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Teorias e Técnica Psicoterápicas VII

psicanálise com crianças

Prof Rodrigo M. Andrade


História da técnica
 Freud nunca atendeu diretamente uma criança.

 A história da técnica psicanalítica se inicia com a hipnose,


que tinha por objetivo levar o paciente a situação
traumática, solucionando o sintoma.
 Em 1896, Freud abandona a hipnose em prol da
associação livre, que consiste em um método investigativo
através da cadeia associativa do paciente.
 Freud compreende que o vínculo estabelecido entre
paciente e terapeuta, é um instrumento técnico no trabalho
analítico nomeando-o de transferência.
 A interpretação consiste em revelar ao paciente a
compreensão de conteúdos inconscientes, tornando-os
conscientes.
Pequeno Hans (1909)
Análise da fobia de uma criança de 5 anos.
 O pai do pequeno Hans, que era interessado
em psicanálise, conversava com Freud sobre
seu filho.
 Freud encontrou Hans apenas 2 vezes.
 Hans começa a desenvolver um temor em sair
de casa, após o nascimento de sua irmã.
 O motivo expressado pelo menino é o medo de
cavalos.
 Por que Hans, que gostava de cavalos, de
repente começa a sentir medo?
 Hans tinha medo que os cavalos o mordessem.
Pequeno Hans (1909)
 Freud compreende que o medo de Hans estava
relacionado com a angústia de castração, de perder
algo.
 Em uma das visitas, Freud pede para que Hans
desenhe o cavalo.
 O cavalo desenhado pelo menino, tem os dentes feitos
como um rabisco, que Freud percebe como
semelhante ao bigode ostentado pelo pai do garoto.
 Freud intervém dizendo:

“Esse cavalo parece ter um bigode”


Hans diz:
“Parece com o bigode do meu pai”
Pequeno Hans (1909)
 A gênese fóbica do menino surge quando
a família vai passar férias em outra cidade
e o pai volta de tempos em tempos para
trabalhar.
 Nesse momento, Hans sente uma
ambivalência em relação ao pais, no
período em que está só com a mãe,
dorme na cama com ela, toma banho com
ela, o que evoca sensações prazerosas
no garoto.
 Percebe que toda vez que o pai retorna,
ele interdita o menino em relação a mãe.
Pequeno Hans (1909)
 Nesse período começa a ter pesadelos com cavalos.

 A fobia surge como solução ao sintoma primário.

 Ao falar sobre sua fobia, Hans fala de suas fantasias, e


aumenta a dimensão simbólica acrescentando
elementos como a carroça (a carroça segura o cavalo).
 O menino chega em uma fantasia onde o encanador
atarraxa um cano, que soluciona a fantasia de perda
pela castração.
 Muitos anos depois, em um congresso de psicanálise
organizado por Anna Freud, um rapaz levanta a mão e
diz:
“Meu nome é Hans, e sou a prova de que a psicanálise
funciona.”
Anna Freud
 Nasceu em 1885, filha de Sigmund Freud e Martha Freud.
 Começa a participar dos círculos psicanalíticos do pai, mas por ser
mulher, foi impossibilitada de estudar medicina e por fim fez pedagogia.
 Em 1918 inicia sua análise com Freud.

Se interessa pelo trabalho com crianças e atendia crianças de 6 a 12


anos.
 Percebia limitações da técnica;

Crianças tinham dificuldades em associar verbalmente.


Não tinham desejo de “cura” e nem consciência de sua “doença", e eram
encaminhadas por uma queixa familiar

 Com isso a autora compreende a necessidade de desenvolver uma


adaptação à técnica.
Anna Freud
 Compreendia que a análise com crianças deveria desempenhar um
papel pedagógico.
 As entrevistas preliminares deveriam prepara a criança para análise,
conscientizá-la de seu problemas
 Ex: Uma conduta rebelde por produzir consequências ruins para
criança.
 Ao contrário da análise do adulto que visa flexibilização do recalque,
Anna acreditava que na análise com crianças, o analista atua em
parceria com o recalque; educando, domando as pulsões, escolhendo o
que é adequado ou inadequado, ou seja, o terapeuta se tornava uma
figura de autoridade.
 Para Anna a criança não estabelece a transferência com o terapeuta,
pois ainda está demasiadamente conectada com os pais.
Anna Freud
 Trabalhava em parceria com os

pais, mas acreditava que os relatos


familiares estavam atravessados
pelos próprios conflitos e sintomas,
contudo, as crianças são
determinadas por tais conflitos.
Melanie Klein
 Nascida em Viena, em 1882.
 Vive muitas perdas ainda jovem, o pai, a irmã e o irmão, e
um dos filhos em um acidente de alpinismo.
 Desejava ter feito medicina, mas abandona o desejo após o
casamento.
 Casou-se e teve 3 filhos, todos analisados por ela.
 Foi analisada por Ferenczi, que incentiva Melanie Klein a se
aprofundar na análise com crianças.
 Muda-se para Berlin onde se analisa com Karl Abraham, que
morre durante o processo.
 Funda a técnica lúdica com crianças.
 Compreende que o brincar é uma representação simbólica
das fantasias inconscientes da criança.
Melanie Klein
 Para autora a única diferença entre a análise de crianças e adultos está no método.
 Assim como nos adultos, na análise de crianças são considerados os conceitos de
transferência, pulsão e inconsciente.
 O brincar substitui a associação livre. No brincar, a criança monta um cenário, assim
como em um sonho.
 Para Klein, tudo tem um nexo a partir do determinismo psíquico, ou seja, o brincar te
relação com processos psíquicos.
 A autora postulava que a brincadeira funcionava através do deslocamento da libido
para o objeto.
 Ex: A criança com questões referentes ao desfralde podem simbolizar através da
massa de modelar ou argila
Melanie Klein
 Em 1926 muda-se para Londres,
onde se destacam as diferenças
teóricas com os psicanalistas de sua
época.

 Os analistas da época não aceitavam


o brincar como associação livre e
eram contra o trabalho de Melanie
Klein com a transferência negativa.
Melanie Klein
 Ao contrário de Freud que postulava o complexo de édipo em torno dos 5 anos de idade,
Melanie Klein, defendia o édipo precoce, por volta dos 6 meses.
 Freud não aceitou as novas formulações teóricas de Melanie Klein, ficando ao lado de sua
filha, causando importantes divergências.
 Teoria da relação de objeto- De forma muito precoce a criança, mesmo pouco integrada, se
relaciona com forte carga emocional a objetos parciais, como o seio, podendo ser um objeto
bom OU mal.
 O mundo interno e os objetos externos constituem o sujeito através do processo de
introjeção e projeção.
 Para a autora mesmo em tenra idade, toda pulsão tem como correlato uma fantasia.

Ex; O bebê ao fazer o movimento de sucção está fantasiando o seio.


CONTINUA...
Melanie Klein
 O objeto de trabalho na clínica Kleiniana são
as fantasias inconscientes, recusando
qualquer caráter pedagógico, como aqueles
proposto por Anna Freud.
 Abandona a concepção edípica Freudiana,
buscando o édipo constituído precocemente,
ao invés de focar na relação triangular,
objetiva a relação dual mãe-bebê.
 Se utilizarmos a tripartição Lacaniana sobre o
Real, Simbólico e Imaginário, fica evidente a
preferência de Melanie Klein em trabalhar a
partir do Imaginário.
Melanie Klein
 Em 1934, Klein começa a teorizar aquilo que seriam
os conceitos mais importantes formulados pela
autora; as posições.
 Representa a passagem de uma concepção
desenvolvimentista para dimensão estrutural.
A psicanalista nos apresenta 2 posições.

Posição depressiva

Posição esquizo-paranóide
Posição esquizo-paranóide
 Dos 0 aos 6 meses de vida
 Se dá pelo processo de introjeção e
projeção
 Primeira relação objetal do bebê
ocorre com o seio. Por vezes amado
e por vezes odiado.
Seio Bom x Seio mau

Nesse momento estão no apogeu, os


impulsos destrutivos, angústias
persecutórias, idealização, onipotência,
negação.
Posição esquizo-paranóide
 Nesse momento o bebê se relaciona apenas com objetos
parciais (seio), ou seja, não percebe o outro inteiro,
integrado.
 Não vive a ambivalência, pois o objeto está cindido entre
ideal e persecutório.
 Com isso, a angústia persecutória é dominante, sente
medo que objeto externo de origem persecutória, destrua,
aniquile.
 Nesse momento, a criança busca introjetar os objetos
ideais (bons) para si, se identificando com ele e projetar os
objetos maus, que correspondem a seus próprios
impulsos destrutivos.
Posição depressiva
 Para que se passe para posição depressiva é necessário que as
experiências boas predominem sobre as más.
 Se inicia por volta de 1 ano e 3 meses.

 A criança começa a perceber o mundo de maneira diferenciada e mais


integrada.
 Percebe a mãe como objeto total (conjunto de mão, braço, seio, etc.)

 O outro é diferente de mim.

 Experimenta a ambivalência, ou seja, ela pode amar e odiar o mesmo objeto.

 A angústia na posição depressiva se caracteriza pelo medo em destruir o


objeto amado.
 Sente culpa por ter destruído a mãe anteriormente, e com isso surge o
sentimento da possibilidade de reparação.
Superego
 Para Klein, o superego inicia sua constituição
precocemente.
 Para Freud o superego é herdeiro do complexo de
édipo, já para Klein o superego é anterior ao
complexo de édipo.
 O superego arcaico postulado por Melanie Klein
se relaciona a fase oral, podendo ser hostil e
destrutivo.
Clínica
 Melanie Klein tinha predileção pelo universo das fantasias inconscientes da criança.

 Um dos seus principais recursos era a interpretação, ou seja, interpretava as ações


da criança diretamente a ela.
 A autora compreende que a função do analista é abrandar aspectos severos do
superego primitivo.
 Prioriza a realidade psíquica em detrimento da realidade objetiva. A autora prioriza tal
estratégia a fim de oferecer um lugar privilegiado de fala e simbolização sobre si,
desocupando o lugar dos sintomas de seus mensageiros, que muitas vezes são os
pais.
Donald Woods Winnicott (1896-1971)

 Pediatra de formação.

 Se interessa pela psicanálise, reconhecendo a


importância do meio emocional no
desenvolvimento das doenças físicas.
 Inicia seus estudos através do contato com
Melanie Klein
 Foi analista de Erich, filho de Melanie Klein.

 Com a chegada da família Freud a Londres, a


briga entre Anna Freud e Melanie Klein se
acirra, e Winnicott toma outra posição, não
elege um dos lados.
Donald Woods Winnicott (1896-1971)

 Mesmo influenciado por Freud e Melanie Klein, o autor segue um caminho


independente formulando seu próprio olhar sobre a psicanálise, baseado em sua
experiência clínica.
 Tinha como intenção, a simplificação dos conceitos psicanalíticos para que a
sociedade consiga acessá-lo, falava para pais e professores.
 Ao contrário de Melanie Klein que preconizava o mundo interno da criança, Winnicott
ressalta a dependência da criança em relação ao ambiente.
 O autor aponta a importância do ambiente na formação do desenvolvimento infantil.
Donald Woods Winnicott (1896-1971)
Abre uma importante reunião psicanalítica com a frase:
“ O bebê não existe”

Com essa frase, o autor pontua a importância do meio relacional e ambiental na


existência do bebê, o bebê só existe porque recebe os cuidados de um outro.
Com isso, ressalta a dependência do sujeito em relação ao ambiente.
O ambiente Winnicottiano corresponde à função materna, aos cuidados maternos,
que é SIMBÓLICA, e pode ser exercida por qualquer um que exerça os cuidados ao
bebê. É através da mãe e de sua capacidade em se adaptar às demandas do bebê,
que o bebê conhece o mundo.
Mãe suficientemente boa
 Mãe suficientemente boa- É aquela mãe que não é perfeita, mas é capaz de
atender as necessidades básicas do bebê de forma adequada.
 É capaz de ofertar amor, cuidado e empatia, contudo, de maneira adequada, sem
excessos ou em demasia, o que atrapalha o desenvolvimento infantil.
 A mãe suficientemente boa permite que seu filho vivencie frustrações e que ela
mesmo falhe em alguns momentos.
 As pequenas frustrações vivenciadas na infância permitem a criança desenvolver
recursos para lidar com a complexidade da vida.
Dependência absoluta
x
Dependência relativa
 Dependência absoluta- vai do nascimento até dos 6 meses de idade e consiste no momento
em que o bebê depende totalmente do meio.
 Ele desconhece esse estado de dependência, na medida que para o bebê, ele e o meio são
uma coisa só.
 Dependência relativa – vai dos 6 meses até os 2 anos de idade.

 Vai percebendo que ele e sua mãe não estão misturados, que são pessoas diferentes.

 Ou seja, suas fantasias não correspondem a realidade e depende de sua mãe para satisfazê-
las.
 Nesse período, a mãe que percebe a independência do filho, se distancia, retomando suas
atividades como trabalho e estudos.
Objeto transicional
 Nesse período o bebê faz a passagem do que é
subjetivamente concebido (alucinar o seio) para aquilo que é
objetivamente percebido.
 Para isso, ele necessita de uma área intermediária entre a
realidade externa e a realidade interna, que lhe permita
suportar a angústia de separação.
 Winnicott nomeia essa área de passagem como fenômenos e
objetos transicionais
 Ou seja, o objeto transicional é algo de ambiente que
componha algo de dependência e algo de independência, não
é nem parte objeto interno do bebê e nem parte objeto externo.

 Ex: Paninho, travesseirinho, ursinho. Hoje em dia celular.


Objeto transicional
 O objeto transicional “relaciona-se tanto aos
objetos externos quanto internos, mas difere
de ambos”. Portanto, o objeto não consiste na
coisa em si que o bebê manipula, mas como
ele o utiliza

 É importante que foquemos a função do objeto


transicional para o bebê e não naquilo que é o
objeto.
 O espaço transicional é o lugar ou espaço
onde os objetos são encontrados, ou seja, é o
espaço de diferenciação entre mãe e bebê.
Jogo da espátula
 1°momento – Período de hesitação Revela-se aí o sinal de que a criança já está
capacitada para usar objetos e percebê-los
 Ou o bebê olha para mãe e para o médico e
como parte da realidade externa. Podemos
pega a espátula, ou se enterra no colo da
considerar a espátula, nesse último
mãe
momento, como um representante do objeto
 1°Momento – Momento de ilusão transicional. Assim se constitui o espaço
transicional, o espaço de jogo entre a
 O bebê olha para espátula demonstrado
criança e o mundo. É uma etapa importante
desejo em pegá-la porque é deste modo que ela toma seu
 3°O bebê pega a espátula e a deixa cair para lugar na família
que alguém pegue, e depois pega a espátula
e vai brincar com ela no chão
Brincar
 Para Winnicott o lugar da brincadeira é chamado de espaço
potencial.
 É um espaço de produção de objetos transicionais que
permitam a criança suportar a angústia da ausência materna
e caminhe para maior autonomia e independência.
 Se a experiência fusional entre mãe e bebê excessivamente
falha, ou descontinuada abruptamente, criação do espaço
potencial é prejudicada.
 Tal período é quando a criança começa a desenvolver seu
próprio self e onde a criança começa a ter noção da realidade
externa, sabe diferenciar o eu do não eu.
Holding e Handling
 holding ou sustentação psíquica — consiste Handling ou manejo,
em permitir que o ego infantil encontre pontos corresponde de que maneira
de referência estáveis e simples, mas o cuidador realiza o manejo
fundamentais para que ele possa se integrar no da criança, como faz a
tempo e no espaço. alimentação, como troca as
 Envolve os aspectos físicos e emocionais e fraldas, dá o banho
consiste na disponibilidade da mãe em
responder as necessidades do bebê de forma
consistente.
 Consiste ainda em permitir que o bebê explore
o mundo e volte para um ambiente seguro e
reconfortante. Permite o afastamento gradual
do bebê.
Clínica
 Winnicott acredita que o analista deve ocupar o lugar do Holding.
 Não se preocupava com a demanda de análise, diagnóstico ou interpretação.
 Buscava estabelecer um encontro espontâneo com a criança.
 Participava ativamente da brincadeira, desenhava com a criança, afim de que ela
possa falar coisas que não falaria normalmente para outras pessoas.
Referências bibliográficas
 ABERASTURY, A. (1984). Arminda. Psicanálise da criança: teoria e técnica.
 Costa, T. (2007). Psicanálise com crianças. Editora Schwarcz-Companhia das Letras.

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