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Faculdade Joaquim Nabuco.

Prof. Ms. Lourenço Torres.


proflourencotorres@yahoo.com.br
 Hermenêutica jurídica e concepções de
linguagem.
 O abismo do conhecimento entre essencialismo e
convencionalismo.
 O problema da linguagem:
▪ Ambiguidade.
▪ Vagueza.
▪ Porosidade.
 A hermenêutica jurídica e o controle de
significados.
 Diferenças entre Hermenêutica jurídica e
Interpretação jurídica.
“A linguagem é um traje que disfarça o
pensamento. E, na verdade, de um modo tal que
não se pode inferir, da forma exterior do traje, a
forma do pensamento trajado; isso porque a
forma exterior do traje foi constituída segundo
fins inteiramente diferentes de tornar
reconhecível a forma do corpo”. (Wittgenstein,
Tractatus, § 4.002)
 A realidade parece ser apreendida pela mente
humana direta ou mediaticamente.
 Alguns autores concordam que a mente humana é
um mediador entre a realidade e o ser humano, não
havendo nunca apreensão direta da realidade.
 Isso se daria porque a mente humana aprende
signos externos para perceber e informar aos
indivíduos a respeito do mundo exterior. Sem esse
aprendizado o indivíduo ficaria isolado.
 Os signos podem ser “naturais” e/ou artificiais.
 Naturais – Ex:. A umidade da terra indica que choveu (?).
 Artificiais – Ex:. Os signos linguísticos, com base fonética.
Os símbolos.
1. Todo conhecimento do mundo interno
deriva-se, por raciocínio hipotético, de
nosso conhecimento dos fatos externos.
2. Toda cognição é determinada logicamente
por cognições anteriores.
3. Não temos poder algum de pensar sem
signos.
4. Não temos concepção alguma do
absolutamente incognoscível.
 Os símbolos linguísticos necessitam de signos:
 Individualizadores (nomes, substantivos).
 Identificadores (pronomes: este, esta, aquilo, aquele,
etc.).
 Predicadores (descrições).
 A maioria dos símbolos, tomados isoladamente,
não significam nada.
 Uma língua, é um repertório de símbolos inter-
relacionados numa estrutura (as regras de uso).
Um sistema de símbolos e relações.
 Linguagem é todo e qualquer sistema de signos
linguísticos (símbolos) que serve de meio de
comunicação entre indivíduos humanos.
 Há três tipos de signos:
 Em primeiro lugar, há semelhanças [likeness], ou ícones,
que servem para transmitir ideias de coisas que
representam simplesmente por imitação. (signos
naturais?)
 Em segundo lugar, há indicações [indications], ou índices,
que mostram algo sobre as coisas, através de uma relação
física com elas. [...] Placas [...]. (signos artificiais?)
 Em terceiro lugar há símbolos, ou signos genéricos, que se
associam aos seus significados pelo uso. Isso inclui a maior
parte das palavras, frases, discursos, livros e bibliotecas.
(signos artificiais)

(PIERCE. O que é um signo?)


 Há duas concepções principais acerca da relação entre a
linguagem e a realidade a que ela se refere:
 A Teoria Essencialista: corrente que afirma que entre o Direito e a
linguagem há uma relação ontológica (ser). A linguagem seria um
mero instrumento, um meio para a descoberta da verdade.
 A língua seria um instrumento que reflete a realidade; os conceitos
linguísticos um espelho da essência existente nas coisas e as
palavras o modo pelo qual esses conceitos são veiculados. Haveria
um núcleo invariável nas palavras que possibilitaria a identificação
dos elementos da realidade que a elas correspondem.
 Ocorre que esse realismo verbal sofre sérias objeções. Uma mesma
palavra representa diferentes realidades.
 Ex:. "cabo" não é apenas (1) uma haste de sustentação, mas
também (2) uma patente militar e (3) um acidente geográfico.
 A outra teoria é a Convencionalista:
 A Teoria Convencionalista ou Nominalista: corrente que considera a linguagem como um
conjunto de signos cuja relação com a realidade é estabelecida de modo arbitrário pelos
homens. O termo arbitrário, no presente caso, significa que não há nenhuma ligação
natural entre o signo e a realidade que ele designa. A relação, por isso, é imotivada.
 Apesar da inexistência de uma relação ontológica entre o signo e o seu significado, o
emprego dos signos não é livre. Está sempre condicionado por fatores históricos. A língua
utilizada é sempre uma herança das gerações precedentes e está em constante
transformação.
 Devido a essa realidade, o que se deve levar em conta é o uso dos conceitos que variam no
tempo e no espaço. A questão da busca da essência das coisas deixa de ter sentido e é
substituída pela busca dos critérios vigentes de utilização das palavras. As definições, por
isso, têm caráter nominal e não real, já que a realidade depende do modo como definimos
um conceito.
 Os juristas, de um modo geral, adotam uma concepção essencialista da linguagem.
Consideram, por isso, ser possível, no âmbito do Direito, a elaboração de conceitos reais.
Mantêm a idéia de que a definição de um termo reflete a essência dos objetos jurídicos,
adotando, assim, uma visão conservadora da teoria da língua.
 Há na linguagem uma deficiência na transmissão do
sentido do pensamento. O pensamento transcende a
matéria, não se prende a imanência do objeto. Essa
abstração não é suportada pela linguagem, que é limitada.
Esse é o chamado abismo gnosiológico, que se divide em
duas etapas.
 A primeira se dá entre o fato e o pensamento e a segunda
etapa é entre o pensamento e a linguagem:

FATO (1ª etapa do abismo) PENSAMENTO (2ª etapa do abismo) LINGUAGEM


 O abismo gnosiológico se divide em duas etapas: a (1) primeira se
dá entre o fato e o pensamento e a (2) segunda etapa é entre o
pensamento e a linguagem:
FATO (1ª etapa do abismo) PENSAMENTO (2ª etapa do abismo) LINGUAGEM

 Por causa desse abismo é que são encontradas dificuldades em se


determinar o alcance e o sentido das palavras (signos) utilizadas
pelo legislador. O oposto ao alcance é a vagueza e o do sentido é a
ambiguidade. Tudo isso atormenta o jurista no momento em que
vai interpretar a norma, já que é difícil a determinação do alcance e
do sentido.
 O fato é único e irrepetível, essa afirmação pode ser explicada
através do devir de Heráclito (tudo muda). O ideal reside em outro
plano, superior, que permite uma generalidade. Estaria no mundo
das idéias e os fenômenos são cópias imperfeitas desses ideais,
segundo Platão.
(ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 186 – 191).
A linguagem é um traje que disfarça o
pensamento. E, na verdade, de um modo tal
que não se pode inferir, da forma exterior do
traje, a forma do pensamento trajado; isso
porque a forma exterior do traje foi
constituída segundo fins inteiramente
diferentes de tornar reconhecível a forma do
corpo.

(Wittgenstein, Tractatus, §4.002).


A linguagem mal disfarça o que é: amálgama de
pedaços dos espíritos, que ficam lá fora,
indiferentes ao passar das gerações, a despeito
de banhá-las e arrancar-lhes as vozes, ritmos e
formas. Utiliza o que teve, o que tem e as
significações com que ultrapassa a si mesma.

(PONTES DE MIRANDA, Garra, mão e dedo. Campinas: Bookseller, 2002, p.


10)
Não nos estimamos mais o bastante quando nos
comunicamos. Nossas experiências decisivas não
são de forma alguma tagarelas. Elas não poderiam
comunicar a si próprias caso quisessem. Isso
acontece porque lhes falta a palavra. Aquilo para
que temos palavras também já ultrapassamos. Em
todo falar há um grão de desprezo. A linguagem,
parece, foi inventada só para o que é médio,
mediano, comunicável. Com a linguagem, já se
vulgariza aquele que fala.
(NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos ídolos, ou, como se
filosofa com o martelo. Tradução, apresentação e notas de Renato
Zwick. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012, p. 97. (26)
A última crença é a crença na linguagem. Na
dissolução dessa superstição, a retórica é a
última forma de iluminismo.

(BALLWEG, Ottmar. Entwurf einer analytischen Rhetorik. In: SCHANZE,


Helmut e KOPPERSCHIDT, Joseph (Hrsg.) Rhetorik und Philosophie.
München: Wilhelm Fink, 1989, p. 42).
 A linguagem jurídica serve de comunicação para
pessoas específicas (os juristas) em um mundo
determinado, o jurídico.
 No direito, assim como em outros setores do
conhecimento, desenvolve-se uma linguagem
particular, específica, onde se guardam palavras
e expressões que possuem acepções próprias.
No mundo do Direito, a palavra é indispensável.
Todos empregam palavras para trabalhar, mas,
para o jurista, elas são precisamente a matéria-
prima de suas atividades.
 As leis são feitas com palavras, como as casas são feitas com
tijolos. O jurista, em última análise, não lida somente com fatos,
diretamente, mas com palavras que denotam ou pretendem
denotar esses fatos. Há, portanto, uma parceria essencial entre o
Direito e a Linguagem.
 O profissional do Direito, enquanto ciência jurídica, busca a
univocidade em sua terminologia, convive com um número
limitado de palavras polissêmicas.
 Exemplo clássico é o termo Justiça que tanto exprime a vontade de
dar a cada um o que é seu, quanto significa as regras em lei
previstas, e ainda, o aparelhamento político- jurídico destinado à
aplicação da norma do caso concreto.
 Tudo o que é apreendido e representado pelo sujeito cognoscente
depende de práticas interpretativas. Como o mundo vem à
consciência pela palavra, e a linguagem é já a primeira
interpretação, a hermenêutica torna-se inseparável da própria vida
humana. (SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 4).
 Vagueza.
 Um símbolo é vago quando seu possível campo de
referência é indefinido (Ex:. Art. 121, CP).
 Ambiguidade.
 Um símbolo é ambíguo quando é possível usá-lo para
um campo de referência com diferente intenção, isto é,
manifestando qualidades diversas.
 Porosidade.
 Os símbolos admitem pragmaticamente usos
diferentes, servindo para propósitos distintos
(descrever, expressar, direcionar, obrigar, etc.). Dessa
forma, permitem distintas interpretações.
 Fala-se que o termo deriva do nome do deus da mitologia grega
Hermes, o mensageiro dos deuses, o mediador entre os deuses e os
homens, a quem os gregos atribuíam a origem da linguagem e da
escrita e é considerado o patrono da comunicação e do entendimento
humano.
 Também atribuí-se à palavra grega hermeios que indica os sacerdotes
(ou às pitonisas – as sacerdotisas de Apolo) do oráculo de Delfos,
inicialmente consagrado a Pítia (serpente) e posteriormente a Apolo, e
que, existiu até 393 d.C.
 Segundo a mitologia grega, Apolo matou Pítia e dividiu seu corpo em
dois tomando posse do templo de Delfos. Relato semelhante há na
mitologia babilônica, onde o deus Marduk matou Tiamat (a grande
mãe dos deuses) e dividiu seu corpo em dois, fato que em ambas as
culturas indica a passagem do matriarcado para o sistema patriarcal.
"Tiamat, a Deusa Dragão do Caos e das Trevas, é combatida por Marduk,
deus da Justiça e da Luz. Isto indica a mudança do matriarcado para o
patriarcado que obviamente ocorreu“ .
LISHTAR. Gateways to babylon. Disponível em: http://www.gatewaystobabylon.com.
 A primeira obra a ocupar-se integralmente do tema em nosso
país foi o "Compêndio de Hermenêutica Jurídica", de Francisco
de Paula Batista professor da Faculdade de Direito de Recife,
publicado em 1860 ainda no Brasil Imperial estava vinculado à
Escola de Exegese.
 Depois, Carlos Maximiliano, em 1924, publicou sua
"Hermenêutica e Aplicação do Direito", ele atualizou, sem
trazer novidades, a Hermenêutica ao Sistema Histórico
Evolutivo, as correntes da Livre Indagação e do Direito Livre,
além de outras, sem desenvolver uma teoria geral da
interpretação. Ocupou-se unicamente da Hermenêutica
jurídica, resenhando os métodos nela aplicáveis.
 Para Maximiliano, "a Hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e
a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o
alcance das expressões do Direito“ (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação
do Direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. p. 13 ).
 Origem do termo “hermenêutica”:
 Hermēneuein (gr.) e significa "declarar", "anunciar", "interpretar", "esclarecer" e, por
último, "traduzir".
 Significa que alguma coisa é "tornada compreensível" ou "levada à compreensão".
 Ermēneutikē (gr.) que significa "ciência", "técnica" que tem por objeto a
interpretação de textos poéticos ou religiosos.

 Conceito:
 Hermenêutica é um conjunto de métodos de interpretação
consagrados. São regras técnicas para obter um resultado
interpretativo e envolve um processo de tornar
compreensível a linguagem e seus signos.
 Hermenêutica é ciência e constitui uma construção
filosófica. Logo, é melhor entendida como teoria. Nelson
Saldanha afirma que é um conjunto de estruturas em todo o
orbe social, bem como um conjunto de instâncias críticas,
que interpretam os valores vigentes. (SALDANHA, Nelson. Hermenêutica e
princípios. In: ACADEMIA PERNAMBUCANA DE LETRAS. Nelson Saldanha. Organização Fátima Quintas. Recife: Bargaço,
2015, p. 91. (Coleção Debate; 4).
 A interpretação é uma relação entre o sujeito
(interprete), um objeto e um significado.
“Interpretar é a atitude ou a atividade que consiste em
indicar, ou determinar o significado de alguma coisa”
(TROPER, Michel. La theorie du droit, le Droit, l’Etat. Paris: PUF, p. 70).

 É uma ação que consiste em estabelecer,


simultânea ou consecutivamente,
comunicação verbal ou não verbal entre duas
entidades.
 Consiste também na descoberta do sentido e
significado de algo geralmente proveniente da
ação humana.
 Interpretação é ato, um processo real, pelo qual alguém
procura o significado de algo. A hermenêutica é a teoria
desse ato, ou sua fundamentação.
 A interpretação jurídica é um processo de atribuição de
sentido aos enunciados de textos ou normas jurídicas,
visando à resolução de um caso concreto. Nela, todos os
elementos (sujeito, objeto e significado) sempre são
pensados em relação ao Direito.
 É característica da interpretação dogmática, o arbítrio
que põe fim à sucessão de interpretações que
decodificam interpretações. Isso é um problema para a
teoria dogmática sobre interpretação.
 É possível falar da verdade de uma interpretação
em oposição à falsidade?

 Interpretação autêntica:
▪ É a interpretação realizada por órgãos competentes (no sentido
jurídico). Segundo Kelsen, o enunciado é vinculado.
 Interpretação doutrinária:
▪ É a interpretação realizada por entes que não têm a qualidade de
órgãos.
 A interpretação kelseniana é considerada, mesmo
entre os positivistas, como obsoleta e superada.
Positivistas X Moralistas
O que guiaria o intérprete legislativo no momento de sua decisão?
 Para os positivistas, a ponderação e o equilíbrio determinariam um
melhor encaixe da interpretação à situação, não existindo, assim, uma
solução correta única, haja vista o grande número de princípios no
ordenamento.
 Para os moralistas, como Dworkin, existe uma interpretação correta,
que deve estar de acordo com o que ele chama de valor da
integridade.
 O grande embate entre estas duas correntes justifica-se exatamente
pelo fato de que o positivismo vê uma fidelidade ao direito imposto
pelas autoridades competentes, decorrentes da estrutura e hierarquia,
enquanto o moralismo entende que deve haver uma participação de
valores e princípios, de um modo geral na aplicação do direito, que
tem uma pretensão de correção, segundo Alexy.
Prof. Lourenço Torres

proflourencotorres@yahoo.com.br

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