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Santa Cruz
Reitora
Prof.ª Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Vice-reitor
Prof. Evandro Sena Freire
Pró-reitor de Graduação
Prof. Elias Lins Guimarães
Ministério da
Educação
Letras | Módulo 5 | Volume 7 | Semântica Parte II
Capa
Diêgo Raniery Pereira dos Santos
Impressão e acabamento
JM Gráfica e Editora
Ficha Catalográfica
S237 Santos, Raildes Pereira.
Semântica: parte 2 / Raildes Pereira Santos;
revisão Roberto Santos de Oliveira.– Ilhéus, BA:
Editus, 2015.
213 p. : il. (Letras – módulo 5 – volume 7)
Inclui referências.
CDD 412
EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC
Prof.ª Dr.ª Maridalva de Souza Penteado
Elaboração de Conteúdo
Prof.ª Raildes Pereira Santos
Instrucional Design
Prof.ª Ma. Marileide dos Santos de Oliveira
Prof.ª Dr.ª Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
Revisão
Prof. Me. Roberto Santos de Carvalho
Coordenação de Design
Prof. Esp. Diêgo Raniery Pereira dos Santos
DISCIPLINA
SEMÂNTICA
EMENTA
Significado e construção de sentido no português. Semântica em
diferentes teorias linguísticas. Semântica e outros níveis linguísticos.
A AUTORA
Professora Ma. Raildes Pereira Santos
Graduada em Letras e Direito, respectivamente, pela FESPI
- Federação das Escolas Superiores de Itabuna e UESC -
Universidade Estadual de Santa Cruz. Mestrado em Direito
pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialização
em Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Maceió. Atualmente, é Professora Assistente de Língua
Portuguesa do Departamento de Letras e Artes da UESC e
Professora da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Itabuna.
e-mail: <raildes_pereira@uol.com.br>
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
APRESENTAÇÃO 9
UNIDADE 3 55
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 79
2 MECANISMOS DE SIGNIFICAÇÃO IMPLÍCITA.............................................................. 85
2.1 Subentendidos............................................................................................................. 87
2.2 Pressupostos................................................................................................................. 90
2.2.1 Marcadores linguísticos de pressuposição....................................................................... 92
2.2.2 Pressuposição e acarretamento......................................................................................... 94
2.3 Implicaturas Conversacionais.................................................................................... 95
3 ATIVIDADES.......................................................................................................................... 97
4 RESUMINDO...................................................................................................................... 101
5 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 102
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 107
2 AS VÁRIAS POSSIBILIDADES DE APRESENTAÇÃO DO ARGUMENTO.................. 109
3 ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA: A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NO DISCURSO....
115
3.1 Argumentação e retórica..................................................................................................... 118
3.2 Operadores argumentativos. O que são? Como funcionam no discurso?.................. 122
4 ATIVIDADES....................................................................................................................... 130
5 RESUMINDO...................................................................................................................... 134
6 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 135
UNIDADE 4 139
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 181
2 SINONÍMIA........................................................................................................................ 183
2.1 Sinonímia e paráfrase............................................................................................ 187
3 ANTONÍMIA...................................................................................................................... 188
4 HIPONÍMIA E HIPERONÍMIA.......................................................................................... 192
5 ATIVIDADES....................................................................................................................... 194
6 RESUMINDO...................................................................................................................... 197
7 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 197
AULA 4 DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO 201
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 203
2 O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS E ALTERAÇÕES SEMÂNTICAS........................... 204
3 SENTIDO INTENSIONAL E SENTIDO EXTENSIONAL................................................. 206
4 ATIVIDADES....................................................................................................................... 207
5 RESUMINDO...................................................................................................................... 210
6 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 211
1ª
unidade
2
aula
SEMÂNTICA ESTRUTURAL
2
Unidade
Objetivos
2
Além disso, refletirá sobre o papel do linguista Ferdinand de Saussure
Unidade
para o desenvolvimento da Linguística moderna.
Certamente, você aprendeu muito sobre a contribuição de Saussure
para a autonomia da Linguística enquanto ciência. Vamos analisar agora
quais as principais diretrizes abordadas por esse linguista para o estudo da
linguagem, que culminaram com o surgimento da Semântica Estrutural.
Inicialmente, é importante demarcar os contornos do que veio a se
denominar de Estruturalismo. O crescimento da Linguística, no período
entre 1920 e 1970, ocorreu com a disseminação das ideias de Ferdinand
de Saussure na Europa e Leonard Bloomfield nos Estados Unidos.
Na Europa, a obra que difunde essas ideias é o Curso de Linguística
Geral, publicado em 1916 pelos discípulos de
Ferdinand Saussure - Charles Bally e Albert
Sechehaye. O livro foi elaborado com base nos
registros feitos durante um Curso ministrado
por esse linguista, no período de 1906 a 1911,
na Universidade de Genebra. Inegavelmente,
essa obra constitui um dos pilares da ciência da
linguagem, principalmente, porque serviu para
conferir um estatuto científico à Linguística
e fincar as bases teórico-metodológicas do
Estruturalismo.
Saussure postulava a concepção de uma
ciência mais ampla que se ocupasse em estudar
o signo, a qual denominou Semiologia. No que
concerne aos aspectos semânticos, Saussure Figura 54
Fonte: http://www.fnac.pt/Curso-de-Linguistica-
Geral-Ferdinand-Saussure/a326727
2
objeto de estudo da Linguística é a langue, isto é, a língua. Esse linguista
Unidade
concebe a língua como sendo social em sua essência e independente do
indivíduo. A língua constitui a parte social da linguagem, exterior ao
indivíduo que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não
existe senão em virtude de contato estabelecido entre os membros da
comunidade. O uso da língua pelo falante constitui a parole, ou seja, a
fala, a qual Saussure (1977, p. 22) caracteriza da seguinte maneira:
]
2
Unidade
O signo linguístico, na perspectiva saussuriana, possui duas
características básicas: a arbitrariedade e a linearidade. O signo linguístico é
arbitrário à medida que ele não é motivado, ou seja, não há, necessariamente,
uma relação entre significante e significado. O laço que une o significante
ao significado é arbitrário, tendo em vista que a sequência de sons de uma
palavra não é igual em todas as línguas. Não há uma ligação natural entre o
nome e a coisa denominada. O significante mesa, por exemplo, é arbitrário,
pois não há uma ligação que permita a motivação entre significante e o
significado, por outro lado, numa outra língua, esse mesmo significante é
grafado de outro modo, a exemplo de table, que significa mesa em inglês.
Nessa perspectiva, o significado é produto de um acordo, de uma
convenção entre os membros de uma comunidade linguística, permeado
por certa cultura. Isso quer dizer que os signos existem em decorrência
de hábitos sociais objetivos e são convencionais, não-motivados, quanto
ao significado das sequências fônicas significantes, que não apresentam
qualquer vínculo natural com os elementos da realidade que evocam, (cf.
MARQUES, 1990, p. 44). Todavia o significado não é fruto de uma escolha
do falante.
Saussure (1977, p. 83) frisa que a palavra arbitrário “não deve dar
a idéia de que o significado dependa da livre escolha do que fala.”. À guisa
de ilustração, veja uma passagem do livro Alice no país do espelho, de Lewis
Carroll, no qual o personagem Humpty Dumpty tem a pretensão de criar
significados para as palavras ao seu modo. Naturalmente, isso somente é
A arbitrariedade do signo
não se aplica a todas as
- Bem, isso demonstra que há trezentos e sessenta e quatro dias por
linguagens, pois há lin-
ano em que você pode receber presentes de desaniversário.
guagens que têm signos
Certamente – concluiu Alice.
em que a relação entre
- É somente um em que você consegue receber presentes de aniversá-
significante e significado
rio, percebe? Esta é que é a glória!
é motivada. Por exemplo,
Não sei o que você quer dizer com “glória” – retorquiu Alice.
nas linguagens visuais. A
Humpty Dumpty sorriu com maior desprezo:
foto de uma passagem é
- É claro que você não pode saber, até que eu lhe explique. O que quis
um signo em que signifi-
dizer foi: esta afirmação é um argumento irretorquível.
cado e significante estão
- Mas “glória” não significa “um argumento irretorquível”’ - objetou
unidos pela semelhança.
Alice.
Nos símbolos, a relação
- Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty em um tom de
entre o significante e o
grande sarcasmo -, ela significa exatamente o que eu quero que signi-
significado pode ser mo-
fique, nem mais nem menos.
tivada. Uma mulher com
- Mas a questão é -, disse Alice - se você tem o direito de fazer as pala-
olhos vendados e com
vras significarem para você coisas diferentes do que elas querem dizer
uma balança na mão
para outras pessoas!...
é o símbolo da justiça.
- A questão - afirmou Humpty Dumpty - quem é que manda aqui. Só
O significante lembra o
isso.
significado da justiça; a
equanimidade é lembrada (CARROL, Lewis. Alice no país do espelho. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 114.).
pelos dois pratos da ba-
lança que precisam estar
na mesma altura e pelos
A linearidade do significante constitui, também,
olhos vendados, que indi-
cam que o juiz distribui a um traço característico do signo linguístico. O signifi-
justiça sem olhar quem é
o demandante. A cruz é o cante possui natureza auditiva e se desenvolve na cadeia
símbolo do cristianismo. O
do tempo. Os signos se apresentam, obrigatoriamente,
significante lembra Cristo
e sua morte. A foice e o uns após outros, formando a cadeia da fala, cuja estru-
martelo cruzados são o
símbolo do comunismo. A
tura é linear.
foice lembra o campesina- A ideia de significado numa perspectiva concei-
to; o martelo, o operaria-
do; o cruzamento dos dois tualista ou mentalista exposta por Saussure, certamen-
indica a união das duas
classes.
te, suscitou várias objeções de teóricos. Janet Fodor
(FIORIN, José Luiz. Teoria apud Oliveira (2008, p. 61) frisa que:
dos signos. In: FIORIN,
José Luiz. (Org.). Intro- Equiparar significado a uma idéia (ou a um
dução à Linguística I: ob- conceito) é complicado, porque as idéias
jetos teóricos. 6. ed. São
são entidades obscuras e conceber as idéias
Paulo: Contexto, 2011. p.
62-63.).
como imagens mentais é demasiadamente
simplista, dado que não há correlação
estável entre a imagem e o significado das
expressões.
2 VALOR E SIGNIFICAÇÃO
2
Unidade
À ideia de signo como a união entre significante e significado Saus-
sure acresceu um dos conceitos cardeais da Semântica Estrutural, a saber, a
noção de valor linguístico. Na visão saussuriana, na língua só há diferenças
que residem na expressão e no conteúdo. São as diferenças que permitem
ao falante alcançar o significado. Disso decorre a concepção de língua co-
mo forma e não como substância.
O conceito de valor é uma decorrência da visão de que a linguagem
se organiza em torno de um sistema. Nessa perspectiva, Saussure postula
não apenas considerar o signo na sua composição, mas em seus contornos,
estabelecidos pelas relações com outros signos. Conforme Dubois et al.,
(1997, p. 609), “Chama-se valor lingüístico o sentido de uma unidade de-
finida pelas posições relativas dessa unidade no interior de um sistema lin-
güístico. O valor se opõe à significação definida pela referência no mundo
material (a substância).”.
O valor de um signo pode ser delimitado por aquilo que está em
seu entorno e depende da situação recíproca dos elementos da língua.
Saussure (1977, p. 134) analisa que os valores são constituídos por
dessemelhanças ou semelhanças. Para ele, “uma palavra pode ser trocada
por algo dessemelhante; uma idéia pode ser comparada com algo da
mesma natureza.”. Para esclarecer essas relações entre as palavras, Saussure
comparou as palavras carneiro da língua portuguesa e a palavra mouton
da língua francesa. Essas palavras têm a “mesma significação que o inglês
sheep, mas não o mesmo valor.”. Várias razões justificam essa diferença,
notadamente, porque “ao falar de uma porção de carne preparada e servida
à mesa, o inglês diz mutton [sic], e não sheep.”. Assim, Saussure diz que
2
O surgimento do Estruturalismo, no século XX,
Unidade
exerceu influência sobre linguistas que viram um campo fértil
para o estudo do significado numa perspectiva sincrônica.
Todavia esses estudos se voltaram, especialmente, para o
aspecto vocabular, mediante o desenvolvimento de métodos saiba mais
para a análise do léxico. A ideia dos campos se-
mânticos, como estrutu-
Segundo Marques (1990, p. 48), esses estudos ras fechadas (J. trier), vai
tomando corpo como so-
ocorrem tanto do ponto de vista onomasiológico, quanto lução aos problemas que
do ponto de vista semasiológico, ou seja, “quer a partir de se apresentaram em tor-
no do objeto da semân-
um dado conceito para a análise dos elementos significativos tica, e com eles vinga a
idéia de limite, oposição,
que o representam, quer a partir de um dado significante
traço mínimo de significa-
para a análise dos elementos conceituais a que se vincula.”. ção, que abrirão o cami-
nho da nova semântica
A preocupação do estudo do léxico acarretou o estrutural: o significado
surgimento dos campos como ficou conhecida. Um dos de cada termo vincula-
se a um amplo setor do
primeiros teóricos a se ocupar da teoria dos campos foi J. vocabulário com valor no
mesmo sistema lingüísti-
Trier. Inicialmente, essa teoria foi cunhada de campo lexical co (parentesco, mobiliá-
e de campo semântico. A teoria dos campos teve início rio, profissões). O campo
semântico apresenta-se
com G. Ipsen em 1924, todavia foi sistematizada por J. como uma organização de
significados – dinamica-
Trier, no período entre 1931 a 1934. Essa concepção tem mente estruturada -, cada
como postulado a ideia de que o vocabulário de uma língua um dos quais se desen-
volve no âmbito permitido
se constitui de subconjuntos estruturados ou campos. pelos demais: atinge uma
forma individual ou parti-
Tamba-Mecz (2006, p. 29) comenta que para Trier “o campo
lhada, ou é simplesmente
semântico corresponde a uma unidade conceitual ou área um traço de significação.
nocional que permite definir as relações de sentido entre os (MASIP, Vicente. Semântica:
A Pesca
O anil
O anzol
O azul
O silêncio
A agulha
Vertical
Mergulha
a água
a linha
a espuma
o tempo
a âncora
o peixe
a garganta
a âncora
o peixe
a boca
o arranco
o rasgão
aberta a água
(SANT’ANNA, Affonso Romano de. A Pesca. In: ANTUNES, Irandé. Território das palavras. São Paulo:
Parábola Editorial, 2012. p. 116-117.).
2
Foi a partir desses estudos, que surgiu a teoria dos campos como
Unidade
é conhecida. O linguista Jost Trier se ocupou da sistematização dos
campos semânticos, tendo como foco principal o estudo do léxico. Essa
teoria deu lugar ao campo lexical e ao campo semântico. Todavia Trier
prefere utilizar os termos campo conceitual, campo linguístico e campo
lexical. A investigação dos campos linguísticos foi desenvolvida numa
perspectiva semasiológica. De acordo com Marques (1990, p. 48),
ATIVIDADES
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
2
Unidade
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 13. ed. São Paulo: Cultrix,
2000.
SEMÂNTICA DA
ENUNCIAÇÃO
2
Unidade
Objetivos
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:
2
avanço para os estudos linguísticos, notadamente, para as investigações
Unidade
acerca do léxico. Tendo Ferdinand de Saussure como um dos teóricos mais
influentes desse ramo da ciência, uma de suas contribuições foi estabelecer
a distinção entre língua e fala. Ele evidenciou que a língua possui um caráter
social e a fala é a realização individual da língua. Todavia, ao instituir a
língua como objeto por excelência de estudo da Linguística, propiciou o
surgimento de diversas correntes teóricas que buscaram abarcar aquilo
que, aparentemente, foi alijado das reflexões sobre a linguagem, ou seja, o
sujeito, o contexto e a história.
Desse modo, filósofos e linguistas da Escola Analítica de Oxford
passaram a considerar, em suas investigações, o sujeito como centro
das reflexões acerca da linguagem. Dessas ideias, nasceu um construto
teórico que influenciou várias abordagens semânticas, dentre elas a Teoria
da Enunciação. Essa vertente da Semântica é conhecida também como
Linguística da Enunciação ou Linguística do Discurso.
Nesta aula, você refletirá sobre a importância da Semântica da
Enunciação para a descrição do significado. Para tanto, torna-se necessário
discutir o conceito de enunciação, as suas marcas no discurso e as instâncias
sobre as quais ela é erigida.
O estudo da enunciação pode ser atribuído a muitos teóricos que se
ocuparam dessa investigação, a exemplo de Charles Bally, Roman Jakobson,
Oswald Ducrot, Mikhail Bakhtin, dentre outros. Todavia Êmile Benveniste
desponta como um dos principais expoentes dessa teoria na França. Ele é
referenciado como o linguista da enunciação, tendo em vista que é um dos
maiores representantes dos estudos acerca dessa teoria. De acordo com
Flores e Teixeira (2005, p. 29), Êmile Benveniste “talvez seja o primeiro
para refletir
É claro, portanto, o clima adverso com o qual se deparou Benveniste, quando da proposta de incluir os
estudos da enunciação e por eles os da subjetividade no objeto da lingüística, tendo por base o mesmo es-
truturalismo saussuriano. Pois, se de um lado, Benveniste mantém-se fiel ao pensamento de Saussure – na
justa medida em que conserva concepções caras ao saussurianismo, tais como estrutura, relação, signo -,
por outro apresenta meios de tratar da enunciação ou, como ele mesmo diria, do homem na língua. Esta é
a inovação de seu pensamento: supor sujeito e estrutura articulados.
(FLORES, Valdir do Nascimento; Teixeira, Marlene. Introdução à Lingüística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2005.
p.30.).
2
have a dream” (“Eu tenho um sonho”), pronunciada
Unidade
por Martin Luther King, no discurso em prol da
igualdade entre brancos e negros nos Estados Unidos,
proferido em agosto de 1963, o qual inscreveu o nome
desse ativista político para sempre na história das lutas
contra a desigualdade. As condições de produção
desse discurso tornaram-no singular na história. Do
ponto de vista da enunciação, por mais que essa frase
seja repetida em outros contextos, jamais produzirá o
mesmo efeito de sentido, pois os sujeitos são outros,
as perspectivas acerca dos seus ideais de liberdade Fonte: http://www.mlkonline.net/dream.
html
2
como tal irrepetível. Essa
irrepetibilidade deve-se
A enunciação é um processo discursivo que pressupõe
Unidade
ao fato de que jamais
o enunciado. O enunciado é caracterizado pela manifestação tempo, espaço e pessoa –
categorias fundamentais
da enunciação, que é produzida a cada vez que se fala. em enunciação – podem
Benveniste (1989, p. 82) destaca que “é preciso ter cuidado ser perenizadas no uso da
língua. E isso é Benveniste
com a condição específica da enunciação: é ato mesmo de mesmo que explica, pois
‘a referência é parte inte-
produzir o enunciado, e não o texto do enunciado.”. Fica grante da enunciação’. A
evidenciada, então, a separação entre o ato da enunciação e clareza é total: referência
à enunciação – ato indivi-
o seu produto que é o discurso, ou enunciado. dual de utilização da lín-
gua no qual estão tempo/
Às vezes, o termo enunciado é utilizado como espaço/pessoa – e não ao
sinônimo de frase. Porém a frase é uma unidade linguística, mundo.
NÓS, OS BRASILEIROS
Uma editora europeia me pede que traduza poemas de autores estrangeiros sobre o
Brasil.
2
Como sempre, eles falam da floresta amazônica, uma floresta muito pouco real, aliás.
Um bosque poético, com “mulheres de corpos alvíssimos espreitando entre os troncos das ár-
Unidade
vores e olhos de serpentes hirtas acariciando esses corpos como dedos amorosos.” Não faltam
flores azuis, rios cristalinos e tigres mágicos.
Traduzo os poemas por dever de ofício, mas com uma secreta – e nunca realizada –
vontade de inserir ali um grãozinho de realidade.
Nas minhas idas (nem tantas) ao Exterior, onde convivi sobretudo com escritores ou
professores e estudantes universitários – portanto, gente razoavelmente culta -, fui surpreen-
dida com a profunda ignorância a respeito de quem, como e o que somos.
A senhora é brasileira? Comentaram espantados alunos de uma Universidade ameri-
cana famosa – Mas a senhora é loira!
Depois de ler num congresso de escritores em Amsterdã um trecho de um dos meus
romances traduzidos em inglês, ouvi de um senhor elegante, dono de um antiquário famoso,
que segurou comovido minhas duas mãos:
Que maravilha! Nunca imaginei que no Brasil houvesse pessoas cultas!
Pior ainda, no Canadá, alguém exclamou incrédulo:
Escritora Brasileira? Ué, mas no Brasil existem editoras?
A culminância foi a observação de uma crítica berlinense, num artigo sobre um ro-
mance meu editado por lá, acrescentando, a alguns elogios, a grave restrição: “porém não
parece livro brasileiro, pois não fala nem de plantas, nem de índios, nem de bichos.”
Diante dos três poemas sobre o Brasil, esquisitos para qualquer brasileiro, pensei
mais uma vez que esse desconhecimento não se dava apenas à natural (ou inatural) alienação
estrangeira quanto ao geograficamente fora de seus interesses, mas também é culpa nossa.
Pois o que mais exportamos de nós é o exótico e o folclórico.
Em uma feira de livros em Frankfurt, no espaço brasileiro, o que se via eram livros
(não muito bem arrumados), muita caipirinha na mesa, e televisões mostrando carnaval, fute-
bol, praias e... matos.
E eu, mulher essencialmente urbana, escritora das geografias interiores de meus
personagens neuróticos, me senti tão deslocada quanto um macaco em uma loja de cristais.
Mesmo que tentasse explicar, ninguém acreditaria que eu era tão brasileira quanto
qualquer negra de origem africana vendendo acarajé nas ruas de Salvador. Porque o Brasil é
tudo isso.
E nem a cor de meu cabelo e olhos, nem meu sobrenome, nem os livros que li na
infância, nem o idioma que falei naquele tempo, além do português, me fazem menos nascida
e vivida nesta terra de tão surpreendentes misturas: imensa, desaproveitada, instigante e (por
que ter medo da palavra?) maravilhosa.
(LUFT, Lya. NÓS, OS BRASILEIROS. In: ANTUNES, Irandé. Análise de Textos: fundamentos e
práticas. São Paulo: Parábola editora, 2010. p. 164-165.).
3.1 A pessoa
Como você notou, a enunciação se caracteriza pela apropriação
que o sujeito faz da língua para produzir o seu discurso, ancorado num
determinado tempo e num certo lugar. A enunciação deixa suas marcas
linguísticas no discurso por intermédio das categorias de pessoa, tempo e
lugar. Saber como essas marcas linguísticas são instauradas na enunciação
e como elas se refletem no enunciado constitui uma tarefa essencial do
2
semanticista para a descrição do significado.
Unidade
Para explicar a instância da instauração da pessoa no discurso, se
faz necessário recorrer ao notável artigo de Benveniste (1999, p. 286-288),
intitulado “Da subjetividade na língua”, no qual esse linguista expõe que “a
subjetividade é a capacidade do locutor para se propor como sujeito.”. É o
“ego” que se diz ego, ou seja, é o eu que se diz eu. A subjetividade encontra
seu fundamento na categoria de pessoa. O eu se instala no discurso por
oposição ao tu. Benveniste (1991, p. 286-288) reflete que:
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num
barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigues de Freitas e morreu afogado.
2
Esse tempo pode ser marcado, por exemplo, pelo movimento dos astros,
Unidade
resultando, assim, a existência de dias, anos, meses, estações do ano etc.
O tempo cronológico se caracteriza por marcar os acontecimentos, é o
tempo do calendário. Pode ser expresso com sintagmas nominais como,
por exemplo, o nascimento de Cristo, dentre outros.
A singularidade do tempo linguístico reside no fato de que ele está
ligado ao exercício da fala, pois tem seu centro no presente da instância
da fala. A referência temporal que caracteriza o momento da enunciação é
designada de tempo da enunciação. O tempo presente assinala a contem-
poraneidade entre o proferimento e o momento da enunciação. Todavia,
como destaca Benveniste (1989, p. 74-75), o tempo presente, enquanto
função do discurso, não pode ser localizado em uma divisão particular de
tempo crônico, uma vez que ele admite todas as divisões e não se refere a
nenhuma em particular. Dessa forma, esse “agora é reinventado a cada vez
que um homem fala porque é, literalmente, um momento novo, ainda não
vivido.”.
Veja um trecho da letra da música Era Nova, de Gilberto Gil, a qual
ilustra a ideia de tempo da enunciação.
3. 3 O espaço
O espaço linguístico se organiza, tendo em vista o lugar instituído
pelo do locutor no acontecimento discursivo, conhecido também como
o lugar do ego. Fiorin (2011, p. 174) nota que “o espaço linguístico não é
o espaço físico, analisado a partir das categorias geométricas, mas aquele
onde se desenrola a cena enunciativa.”. Os marcadores de espaço são
os pronomes demonstrativos e certos advérbios de lugar. O pronome
demonstrativo ancora o discurso em determinado espaço do espaço.
Parece consensual entre os linguistas que o pronome demonstrativo
poderá desempenhar uma função dêitica, isto é, aponta, mostra objetos no
acontecimento discursivo; e uma função anafórica, à medida que poderá
se referir a algo já dito, ou seja, retoma elementos do discurso. Na função
dêitica, os pronomes demonstrativos são usados para singularizar os seres
referenciados no discurso. Segundo Fiorin (2011, p. 175), “da mesma forma
que não se pode discursivizar sem temporalizar, também não se pode falar
do mundo sem singularizar os seres a que nos referimos.”.
Os pronomes este e esse se referem ao espaço da cena enunciativa;
enquanto aquele se refere a algo que está fora dessa cena. Convém destacar
que o pronome demonstrativo este, na função dêitica, é utilizado para indicar
o espaço do enunciador, indica que algo está próximo do eu; enquanto que
esse indica o espaço do enunciatário, é o que está perto do tu. Exemplos:
A) Este livro que está comigo é emprestado da biblioteca. Observe que ‘este’
aponta para um objeto próximo de quem fala; B) Quanto tempo você gastou
para elaborar esse texto que está com você? O pronome demonstrativo ‘esse’
foi empregado para indicar um objeto perto de com quem se fala, isto é, o
enunciatário; C) Aquele presente que dei ao Professor foi comprado em Paris.
Aquele se refere a um objeto fora da cena enunciativa.
Na função coesiva, os pronomes demonstrativos são utilizados como
um mecanismo de coesão textual para se referir a uma porção do discurso.
Exemplo, O estudante visitou a biblioteca da universidade. Essa visita foi
acompanhada de vários colegas. Fiorin (2011, p. 175) lembra que o pronome
A) Este é o livro do qual lhe falei; B) Ganhei muitas joias, pelo Professor José Luiz
Fiorin.
porém não me interesso por essas coisas; C) Aquele livro
Disponível em:
que li no ano passado me despertou o gosto pela literatura www.youtube.com/
clássica. watch?v=RQzJaFYiqhc
2
ção coesiva, diz respeito à retomada de dois elementos no
Unidade
texto. Nesse caso, o pronome demonstrativo este serve para
retomar o que foi pronunciado por último; enquanto que
aquele se refere ao que foi dito anteriormente. Por exemplo,
Amélia estudou o romance Dom Casmurro e Tieta do Agreste
para fazer o vestibular. Aquele foi escrito por Machado de Assis
e este, por Jorge Amado.
Vimos que, por intermédio das categorias de pessoa,
de tempo e de lugar, o enunciador organiza a cena enuncia-
tiva, transformando a língua em discurso.
ATIVIDADES
2
combustível fóssil do planeta, não somos nós... Chega desse negócio, eu não sou bandido, nós
não somos bandidos, nós somos brasileiros, eles que vão se catar, enfurnados lá no frio escuro
Unidade
e triste deles.
RIBEIRO, João Ubaldo. Chega desse negócio. In: FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Oficina de
Textos. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 132-133.).
RESUMINDO
leitura recomendada
REFERÊNCIAS
2
Unidade
3
Unidade
Objetivos
Ao final dessa aula, você deverá ser capaz de:
• compreender como a linguagem poderá ser utilizada para causar
certos efeitos no interlocutor;
• analisar as características dos atos de fala locucionários, ilocucio-
nários e perlocucionários;
• identificar atos de fala diretos e indiretos;
• avaliar as condições de felicidade e de sinceridade dos atos de
fala.
3
precisará também conhecer certas convenções sociais consagradas pelo
Unidade
uso ou por regras preestabelecidas. Desde um simples telefonema, um ato
solene, até o início e a conclusão de uma negociação exigem conhecimento
de estruturas linguísticas mais ou menos ritualizadas para a eficácia
desses atos. O sujeito falante,
além do conhecimento
da gramática, precisa ter
competência comunicativa
para fazer perguntas,
agradecer, prometer algo,
iniciar e terminar uma
conversa telefônica, dar
ordens, fazer um pedido,
agradecer a alguém, dentre
Fonte: http://pekdek.com/como-fazer-o-pedido-de-casamento/
outras situações.
Ilari e Geraldi (2000, p. 71) lembram que “há uma infinidade de
situações ‘cerimoniais’ cujo desenrolar-se é pontilhado por verbalizações
de tipo específico.”. De fato, são exemplos típicos dessas situações, além
3
performativa quando: 1) descreve uma certa ação de seu
locutor e quando 2) sua enunciação consegue realizar
Unidade
essa ação; dir-se-á pois que uma frase que começa por
“Eu te prometo que” é performativa, pois, ao empregá-
la, realiza-se o ato de prometer: não só diz-se mas, ao
fazê-lo, promete-se.
ATOS DA FALA
Dizer algo com conteúdo É a ação que o falante Ato de causar um efeito
informacional realiza quando faz um no ouvinte
proferimento
saiba mais
O ato locucionário ou locutivo consiste na produção
3
Ato locucionário: a enuncia-
de um enunciado de acordo com as regras da língua, isto ção de uma sentença com
Unidade
sentido e referência deter-
é, resultante de uma articulação e combinação de sons e o minadas; ato ilocucionário: o
estabelecimento de ligações sintáticas entre as palavras e as ato de fazer uma declaração,
oferta, promessa, etc. ao
noções pretendidas pelo falante. É o ato linguístico de dizer enunciar uma sentença, em
virtude da força convencio-
algo. O falante o realiza apenas pelo fato de enunciar uma nal associada a ela (ou à sua
frase. São exemplos de atos locucionários, dentre outros: paráfrase performativo explí-
cita); ato perlocucionário: o
ato de causar efeitos no pú-
blico por meio de enunciação
1. O cachorro está solto na varanda.
da sentença, sendo tais efei-
2. Está fazendo frio. tos contingentes às circuns-
tâncias da enunciação.
3. Os acadêmicos de Letras são estudiosos.
4. O gato dorme sobre o tapete. (LEVINSON, Stephen C.
Pragmática. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2007. p. 300.).
3
atos perlocucionários correspondentes
Unidade
são: emocionar, persuadir, convencer e
intimidar.
Fonte: http://elmisa.deviantart.com/art/Emocionado-
excited-75473835
3 CONDIÇÕES DE FELICIDADE
3
ironia, um insulto. Veja outro exemplo: Suponha que uma turma de
Unidade
formandos do curso de Psicologia de uma determinada Universidade,
desejando homenagear um professor, convida-o para uma cerimônia de
colação de grau, que será realizada pelos próprios alunos, sem a presença
do Reitor ou de seu representante legal, na qual o professor homenageado,
a pedido dos alunos, presidirá a cerimônia de colação de grau. O professor
homenageado aceita colar o grau dos discentes e profere a seguinte fórmula:
“Confiro grau de Psicólogo a fulano de tal.”. Ora, esse ato, apesar de ser
ilocucionário, não reúne as condições necessárias para a sua realização,
pois o seu proferimento pressupõe a uma autoridade acadêmica e em sua
falta a quem a autoridade designar.
Suponha agora que um padre destituído das funções eclesiásticas
pela igreja celebre um casamento, no qual profira a expressão: “Eu vos
declaro marido e mulher”. Há uma transgressão, neste ato, que impede
que ele tenha os efeitos próprios de uma cerimônia de casamento, pois o
padre está proibido de exercer essas funções. À luz dos dogmas da igreja
católica, o casamento realizado nessas condições não teve efeito.
Austin investigou as condições necessárias para que um ato de fala
saiba mais
(FIORIN, José Luiz (Org.) Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012. p.
171.).
ATIVIDADES
3
1- O que você compreendeu dos atos constatativos e dos atos per-
Unidade
locucionários?
2- Como você distingue ato ilocucionário de ato perlocucionário?
3- Explique quais os atos de fala presentes nas sentenças a seguir:
a) Perigo na estrada.
b) Somente agora pude participar da reunião.
c) Dou por encerrada a sessão de colação de grau.
d) Por favor, passe a salada.
e) Se você estudar mais, terá êxito na vida.
4- Suponha que você será homenageado (a) em uma cerimônia de
colação de grau como Amigo (a) da Turma. Para demonstrar a sua grati-
dão, faça um cartão dirigido à turma, agradecendo o convite. Não se es-
queça de utilizar o ato de fala adequado.
5- O que você entendeu por atos de fala indiretos?
6- Por que é importante saber as condições de felicidade dos atos
linguísticos? Justifique.
Dê as condições de felicidade para cada ato ilocucionário a seguir.
a) Autorizar;
b) Concordar;
c) Desculpar-se;
d) Jurar;
e) Perdoar;
f) Presidir uma assembleia;
g) Prometer;
h) Propor;
i) Protestar;
j) Repreender.
Eu sempre disse que se chegasse um dia em que não pudesse mais cumprir as minhas obri-
gações e expectativas como CEO da Apple, eu seria o primeiro a deixar vocês sabendo disso.
Infelizmente, este dia chegou.
Com isto, eu renuncio como CEO da Apple. Eu gostaria de servir, se o Conselho entender que
assim caiba, como Chairman do Conselho, diretor e empregado da Apple.
No que diz respeito ao meu sucessor, eu recomendo vigorosamente que nós executemos nosso
plano de sucessão com a nomeação de Tim Cook como CEO da Apple.
Eu acredito que os dias mais brilhantes e inovativos da Apple estão no porvir. Eu espe-
ro observar e contribuir para este sucesso em um novo papel.
Eu fiz alguns dos melhores amigos da minha vida na Apple, e eu gostaria de agradecê-
los por todos estes anos de trabalho ao lado de vocês.
Steve”
Cumprimentos
Traje
Mantenha suas roupas e sapatos sempre limpos e arrumados. Em ambiente formal, o dress
3
code comum para homens é terno e gravata e, para mulheres, tailleur com meia-calça e sapatos
altos. Mas convém que você pesquise um pouco como as pessoas se vestem no local para onde vai.
Unidade
Comportamento à mesa
Procure sentar-se ereto e não apoie cotovelos e antebraços à mesa. Para alcançar um
prato que está distante, peça educadamente para alguém mais próximo dele trazê-lo até você. E só
comece a comer quando todos estiverem comendo ou, ainda, quando quem o convidou autorizar.
Em restaurantes
Nos EUA, fazer contato visual com o garçom, com um aceno da cabeça, normalmente é
suficiente para chamar sua atenção. Em ambientes muito cheios, pode-se chamar o garçom educa-
damente com um “excuse me, waiter” ou erguer o dedo indicador com um aceno de cabeça. Se o
serviço for bom, deixe uma gorjeta de 15% do valor da conta.
Fumo
Antes de acender um cigarro, pergunte a quem estiver por perto se é permitido fumar naquele lugar
ou, ainda, se as pessoas à sua volta se importam, e prepare-se para a possibilidade de ouvir um
“sim”.
Em festas
Ao ser convidado para um evento na casa de alguém, é de bom tom perguntar ao anfitrião se ele
deseja que você leve alguma coisa. Se ele disser que não, leve assim mesmo um vinho ou alguma
sobremesa. Se o evento for uma festa de comemoração de aniversário, aposentadoria ou formatura,
mesmo que lhe digam que não é necessário dar presentes, leve uma lembrancinha acompanhada
de um cartão. Na dúvida, pergunte qual será o traje do evento. Se for sua primeira visita, leve um
presente ao anfitrião, como flores ou um vinho. Em casos de casamento pergunte pela “bridal regis-
try”, a lista de presentes. A tolerância para atrasos a festas é de uma ou duas horas após o horário
Nos EUA é comum chamar as pessoas pelo primeiro nome. No entanto, até que a pessoa
o autorize a tratá-la assim, chame-a pelo sobrenome precedido por um título honorífico (Mr. para
homens e Mrs. para mulheres).
Empregados
Não é educado chamar um empregado com gestos grosseiros ou falando alto. Estalar os
dedos ou assobiar é inaceitável. O correto é se aproximar dele ou acenar e dirigir-lhe a palavra edu-
cadamente. Seja cortês. Dizer “por favor”, “com licença” e “obrigado” só vai somar pontos para você.
RESUMINDO
_____. Cómo Hacer Cosas com Palavras. Madrid: Paidós Studio 22, 2010.
3
______. O Dizer e o Dito. Campinas, SP: Pontes, 1987.
Unidade
DUCROT, Oswald; TODOROV, Tzvetan. Dicionário Enciclopédico
das Ciências da Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1998.
3
Unidade
Objetivos
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:
3
Logo o uso da linguagem, para atingir determinado fim, pode
Unidade
ser investigado pelo viés da Teoria dos Atos de Fala. Afinal,
aprendemos com Austin Como fazer coisas com palavras.
Nesta aula, daremos continuidade aos estudos referentes
às intenções linguísticas que permeiam certos acontecimentos
discursivos, porém sob outra perspectiva, a de que os sujeitos,
às vezes, têm necessidade de orientar o seu discurso para uma
perspectiva opaca do significado, o que implica dizer que nem
todos os conteúdos são expressos de maneira explícita. Esse
mecanismo de implicitação da linguagem tem sido utilizado
em diversos gêneros textuais como charges, piadas, anedotas,
propaganda, tirinhas, literatura etc. Os conteúdos implícitos
num texto podem ser usados para variadas finalidades. Podem
ser usados, por exemplo, em títulos de manchetes, filmes em
que se deseja despertar a curiosidade do expectador, ou mesmo
como uma estratégia de antecipação de sentidos.
Veja a propaganda a seguir:
Fonte: http://www.cidademarketing.com.br/2009/sysfotos/imagensexibicao/
noticias/2012/junho2012/gillette.jpg
essas situações, os sentidos implícitos figuram como a feito a partir de uma ava-
liação global da situação
estratégia mais adequada para produção do sentido visado. comunicativa, em que o
ouvinte procura recuperar
Esses procedimentos podem assumir feições e as intenções do falante.
propósitos muito diversificados. Foucault (1996), por Mensagens que compor-
tam esse tipo de implícito
exemplo, designou essa falta de transparência na linguagem são sempre interpretadas
como ‘indiretas’ e obrigam,
de interdição ao direito de o sujeito produzir o seu próprio tipicamente, o ouvinte a
discurso. São procedimentos de interdição a que todos os perguntar: ‘O que foi que
ele quis dizer com isso?’,
membros de uma sociedade estão sujeitos. De fato, mesmo ‘Aonde ele quer chegar?’
etc.
numa sociedade democrática como a nossa, paira sobre a
3
circulação dos discursos certos silenciamentos advindos de (ILARI, João Rodolfo. Introdu-
Unidade
ção à Semântica: brincando
vários fatores de ordem. com a gramática. São Paulo:
3
Quase todos os textos que
lemos ou ouvimos exigem
O que leva, então, o sujeito a produzir sentidos
Unidade
que façamos uma série de
implícitos? Na ótica de Ducrot (1972, p. 12-13), uma das inferências para podermos
compreendê-los integral-
causas que justificam os implícitos diz respeito ao fato de mente. Se assim não fos-
se, nossos textos teriam de
que há em toda coletividade, até nas visivelmente liberais ser excessivamente longos
ou livres, um conjunto inegociável de tabus linguísticos para poderem explicitar
tudo o que queremos co-
que ocorre não apenas no nível do léxico. De igual modo municar. Na verdade não
é assim: todo texto asse-
há “temas inteiros que são proibidos e protegidos por
melha-se a um iceberg – o
uma espécie de lei do silêncio (há formas de atividade, que fica à tona, isto é, o
que é explicitado no texto é
sentimentos, acontecimentos, de que não se fala)”. Além apenas uma pequena parte
disso, há para cada locutor, de modo particular, informações daquilo que fica submerso,
ou seja, implicitado. Com-
que não lhe compete dar, não por ser objeto de proibição, pete, portanto, ao receptor
ser capaz de atingir os di-
“mas porque o ato de dá-las constituiria uma atitude versos níveis de implícito,
considerada repreensível”. se quiser alcançar uma
compreensão mais profun-
Todavia, às vezes, há temas proibidos que precisam ser da do texto que ouve ou lê.
ditos, ou, pelo menos que haja uma forte razão para serem (KOCH, Ingedore Villaça;
ditos. Mas, ao proferi-los o sujeito se resguarda por meio de TRAVAGLIA, Luiz Carlos.
A coerência textual. 4. ed.
mecanismos linguísticos. Nesse caso, Ducrot (1972, p.14) São Paulo: Contexto,
1992, p. 65.).
afirma que “torna-se necessário ter à disposição modos
A tirinha de Mafalda
mostra que a professora
solicita uma palavra que
comece com a letra ‘p’.
Mafalda fica preocupada de
Manolito pronunciar uma certa
palavra que, aos olhos dela,
é um palavrão. Quando ele
pronuncia a palavra “política”,
Mafalda fica surpresa pela
coragem de o colega proferir
a palavra “política” que ela a
Disponível em: http://atualidadesdatv.blogspot.com.
br/2011/05/mafalda.html. Acesso em: 18 dez. 2012
considera um palavrão. O que
3
em todas as situações de fala. Ducrot (1972, p. 15) identificou três
Unidade
categorias de implícitos, a saber: implícito do enunciado; implícito
fundado na enunciação denominado de subentendido; e, finalmente,
pressuposição.
De acordo com Ducrot (1972), o implícito do enunciado
constitui um procedimento cuja ocorrência se dá da seguinte forma:
para deixar de entender os fatos que não queremos
assinalar, de modo explícito, apresentamos, em seu
lugar, outros fatos que podem aparecer como a
causa ou a consequência necessárias dos primeiros.
Por exemplo, dizemos que, na Argentina, vimos
muitos brasileiros, para falarmos, indiretamente,
que visitamos aquele país.
O mecanismo de implícito no enunciado é
muito utilizado em textos propagandísticos. Veja,
na propaganda a seguir, como isso ocorre.
Pergunta: A senhora passou alguma vez a noite com este homem em N. Iorque?
Resposta: Eu me recuso a responder a essa pergunta!
Pergunta: A senhora passou alguma vez a noite com este homem em
Chicago?
Resposta: Eu me recuso a responder a essa pergunta!
Pergunta: A senhora passou alguma vez a noite com este homem em
Miami?
Resposta: Não!
2.1 Subentendidos
3
De acordo com Fiorin (2012, p. 184), “os subentendidos são informações
Unidade
veiculadas por um dado enunciado, cuja atualização depende da situação
comunicativa”. Assim, a produção do sentido está contextualizada nas si-
tuações concretas de fala. Por outro lado, o uso da palavra está condiciona-
do a algumas regras inerentes à produção dos discursos. É certo que não se
pode falar de tudo, nem dizer tudo a qualquer pessoa. Até mesmo aquele
que produz o discurso deverá saber de que lugar fala, para refletir sobre a
pertinência e implicação de seu proferimento. Ducrot (1977) salienta que
o ato de tomar a palavra não é um ato livre nem gratuito. Não é livre, no
sentido de que certas condições devem ser satisfeitas, para que se tenha o
direito de falar; não é gratuito no sentido de que toda fala deve ter uma
motivação, um escopo.
Como funciona, então, o subentendido do discurso?
O estudo de caso a seguir ajudará na compreensão dos processos
de implicitação no texto. Suponha que um funcionário de uma grande
empresa tenha planejado sua carreira para alcançar um lugar de chefia. Para
tanto, se esforça para ser criativo e produtivo; além disso, é considerado um
líder por seus colegas de trabalho, pois todos o admiram. Ocorre que ele
Fonte: http://cdn.mundodastribos.com/267433-grafico-mulher.jpg
3
Unidade
Disponível em: www.aprendaproduzir.blogspot.com. Acesso em: 15 dez. 2012
inocência do silêncio”.
Ducrot (1977, p. 142-143) salienta que há duas características
do subentendido que podem ser apresentadas da seguinte forma: a
primeira “é a sua dependência em relação ao contexto, sua instabilidade.”.
Consequentemente, a constituição dos sentidos subentendidos varia de
acordo com o contexto e com o ouvinte implicado na situação de fala. A
segunda característica é o fato de sempre existir, para qualquer enunciado,
um ‘sentido literal’ do qual os seus subentendidos eventuais ficam
excluídos. Esses aparecem, portanto, como acrescidos.
Suponhamos que um político tenha enriquecido ilicitamente e seus
filhos, em uma discussão na escola, ouvem de um colega a seguinte frase
“Meu pai não enriqueceu de maneira ilícita”. Ao que o filho do político
responde: “Você está dizendo que o meu pai é corrupto?” O locutor poderá,
para se livrar da responsabilidade, utilizar fórmulas textuais como: “Não
foi isso que eu quis dizer”. “Não ponha palavras na minha boca.” E deixar
para o ouvinte a responsabilidade da interpretação. Uma particularidade
das mensagens subentendidas é a inevitável vantagem de possibilitar ao
falante poder sempre ser retratado.
2.2 Pressupostos
3
se que, certa vez, num determinado curso de graduação, havia um aluno
Unidade
que fazia muitas perguntas, e algumas eram consideradas pelo professor
da disciplina muito óbvias. Um dia, após explanar o assunto, o professor
concedeu a palavra para que todos os discentes pudessem fazer perguntas.
Porém antes indagou ao estudante questionador se tinha alguma dúvida e
ele respondeu que não. Dessa forma, o professor concluiu: “Se até mesmo
fulano de tal entendeu o assunto, significa que todos entenderam.”. Aque-
le comentário teve uma repercussão negativa na sala de aula; pois, a partir
daquele dia, ninguém mais foi estimulado a perguntar. O que significa que
a mensagem pressuposta todos a entenderam. Veja que, nesse exemplo,
duas expressões foram preponderantes para caracterizar o implícito: a cir-
cunstância condicional “se” e “até mesmo” que permitem as inferências,
ou seja, as leituras possíveis.
Para Platão e Fiorin (1996, p. 307), “pressupostos são idéias não
expressas de maneira explícita, que decorrem logicamente do sentido de
certas palavras ou expressões contidas na frase”.
Os pressupostos se ancoram nas expressões linguísticas para pro-
duzir significações implícitas.
Fonte: http://vinoblok.com.br/wp-content/uploads/2012/03/338
0153015_67d523e2b9.jpg
3
mal-entendido.
Unidade
Algumas circunstâncias de tempo, de comparação, de finalidade
etc, são produtoras de significações implícitas. A sentença Os alunos
não concluíram a resenha ainda pressupõe que
os alunos já deveriam ter concluído a resenha,
considerando que o operador argumentativo
‘ainda’, nesse caso, indica excesso temporal.
Agora, aplicando os seus conhecimentos
sobre os sentidos implícitos, como você
interpreta a manchete de capa da Revista Veja,
publicada em 20/02/2013, chamada O sacrifício
de Bento XVI para salvar a igreja.
apenas o que está explicitado pelos itens lexicais, isto mos que Tico é um par-
dal, poderemos concluir
é, “o acarretamento é uma propriedade que nos mostra que ele é um pássaro, um
vertebrado, um ser vivo
exatamente o que está sendo veiculado por determinada etc. (Ou: basta ser um
implicação, uma vez que aquilo que o falante afirma numa (ILARI, Rodolfo. Introdu-
sentença depende, necessariamente, da verdade de outra. ção à Semântica: brincan-
do com a gramática. São
Por exemplo, quando afirmamos que Maria votou na última Paulo: Contexto, 2004. p.
85).
eleição para Presidente da República, implica admitir que
3
Maria exerceu o direito de votar.
Unidade
2.3 Implicaturas Conversacionais
ATIVIDADES
3
As questões a seguir visam contribuir para a fixação
Unidade
dos conteúdos estudados nesta aula. Após respondê-las,
é recomendável que você discuta com seus colegas no
Seminário Integrador. Esclareça suas dúvidas com o tutor.
Depois, se for necessário, reformule suas respostas e,
quando concluí-las, entregue-as ao tutor.
Cálice
Vejam só a que ponto chegamos. Agora ele está querendo ser Presidente... Não se en-
xerga? A começar pelos ancestrais, que não são coisa que se recomende. Há fortes bo-
atos descender de uma mulher de costumes frouxos e suscetível a amores proibidos. O
pai, ao que parece, não conseguia se fixar em emprego algum, e alguns chegam mesmo
3
a descrevê-lo como tendo uma alma de vagabundo. É certo que não seria nunca esco-
lhido como “Operário Padrão”. E que dizer do lugar onde nasceu? Estado dos mais atra-
Unidade
sados, sotaque típico, crescido em meio à rudeza dos que não se refinaram para as lides
públicas. Podem imaginar o seu comportamento num banquete? Seria vergonhoso...
Cotovelos sobre a mesa, empurrando a comida com o dedão, falando de boca cheia...
Seria um vexame nacional. Acresce o fato de não haver nem mesmo terminado o curso
primário, sua educação formal se restringindo a ler, escrever e fazer as quatro opera-
ções. Como trabalhador braçal, excelente. Na verdade, ali é o seu lugar. Como acontece
com as pessoas que trabalham muito com o corpo e pouco com a cabeça, seu corpo se
desenvolveu de forma invejável. Testemunhas oculares relatam mesmo que, em certa
ocasião, não vacilou em se valer dos músculos para dobrar um grupo de adversários.
Mas, o que assusta mesmo, é o seu radicalismo em relação às questões do trabalho, es-
pecialmente o campo. Pois não é da iniciativa e do capital dos patrões que vem a riqueza
do País? E agora, este matuto quer colocar o carro na frente dos bois... Se a sua política
agrária for colocada em prática, é certo que vamos ter uma convulsão social no País. O
nosso sistema de produção vai ser desmantelado, com imprevisíveis conseqüências para
a economia. Mas, pior do que isto, serão as conseqüências sociais. No final, parece que
os empregados tomarão conta de tudo e aos patrões não restará outra alternativa que
deixar o País... “Love it or leave it...”
Podem guardar seus sorrisos e sua raiva, porque isto que escrevi não é sobre quem vo-
cês estão pensando. É sobre Abraham Lincoln. E o que eu disse sobre a sua vida pode ser
encontrado na Enciclopédia Britânica, para quem quiser conferir. Imaginei como é que a
conversa rolaria nas rodinhas das UDRs e KKKs da época, ante a insólita possibilidade de
que um ex-lenhador sem curso primário viesse a ser o Presidente do País. Como se sabe,
Lincoln foi eleito, escravos foram libertados, houve uma enorme convulsão social, pois
os donos de escravos se recusaram a aceitar a liberdade dos negros, e aqueles que não
se ajustaram cumpriram a sua promessa: emigraram. Para onde? Muitos para o Brasil.
E foi assim que nasceram as cidades de Santa Bárbara do Oeste e Americana. Por que o
Brasil? Porque, se não podiam ter escravos lá, poderiam continuar a ter escravos aqui.
Nunca imaginei que esta seria uma boa razão pra se optar pelo Brasil: para se continuar
a ter escravos.
Mas os tempos mudaram. Mudaram? Parece que ainda hoje o mesmo horror existe ante
a possibilidade de que um operário venha a ser Presidente do País. E as conversas que
rolam por aqui não devem ser muito diferentes das que rolam por lá. Parece que a História
está cheia de situações parecidas – e é só por isto que podemos aprender dela. Quem
sabe a memória do ex-lenhador que se candidatou a Presidente dos Estados Unidos pode-
nos ajudar a colocar em perspectiva este fato insólito de um operário que se candidata à
Presidência do Brasil.
(ALVES, Ruben. Um texto que merece reflexão. In: PRESTES, Maria Luci de Mesquita. Lei-
tura e Reescritura de Textos: subsídios teóricos e práticos para o seu ensino. São Paulo:
Respel, 1999. p.185).
Máximas conversacionais. In: Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. Disponível
em:<www.infopedia.pt>.Acesso em: 31 ago. 2011(com adaptações).
3
2012.
Unidade
leitura recomendada
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
3
Vozes, 2008.
Unidade
______. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 1999.
ORLANDI, Eni Puccineli. As formas do discurso: no movimento dos
sentidos. 6. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA
3
Unidade
Objetivos
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:
3
influenciar alguém acerca de uma tese, opinião, uma tomada de decisão
Unidade
ou de uma escolha, ou mesmo refutou argumentos. Em todas essas hi-
póteses, a linguagem foi usada para causar um efeito de sentido no inter-
locutor a partir de uma intencionalidade. Possivelmente, algumas dessas
experiências foram bem sucedidas e outras nem tanto. Sem dúvida, um
fator que contribui para o êxito da argumentação consiste na escolha da
estratégia adequada para influenciar o interlocutor. O domínio dessas
competências concerne ao âmbito da Semântica Argumentativa.
Indiscutivelmente, a argumentação está presente em nosso co-
tidiano, especialmente, em textos argumentativos propriamente ditos,
injuntivos, deliberativos, também em textos dissertativos; e em vários
gêneros discursivos como a propaganda, o discurso político, o discurso
religioso, dentre outros. É utilizado ainda em tirinhas, cartum, charges e,
sobretudo, está presente também no espaço da sala de aula.
Veja, na tirinha a seguir, a estratégia argumentativa utilizada. Há
um diálogo, entre Mafalda e a amiga Susanita, a qual diz que ‘quando
crescer quer ter muitos vestidos; ao passo que Mafalda diz que ‘quer ter
muita cultura’. Diante desse impasse, Susanita apresenta um argumen-
to forte que sustenta sua tese inicial, ou seja, ela pergunta a Mafalda se
TEXTO 01
O Rei está nu
Um rei encomendou ao seu
alfaiate uma roupa tão leve
que ele não sentisse o conta-
to dela com sua pele.
Uma vez que não é possível
alguém vestir algo e não sen-
tir o seu contato com a pele
(a não ser que tenha proble-
3
ma de tato), o alfaiate ficou
num dilema: não sabia se di-
Unidade
zia isso ao seu Rei ou se fica-
va calado, pois o Rei poderia
interpretar a sua colocação
como uma declaração da sua
própria incompetência, o que
poderia concorrer para o Rei
mandar substituí-lo. (Ou,
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-68fE6F287jk/UNr6HqqylhI/
quem sabe, até decaptá-lo!). AAAAAAAAFe4/lEagujrwwYg/s1600/rei-nu.png
Conversando com os assessores do Rei, no entanto, descobriu que havia uma alternati-
va. Bastava fazer de conta que estava lhe entregando a encomenda quando na verdade
não estaria entregando nada. Dessa forma, ao vestir “nada” o Rei não sentiria qualquer
contato com o corpo. Tudo funcionaria se os assessores, criados e as pessoas da corte
elogiassem a “nova roupa” do Rei.
E funcionou. Logo se via um Rei pelado andando pelo palácio e recebendo rasgados
elogios que tornavam seu ego cada vez mais inflamado.
Um dia, no entanto, o Rei resolveu apresentar sua maravilhosa indumentária “feita de
nada” para todos os seus súditos a fim de angariar ainda mais elogios.
Seus assessores providenciaram a devida preparação, dizendo aos súditos do reino o
que esses deveriam ver e dizer.
No dia combinado, sai o Rei em desfile por seu reino completamente pelado.
Ao passar por uma estrada, no entanto, ouviu uma criança (que não havia comparecido
às reuniões preparatórias) dizer: “O Rei está nu”.
Isso gerou comoção com toda a comitiva real. A criança logo foi recolhida e calada pelos
pais. E o Rei percebeu quão tolo ele tinha sido, criando uma armadilha pela qual ele
3
forma e conteúdo, para construir a verossimilhança, concorrendo para
Unidade
a coerência na organização do texto. O sentido é construído a partir de
inferências. Os argumentos recebem uma designação, de acordo com a
técnica argumentativa que foi utilizada, que, no caso em tela, trata-se de
exposição ao ridículo ou argumento pelo ridículo.
atenção
O ridículo é aquilo que merece ser sancionado pelo riso, aquilo que E. Dupréel, em sua
excelente análise, qualificou de ‘riso de exclusão’. Este é a sanção da transgressão de uma regra
aceita, uma forma de condenar um comportamento excêntrico, que não se julga bastante grave ou
perigoso para reprimi-lo com meios mais violentos.
Uma afirmação é ridícula quando entra em conflito, sem justificação, com uma opinião
aceita. Fica de imediato ridículo aquele que peca contra a lógica ou se engana no enunciado dos
fatos, contanto que não o considerem um alienado ou um ser que nenhum ato pode desqualificar,
por não gozar do menor crédito.
[...]
Normalmente, o ridículo está vinculado ao fato de uma regra, ter sido transgredida ou
combatida de um modo inconsciente, por ignorância seja da própria regra seja das conseqüências
desastrosas de uma tese ou de um comportamento.
[...]
O ridículo é a sanção contra a obcecação e só se manifesta para aqueles a quem essa ob-
cecação não dá margem a dúvidas.
TEXTO
Mar Português
Fernando Pessoa
3
é impossível ir indefinidamente na direção preconizada, seja porque se
Unidade
chega a um absoluto, seja porque se chega a uma incompatibilidade.”.
É evidente que o campo da argumentação é o lugar fértil para
os debates, contradições e refutações, por isso os argumentos são,
notadamente, avaliados como fortes ou fracos e não verdadeiros ou
falsos.
TEXTO 3
Argumento
Paulinho da Viola
Tá legal!
Tá legal, eu aceito o argumento,
Mas não me altere o samba tanto assim,
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro e de um tamborim.
Tá legal!
Sem preconceito, sem mania de passado,
Sem querer ficar do lado de quem não quer navegar,
Faça como o velho marinheiro
Que, durante o nevoeiro, leva o
Barco devagar. Fonte: http://www3.vitrola.com.br/
fotoProduto/gr/46311103328.jpg
3
autores/fichaAutor?authorId=406
Semântico, de Carlos Vogt, publicada em 1977.
Unidade
A Semântica Argumentativa constitui um modelo teórico que
se aproxima da Pragmática, da Semântica da Enunciação, da Teoria dos
Atos de Fala, dentre outras. Essas abordagens já foram estudadas nas
aulas anteriores. Portanto, sugerimos que você revisite o assunto para
melhor compreensão desta aula.
Essa vertente teórica tem como pressuposto a ideia de que os
sujeitos fazem uso da linguagem, direcionado-a para uma intenção
discursiva. O falante tenta convencer ou persuadir o seu interlocutor
de uma ideia e o faz a partir de um jogo argumentativo. O cerne dessa
teoria se pauta na concepção de que no jogo discursivo, os enunciados
são utilizados para persuadir ou convencer o ouvinte a aderir uma tese.
Para Ducrot apud Oliveira (2001, p. 28),
3
Unidade
1- A festa de lançamento do livro de Maria foi boa.
2- Até o presidente da Academia Brasileira de Letras compareceu
à festa de lançamento do livro de Maria.
3
No auge de seu desenvolvimento, principalmente, na Idade Média e
Unidade
no Renascimento, essa arte constituía um saber obrigatório nos currículos
escolares, formando o trivium composto de: Retórica, Gramática e Lógica.
Essa tríade deu lugar ao que se chamava de artes liberais. Posteriormente,
a Retórica sofreu ataques por parte daqueles que viam nesse saber a arte de
enganar. A Retórica passou a ser conhecida como sinônimo de recursos de
ornato do discurso e ganhou certo tom pejorativo. Ela foi deslegitimada, pois
foi considerada como disciplina não científica e, portanto, foi eliminada dos
currículos universitários.
Na atualidade, é possível dizer que a Retórica está em plena ascensão.
Com o advento da afirmação dos ideais da democracia, especialmente, no
mundo ocidental, a Retórica cada vez mais tem desempenhado um papel
proeminente no discurso persuasivo. O discurso retórico está presente tanto
nos gêneros orais quanto nos escritos, a exemplo de jornais, de televisão, de
propaganda, de discussões nos espaços da sala de aula, de discurso político,
de discurso religioso etc. Para Meyer (1998, p. 11), o emprego da Retórica
se faz necessário, tendo em vista que: “A imagem tem o dever de agradar ou
chocar, de seduzir ou convencer. É preciso vender e ser eleito, encantar ou
muito simplesmente divertir aqueles cuja atenção nos interessa captar”.
3
que o ato de persuadir busca atingir o sentimento do interlocutor, pois
Unidade
apela para a emoção, a paixão de um auditório particular; os argumentos
são plausíveis ou verossímeis. A argumentação persuasiva é aquela
que visa atingir, exclusivamente, um auditório particular, isto é, está
direcionada a um público específico.
Para analisar como esse efeito do sentido ocorre, considere a
propaganda a seguir:
Fonte: http://portaldoprofessor.
mec.gov.br/storage/discovirtual/
aulas/9293/imagens/
propaganda5.jpg
Fonte: http://www.wbuzz.com.br/site/wp-content/
uploads/2014/03/dialogo-clientes.jpg
3
Fonte: https://lenguayliteanaozores.wordpress.
força argumentativa dos enunciados com/2010/10/24/marcadores-del-discurso-bachillerato/
Unidade
direcionados, para a obtenção de determinados efeitos de sentido, ou seja,
para uma direção argumentativa. Guimarães (1987, p. 25), retomando
Ducrot e Anscombre, explica como os operadores argumentativos
funcionam no discurso:
Orientar argumentativamente com um enunciado X é apresentar
seu conteúdo A como devendo conduzir o interlocutor a concluir
C (também um conteúdo). Ou seja, orientar argumentativamente
é dar A como uma razão para se crer em C. Neste sentido, orientar
argumentativamente é apresentar A como sendo o que se considera
como devendo fazer o interlocutor concluir C. O que leva à conclusão
é o próprio A. Ou seja, é tomado como uma regularidade do sentido
do enunciado a representação de sua enunciação como orientada
argumentativamente.
A argumentatividade é considerada como um mecanismo
linguístico que busca conferir ao discurso certo efeito de sentido àquilo
que se diz e a forma como o diz. De outro modo, os argumentos nem
sempre estão numa relação simétrica nos enunciados, ou seja, eles nem
3
O jogo de futebol foi muito bom.
Unidade
(conclusão R)
3
(conclusão R)
Unidade
p” - O Presidente da República se fez presente.
p’ - O Ministro da Educação compareceu.
p - Havia muitas autoridades presentes.
3
antecipação do argumento que será anulado, ou seja, o locutor anuncia
Unidade
que o argumento introduzido por esse operador argumentativo não
terá validade, pois a ideia que prevalece é a de que Julieta não gosta de
estudar. Afinal, de que adianta um estudante adquirir tantos livros se
não gosta de estudar?
Como você pode constatar, há repertório de palavras na língua
que permitem que os argumentos sejam formulados de modo a
direcionar a conclusão pretendida pelo locutor. Por isso, essa vertente é
designada de Argumentação na Língua.
Sem dúvida, a Semântica Argumentativa apresenta várias facetas.
No âmbito desse estudo, foram expostos dois modos possíveis para
o tratamento da argumentação. Foi apresentada uma abordagem que
se volta para os mecanismos envolvidos na formulação do discurso
retórico, para que o discurso tenha os efeitos persuasivos buscados
pelo locutor, para angariar a adesão do ouvinte às suas teses. Esse
direcionamento discursivo se ocupa dos meios persuasivos afetivos -
ethos e pathos – e meios racionais – logos. Como foi visto, o expoente
dessa vertente teórica é Chaim Perelman, legítimo representante da
reabilitação da Retórica.
A partir de 1970, a Linguística dá importante passo em direção aos
novos contornos do estudo da argumentação. Oswald Ducrot desponta
como importante teórico que introduziu a noção de operadores argumen-
tativos. As obras que marcaram esse momento são Provar e Dizer, publi-
cada em 1972; Princípios de Semântica Linguística: dizer e não dizer, publi-
cada em 1973, além da obra A argumentação na língua, de Owald Ducrot
e Anscombre.
Essas duas abordagens se complementam, uma vez que a Retórica
e a Teoria da Argumentação, de modo geral, enfatizam o efeito dos
discursos persuasivos, bem como a delimitação do âmbito da persuasão
e do convencimento, a partir da definição de auditório. À Teoria da
Argumentação na Língua ou Semântica Linguística, como também é
conhecida, cabe a investigação acerca dos mecanismos para a formulação
de argumentos direcionados para determinada conclusão e a escolha dos
operadores argumentativos adequados para a construção de uma classe
argumentativa ou de uma escala argumentativa.
ATIVIDADES
A retórica ou arte de bem falar não é muito prestigiada atualmente. Na sua origem (que
remonta ao século V a. C.), consistia num conjunto de técnicas destinadas a regrar a or-
ganização do discurso, segundo os objetivos a serem atingidos. Era um meio de chegar
ao domínio da linguagem verbal. Além disso, a abordagem de tais técnicas levava a estu-
3
dar a linguagem e seus componentes e a fazer disso um objeto de ciência. Infelizmente,
a retórica confundiu rapidamente seus fins e seus meios. Reduziu-se a uma técnica de
Unidade
ornamentação do discurso, exagerando as sutilezas nas distinções de figuras. Depois de
ter sido objeto de ensino prático da linguagem e das ciências, contribuiu para esclerosar a
eloquência e sufocar o discurso verbal pela multiplicidade de regras e figuras: não tardou
a apagar-se e se tornar sinônima de afetação ou de declamação falsa. Mas, de alguns anos
para cá, vem ela reconquistando seu lugar de honra. Assim, reeditam-se na França velhos
tratados do século XVIII (Dumarsais) e do século XIX (Fontanier). Volta-se a estudar as
figuras, sobretudo no domínio poético.
(VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. 7. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 47.).
Moacyr Scliar
Estou lhe escrevendo, Matilda, para lhe transmitir aquilo que a contrariedade (para não
falar em indignação) me impediu de dizer de viva voz. Note, é a primeira vez que isso acontece
em nossos trinta e cinco anos de casados, mas é a primeira vez que pode também ser a última.
Não é ameaça. É constatação. Estou profundamente magoado com a sua atitude e não sei se me
recuperarei.
Tudo por causa de sua teimosia. Você insiste, contra todas as minhas ponderações, em dar a
seu pai um corte de casemira inglesa como presente de aniversário. Eu já sei o que você vai me dizer:
é seu pai, você gosta dele, quer homenageá-lo. Mas com casemira, Matilda. Com casemira inglesa,
Matilda. Que horror, Matilda.
Raciocinemos, Matilda. Casemira inglesa, você sabe o que é isso? A lã dos melhores ovinos,
Matilda. A tecnologia de um país que, afinal, deu ao mundo a Revolução Industrial. O trabalho de com-
petentes operários. E sobretudo tradição, a qualidade. Esse é o tecido que está em questão, Matilda.
A casemira inglesa.
Há muitos aspectos nesse problema, mas quero deixar de lado tudo o que me parece me-
nos significativo, inclusive o preço. Sim, o preço. Você sabe que sou homem de poucas posses e que
um corte de tecido importado custaria bastante, mas vamos admitir que isso seja secundário, vamos
omitir esse detalhe; fixemo-nos na própria casemira inglesa, Matilda. E da casemira eliminemos aquilo
que possa entre nós gerar controvérsia – por exemplo, a conveniência de dar a um homem que sem-
pre se vestiu mal, que não dá a mínima importância já não digo à elegância, mas à limpeza, algo tão
sofisticado, tão distinto. Não, não vamos discutir isso, não vamos discutir a sofisticação de casemira.
Vamos abordar outro tópico.
A duração.
Sabe quanto tempo pode durar a casemira inglesa, Matilda?
Muito tempo, Matilda. Muito tempo. Disse-me o vendedor – porque tomei o cuidado de co-
lher essas informações, não estou polemizando pelo prazer de polemizar, estou querendo que você
raciocine comigo – que um paletó de casemira inglesa, bem cuidado e ao abrigo de traças (e como há
traças na casa de seu pai, Matilda, como há traças lá), pode durar anos, décadas, séculos, talvez (ele
falou em roupas guardadas desde o século XVII, mas talvez haja exagero nisso, vendedor é vendedor,
mesmo que esteja vendendo um fino artigo, como é o caso).
Isso, a casemira inglesa. Agora, seu pai.
Ele está fazendo noventa anos. É uma idade respeitável, e não são muitos os que chegam
lá, mas – quanto tempo ele pode ainda viver? Sim, todos nós desejamos que ele chegue ao centená-
rio, mas, francamente, Matilda, você acredita nisso? A gente fala em cem anos porque é um número
redondo, é um espaço de tempo expressivo, um século, mas quantos centenários há no mundo? E
as chances de seu pai ser um deles... Aquela tosse, a falta de ar... Não sei, não. Mas mesmo que ele
viva dez anos, mesmo que ele viva vinte anos, a casemira sem dúvida durará mais. Aí, depois que o
sepultarmos, depois que voltarmos do cemitério, depois que recebermos os pêsames dos parentes, e
dos amigos, e dos conhecidos, teremos de decidir o que fazer com as coisas dele, que são poucas e
sem valor – à exceção de um casaco confeccionado com o corte de casemira que você pretende lhe dar.
Você, em lágrimas, dirá que não quer discutir o assunto, mas eu terei de insistir, até para o seu bem,
Matilda; os mortos são mortos, os vivos precisam continuar a viver, eu direi. Algumas hipóteses serão
levantadas. Vender? Você dirá que não; seu pai, o velho fazendeiro, verdade que arruinado, despreza
coisas como comprar e vender, ele acha que ser lojista, como eu, é a suprema degradação. Dar? A
quem? A um pobre? Mas não, ele sempre detestou pobres, Matilda, você lembra a frase característica
de seu pai: tem de matar esses vagabundos.
Essas hipóteses todas estando esgotadas, você se voltará para mim e me pedirá, naquela sua
voz súplice: fique com o casaco. E eu terei de dizer que não, Matilda. Em primeiro lugar, eu sou muito
maior que seu pai, coisa que ele sempre fazia questão de me lembrar, chamando-me de gordo porco,
você lembra? Você achava graça, dizia que era brincadeira, mas eu sabia que no fundo ele estava fa-
lando sério. Gordo porco, Matilda. Ouvi isso durante trinta e dois anos. Mas mesmo que o casaco me
servisse, Matilda, eu não usaria. Você sabe que isso seria a capitulação final, Matilda. Você sabe que
com isso eu estaria renunciando para sempre à minha dignidade.
O casaco ficaria pendurado em nosso roupeiro, Matilda. Ficaria pendurado muito tempo lá.
A não ser, Matilda, que seu pai dure mais tempo que o casaco. Não apenas isso é impossível, como
remete a uma outra interrogação: e o seguro de vida dele, Matilda? E as jóias de sua mãe, que ele
guarda debaixo do colchão? Quanto tempo ainda terei de esperar?
Estou partindo, Matilda. Deixo o meu endereço. Como você vê, estou indo para longe, para
uma pequena praia da Bahia. Trópico, Matilda. Lá ninguém usa casemira.
(SCLIAR, Moacyr. Os Usos da Camira Ingleza. In: RODRIGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação Jurídica:
técnicas de persuasão e lógica informal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 34-36.).
A Galinha Reivindicativa
Em certo dia de
3
data incerta, um galo ve-
lho e uma galinha nova
Unidade
encontraram-se no fundo
de um quintal e, entre uma
bicada e outra, trocaram
impressões sobre como um
mundo estava mudado. O
galo, porém, fez questão
de frisar que sempre vivera
bem, tivera muitas galinhas
em sua vida sentimental e
agora, velho e cansado, es-
perava calmamente os fins
de seus dias.
- Ainda bem que você está
satisfeito – disse a galinha.
Fonte: http://www.baixaki.com.br/imagens/wpapers/chicken_run_011800.jpg
- E tem razão de estar, pois
é galo. Mas eu, galinha, fêmea da espécie, posso estar satisfeita? Não posso. Todo dia pôr ovos, todo
semestre chocar ovos, criar pintos, isso é vida? Mas agora a coisa vai mudar. Pode estar certo de que
vou levar uma vida de galo, livre e feliz. Há já seis meses que não choco e há uma semana que não
ponho ovo. A patroa se quiser arranje outra para esses ofícios. Comigo, não violão!
O velho galo ia ponderar filosoficamente que galo é galo e galinha é galinha e que cada um
tem sua função específica na vida, quando a cozinheira, sorrateiramente, passou a mão no pescoço
da doidivanas e saiu com ela esperneando, dizendo bem alto: “A patroa tem razão: galinha que não
choca nem põe ovo só serve mesmo pra panela”.
Moral: Um trabalho por jornada mantém a faca afastada.
(FERNANDES, MILLÔR. Fábulas, Fabulosas In: ANTUNES, Irandé. Lutar com as palavras: coesão e
coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 161-162.).
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
PERELMAN, Chaïm;OLBRECHTS-TYTECA,Lucie.Tratado da
Argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
4
Unidade
4ª
unidade
4
Unidade
1
aula
O TRATAMENTO DO LÉXICO:
AS RELAÇÕES DE SENTIDO
Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
1 INTRODUÇÃO
4
pessoa, de tempo e de lugar.
Unidade
A Semântica Argumentativa, desenvolvida principalmente a
partir das investigações acerca dos operadores argumentativos encetadas
por Oswald Ducrot, dentre outros, na década de 70, contribuiu para o
estudo do significado numa perspectiva discursiva.
Há que se destacar ainda a relevância da Teoria dos Atos de Fala
para a descrição do significado, a partir dos trabalhos de filósofos da
Escola Analítica de Oxford, tendo como expoentes John Austin, John
Searle e Strawson, dentre outros, que concebiam a linguagem como
uma forma de ação.
Dentre as várias possibilidades de investigar o significado, uma
delas diz respeito à Semântica Lexical. Nesta Unidade, o foco recairá sobre
essa vertente da ciência do significado. Essa abordagem constitui uma parte
da Semântica Estruturalista. É relevante notar que, no tratamento do léxico,
serão considerados ainda os referenciais teóricos estudados anteriormente,
uma vez que os fenômenos linguísticos não surgem em situações isoladas,
mas em situações concretas de fala, em que a palavra poderá apresentar um
sentido a depender do contexto em que está inserida. E, como vimos, cada
vertente da Semântica se ocupou de uma particularidade do significado.
Por isso uma abordagem não exclui a outra, pelo contrário, esses estudos
se complementam.
O ensino da língua, numa perspectiva tradicional, dedica pouco
tempo ao estudo da Semântica, e, quando o faz, geralmente, privilegia as
relações de sentidos surgidas das propriedades linguísticas representadas
pela antonímia, denotação e conotação, sinonímia, paronímia, homonímia
e polissemia, como se a Semântica fosse circunscrita apenas a essas
ocorrências.
A esta altura dos estudos, você deve ter verificado que a Semântica
pode ser vista numa dimensão mais ampla que envolve o discurso, a
enunciação, o texto, o léxico, o morfema etc. É sobre o léxico que nos
debruçaremos nesta última parte de nossos estudos. Essa vertente
linguística se ocupa, fundamentalmente, dos significados que emanam das
palavras nas relações estabelecidas umas com as outras.
Tradicionalmente, a Semântica é caracterizada como a ciência que
se volta para a análise do significado das palavras. Todavia, em que medida
as palavras devem ser consideradas numa descrição semântica? A ideia de
que o significado de uma palavra pode ser analisado fora de um contexto
efetivo de uso da linguagem se mostrou pouco frutífera. O âmbito da
Semântica Linguística é o das línguas naturais e, como foi mostrado, uma
característica desse tipo de linguagem é a sua textura aberta, propiciando
a ocorrência de polissemia, de imprecisão, de ambiguidade etc. A palavra
possui muitas facetas, isoladamente, ela pouco significa.
Fonte: http://tudibao.com.br/blog/wp-content/
uploads/2010/05/virgula_abi.jpg
realização linguística tido como o mais instável, irregular e terminologias, pelas gírias,
expressões idiomáticas e
até certo ponto incontrolável’. palavrões.
saiba mais
Mal e porcamente
De início, usa-se mal e parcamente, para indicar que algo fora feito de modo deficiente, sem
4
o necessário capricho ou bom acabamento. Com o tempo, o adjetivo parco (poupado, muito
simples), não muito conhecido, cedeu lugar à palavra porco, normalmente associada à ideia de
Unidade
coisa suja, imunda, grosseira.
De cabo a rabo.
Significando de uma extremidade a outra, de ponta a ponta, do princípio ao fim, a expressão
derivou-se da Cidade do Cabo a Rabá, ou seja, ir da Cidade do Cabo, ponto extremo do sul da
África, à cidade de Rabá, capital de Marrocos, ao norte desse Continente. A Cidade de Cabo,
aliás, foi ponto de passagem de grandes navegadores, como Bartolomeu Dias, 1488, e Vasco
da Gama, em 1497.
Cuspido e escarrado.
A nosso juízo, é uma desfiguração de esculpido em Carrara, usada para indicar pessoas de fisio-
nomias extremamente parecidas, ou com notável semelhança física (sósias, menecmas). Como
o termo esculpido (talhado a cinzelou escopro) não é muito familiar à gente iletrada, foi logo
trocado por um mais conhecido: cuspido; ora, seguindo-se-lhe outro ainda mais estranho – em
Carrara (cidade da Itália, célebre pela excelência de seus mármores) -, a nova troca, agora por
escarrado (já atraído pela ideia de cuspido...), foi consequência praticamente inevitável.
Há quem também considere como expressão original esculpido e encarnado, ou seja, tal qual se
o rosto e o espírito de alguém estivessem entranhados no rosto ou no corpo de outrem.
(XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.156-158.).
CAMPO LEXICALDE
padreca, fanhosa, desafinava, frenéticas, cara, velho (artista).
PALAVRAS DE
CARGA PEJORATIVA
Afinal, à deixa fanhosa de um padre muito magro que aos pés do altar desafi-
nava uns salmos de ocasião, a orquestra tocou a sinfonia e começou o espetáculo. Cor-
reu logo o surdo rumor dos corpos que se ajoelhavam; todas as vistas convergiram para
a porta da sacristia; fez-se um sussurro de curiosidade, em que se destacavam ligeiras
tosses e espirros, e o cônego Diogo apareceu, como se entrasse em cena, radiante,
altivo, senhor do seu papel e acompanhado de acólito que dava voltas frenéticas a um
turíbulo de metal branco.
E o velho artista, entre uma nuvem de incenso, que nem um deus de mágica, e
coberto de galões e lantejoulas, como rei de feira, lançou, do alto da sua solenidade, um
olhar curioso e rápido sobre o público, irradiando-lhe na cara esse vitorioso sorriso dos
grandes atores nunca traídos pelo sucesso.
Nesse trecho, o autor destaca três campos lexicais que estão inter-
relacionados, contribuindo para o sentido do texto.
ATIVIDADES
(AMADO, Jorge. São Jorge dos Ilhéus. 18. ed. São Paulo: Campanha das Letras,
2010.p.120-121.).
O Boateiro
(PRETA, Stanislaw Ponte. O Boateiro. In: ANTUNES, Irandé. Análise de Textos: fundamentos
e práticas. São Paulo: Parábola, 2010, p. 195-196.).
RESUMINDO
4
Nesta aula, você viu que:
Unidade
REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. São Jorge dos Ilhéus. 18. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
4
Unidade
aula 2
AMBIGUIDADE E VAGUEZA:
EXCESSO DE SIGNIFICAÇÃO
E IMPRECISÃO SEMÂNTICA
Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
4
linguagem;
• reconhecer a polissemia e a homonímia como fatores produtores Unidade
de ambiguidade;
• diferenciar homonímia, paronímia e polissemia;
• compreender os mecanismos de desambiguização.
1 INTRODUÇÃO
2 AMBIGUIDADE E DESAMBIGUIZAÇÃO
4
Unidade
3 TIPOS DE AMBIGUIDADE
4
- a senhora continuava a exclamar,
e quem não tinha escutado escutou, Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-L06xPbj_j1M/TwP8_VxgDQI/
AAAAAAABtKk/wrgz4Ktdj5E/s1600/feira%2Blivre.jpg Unidade
multiplicando a notícia.
Aquela voz subindo do mar de barracas e legumes como a própria sirena policial, documentan-
do por seu uivo a ocorrência grave, que fatalmente se estaria consumando ali na claridade do dia, sem
que ninguém pudesse evitá-la.
[...]
Barracas derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva. Era preciso abrir caminho
a todo custo. No rumo do assalto, para ver, no rumo contrário, para escapar. Os grupos divergentes
chocavam-se, e às vezes trocavam de direção: quem fugia dava marcha à ré, quem queria espiar era
arrastado pela massa oposta. Os edifícios de apartamentos tinham fechado suas portas, logo que o
primeiro foi invadido por pessoas que pretendiam, ao mesmo tempo, salvar o pêlo e contemplar lá de
cima. Janelas e balcões apinhados de moradores, que gritavam:
- Pega! Pega! Correu para lá!
- Olha ela ali!
- Eles entraram na Kombi ali adiante!
- É um mascarado! Não, são dois mascarados!
3.1.1 Homonímia
4
sêmicas que transformam
palavras polissêmicas em Unidade
monossêmicas.
saiba mais
Para distinguir uma palavra polissêmica de uma homônima, utiliza-se a etimologia. No caso
da homonímia, a diferença de significação é decorrência de etimologias diferentes, que con-
vergem para uma forma vocabular. Dubois et al. (1988:326) ensinam que há dois critérios
para distinguir a homonímia da polissemia: (a) diacrônico, para o qual são homônimas ape-
nas as formas convergentes da gramática histórica. Exemplo, o adjetivo sanctum deu são
em português, que também é adjetivo (santo: são José). O adjetivo sanum deu são (sadio);
o verbo latino sunt deu são (verbo ser). Embora seja esse critério discutível em alguns ca-
sos, em geral ele se manifesta válido. Acrescente-se que na homonímia os significados não
se associam, não pertencem à mesma área semântica; distribuem-se em contexto e classe
gramatical diferentes; (b) sincrônico, que considera homônimas as palavras fonologicamen-
te iguais, mas que não conseguem associar-se em um mesmo campo semântico. Exemplo
clássico: cabo acidente geográfico, e cabo, posto militar [...]. São homônimas as palavras
fonologicamente iguais que pertencem a diferentes classes gramaticais. Exemplos: o subs-
tantivo amo (pessoa respeitável na família, o dono da casa) e a forma verbal (eu) amo; ou
canto (substantivo) e (eu) canto (verbo). Dubois et al. (1988:472) alertam para o fato de
que o critério etimológico nem sempre funciona na distinção de homonímia e polissemia.
(ANDRADE, Maria Margarida de; MEDEIROS, João Bosco. Comunicação em Língua Portugue-
sa: para cursos de jornalismo, propaganda e letras. São Paulo: Atlas, 2004. p. 251.).
novamente.
O vocábulo ‘novamente’ é um fator de ambiguidade, pois afeta um
conjunto de conteúdos e gera duas interpretações numa mesma sentença,
a saber: Pedro está novamente com vontade de ir a Paris e Pedro já foi a
Paris e está com vontade de ir novamente.
De acordo com Cançado (2005, p. 71), a ambiguidade de escopo
“é a maneira de organizar a relação de distribuição entre as palavras que
expressam uma quantificação que gera a ambigüidade”. Veja as sentenças
a seguir:
1. Todos os jogadores do Flamengo possuem uma mansão.
2. Todo homem ama uma mulher.
4 PARONÍMIA
4
Unidade
ATIVIDADES
PONTOS
4
mais curta entre, cheguei a um ponto em que, meu Deus... três pontinhos.
Jogou o que tinha num ponto de bicho e o que não tinha num ponto lotérico. Não deu Unidade
ponto.
Em casa a circunferência e os sete pontinhos. Resolveu pingar os pontos nos is.
Melhor deixar uma viúva no ponto.
De um ponto de ônibus mergulhou, de ponta-cabeça, na ponta de um táxi, ou de um
ponto de táxi na ponta de um ônibus, é um ponto discutível.
Entregou os pontos.
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando. O Popular. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 97-8, in
SILVEIRA, Martins Dileta: ZILBERKNOP. Português Instrumental. 22. ed. Porto Alegre:
Sagra Luzzatto, 2001. p. 43-44.).
O TESTAMENTO
Um homem rico, sem filhos, sentindo-se morrer, pediu papel e caneta e escreveu
assim:
“Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do
mecânico e nada aos pobres”
- Não teve tempo de pontuar – morreu.
Eram quatro concorrentes. Chegou o sobrinho e fez estas pontuações numa có-
pia do bilhete:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta
do mecânico. Nada aos pobres.”
A irmã do morto chegou em seguida com outra cópia do testamento e pontuou
assim:
“Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta
do mecânico. Nada aos pobres.”
Apareceu o mecânico, pediu uma cópia do original e fez estas pontuações:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do
mecânico. Nada aos pobres.”
Um juiz estudava o caso, quando chegaram os pobres da cidade. Um deles, mais
sabido, tomou outra cópia do testamento e pontuou deste modo:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a
conta do mecânico? Nada! Aos pobres!”.
Testamento in: PETRI, Maria José Constantino. Manual de Linguagem Jurídica. São Paulo:
Saraiva p. 205-206.
3) Como
você distingue homonímia de polissemia?
4) Considerando a manchete Quanto vale uma coroa, que foi
publicada na Revista Veja, edição 2.253 – ano 45 – nº4 de 25 de janeiro de
2012, comente o efeito de sentido provocado pelo item lexical “coroa” do
ponto de vista da Semântica. Sua resposta deverá considerar os aspectos
estudados nesta aula.
Fonte: http://veja.abril.com.br/
RESUMINDO 4
Unidade
REFERÊNCIAS
aula 3
OS NEXOS SEMÂNTICOS:
EQUIVALÊNCIA E OPOSIÇÃO
DE SIGNIFICADOS
Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
1 INTRODUÇÃO
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria
(João Cabral de Melo Neto, 1975)
CATAR FEIJÃO
João Cabral de Melo Neto
Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-L3c4OkRAhPg/T-YvVgiO4VI/
AAAAAAAAMWc/cjisqiaUQV0/s1600/feij%25C3%25A3o1.jpg
Como vimos, não é tarefa fácil, nem mesmo para o poeta, encontrar
a palavra adequada que traduza o seu pensamento, para conferir o efeito
pretendido à sua poesia, como não é fácil para os semanticistas ou lexicó-
logos explicar os nexos semânticos decorrentes das palavras no texto.
2 SINONÍMIA
separar sinônimo lexical, que ocorre no nível do léxico, ou seja, aquele que
surge da relação estabelecida entre as palavras e sinônimo sentencial, que
ocorre entre as sentenças, recebendo a denominação de paráfrase.
O sinônimo pode ser visto como a propriedade que tem a palavra
de substituir outra sem que mude o sentido daquilo que se quer expressar.
Ilari (2005, p.169) conceitua sinônimo como “palavras de sentido próxi-
mo, que se prestam, ocasionalmente, para descrever as mesmas coisas e as
mesmas situações.”.
lenda popular, segundo a qual, certa vez o rei dos animais determinou que
cortassem a cabeça de todos os bichos de boca grande. Nessa ocasião, a partir
dos critérios estabelecidos, perderam a vida o sapo, a rã, o hipopótamo e o
jacaré. Observa que se o rei dos animais tivesse mandado matar os bichos
que passam parte do dia em terra firme, e parte do dia no charco, as vítimas
seriam exatamente as mesmas; mas a expressão ‘bichos de boca grande’ e a
expressão ‘bichos que passam parte do dia em terra firme e parte do dia no
charco’ não são sinônimas. Há sentenças que aparentemente têm o mesmo
sentido, mas que o emprego, em situações reais, revelam que não se trata
de identidade de sentido. Vejamos os seguintes exemplos:
3 ANTONÍMIA
Da relação de sentido entre palavras e frases poderá surgir uma
contradição, o que se denomina de antonímia. Os antônimos são nexos
semânticos fundados em oposição de significados que são realizados
por meio do léxico. Quem não se lembra da famosa dupla do cinema O
Vale ressaltar que não há uma oposição absoluta Se a sinonímia for definida
entre antônimos. Isso porque a antonímia não significa uma como identidade de signi-
ficado, poderemos dizer
que os lexemas são com-
pletamente sinônimos (em
certa faixa de contextos)
se, e somente se, tive-
rem o mesmo significado
descritivo, expressivo e
social (na faixa de contex-
tos em questão). Poderão
ser descritos como abso-
lutamente sinônimos se,
e somente se, tiverem a
mesma distribuição e fo-
rem completamente sinô-
nimos em todos os seus
significados e contextos
de ocorrência. Geralmen-
te se reconhece que uma
sinonímia completa entre
lexemas é relativamente
rara nas línguas naturais e
que a sinonímia absoluta,
tal como foi aqui definida,
é praticamente inexisten-
te.
Fonte: http://alrocha-antenacultural.com.br/ Com efeito, a sinonímia
absoluta está provavel-
mente restrita a um vo-
simples oposição de palavras, uma vez que essa propriedade cabulário altamente espe-
da linguagem poderá apresentar escala para assinalar as cializado que é puramente
descritivo. Um exemplo
contradições que são estabelecidas entre palavras e ideias. típico é o de ‘caecitis’ [ce-
Por exemplo, o falante compreende que o vocábulo quente, cite]: ’typhlitis’ [tiflite]
(ambos significando ‘infla-
em determinado contexto, se opõe a frio, porém é necessário mação do ceco’).
4
considerar ainda algumas gradações no par quente/frio, (LYONS, John. Linguagem Unidade
como: tórrido, cálido, tépido, morno ou gélido, gelado etc. e Lingüística: uma intro-
dução. Rio de Janeiro:
Porém há certas palavras que estabelecem uma oposição LTC, 1987. p.111-112.).
Sonhar
4
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei Unidade
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão
4 HIPONÍMIA E HIPERONÍMIA
As relações ocorridas no léxico podem advir, ainda, de uma
hierarquia em que o sentido de um termo esteja incluído no sentido de
outro. Desse modo, de acordo com Pietroforte e Lopes (2011, p. 128):
País
Região
Estado
Continente
Cidade
Rua
Casa
ATIVIDADES
O Quereres
Caetano Veloso
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente
naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse
a chorar e dissesse -- “ai meu Deus, que história mais engraçada!”. E então a contasse para
a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem
ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que
minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida
de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso,
e depois repetisse para si própria -- “mas essa história é mesmo muito engraçada!”.
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a
mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela
minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher.
Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela
também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir
mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e
reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse
-- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem
seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha
história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na
calçada e lhes dissesse -- “por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender
ninguém!” . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e
seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse
atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago
-- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto
surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito
sábio e muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em
4
toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter
sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos Unidade
ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser
uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina”.
Família! Família!
Papai, mamãe, titia
Família! Família!
Almoça junto todo dia
Nunca perde essa mania...
Mas quando a filha
Quer fugir de casa
Precisa descolar um ganha-pão
Filha de família se não casa
Papai, mamãe
Não dão nem um tostão...
Família êh! Família ah!
Família! oh! êh! êh! êh!
Família êh! Família ah!
Família!...
Família! Família!
Vovô, vovó, sobrinha
Família! Família!
Janta junto todo dia Fonte: http://museuvirtualsemanaartemoderna.arteblog.com.br/9585/A-
FAMILIA-TARSILA-DO-AMARAL/
Nunca perde essa mania...
Mas quando o nenêm
Fica doente
Uô! Uô!
Procura uma farmácia de plantão
O choro do nenêm é estridente
Uô! Uô!
Assim não dá pra ver televisão...
Família êh! Família ah!
Família! oh! êh! êh! êh!
Família êh! Família ah!
Família! hiá! hiá! hiá!...
Família! Família!
Cachorro, gato, galinha
Família! Família!
Vive junto todo dia
Nunca perde essa mania...
A mãe morre de medo de barata
Uô! Uô!
O pai vive com medo de ladrão
Jogaram inseticida pela casa
Uô! Uô!
Botaram cadeado no portão...
Família êh! Família ah!
Família!
Família êh! Familia ah!
Família! oh! êh! êh! êh!
Família êh! Família ah!
Família! hiá! hiá! hiá!...
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
4
Unidade
4
aula
DENOTAÇÃO E
CONOTAÇÃO
Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
4
guagem;
• conhecer os principais mecanismos de produção dos significados Unidade
conotativos;
• avaliar a relação de sentido intensional e extensional.
1 INTRODUÇÃO
DECLARAÇÃO DE AMOR
Clarice Lispector
Esta é uma confissão: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, 4
Unidade
como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de ter sutile-
zas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam
transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa
é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das
coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta
como imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada
num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este
desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar
para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do
túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma
língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que
língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda
e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever
em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem
do português fosse virgem e límpida.
(Declaração de Amor, in AQUINO, Renato. Redação para concursos: teoria e testes. 13. ed.
Niterói, RJ: Impetus, 2011, p. 406.).
ao meu leito”. Essa expressão só tem sentido intensional, pois não nos
é possível movê-los, tocá-los, fotografá-los, o que não significa que não
existam, mas apenas não se pode provar sua existência. A existência dessas
propriedades linguísticas acarreta discussões infindáveis, pois nenhum dos
interlocutores chegará a uma conclusão satisfatória.
De outra forma, de acordo com Hayakawa, apud Garcia (2000,
p.182), “quando alguém diz que esta sala tem quinze metros de compri-
mento, não haverá margem para disputas estéreis: basta alguém pegar a
fita métrica e medi-la.”. Nessa hipótese, trata-se de sentido extensional.
Hayakawa apud Garcia (2000, p.182) comenta os efeitos dos traços distin-
tivos entre sentido extensional e sentido intensional:
4
Saber se mover nas tramas do sentido constitui uma particularidade da
Unidade
competência semântica do falante.
ATIVIDADES
Sim, eu sei que não será culpa sua, mas, se você desembarcar em Lisboa sem um
domínio do idioma, poderá ver-se de repente em águas de bacalhau. Está vendo? Você
começou a não entender. O fato é que, como dizia Mark Twain a respeito da Inglaterra
e dos Estados Unidos, também Portugal e Brasil são dois países separados pela mesma
língua. Se não acredita, veja só esses exemplos. [...].
Um casal de brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranqüilamente pela estrada
Lisboa-Porto, quando deu de cara com um aviso: “Cuidado com as bernas”. Eles ficaram
assustados – que diabo seria Berna? Alguns metros à frente, outro aviso: “Cuidado com
as bernas”. Não resistiram: pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que
era uma berna e só respiraram tranqüilos quando souberam que berna era o acostamento.
Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo
certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos – peça para
ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas. Suéter é camisola – mas não se assuste,
porque calcinhas femininas são cuecas. (Não é uma delícia?) Pelo mesmo motivo, as
fraldas de crianças são chamadas cuequinhas de bebé. Atenção também para os nomes
de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo – deve-se dizer pensos.
Pasta de dente é dentífrico. Ventilador é ventoinha. E no caso gravíssimo de você ter de
tomar uma injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer porque é feio.
As maiores gafes de brasileiros em Lisboa acontecem (onde mais?) nos restaurantes,
claro. Não adianta perguntar ao gerente do hotel onde se pode beliscar alguma coisa,
porque ele achará que você está a fim de sair aplicando beliscões pela rua. Pergunte-lhe
onde se pode petiscar. Os sanduíches são particularmente enganadores: um sanduíche
de filé é chamado de prego; cachorros-quentes são simplesmente cachorros. E não se
esqueça: um cafezinho é uma bica; uma média é um galão e um chope é um imperial. E,
pelo amor de Deus, não vá se chocar quando você tentar furar uma fila e alguém gritar
lá de trás: “O gajo está a furar a bicha!” Você não sabia, mas em Portugal chama-se fila
de bicha. E não ria.
Ah, que maravilha o futebol em Portugal! Um goleiro é um guarda-redes. Só
isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam camisola encarnada, ou seja, camisa
vermelha. Gol é golo. Bola é esférico. Pênalti é pênalti. Se um jogador se contunde
em campo, o locutor diz que ele se aleijou, mesmo que se recupere com uma simples
massagem. Gramado é relvado, muito mais poético não é? [...]
Para se entender as crianças em Portugal, pedagogia não basta. É preciso traçar também
uma outra lingüística. Para começar, não se diz crianças, mas miúdos. (Não confundir
com miúdos de galinha, que lá são chamados de miudezas. Os miúdos da galinha
portuguesa são os pintos.) Quando um guri inferniza a vida do pai, este não o ameaça
com a tradicional “Dou-lhe uma coça”, mas com “Dou-te uma tareia!”, ou então com o
violentíssimo “Eu chegou-te a roupa à pele!”.
Um sujeito preguiçoso é um mandrião. Um indivíduo truculento é um matulão. Um tipo
cabeludo é um gadelhudo. Quando não se gosta de alguém, diz-se: “Não gramo aquele
gajo”. Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer: “Estou-me nas tintas”,
ou então: “Estou-me marimbando” [...] Um homem bonito, que as brasileiras chamariam
de pão, é chamado pelas portuguesas de pessegão. É uma garota de fechar o comércio
é, não sei por quê, um borrachinho.
Mas o meu pior equívoco em Portugal foi quando pifou a descarga da privada do meu
quarto de hotel e eu telefonei para a portaria: “Podem me mandar um bombeiro para
consertar a descarga da privada?” O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia
ter dito: “Ó pá, manda um canalizador para reparar o autoclisma da retrete.”
(CASTRO, Ruy. Como ser brasileiro... Viaje bem. Revista de Bordo da VASP, 8(3),
1979. In: PRESTES, Maria Luci de Mesquita. Leitura e (Re) escrita de textos: sub-
sídios teóricos e práticos para o seu ensino. São Paulo: Respel, 1999. p. 203-204).
4
Chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água Unidade
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate”
(MELO NETO, João Cabral de. Rios sem discurso. In: ANDRADE, Maria Margarida
de; MEDEIROS, João Bosco. Comunicação em Língua Portuguesa: para cursos de
jornalismo, propaganda e letras. São Paulo: Atlas, 2004. p. 237-238.).
RESUMINDO
REFERÊNCIAS
DUBOIS, Jean et. al. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1997.
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FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto:
Unidade
4
Unidade