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Língua e cultura nos

meios de comunicação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Diferenciar língua e linguagem.


 Relacionar a importância da língua como meio de transmissão da
cultura.
 Contrastar a evolução da linguagem com o surgimento e a moder-
nização dos meios de comunicação.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar sobre língua, cultura e suas relações e
impactos nos meios de comunicação.
Primeiramente, vamos delimitar o conceito de língua de acordo com
a linguística moderna, ver o que caracteriza uma língua e de que formas
ela se manifesta. Também, iremos diferenciar os conceitos de língua e
de linguagem.
Logo após, abordaremos as diferentes acepções de cultura para que
possamos encontrar um consenso entre diferentes teorias. Dessa forma,
veremos como a cultura e a língua estão relacionadas e de que forma a
cultura é expressa nas sociedades.
Finalmente, iremos estudar sobre os meios de comunicação e sua
evolução, acompanhando o desenvolvimento das linguagens e discu-
tindo como a língua e a cultura baseiam suas formas de comunicação e
como esses três elementos formam uma tríade fundamental.
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Língua: definição, componentes e manifestação


Um dos maiores erros de quem estuda linguística é negligenciar a diferença
entre linguagem e língua e tratar os dois conceitos como sinônimos. A distinção
entre as duas permite conceituações corretas e um conhecimento adequado
sobre as definições e os objetivos de ambas. Portanto, estudaremos a diferença
entre linguagem e língua e os seus conceitos e definições de acordo com a
perspectiva da linguística, mais precisamente com base nas considerações
feitas por Saussure (1975) – considerado o “pai da linguística moderna”. As
acepções dadas por Saussure (1975) serão colocadas de forma simplificada,
com o objetivo de esclarecer as duas definições.

Ferdinand de Saussure e o Curso de linguística geral


Ferdinand de Saussure (1857-1913) é conhecido como pai da linguística moderna.
Ele foi o responsável por perceber a língua como um objeto científico de estudo,
definindo, categorizando e diferenciando esse elemento de outros; permitindo, assim,
que a linguística fosse considerada uma ciência autônoma.
Seus conceitos linguísticos podem ser encontrados na obra Curso de linguística geral,
que embora tenham o nome de Saussure, foi elaborado postumamente por dois de
seus alunos, que coletaram as anotações de suas aulas e as publicaram no curso em
formato de livro.
Saussure é bastante conhecido por suas dicotomias (língua e fala, sincronia e diacronia,
significante e significado) e pela extensão da explicação da língua, de seus recursos,
comportamentos e interfaces.
O curso de linguística geral é uma leitura basilar para quem pretende estudar a
língua como ciência e para os profissionais que trabalham, de uma forma ou de outra,
com as línguas.
É nesse livro que Saussure também define a linguagem e a sua relação com a língua.

Diferença entre linguagem e língua


A definição e diferenciação entre linguagem e língua é um assunto ampla-
mente discutido por diversos linguistas. Saussure (1975) apresenta distinções
entre as duas ideias; embora para alguns autores elas possam ser consideradas
como sinônimas (em certas línguas — como no inglês, por exemplo — sequer
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existem dois termos para diferenciá-las; “language” é a unidade lexical que


expressa tanto língua quanto linguagem)
Contudo, para o autor supracitado, existe uma diferença bastante impor-
tante entre linguagem e língua. É importante ressaltar que nosso objetivo é
obter um conhecimento mínimo sobre o que caracteriza a língua e como ela
se diferencia da linguagem.
Observe o que Saussure (1975, p. 17) diz sobre a língua no livro Curso de
Linguística Geral:

Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício
dessa faculdade nos indivíduos.

Portanto, podemos compreender o que Saussure (1975) enxergou de dife-


rente entre língua e linguagem. Para ele, a linguagem é a capacidade comunica-
tiva intrínseca dada ao ser humano e a língua é um sistema organizacional que
funciona para alcançar os fins da linguagem (comunicação) e para organizar
o pensamento, a sociedade e a comunicação entre os falantes que adotam o
mesmo sistema.
Ao dividir o que Saussure (1975) disse em pequenas partes, para tentar
compreender sua definição de língua de forma mais clara, temos que a língua é:

 um produto social — por ser uma forma organizadora de comunicação


entre falantes dentro de uma mesma cultura (e talvez região espacial) de
forma convencional, aceita e utilizada por um determinado número de
pessoas que compartilham cognitivamente, culturalmente e socialmente
o mesmo sistema linguístico para a comunicação;
 um conjunto de convenções — sendo a língua um sistema criado e
desenvolvido (proveniente de uma faculdade natural, a linguagem) que é
sistematizado e convencional entre aqueles que compartilham a mesma
língua. Essas convenções podem ser vistas como regras gramaticais,
escolhas lexicais, formas de registro e apropriação linguística e, também,
observadas em variações dentro de uma mesma língua (por diversos
fatores que alteram a língua de forma que exista variações diferentes
do mesmo idioma);
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 um idioma adotado pelo corpo social — que só tem utilização e vali-


dade se utilizada por um conjunto de pessoas, tais como as línguas que
são atualmente consideradas vivas (português, inglês, espanhol, etc.).
Uma vez que uma língua, quando não utilizada por um corpo social,
deixa de existir como língua viva e passa a ser considerada uma língua
morta (cuja evidência de uso pode se alocar em um tempo passado e
cujos usos sejam restritos e não mais utilizados como forma oficial de
comunicação vigente em determinados grupos, como o latim);
 o exercício da faculdade nos indivíduos — embora seja um produto
social, cada indivíduo se apropria da língua de forma individual e
internaliza cognitivamente o sistema para que, dessa forma, possa se
comunicar com os seus pares, participando de uma organização da
comunicação e do pensamento dentro de um conjunto de pessoas. (Já
imaginou se as línguas não existissem e só pudéssemos nos comunicar
por um “sistema” rudimentar não padronizado de gestos, toques e sons
não identificáveis?).

Portanto, a diferença entre linguagem e língua é bastante clara para Saus-


sure (1975), de forma que, linguagem é a faculdade dada ao ser humano para
se comunicar e língua é um sistema social convencional, organizado com
padrões e normas que um corpo populacional compartilha como forma de
organizar o pensamento e a comunicação, permitindo o exercício da faculdade
da linguagem.
Desse modo, a capacidade para a linguagem é natural, enquanto a língua é
“adquirida”. Logo, como exemplos de linguagem podemos citar as pinturas, os
sons, as cores, as línguas, etc., e como exemplos de línguas podemos mencionar
o português, o inglês, o alemão, o espanhol e assim por diante.
Em resumo, conclui-se que:

 linguagem é a capacidade/faculdade natural humana de se comunicar


uns com os outros e as diferentes manifestações que expressem uma
mensagem;
 língua é um produto artificial social da faculdade da linguagem, for-
mada como um sistema de convenções utilizado por um grupo de pessoas
para a comunicação. Ela também é cognitiva e cultural.
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Conceitos e manifestações da língua


É importante entender alguns outros conceitos relacionados à língua e defi-
nidos por Saussure (1975), tal como a ideia de que a língua é um sistema que
organiza não só a comunicação, mas também o pensamento. O pensamento,
que para o linguista é uma “[...] massa aforma e indistinta [...]” (SAUSSURE,
1975, p. 130) se estabelece e toma forma por meio da língua. Para entender
esse conceito, basta imaginar a forma como pensamos e, então, percebemos
que nossos pensamentos são, em grande maioria, compostos e formados pela(s)
língua(s) que falamos. Esse argumento é utilizado como parâmetro para o
ensino de línguas estrangeiras/adicionais, uma vez que muitos profissionais
da docência de línguas afirmam que podem perceber que você se tornou
proficiente/fluente em uma língua estrangeira quando se consegue pensar e
organizar os pensamentos utilizando essa língua. Saussure (1975) defende que
o pensamento precisa da língua para tomar forma, ou seja, por “[...] servir de
intermediário entre o pensamento e o som [...]” (SAUSSURE, 1975, p. 131).
Tal conceito também é defendido por Benveniste (2005, p.69), que afirma
que o pensamento “[...] recebe forma da língua e na língua, que é o molde de
toda expressão possível; não pode dissociar-se dela, nem transcendê-la [...]”.
Além da língua ser um produto social e convencional, existe, ainda, uma
parte cognitiva – uma vez que é necessário que cada indivíduo internalize esse
sistema linguístico – para que possa se comunicar com seus pares. Saussure
(1975) considera que a língua é um produto social, enquanto essa internalização
e uso pessoal da língua se chama “fala” e é individual. Embora a fala seja uma
forma individual de usar a língua, quando algum elemento proveniente da fala
de um indivíduo ou grupo é aceito e utilizado por um grupo considerável de
falantes daquela língua, esse elemento acaba sendo incorporado na língua.
De forma bem simples, sem entrar em pormenores relacionados à linguís-
tica, podemos observar que a manifestação da língua de forma “material”
acontece, principalmente, de duas maneiras: auditiva e escrita. A forma auditiva
é a relação entre a formação dos sons em uma determinada cadeia acústica e
a capacidade dos falantes de interpretar a significação dessa cadeia sonora.
A forma escrita é a transcrição da organização do pensamento e da comu-
nicação para signos verbais escritos que são convencionais e que carregam
um significado.
Saussure (1975) trata da manifestação auditiva da língua como uma cadeia
fônica linear que somente o hábito e o conhecimento nos permitem entender
a significação de cada componente e, então, compreender o todo. Podemos
pensar que na comunicação escrita, conseguimos observar com mais facili-
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dade onde começa uma palavra e termina a outra, porque temos cada palavra
representada graficamente e os espaços entre elas nos permitem observar onde
uma acaba e a próxima começa. E mesmo assim, na representação escrita de
outros idiomas, pode ser difícil de compreender a separação das palavras e
a relação entre os símbolos gráficos e seus significados; basta pensarmos
em línguas como o mandarim e o hebraico, cujo sistema gráfico é bastante
diferente do nosso.
Contudo, na representação oral, a separação entre uma palavra e outra nem
sempre é demarcada, já que somente a capacidade adquirida de decodificar
aquele sistema linguístico específico nos permite identificar onde uma pala-
vra termina e onde a próxima começa. É por esse motivo que aprender uma
língua estrangeira pode ser complicado, porque se não temos internalizado em
nosso cérebro o sistema daquela língua, não temos a capacidade de assimilar
cada componente de uma frase e, por consequência, não entendemos seu
significado total.
Agora, imagine (ou diga em voz alta) a seguinte frase: “A casa era grande
e bonita.”. Por escrito, conseguimos identificar claramente seis palavras dessa
frase, porque conseguimos observar os espaços entre elas. Contudo, sabemos
que, oralmente, na frase acima, as palavras não estarão individualmente
demarcadas e bem definidas. Dependendo do falante, é possível que a frase
seja dita de forma que pareça que nem sequer existam seis palavras. Isso se dá
não só por velocidade de fala, mas também pela convenção estabelecida pelas
línguas que, além de tudo, determina onde pausas e separações são normais e
válidas. Nenhum falante da língua portuguesa diria essa frase dessa maneira:
“A [longa pausa] casa era grande e [longa pausa] bonita.”, certo? É possível
que ela seja dita de outras formas, mas não é comum existir uma pausa entre
um artigo e o substantivo, bem como não é usual haver um intervalo entre o
“e” e o segundo elemento ligado por ele.
Para entender um pouco melhor o conceito de cadeia fônica linear, vamos
observar formas que poderiam ser normalmente ditas por um falante nativo
de português:

1. A casa [pausa] era grande e bonita.


2. A casa era grande [pausa] e bonita.

Obviamente, dependendo do objetivo da fala, podemos ter a pausa em


diferentes posições. Contudo, o posicionamento da pausa nos dois exemplos
acima são os mais comuns em língua portuguesa.
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Ademais, além da habilidade de reconhecer a pausa entre as palavras,


o aspecto cognitivo adquirido de uma língua nos permite reconhecer cada
elemento de uma frase mesmo com a ausência de pausa e de delimitação entre
uma palavra e outra.
É bastante claro que nenhum falante de português fale a frase com uma
pausa entre uma palavra e outra para delimitar onde acaba uma e começa a
próxima. É natural que as palavras sejam constantemente conectadas e que o
mesmo som contínuo possa conter várias palavras sem que haja uma divisão
clara.
Agora, observe como as frases demonstradas pelos exemplos 1 e 2 citados
acima seriam possivelmente ditas (utilizando as letras para formar sons, inde-
pendente da sua grafia original, onde podemos observar que alguns elementos
se mesclam e um som se sobrepõe a outro):

1. /Acasa eragrandebonita/
2. /Acaseragrande ebonita/

Se pensarmos nos sons de forma contínua na produção das duas formas de


falar essa frase, vemos que ela, possivelmente, produz dois blocos de sons com
uma pequena pausa no meio. Somente nossa capacidade cognitiva de interpretar
as convenções da língua nos permitem distinguir cada um dos elementos que
compõe essa massa contínua de som e, portanto, nos possibilitam o entendi-
mento não só de cada elemento isolado, mas também da relação entre eles.
Ao observarmos as cadeias fônicas nas figuras abaixo, percebemos que na
Figura 1 temos a frase dita de uma forma não natural, com um espaçamento
claro e marcado entre cada uma das palavras. Na Figura 2 temos a frase dita
como o exemplo 1 citado acima. Na Figura 3 temos a frase dita conforme o
exemplo 2.

Figura 1. Cadeia fônica da frase “A casa era grande e bonita” oralmente expressa de forma
não natural para o português, de forma que cada elemento que compõem a frase seja
pronunciado isoladamente.
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Figura 2. Cadeia fônica da frase “A casa era grande e bonita” oralmente expressa de forma
natural para o português como no exemplo 1. /Acasa eragrandebonita/.

Figura 3. Cadeia fônica da frase “A casa era grande e bonita” oralmente expressa de forma
natural para o português como no exemplo 2. /Acaseragrande ebonita/.

Podemos observar nos aspectos citados acima que a língua é, portanto, um


instrumento da linguagem para a convenção da comunicação entre falantes
de um mesmo grupo.
Notamos, também, que definir, estudar e analisar os componentes da
língua, bem como seus desdobramentos, é não só uma capacidade cognitiva
adquirida, mas também um aspecto – acima de tudo – social e cultural.

Língua como objeto da ciência


Os estudos da língua como objeto da ciência é uma área bastante nova em
relação aos demais campos de conhecimento. Anteriormente, o estudo da
língua e das linguagens estava sempre relacionada a alguma outra área, como
a sociologia, a antropologia, a comunicação, etc.
O desenvolvimento do estudo da língua também se diversificou com o
tempo. Anteriormente, a língua era estudada por uma perspectiva história,
observando seus movimentos e suas evoluções e variações nos tempos. A lin-
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guística histórica foi predominante no século XIX e objetivava a classificação


das línguas com base nas suas relações e nos seus desenvolvimentos históricos.
Com o passar do tempo, os estudos da língua ganharam outras funções e
tantas divisões e especificidades quanto os níveis da língua. A área de estudo
da língua, da linguagem e da fala se chama linguística, que pode se desdo-
brar em histórica, teórica, descritiva e aplicada, de acordo com as diferentes
abordagens e objetos de estudo.
Ferdinand de Saussure é considerado o pai da linguística moderna, uma vez
que ele foi o primeiro linguista a separar língua de linguagem, a conceituar os
componentes da língua e a estudar as manifestações e limitações.
A linguística se divide em subáreas que se estudam de forma independente
(embora possam apresentar relações) de acordo com o foco do estudo, sendo
as áreas:

 didática/docência: estudo de como ensinar um idioma;


 fonética: campo de estudo dos sons utilizados na linguagem;
 fonologia: estudo dos padrões básicos do som de uma língua;
 sintaxe: área de estudo das combinações de palavras para a formação
de formas gramaticais;
 morfologia: estudo dos componentes mínimos das palavras;
 semântica: campo que estuda o significado;
 lexicologia: área de pesquisa e estudo do conjunto de palavras de uma
língua; pressuposto teórico da lexicografia, que é a aplicação prática
para a criação de dicionários, enciclopédias, etc.;
 terminologia: estudo de termos e textos especializados em diferentes
campos do saber;
 pragmática: estudo da língua em uso nos atos comunicativos, consi-
derando contexto, participantes. etc.;
 filologia: estudo histórico das línguas;
 estilística: área que estuda o estilo manifesto em diferentes formas
de linguagem.

Todos os aspectos que abordamos sobre a língua neste estudo são apenas
uma pequena amostra de todos os estudos que se desdobram a partir da língua.
Portanto, podemos reconhecer, então, que estudar a língua não é uma tarefa
simplória.
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Cultura: definições e tipos de manifestação


Definir cultura é, certamente, uma das tarefas mais difíceis para qualquer área
da antropologia. Uma vez que cultura é um “fenômeno” tão velho quanto a
língua (ou até mais velho), existem inúmeras acepções que a caracterizam;
embora entre essas definições existam aquelas que são mais aceitas pelo meio
acadêmico.
Vamos analisar o conceito de cultura de forma, observando duas definições
de cultura em uma obra lexicográfica canônica: o dicionário Michaelis da língua
portuguesa. Portanto, veremos a definição de “cultura” na perspectiva social e
antropológica, eliminando os conceitos apresentados que sejam relacionados
a outras áreas (como a definição de cultura para a agricultura, por exemplo).
Segundo o dicionário Michaelis temos para o termo “cultura”:

1. conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento,


adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social;
2. conjunto de conhecimentos adquiridos, como experiências e instrução,
que levam ao desenvolvimento intelectual e ao aprimoramento espiritual; à
instrução, à sabedoria;
3. requinte de hábitos e conduta, bem como apreciação crítica apurada.

Com base nas acepções dadas pelo dicionário, podemos observar que
“cultura” pode ser considerada como um conjunto de outros fatores e que
integram a esfera social. Portanto, podemos concluir – logicamente – que a
cultura é composta de diversos tipos de componentes que se manifestam de
diferentes formas para propósitos diferentes e que dão caracterização a um
grupo social.
Contudo, definir cultura é um trabalho um pouco maior do que isso, uma
vez que os componentes pertencentes ao conceito “cultura” pertencem e tangem
a diversas áreas sociais, como, por exemplo, conhecimento, comportamento,
educação, entretenimento, etc.
Uma das definições mais respeitadas sobre cultura foi dada pelo antropólogo
britânico Tylor (2010), que entendia a cultura como sendo um fenômeno natural
e a definia como: “(...) todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capaci-
dades adquiridos pelo homem como membro da sociedade (...)”.
Mais uma vez, observamos que a cultura nunca é vista como um elemento
isolado, mas como um conjunto complexo de outros subcomponentes que fazem
parte da “bagagem intelectual” do homem na sociedade. Podemos concluir,
então, que a cultura está fortemente relacionada à sociedade.
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Se buscarmos entender “cultura” pela raiz da palavra, encontraremos que


ela provém do latim colere, que significa “cultivar”. Essa palavra, na origem
latina, era relacionada à agricultura como forma de cultivar a terra e mantê-la
decente para o plantio. Então, por qual motivo “cultura” provém de colere?
Qual a relação entre cultivar e cultura? Uma vez que o conceito de cultura
pode ser entendido, antropologicamente, como um conjunto de aspectos que
se manifestam de diferentes formas na sociedade, podemos entender que ela
não é qualquer comportamento aleatório, mas algo que se caracterize e se
mantenha como parte da identidade de um determinado grupo social. Dessa
forma, o sentido de “cultura” baseado na origem colere se torna muito simples
de entender, já que, é o conjunto de comportamentos, informações, crenças,
artes, leis, costumes e etc. que se manifestam dentro de uma sociedade e que
se mantém dentro dela; por isso, esses costumes devem ser cultivados.
Com base nos conhecimentos construídos até então, cria-se um conceito
de cultura como sendo: a totalidade de produtos intelectuais, sociais, compor-
tamentais e cognitivos (como artes, língua, crenças, costumes, hábitos, leis,
música, educação, etc.) que são mantidos dentro de um grupo social e que
servem de indícios caracterizadores; ou seja, caracterizam esse grupo. Esses
produtos são aprendidos e desenvolvidos por cada ser humano durante seu
processo de interação e integração na sociedade e meio a qual ele pertence, de
forma que exista uma manutenção e um “cultivo” da cultura com o passar do
tempo. Além do mais, a cultura pode se manifestar de diversas formas, tanto
individualmente quanto coletivamente. Ela nunca é fechada em si mesma e
a medida que o homem e a sociedade se desenvolvem e evoluem, ela aceita e
integra diferentes produtos que se manifestam de distintas formas.

Neste material, não usaremos a palavra “produto” como objeto material; mas como
valor manifesto e obtido por diferentes meios.
Portanto, o “produto” aqui será tratado como “bagagem intelectual”, como “pen-
samento”, como “forma comportamental” e etc. Ou seja, como “traços” materiais,
intelectuais, espirituais, psicológicos e etc.
O termo “produto” será utilizado para definir todos os elementos materiais (obras de
arte, acervos de livros, construções e etc.) e imateriais (pensamentos, língua, saberes,
valores) que são compreendidos pela cultura.
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A cultura, por ser um conjunto de produtos, manifesta-se e se transmite


por diferentes meios. Podemos dizer que entre os componentes da cultura
na sociedade estão: as línguas, os hábitos, a dança, a arquitetura, o teatro, a
música, as esculturas, as pinturas, os rituais religiosos, os mitos, as invenções,
os pensamentos, as crenças e etc.
É importante observar que existe sempre um movimento de apropriação
cultural, uma vez que ela precisa ser mantida e transmitida. Tylor (2010)
também definia que a cultura são comportamentos que se transferem e se
aprendem no meio social, o que acaba posicionando a cultura como uma
ferramenta fundamental de caracterização social e de sobrevivência de um
grupo diante dos outros.
Além da antropologia, a sociologia também se ocupa de definir cultura. Para
ela, cultura é um grupo de saberes e de tradições que mantém, evidenciam e
caracterizam uma sociedade e que é produzida por meio da interação social. O
surgimento de elementos culturais (que se incorporam ao conjunto cultural de
uma certa sociedade) nasce da necessidade; e, então, padrões e manifestações
se criam e se modelam fazendo parte da organização estrutural da sociedade,
formando a identidade cultural de um determinado grupo. A identidade cultural
é entendida como o conjunto de traços no qual um indivíduo está inserido
e que ele compartilha com outros membros do grupo ao qual ele pertence.
Por ser um conjunto de produtos, existem diversos tipos de cultura que
podem ser categorizados da seguinte forma:

 cultura erudita: é o tipo de cultura que é desenvolvida por intermédio


de estudos e pesquisas em diferentes áreas do conhecimento. É a cultura
que é restrita a apenas alguns indivíduos (não estando disponível para
todo o grupo) e que cria uma certa estratificação social;
 cultura de massas: é o produto que se desenvolve e se manifesta para
uma massa completa vinda de um certo ponto de partida (como diferen-
tes mídias e canais de comunicação), sendo passível de ser acessada por
qualquer pertencente de um grupo – diferentemente da cultura erudita.
Ela geralmente é a responsável pela manipulação do comportamento
e pela difusão de ideias e crenças de uma forma mais ampla (sendo a
responsável pela promoção do consumismo, por exemplo);
 cultura material: é o tipo de cultura manifesta por produtos materiais
e na sua relação com o homem, como objetos, história da criação de
produtos, arquitetura, literatura, etc.;
 cultural popular: relaciona-se com crenças e tradições de um povo.
Esse tipo de cultura surge de forma espontânea;
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 cultura corporal: é a forma de cultura que se preocupa com o corpo


e o movimento por meio de danças, da medicina, de esportes e ativi-
dades, etc.;
 cultural organizacional: é manifestada pelo conjunto de valores e com-
portamentos de uma certa organização que padroniza funcionamentos.

Cultura e língua
O pai da linguística define a língua e a linguagem como formas de organizar
o pensamento e a sociedade. Se tomarmos “cultura” por um conjunto de
produtos que se transmite dentro de uma sociedade conforme a caracterizam,
podemos então afirmar que língua e cultura estão intrinsicamente associadas
(SAUSSURE, 1975).
Além de ser um meio pelo qual a cultura se propaga, a língua também é
manipulada e moldada pela cultura e pela forma de comportamento de um
grupo. Esse é um dos motivos pelos quais existem variações linguísticas. A
partir do momento que consideramos que existem muitas formas culturais e
que diferentes grupos possuem diversos conjuntos de valores, de crenças, de
pensamentos e de inúmeros componentes que formam a cultura é natural que
haja variações dentro de uma mesma língua.
Para Saussure (1975), a língua também é a forma como cada sociedade
enxerga o mundo. Por esse motivo, podem existir conceitos que uma língua
expressa e não podem ser traduzidos para outra porque para aquele outro
grupo essa realidade (seja uma ação, função, efeito ou objeto) não existe; ou
seja, conceitos e valores culturais que existem em uma certa sociedade e que
inexistem em outra. Um exemplo é a distinção dada pela língua inglesa entre
a ovelha animal e a carne de ovelha. Eles enxergam duas realidades diferentes,
portanto, nomeiam dois conceitos. O animal, chamam de sheep, enquanto a
carne de mutton. Para o português, basta dizer “ovelha” e o contexto nos diz se
é o animal ou a carne. Obviamente, também podemos aumentar a explicação e
adicionarmos “carne de” para nos referirmos ao alimento; contudo, não temos
apenas uma palavra que designe “carne de ovelha”. Para a cultura inglesa,
existem dois produtos (o animal e a carne) de forma que embora saibam que um
provém do outro, ainda preferem tratar e considerar cada um como distintos;
dessa forma, existe a necessidade de duas nomenclaturas.
Ao lembrarmos que os elementos culturais podem nascer na necessidade,
a língua também precisa acompanhar esses movimentos e nomear novos con-
ceitos. Um exemplo é o forte movimento tecnológico firmado principalmente
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nos anos 1990. Antes da invenção do computador e da internet, não haviam


conceitos como deletar, postar, tirar uma selfie e etc. Por conseguinte, os
termos “deletar”, “postar” e “selfie” sequer existiam. A medida que a cultura
das sociedades inseriu o computador e a internet em suas realidades, percebeu-
-se a necessidade de nomear novos objetos e novas ações. Um exemplo é a
palavra “google” que, anteriormente, era apenas considerada como o nome de
uma ferramenta tecnológica para pesquisas na internet. Atualmente, “google”
é considerado, pela língua inglesa (inclusive com acepções em dicionários),
como um verbo com o significado de “pesquisar on-line”. Contudo, “google”
com o significado de verbo está forte e unicamente relacionado à cultura
norte-americana. Certamente, utilizar a palavra “google” como verbo não
funcionará corretamente na língua portuguesa.
Outro exemplo é a palavra “selfie”, que é bastante utilizada com o sig-
nificado de “tirar uma foto de si mesmo”. Essa palavra foi criada na língua
inglesa, proveniente da palavra “self ” (próprio/a) e passou a ser utilizada uma
variação (selfie, utilizando o sufixo da língua inglesa “-ie” que caracteriza a
formação de adjetivos provenientes de substantivos ou verbos) para definir
o conceito de autorretrato. No inglês, a palavra faz bastante sentido porque
representa um movimento cultural surgido na geração atual em que alguém tira
fotos de si mesmo (self ) e, dessa forma, associa a ação ao termo. Entretanto,
agora, a língua portuguesa também adotou a palavra “selfie” para o mesmo
movimento, mas a relação entre cultura e língua também é corroborada ao
observarmos que houve um deslocamento da palavra de seu sentido utilizado
por falantes da língua inglesa. Certamente, em inglês, uma pessoa só utilizará
a palavra “selfie” para se referir ao movimento dela mesma tirar uma foto em
que ela aparece (mesmo que outras pessoas apareçam na foto); contudo, em
português, muitas vezes o termo é utilizado como sinônimo de foto. Podemos
observar isso quando uma pessoa entrega um celular para outra e pede “pode
tirar uma selfie pra mim?” com o sentido de “você pode tirar uma foto (em
que eu apareça) para mim?”, perdendo assim o sentido original da palavra,
que é ser uma foto feita pela pessoa que aparece na foto. Esse deslocamento
aconteceu pela diferenciação cultural que relaciona a ação com o elemento
linguístico que nomeia aquela ação.
Outro demonstrativo da relação entre cultura e língua pode ser observado
pelas expressões idiomáticas, que são frases que tem um significado figurativo.
Pense em expressões como “rodar a baiana” e “fazer nas coxas”. A primeira
expressão significa “ficar irritado e fazer escândalo”, enquanto a segunda
significa “fazer algo de qualquer forma, mal feito”. Se estudarmos a história
dessas duas expressões, podemos perceber o quanto estão relacionadas a
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determinadas culturas. Será que a expressão “rodar a baiana” significaria


alguma coisa nos Estados Unidos, mesmo se traduzida pelo inglês (spin the
baiana! – poor baiana!!!)? Obviamente, não. Essa expressão é originária do
movimento das baianas ao rodarem os seus vestidos – que por esse motivo,
deu origem à expressão pelo movimento corporal de uma pessoa que se irrita
e faz escândalo.
Da mesma forma, a expressão “fazer nas coxas” está relacionada a uma
cultura. A expressão nasceu da época da escravidão brasileira, porque as
telhas de argila eram moldadas usando as coxas dos escravos como apoio
e molde. Uma vez que cada escravo tinha tamanhos e pesos diferentes, as
telhas acabavam tendo formatos diferentes e, por conseguinte, a fabricação
era desparelha; portanto, consideradas malfeitas. Por esse motivo, a expressão
linguística “fazer nas coxas” só faz sentido dentro de um contexto brasileiro,
uma vez que está ligada a um elemento cultural.
Ademais, por serem relacionadas a culturas, expressões idiomáticas nunca
podem ser traduzidas literalmente entre dois idiomas porque perdem o sentido.
No Brasil, por exemplo, quando queremos dizer que está chovendo muito,
podemos dizer que “está chovendo canivetes (ou cântaros)”. Já em inglês, a
expressão é it’s raining cats and dogs! (está chovendo gatos e cachorros!). Da
mesma forma, quando queremos dizer que conhecemos alguém muito bem,
utilizamos a expressão “como a palma da minha mão” em língua portuguesa,
enquanto no inglês a expressão utiliza as costas da mão (like the back of my
hand). Isso porque as expressões idiomáticas são sempre provenientes de
algum valor ou manifestação cultural.
Esses exemplos de expressões culturais servem apenas de ilustração para
mostrar que a relação entre a língua e a cultura não acontece apenas a nível
lexical, mas que pode ser carregada para o nível do sintagma e assim por diante.
Imagine agora o livro/filme “O Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna.
Será que a leitura do texto terá o mesmo valor de realidade por um brasileiro
e por um estrangeiro? Certamente, não. A obra é inteiramente carregada
de expressões e personagens que são fortemente relacionados à cultura da
região nordeste do Brasil. Mesmo dentro do Brasil, alguns aspectos culturais
e linguísticos (como o cangaceiro) são difíceis de entender para quem mora na
região sul, por exemplo. Um gaúcho, que desconhece o movimento do cangaço
e a história de Lampião e de outros homens que vagavam pelas cidades em
busca de justiça com vestimentas bastante semelhantes, pode até entender
um pouco do personagem e das suas ações no filme, mas certamente perderá
muitos aspectos representados pelo cangaceiro pela falta de apropriação cultural
representada por aquela figura.
16 Língua e cultura nos meios de comunicação

Com esses exemplos podemos ver a forte relação entre a língua e a cultura,
de forma que a língua pode ser vista como uma forma de manifestação da
cultura ao mesmo tempo em que é moldada e desenvolvida por ela.
Outra relação entre língua e cultura é a de que a língua também serve como
base para diversas outras manifestações culturais (como a música, a poesia,
a literatura); ela acaba ocupando uma posição privilegiada entre os compo-
nentes de uma cultura e, dessa forma, é utilizada como um canal importante
de transmissão e manutenção da cultura.
Uma vez que cultura é conceituada como um conjunto de elementos que
devem ser compartilhados e transmitidos entre as pessoas componentes de um
grupo, é natural e necessário que a comunicação tenha um papel fundamental
na disseminação de elementos culturais e, para que a comunicação aconteça,
a língua seja a ferramenta mais apropriada.

Língua e cultura nos meios de comunicação

Os meios de comunicação
Os meios de comunicação são ferramentas ou veículos que tem o objetivo
de disseminar a informação entre as pessoas, como a internet, os jornais, a
televisão e etc. Na teoria da comunicação, os meios de comunicação se apro-
ximam do papel do “canal”, que é a forma ou o meio por onde a mensagem é
enviada do emissor para o receptor.
Sempre houve um desenvolvimento e expansão de formas por meio das quais
a comunicação pode ocorrer, uma vez que a necessidade de comunicação e de
troca de informações entre os humanos é inata. Desde a invenção da escrita,
muitos aparatos foram desenvolvidos de forma que as interações pudessem
acontecer entre as pessoas, como, por exemplo, em livros, cartas, telégrafo,
correios, rádio, televisão, telefone, internet e etc. É certo que a comunicação
pode ocorrer sem o uso da língua, mas a maior parte dos processos comunica-
tivos se dá por meio dela. Pense em todas as formas comunicativas que você
utiliza em um dia. Quantas delas acontecem com o uso da língua?
Os meios de comunicação são divididos em dois tipos:

1. individual — que são aqueles que cumprem a função comunicativa


interpessoal na qual uma pessoa se comunica com a outra, como em
cartas, telefone, whatsapp e etc.;
Língua e cultura nos meios de comunicação 17

2. em massa — que são veículos que carregam informações para muitas


pessoas ao mesmo tempo, como a televisão, o rádio, jornais e etc.

Além dessa divisão, podemos classificar os meios de comunicação em tipos


distintos com base na linguagem utilizada para a transmissão da informação,
sendo elas:

 meios escritos — utilizam a linguagem escrita, como cartas, revistas,


jornais e etc.;
 meios audiovisuais — utilizam som e imagem, como a televisão e
alguns aplicativos de celular;
 meios sonoros — utilizam a linguagem sonora, como o telefone e o
rádio;
 meios com multimídias — utilizam diversos tipos de meios diferentes
simultaneamente, como o texto, o áudio, os vídeos e etc.;
 meios com hipermídias — reunião de diferentes meios de comunicação
utilizando sistemas eletrônicos, como a internet, a TV digital e etc.

A evolução da linguagem e dos meios de comunicação


Conforme estudamos, a linguagem pode ser entendida por meio de dois con-
ceitos: o primeiro diz respeito às diferentes formas de comunicar (ou seja, tudo
aquilo que passa uma mensagem pode ser considerado como linguagem) e a
segunda é a definição de Saussure (1975) de que a linguagem é a faculdade/
capacidade humana para a comunicação.
Ao levarmos em consideração a segunda concepção, podemos perceber que
os seres humanos têm uma capacidade inata para fins comunicativos. Assim
como outras capacidades, é natural que a linguagem também evolua de acordo
com as necessidades comunicativas. Ou seja, para cada nova necessidade de
comunicação é preciso novas formas de linguagens e de meios que possam
cumprir o objetivo interacional.
Também sabemos que as necessidades evoluem a medida que tudo no mundo
evolui, por exemplo as ciências, a tecnologia, a medicina, o comportamento
humano e etc. Logo, é de suma importância que a linguagem também evolua
para acompanhar os passos dos outros processos.
Vamos pensar de forma remota e imaginar as relações dos humanos nas
épocas pré-históricas. Estudos antropológicos nos dizem que os homens se
comunicavam basicamente por movimentos corporais e, posteriormente, por
18 Língua e cultura nos meios de comunicação

meio das pinturas rupestres que relatavam experiências pessoais e serviam,


também, como forma de aviso para outros seres humanos da iminência do perigo.
O homem, seus comportamentos e suas necessidades interacionais evolu-
íram (obviamente!) e, a medida que essa evolução aconteceu, novas formas
comunicativas foram inventadas e utilizadas.
Com o passar do tempo, de acordo com as diferentes necessidades comuni-
cativas, foi necessário que a linguagem evoluísse e, dessa forma, surgiram as
línguas. E, com o objetivo de disseminação e preservação de conhecimento,
bem como facilitador de processos comunicativos, nasceu a escrita.
Uma vez que a comunicação se tornou uma necessidade maior do que
apenas aquela interação com as pessoas que estivessem próximas, foi egrégio
que outros meios fossem inventados para que os propósitos comunicativos
foram atingidos.
Vamos observar, brevemente, a evolução dos meios comunicativos com o tempo.
A partir da escrita (suportada pelo papiro, pergaminhos, livros, etc.), foi
necessário que a comunicação se expandisse de forma que a distância entre
as pessoas fosse reduzida. Ao mesmo tempo, observou-se que a escrita podia
ser instrumento educacional e que ideias, conceitos, invenções e preceitos
pudessem ser “imortalizadas” por meio dela e, dessa forma, instruir.
É sabido que o correio é considerado um dos meios de comunicação mais
antigos e utilizados desde os egípcios para o envio de documentos que eram entre-
gues tanto por mensageiros humanos quanto por aves, como os pombos-correio.
Com o advento da eletricidade, no século XVIII, surgiu o telégrafo, con-
siderado uma revolução comunicativa para o tempo, que era um sistema
conectado por fios e imãs que trabalhava sob impulsos eletromagnéticos e que
tinha a função de enviar mensagens em distâncias longas. As mensagens eram
transmitidas por meios de códigos e utilizadas, geralmente, por organizações
governamentais. A partir daí surgiu o código Morse.
A medida que os conhecimentos sobre eletricidade e tecnologia evoluíram,
também se desenvolveram diferentes meios comunicativos. No século XIX,
foram criados o rádio e o telefone. O rádio tinha como principal utilidade ser
um meio comunicativo interpessoal e de massas, tanto para enviar informações
quanto para promover o entretenimento. Ele foi bastante utilizado para as co-
municações durante as guerras. O telefone, posterior ao rádio, foi considerado
uma evolução do telégrafo, uma vez que podia transmitir sons em tempo real,
enquanto os telégrafos apenas mensagens escritas e desenhos. Podemos obser-
var que o telefone foi inventado diante da necessidade de reduzir as distâncias
e de facilitar a comunicação, que se tornava cada vez mais importante e era
responsável por cada vez mais funções com o passar dos séculos.
Língua e cultura nos meios de comunicação 19

No século XX, as maiores invenções relacionadas aos meios de comunicação


foram a televisão e a internet. A televisão, além de ser um meio comunicativo,
tornou-se a principal forma de entretenimento das pessoas do século XX (e
também do século XXI). Embora possamos pensar que atualmente a internet
é o meio de comunicação mais utilizado, pesquisas apontam que a televisão
ainda ocupa esse posto.
Com a evolução da telefonia e da internet, o século XXI tem sido um
grande avanço comunicativo, de forma que diferentes meios e canais são
criados em alta velocidade. A internet, que antes era utilizada somente por
computadores e por mandar mensagens, agora é responsável por grande parte
da comunicação mundial, sendo utilizada para transmitir diversos tipos de
mensagens em diversas formas (texto, áudio, imagem, etc.). Atualmente, a
internet pode ser usada não só em computadores, mas também em celulares,
tablets e outros dispositivos, reduzindo a distância comunicativa a quase nada.
Notamos, então, que a evolução dos meios de comunicação avança a medida
que as necessidades comunicativas surgem. Como estamos na era da tecnologia
e da globalização, é evidente que ferramentas e meios tecnológicos sejam
constantemente criados com o intuito de facilitar os processos comunicativos
e de ligar as pessoas de forma mais fácil e rápida.

A relação da língua e da cultura com os meios de


comunicação
A principal função da língua é a comunicação e ela está estritamente ligada
à cultura, sendo a primeira um componente da segunda e, ao mesmo tempo,
moldada e induzida por outros componentes da cultura.
Ademais, sabemos que a cultura é um conjunto de elementos que se aprende
e se transmite dentro de uma sociedade. Contudo, como isso acontece?
Podemos afirmar que grande parte da disseminação e da manutenção
cultural ocorre por intermédio da língua, uma vez que ela é a base para a
grande maioria das outras formas de manifestação social e, também, por ser a
responsável por organizar o pensamento e a sociedade conforme os preceitos
de Saussure (1975). A língua, por conseguinte, ao cumprir sua função comu-
nicativa, também dissemina e garante a manutenção da cultura.
Também aprendemos que existem diferentes tipos de cultura e que para se
caracterizar como cultura é preciso que os elementos sejam compartilhados
por um determinado grupo (o que não quer dizer que todos os pertencentes do
grupo tenham acesso a todos os elementos da cultura, mas que exista um fluxo
20 Língua e cultura nos meios de comunicação

dos elementos culturais dentro de um corpo social). Existe o tipo de cultura


adquirido individualmente (mas que não deixa de fazer parte do conjunto
cultural de um grupo) e o tipo de cultura disseminado em massas. Podemos
concluir, então, que também existem diferentes maneiras de difundir a cultura.
Dessa maneira, forma-se uma tríade entre língua, cultura e comunicação, de
forma que a língua — que é dependente da cultura — serve como base e canal para
a disseminação da cultura por meio da comunicação que, por sua vez, garante a
manutenção e a disseminação desta por meio da língua, formando, assim, um ciclo.
Portanto, a língua serve tanto quanto mediador da comunicação, quanto
como elemento cultural. A medida que a língua sobrevive da cultura, ela
também é uma das responsáveis pela disseminação da cultura, comprovando,
mais uma vez, que ambas estão estritamente ligadas e são codependentes.
Ao mesmo tempo, as formas de comunicação também fazem parte dos
elementos componentes de uma cultura e, portanto, também demonstram
uma forte ligação com os outros dois elementos.
É certo que a comunicação e a cultura poderiam existir sem a língua (mas
não sem a linguagem), mas sabemos que a língua é uma organizadora da
linguagem e, por conseguinte, tornou-se a maior mediadora e mantenedora
tanto da comunicação quanto da língua. Os processos de comunicação da
forma como utilizamos hoje tornar-se-iam quase impossíveis sem a língua,
pois a cultura seria bastante limitada e não se manifestaria de tantas formas
como conhecemos hoje. Portanto, podemos concluir que a língua é a base da
existência tanto da comunicação quanto da cultura.
Um dos objetivos principais dos meios de comunicação é a disseminação
da cultura, que se expande e ocorre mais rapidamente a medida que os meios
também evoluem. No passado, a difusão da cultura e o acesso a ela eram
processos muito mais lentos. Até mesmo para ter contato com livros, existiam
muitas limitações. Atualmente, entretanto, na era da tecnologia, a distribuição
de informação e de cultura acontece de forma muito mais acelerada.
Outra função bastante importante dos meios de comunicação é a manu-
tenção da língua.
Como sabemos, a língua se propaga e só se mantém viva pela aceitação e
pelo uso dentro de uma sociedade. Ademais, a língua evolui constantemente a
medida que surgem novas necessidades e, dessa forma, novas nomenclaturas.
A forma como isso acontece se resume a uma palavra: comunicação.
Portanto, é bastante evidente o papel e a importância dos meios de co-
municação no processo de evolução e de manutenção de uma língua. São os
meios que carregam a língua e que, de certa forma, demonstram padrões e
comportamentos linguísticos.
Língua e cultura nos meios de comunicação 21

Antes de explorarmos um pouco mais o assunto, é válido que tenhamos


noção de um conceito da linguística: o registro, que é o uso e a seleção de
um tipo de linguagem/língua tão própria tanto para o público a que se destina
quanto para o objetivo da comunicação, o que envolve escolha de palavras e de
estruturas, tom de voz, organização estrutural e etc. Ao observarmos o registro
da forma como falamos com um amigo e com um chefe, por exemplo; ou na
forma como utilizamos a língua para a apresentação de um trabalho acadêmico
ou conversando com amigos em um bar, reconhecemos que cada uma dessas
situações exige registros diferentes, pois, certamente, não utilizamos a língua
da mesma maneira em cada uma delas.
É importante mencionar registro porque esperamos diferentes registros
em diferentes meios de comunicação.
Os livros, por exemplo, sempre foram considerados os meios de comunica-
ção canônicos. Em consequência disso, eles têm um papel fundamental como
mantenedores da língua. Sabemos que existe uma diferença muito grande da
língua encontrada em um livro para a língua encontrada na internet. A impor-
tância que damos para a língua nas duas fontes também é bastante distinta.
Em geral, a sociedade enxerga o livro como um canal instrutivo e educativo
não só de conteúdo, mas também da língua. Geralmente ficamos “chocados”
quando vemos um erro grotesco em um livro, mas achamos comum ver erros
em redes sociais, por exemplo.
Dessa forma, podemos observar que alguns meios de comunicação além
da disseminação de cultura, também servem como instrutores para a língua.
Alguns desses meios demonstram a forma culta da língua, enquanto outros
possibilitam a manifestação da forma informal. O status relacionado a um
meio ou outro tem um impacto bastante grande na aceitação e na utilização
dos meios como formas educativas para o ensino das línguas.
Com o grande avanço da tecnologia no final do século XX e expandido
grandemente agora no século XXI, o acesso aos meios de comunicação se
tornou muito mais fácil e a troca de informações muito mais constantes.
Antigamente, acessar os meios de comunicação como um propagador de uma
mensagem era muito menos simples do que hoje em dia e, aparentemente, a
atenção ao uso da língua nesses meios era muito maior.
Com a internet e as redes sociais (meios de comunicação mais utilizados
atualmente), encontramos diferentes registros e manifestações linguísticas, o
que pode impactar na língua e – quem sabe – influenciar em suas variações. O
uso dos meios de comunicação como fontes canônicas de consulta às formas
linguísticas e aos padrões da língua se tornou menos comum e menos confiável.
22 Língua e cultura nos meios de comunicação

Dessa forma, podemos resumir e concluir que:

 os meios de comunicação dependem, grandemente, da língua;


 a língua se dissemina e se mantém por meio da comunicação (e de
seus meios);
 a língua é intrinsicamente ligada à cultura: existe dentro de uma cultura
e se modifica por uma cultura;
 os meios de comunicação e a língua estão dentre os componentes de
uma cultura;
 a língua dissemina a cultura — fator importante para que ela exista, o
compartilhamento em um grupo;
 os meios de comunicação dão suporte para que a língua possa difundir
a cultura.

Com isso, relatamos a dependência entre língua, cultura e comunicação


de forma que a tríade se torne quase inseparável e que a existência de uma
dependa da manutenção e disseminação das outras, de maneira que assim se
forme uma relação quase simbiótica.

BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral II. Campinas: Pontes Editores, 2005.


SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 1975.
TYLOR, E. B. Primitive culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

Leituras recomendadas
SIQUEIRA, E. D. Antropologia: uma introdução. [S.l.: s.n.], 2007. Disponível em: <https://
admpub.files.wordpress.com/2013/06/antropologia_completo_revisado.pdf>. Acesso
em: 25 fev. 2017.
VILELA, M.; KOCH, I. V. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001.
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