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Mitos em torno da Língua de Sinais

Site: Ambiente Virtual de Aprendizagem do Ifes


Curso: [DocentEPT Norte-Nordeste] Libras
Livro: Mitos em torno da Língua de Sinais
Impresso por: Fabiana Vitória De Souto
Data: sábado, 5 nov 2022, 16:37
Índice
1. Mitos e crenças sobre a língua de sinais: entendendo essa questão

2. Alguns mitos em torno da língua de sinais


2.1 A língua de sinais é universal?
2.2 A língua de sinais é artificial e não tem gramática?
2.3 A língua de sinais é um sistema superficial, baseado em mímicas e de expressão linguística restrita?
2.4 A língua de sinais é constituída do alfabeto manual?

Referências bibliográficas

Ficha Técnica
1. Mitos e crenças sobre a língua de sinais: entendendo essa
questão

Fonte: Ricardo Ferraz / Ilustrador e cartunista

Historicamente, os mitos em torno da língua de sinais relacionam-se com


a concepção que se tem da surdez como algo incapacitante e que leva o
indivíduo nesta condição a ser estigmatizado como alguém inferior aos
ouvintes e limitado em suas ações no contexto social. Deste modo, cria-
se um imaginário de que os sinais usados pelos surdos não é algo a ser
chamado de língua, mas um conjunto de gestos que geram uma
comunicação limitada ou às vezes sem sentido. Tal concepção, por mais
que tenha perdurado por muitos anos, passou a ser superada a partir
dos estudos que identificaram o caráter linguístico da língua de sinais a
partir dos anos 60.
Pesquisas realizadas por Willian Stokoe, em 1960, a partir de suas
investigação sobre a língua Americana de Sinais, comprovaram que as
línguas de sinais(LS) podem ser comparadas a quaisquer línguas orais no
que diz respeito à complexidade e expressividade, atendendo a todos os
critérios de uma língua genuína. Na verdade, as Línguas de sinais (LS)
diferem das línguas orais na modalidade, visto que a Língua Portuguesa
(usada pelos ouvintes brasileiros) é oral-auditiva, e a Língua Brasileira de
Sinais - Libras (usada pelos surdos brasileiros) é visual-espacial.
A comunicação por sinais é utilizada por sujeitos surdos desde os tempos
mais remotos, tendo surgido naturalmente a partir de suas necessidades
de expressão e comunicação. Todavia, como já referido, o status
linguístico somente lhe foi conferido a partir da década de 60, por meio
dos estudos do linguista americano Willian Stokoe (1960), pois este
mostra que os sinais não eram apenas imagens, gestos ou mímicas. Em
suas observações sobre Língua de Sinais Americana – ASL –, este
pesquisador identificou que as línguas de sinais eram estruturadas a
partir de unidades mínimas que formam unidades mais complexas,
possuindo então níveis linguísticos, conforme as línguas orais o possuem.
Stokoe (1960) foi o primeiro a analisar os sinais e pesquisar sua
composição, comprovando que cada sinal apresentava pelo menos três
partes independentes que os constituíam que são: configuração de mãos
(CM), que diz respeito à forma que as mãos tomam na elaboração do
sinal; o ponto de articulação (PA) ou locação (L), que remete ao lugar
onde este sinal é realizado; e movimento (M), que pode estar ou não
presente no sinal.
Posteriormente, outros estudos identificaram na elaboração do sinal a
orientação da palma da mão (O), que indica a direção da palma durante
o sinal. Percebeu-se ainda que as mãos não eram o único veículo usado
pelos surdos para produzir a informação linguística, pois estes utilizam
recorrentemente as expressões corporais e faciais, as chamadas
marcações não manuais (MNM), que diferentemente das línguas orais,
“são elementos gramaticais que compõem a estrutura da língua;...” (Gesser, 2009
p. 18).

Fonte: By Matt & Kay Daigle

Apesar de terem status linguístico há mais de meio século, é pertinente


salientar que, nos dias de hoje, ainda pairam mitos equivocados a
respeito destas línguas viso-espaciais. Uma crença muito comum é a de
que as línguas de sinais (LS) seriam apenas linguagem e não língua, o
que, conforme Quadros e Karnopp (2004), não procede, pois a língua é
parte da linguagem, mas diferencia-se por ser um produto social que
surge e evolui da necessidade de comunicação de um grupo.
2. Alguns mitos em torno da língua de sinais

Fonte: Freepik.com/Autor Freepik

Quadros e Karnopp (2004) e Gesser (2009) trazem à tona algumas


crenças e preconceitos acerca da língua de sinais que são
frequentemente elencados por grande parte das pessoas ouvintes. Estas
e outras obras esclarecem e sensibilizam o leitor acerca da realidade
surda e das concepções errôneas socialmente construídas em torno da
língua de sinais. Assim, desmistificam concepções errôneas relacionadas
a esta modalidade de língua. Parece ser necessário dizer aos ouvintes
que a língua de sinais faz parte do universo humano e que este não
necessariamente manifesta-se apenas pelo som, mas também de forma
visual. Esta expressão linguística manifesta de forma visuoespacial, em
que a informação é produzida pelo corpo e captada pela visão e em nada
se aproxima de uma condição patológica, mas, de fato, é cultural.
É o que veremos a partir de agora. Afinal, o que são línguas de sinais?

Fonte: Freepik.com/Autor Pikisuperstar


2.1 A língua de sinais é universal?

Este mito relaciona-se à ideia de que a língua de sinais é um código


simplificado que é transmitido e utilizado pelos surdos de toda parte.
Porém, assim como cada país possui seu idioma oral, o mesmo acontece
com as línguas de sinais, visto que a língua está atrelada a questões
culturais de cada país.
Pensar que a língua de sinais é universal é muitas vezes aproximá-la do
gestos feitos pela maioria dos ouvintes e muitas vezes compartilhados
entre pessoas de países diferentes. Todavia, até mesmo os gestos podem
não ser universais, visto que estão ligados a aspectos culturais de cada
país ou comunidade, podendo um gesto inocente e comumente usado
em um determinado lugar ser ofensivo em outro.
Em se tratando de língua de sinais, cada país possui a sua língua com o
nome específico. Em Portugal, nomeia-se a Língua Gestual Portuguesa -
LGP; em Angola, Língua Gestual Angolana - LGA; e, na França, Língua de
Sinais Francesa - LSF; e assim por diante.
Veja o exemplo a seguir:

A diferença do sinal “mãe” em quatro diferentes línguas de sinais. (Gesser, 2009 p.12)

Fonte: Retirado e adaptado de Moore e Levitan (1993: 38)

“Em qualquer lugar em que haja surdos interagindo, haverá línguas de sinais.
Podemos dizer que o que é universal é o impulso dos indivíduos para a comunicação
e, que no caso dos surdos, esse impulso é sinalizado”.(Gesser, 2009 p.12).

Veja isso expresso no vídeo a seguir:


Vamos conhecer línguas de sinais diferentes

Vídeo com Audiodescrição

Vamos conhecer línguas de sinais diferentes - Audiodescri…


Audiodescri…

De acordo com o que o vídeo evidencia e ainda conforme a autora supra


citada, esta crença aponta para uma visão simplista da língua de sinais,
que seria aprendida e transmitida pelos surdos de modo geral. O que não
é verdade, uma vez que Língua está ligada a questões culturais e, por
isto, a língua de sinais de cada país tem suas características específicas.
2.2 A língua de sinais é artificial e não tem gramática?

Esta crença é muito comum e demonstra uma visão minimizante da


língua de sinais como algo simplista que foi inventado, até mesmo pelos
ouvintes, para ser uma comunicação alternativa e mundial. Línguas
artificiais são projetadas por alguém ou por um grupo para serem
utilizadas internacionalmente, como parte de tentativas de unir a
humanidade por meio de uma língua, minimizar esquemas de dominação
através da língua ou ainda promover a paz mundial. Há também a
finalidade artística, como no caso de "línguas" criadas para ficção, tal
como ocorre em Jornada nas Estrelas e Senhor dos Anéis, dentre outros.

Contudo, “A língua de sinais dos surdos é natural, pois evoluiu como


parte de um grupo cultural do povo surdo”, Gesser (2009, p.12).
Conforme dito acima, existem línguas que de fato são criadas para fins
específicos. É o caso do Esperanto (1), uma oral criada para uso
internacional criada por volta de 1887 pelo judeu-polonês Ludwig
Lazarus Zamenhof e do Gestuno (2), uma língua de sinais criada também
para uso internacional e começou a ser pensada pela Federação Mundial
dos Surdos entre 1951 e 1973.

Figura 1: Esperanto

Fonte: Pixabay.com/Autor Clker-Free-Vector-Images


Figura 2: Gestuno

Fonte: Jiří Langer adaptado da Amazon

E sobre a gramática? O que podemos dizer?


Primeiramente, é importante dizer que os estudos que deram às línguas
de sinais o status linguístico iniciam na década de 60 a partir dos estudos
do pesquisador norte-americano William Stokoe. Em suas investigações,
Stokoe analisa a língua de sinais nos níveis fonológicos (3) e morfológicos
e identifica que os sinais são constituídos por no mínimo três
parâmetros: Configuração de mão (CM), Ponto de articulação (PA) ou
Locação (L) e Movimento (M), segundo Quadros e Karnopp (2004 , p.
30).
Stokoe observou que os sinais não eram imagens, mas símbolos
abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior. Ele foi o
primeiro, portanto, a procurar uma estrutura, a analisar os sinais,
dissecá-los e a pesquisar suas partes constituintes.
Por CM entende-se ser o formato da mão na produção do sinal; por PA
ou L, entende-se ser o espaço onde este sinal acontece, seja ancorado
no corpo ou em um espaço neutro. E por M Stokoe o apresenta pela
constatação de que o sinal pode ter ou não ter movimento. Veja o
exemplo a partir da ilustração abaixo:
Fonte: Equipe DocentEPT/Adaptado do material blog librasitz

A partir da década de 1970 um quarto parâmetro fonológico foi acrescido


nas línguas de sinais. Por meio de suas investigações sobre a Língua de
Sinais Americana (ASL), Edward S. Klima e Ursula Bellugi, em 1979,
identificaram a orientação da palma da mão - OP como um elemento
constitutivo do sinal. Tal achado demonstrou que dois sinais contendo a
mesma configuração de mão, a mesma localização e o mesmo
movimento poderiam ter o significado diferenciado por meio de uma
orientação da palma da mão. Isto é o que se percebe no sinal abaixo:

Estes quatro parâmetros fonológicos apresentados compõem


simultaneamente os sinais. Todavia, As mãos não são o único veículo
usado nas línguas de sinais para produzir informação linguística". Há ainda
as Marcas Não-Manuais, conhecidas também como expressões faciais e
corporais, que adquirem um status fonológico na formação de alguns
sinais. Vejam os exemplos no vídeo a seguir:

Expressão Facial e Corporal - em LIBRAS


Expressão Facial e Corporal - em LIBRAS

Vídeo com Audiodescrição

Expressão Facial e Corporal - Audiodescrição [LIBRAS]

Neste tópico, estudamos como o sinal é formado. Cada parâmetro


fonológico é muito importante na constituição de uma sinal e sua
alteração pode alterar totalmente o significado deste. Agora que você já
sabe, vamos praticar?

Videoaula - Libras "Apresentação e Cumprimentos - parte 1 - Rebeca Nemer


Vídeo Aula - Libras "Apresentação e Cumprimentos - parte …

Aprofunde seus conhecimentos


1. Para saber mais sobre o Esperanto, acesse: https://youtu.be/oXXDOPvplkk
2. Para conhecer o gestuno, acesse: https://youtu.be/cgX71Uo4ubo
3. Segundo Quadros e Karnopp (2004 p. 47).

“A primeira tarefa da fonologia para língua de sinais é determinar quais são


as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer
quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as
variações possíveis no ambiente fonológico.”
2.3 A língua de sinais é um sistema superficial, baseado em mímicas e de
expressão linguística restrita?

Uma crença que merece destaque é a de que por meio da língua de


sinais não seria possível expressar conceitos abstratos. Isto é uma
inverdade, uma vez que esta crença remete a uma visão carregada de
preconceitos a respeito das línguas de sinais, como se fossem limitadas,
não passando de mímica ou código primitivo. Todavia, assim como os
ouvintes, os surdos podem participar de várias situações discursivas
envolvendo diversas temáticas e, mesmo sem produção vocal, participar
de qualquer interação social por meio de sua língua.
Logo, resposta a questão que intitula este tópico é não! Trata-se de um
mito ancorado em na crença de que a língua de sinais é incapaz de
expressar conceitos abstratos, sendo baseada em uma comunicação
concreta. Contudo,
"[...] as língua de sinais são língua de modalidade visuoespacial que
apresentam uma riqueza de expressividade diferente das línguas orais,
incorporando tais elementos na estrutura dos sinais através de relações
espaciais, estabelecidas pelo movimento ou outros recursos linguísticos".
(Quadros e Karnopp, 2004, p. 35).

Observe os exemplos nas sinalizações a seguir e aproveite para se


aproximar mais do vocabulário da Libras:

Piada

Piada em Libras - O encontro

Tecnologia
Surdos na era digital: quais os benefícios que a tecnologia …

Poesia

Tempo de Poesia - Orgulho Surdo! - Mariana Ayelen


2.4 A língua de sinais é constituída do alfabeto manual?

Soletração LIBRAS

Antes de respondermos à questão que intitula este tópico, observe a


situação acima.
Como se pode ver, seria inviável realizar toda comunicação usando o
alfabeto manual. Conforme Gesser (2009), o Alfabeto manual possui
uma função na interação entre os usuários de língua de sinais, tratando-
se de um recurso empregado para apresentar nomes próprios de
pessoas, lugares, instituições ou qualquer outro termo para o qual ainda
não exista um sinal. Afinal, valendo-se apenas da soletração, seria
demandado um tempo muito maior para falar um simples sentença ou
ainda para realizar uma conversa sobre diversos temas.
Na Libras e também nas línguas de sinais de outros países, há palavras
que são soletradas, o que se dá por um processo natural por meio do
contato com a língua majoritária, ou seja, a língua oral do país. É o caso
do sinal NUNCA, realizado por meio da soletração N-C-A ou N-U- N, ou
ainda o sinal BAR, que é realizado por meio das letras B-A-R, em que o B
e o A se apresentam com orientação da palma para dentro e a partir de
um torção do pulso para frente o R é apresentado da forma
convencional. É importante dizer que o "sinal soletrado" ou "soletração
rítmica" diferem a datilologia, em que é apresentado letra por letra para
dizer o nome de uma instituição, por exemplo. Na soletração rítmica,
temos a supressão de algumas letras e as que se fazem presentes são
realizadas com orientação da palma da mão invertida ou um ritmo e
velocidade específicos, consolidando o "sinal soletrado".
Esta visão de que o alfabeto é a língua de sinais é mais um reflexo de
uma visão limitada e simplista destas línguas, como se derivasse e
dependesse da estrutura da língua oral. Mas, conforme já vimos, isto se
trata de um mito acerca destas línguas.
Que tal praticar o alfabeto manual? Conhecendo-o, você pode ser
apresentar a algum surdo e iniciar uma interação.
Escolha alguns nomes de seus familiares e amigo e pratique a soletração.
Lembre-se: a Libras não se resume ao alfabeto, mas o alfabeto manual
faz parte desta língua.

Fonte: Blog Oficina de Libras

Para saber mais sobre soletração rítmica, assista ao vídeo "Soletração


Rítmica ou Sinais soletrados", disponível
em: https://youtu.be/QD7JZM6zBsM
Referências bibliográficas

GESSER, Audrei. LIBRAS?:Que língua é essa?: Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da
realidade surda. São Paulo. Parábola Editorial, 2009.
QUADROS, Ronice M. KANOPP, Lodenir B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre. Artmed,
2004
Vídeos:

- “Vamos conhecer línguas de sinais diferentes”


https://youtu.be/B1whf9n8bws

- “Expressão Facial e Corporal - em LIBRAS”

https://youtu.be/bwzXvXGrLIE
- “Vídeo Aula - Libras "Apresentação e Cumprimentos - parte 1 " Rebeca Nemer”

https://youtu.be/i0BpWhfow58
- Esperanto

https://youtu.be/oXXDOPvplkk
- Gestuno

https://youtu.be/cgX71Uo4ubo
- Piada em Libras: O encontro

https://youtu.be/eDHKhLjyIGw
- Surdos na era digital: quais os benefícios que a tecnologia proporciona?

https://youtu.be/c2RLX3vDYFk

- Tempo de poesia – Orgulho surdo!- Mariana Ayelen


https://youtu.be/LHPf5AzxO74

- Soletração LIBRAS
https://youtu.be/482gFOUL8oM

- "Soletração Rítmica ou Sinais soletrados"


https://youtu.be/QD7JZM6zBsM
Ficha Técnica

Título Mitos em torno da Língua de Sinais

Autoria Carla Rejane de Paula Barros Caetano (2021) / Fernanda dos Santos
Nogueira (2021)

Design gráfico Camila Karoline Justino Marques


Luiza Fonseca de Souza

Design Michele Silva da Mata


instrucional

Revisão textual Cláuberson Correa Carvalho

Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-
CompartilhaIgual 4.0 Internacional.

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