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Capítulo 1 - O Psicodiagnóstico Clínico na Atualidade

O psicodiagnóstico está recuperando-se de urna época de crise durante a qual


poderíamos dizer que havia caído no descrédito da maioria dos profissionais da saúde
mental.
Considero imprescindível revalorizar a etapa diagnóstica rio trabalho clínico e sustento
que um bom diagnóstico clínico está na base da orientação vocacional e profissional,
cio trabalho como peritos forenses ou trabalhistas, etc.
Se somos consultados é porque existe um problema, alguém sofre ou está incomodado
e devemos indagar a verdadeira causa disso.
Fazer um diagnóstico psicológico não significa necessariamente o mesmo que fazer um
psicocliagnóstico. Este termo implica automaticamente a administração de testes e
estes nem sempre são necessários ou convenientes.
Mas um diagnóstico psicológico tão preciso quanto possível é imprescindível por
diversas razões:
1. Para saber o que ocorre e suas causas, de forma a responder ao pedido com o qual
foi iniciada a consulta.
2. Porque iniciar um tratamento sem o questionamento prévio do que realmente ocorre
representa um risco muito alto. Significa, para o paciente, a certeza de que poderemos
“curá-lo” (usando termos clássicos). E o que ocorre se logo aparecem patologias ou
situações complicadas com as quais não sabemos lidar, que vão além daquilo que
podemos absorver, através de supervisões e análises? Buscaremos a forma de
interromper (consciente ou inconscientemente) o tratamento com a conseguinte
hostilicladc ou decepção do paciente, o qual terá muitas dúvidas antes de tornar a
solicitar ajuda.
3. Para proteger o psicólogo, que ao iniciar um tratamento contrai automaticainente um
compromisso em dois sentidos: clínico e ético. Do ponto de vista clínico deve estar
certo de poder ser idóneo perante o caso sem cair em posturas ingênuas nem
onipotentes. Do ponto de vista ético, deve proteger-se de situações nas quais está
implicitamente comprometendo-se a fazer algo que não sabe exatamente o que é. No
entanto, as conseqüências do não cumprimento de um contrato terapêutico são, em
alguns países, a cassação da carteira profissional.

Por estas razões insisto na importância da etapa diagnóstica. sejam quais forem os
instrumentos científicos utilizados na mesma. Na obra “A iniciação do tratamento” Freud
fala da importância desta etapa, à qual ele dedicava os primeiros meses do tratamento.
Coloca que ela é vantajosa tanto para o paciente quanto para o profissional, que avalia
assim se poderá ou não chegar a uma conclusão positiva.
Não sou favorável à idéia de dedicar tanto tempo ao diagnóstico, porque se estabelece
assim uma relação transferencial muito difícil de dissolver se a decisão for a de não
continuar. Além do mais, dispomos na atualidade de todos os recursos descritos neste
livro (e muitos outros) que permitem solucionar as dúvidas em um tempo menor.
Vejamos agora com que finalidades pode ser utilizado o psicodiagnóstico.
1) Diagnóstico. Conforme o exposto acima é óbvio que a primeira e principal finalidade
de um estudo psicodiagnóstico é a de estabelecer um diagnóstico. E cabe esclarecer
que isto não equivale a “colocar um rótulo”, mas a explicar o que ocorre além do que o
paciente pode descrever conscientemente.
Durante a primeira entrevista elaboramos certas hipóteses presuntivas. Mas a
entrevista projetiva, mesmo sendo imprescindível, não é suficiente para um diagnóstico
cientificamente fundamentado.
Lembremos do que diz Karl Meninger, que foi diretor da Meninger Clinic (E.U.A.) no
prefácio do livro de David Rapaport.

Durante séculos o diagnóstico psiquiátrico dependeu fundamentalmente da observação


clínica. Todas as grandes obras mestras da nosologia psiquiátrica (…) foram realizadas
sem a ajuda das técnicas de laboratório e de nenhum dos instrumentos de precisão que
atualmente relacionamos com o desenvolvimento da ciência moderna. Tanto a
psiquiatria do século XIX como a da primeira parte do século XX, era uma psiquiatria de
impressões clínicas, de impressões colhidas graças a uma situação privilegiada; a do
médico capacitado para submeter o paciente à exame. Mas esse exame ã sua
disposição não era de modo alguni uniforme ou estável; e tampouco poderia ter sido
padronizado de forma que fosse possível comparar os diferentes dados obtidos (…).
Com o advento dos modernos métodos de exame psicológico através detestes, a
psiquiatria atingiu a idade adulta dentro do mundo cientifico (…). Sem medo de
exagerar pode-se afirmar que é o campo da ciéncia mental que tem tido o maior
progresso relativo nos últimos anos.
Meninger foi durante muitos anos chefe da Clínica que leva seu nome e apoiou e
animou a criação e o desenvolvimento dos testes tanto projetivos como objetivos. Cada
paciente que ingressava na clínica era submetido a uma bateria completa de testes
(T.A.T., Rorschach, Weschler e outros).
Eu concordo ainda hoje com este modelo de trabalho, porque acredito que a entrevista
clínica não é uma ferramenta infalível, a não ser quando em mãos de grandes mestres,
e às vezes, nem mesmo nesses casos.
Os testes tampouco o são. Mas se utilizarmos ambos os instrumentos de forma
complementar há uma margem de segurança maior para chegar a um diagnóstico
correto, especialmente se incluirmos testes padronizados.
Além do mais, a utilização de diferentes instrumentos diagnósticos permite estudar o
paciente através de todas as vias de comunicação: pode falar livremente, dizer o que vê
em uma lâmina, desenhar, imaginar o que gostaria de ser, montar quebra-cabeças,
copiar algo, etc. Se por algum motivo o domínio da linguagem ver-

bal não foi alcançado (idade, doença, casos de surdos-mudos, etc.) os testes gráficos e
lúdicos facilitam a comunicação.
A bateria de testes utilizada deve incluir instrumentos que permitam obter ao máximo a
projeção de si mesmo.
Por isso, se pedimos ao paciente que desenhe uma figura humana, sabemos que
haverá projeção, mas muito mais se lhe pedirmos que desenhe uma casa ou uma
árvore, já que ele não pode controlar totalmente o que projeta.
Como disse antes, é importante incluir testes padronizados porque nos dão uma
margem de segurança diagnóstica maior.
Lembro o caso de uma jovem que foi consultar devido a fracasso escolar,
impossibilidade de concentração nos estudos e dificuldades de compreensão.
Considerava-se de baixo nível intelectual. Após ter solicitado a ela o Desenho Livre e o
H.T.P., entreguei-lhe o pequeno caderno do Teste de Matrizes Progressivas de Raven.
O mesmo dá ao paciente trinta minutos para realizá-lo. Ela o fez em quinze. Eu
observava as suas anotações e percebi seu excelente resultado. Por isso, quando a
tarefa foi concluida, entreguei-lhe a grade de avaliação, para que ela mesma fizesse a
correção. Fizemos o cálculo devido e buscamos a cifra na tabela mais apropriada. O
resultado final indicava um Q.I. superior à média. Ela ficou surpresa e incrédula, mas os
resultados eram irrefutáveis. Voltou à sua casa muito contente. Obviamente, essa não
era a solução final do problema. Haviamos desarticulado um mecanismo através do
qual ela brincava de ‘menina boba”. Agora era necessário estudar o porquê. Apareceu
então (principalmente pela reiteração de respostas de “uma figura e a outra é o reflexo
em um espelho”, no Rorschach) seu enorme narcisismo e seu grau de aspiração de ser
a número um em tudo. A ferida narcisística por não consegui-lo era tão terrível que,
inconscientemente, preferia ser “a burra” para não se expor.
Outro elemento importante que nos é dado pelo psicodiagnóstico refere-se à relação de
transferência-contratransferência.
Ao longo de um processo que se extende entre três e cinco entrevistas
aproximadamente, e observando como o paciente se relaciona diante de cada proposta
e o que nós sentimos em cada momento, podemos extrair conclusões de grande
utilidade para prever como será o vínculo terapêutico (se houver terapia futura), quais
serão os momentos mais difíceis do tratamento, os riscos de deserção, etc.
Porém, nem todos os psicólogos, psicanalistas e psicólogos clínicos concordam com
este ponto de vista. Alguns reservam a utilização do psicodiagnóstico para casos nos
quais surgem dúvidas diagnósticas ou quando querem obter uma informação mais
precisa, diante, por exemplo, de uma suspeita de risco de suicídio, dependência de
drogas, desestruturação psicítica, etc. Em outras ocasiões o solicitam porque têm
dúvidas sobre o tratamento mais aconselhável, se a psicanálise ou uma terapia
individual ou vincular, Finalmente, existe outro grupo de profissionais que não
concordam em absoluto com este ponto de vista e prescindem totalmente do
psicodiagnóstico. Ainda mais, não concedem valor científico algum aos testes
projetivos. Alguns vão mais longe, dizendo que de forma alguma é importante fazer um
diagnóstico inicial, que isso chega com o tempo, ao longo do tratamento. Ouvi isto de
um palestrante estrangeiro durante um congresso internacional, ao que outro
especialista replicou: “Então o senhor começaria com antibióticos e transfusões de
sangue, mesmo antes de saber qual o problema do paciente?”
Acredito que todas as posições são respeitáveis, porém devem ser fundamentadas
cientificamente e, até o momento, não tenho encontrado ninguém que me demonstre,
baseado na teoria da projeção e da psicologia da personalidade, que os testes
projetivos carecem de validade.

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2) Avaliação do tratamento. Outra forma dc utilizar o psicocliagnóstico é como meio
para avaliar o andamento cio tratamento. E o que se denomina “re-testes” e consiste
em aplicar novamente a mesma bateria de testes aplicados na primeira ocasião.
Havendo suspeita de que o paciente lembre perfeitamente o que fez na primeira vez e
se deseje variar, pode-se criar uma bateria paralela selecionando testes equivalentes,
como o teste “Z” de Zullliger no lugar do Rorschach.
Algumas vezes isto é feito para apreciar os avanços terapéuticos de forma mais
objetiva e também para planejar uma alta. Em outras é para descobrir o motivo de um
“impasse” no tratamento e para que tanto o paciente como o terapeuta possam falar
sobre isso, estabelecendo, talvez, um novo contrato sobre bases atualizadas. Em
outros casos ainda, é porque existe disparidade de opiniões entre eles. Um deles
acredita que pode dar fim ao tratamento, enquanto que o outro se opõe.
Estes casos representam um trabalho difícil para o psicólogo, pois passa a ocupar o
papel de um árbitro que dará a razão a um dos dois. E então conveniente esclarecer ao
paciente que o psicodiagnóstico não será realizado para demonstrar-lhe que estava
enganado, mas, como um fotógrafo, ele registrará as situações para depois comentá-
las. O mesmo esclarecimento deve ser dado ao terapeuta. Obviamente, é conveniente
que a entrevista de devolução seja feita por aquele ciue realizou o estudo, tendo um
cuidado muito especial em mostrar urna atitude imparcial e fundamentando as
afirmações no material dado pelo paciente.
Nos tratamentos particulares, o terapeuta é ciuem decide o momento aclequado para
um novo psicocliagnóstico (ou talvez para o primeiro). No entanto, nos tratamentos
realizados em instituições públicas ou privadas, são elas que fixam os critérios que
devem ser levados em consideração. Algumas deixam isto a critério dos terapeutas.
Outras decidem pautá-lo, considerando tanto a necessidade de avaliar a eficiência de
seus profissionais quanto a de contar com um banco de dados úteis, por exemplo, para
fins de pesquisa. Assim, é possível que o primeiro psicodiagnóstico seja indicado
quando o paciente entra na instituição, e o outro de seis a oito meses após,
dependendo isto do periodo destinado a cada paciente.

3) Como meio de comunicação. Existem pacientes com dificuldades para conversar


espontaneamente sobre sua vida e seus problemas. Outros, como é o caso de crianças
muito pequenas, não podem fazê-lo. Outros emudecem e só dão respostas lacônicas e
esporádicas. Com adolescentes e crianças podemos introduzir algumas modificações
que muitas vezes despertarão seu entusiasmo. Assim que é sugerido, as crianças
começam a desenhar ou a modelar: o jogo cio rabisco de Winnicott entusiasma a todos,
especialmente porque quebra a assimetria do vínculo.
Favorecer a comunicação é favorecer a tomada de insight, ou seja, contribuir para que
aquele que consulta adquira a consciência de sofrimento suficiente para aceitar
cooperar na consulta. Também provoca a perda de certas inibições, possibilitanclo
assim um comportamento mais natural.
Não se trata de cair em atitudes condescendentes, mas de realizar a tarefa dentro de
um clima ideal de comunicação, na medida do possivel. Procura-se também respeitar o
timing do paciente, ou seja, o seu tempo. Alguns estabelecem rapport imediatamente,
enquanto que para outros isso pode exigir bastante tempo.
Por isso seria grotesco ficar em silêncio por um longo período, apoiando-se no principio
de que a entrevista é livre e é o consultante quem deve falar, como seria também
grotesco interrompê-lo enquanto está relatando algo importante para imnpor-lhe a
tarefa de desenhar.
O psicodiagnóstico possui um fim em si mesmo, mas é também um meio para outro fim:
conhecer esta pessoa que chega porque precisa de nós. A finalidade

é conhecé-la da forma mais profunda possivel. Para isso o bom rapport é


imprescindível.

4) Na investigação. No que se refere à investigação, devemos distinguir dois objetivos:


um, é a criação de novos instrumentos de exploração da personalidade que podem ser
incluídos na tarefa psicodiagnóstica) Outro, o de planejar a investigação para o estudo
de uma determinada patologia, algum problema trabalhista, educacional ou forense,
etc. Neste caso, usa-se o psicodiagnóstico como uma das ferramentas úteis para
chegar a conclusões confiáveis e, portanto, válidas.
Um exemplo do primeiro caso é o que fez o próprio Hermann Rorschach quando criou
as manchas e selecionou entre milhares aquelas que demonstravam ser mais
estimulantes para os pacientes.
Para dar validade a este teste mostrou as lâminas a um grupo de pacientes
selecionados aleatoriamente e, após, a outro grupo já diagnosticado com o método de
entrevista clinica (esquizofrênicos, fóbicos, etc.). Assim pôde estabelecer as respostas
populares (próprias da maioria estatistica selecionada aleatoriamente) e as diferentes
“síndromes” ou perfil de respostas tipico de cada quadro patológico.
Da mesma forma procedeu Murray, criador do T.A.T. (Thematic Apperception Test), As
respostas estatisticamente mais freqüentes foram denominadas “populares”. Os
desvios dessas respostas populares eram considerados significativos tanto no aspecto
enriquecedor e criativo como no sentido oposto, ou seja, no aspecto patológico,
podendo proceder do mesmo modo que Rorschach.
A criação de um teste não é uma tarefa fácil. Não podem ser colhidos alguns registros e
deles extraídas conclusões com a pretensão de que sejam válidas para todos. E
necessário respeitar aquilo que a psicoestatistica indica como modelo de investigação
para que as suas conclusões sejam aceitáveis. Também é necessário um
conhecimento abrangente e o trabalho em equipe para a correta interpretação dos
resultados. Assim, por exemplo, se se pretende criar um teste que avalie a inteligência
em crianças surdas-mudas, será imprescindível a presença de um especialista dessa
área. Se a intenção é criar um teste para pesquisar determinados conflitos emocionais
em crianças pequenas, é indispensável que alguém conheça perfeitamente como é o
desenvolvimento normal da criança a cada idade e da criança do grupo étnico ao qual
pertence o pesquisador, já que, não sendo assim, se a pesquisa tratasse de estudar o
mesmo aspecto, mas em crianças suecas ou japonesas, sem a presença de um
antropólogo e um psicólogo conhecedores da matéria, como integrantes da equipe
pesquisadora, poderiam ser tiradas conclusões incorretas. Em relação ao segundo
objetivo, trata-se em primeiro lugar de definir claramente o que se deseja pesquisar.
Suponhamos que a finalidade é descobrir se existe um perfil psicológico típico dos
homossexuais, dependentes de drogas ou claustrofóbicos. O primeiro passo deve ser
selecionar adequadamente os instrumentos a serem utilizados, a ordem que será
seguida, as ordens que serão dadas, o material (tamanho do papel, número do lápis,
etc,) e os limites dentro dos quais podemos admitir variações individuais (por exemplo,
podemos admitir que desenhe o Bender em mais de uma folha, que queira usar o
verso, que acrescente detalhes às figuras, mas não que use borracha, de forma que
tudo fique registrado). Isto é o que é chamado de padronizar a forma de administração
do psicodiagnóstico. Se cada examinador trabalhasse à sua maneira, seria impossível
comparar os registros colhidos e, portanto, não poderíamos pretender tirar deles
concinsões cientificamente válidas.

Logo após, administraremos este psicodiagnóstico assim planejado: por um lado, a uma
amostra de homossexuais, dependentes de drogas, etc., e, por outro lado, o mesmo
psicodiagnóstico, à outra amostra chamada de controle, que não registra a mesma
patologia do grupo em estudo. Em uma terceira etapa, serão buscadas as recorrências
e convergências em ambos os grupos, para poder-se assim chegar a conclusões
válidas. Por exemplo, é significativo que os homossexuais desenhem primeiro a figura
do sexo oposto, já que na amostra de controle a pessoa desenha primeiro a do seu
próprio sexo, no Teste das Duas Pessoas. Estou usando um exemplo simples com a
finalidade de transmitir claramente em que consiste essa tarefa. A utilidade destas
pesquisas varia muito. As mais interessantes são aquelas que permitem identificar
indicadores que servirão para detectar precocemente problemas clínicos, trabalhistas,
educacionais, etc., com a conseqüente economia de sofrimento, problemas e até
complicações institucionais.

Método para que o Consultante Aceite Melhor as Recomendações

O psicodiagnóstico inclui, além das entrevistas iniciais, os testes, a hora de jogo com
crianças, entrevistas familiares, vinculares, etc. As conclusões de todo o material obtido
são discutidas com o interessado, com seus pais, ou com a família completa, conforme
o caso e o sistema do profissional.
Os testes realizados individualmente são reservados, geralmente, para a entrevista
individual com essa pessoa, para a entrega dos resultados. Porém o que tem sido feito
e conversado entre todos pode ser mostrado ou assinalado para exemplificar algum
conflito que os consultantes minimizam ou negam.
Por exemplo, um rapaz em torno dos 25 anos que consultou por se sentir amarrado
demais à noiva e a mãe, disse no Questionário Desiderativo que gostaria de ser o vento
porque é livre e também um cão porque é uma companhia fiel. Além do restante do
registro, estas duas catexias serviram para enfrentá-lo com sua própria contradição:
querer ser livre como o vento e ao mesmo tempo precisar da companhia de alguém que
lhe desse afeto. Logo aceitou que isto criava uma situação interna dificil e que não
podia pensar que o problema seria solucionado trocando de noiva ou distanciando-se
de sua mãe.
Em outra ocasião, com os pais de um menino de doze anos que se recusavam a aceitar
a seriedade da doença do mesmo, usei outro recurso. Mostrei-lhes a lâmina III do
Rorschach dizendo que o teste não estava sendo feito com eles, mas que a
observassem silenciosamente por um instante e logo cada um dissesse o que havia
visto. Ambos disseram algo semelhante à resposta popular: “Duas pessoas fazendo
algo”. Então disse-lhes que o menino havia respondido: “Dois esqueletos”. Ambos
ficaram muito impressionados e começaram a levar mais a sério minhas advertências.
Poderia eu ter tido a surpresa de que eles também dessem respostas muito
patológicas. Nesse caso teria comentado de passagem o que o filho tinha visto e
desviado a atenção para outro material. Quando as distorções são compartilhadas por
pais e filhos, a conclusão inevitável é a de que uma terapia familiar é urgente.
Outro caso é o de uma moça de uns 20 anos que chega a um Serviço de
Psicopatologia de um Hospital pedindo um estudo vocacional. Toda a sua conduta na
sala de espera e ao pedir a entrevista deixava clara uma grave patologia. A ansiedade
era enorme, apertava nervosamente as mãos, sentava-se e levantava-se
incessantemente, etc. Queria que fosse feito exclusivamente o “teste” vocacional. Com
muita relutância, aceitou responder o Desiderativo. Suas respostas foram: 1+, “Gostaria
de ser uma pomba, que é graciosa e alegre”, e no 1-. “Não gostaria de ser uma

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hiena porque vive se alimentando de desperdícios”; 2- “Um gladíolo porque me lembra


velórios”; 3- “Algo mineral, o carvão. Não me pergunte por quê”.
Entre a aparência alegre e inocente da pomba, inevitavelmente associada à vida e à
paz, e a hiena que vive de cadáveres há uma dissociação abismal. As três colocações
negativas estão relacionadas com a morte: o gladíolo com velórios, e o carvão é um
vegetal sepultado sob a terra durante milênios. Isto facilitou o início da conversa com
ela, sobre o quanto a preocupava a idéia da morte e como isso a deixava ansiosa. Ela
deixou de insistir com o teste vocacional e começou a relatar fatos da sua vida,
especialmente sobre a perda de vários seres queridos. Mesmo assim, recebeu algumas
sugestões vocacionais, mas aceitou ir ao Serviço uma vez por semana para continuar
falando sobre essas coisas que tanto perturbavam o seu dia-a-dia.

Escolha da Estratégia Terapêutica Mais Adequada

Um psicodiagnóstico completo e corretamente administrado permite-nos estimar o


prognóstico do caso e a estratégia mais adequada para ajudar o consultante:
entrevistas de esclarecimento, de apoio, terapia breve, psicanálise, terapia de grupo,
familiar ou vincular, sistêmica ou estrutural; análise transacional, gestáltica, etc.
Assim, por exemplo, um paciente trabalhará muito bem na psicanálise se aceitar a sua
responsabilidade no conflito, se mostrar colaboração para fazer associações, contar
lembranças, entrar em sua vida particular, em seu passado. Diante da tarefa do
Desenho Livre, aceita com prazer e responde com um bom nível de simbolização e
riqueza em suas associações. As lâminas menos estruturadas como as do Rorschach
não lhe causam impacto. A lâmina em branco do Phillipson o estimula favoravelmente.
A entrevista final torna-se agradável devido à escassez de resistência. O diálogo é
fluido. Aparece a necessidade de se preocupar, chorar, ou ao menos ficar deprimido na
medida certa para empreender a tarefa psicanalítica com uma boa motivação.
Muito diferente seria o caso de outra pessoa que não tolera a entrevista aberta e
prefere um inquérito pautado, que se bloqueia no Desenho Livre, no Rorschach e na
lâmina branca do Phillipson. Pergunta “O que faço, que desenho?” e sente alívio
quando nós damos uma ordem mais precisa, por exemplo “Bem, desenhe uma casa,
uma árvore e uma pessoa”. A série A do Phillipson o deixa muito ansioso e gosta mais
da B que é mais definida e menos difusa, Esta pessoa trabalhará melhor com uma
terapia cara a cara, na qual se combinem interpretações cautelosas com sugestões e
alguns direcionamentos. A situação de solidão e de regressão do divã seria para ele,
por enquanto, insuportável, e só poderia aceitá-la após uma primeira etapa com as
características descritas.
As entrevistas diagnósticas vinculares e familiares são de grande utilidade para decidir
entre a recomendação de um tratamento individual, vincular ou familiar, Existem
algumas técnicas projetivas idealizadas para serem aplicadas simultaneamente a um
casal ou a um grupo (filial, familiar, de trabalho, etc.)
Entre elas posso citar o Teste do Casal em Interação (TPI) do psicólogo de Rosado,
Luis Juri, o Teste Cinético da Família de Renata Frank de Verthelyi (adaptação) em
suas formas atual e prospectiva; também o teste de Rorschach com a técnica de
consenso.
Estes testes são muito úteis para decidir a capacidade de agrupamento ou não de um
indivíduo, ou para fazer um diagnóstico sobre como irá funcionar um grupo em
formação. Os terapeutas de grupo têm usado muito, para isto, o teste das

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bolitas do Dr. Usandivaras. Ester Romano apresentou seu MEP (Modelo Experimental
Perceptivo) à Associação Argentina de Psicanálise, idealizado sobre a base de
estímulos gráficos ao estilo do Wartegg e não estruturados ao estilo do Rorschach.
No psicodiagnóstico individual, o motivo da consulta manifesto e latente dá-nos uma
pauta para recomendar ou não a terapia de grupo. Quando as dificuldades situam-se na
relação do indivíduo com os demais (pares, superiores ou subalternos) o mais indicado
é recomendar a terapia grupal. Se, no entanto, o conflito está mais centralizado no
intrapsíquico, o mais adequado seria terapia individual.
O teste de Phillipson (especialmente as lâminas grupais AG, BG e CG) nos dá uma
informação muito útil a respeito, já que, se nelas a produção for boa, comprovaria a
nossa suspeita de que uma terapia em grupo seria adequada, enquanto que se nelas o
paciente se desarticula, sofre impactos, as nega ou distorce a produção, haveria que
pensar que, longe de ser uma ajuda, a terapia de grupo aumentaria a sua angústia. De
forma que, independentemente do motivo da consulta, isto seria um elemento para
contra-indicá-la.
Em síntese, tentei resumir as diferentes aplicações que pode ter o psicodiagnóstico, e
certamente serão abertos outros novos caminhos ainda não explorados.

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