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PULSÃO DE MORTE- A UTILIDADE CLÍNICA DO CONCEITO

“A PSICANÁLISE NÃO CURA AS PESSOAS, MAS MOSTRA A


ELAS O QUE NELAS É INCURAVEL.” – Adam Philip

Suad Haddad de Andrade

Falar de pulsão de morte implica em falar da dualidade pulsional em primeiro


lugar, ou seja: Pulsão de Vida X Pulsão de Morte. Trata-se de duas forças ou de dois
movimentos psíquicos internos que consistem na tendência à construção, de um lado, e
na tendência oposta, de destruição, de outro; uma forca que congrega e outra que é
desagregadora.
A pulsão de vida é inquestionável, mas a existência da pulsão de morte, ou de duas
forcas antagônicas no psiquismo, é tema de debates desde quando Freud propôs, em
1920, em “Além do princípio do prazer”.
São várias as questões e elas comparecem com diferentes formulações:
- O homem nasce violento ou se torna violento por causa das circunstâncias da
vida?
- A Pulsão de Morte tem energia própria?
- Temos, ou não, um instinto destrutivo congênito?
- A Pulsão de Morte, por si só, é vila dos processos psicopatológicos? 1

Freud foi inflexível quanto à dualidade pulsional, conceito coerente com a noção
de conflito, seu conceito básico. E a articulação entre as duas pulsões é permanente- para
entendermos uma, necessitamos levar em conta a outra. A hegemonia do princípio do
prazer cai por terra quando Freud vislumbra a pulsão de morte como autônoma e
originária.
Klein vai centralizar sua construção teórica na angústia. Em Freud buscamos a
morte, o Nirvana; em Klein nos tememos e evitamos a morte. Para ela a angústia é
expressão direta da pulsão de morte, o que deixa então claro, a forca que ela atribui a
essa pulsão.
Ela vai diferenciar e definir bem o dualismo pulsional: enquanto Freud considerava
a pulsão de morte silenciosa, Klein vai mostrar que ela é barulhenta. Freud falava da
necessidade de descarga de energia; Klein traz os mecanismos de projeção e mostra que
a estimulação interna é provocada pelos objetos. O objeto é revelador das pulsões. O
objeto não cria as pulsões, mas possibilita que elas se manifestem, sempre lembrando

1Indago- me se os psicodiagnósticos não teriam uma finalidade auto cruel, o que seria o
comparecimento da Pulsão de Morte agindo
que o objeto pulsional é uma representação e não um objeto externo, no sentido de uma
coisa no mundo. E os arranjos internos são possíveis graças às fantasias inconscientes.
A questão, sempre e infinita, é a luta entre a vida e a morte, e ela vai mostrar
ainda, na sua proposta das Posições, que é a pulsão de morte, por intermédio da angustia
e da culpa, que vai nos levar à Posição Depressiva!
É interessante como todos aceitam a existência e a importância da agressividade.
Quando falamos de agressividade falamos de energia, de combatividade, de disposição
ativa e empreendedora, de defesa, de autoproteção. A agressividade está, para muitos
autores, ligada à pulsão de vida.
Já a proposta de uma destrutividade interna não seria suficiente ou nãos bastaria
para provar a existência da pulsão de morte – a tendência a destruir nãos seria natural,
mas apareceria, ou passaria a existir a partir das frustrações provocadas pelas falhas
ambientais.
Para Antonino Ferro “pulsão de morte ou instinto de morte poderia ser apenas
resultado de inadequações reais de capacidade de nossa espécie de transformar
informações sensoriais”. Os psicanalistas americanos da psicologia do ego, não
concordam com a existência da pulsão morte. E os que não aceitam a pulsão de morte
dizem que se recorre a este conceito na tentativa de dar forma ao que não tem forma; é
um esforço para dar representatividade ao que esta sem representação.
Por outro lado, são muitos os que consideram a pulsão de morte como pulsão
mobilizadora da vida. Hanna Segal, no seu texto “Da utilidade clínica do conceito de
pulsão de morte” (no livro “Pulsão de Morte”) afirma que, para ela, o conceito de pulsão
de morte é indispensável no trabalho clínico. E a compulsão à repetição, o movimento
mais importante dessa pulsão, que inicialmente era vista como um mecanismo
empobrecedor e como uma maneira de não ver a própria violência interna, assume
outras características: repetimos não para imobilizar, mas para gerar novas situações,
revisões, reformulações e, portanto, para possibilitar a criatividade. Aero Rechard (no
mesmo livro citado sobre H. Segal) diz que a compulsão à repetição nos ajuda a
sobreviver; a própria repetição que ocorre na análise mostra isso.
Paim filho fala que a repetição traz novas possibilidades como quando o não
simbolizado, com a repetição, passa a ter possibilidade de vir a ser simbolizado.
A pulsão de morte impede a permanência e existe para desmontar a ordem, e,
portanto, é um estímulo para o psiquismo. As defesas , por ex., existem para nos proteger
da atuação da destrutividade interna e representam, então, uma força de vida. Para
muitos autores, hoje, a pulsão de morte não e só autônoma e originária, como postulou
Freud, (com o que Laplanche não concorda) mas é a pulsão por excelência. Em um texto
de Caudio Eizirik, citando vários autores, ente eles, o André Green, ele diz que predomina
a tendência de considerar a P.M. como –“a organização psíquica mais antiga , a que nunca
pose ser domada”.
Ambas, vida e morte, vêm juntas, formam uma unidade e interagem no psiquismo,
como consciente-insciente, e são responsáveis pela atividade mental. Klein fala de fusão
e defusão – enquanto fundidas as pulsões de vida e morte, as dificuldades são
perfeitamente toleráveis. A defusão, com aumento das forcas disruptivas, e o grande
perigo.
A noção de mundo interno, construído pelas projeções e introjeções, é a
contribuição importante de Klein. Com estes conceitos passamos a compreender que não
é o passado pontual que pode explicar qualquer coisa, mas o que é feito dele, como o
passado foi vivido, o que ficou dele, e o que foi transformado. Em psicanálise sabemos
bem que não somos vítimas das personagens do passado, mas de nós mesmos, de nossa
bagagem interna, de nossos recursos ou da ausência deles. É o relacionamento com
nossas pulsões, através do relacionamento com o outro, que nos faz únicos; nas nossas
primeiras relações são nossas vivências em sentimentos que nos definirão para sempre.
Vivemos conflitos todo o tempo em decorrência da dualidade pulsional. Como
psicanalistas sabemos que o mais importante não é corrermos em busca das soluções dos
conflitos, mas sempre na identificação dos conflitos. Não negar o conflito, admitir sua
existência e torná-la clara para o paciente, é nossa tarefa. Temos verificado que o
conhecer de si mesmo é útil e traz mobilizações e mudanças significativas, mas
esbarramos muitas vezes com a questão da rejeição da violência interna.
A filosofa Suzaanne Langer faz, muitas vezes, em seus escritos, a distinção entre e
animais. A colocação básica é de que os homens se diferenciam dos animais porque
constroem símbolos: o pensar acerca das coisas, a linguagem, a imaginação, a
especulação são os principais produtos da mente humana. Mas é o conhecimento
antecipado da morte a diferença fundamental; só o ser humano sabe que vai morrer. Só
o ser humano é capaz de se observar, conhecer-se internamente, enfim, pensar a si
mesmo e sobre tudo que o rodeia. E sabe que a morte é seu destino.
Sabemos da morte porque a vemos acontecer ao nosso redor? Aprendemos sobre
ela por observação?
Não, sabemos da morte porque a conhecemos internamente, nas múltiplas e
constantes mortes que vivemos dentro de nós. Somos nós que temos a capacidade de
pensar, de desejar, que vivemos para nos autoafirmar, buscando a felicidade. Os animais
vivem para dar continuidade à espécie, nós vivemos para dar continuidade a nossa
própria existência, para nos autorrealizarmos.
Costumamos dizer, então, que estamos condenados à morte. Mas estamos
condenados à vida. Desde que somos concebidos, estamos, digamos assim, condenados
a viver, a lutar pela vida. E também condenados a nos desenvolver, a criar e a fazer liames
que nos garantem o envolvimento com a humanidade, com os outros homens.
E começamos muito cedo a luta pela sobrevivência. É a persistência desta energia
de luta que nos manterá vivos. Antônio Medina Rodrigues, no seu livro sobre utopias
gregas, fala que o ideal não é aquilo que nós queremos, mas aquilo que nos faz querer
alguma coisa; e a persistência da energia do querer é que nos mantem vivos. A ameaça
de morte nos faz querer viver! E não só: se o estar satisfeito é o mais importante, nosso
destino está comprometido coma estagnação, com a banalidade. São as insatisfações e
ameaças que nos mantem permanentemente ativos e criativos. Então, o que nos mobiliza
a viver e a explorar ao máximo nossos recursos são os perigos que a pulsão de morte trás,
já que a estagnação é a morte da vontade e a banalização é também uma destruição dos
nossos valores.
Freud não se deteve no biológico; ele ficou no psicológico quando falou de Vida e
Morte. Klein fala de Amor e Ódio, de sentimentos, portanto. Não precisamos do biológico
para saber da morte; ela é uma experiencia interna comum: quando desanimados
sabemos que está morrendo o animo; quando desamparados matamos a esperança, a
alegria, a confiança em nossos próprios recursos. Quando cheios de ódio sabemos que
estamos matando ou está morto o afeto, o querer bem. Estamos todo o tempo lutando
contra a morte dos bons sentimentos, contra a morte de nossos projetos, conta a morte
de esperança e contra a estagnação do pensar. Então, o que estou afirmando é, como diz
Laplanche, pulsão de morte é pulsão da própria morte, ataca internamente quando são
atacados os objetos internos e os recursos do ego. É sempre destrutividade contra o self,
mas que pode ser projetada para fora. Não temos ideia da morte, temos vivência da
morte quando nossos recursos internos são aniquilados; o medo adulto da morte
também está ligado a este medo interno de aniquilamento do psíquico. Com nossos
pacientes, qualquer que seja a patologia, penso que o básico, e sempre presente, é este
medo de enlouquecer, de destruir a mente pensante.
Também existe desde sempre o desejo de matar. Freud fala do desejo e do medo
de matar e de ser morto. O que é o Édipo senão isto!
A questão da dualidade , ou da conciliação entre tendencias opostas é básica no
ser humano e comparece magnificamente na tragédia grega. E somos trágicos, como diz
Rachel Gazolla, enquanto somos lugar de conflito. O que é universal no homem é este
aspecto trágico de uma luta permanente entre a vida e morte. A condição trágica consiste
em termos que viver com esta dualidade; este é nosso aspecto vulnerável que não é para
ser eliminado, mas para se explorado. Para os gregos como para nós e para todo ser
humano em qualquer época a conclusão é: trágico é termos que conservar e o que não
pode ser perdido, ou trágico é a queda na realidade! É a perda das ilusões e o fato de
termos que viver com nossas limitações.
A vontade de vida ou de viver nos é inerente e cobra de nós renovação
permanente. Então é a vida que nos dá trabalho, que não nos permite repouso.
A autonomia narcísica e a negação da necessidade do outro são tendências
terríveis, perigosas, que teremos que lidar sempre, e que exigem mantermos conectados,
permanentemente, as pulsões de vida e de morte, ou melhor, amor e ódio.
A busca pela analise já expõe a luta de nossos pacientes com esta dualidade: eles
nos trazem suas angústias (expressão da pulsão de morte) com esperança, empenho e
confiança (expressão da pulsão de vida).

FIM
SUAD HADDAD DE ANDRADE

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