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LÍNGUA, LINGUAGEM, LINGUÍSTICA

INTRODUÇÃO

Nesta aula, nosso objetivo, inicialmente, é definir o que é linguagem e o que é língua,
para, então, definirmos o que é a Linguística, a ciência da linguagem e do que ela trata.
Para isso, precisamos determinar para que serve a linguagem, quais as suas funções
e como ela organiza e representa o mundo em que vivemos. É necessário, portanto,
entender a capacidade que o ser humano tem de, por meio da linguagem, significar, ou
seja, de produzir sentido para expressar a sua experiência, seu conhecimento.
Os indivíduos produzem sentidos por meio de símbolos, sinais, signos, sons, gestos,
imagens, mas, no âmbito da Linguística, o que interessa é a linguagem verbal, expressa
por meio de uma língua. Desse modo, precisamos entender também o que é língua, e como
esse objeto de estudo é visto por correntes diversas de estudos dos fenômenos linguísticos.
Com o estudo da linguagem e da língua podemos, então, definir o que é a Linguística,
no vasto campo de interesses pela línguagem. Como afirma Chomsky: “O estudo da
linguagem é um dos ramos mais antigos de investigação sistemática, com marcos que
rastreamos na antiguidade clássica da Índia e da Grécia, e uma história rica em realizações.
A partir de outro ângulo, esse estudo é novo.” Ou seja, há séculos o estudo da linguagem
interessa a vários pesquisadores – religiosos, filósofos, catedráticos (e curiosos) -, mas é
somente no início do século XX que a Linguística se estabelece como ciência, iniciando um
modo sistemático de ver esse fenômeno tão amplo.
Outro ponto a ser discutido diz respeito aos ramos da Linguística, isto é, aos diversos
modos de se estudar a língua(gem). Entenderemos como, com base nesse objeto, foram
construídas teorias diferentes para compreendê-lo. Explicando melhor: qualquer forma de
expressão verbal, seja escrita ou falada, diz sempre respeito a uma linguagem e a uma
língua em particular. E ela é sempre a mesma. As diferenças consistem, então, no objetivo
e no modo como o olhamos.
É a mesma coisa na gramática. Por exemplo, em uma gramática da língua portuguesa,
o objeto é sempre o mesmo: o português, mas há modos diferentes de descrevê-lo:
considerando como escrever corretamente (a ortografia), como pontuar suas frases, quais
os seus sons (a fonética), como classificar as diferentes palavras (a morfologia), como
combinar essas palavras em frases (a sintaxe), entre outros. É a mesma língua, mas
separada em partes para que se tente estudá-la em sua totalidade e, embora o professor
de português deva ser capaz de conhecer toda ela, há estudiosos que se dedicam (ou já
se dedicaram) especificamente a cada uma dessas partes.
São justamente as “partes” da Linguística que nós vamos ver aqui, juntamente com a
sua relação com as demais ciências que também tratam da linguagem, embora apresentem
um ponto de vista diferente da nossa disciplina.

2. A LINGUAGEM

No uso corrente, a noção de linguagem está ligada a modos de comunicação muito


variados, ou seja, às formas que são utilizadas para se estabelecer comunicação. Por
exemplo, a programação dos computadores, os sinais gestuais, os sons, as imagens, os
símbolos, as línguas etc. Por isso, não é incomum ouvirmos falar em “a linguagem da
matemática”, “a linguagem dos animais” ou até mesmo “a linguagem das flores” ou a
“linguagem dos olhos”.
Dessa forma, linguagem é a capacidade específica da espécie humana de se
comunicar por meio de signos. O homem está “programado” para falar, para aprender uma
(ou mais) língua(s), independente de sua escolaridade ou de sua condição social, pois é
por meio de uma língua que ele produz seus atos de fala. Temos, então, o seguinte
conceito, transcrito de Bagno (2014, p. 58):

LINGUAGEM – faculdade cognitiva da espécie humana que


permite a cada indivíduo representar/expressar simbolicamente
sua experiência de vida, assim como adquirir, processar, produzir
e transmitir conhecimento.

É claro que um indivíduo pode se manifestar de várias formas: por meio de imagens,
como na pintura; por meio de sinais, como nas línguas de sinais; e por meio de sons, como
no caso da fala. Essas várias formas de manifestações justificam uma distinção
fundamental: linguagem verbal e linguagem não verbal.
A linguagem verbal é aquela que se expressa por meio do verbo (termo de origem
latina que significa “palavra”), ou seja, por meio de uma língua, que pode ser oral, escrita
ou sinalizada (a língua dos surdos). Já a linguagem não verbal é aquela que se vale de
outros signos que não os linguísticos, das mais diversas e diferentes naturezas, o que nos
permite falar de linguagem musical, linguagem cinematográfica, linguagem corporal etc.
Para a Linguística, no entanto, interessa apenas a linguagem representada pelas
línguas naturais, principal forma de comunicação humana. A linguagem verbal, ao mesmo
tempo em que possui aspectos inatos (o homem nasce com a capacidade de produzir sons
específicos ao fazer vibrar a coluna de ar da sua respiração), é uma instituição social, pois
é ela que permite as trocas em uma determinada sociedade: interagir com os outros, falar,
contar experiências, representar o mundo, nomeando, criando ou transformando o universo
real.
Assim, a linguagem verbal serve também como expressão do pensamento,
instrumento de comunicação e veículo de interação social. Cada uma dessas concepções,
ao longo dos estudos da linguagem, embasou um modo diferente de pensar o fenômeno
da linguagem.
A primeira concepção – linguagem como expressão do pensamento – deriva dos
estudos clássicos e explica a linguagem a partir das condições de vida psíquica individual
do sujeito falante, como um ato puramente individual que se forma no psiquismo do
indivíduo. É a atividade mental que organiza a expressão, modelando e determinando sua
orientação, ou seja, a capacidade de se expressar depende da organização lógica do
pensamento. Se o indivíduo não consegue se expressar com logicidade é porque não é
capaz de pensar.
A segunda concepção – linguagem como instrumento de comunicação – vem da teoria
da comunicação, proposta por Roman Jakobson nos anos 1970. Nessa tendência, o centro
organizador de todos os fatos da língua situa-se no sistema linguístico (formas fonéticas,
gramaticais e lexicais da língua), considerado como estável, objetivo e externo à
consciência individual e independente. A língua é um código – um conjunto de signos que
se combinam segundo regras capazes de transmitir ao receptor uma mensagem, e a
expressão é uma enunciação (ato de produzir um enunciado, um dizer) monológica, pois
parte da intenção do falante (emissor), que pode dizer o que quer e como quer que será
entendido, bastando que ambos compartilhem o código (a língua).
Finalmente, a terceira concepção – linguagem como forma de interação – é originária
dos estudos mais recentes da Linguística. Segundo essa tendência, a verdadeira
substância da linguagem não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas,
nem pela enunciação monológica, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações.
A interação verbal constitui, assim, a realidade fundamental da linguagem, ou seja, a
comunicação verbal só pode ser explicada e compreendida nas relações da interação
concreta e na situação extralinguística, isto e, não só na situação imediata, mas também,
através dela, no contexto social mais amplo. Aqui, o outro é mais do que um ouvinte, um
receptor, pois tem papel ativo na construção do dizer – o enunciador tem que levar em
consideração para quem está falando e em que situação está fazendo isso para organizar
sua enunciação (seu dizer). A língua é, portanto, mais do que um código, um conjunto
organizado de regras, já que não há um sentido dado, mas sim construído entre
interlocutores em uma interação verbal, o que faz da linguagem um produto histórico-social.
Podemos dizer, então, que a linguagem tem um lado autônomo – como capacidade
física – e um lado orientado: se não há sociedade sem comunicação, e a linguagem é a
condição da vida social, tudo o que for escrito ou falado depende de uma visão de mundo
compartilhada por sujeitos que vivem em uma determinada realidade social, histórica e
cultural. Por isso, mesmo individual, porque ligada à consciência de um indivíduo, é
compartilhada por toda uma comunidade de falantes. A linguagem foi criada pelo homem
para que ele pudesse cumprir sua função social: interagir com o meio que o cerca e com
os outros homens, fazendo da comunicação a forma de compreensão do mundo e da
interação humana.
É preciso destacar que a linguagem é uma maneira de se perceber o mundo. Isso
quer dizer que as coisas do mundo exterior só têm existência para os homens quando são
nomeadas. É certo que a realidade existe, mas somente podemos perceber as coisas por
intermédio da linguagem, uma atividade simbólica que cria conceitos sobre as coisas do
mundo, ordenando a realidade e categorizando o mundo. E isso é feito por meio da língua
– é ela que permite interpretar a realidade, já que cada língua pode ordenar o mundo de
maneira diversa, exprimindo modos de ver a realidade.
Uma enunciação, quer seja falada ou escrita, não é apenas uma forma de mostrar
objetos, mas um meio de interpretar a realidade, designando as coisas do mundo,
comentando-as e estabelecendo relações entre elas, em um processo de interação com os
outros que compartilham esse mesmo conhecimento dado pela língua. Dessa forma, como
afirma Fiorin (2013), “a linguagem é um meio de ação recíproca, é um meio de interagir
com os outros, é um lugar de confrontações, de acordos de negociação.
Assim, a linguagem cumpre diferentes funções. Essas funções foram estabelecidas
por Roman Jakobson, no quadro teórico da Teoria da Comunicação, centrada nas relações
entre emissor (quem fala ou escreve), receptor (quem ouve ou lê), código (língua),
mensagem (o enunciado, falado ou escrito), canal (meio pelo qual circula a linguagem) e
referente (assunto, contexto, situação, fato a que a mensagem se refere), como se pode
ver na imagem abaixo:
Fonte: Cola na Web

Quando o uso da linguagem tem objetivo principal informar, essa função é


denominada referencial. Desse modo, com a linguagem, os conhecimentos são recebidos
e transmitidos a outras pessoas de forma objetiva e direta. Observe o exemplo abaixo do
rótulo da Coca-Cola.

Fonte: Google

A linguagem, no entanto, não se destina apenas a informar, mas serve também para
expressar a subjetividade. Tem-se então a função emotiva, centrada no emissor, que, com
palavras, expressa seus sentimentos e emoções. Essa é a função centrada na
subjetividade, como podemos ver no tuíte abaixo:
Fonte: Google

A linguagem também serve para influenciar e ser influenciado. Trata-se da função


conativa, que tem ênfase no destinatário, com o objetivo de persuadi-lo através da
mensagem transmitida, buscando convencer o interlocutor e fazer com que ele tenha
determinado tipo de comportamento, pensamento ou atuação.

Fonte: Google

A função da linguagem centrada no canal, no meio de circulação da linguagem, é


denominada fática. Nesse caso, a linguagem é usada somente para criar laços entre as
pessoas e mantê-los. É o que acontece quando encontramos alguém na sala de espera de
um consultório médico, por exemplo. Se queremos ser educados e/ou simpáticos,
cumprimentamos a pessoas e estabelecemos um diálogo que não tem outra função que
não manter laços sociais.
Outra função da linguagem é centrada no código (a língua). Nesse caso, a linguagem
serve para falar sobre a própria linguagem. Trata-se da função metalinguística, em que o
código é utilizado para falar sobre o próprio código, explicando-o e analisando-o. Por
exemplo, no enunciado Coca-Cola é um substantivo próprio, a função predominante é a
metalinguística, pois se está usando a língua para explicar ela mesma.
Finalmente, como aponta Fiorin (2013), “a linguagem não se presta para informar,
influenciar, expressar emoções e sentimentos, criar e manter laços sociais e falar da própria
linguagem, ela também é lugar e fonte de prazer”. Ou seja, a linguagem pode ser usada de
forma utilitária ou estética. No primeiros caso, ela é usada para informar, para expressar a
subjetividade, para convencer alguém, para explicar o uso da língua, ou para manter o
vínculo social. No segundo, serve para despertar emoções, já que se trata de usar a
linguagem de forma inovadora, característica do texto literários, especialmente da poesia.
Portanto, na função poética, o mais importante é a mensagem em si, e o centro de
interesse é o próprio texto.

Fonte: Google

Essas são, então, as seis funções da linguagem descritas por Jakobson (referencial,
conativa, emotiva, fática, metalinguística e poética). É preciso, destacar, porém, que não
há um texto que tenha apenas uma função – apenas uma delas é a que se destaca.
Observe o exemplo:
O texto acima é uma propaganda, cuja função primordial é a conativa, pois é uma
mensagem centrada no receptor, que tem de ser convencido frequentar o lugar anunciado.
E vemos que isso acontece na propaganda acima, especialmente no slogan “Com você na
Feira do Livro”. Mas também é claro que uma propaganda tem de informar a respeito do
seu produto, por isso também temos a função referencial - veja o enunciado “Happy Hour
com música ao vivo todos os dias a partir das 18h” ou mesmo o nome: “Bistrô do MARGS”.
No entanto, considerando a forma como o texto da propaganda é organizado, recorrendo
inicialmente a uma retextualização do poema de Carlos Drummond de Andrade “E agora
José”, a função principal deste texto é a poética. Note que não é um simples “Venha...” ou
“Compre...” ou “Temos...”. Há um “trabalho” em manusear esteticamente a linguagem da
propaganda, mesclando-a à linguagem literária, o que torna essa peça publicitária
diferenciada. Desse modo, embora as outras funções estejam presentes, a preponderante
neste texto é a função poética.
Portanto, podemos concluir que a linguagem tem diversas funções que se realizam
em textos diversos: ela serve “para informar, para influenciar, para exprimir sentimentos e
emoções, para criar e manter laços sociais, para falar da própria linguagem, para ser fonte
e lugar de prazer” (FIORIN, 2013, p. 26). Mas, como vimos antes das seis funções da
linguagem propriamente ditas, ela também serve para perceber o mundo, para caracterizar
a realidade, para propiciar a interação verbal.
3. A LÍNGUA

Dentre todas as linguagens, a língua é o principal veículo de comunicação humana.


Todas as pessoas que vivem em sociedade falam uma determinada língua, embora várias
das línguas existentes no mundo não tenham escrita. Ela é, portanto, condição da vida
social, permitindo que o conhecimento acumulado pelo grupo que a compartilha - seus
saberes e seus valores - seja transmitido de geração para geração.
A língua é o objeto central de estudo da Linguística, mas esse termo diz respeito a
conceitos muito diferentes, dependendo da postura teórica adotada pelas diferentes
correntes dos estudos linguísticos. Se, como já vimos, abordagens teóricas distintas tratam
de forma diferente um mesmo objeto de estudo (no caso, a linguagem) também teremos
concepções de língua diferentes. Nos estudos linguísticos, não ocorre apenas um conceito
de língua e sim diferentes conceitos, construídos com base nos pressupostos teóricos que
fundamentam cada modo de compreender a linguagem.
Em duas das principais correntes que “inauguram” a Linguística como ciência já
encontramos diferença. Para Saussure (que deu início a uma tradição de estudo da
linguagem denominado estruturalismo ou Linguística Estrutural), a língua é um sistema
linguístico socializado, parte da linguagem exterior ao indivíduo. Já para Chomsky (teórico
que deu início a outra corrente, o gerativismo ou Linguística Gerativa), a língua é um
conhecimento linguístico internalizado, uma competência, ou seja, uma capacidade inata
(que nasce com o indivíduo) e específica da espécie humana que lhe permite produzir as
sentenças de sua língua. Dito de outro modo: esse conhecimento transmitido
geneticamente, próprio da espécie humana possibilita ao falante construir o conjunto de
regras do funcionamento de sua língua, com base nos dados linguísticos ouvidos na
infância e permite usá-lo com competência, estruturando as mais diversas frases que dela
fazem parte.
Uma outra concepção vê a língua como um fato/fenômeno de natureza
sociocognitiva, assumida por várias correntes linguísticas, como a Linguística Textual (que
tem como objeto de estudo o texto) e a Sociolinguística (cujo objeto é a variação linguística).
Para essa concepção, se a linguagem está inscrita no cérebro (um fenômeno de ordem
cognitiva) como uma capacidade biológica da espécie humana em adquirir, produzir e
transmitir conhecimento por meios de representações do mundo, ela também é o que
permite a interação, mantendo a coesão social, como indica Bagno (2014, p.14). Dessa
forma, a língua “é um trabalho social empreendido coletivamente por todos os membros da
comunidade que a utilizam. Cada um de nós não é mero ‘usuário’ da língua que falamos:
nós também somos os produtores, os cultivadores, os preservadores, os transmissores e
os transformadores dessa língua que pertence a cada um de nós como indivíduos e como
membros de um grupo social que compartilha a mesma cultura (com suas múltiplas
multiculturas)”.
Da concepção de que a língua existe no cérebro de cada indivíduo, mas depende
das interações sociais para ser ativada, Bagno (IDEM, p. 22) define o que é língua para a
concepção sociocognitiva:

Uma língua é um conjunto de representações simbólicas do


mundo físico e do mundo mental que:
(1) é compartilhado pelos membros de uma dada comunidade
humana como recurso comunicativo;
(2) serve para a interação e integração sociocultural dos
membros dessa comunidade;
(3) se organiza morfossintaticamente (sons+palavras+frases)
segundo convenções firmadas ao longo da história dessa
comunidade;
(4) coevolui com desenvolvimentos cognitivos e os
desenvolvimentos culturais dessa comunidade, sendo então
sempre variável e mutante, um processo nunca acabado;
(5) se manifesta concretamente por meio de um repertório
limitado de sons emitidos pelo aparelho fonador de cada
indivíduo.

4. A Linguística

A Linguística é o estudo científico da linguagem. Se, como já vimos, a linguagem


recobre uma variedade muito ampla de formas de comunicação, para a Linguística importa
apenas a linguagem verbal humana, ou seja, as línguas naturais que os homens usam para
se comunicar, ou melhor, para interagir em sociedade.
Inicialmente, a ciência da linguagem tinha por objetivo descobrir como a linguagem
funciona por meio do estudo de uma determinada língua, considerando a fala de uma
determinada comunidade e, posteriormente, a escrita. Mas qual a razão em se priorizar a
fala? Uma explicação está no fato de que já há um instrumento que, historicamente,
ocupou-se da escrita: a gramática, a qual teve, desde o seu início, a preocupação com a
linguagem literária como um modelo a ser seguido por aqueles que queriam “fazer um bom
uso de uma língua”.
Outra explicação pode ser encontrada na sucessão dos estudos da linguagem.
Veremos, mais adiante, que a Linguística se constitui como ciência a partir de um
“rompimento” com o modo de trabalhar com a linguagem, característico dos séculos XVIII
e XIX. O método anterior, histórico-comparatista, buscava comparar as diversas línguas
para ver como elas mudaram ao longo de sua história, ou seja, comparavam-se línguas
diferentes, mas que tinham uma mesma origem, para verificar as regularidades dessas
mudanças e tentar determinar aquela (ou aquelas) que seria a primeira língua falada pelo
homem. Esse trabalho, inicialmente, baseou-se nas línguas românicas, dado o farto
material escrito desde a época do latim. É claro que, assim, o estudo histórico e comparativo
das línguas apoiou-se bastante na língua escrita. Por isso, quando a Linguística se instituiu,
a preferência inicial foi pela língua falada.
No entanto, logo se notou que havia muito da língua escrita que não podia ser explicado
pela gramática, e sim pelo uso particular feito por uma comunidade da língua ideal que está
descrita e normatizada nos compêndios gramaticais. O trabalho do linguista é, então,
coletar, organizar, selecionar esses dados, de acordo com os princípios da teoria que ele
segue. Esse estudo, que faz parte do que se denomina Linguística descritiva, visa fornecer
dados que possam estar em acordo ou desacordo com a teoria geral que levou a tal busca.
Isso qualifica “duas” Linguísticas – uma é a Linguística Geral, que fornece o apoio
teórico para o estudioso poder buscar elementos que confirmem ou mesmo refutem essa
teoria, fazendo com que ela precise ser aprimorada. Outra é justamente essa Linguística
Descritiva, centrada em explicar, por meio de exemplos, os construtos teóricos da primeira.
São, então, duas faces de um mesmo trabalho, já que uma não existe sem a outra.
Assim, não há um conceito melhor ou mais adequado, mais certo ou mais
satisfatório, pois todas vão (ou pelo menos devem) teorizar sobre a língua como um
“construto intelectual coerente, com princípios e postulados que não se contradigam”.
Retomamos, então, o que determina o livro Curso de Linguística Geral, obra póstuma
editada a partir de cursos de linguística geral dados por Ferdinand de Saussure: “o ponto
de vista cria o objeto”. Desse modo, diferentes pontos de vista acarretam, na Linguística,
diferentes correntes de pensamento que buscam investigar a língua sob a sua perspectiva
teórica.
Como o estudo da linguagem não é exclusividade da Linguística, há muitas outras
disciplinas que também a pesquisa, mas o foco é diferente. Por exemplo, filosofia,
sociologia, antropologia, neurologia, psicanálise etc têm na linguagem um modo de
compreender a existência do homem, como se organiza socialmente, como o homem usa
a linguagem para caracterizá-lo como homem, em sua evolução, costumes, por exemplo,
ou mesmo no caso da psicanálise que é campo clínico e de investigação teórica da psique
humana apoiada na linguagem, especialmente na fala, no dizer.
Algumas áreas de estudo da língua, no entanto, são quase exclusivas de interesse
de linguistas, porque quem nelas atua são especialistas da língua estruturada como um
sistema, ou seja, o foco é somente a língua mesma: esse é o caso da fonologia, da
morfologia e da sintaxe. É preciso, no entanto, destacar que esses campos, na ciência da
linguagem se diferem do que aparece em uma gramática normativa. Vamos ver, mais
adiante, a diferença entre o ponto de vista linguístico e o ponto de vista gramatical, mas,
por enquanto, é importante colocar que a gramática descreve os elementos uma língua
ideal, típica da escrita, prescrevendo as regras de seu uso. Já essas áreas, na linguística,
procuram também mostrar como de fato são usados os elementos dos sons da língua ou
da fala quando utilizados pelos falantes, o mesmo acontecendo com os morfemas e os
aspectos sintáticos da língua em seu uso concreto, sem prescrever normas.
Esse é o denominado “núcleo duro” da linguística, ainda que alguns dos seus
subcampos de pesquisa recorram a elementos que são fundamentais em disciplinas que
são denominadas “flexíveis” (mas que, muitas vezes, recorrem a pontos de teorias desses
núcleos duros): o uso concreto de uma língua em um contexto de interlocução em um dado
contexto. As correntes que não fazem parte do núcleo duro são muitas e divididas em
diversas subdisciplinas, com foco concentrado em determinados aspectos do fenômeno da
linguagem.
Podemos tomar como exemplo a Semântica, o estudo do significado das palavras,
um campo bastante desenvolvido na Linguística, mas que tem origem em estudos lógico-
filosóficos clássicos (Semântica Clássica), desenvolvido pela Filosofia da Linguagem, uma
disciplina praticada há milênios (portanto, muito antes da Linguística) tanto no oriente
quanto no ocidente. O foco dos filósofos da linguagem, no entanto, difere do da Linguística
porque seu interesse é a natureza do significado, pela relação da linguagem e pensamento
e entre linguagem em realidade.
Da mesma filosofia da linguagem surgiu mais recentemente (século XX), provindo
de um grupo de Oxford, na Inglaterra, a Pragmática, que, de uma forma geral, diz respeito
ao estudo do uso da língua na fala. Esses teóricos se detiveram basicamente no estudo
dos performativos, isto é, quando a linguagem, mais do que passar uma informação, é uma
ação, pois ela realiza algo. Um exemplo disso é a condenação de um réu por um juiz.
Quando ele diz “Eu te condeno a 10 anos de prisão.”, não está dando uma informação, mas
realizando uma ação, a de condenar, de privar o acusado de liberdade. Trata-se, então, da
ideia de que dizer é transmitir informações, mas é também (e sobretudo) uma forma de agir
sobre o interlocutor e sobre o mundo circundante. Outro centro de interesse da Filosofia
analítica da linguagem de Oxford foi o exame e a descrição dos princípios da conversação,
estudando os princípios gerais que determinam os comportamentos linguísticos e a maneira
de utilizar a linguagem na comunicação
Todas as grandes escolas da Linguística aparecem na metade final do século XX.
Se dos anos 1930 aos anos 1960, houve o predomínio de uma corrente linguística
denominada Estruturalismo, desenvolvida a partir do livro Curso de Linguística Geral, uma
obra editada por discípulos de Ferdinand de Saussure com base em três cursos que ele
dera entre os anos 1906 e 1911, o surgimento do Gerativismo, preconizado por Noam
Chomsky, rompe com uma tradição nos estudos científicos da linguagem, inaugurando um
novo campo e o abandono do anterior.
Essa seria a última substituição de um modelo de estudo da língua(gem), porque
nessa mesma década, 1960, vários pesquisadores estavam se dedicando àquilo que o
Curso havia desconsiderado na sua descrição da língua/linguagem: a fala, o sujeito, o
contexto de uso. Começam, então, a surgir diversas correntes na linguística que estudam
outros objetos que determinam o uso da língua. E elas aparecem quase ao mesmo tempo
em diversos países.
Nos Estados Unidos, por exemplo, William Labov começou a pesquisar o uso de
uma língua em situações diversas: local onde ela falada, por pessoas mais ou menos
escolarizadas, mais jovens ou mais velhas, se eram homens ou mulheres etc. Inaugurou,
assim, a Sociolinguística, cujo objeto de estuda era a variação linguística. Mas, se a
Sociolinguística estuda e quantifica as variações quando se usa uma língua, ela apenas
indica se uma língua está ou não mudando, pois quem estuda essa mudança é a
Linguística Histórica.
Na Europa, na mesma época, na França, Émile Benveniste começou a estudar o
sentido considerando as marcas do sujeito ao usar a língua, ao enunciar. Começava então
a Linguística da Enunciação, base para as correntes discursivas. Surge, então, proposta
por Michel Pêcheux a Análise de Discurso Francesa (AD). Em outro país, na Alemanha,
se desenvolvia um trabalho de estudo da linguagem centrado no texto, que seria
denominada Linguística Textual.
Ocorreu, portanto, uma abertura da Linguística para outros objetos: além dos objetos
língua (nos estudos estruturalistas) e competência (nos gerativistas), surgem outros como
a variação, a mudança, o uso, o texto, o discurso.
Mais recentemente, outras correntes se desenvolveram na Linguística. É o caso, por
exemplo, de áreas voltadas para a aquisição e processamento da linguagem, como a
Psicolinguística e a Neurolinguística.
Além de outras áreas que não vamos citar aqui, pois são muitas, é preciso destacar
a Linguística Aplicada, que designa qualquer trabalho em várias das disciplinas da
Linguística que se voltam para o estudo da linguagem com o objetivo de solucionar
problemas práticos de seu uso ou de atividades profissionais específicas. O aspecto mais
conhecido dessa disciplina é o ensino de línguas, materna e estrangeira, mas ela também
trata de questões como a tradução, a lexicografia, a linguagem forense etc.

6. Bibliografia
Esta aula foi organizada com partes das seguintes obras:

BAGNO, M. Língua, linguagem, linguística. Pondo os pingos nos ii. São Paulo: Parábola,
2014.
CARONI, F. Introdução à Linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
FIORIN, J. L. Introdução à Linguística I – Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.
___. A linguagem humana: do mito à ciência. In: FIORIN, J. L. et al. (orgs.) Linguística? O
que é isso? São Paulo: Contexto, 2013.
LYONS, J. Lingua(gem) e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1987.
MARTELOTTA, M. E. (org.) Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
MAINGUENEAU, D. Introdução à Linguística. Lisboa: Gradiva, 1996.
ORLANDI, E. P. O que é Linguística. São Paulo: Brasiliense, 1986.
RAMANZINI, H. Introdução à Linguística moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
TURIN, R. N. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo: Annablume, 2007.

6. PARA SABER MAIS

https://www.youtube.com/watch?v=9LA-8nzO9XE&t=3s
https://www.estudopratico.com.br/linguagem-lingua-e-fala-o-que-sao-e-suas-diferencas/
http://paginapessoal.utfpr.edu.br/gustavonishida/disciplinas/linguistica-geral/LYONS%20-
1987.pdf/view
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3189923/mod_label/intro/NEGR%C3%83O_Estrut
uraDaSentenca.pdf
https://docslide.com.br/documents/o-que-e-linguistica-eni-pulcineli-orlandi.html
https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxsZ3Vmc
GVsfGd4OjM5MTE3NTNhNmQyNThlNDk
http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/4168/n/lingua:_modos_de_usar
https://www.youtube.com/watch?v=6dYmDQzvLJY
http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/3136/n/linguistas_e_gramaticos

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