAÑA, R., 1992)
Esta afirmação de DWW deixa claro como ele considerava importante a correlação
entre a patologia, a clínica e a técnica.
Em geral reconhecemos (Fromm, M., 1989) que o pensamento clínico de DWW seguiu
dois eixos principais: (1) de um lado a observação do desenvolvimento normal, do bebê,
da criança, do adolescente e da “mãe suficientemente boa” (good enough mother) e de,
certa forma, também do pai e da sociedade e, por outro lado, da (2) patologia que
determinou a criação de um modelo técnico que buscou tanto atender a (a) ”demanda”
(ou necessidade) dos pacientes em seu cotidiano clínico, como (b) para estabelecer um
“setting” psicanalítico adequado a pacientes que haviam sofrido falhas ambientais nas
primeiras fases do desenvolvimento.
“Gosto muito de fazer análise e sempre aguardo com expectativa o final de cada um
delas. A análise pela análise não tem sentido pra mim. Faço análise porque é disso que
o paciente precisa e aceita. Se o paciente não precisa de análise, faço, então, outra
coisa. Na análise, pergunta-se: quanto é permitido fazer? Por contraste, em minha
clínica, o lema é: quão pouco precisa ser feito?”
“Em minha opinião, nossos objetivos no exercício da técnica padrão não são alterados,
no caso de interpretarmos os mecanismos mentais que pertencem aos tipos psicóticos
de desordem e aos estágios primitivos nas fases emocionais do indivíduo. SE o nosso
objetivo continua a ser o de verbalizar o consciente incipiente em termos de
transferências, então estaremos fazendo análise; caso contrário ,seremos analistas
fazendo outra coisa que consideramos apropriada à ocasião. E porque não?”
Estas duas citações são um exemplo da importância dada por DWW à clínica, na
escolha do instrumento técnico mais adequado, considerando sempre que o paciente
com seu “idio” (1) (Bollas, 1992) próprio é quem deve orientar nossa atividade
psicanalítica. O trabalho “The Aims of Psycho-Analytical Treatment”(1962) é um dos
textos mais interessantes sobre o tema que estamos abordando.
A propósito de André Green penso que seria lúdico lembrar um chiste que ele conta a
propósito da criação da noção de objeto transicional: ele diz que no auge das
controvérsias na “British Psychoanalytical Society, com Anna Freud à sua direita, o
tempo todo insistindo no objeto da realidade externa, e à sua esquerda Melanie Klein,
que enchia os ouvidos de todos com os objetos internos, o externo, o interno... nisso
Winnicott teria dito: “estou cheio dessas mulheres! O externo, o interno... não quero ter
de escolher. Então, eu invento um terceiro objeto: o objeto transicional”.
4. Outra referência interessante que nos trazem as estruturas clínicas a que estamos no
referindo é a importância do ódio. O que é necessário é compreender que é inevitável
experimentar com estes pacientes o ódio na contratransferência: se determinado
paciente sente muito sofrimento dentro de si, se internamente sente o vazio, o caos e a
destruição, ele não poderá fazer outra coisa senão tentar sofrer e destruir o analista.
DWW, em seu conhecido trabalho “Hate in the Countertransference” (1947), diz que o
paciente tem direito a sentir ódio do analista. Se o ódio não se manifestar na
contratransferência o paciente tem a sensação de falar no vazio, não encontra ninguém.
E importante entender que mesmo que vivamos uma sessão catastrófica, não devem
permanecer traços deste acontecimento na sessão seguinte. “Na sessão seguinte
recomeçamos do zero” (André Green, 1970).
Quando se revela ódio, o importante é que o paciente tenha a sensação que o analista
“permanece vivo”; o importante é que o paciente sinta que o analista reage ao que ele
diz e permanece me contato com ele”.
André Green (1990) escreve (Conferências Brasileiras):
“Você começa a dar uma interpretação e ele já pressente o perigo que ela representa
preá ele, se for até o fim... Enquanto você fala, este tipo de paciente já instalou o filtro,
instalou desconexões, instalou todos os dispositivos que lhe permitem ouvir sem
escutar, E o que Bion chamou de ‘fator K’... É por isso que Bion diz que com este tipo
de paciente é mais vantajoso ouvir do que compreender”.
“Bion nos disse que existem os ataques ao vínculo – attack on linking – ou seja, tudo o
que começa a ligar-se, se desliga, por causa dos fatores ‘menos K’ (minus K); cimo
conseqüência, no que existe aí, o trabalho do analista é completamente diferente. Aí, o
trabalho do analista não pode resumir-se em analisar, mas deve re-ligar. Eu diria que,
mais do que uma síntese é uma análise ao contrário; quer dizer, é a análise afetada por
um sinal de menos (-), de tal forma que não se trata em decompor, mas de juntar, e
juntar não é interimanet4e a mesma coisa que síntese, pois síntese consiste em fazer
uma totalidade, ao passo que juntar consiste em criar uma nova religião... quando o
psicótico tem um insight iluminado, trata-se de um insight delirante. O caráter
iluminador corresponde ao que Bion diz quando se apóia a uma citação de Freud em
que este diz: Quando há alguma coisa que eu não compreendo, eu me cego.”
5. Um último ponto (the last but not least) a fazer referência corresponde ao que Green
chama “vagamente” de estruturas não-neuróticas. Enquanto nas estruturas neuróticas os
pais lutam contra suas próprias pulsões, permitindo à criança se haver com suas pulsões
internas, e existe uma “boa divisão de trabalho” – os pais ajudam a organizar a
satisfação das pulsões da criança se haver combinando as satisfações e as inevitáveis
frustrações em um equilíbrio movediço e relativamente estável -, nas estruturas não-
neuróticas as crianças além de lutar contra suas próprias pulsões têm de lutar contra as
pulsões do objeto (pai-mãe). As pulsões do objeto vão se manifestar indiretamente sob a
forma de sintomas: angústia da mãe, depressão da mãe, ausência da função estruturante
paterna, etc. A Criança tem de se haver com duas frentes: a interna e a externa. Esta
observação se articula, evidentemente, com a questão do ódio na contratransferência.
“Suponhamos que um bebê que gostaria de ser acolhido por sua mãe com sorriso,
prazer e entusiasmo depara-se com o olhar de uma mãe deprimida. Nesse caso não há
mais concordância entre seu estado interior e o olhar da mãe, não havendo, então
construção de um verdadeiro self, isto é, o bebê não pode expressar sua raiva
esperando que a resposta materna reconheça esta raiva o lhe restitua não a raiva , mas
uma boa imagem... se o bebê deixa-se levar por este conflito torna-se ‘louco’...”
Se, como vimos antes, o “setting” que pensamos mais adequado é aquele que se
estrutura como uma “metáfora de cuidados maternos” estas questões são extremamente
relevantes, pois há com estes pacientes o risco constante do desenvolvimento de um
“falso self psicanalítico”.
Para concluir estas idéias, ou rabiscos, sobre o tema da correlação entre a patologia e a
técnica do pensamento de DWW, considero importante que os que me ouvem
intervenham fazendo seus próprios rabiscos para que, juntos, possamos desenvolver um
“brincar” criativo e espontâneo. Busquei ressaltar principalmente:
Grato pela paciência de me ouvir e pela gentileza de me convidar para este “Encontro”.