Você está na página 1de 9

ISSN 2177-5273

Lopes
2010
Artigo de REVISÃO

Braz J Health, 2010; 1: 201-209

Psicanálise e Representação: a teoria de René Spitz e a


organização psíquica

Psychoanalyse and representation: René Spitz´s thought and the psychic organization

Maria Madalena de Freitas Lopes 1


1
Professora/Supervisora do Curso de Psicologia, Universidade Camilo Castelo Branco, São Paulo, SP, Brasil

Resumo
O objetivo deste artigo é mostrar os pensamentos de René Spitz, psicanalista americano, e sua tese em três níveis de
organização psíquica, que são essenciais para a formação da mente, e integrá-lo na noção de representação, de acordo
com a teoria psicanalítica (Freud) estudada por Lacan no que concerne à questão da linguagem. Com este objetivo,
acompanha-se o desenvolvimento da psique humana nos primeiros anos de vida evidenciando suas marcas. Conclui-se
que a primeira identificação do humano como humano só é possível pelo acesso à lógica do significado, numa referência
ao Outro do código – impessoal e social.
Palavras-chave: psiquismo; significado; identificação

Abstract
The aim of this paper is to show René Spitz´s thought, American psychoanalyst, and his thesis on three levels of psychic
organization, which are essential to formation of the mind, and integrate it in the notion of representation, according
psychoanalytical theory (Freud) studied by Lacan regarding the language issue. For that, it was necessary a following of
the human development and his psychic marks in his early years of life. We conclude that the first way of identification
of the human as human only is possible by the access to the signifier logic, in a reference to the Other of the code –
impersonal and social.
Keywords: psychic; signifier; identification.

Introdução
O objetivo deste trabalho é chamar psicanalista americano que fez em suas
201

atenção para as questões relativas à pesquisas a verificação dos pressupostos da


representação que podem ser apreendidas nos teoria de Sigmund. Estudioso e conhecedor
Page

textos de René Spitz (1887/1974), da teoria freudiana, pôs-se a verificá-la nos

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
moldes do rigor científico, através de para as relações sociais humanas, que têm
filmagens e experimentos concernentes às como base a relação mãe/bebê. É neste
formas da percepção infantil. espaço diádico que se constrói o psiquismo,
De acordo com Freud, pai da como possibilidade de aquisição da
psicanálise, o psiquismo humano é socialização. Neste sentido, proponho
constituído de três sistemas id, ego e equivalência entre a constituição da psique e
superego. O id, em relação aos outros a socialização.
sistemas, tem uma característica totalmente Chamo a atenção também para o
distinta, pois não considera as condições da estudo filogenético empreendido por este
lógica do pensamento, que envolve tempo, autor em seu livro O não e o sim: a gênese da
espaço e causalidade, ingredientes da comunicação humana (1984), no qual visa
intencionalidade e da consciência. O id é o investigar a afirmação de Freud referente à
lugar das forças ou impulsos internos que ausência do não no inconsciente – em
desconhecem a realidade. Como lugar homenagem ao centenário do nascimento de
psíquico é inconsciente e se caracteriza pelo Freud em 1956 - e, neste percurso, responde
processo primário e, consequentemente, não à aquisição e o significado de nossa
reconhece o processo secundário que comunicação. Esta responde - à semelhança
acompanha a constituição de um eu (ou ego) da proposta de Jacques Lacan - à
e, deste modo, a energia flui do organismo, impossibilidade de acesso ao objeto, e segue
do interior, sem reconhecimento dos objetos se afirmando em função do contorno deste
da realidade. objeto – e, neste sentido, pensamento
Freud afirma dois princípios do (enquanto expressão psíquica) e comunicação
funcionamento psíquico: o princípio de são similares, surgem como impossibilidade
prazer/desprazer, regido pelo processo de encontrar o objeto que visam encontrar;
primário, e o princípio de realidade, pelo portanto: retardam a descarga sobre os
processo secundário. O supereu (superego) objetos de cunho social, possibilitando a
instaura a dimensão moral, como um ganho existência desta nova forma de relacionar-se,
no desenvolvimento pessoal, que responde ou seja, a social, que concernem à
pela capacidade de julgar específica do apreensão/verificação da realidade. A bateria
humano. O processo secundário, por abrir-se energética pronta à descarga, num primeiro
ao reconhecimento da realidade, impõe ao momento, terá que sofrer uma tensão que
psiquismo modos de ação, condição do uso exigirá reconhecimento da realidade para
202

do pensamento e, por sua vez, a consciência. atingir seus objetos (ou seus objetivos).
Spitz chama nossa atenção, no início Portanto: há um deslocamento. Esta é a
Page

de seu texto O primeiro ano de vida (2004), função psíquica em jogo, que passa a

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
considerar o princípio de realidade (ou possibilidade de representação e,
processo secundário referido proposto por consequentemente, sua instauração, ou seja, a
Freud). capacidade psíquica (o psiquismo em si). Sua
teoria – que se sustenta no conhecimento dos

Desenvolvimento textos freudianos – é construída, dissemos, a


partir de suas constatações, ou seja, uma série
Os três organizadores de Spitz e os
de experimentos e filmagens das situações
significados infantis. A leitura dos dados trazidos por
Tomemos O primeiro ano de vida Spitz se apóia nas formulações de Freud ao
(Spitz 2004). Em relação ao bebê, logo após mesmo tempo em que lhe fornece suporte
o nascimento, num corpo de funcionamento teórico, ou seja: por visar a verificação de
orgânico, movido pela necessidade de seus conceitos freudiano, permite maior
descarga – que se faz notar pelo choro, por visibilidade, pois os articula à
fome, frio, dores... -, algo no ambiente lhe experimentação, e possibilita um suporte à
responde, pois supõe que a existência de um teoria psicanalítica. No exercício de sua
pedido neste tempo de ausência de intenção e pesquisa, Spitz constrói uma teoria própria,
de palavras. O Outro materno é o intérprete nomeando três organizadores essenciais à
do bebê. Responde às necessidades como se formação psíquica. Ele deixa claro que a
houvesse ali um desejo. É desta forma que teoria freudiana é extensa e nova –
Lacan, lendo Freud, trabalha a noção de justificando e entendendo que Freud,
sujeito como estritamente vinculada ao enquanto autor de um novo campo de saber,
desejo, mais precisamente: àquilo que é do não pôde se deter na averiguação de seus
âmbito de uma falta. Esta suposição no início conceitos em referência aos primeiros anos
da vida é essencial, pois coloca aquele que de vida, pois foi através de sua clínica com
figura como “objeto no desejo materno” (no adultos que ele chegou a destacar a
caso, o bebê) numa performance de sujeito, importância da sexualidade infantil na
por considerar a existência de uma formação psíquica, notoriamente na relação
subjetividade num tempo precoce – uma vez do bebê com sua mãe. É esta relação que se
que, como a teoria freudiana explicita através centra o estudo de Spitz, que é o objeto de
de seus estudos, a formação da subjetividade sua pesquisa.
ocorre na lógica que concerne ao tempo de Coloquemos sucintamente a
Édipo, em torno dos três aos cinco/seis anos referência aos três organizadores em questão.
203

de vida. O Primeiro Organizador é a “Gestalt do rosto


O que transparece na obra de Spitz é a humano”, que se forma em torno do segundo
Page

construção do psiquismo em relação à mês de vida. Inscreve o período pré-objetal

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
que se faz acompanhar pela aquisição do vê construído é o “objeto” do afeto infantil. O
traço mnemônico da Gestalt do rosto humano infans está colocado nesta construção.
em geral. Este é o primeiro traço de inscrição Narcisicamente colocado (representado por
psíquica (ou a existência de uma uma imagem de si, está ao mesmo tempo
representação no psiquismo). ausente), chora pelo objeto de amor que,
O Segundo Organizador declara a neste momento, só pode reconhecer por sua
existência no psiquismo de um espaço outro, ausência – ou falta. Chora a “ausência” do
enquanto abertura ou fenda. É impressionante rosto materno, enquanto este é o suporte de
constatar que é deste modo que surge a seu próprio reconhecimento e possibilidade
presentificação da negatividade – ele deixa de existência de si mesmo. Conforme Spitz,
claro que uma ausência possibilita inscrever a tal experiência é verificada num determinado
presença como negatividade. momento em que a criança está na presença
Esclareçamos: Spitz constata a de outras pessoas (mais precisamente: na
inscrição do rosto materno, mais presença de outros rostos) e a mãe não está
precisamente: o rosto da pessoa que faz a presente. Neste contexto, o rosto, fonte
função de complemento do infans, em sua libidinal do amor “narcísico a dois”, não mais
função de maternagem. Para nos dar a se encontra. Não mais se encontra em relação
imagem da formação de tal vínculo, Spitz faz à apresentação de outros rostos humanos. O
referência ao “amor egoísta a dois”, que choro infantil em torno dos oito meses
acompanha a comunicação nesta díade. presentifica a angústia – conforme Spitz
Nesta, a comunicação é visceral, inteiramente denomina: uma angústia enquanto angústia
afetiva, em referência ao “verdadeiro” propriamente dita. Então temos: o Segundo
sentido dos sentimentos vivido na relação Organizador é a “Angústia propriamente
mãe/bebê. Não há espaço para a “mentira” dia”. Este é o nome do organizador.
(ou equívoco), pois a relação flui através da “Propriamente dita” porque na lógica de seu
vivência imediata apreendida no toque, no estudo, conforme suas averiguações, não é
tom da voz... Não há espaço para a mentira – possível a existência da angústia sem que
a não ser que as palavras que acompanhem haja um psiquismo. A angústia assinala a
esta vivência mintam sobre o sentimento em existência de um psiquismo. Neste sentido,
jogo. Neste caso, revela uma possibilidade cai por terra a tese de Otto Rank – e de
(ou até mesmo configura-se como uma causa, Melanie Klein – de um trauma psíquico no
dependendo da dimensão de tal ocorrência) nascimento. Portanto, ao nascer só há
204

psicopatológica na estruturação psíquica. possibilidade de existir traumas fisiológicos,


Considerando ainda este momento pois não há psiquismo ao nascer. Neste
Page

essencial da organização psíquica, o que se momento, Spitz junta-se à Freud para afirmar

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
que o aparelho psíquico é fruto de uma de tempo, espaço e causalidade, adquirindo
construção, fruto da relação com o ambiente. intenção e consciência. O uso do símbolo
Não há trauma se não há psiquismo. agiliza – e forma - o uso da mente, que
Podemos falar em presentificação da trabalha com representações, abstrações e
negatividade como a ausência notada deste memória. Nesta passagem, a economia
objeto de amor, que pôde garantir-se através psíquica muda. A energia em causa no
da constância deste vínculo afetivo. Na sensório-motor – ato de tocar, saborear,
descrição de Spitz, o bebê chora ao perceber mover-se para atingir objetivos – descola-se
a ausência do rosto que ganhou registro de do manuseio do objeto ao “manuseio
forma marcante no seu psiquismo. Portanto, psíquico” através dos símbolos; é mais
no psiquismo marca presença – enquanto na econômico e amplifica espaços e recursos,
verificação da realidade, ele está ausente. aumentando o universo mental e a realidade.
Chora a ausência, e se angustia por não ter Vemos mais claramente este objetivo
possibilidade de representá-lo – ou entender, de contenção de energia e o uso distinto na
por exemplo, que a mãe está na sala ao lado, forma de abstração quando o não ganha
ou no jardim, pois neste mundo de vivência significado semântico. Este é o terceiro e
imediata só há lugar para o que está presente, último Organizador na teoria de Spitz. O
não há ainda a idéia de um outro lugar. Um infans que ainda se move pelo mundo
lugar outro que começa a ser presentificado afetivamente vinculado ao tempo presente,
justamente nesta ação de apresentar-se como reagindo à presença do outro através de seus
vivência de ausência. Angústia é isto, aquele sentimentos por ainda não ter condições de
que a vive não tem como representá-la (é a fazer uso dos símbolos ou pensamento –
vivência da ausência de uma representação). aquisição que faz a partir do Terceiro
Por estarmos fazendo referência ao Organizador –, reage ao não do outro, que o
jogo de presença/ausência – impede de se aproximar dos objetos de seu
afirmação/negação -, o que está em evidência interesse, por meio da vivência de um
é a dimensão da linguagem, que trabalha conflito agudo. Vinculado afetivamente
binariamente. É na ausência do objeto que a àquele de diz não, teme perder seu amor se
linguagem serve à sua representação. O uso executar ações comandadas pelo seu interesse
do símbolo (ou representação) testemunha a (no caso, descargas imediatas no objeto
ausência do objeto. Só se pode fazer uso dele, conforme proposta pelo id que desconsidera a
segundo Jean Piaget, após a construção da realidade), por outro lado, sucumbe a si
205

permanência do objeto – recurso que mesmo se permitir deixar de lado seus


possibilita à criança, ainda no estágio desejos imediatos. Deixar de fazer a ação que
Page

sensório-motor, fazer a aquisição de noções sua força interior demanda, no sentido de

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
descarregar tensões íntimas, é “deixar de lugar para a mentira. O verdadeiro se impõe,
existir”, mortificar-se, submeter-se ou seja: para que o não em seu sentido de
inteiramente ao Outro, o que é um retrocesso negatividade funcione é essencial que adquira
em seu desenvolvimento que o compele à o sentido semântico de não, e não seja uma
aquisição de sua independência – um retorno palavra vazia (ou sem significado).
à anterioridade passiva, numa vivência a dois É no Outro do amor infantil – e
(o regresso à vivência diádica). Assistimos somente por este ser o objeto do afeto infantil
muitas vezes esta luta na forma de birra - que é atribuído o verdadeiro valor desta
infantil (em torno do décimo quinto mês de representação. É necessário que o Outro ame
vida). Quem ganha? Se o outro ganhar, a verdadeiramente. Isto significa que também
dependência é deflagrada – crianças para ele algo está vedado, só assim é possível
desenergizadas, sem vontade, interesse e que ele seja representante de uma
extremamente inibidas -, alienadas no desejo subjetividade (enquanto desejante e faltante).
do Outro, colocadas aí como objetos. Nesta Em outros termos, isto é essencial para que
vertente, a possibilidade de subjetivar-se se cumpra o desígnio de oferecer àquele que
perde, pois não houve vivência da falta. depende dele (e dependeu em útero e no
Reina a complementaridade: do Outro processo de maternagem) a verdadeira
(materno) através de seu objeto (a criança). possibilidade de nascimento subjetivo, que
Esta forma complementar de relacionamento rompe o elo narcísico.
de forma alguma concerne à subjetividade – O que acontece no nível energético?
que conforme afirmamos, através da A descrição de Spitz não deixa dúvidas: o id
referência a Lacan, se constrói pela falta. buscando descarregar-se – num momento em
Entretanto – e também no que está em que a criança adquire capacidade de
jogo em relação à constituição da locomoção -, e como potência energética que
sociabilidade que acompanha o nascimento é, torna-se impossibilitado de atuar sobre os
de um sujeito –, as formas extremas de objetos pela força da palavra não. O conflito
atividade, que se traduz pelas satisfações de se instaura: amor do outro ou submissão,
todas as vontades infantis, é irreconciliável dependência. Não encontrando saída – pois
ao desejo humano, que precisa de medida e se submeter volta a ser apenas complemento
limite. É neste sentido que o não é essencial à do Outro e perde a si mesmo, entretanto se
instauração de um psiquismo que se constituí executar a ação que demanda seu desejo
pela falta. O não para atingir seu objetivo – perde o amor de seu objeto amado, no caso o
206

subjetividade que inscreve também a Outro materno -, surge, então, a terceira


socialização –, necessita do apoio do código. alternativa: uma identificação
Page

Com a necessidade deste recurso, não há especificamente concernente à efetivação da

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
negação enraizada neste não. Não é uma reconhecido pela cultura (enquanto lugar do
identificação com aquele que pronuncia esta humano).
palavra, mas com o que se faz presente nesta
negativa que impera no Outro materno - a Considerações finais
verdade do não, o não do código em toda sua
Os três organizadores de Spitz, que ele
substância. Ou seja: o efeito presente no “não
nomeia simplesmente como Primeiro,
semântico”. Como o próprio Spitz estudou
Segundo e Terceiro, configurando-os por sua
em O não e o sim... (1978), só na cultura
qualificação que lhe fornecem nomes,
existe o não, uma vez que o não inexiste na
respectivamente: Gestalt do rosto humano,
natureza.
angústia propriamente dita e não semântico,
Em outros termos: há o império da
imprimem uma lógica que constituí o
cultura no Outro materno que se expressa na
psiquismo. Ou seja: do nada da existência
eficácia do não, ou seja, tornando-o não
humana, uma vez que – seguindo Freud – não
semântico. Este é o nome de seu Terceiro
há psiquismo ao nascer, tudo deverá então ser
Organizador.
construído. A primeira organização ocorre
Por fim, pode-se pensar que algo faz
em torno do segundo mês de vida,
passagem, e que se mostra presente no
articulando a primeira formação psíquica, os
psiquismo do Outro materno, através da
primeiros traços de reconhecimento de algo
sustentação deste não. Uma força
externo que marca presença no psiquismo, os
presentificada, capaz de humanizar.
traços mnemônicos da experiência vivida
Energeticamente, a tensão contida das
com o Outro humano (que faz a função
forças do id, pela impossibilidade de
materna). Este traço se estende aos demais
descarregar-se, encontra sua saída – faltosa,
humanos que pode ser verificado através do
claro. Provavelmente estamos falando em
efeito sorriso expresso pelo infans para todos
“sublimação”. Esta sofre uma transformação
os rostos que o cercam. É como se
e serve à cultura (especificamente quanto a
pudéssemos afirmar o surgimento do
seus objetivos).
reconhecimento quanto à familiaridade do
A partir deste contexto, o sujeito – ex-
mundo humano que nos cerca e no qual
infans – passa a morar na linguagem – e é por
fomos inseridos ao nascer. Um traço que –
ela representado. A má representação gera
em certo sentido – nos informa sobre nosso
sintomas, ao aprisionar o sujeito. O nome
pertencimento neste mundo. Ele generaliza a
próprio em processo de reconhecimento
qualidade desta relação e a estende ao campo
207

segue o roteiro de suas representações


do humano.
sociais, ou inova criando seu nome próprio
Page

que deve sempre ser amparado e/ou

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
O segundo organizador marca que ato mesmo que se instaura a emergência de
algo já se instaurou, em termos de vinculação sua falta.
afetiva e, de certo modo, informa nossa Traduzindo: para que o sujeito ganhe
presença em equivalência à imagem do Outro psiquismo é necessário que o vazio onde este
materno. É a eleição de uma singularidade habitará surja; embora, este tenha sido
impar que se mostra via presentificação da constituído com a presença quase constante
ausência desta. É, em certo sentido, a do Outro. Até este momento ocorre a
formação do contorno desta imagem que - formação do laço afetivo, cujo espaço
comparada aos demais rostos presentes – se temporal é de cerca de seis meses entre o
mostra ausente. Daí a angústia, e a clara primeiro e o segundo organizadores. Este
verificação da presença das coordenadas tempo de vivência afetiva foi essencial à sua
psíquicas que se instaurou através do vínculo formação. E para nascer o sujeito em sua
afetivo. A presença constante do Outro individualidade, será necessário distanciar-se
materno possibilitou a efetivação de um deste laço – tempo intermediário entre o
vínculo, entretanto somente quando há segundo e o terceiro organizadores. Não
afastamento (ou uma abertura) é que se pode sendo si mesmo (pois não há determinação de
afirmar sua presença no psiquismo (ou um si mesmo enquanto homem a ser revelado
representação). Em outros termos: é no interior do próprio homem) e nem sendo o
necessária a constatação da falta para que se Outro, ou seja, anulando-se enquanto
revele o contorno desta imagem. A própria individualidade, o psiquismo para finalizar
vivência do vazio – enquanto contorno da sua constituição necessita da terceira
falta – funda este espaço psíquico. É organização que decide com quem se
essencial à organização psíquica. identificar. Nem um, nem Outro e sim um
Nesta contextualização, então, temos: o terceiro representado pela linguagem. No
rosto que nos torna reconhecido enquanto caso, a criança humana com seu nome
humano entre humanos e um vazio que próprio.
irrompe a continuidade da vivência a dois Em suma, para nos constituirmos temos
(que supõe que dois é o mesmo que um, mas que nos perdemos no Outro, sermos este
sem definir um ou outro, ou um e o dois). companheiro humano e, na sequência, perdê-
Deste modo, estamos afirmando a lo, constituindo-o como Outro diferente de
necessidade da retirada do objeto – fonte da mim.
existência do sujeito – para que se forme o
208

contexto e o significado deste objeto. No Referências


plano da segunda organização verificamos a 1- Freud, Sigmund (1980). Edição standard brasileira das
Page

obras completas de Sigmund Freud. Traduzido do alemão e


construção deste objeto – que é construído no

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010
Lopes
2010
do inglês sob a direção de Jayme Salomão (1969). Ed. 6- SPITZ, René A. (2004). O primeiro ano de vida.
Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago. Traduzido do original inglês por E. B. da Rocha
(1965/1979). (3a ed). São Paulo: Martins Fontes.
2- Klein, Melanie (1991). Algumas conclusões relativas à
vida emocional do bebê. Em: Klein, Melanie (1991). Inveja 7- ____ (1984). O não e o sim: a gênese da comunicação
e gratidão e outros trabalhos (1946-1963) / Volume III. humana. Traduzido do original inglês por U. C. Arantes
Tradução da 4ª ed. inglesa; E. M. da Rocha, L. P. Chaves (1957/1978), (2ª ed.), São Paulo: Martins Fontes.
(coordenadores) e colaboradores (1975/1985). (pp. 85-118). 1.
Rio de Janeiro: Imago.
________________________________________
3- Lacan, Jacques (1998). Escritos. Traduzido do original
francês por V. Ribeiro (1995/1998). Rio de Janeiro: Zahar. Recebido em: 31/05/2012
Aceito em: 05/07/2012
4- Miller, Jacques-Alain (1997). Lacan elucidado: palestras
no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Campo
Endereço para Correspondência:
Freudiano no Brasil).
Maria Madalena de Freitas Lopes, Endereço: Av. Braz
5- Piaget, Jean (2009). Seis estudos de psicologia. Leme, 2242, apto: 104-B1 Santana, São Paulo/SP -
CEP:02022-020. Telefones: (11) 2959-7385 / 99135-2575
Traduzido por M. A. Magalhães (1964). (24ª ed). Rio de
e-mail: madalenafrts@yahoo.com.br
Janeiro: Forense Universitária.

209
Page

Brazilian Journal of Health


v. 1, n. 3, p. 201-209, Setembro/Dezembro 2010

Você também pode gostar