CAMPO GRANDE – MS
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIA HUMANAS
CURSO DE PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE – MS
2019
VIDA E OBRA DE MELANIE KLEIN
Melanie Reizes nasceu em 30 de março de 1882 em Viena e fora uma
mulher que mudou-se de país algumas vezes e em cada mudança, tornou-se a
conhecida Melanie Klein. Ainda em Viena, onde viveu toda a infância com sua
família – judia, culta e modesta –, estudou e noivou aos 17 anos de um
engenheiro químico chama Arthur Klein e por isso passa a chamar-se Melanie
Klein.
Quando mudou-se para Budapeste, seu pai havia acabado de falecer e
então foi viver com o marido na Hungria e teve seus filhos: Mellita Schmideberg
– posteriormente tornou-se uma famosa psicanalista – e Hans – que morrera aos
26 anos em um acidente –. Após a morte de seu filho, Klein passou por um
período depressivo intenso, rodeado de viagens e tratamentos de repouso em
decorrência da doença que se agravava, entretanto, no ano de 1914 aos 32 anos
a autora acabou engravidando e dando a luz ao terceiro filho, Erich, que
receberia o nome de Fritz futuramente em suas obras psicanalíticas. Pouco
tempo depois do nascimento do terceiro filho, sua mãe vem a falecer e foi quando
finalmente Melanie Klein deparou-se com a psicanálise ao ler O sonho e sua
interpretação (FREUD, 1901).
No ano de 1916 a autora passa a fazer análise com um dos pós-
freudianos conhecido como Sándor Ferenczi, que a fez estar convicta da
existência do inconsciente e a importância dele na vida psíquica do sujeito. Essa
convicção era o que não faria afastá-la da solidez dos fundamentos
psicanalíticos e por isso é considerada uma das pós-freudianas.
Ferenczi após atende-la percebeu que havia grande interesse de Klein
pela psicanálise e pela teoria, sendo assim, ele acaba por chama-la a atenção
para o dom que ela tinha de compreender as crianças e incentivou para que ela
se dedicasse à psicanálise com crianças. Foi então o primeiro contato de Melanie
com a Sociedade Psicanalítica de Budapeste, onde ela comunicou observações
sobre o desenvolvimento de uma criança (seu filho Erich). Com todas as
questões políticas que aconteciam no ano de 1920 e com a queda do império
austro-húngaro, Klein acaba por exilar-se em um terceiro país, a Alemanha, onde
foi convidada, por outro pós-freudiano, Karl Abraham a instalar-se em Berlim e
durante cinco anos fez sua formação com ele, bem como a análise que havia
começado com Sándro Ferenczi. Foi durante esse período que ela escreveu
alguns de seus trabalhos, dentre eles, desenvolveu seu método e técnica
psicanalítica do brincar.
O ano de 1924 foi marcante para que a carreira de Klein fosse consolidada
como uma psicanalista pós-freudiana renomada e com trabalhos relevantes para
a área, neste ano, ela fez uma comunicação em um congresso de Würzburg,
intitulada de “A técnica da análise de crianças pequenas”. Por essa
comunicação, Melanie foi convidada para mais conferências e consolidou sua
carreira abrindo espaço então para as suas produções, o momento que ela
estava fez com que a Sociedade Britânica de Psicanálise que era presidida por
Ernest Jones, convidasse-a para fazer parte da Sociedade e fora aceito o convite
por ela em decorrência também de seu mestre Karl Abraham ter falecido.
Finalmente em 1926, Melanie Klein fora para sua última pátria, estava na
Grã-Bretanha, onde associou-se a Sociedade Britânica de Psicanálise e
dedicou-se a produzir suas ideias relacionadas a Psicanálise e ao
desenvolvimento infantil, fora a partir desse momento que as produções
passaram a ganhar forma e ela passou a produzir diversos artigos e resumos
sobre suas ideias, posições, fantasia, brincar e a relação disso tudo com a
psicanálise para crianças.
Em 1960, aos 78 anos, Melanie Klein vem a óbito deixando seu legado
para os próximos psicanalistas e consolidando a carreira como uma das pós-
freudianas de mais impacto de seu tempo. Uma das técnicas de grande
reconhecimento por parte da Sociedade Britânica de Psicanálise consiste no que
conhecemos de técnica do brincar ou Play-Technique que não se reduz apenas
a ludoterapia, mas sim uma técnica que consiste em oferecer ao paciente uma
possibilidade de descarregar suas emoções através de formas de brincar. Klein
estabelece que essa possibilidade se dá porque a angústia da criança opõe uma
resistência às associações verbais, o autor NASIO (1995) afirma que:
“Quando a criança fala, em geral, isso é da ordem do comentário ou do
palavra a palavra: as crianças que começam a falar, por volta dos dois
anos, justapõem as palavras. Aquilo a que a angústia faz oposição é,
muito precisamente, a fala cristalizada, a fala condensada, metafórica.
Em lugar da condensação ainda impossível, surge o brincar: o brincar
toma o lugar da associação no sentido analítico, da condensação, da
palavra no lugar da outra, lugar atrapalhado pela angústia. O brincar
faz ofício de metáfora, é sua oficina.” (p.142)
Posto isto, podemos compreender que essa técnica trata-se então do fato
das crianças representarem simbolicamente as fantasias, os desejos e suas
experiências através do brincar, do desenhar e do representar.
POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE
Antes de esclarecermos o que de fato é essa posição, compreendemos a
necessidade de explicar que para Melanie Klein no nascimento já é possível que
o bebê experimente a ansiedade, alguns mecanismos de defesa – mais
primitivos – e algumas relações de objeto primitivas, tanto na fantasia, quanto na
realidade. Esta explicação, visa o esclarecimento de dúvidas futuras acerca da
função que ego exerce nesta posição.
Ademais, o ego surge então como a instância capaz de realizar diversos
processos, tais como os citados acima, embora para Melanie Klein desde o
nascimento o bebê possua o ego, ela explica que não é um ego consolidado
como o de um bebê integralizado ou de um adulto, como a autora suscita:
“Presumir que o ego tem, desde o começo, a capacidade de
experimentar ansiedade, usar mecanismos de defesa e formar
relações de objeto, não é dar a entender que o ego, no nascimento,
seja semelhante, de modo bastante acentuado, ao ego de um bebê
integrado de seis meses de idade, para não falar de uma criança ou de
um adulto plenamente desenvolvido.” (SEGAL, 1973 p.36
A medida que compreendemos que o ego do bebê é amplamente
desorganizado, podemos pensar que existe uma pré-disposição para que ocorra
a integração citada anteriormente, entretanto, é necessário que percebamos que
essa integração pode não acontecer, e, inclusive, distanciar o bebê dessa
possibilidade de ser integrado, as formas para esse afastamento estão
diretamente ligadas ao impacto do instinto de morte e o nível de intolerância da
ansiedade.
A ideia é que esse ego primitivo faça, o que conhecemos como, a
clivagem – em termos leigos, seria uma divisão – do objeto, para que desta
maneira, crie-se uma possibilidade de alternância entre o sujeito e o objeto. O
autor explica que é assim que se instaura a alternância entre o sujeito e o objeto,
entre o ser e o ter: por não ter o objeto, o sujeito passa a sê-lo, a alternância de
onde se origina a identificação secundária (NASIO, 1995 p.159).
Pensando ainda acerca do ego, é necessário compreendermos que ele
tem papel fundamental sobre essa posição, é através dele que ocorrerá a divisão
(splitting) para que projete no seio da mãe o instinto de morte, em decorrência
dessa saída, o seio passa a exercer função de maldade para o ego do bebê,
sendo projetado nele grande parte desse instinto de morte e tornando-o um
perseguidor, como forma de reafirmar o que fora dito, a autor supõe que:
“Quando confrontado com a ansiedade produzida pelo instinto de
morte, descrita por Freud, consiste, segundo Melanie Klein, em parte
numa projeção e em parte na conversão do instinto de morte em
agressividade; O ego divide (splits) e projeta essa sua parte, que
contém o instinto de morte, para fora, no objeto externo original – o
seio. Assim, o seio, que é sentido como contendo grande parte do
instinto de morte do bebê, é sentido como mau e como ameaçador para
o ego, dado origem ao sentimento de perseguição. Dessa maneira, o
medo original do instinto de morte é transformado em medo de um
perseguidor.” (SEGAL, 1973 p.37)
Podemos compreender então que ao fazer esse processo de clivagem do
instinto de morte, o ego passa a criar então diversos perseguidores e converte
parte dessa agressividade – como postulada na citação acima – dirigindo-a
contra seus perseguidores. Enquanto esse processo ocorre, simultaneamente é
estabelecido uma relação com o objeto ideal, posto que, a medida em que o ego
se encarrega de fazer esse processo de clivagem para direcionar o instinto de
morte, ele também projeta em um objeto ideal a energia libidinal de preservação
da vida, ou seja, o que ocorre com o instinto de morte, ocorre com a libido. Desta
maneira, podemos explicar que são nesses dois processos que encontramos o
seio mau (persecutório) e o seio bom (objeto ideal). A posição esquizo-
paranóide, portanto, leva esse nome, porque de acordo com Segal (1973)
“Na posição esquizo-paranóide, a ansiedade predominante é a de que
o objeto ou objetos perseguidores entrarão no ego e dominarão e
aniquilarão tanto o objeto ideal quanto o eu (self). Essas características
da ansiedade e das relações de objeto experimentadas durante essa
fase levaram Melanie Klein a chama-la de posição esquizo-paranóide,
já que ansiedade predominantemente é paranoide e já que o estado
do ego e de seus objetos é caracterizado pela divisão (splitting), que é
esquizoide.” (p.38)
Em linhas gerais, a posição esquizo-paranóide como Melanie Klein
postulou, seria um momento de passagem mais primitivo do bebê, seguindo para
a posição depressiva, que não nos aprofundaremos neste trabalho, entretanto,
a nossa questão fundamental é quando não há essa passagem para a próxima
posição, o que tende a ocorrer com o sujeito. A partir do momento que os
mecanismos de defesa falham e não conseguem conter a ansiedade, ela acaba
por invadir o ego e desintegrá-lo, portanto, como forma de última possibilidade
de defesa ele fragmenta-se, dividindo a fim de evitar a experiência da ansiedade,
entretanto, quando isso ocorre, a probabilidade do ego estar prejudicado e se
tornar patológico, é grande.
Nos é sabido que as psicoses são definidas ainda quando bebês, e, além
disso, a doença psicológica sempre está vinculada a fase onde estavam
presentes as maiores perturbações e sofrimento, sendo assim, a esquizo-
paranóide trata-se da fase mais primitiva – como fora anteriormente dito – do
desenvolvimento do bebê, portanto, as complicações na fase adulta
possivelmente serão mais severas, visto que, o ego encontrou dificuldades em
se consolidar, para melhor compreendermos esse momento, nos resguardamos
a autora que menciona que:
“Como consequência desse processo de fragmentação, não há
“divisão limpa” (“tidy split”) entre um objeto ou objetos ideais e um
objeto ou objetos maus, mas o objeto é percebido como sendo divido
(split) em pedaços diminutos, cada um contendo uma parte diminuta e
violentamente hostil do ego. Esses pedaços foram descritos por Bion
como “objetos bizarros”. O próprio ego é intensamente danificado por
esse processo desintegrador, e suas tentativas para se desfazer do
sofrimento da percepção conduzem apenas a um aumento de
percepções penosas, tanto através da natureza persecutória dos
“objetos bizarros” quanto através da mutilação penosa do aparelho
perceptual. Assim, estabelece-se um círculo vicioso, no qual o
sofrimento produzido pela realidade leva a identificação projetiva
patológica, e isso por sua vez leva a realidade a se tornar cada vez
mais perseguidora e penosa. Essa parte da realidade que é afetada
pelo processo é experimentada pelo bebê doente como estando cheia
de “objetos bizarros” carregados de enorme hostilidade, ameaçando
um ego esvaziado e mutilado.” (SEGAL, 1973 p.68)
De acordo com a citação, podemos observar todo o percurso feito pelo
bebê para que essa posição se tornasse patológica e irremediável, a
configuração dessa posição na fase adulta se nomeia através das
nomenclaturas: esquizoide ou esquizofrenia. Os tidos “objetos bizarros” estão
intrinsecamente relacionados a alucinação e aos delírios quando falamos de
uma estrutura já definitiva, que Klein postula ocorrer após os seis meses. Desta
forma, a grande diferença entre aquilo que é postulado e elaborado por Freud e
Lacan e Melanie Klein, está na importância que a autora atribuiu ao Ego,
tornando-se assim, uma pós-freudiana com base na psicologia do ego. Uma
psicologia adaptacionista e que desconsidera aquilo que é do mais singular do
sujeito: o inconsciente.
DA TEORIA WINNICOTTIANA
Winnicott teve claras influências em vários aspectos da sua teoria, das
ciências médicas, de forma geral ele sempre lembra em seus escritos da
importância da junção psíquica e física, nos primeiros anos de profissão ele
estudou em demasiado a influência psicológica na somática de pacientes, foi
inclusive a visão monista de Freud em pensar mente e corpo como
complementos que lhe aproximou da psicanálise (DIAS, 2002). Podemos
considerar também que a área psiquiátrica foi fundamental nas formulações das
bases psicopatológicas presentes na sua obra, e a área pediátrica quanto á
preocupação constante em identificar no desenvolvimento infantil os sintomas
futuros dessas psicopatologias.
Winnicott gastou grande parte de seus estudos para entender o papel da
psicopatologia infantil na estrutura de desenvolvimento, ele acreditava no caráter
inato do sujeito em se desenvolver, considerando que as patologias psíquicas
poderiam se estruturar precocemente no “processo de maturação”. Tal processo
seria onde se encontram a formação psíquica do eu, supereu e isso, “bem como
ao estabelecimento dos mecanismos de defesa elaborados pelo eu num
indivíduo sadio” (NASIO, 1995), e a saúde psíquica do sujeito só aconteceria no
decorrer do processo de forma livre no ambiente. Para tanto, a psicanalise
winnicottiana considera essencial a influência do ambiente, que é dado na figura
da mãe que é quem pode atravancar ou permitir o livre desenvolver do processo
maturacional. Devemos lembrar aqui que mãe é uma nomenclatura de objeto,
não significa que será a mãe a responsável por esse processo. É nesse contexto
que podemos discorrer sobre os principais pontos e contribuições da psicanálise
winnicottiana. É importante salientar antes que boa parte da teoria de Winnicott
se pauta no desenvolvimento infanto-juvenil, ele vai tratar de bases do cuidado
da criança e do adolescente, dividindo o processo de desenvolvimento de 0 a 6
meses e de 6 meses a 2 anos, e da recorrência aos fatos estruturantes dessa
idade nas experiências posteriores do sujeito, contanto também da influência no
comportamento adulto.
Para iniciar, Nasio (1995) diz que Winnicott vai dividir o desenvolvimento
psíquico a partir da fase de dependência absoluta – parte do processo de
maturação onde o papel da mãe vai ser considerado na sua questão real e
estruturante da saúde plena do sujeito ou dos possíveis distúrbios psíquicos
originados nessa fase – e da fase de dependência relativa – momento em que a
mãe passa a dar autonomia para o sujeito e esse se relaciona com outras formas
de estímulo ambiental.
Na primeira fase, que ocorre de 0 a 6 meses de vida, o bebê depende
totalmente da mãe, porém não sabe dessa sua dependência e se acha como
parte una ao meio. Quando ele fala que a mãe, operador do ambiente, é quem
pode permitir o processo de maturação de seguir saudavelmente, ele está
colocando da importância, para o bebê, de ter suas necessidades básicas
atendidas de forma eficiente pela adaptação do cuidador. Para essa adaptação,
a mãe deve exercer três funções: a apresentação do objeto, o holding e o
handling (NASIO, 1995). Elas acontecem simultaneamente, complementando
uma a outra na adaptação.
A apresentação do objeto é, de modo metafórico, dar o seio ou a
mamadeira para o bebê. Seria colocar um objeto real em uma significação
teórica, fazendo a criança direcionar sua pulsão inicial para algo que irá
representar uma satisfação do seu corpo físico, que é a origem dessa pulsão
inicial que o bebê não representa nesse estágio do desenvolvimento. Quando
bem adaptada, a mãe apresenta o objeto certo assim que a criança precisa, o
que lhe dá a ilusão de que foi ele quem criou esse objeto, por essa ilusão a mãe
dá para o bebê uma experiência onipotente, é pela disponibilidade da mãe que
o bebê conseguira se relacionar com o meio:
Durante esse período de dependência absoluta, a mãe, que age de
maneira a estar disponível diante de uma excitação potencial do bebê,
permite que este adquira, no correr das mamadas, a capacidade de
assumir relações estimulantes com as coisas ou as pessoas. Em
outras palavras, o ser humano torna-se capaz de experimentar
emoções, sentimentos de amor ou de ódio, sem que eles representem
uma ameaça potencial e sejam, necessariamente, uma fonte de
angústia insuportável. (NASIO, 1995, p. 185)