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em língua de sinais é tão eficaz quanto na língua oral.

” AL-
MEIDA (2000, p.02).

Apesar de surdos e ouvintes terem línguas diferen-


tes é possível que vivam em comunidade sem tantos atritos
na comunicação, desde que haja um esforço mútuo de apro-
ximação pelo conhecimento das duas línguas, tanto por parte
dos ouvintes como dos Surdos.

Língua de Sinais Brasileira


1.2 considerada como Língua

Foi inicialmente através dos trabalhos do americano


William Stokoe (1960), que as línguas de sinais começaram
a ser analisadas e estudadas, recebendo o status de língua.
Comparando a Língua de Sinais Americana (ASL) com a lín-
gua inglesa, ele começou a observar que a ASL apresentava
todos os requisitos e critérios exigidos para ser considerada
como língua

Stokoe observou que os sinais não eram imagens,


mas símbolos complexos, com uma complexa estrutura inte-
rior. Ele foi o primeiro, portanto, a procurar uma estrutura, a
analisar os sinais, dissecá-los e a pesquisar suas partes cons-
tituintes. (QUADROS & KARNOPP, 2004, p. 30)

Em sua obra Sign Language Structure e Dictionary


of ASL, William Stokoe, marca a história como uma fase
de transição no que diz respeito à compreensão do que seria
língua e linguagem. (QUADROS & KARNOPP, 2004).

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Da mesma forma, por volta de 1970-1980, a pes-
quisadora Lucinda Ferreira Brito e outros pesquisadores, co-
meçaram a estudar a língua de sinais brasileira e observaram
que esta também possui os mesmos critérios que a classifi-
cam como língua, ou seja, aspectos fonológicos, morfológi-
cos, sintaxe, semântica e pragmática.

É importante lembrar, que este grupo de pesqui-


sadores fundamentou seus estudos nas obras inicialmente
produzidas por William Stokoe. Assim, aqui no Brasil, estes
pesquisadores começaram a produzir material e pesquisas
atestando a autenticidade da Libras como língua.

De acordo com BRITO (1998, p.19), as Línguas


de Sinais são complexas por que “permitem a expressão de
qualquer significado decorrente da necessidade comunicati-
va e expressiva do ser humano”. Por meio dela, os seus usu-
ários podem discutir e estudar sobre os mais diversos assun-
tos, desde um simples bate-papo a questões mais complexas,
como o estudo de disciplinas escolares, política, religião,
esportes, filosofia, trabalho, dentre outros. Pela ausência da
voz (fala), forma normalmente utilizada entre os indivíduos
ouvintes na comunicação, surge à necessidade de uma Lín-
gua que não utilize o canal oral-auditivo, mas sim, um canal
espaço-visual, em que a visão, as mãos e o corpo em si, sir-
vam de mecanismos para atingir a transmissão da mensagem
entre os Surdos.

LYONS (1987, p. 18; 28), diferentemente de HALL,


teve a preocupação de examinar a Língua de modo a englo-
bar não apenas os “ouvintes”, mas também os Surdos, ele
assegura que:

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Não se pode falar sem usar a língua (isto
é, sem falar uma determinada língua), mas é pos-
sível usar a língua sem falar (p.18). (...) é perfeita-
mente possível, embora raro, que se aprenda uma
língua escrita sem haver o comando prévio da lín-
gua falada correspondente (...) tais como os siste-
mas utilizados pelos surdos-mudos (...) não se deve
colocar ênfase excessiva na prioridade biológica
da fala.

Para Temóteo (2008), a Língua de Sinais é viva, e


assim como as Línguas Orais, ela também é natural, imbu-
ída de sentidos que podem passar despercebidas aos olhos
dos “ouvintes”. A linguagem reflete o cotidiano em que o
homem vive e para chegar a transmitir aquilo que se pensa,
o surdo procura fazer uma aproximação com o real durante
a comunicação, projetando em sua mente a imagem daqui-
lo que se deseja transmitir. Para identificar uma pessoa, por
exemplo, ele procura enxergar um atributo marcante, que
chame a atenção, geralmente de fácil reconhecimento para
diferenciá-lo dos demais, quer seja por suas características
físicas: cabelo cacheado ou liso, dentuço, magrelo, uso de
aparelho dentário, cicatriz...; por meio da profissão: profes-
sor, policial, médico, dentista...; por uso de algum acessório:
óculos, chapéu, relógio... São infinitas as possibilidades de
representações e percepções do surdo acerca do outro.

Da mesma maneira que os ouvintes conseguem dis-


cutir todo e qualquer tipo de assunto, os surdos, graças a Lín-
gua de Sinais, estão em patamar igual, somente a partir dela,

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as barreiras de comunicação entre surdos e ouvintes podem
ser minimizadas, assim como a diminuição do atraso no de-
senvolvimento cognitivo que o surdo carrega pela ausência
da linguagem em relação ao ouvinte, que recebe estímulos
auditivos constantemente. SACKS (2007, p. 34; 42), faz um
comentário acerca da Língua de Sinais e a Língua falada:

Tanto as Línguas de Sinais como as Lín-


guas Orais são canais distintos de comunicação,
contudo ambas são independentes para a transmis-
são e a recepção da habilidade linguística. O uso
da fala (discurso) está intrinsecamente ligado ao
conhecimento de uma Língua, não necessariamente
ao ato de falar, mas na percepção do entendimento
das estruturas semânticas que compõem a comuni-
cação, quer seja nas Línguas Orais ou de Sinais.

“As línguas de sinais são, portanto, consideradas


pela linguística como línguas naturais ou sistema linguístico
legítimo e não como um problema do surdo ou uma patolo-
gia da linguagem”. QUADROS & KARNOPP (2004, p. 30)

Embora a Linguística tenha reconhecido a forma de


comunicação usada pelos Surdos como autêntica foram os
Psicólogos Experimentais, especificamente Willian Wundt,
quem primeiramente reconheceu o status de Língua às Lín-
guas de Sinais, conforme CAPOVILLA (2001, p. 1480):

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Coube à Psicologia a honra de ter pre-
cedido a própria Linguística no reconhecimento
do status linguístico da Língua de Sinais. Em sua
Psicologia étnica, o fundador da Psicologia Ex-
perimental, William Wundt (1911), foi o primeiro
acadêmico a defender a concepção de Língua de
Sinais como idioma autônomo, e do Surdo como
povo com cultura própria.

Por meio das Línguas de Sinais, as pessoas Surdas


se relacionam no meio social em que vivem. No Brasil, a
Língua utilizada pelos Surdos foi oficialmente reconhecida
através da lei nº 10.436. A comunidade surda brasileira co-
memorou no dia 24 de abril de 2002 o reconhecimento de
sua Língua, a Língua de Sinais Brasileira, Libras, como meio
legal de comunicação e expressão; no seu artigo primeiro,
parágrafo único da referida Lei traz a definição:

Entende-se como Língua Brasileira de


Sinais – Libras a forma de comunicação e ex-
pressão, em que o sistema linguístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constitui um sistema linguístico de transmissão de
ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas
surdas do Brasil.

A oficialização da lei de Libras, como ficou assim

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conhecida, é caracterizada como um marco histórico da lu-
tas travadas pela comunidade surda brasileira. Através desse
fato, os surdos têm conquistado cada vez mais espaços con-
sistentes na sociedade, tanto no que diz respeito a espaços
profissionais como educacionais. A lei de Libras proporcio-
nou o resgate da cidadania, identidade surda e de sua aceita-
ção como língua natural. Por isso, é interessante que hajam
pesquisas sobre a língua de sinais a fim de haver uma multi-
plicação desse conhecimento.

1.3 Língua

Conforme estudamos, as línguas são sistemas com-


plexos, capazes de comunicar sentimentos, emoções, ideias
abstratas ou simplesmente conversações cotidianas como
“Oi!”, “Tudo bem?”. É ainda, um sistema padronizado pelo
qual podemos construir um número infinito de sentenças.

Língua não se confunde com linguagem:


é somente uma parte determinada, essencial dela,
indubitavelmente. É ao mesmo tempo produto da
faculdade da linguagem e um conjunto de conven-
ções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade nos indivídu-
os. (SAUSURRE apud QUADROS, p.24, 2004).

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Vejamos agora algumas características intrínsecas
das línguas.

1.3.1 Traços Únicos das Línguas

Segundo Quadros (2004), as línguas apresentam


traços únicos como: flexibilidade, arbitrariedade, desconti-
nuidade, criatividade, dupla articulação e um padrão. Vere-
mos a seguir uma breve descrição de cada um desses traços.
| Flexibilidade: Segundo Lyons apud Quadros (2004, p.25),
“pode-se usar a língua para dar vazão às emoções, para ame-
açar ou prometer, para solicitar a cooperação dos compa-
nheiros. É possível ainda fazer referência ao passado, pre-
sente e futuro”.
| Arbitrariedade: A palavra e os sinais não apresentam se-
melhanças com o referente. Por exemplo, o objeto MESA, é
designado dessa forma por uma convenção, e não por ter um
significado associado. O que implica dizer que a arbitrarie-
dade é convencional.
| Descontinuidade: Apresenta uma diferença entre forma e
significado com relação à morfologia da palavra (ou seja, o
estudo da forma da palavra). Observe o exemplo das pala-
vras: maca e mala. Ambas diferem um pouco tanto na morfo-
logia como na língua falada, embora apresentem semelhan-
ças entre si.
| Criatividade: É a característica que permite a construção e
a compreensão de novas sentenças regidas por regras grama-
ticais. (QUADROS, 2004).
| Dupla articulação: Toda língua é formada de fonemas, que
se articulam uns com os outros para formar as palavras, pos-

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suindo assim um significado.
| Padrão: Os elementos nas línguas apresentam um padrão
de combinação dos elementos. Se tomarmos como exemplo
as palavras: rapaz, rapidamente, caminhou, o, há três com-
binações possíveis: “O rapaz caminhou rapidamente; Ra-
pidamente o rapaz caminhou, caminhou o rapaz e o rapaz
rapidamente caminhou. As outras combinações que forem
formadas além destas são agramaticais e no caso da lín-
gua portuguesa, ela apresenta restrições na maneira em que
os itens ocorrem juntos, ou seja, apresentam um padrão”.
(QUADROS, 2004).
| Dependência estrutural: Segundo Quadros (2004, p.28),
“Uma língua contém estruturas dependentes que possibili-
tam um entendimento da estrutura interna de uma sentença,
independe do número de elementos linguísticos envolvidos”.
Como exemplo, observe o quadro abaixo: (Quadros, 2004).

A criança
Ela Gritou

A criança doente e machucada

Fonte: (QUADROS, 2004, p.28)

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1.4 O que é um Mito?

Os mitos são ideias falsas de natureza simbólica sobre


alguma pessoa, sobre um determinado lugar ou assunto. Pode
ser caracterizado como lenda, folclore ou um conto de fadas.

Existem muitos mitos sobre as línguas de sinais os


quais nos conduzem a concepções errôneas. Vejamos alguns
mitos descritos por Quadros (2004).

1.4.1 Mito 1

A língua de sinais seria uma mistura de pantomima


e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abs-
tratos (QUADROS, 2004, p. 31).

As línguas de sinais expressam conceitos abstratos.


Os usuários podem discutir sobre todo e qualquer assunto
como: política, filosofia, economia, matemática, física e psi-
cologia (QUADROS, 2004).

1.4.2 Mito 2

Haveria uma única e universal língua de sinais usa-


da por todas as pessoas surdas (QUADROS, 2004, p. 33).

A Língua de Sinais Brasileira não é universal, cada


país possui a sua. Dessa forma, temos aqui no Brasil (Li-
bras), nos Estados Unidos (American Sign Language – ASL)
e na França (Langue de Signes Française - LSF).

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1.4.3 Mito 3

Haveria uma falha na organização gramatical da


língua de sinais, que seria derivada das línguas de sinais,
sendo um pidgin, sem estrutura própria, subordinado e infe-
rior às línguas orais (QUADROS, 2004, p. 34).

As línguas de sinais não estão subordinadas às lín-


guas orais e nem são consideradas inferiores. As línguas de
sinais são línguas naturais, de modalidade diferenciada (ges-
tual-visual), possuindo estrutura e gramática própria.

1.4.4 Mito 4

A língua de sinais seria uma mistura de comunica-


ção superficial, com conteúdo restrito, sendo estética, ex-
pressiva e linguisticamente inferior ao sistema de comunica-
ção oral. (QUADROS, 2004, p. 35).

Segundo “pesquisas realizadas por Klima e Bellugi


apud Quadros (2004, p. 35), mostram que poesias, piadas,
trocadilhos, jogos originais, entre outros são uma parte sig-
nificativa do saber da cultura surda”, possuindo assim um
conteúdo irrestrito.

1.4.5 Mito 5

As línguas de sinais derivariam da comunicação


gestual espontânea dos ouvintes. (QUADROS, 2004, p. 36)
As línguas de sinais são consideradas línguas natu-
rais, autônomas e surgem de forma espontânea, em face da

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necessidade que o surdo tem em se comunicar uns com os
outros.

1.4.6 Mito 6

As línguas de sinais, por serem organizadas espa-


cialmente, estariam representadas no hemisfério direito do
cérebro, uma vez que esse hemisfério é responsável pelo
processamento de informação espacial, enquanto que o es-
querdo pela linguagem (QUADROS, 2004, p. 36).

Pesquisas realizadas por Bellugi e Klima apud Qua-


dros (2004, p. 36), indicaram que as línguas de sinais são
processadas no hemisfério esquerdo, assim como quaisquer
outras línguas. Esse estudo comprova que a linguagem hu-
mana independe da modalidade das línguas.

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Nesta unidade você aprendeu a diferenciar língua
de linguagem, identificou os traços únicos de uma língua,
compreendeu porque a Libras é considerada como língua e
conheceu também alguns mitos sobre línguas de sinais.
Tais conceitos são fundamentais para a sequência
do nosso Curso.
Fique atento!

E Exercícios

| 1. O que é linguística e qual o seu campo de atuação?

| 2. Diferencie Língua de Linguagem.

| 3. Porque a Língua de Sinais recebeu o status de língua?


Fundamente sua resposta.

| 4. Quais são os traços únicos das línguas? Cite cada um deles.

| 5. Cite e comente dois mitos sobre línguas de sinais.

B Referências Bibliográficas

| ALMEIDA, Elizabeth Oliveira Crepaldi de. Leitura e


Surdez: um estudo com adultos não oralizados. Rio de Ja-
neiro: Revinter, 2000.

| BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral


I. 4ª ed. Campinas: Pontes, 1988.

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| BRITO, Lucinda Ferreira. (org). Educação Especial – Lín-
gua Brasileira de Sinais. V. III. Série Atualidades, n° 4.
Brasília: SEESP/MEC, 1998.

| CAPOVILLA, Fernando César. RAPHAEL, Walkiria


Duarte. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da
Língua de Sinais Brasileira – Libras. Volume I: Sinais de
A a L e volume II: sinais de M a Z. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2001.

| KOJIMA, Catarina Kiguti; SEGALA, Sueli Ramalho. LI-


BRAS: Língua Brasileira de Sinais – A Imagem do Pensa-
mento. Vol. 1 e 2. São Paulo: Escala, 2008.

| LOPES, Edward. Fundamentos da Linguística Contem-


porânea. São Paulo: Cultrix, 2000.

| LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdu-


ção. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

| QUADROS, R.M.; KARNOPP, L. Língua de Sinais Bra-


sileira – Estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas,
2004.

| SACKS, Oliver. Vendo vozes. São Paulo: Companhia das


Letras, 1998.

| SAUSURRE, F. Curso de linguística geral. 20.ed. São


Paulo: Cultrix, 1995.

| TEMÓTEO, Janice Gonçalves. Diversidade linguístico-

cultural da Língua de Sinais do Ceará: Um estudo lexico-


lógico das variações da Libras na comunidade de Surdos do
Sítio Caiçara.Dissertação de mestrado, UFPB, 2008.

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C Referências Complementares

| KLIMA, E.; BELLUGI, U. Wit and poetry in american


sign language. Sign Language Studies, v.8, p. 203-24, 1975.

| STOKOE, W.C. Sign language strucuture. Silver Spring:


Linstok Press (1960) 1978.

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