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À LINGUÍSTICA
Introdução
Ao longo da história, várias abordagens surgiram tentando dar conta do
fenômeno linguístico. Em virtude do caráter heterogêneo da língua, diver-
sos aspectos devem ser considerados para compreendê-la. Dependendo
da abordagem, são priorizados diferentes aspectos da língua, como sociais,
cognitivos, criativos, entre outros. Da mesma forma, os dados linguísticos,
que alimentam as bases teóricas da linguística como ciência, recebem
tratamento diferenciado conforme a linha teórica que os aborda.
Com a percepção do caráter heterogêneo da língua, a diversidade
teórica passou a ser entendida em sua complementaridade. Levando
esse entendimento à prática de ensino, é necessário proporcionar e
conduzir a reflexão sobre o funcionamento da linguagem e suas variações,
considerando o uso linguístico por falantes socialmente integrados e a
produção de sentidos. Para isso, precisamos propor concepções amplas
de linguagem e de língua, para que não fiquemos apenas em uma abor-
dagem teórico-conceitual.
Neste capítulo, você vai estudar a diversidade teórica da linguística,
relacionando-a ao caráter heterogêneo da língua. Além disso, vai conhe-
cer as limitações das teorias estudadas, refletindo também como essa
diversidade teórica ocorre em outras ciências.
2 Diversidade teórica da linguística
Estruturalismo
O marco do nascimento do estruturalismo foi a publicação do Cours de lin-
guistique générale (Curso de linguística geral), de Ferdinand de Saussure,
em 1916. É, por isso, considerado o fundador da linguística moderna. Esse
livro teve origem nas anotações de alunos de Saussure em um curso que
ministrava na Universidade de Genebra em 1871. Seu único livro publicado
em vida foi Mémoire sur le Système Primitif des Voyelles dans les Langues
Indo-européennes (Memórias sobre o sistema primitivo das vogais nas línguas
indo-europeias), em 1879 (FRAZÃO, 2019).
Para os estruturalistas, a língua é uma estrutura, um sistema, uma organi-
zação, porque é “[…] formada por elementos coesos, inter-relacionados, que
funcionam a partir de um conjunto de regras”. Além disso, “[…] essa organi-
zação dos elementos se estrutura seguindo leis internas, ou seja, estabelecidas
dentro do próprio sistema” (MARTELOTTA, 2009, p. 114).
A língua seria, então, forma (estrutura) e não substância (matéria). Essa
substância precisa ser analisada para que se possam formular hipóteses sobre
o sistema a ela relacionado. Para Saussure, o fenômeno linguístico apresenta
duas faces que se relacionam e dependem uma da outra, o que ele chamou de
dicotomias. Veja a seguir algumas delas (MARTELOTTA, 2009).
Historicismo
Vinte anos após a publicação do Curso de linguística geral, de Saussure,
Otto Jaspersen e Herman Paul deram forma ao historicismo. Ao contrário do
estruturalismo, o historicismo entende que a linguística tem caráter histórico.
Ou seja, estuda-se a linguística considerando as variações e evoluções da
língua. Segundo Lyons (1987, p. 202), “[…] as línguas são como são porque,
no decorrer do tempo, elas estiveram sujeitas a uma variedade de forças
causativas internas e externas”.
Gerativismo
O gerativismo teve início nos Estados Unidos, no final da década de 1950,
a partir dos trabalhos de Noam Chomsky. Sua tese de doutorado, Análise
transformacional, resultou no livro Estruturas sintáticas, em 1957. No livro,
Chomsky define as origens e os limites da cognição humana.
O gerativismo foi inicialmente formulado como resposta ao modelo beha-
viorista de descrição dos fatos da linguagem. Para os behavioristas, como
Leonard Bloomfield, a linguagem humana era interpretada como um con-
dicionamento social. A repetição constante seria convertida em hábito pelo
falante. Com o gerativismo, as línguas deixaram de ser interpretadas como
um comportamento socialmente condicionado e passaram a ser analisadas
como uma faculdade mental natural.
Diversidade teórica da linguística 5
Sociolinguística
A sociolinguística se firmou nos Estados Unidos na década de 1960, com
Wiliam Labov. Essa abordagem estuda a língua em seu uso real, conside-
rando as relações entre estrutura linguística e aspectos sociais e culturais da
produção linguística. Além de contribuir para a descrição e explicação de
fenômenos linguísticos, a sociolinguística também fornece subsídios para a
área do ensino de línguas.
Linguística cognitiva
Para a linguística cognitiva, a linguagem não constitui um componente autô-
nomo da mente, ou seja, não é independente de outras faculdades mentais. A
proposta é buscar uma visão integradora do fenômeno da linguagem com base
na hipótese de que não há necessidade de se distinguir conhecimento linguístico
de conhecimento não linguístico. Martelotta (2009, p. 179) explica que, “[…]
de modo geral, a proposta cognitivista leva em conta aspectos relacionados
a restrições cognitivas que incluem a captação de dados da experiência, sua
compreensão e seu armazenamento na memória, assim como a capacidade de
organização, acesso, conexão, utilização e transmissão adequada desses dados”.
Linguística textual
A linguística textual se caracteriza pelo estudo do texto e começou a se de-
senvolver na Europa durante a década de 1960. O texto é compreendido como
um evento comunicativo, com a ocorrência de operações linguísticas, sociais
e cognitivas. A linguística textual muda o tratamento linguístico em termos de
unidades menores — palavra, frase ou período —, entendendo que as relações
textuais são mais do que um somatório de itens. Isso faz do texto a unidade
comunicativa básica, o que temos a comunicar uns aos outros.
6 Diversidade teórica da linguística
Pragmática
Na segunda metade do século XX, existe uma virada no campo da linguística.
Muitas teorias passaram a tratar da linguagem em uso, os chamados estudos
pragmáticos. Esses estudos se originaram em áreas como semântica argumen-
tativa, linguística textual, análise do discurso, sociolinguística, entre outras.
Apresenta-se em correntes diversificadas, como o pragmatismo americano,
a teoria dos atos de fala e os estudos da comunicação.
O princípio filosófico do movimento pragmático no âmbito da linguagem é,
segundo Pinto (2004, p. 49), o de que “[…] a representação é antes linguística do
que mental”. Ele quis dizer que não existe um mundo independente da linguagem
e, portanto, a linguagem não representa o mundo. No centro dessa abordagem
está a fala, o texto, o discurso, o sentido e os sujeitos. Os estudos pragmáticos
consideram os fatores externos à língua e levam em conta os contextos de uso.
Em todas as correntes, o traço social determina a investigação do uso
da língua. Os fenômenos linguísticos, pois, não podem ser pensados fora
da prática social e longe dos seus sujeitos. Isso quer dizer que é impossível
separar linguagem e sociedade, linguagem e uso, linguagem e cultura. A
pragmática do uso argumenta que os objetos de referência são fatos construídos
socialmente e, por isso, são parte de um mundo possível. Dessa forma, o uso
é que determina se esses objetos são constitutivos de um mundo possível ou
não (VAN DIJK, 1992).
A significância de um discurso depende dos atos reais ou possíveis deno-
tados pelo discurso, uma dependência avaliada somente com base no nosso
conhecimento sobre os fatos atuais ou possíveis, em algum universo ou situação.
Isso significa que a competência pragmática é a capacidade de compreender a
intenção do locutor e está além da construção da frase ou do seu significado.
Por exemplo, imagine que você está andando na rua e alguém lhe pergunta
“Você tem horas?”. Você, muito provavelmente, não vai responder “Sim,
tenho” e continuar caminhando. Isso porque entendemos a intenção que está
por trás da pergunta e respondemos de acordo: “São 9 horas”. Portanto, a
competência pragmática revela essencialmente os objetivos da comunicação.
Em suma, as teorias pragmáticas tratam do uso da língua, do contexto social,
dos sujeitos — dos elementos que estão no exterior. Por outro lado, muitas
dessas abordagens não consideram os fatores de ordem cognitiva, simplesmente
privilegiam os aspectos sociais em detrimento dos fatores internos, biológicos
ou individuais. Essa postura tem por fundamento uma visão de língua como
fenômeno apenas social. É o que acontece com as abordagens sociolinguistas
e etnolinguistas, por exemplo.
Diversidade teórica da linguística 7
Semântica
A palavra semântica reporta-se fundamentalmente ao verbo grego semaíno,
que significa a ciência das significações. Ferdinand de Saussure (1995),
mencionado anteriormente nos estudos estruturalistas, a concebeu como um
estudo geral dos signos simbólicos, que seria a semiologia. A semiologia
estuda os signos na vida social. A linguística é parte da semiologia, assim
como os sinais militares, o alfabeto surdo-mudo e os ritmos simbólicos. As
leis da semiologia, portanto, são aplicadas à linguística.
Saussure (1995) afirma que o signo é produzido pelo homem e tem por
objeto comunicar alguma coisa a alguém. O signo é formado por significante e
significado, duas dicotomias também explicadas anteriormente neste capítulo.
O significante seria a imagem acústica, e o significado, o conceito.
Na análise semântica não se pode desprezar o contextual, que é o que vai
definir diferenças e estabelecer identidades. No ensino da língua, a impor-
tância da semântica é ensinar a comunicar e compreender a comunicação. A
importância dos estudos semânticos está na contextualização, pois compreende
o valor do significante e do significado e torna possível trabalhar com maior
clareza a sintaxe e a morfologia. Ao darmos ênfase especial à mudança de
significado na estrutura do enunciado, a literatura e o entendimento do texto
serão mais interessantes e prazerosos.
inspiração lógica. Chomsky afirma que todo falante possui uma gramática
universal internalizada que lhe possibilita formar sentenças gramaticais em
sua língua. Afirma também que todas as línguas naturais apresentam partes
em comum, apesar de serem aparentemente diferentes, mas somente o homem
possui a faculdade da linguagem. Essa faculdade torna toda criança apta a
aprender uma ou mais línguas, se não houver algum obstáculo cognitivo.
Assim, toda criança passa pelos mesmos processos e fases de aquisição da
linguagem (MARTELOTTA, 2009).
Os gerativistas defendem, ainda, que a linguagem tem um estatuto autô-
nomo, sendo uma faculdade específica e diferente de outras, porque a mente é
modular e apresenta sistemas cognitivos responsáveis por cada forma de conhe-
cimento — entre eles o conhecimento da linguagem. Além disso, em relação
à semântica, “[…] todo enunciado linguístico tem uma estrutura gramatical,
isto é, deve ser construído de acordo com regras formais que determinam se
a sequência é bem formada (gramatical) ou não (agramatical)” (MARQUES,
2003, p. 51). Assim, o significado é sintático e deve ser coerente com a estrutura
lógica, porque a língua expressa a estrutura lógica do pensamento.
Nessa visão, as regras que regem o sistema linguístico constituem o que
podemos entender por competência gramatical e, como afirma Marques (2003,
p. 51), esse domínio “[…] decorre de propriedades cognitivas inerentes à
mente humana”. Chomsky chama de desempenho linguístico os fatores
condicionantes externos, as circunstâncias socioculturais e as emoções dos
falantes, suas crenças (MARTELOTTA, 2009).
Concluímos, assim, que as vertentes estruturalista e gerativista entendem
a linguagem como representação direta do mundo ou como um espelho de
processos mentais. No primeiro caso, a estrutura da linguagem reflete a
estrutura do mundo; no segundo caso, a estrutura da linguagem reflete a
estrutura da mente. A linguagem não é vista como resultante de atividades
sociais e culturais, integradas com os processos cognitivos. Por isso, tanto o
estruturalismo quanto o gerativismo consideram o tratamento do significado
periférico, algo que pode ficar em segundo plano.
As teorias pragmáticas, diferentemente das abordagens estruturalista e
gerativista, entendem a linguagem como uma atividade ligada às variáveis
socio-históricas, culturais e cognitivas. Estudam a língua considerando o
seu uso. Portanto, as teorias pragmáticas estão trabalhando com a ideia de
linguagem como o resultado de atividades sociais, culturais e cognitivas. Os
aspectos de ordem cognitiva são hoje fundamentais, pois focalizam os contextos
de uso da linguagem, como é o caso da linguística textual, por exemplo. Já
não se pode pensar nos fenômenos linguísticos fora das categorias sociais.
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Leitura recomendada
CYRANKA, L. F. M. Evolução dos estudos linguísticos. Revista Práticas de Linguagem, v.
4, n. 2, p. 160-198, jul./dez. 2014.
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