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Capítulo

Fonologia da língua
portuguesa
2

Newton Luís Mamede

Introdução
Os conteúdos de Fonética e Fonologia constituem importante
unidade dos estudos linguísticos, assim como os de morfologia e de
sintaxe. A realidade sonora de uma língua é um dos elementos de
sua identidade. Pronunciar uma palavra é um ato que só acontece
quando o falante tem, internalizados, os elementos do sistema
fonológico do idioma que ele está falando. Essa conduta vale tanto
para a fala da língua materna quanto para a de línguas estrangeiras.

Estudar uma língua, principalmente em nível superior e científico,


como é o caso do curso de Letras, não prescinde da compreensão de
todo o sistema fonológico dessa língua, bem como de suas relações
com os outros elementos e sistemas que a constituem e identificam:
a morfologia, a sintaxe, a semântica, a estilística, entre outros. O som,
o fonema, enfim, a pronúncia é o primeiro elemento de identificação
de um idioma. E cada idioma tem o seu sistema fonológico autônomo.

Você, que está matriculado no curso de Letras, verá que o


conhecimento de Fonética e Fonologia é fundamental para
o exercício do magistério, pois o professor de Português é o
profissional que detém, cientificamente, a autoridade para orientar
e, antes de tudo, ensinar as situações de pronúncia das palavras.
Veja bem: “situações”, no plural, pois os signos linguísticos não
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apresentam apenas uma realidade sonora. Um fonema pode ser


pronunciado por mais de um som. Isso constitui as variações dos
fonemas, decorrentes de variações de região, de época, de grupo
social em que uma língua é falada.

Não estranhe o que você acabou de ler. Mais adiante, no decorrer


deste estudo, você compreenderá que “fonema” e “som” são
conceitos distintos. As nossas gramáticas tradicionais e os livros
didáticos é que misturam esses conceitos e empregam apenas o
termo “fonema”. Por isso é que é importante estudar português
com maior profundidade, com fundamento na Gramática Descritiva
e na Linguística, e não se ater apenas ao estudo pelas gramáticas
corriqueiras, como simples prepa­ração apressada de aulas.

Disso decorre um princípio fundamental nos estudos linguísticos:


língua é som, e não letra. Antropologicamente, a verdadeira
realidade de uma língua é o som, a pronúncia dos signos, e não
as letras, a escrita. Pode­-se, até mesmo, afirmar que, se língua
fosse letra, analfabeto não falaria. A letra, bem como a escrita,
são elementos que surgiram muito depois, na escala da evolução
histórica do homem. São resultados do progresso e da civilização.
Isso não elimina a importância do conheci­mento da língua escrita
e de todos os meandros de sua estrutura. To­davia, em termos
antropológicos, conforme afirmamos, a fala é que constitui,
propriamente, uma língua.

No início da transição da espécie humana para a racionalidade, a


fala foi a sua voz, no universo de sua constituição dentro do reino
animal. Enquanto os outros animais têm as suas vozes, como
berrar, mugir, miar, latir, o homem fala. Note bem: o homem fala,
e não “o homem escreve”. Portanto, a fala é muito anterior, e até
mais importante do que a escrita, na constituição de uma língua.
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Este estudo, que tem por objeto material e formal a fonologia da


língua portuguesa, ater­-se-á, tão somente, ao elemento som, e
não ao ele­mento letra. A partir de agora, serão abordados apenas
os elementos sonoros, próprios da realidade auditiva, e não os
elementos gráficos, próprios da realidade visual. Os signos que
serão apresentados aqui são os sons, e não as letras. Não se
falará da letra Z, por exemplo, mas do som /z/, que pode ser
representado, na escrita, pela letra Z, pela letra S e pela letra X.
Isso na língua portuguesa. Todavia, como o som não pode ser
reproduzido no papel, no texto escrito, a Linguís­tica utiliza­-se de
símbolos constituídos de letras e de outros sinais para representar
os sons. Mais adiante, serão apresentados esses símbolos
fonéticos.

Objetivos
Ao final deste capítulo, esperamos que você seja capaz de:
• apreender as estruturas do sistema fonológico da língua
portu­guesa;
• distinguir som de letra;
• identificar e classificar os sons e fonemas constituintes dos
signos da língua portuguesa;
• apreender a estrutura da sílaba e as situações de prosódia;
• relacionar fonologia e semântica.

Esquema
Distinção entre letra e som
Distinção entre Fonética e Fonologia
Classificação dos fonemas
Encontros vocálicos
Estrutura da sílaba
Processos fonológicos
O vocábulo fonológico e a acentuação
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2.1 Distinção entre letra e som

A distinção entre letra e som é fundamental nos estudos de Fonética e


Fonolo­gia. Para que você tenha uma noção precisa dessa distinção,
apresentaremos alguns casos que demonstram a complexidade da relação
entre letra e som.

Essa complexidade decorre do fato de que nem toda letra representa


apenas um som, e nem todo som é representado por apenas uma letra. Em
português, assim como em outros idiomas, uma única letra pode representar
mais de um som, assim como um único som pode ser representado por mais
de uma letra. A seguir, serão apresentados alguns casos (“problemas”) de
divergência entre uma letra e os sons que ela representa, e entre um som
e as letras que o repre­sentam. São casos próprios da língua portuguesa.

A afirmação de que se trata de complexidade, ou de “problemas”, refere­-se


às confusões que se fazem na escrita de algumas palavras. A ignorância da
letra correta para a escrita de determinada palavra gera os inconvenientes
e, às vezes, imperdoáveis erros de grafia, ou as agressões à ortografia.
São falhas que podem prejudicar o usuário da língua e acarretar­-lhe graves
aborrecimentos.

1) UM som e VÁRIAS letras


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2) UMA letra e VÁRIOS sons

Nos casos e exemplos citados, você viu que o mesmo som /s/ pode ser
repre­sentado por oito grafias diferentes. Observou que esse som foi escrito
com a letra S na palavra “falso” e com Ç na palavra “moço”; e que o mesmo
som /z/ foi escrito com a letra Z na palavra “fazer” e com S na palavra “casa”.
Viu, também, que a mesma letra S representou o som /s/ na palavra falso” e
o som /z/ na palavra “fase”; e que a mesma letra E representou o som aberto
/é/ em “fera”, o som fechado /ê/ em “mesa” e o som /i/ “cabe”.

Assim, você pode perceber que, algumas vezes, a letra coincide com o
som, como é o caso da letra Z e do som /z/, em “fazer”. Todavia, pode haver
diver­gência, como no caso da letra X e do som /z/, em “exame”. Sem contar
os casos de mais de uma letra para representar o mesmo som, como SS
em “missa” e SC em “crescer”, além do caso de uma “letra” extravagante,
como o Ç. Isso gera, ainda, e para piorar, os casos de palavras homófonas,
isto é, as que se escrevem com letras diferentes, mas possuem a mesma
pronúncia ou o mesmo som, como em caçar (procurar) e cassar (anular),
ou em fase (substantivo) e faze (forma do imperativo do verbo “fazer”).

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 1
Apresente a situação de dois sons representados pela letra “C”. Veja a resposta:
1) som /k/: antes das letras A, O, U: casa — /ka’za/
corpo — /ko’rpu/
culpa — /ku’Ipa/
2) som /s/: antes das letras E, I: cedo — /se’du/
cidade — /sidaidi/
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2.2 Fonética e Fonologia

A distinção entre esses termos é bastante sutil. Praticamente, em termos


gené­ricos, costuma ­se empregar ora uma forma, ora outra, quando se
refere aos aspectos sonoros no estudo de uma língua, ou até mesmo como
uma das uni­dades em que se divide a gramática: Fonética (ou Fonologia),
Morfologia e Sintaxe. Todavia, é necessário, aqui, precisar essas noções.

2.2.1 Fonética

Tradicionalmente, o termo empregado era, de fato, fonética, até o início


do século XX, quando o desenvolvimento do termo fonema sugeriu a
ampliação dos estudos fonológicos, com a Fonologia. Modernamente,
por fonética entende ­se a realização do som em si mesmo considerado,
bem como todos os mecanismos de sua produção. Esses mecanismos
decorrem do procedimento dos órgãos fonadores do corpo humano,
órgãos que não são específicos da fala, mas “aproveitados” para ela. São
os órgãos dos aparelhos respiratório e digestivo superior, os quais, na
produção dos sons da fala, constituem o que se convencionou denominar
aparelho fonador.

Do aparelho fonador fazem parte os pulmões, a laringe, a faringe, as


cavidades bucal e nasal. Por extensão, a cavidade bucal compreende
os lábios, os den­tes, os alvéolos, o palato, a língua. E, ainda, devem ser
lembrados o esôfago e a traqueia. Todos esses órgãos desempenham
funções biológicas primárias, como a respiração e a digestão, servindo
secundariamente, para a função da linguagem.

Nos mecanismos da produção dos sons da fala, desempenha papel


fundamen­tal a corrente de ar, pois é na expiração do ar que ocorre
essa produção. Ao ser expirado, o ar encontra, em sua trajetória pelos
órgãos diversas obstruções, como o atrito da língua com os dentes, na
produção do som /t/, por exemplo; ou dos dois lábios, na produção do
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som /b/; ou do lábio inferior com a arcada dentária superior, na produção


do som /f/; ou da língua com o palato duro (céu da boca), na produção
do som representado, na escrita, pelo dígrafo LH. Ainda, a passagem
do ar pode ocorrer inteiramente pela boca, na produção dos sons orais,
ou parcialmente pela boca e pela cavidade nasal, na produção dos
sons nasais. O ar pode, também, antes de ser expirado, encontrar um
fecha­mento total (oclusão) dos órgãos que se lhe interpõem pelo caminho,
ou um fechamento parcial (constrição), situações que determinaram a
classificação das consoantes em oclusivas e constritivas.

Todo o fenômeno da fonação, ou da produção dos sons da fala, resulta


numa finalidade única: a comunicação, entendido o termo como
interação entre duas pessoas, mais especificamente entre falante
(emissor) e ouvinte (receptor). Os sons são codificados, isto é, são
dotados de significados que representam o mundo no universo abstrato
da ideia, para a transmissão do pensamento. Por isso, a Fonética
considera, também, os efeitos acústicos que os sons produzem no
ouvinte. O circuito da fala, ou o processo da comunicação, é uma
interação falante­-ouvinte. Dinah Callou e Yonne Leite, em Iniciação à
Fonética e à Fo­nologia (2003, p. 15), assim expõem:
A produção dos sons é assim estudada de três
ângulos diver­sos: 1) partindo-­se do falante (da fonte)
e examinando­-se o que se passa no aparelho fonador;
2) focalizando-­se os efeitos acústicos da onda sonora
produzida pela corrente de ar em sua passagem
pelo aparelho fonador ou, então, 3) examinando-­­se a
percepção da onda sonora pelo ouvinte, isto é, o estudo
das impressões acústicas e de suas interpretações no
processo de decodificação.

Ainda são considerados dentro da Fonética os dois tipos de sons


produzidos no universo linguístico: os sons que não encontram nenhum
obstáculo à passagem da corrente de ar, as vogais; e os que encontram
um obstáculo a essa passa­gem, promovido pelo atrito de órgãos antes
da expiração, as consoantes.
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2.2.2 Fonologia

O termo passou a ser empregado, como já vimos, a partir do início do


século XX, com o desenvolvimento do conceito de fonema. Este já era
conhecido no século XIX, mas referia-­se apenas à unidade de som,
o fone ou som vocal ele­mentar, estudado em Fonética, e não a uma
unidade abstrata. Mais tarde, ainda no fim do século XIX, o termo fonema
foi considerado numa conceituação psi­cológica, e não apenas física.
Todavia, somente foi formulado com maior preci­são no século XX, nos
trabalhos do Círculo Linguístico de Praga, embora sua noção já estives­
se implícita nos estudos do linguista francês Ferdinand de Saussure, na
famosa dicotomia langue‑parole (língua­-fala).

O fonema é uma unidade da língua, de todo o sistema de código, e


o som ele­mentar, ou fone, uma unidade da fala, do ato individual de
realização da língua. Até àquela época, era comum os autores referirem­
-se ao fonema ou ao som, numa mesma acepção.

Modernamente, o termo fonema refere­-se ao elemento mínimo, ou


à unidade mínima do sistema sonoro da língua (ou de uma língua),
indivisível em unidades inferiores, embora constituído de um feixe de
traços distintivos. Essa unidade mínima constituída de um feixe de traços
tem a função de determinar e distinguir entre si os elementos lexicais
constitutivos da língua. Cada unidade do feixe, ou cada traço distintivo
é responsável pelo significado do signo. Trata-­se, portanto, de uma noção
abstrata, psicológica, da função do som. Outra vez, citamos Dinah Callou
e Yonne Leite (2003, p. 37):
O fonema é um som que, dentro de um sistema fônico
determi­nado, tem um valor diferenciador entre dois
vocábulos. A reali­zação fônica em si vai interessar à
fonética, à fonologia interessa a oposição dos sons
dentro do contexto de uma língua dada.
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Para melhor compreensão do conceito de traço distintivo, ou de feixe de


traços distintivos do fonema, vejamos alguns exemplos. Antes, devemos
informar que, nos tópicos seguintes, você terá a relação completa dos
fonemas, vogais e consoantes, bem como suas respectivas classificações
em traços distintivos.

O conceito de oposição entre os traços do fonema para diferenciar dois


vocábulos, ou mais de dois, pode ser exemplificado nos seguintes casos:
/faka/ (escrito “faca”), e /vaka/ (escrito “vaca”) são vocábulos cujos últimos
três fonemas são idênticos: /a/, /k/ e /a/. Então, o elemento diferenciador
está no primeiro fonema, que é /f/ em /faka/ e /v/ em /vaka/. Esses dois
fonemas são constituídos de quatro traços distintivos cada um: /f/ é
uma consoante constritiva, fricativa, labiodental, surda, e /v/ é uma
consoante constritiva, fricativa, labiodental, sonora. Desses quatro
traços distintivos, os três primeiros são os mesmos: ambas as consoantes
são constritivas, fricativas e labiodentais. Apenas o último traço de
cada uma des­sas consoantes é que difere e se opõe: o traço de surdo,
em /f/, e o de sonoro, em /v/. Pois bem, apenas essa oposição entre
os traços surdo/sonoro do primeiro fonema de cada vocábulo citado é
suficiente para distinguir os respectivos sig­nificados: /faka/ significa um
instrumento cortante, e /vaka/, a fêmea do touro. Não foi a totalidade dos
traços de cada fonema que foi responsável pela distinção de significados,
mas apenas um dos traços. Basta isso para que se identifique cada um
dos vocábulos. A função opositiva é, pois, a essência do fonema.

A Fonologia trata, portanto, da função distintiva do som, isto é, de


sua capacidade para distinguir vocábulos de uma língua quanto ao
significado. Esse conceito pode ampliar a noção ou o conceito de
fonema, distinto do simples som, ou fone, quanto à sua produção. Vale
dizer que um mesmo fonema pode ser realizado com mais de um som.
(Releia o terceiro e o quarto parágrafo da Introdução.)
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Exemplo: no vocábulo /Rua/, ou /rua/, o fonema inicial é o mesmo, mas


os sons que o realizam podem ser dois: /R/, que se produz no fundo
da boca, na “gar­ganta” (para usar de um termo vulgar), constituindo
o que se denomina conso­ante constritiva, vibrante, velar, sonora;
ou /r/, que se produz com a vibração múltipla da ponta da língua
nos dentes, constituindo o que se denomina conso­ante constritiva,
vibrante, linguodental múltipla, sonora. O mesmo vocábulo pode ser
pronunciado /Rua/ (som igual ao de “rr”, como em “carro”) ou /rua/ (som
igual ao de “r”, como em “vara”, mas com múltiplas vibrações, e não com
uma só.). Isso significa que o vocábulo, ou o signo, é um só: significa via
pública, qualquer que seja a pronúncia, ou o som: /R/, gutural ou velar, ou
/r/, linguoden­tal múltipla. Trata ­se, portanto, de um único fonema, embora
sejam dois sons. Um único fonema, porque não distingue vocábulos, não
distingue significados.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 2
Apresente um caso de dois sons para o mesmo (único) fonema representado
pela letra “L”, na palavra “normal”.

Veja a resposta:

/norma’l/ e /normaw’/. O som /l/ e o som /w/ são diferentes, mas o fonema
é um só, pois a mudança de som não causa mudança de significado.

2.3 Classificação dos fonemas

Conforme visto nas linhas anteriores, a distinção entre Fonética


e Fonologia é sutil. Um dos conceitos depende do outro. Por isso, a
classificação dos fonemas, quanto à relação de seus traços distintivos, é
de natureza fonética (produção dos sons), mas de finalidade fonológica
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(também dita fonêmica, na denomina­ção atribuída por alguns autores),


para a identificação e distinção de formas da língua (vocábulos). É,
portanto, uma classificação fonético‑fonológica.

Neste estudo, será utilizado, na simbologia da representação dos sons,


ou dos fonemas, o alfabeto fonético internacional – AFI, conforme a
tendência atual dos estudos linguísticos, mas com algumas variações,
já que não há uma orto­doxia entre os autores, quanto ao emprego dos
símbolos.

Para a representação do som ou do fonema na escrita, na folha de papel


ou na lousa, a convenção é colocar o seu símbolo entre barras inclinadas:
/z/, /s/, /k/ etc. Mais uma vez, convém insistir em que letra não é som. O
símbolo gráfico para o fonema é um só, mesmo que, na ortografia, ele
seja representado por mais de uma letra.

Já para a representação da vogal tônica (dentro da sílaba tônica),


adotaremos o sinal de apóstrofo ( ’ ), colocado imediatamente após essa
vogal: /ka’za/, /sa’badu/, /tatu’/. Nos casos de ditongos, o apóstrofo é
colocado após a semi­vogal: /Ray’va/ (escrito “raiva”). Alguns autores
preferem colocar o apóstrofo antes da vogal tônica: /k’aza/.

A representação da palavra pelo alfabeto fonético, com todos os


símbolos e re­cursos, recebe a denominação de transcrição fonética,
ou, em melhor denomi­nação, transcrição fonológica, ou, ainda,
transcrição fonêmica. Exemplos: “casa”: /ka’za/; “crianças amigas”: /
kriã’sazami’gas/; “mar alto”: /mara’ltu/; “caixa cheia”: /kay’∫a∫”ey’a/; “gestos
amigos”: |ζe’stuzami’gus|;“conjunto”:/kõζũ’tu/. Note que as expressões
sintagmáticas (crianças amigas, mar alto etc.) são transcritas como uma
só palavra, mantendo-se as respectivas sílabas tônicas.
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2.4 Vogais e consoantes

2.4.1 As vogais

O termo vogal designa o som produzido sem obstáculo à passagem da


corrente do ar expelido pelos pulmões. Sem obstáculo quer dizer sem
atrito de órgãos, como língua e dentes, lábio e dentes etc. O ar expelido
passa livremente, no simples abrir da boca.

Daí pode surgir um questionamento: então, o que distingue uma vogal


de outra?

A resposta depende de outros fatores que interferem na produção dos


sons vocálicos. Esses fatores denominam-­se critérios, que são: avanço
ou recuo da língua; elevação da língua; timbre; cavidades bucal e nasal;
intensidade.

Para a classificação das vogais, neste estudo, tomamos como base,


ou referên­cia, os conceitos apresentados por Joaquim Mattoso Câmara
Júnior, em Estru­tura da língua portuguesa (1970).

O ponto de partida para a classificação e o estabelecimento dos quadros


é a intensidade (vogal tônica e vogal átona). Segundo Mattoso Câmara,
o elemento ideal e de realização máxima das vogais é a posição ou
intensidade tônica. Nesta situação, existem sete vogais em português,
que se classificam quanto aos seguintes critérios:

1) Avanço ou recuo da língua

Vogal central, com a língua na posição intermediária:


/a/ – /ka’ru/
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Vogais anteriores, com a língua avançando em direção aos dentes:


/e / (= /é/) – /pe’dra/
/e/ (= /ê/) – /se’du/ (escrito “cedo”)
/i/ – /vi’da/

Vogais posteriores, com a língua recuando, em direção à garganta:


/k‫’כּ‬pu/(escrito“copo”) –(=/ó/) /ּ‫כ‬/
/o/ (= /ô/) – /ko’rpu/ (escrito “corpo”)
/u/ – /lu’ta/

2) Elevação da língua

Vogal baixa, com a boca normalmente aberta e a língua apoiada


embaixo, no “chão” da boca:
/a/

Vogais médias
Para as anteriores: com a língua se elevando, enquanto avança em
direção aos dentes, com gradual fechamento da boca:
/e / – média de 1.º grau
/e/ – média de 2.º grau

Para as posteriores: com a língua se elevando, enquanto recua em


direção à garganta, com gradual fechamento da boca:
/ּ‫כ‬/ – média de 1.ºgrau
/o/ – média de 2.º grau

Vogais altas, com a língua elevada ao máximo, com igual fechamento


da boca:
Para a anterior: /i/
Para a posterior: /u/
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Nas classificações apresentadas, estão contemplados os critérios da


intensidade, do timbre e do papel das cavidades bucal e nasal, assim
distribuídos:

a) intensidade: todas as vogais anteriormente classificadas são tônicas;


b) timbre:
abertas – /a/, /e– /, /ּ‫כ‬/
fechadas – /e/,/o/,/i/,/u/
c) papel das cavidades bucal e nasal: todas as vogais acima classifica­das
são orais (som produzido com a passagem da corrente de ar apenas pela
boca, sem a interferência da cavidade nasal).

As classificações expostas podem ser representadas em forma de um


triân­gulo, com a base votada para cima:

Em resumo, temos a seguinte classificação completa das sete vogais


orais portuguesas, em posição tônica:

Central, baixa: /a/ – /ka’bi/


Anterior, média de 1.º grau: /e/ – /le’ va/
Anterior, média de 2.º grau: /e/ – /ne’gru/
Anterior, alta: /i/ – /vi’da/
Posterior, média de 1.ºgrau: /k‫’כּ‬bra/(escrito“cobra”)
Posterior, média de 2.º grau: /o/ – /ko’rpu/ (escrito “corpo”)
Posterior, alta: /u/ – /lu’ta/
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Conforme visto, esse é o quadro das vogais para a posição tônica. Para
as posições átonas, os quadros se reduzem. Segundo o já citado Mattoso
Câmara, as classificações são as seguintes:

1) Átonas pretônicas (das sílabas que se situam antes da tônica):


cinco vogais, pois há neutralização entre as médias de 1.º e de 2.º grau,
com prejuízo (elimi­nação) das de 1.º grau. Isso significa que a oposição
fechada/aberta não existe em posição átona.

As vogais átonas pretônicas são:

Central, baixa: /a/– /sak‫’כּ‬la/


Anterior, média: /e/ – /pela’du/
Anterior, alta: /i/ – /sida’di/ (escrito “cidade”)
Posterior, média: /o/ – /toma’da/
Posterior, alta: /u/ – /bura’ku/ (escrito “buraco”)

O triângulo fica assim:


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2) Átonas postônicas (das sílabas que se situam depois da tônica). Aqui,


distinguem-­se dois grupos:

2.1) Átonas postônicas não finais: a primeira átona postônica das


palavras proparoxítonas. Segundo Mattoso Câmara, essas vogais são
quatro, pois ele não considera a posterior média /o/. Vemos tratar­-se de
engano do grande autor, pois ele tomou como base de sua descrição
linguística apenas a fala da cidade do Rio de Janeiro. Como o território da
fala portuguesa, no Brasil, é bas­tante extenso, o autor não visitou outros
lugares para sua pesquisa, por isso não registrou o fonema /o/ no quadro
das vogais átonas postônicas não finais. Essas vogais são:

Central, baixa: /a/ – /sa’badu/ (o 2.º /a/)

Anterior, média: /e/ – /se’lebri/ (escrito “célebre”)

Anterior, alta: /i/ – /te ’pidu/ (escrito “tépido”)

Posterior média: /o/ – não adotada por Mattoso Câmara, pois, segundo
ele, a realização fonética é sempre /u/. Assim, ele exemplifica /pe‘rula/
(escrito “pe­rola”), e não /pe‘rola/. Ora, sabemos que em diversos lugares
de nosso país existe a pronúncia /o/ para a palavra “pérola” e outras,
como /i‘dolu/ (escrito “ídolo”) e /filּ’zofu/ (escrito “filósofo”).

Posterior alta: /u/ – /lu‘gubri/ /filּ’zofu/ (escrito “lúgubre”). Valem, como


exemplos desta vogal, os exemplos do item anterior, como /pe‘rula/ ou
/i‘dulu/, como quer Mattoso Câmara.

O triângulo fica o mesmo das átonas pretônicas:


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2.2) Átonas postônicas finais: aqui, o quadro se reduz bastante, restando


ape­nas três vogais, que são:

Central, baixa: /a/ – /lu‘ta/

Anterior, alta: /i/ – /ka‘bi/ (escrito “cabe”); /sida‘di/ (escrito “cidade”)

Posterior, alta: /u/ – /li‘vru/ (escrito “livro”); /Ra’bu/ (escrito “rabo”)

O triângulo fica assim:

IMPORTANTE!

Agora que você viu as diferentes classificações das vogais em português,


fundamentadas em estudos sérios de eminentes linguistas, você já pode
concluir que as letras que representam os sons das vogais não equivalem,
exatamente, a esses sons. Veja o caso da letra “O”. Para citar apenas um
exemplo, a palavra “livro” tem a letra final “O”, mas o som que ela representa
é /u/ — /li’vru/. Isso você precisa compreender, convictamente, para mostrar
e ensinar aos alunos, ou a qualquer pessoa, que a letra “O” não representa
apenas o som com o timbre aberto (ó) ou com o timbre fechado (õ). Você
está vendo que o som de /u/ para essa letra é legítimo, real, correto, em
posição átona. As pessoas mal-alfabetizadas, ou as pedantes (que são
ignorantes em estudos linguísticos), é que pensam que a pronúncia /o/ é
que é a correta, e pronunciam /li’vro/, com o som final /õ/, “corrigindo” os que
pronunciam /li’vru/. Você está vendo que essa correção é indevida.

E mais: você, com certeza, já notou que muitos professores das séries
escolares iniciais “ensinam”, aos alunos, às crianças, a pronúncia com base
66 UNIUBE

na letra e afirmam, sem nenhum constrangimento, que a palavra “escuro”,


por exemplo, só deve ser pronunciada /esku’ro/, e não /isku’ru/. E capricham
na pronúncia do /ês/ e do /rõ/, falando /êsku’rõ/, ridicularizando a pronúncia
correta /isku’ru/.

É para evitar esses desvios que o estudo de fonologia, no curso de


Letras, é necessário. Veja que este assunto é uma parte extensa dos
estudos linguísticos, ou da ciência denominada Linguística.

3) Vogais nasais. Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal, as


vogais nasais são produzidas pela passagem da corrente de ar pela
boca e nariz. São em número de cinco, mantendo ­se a s classificações
baseadas nos outros cri­térios:

Central, baixa: /ã/ – /kã‘ta/ (escrito “canta”)

Anterior, média:/ẽ/–/sẽ ‘ta/ (escrito “senta”)

Anterior, alta: /ῖ/ – /sῖ ‘tu/ (escrito “sinto” ou “cinto”)

Posterior, média: /õ/ – /kõ‘tu/ (escrito “conto”)

Posterior, alta: /u/ – /asu‘tu/ (escrito “assunto”)

Todas essas vogais nasais relacionadas encontram sua realização plena


em posição tônica.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 3
Faça a transcrição fonêmica (ou fonológica, ou, ainda, fonética) e a
classificação completa das vogais da palavra “calibrado”.
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Veja a resposta:
/kalibra’du/ /a/ — vogal central, baixa, oral, átona pretônica.
/i/ — vogal anterior, alta, oral, átona pretônica.
/a/ — vogal central, baixa, oral, tônica.
/u/ — vogal posterior, alta, oral, átona postônica final.

2.5 Encontros vocálicos

Na consideração dos encontros vocálicos, surge a noção ou o conceito


de se­mivogal. Trata-se de um fonema vocálico que não constitui a
base da sílaba (no item sobre a estrutura da sílaba, você terá melhor
compreensão dessa “base”), mas fica na mesma sílaba, junto a uma
vogal. Com isso, a Linguística apresenta três ocorrências de encontros
vocálicos (duas ou mais vogais juntas, na mesma palavra, sem a
intercalação de consoantes): ditongos e tritongos (na mesma sílaba,
com a ocorrência de semivogal); e hiatos (em sílabas separadas, pois
não há ocorrência de semivogal).

Antes de apresentá-­los, convém esclarecer que o termo vogal, neste


assunto (encontros vocálicos), designa apenas a base da sílaba, que é,
sempre, uma única vogal. Portanto, toda sílaba tem apenas uma vogal.
O som vocálico que se agrega à vogal, dentro da mesma sílaba, é o
que se denomina semivogal. Como exemplos: /ay/, do vocábulo /pay/
(escrito “pai”); /aw/, do vocábulo /paw/ (escrito “pau”). Nesses ditongos,
/a/ é vogal, e /y/ e /w/ são semivogais. Con­cluindo: no vocábulo /pay/, por
exemplo, ocorrem três fonemas: uma consoante, /p/; uma vogal (apenas
uma), /a/; e uma semivogal, /y/.

As semivogais são duas, representadas, neste estudo, por /y/ (para o


som /i/) e /w/ (para o som /u/). Alguns autores adotam outros símbolos,
como /j/ para o som /i/.
68 UNIUBE

2.5.1 Ditongo

É o encontro vocálico constituído de semivogal e vogal, ou de vogal e


semivogal. Essa ordem dos fonemas determina a divisão dos ditongos
em crescentes e decrescentes, os quais também se classificam, quanto
ao papel das cavidades bucal e nasal, em ditongos orais e nasais. Como
a ocorrência de ditongos de­crescentes é maior, iniciaremos por eles a
exposição.

1) Ditongos decrescentes: vogal e semivogal. A realização plena dos ditongos


decrescentes ocorre na situação de orais. São em número de onze:

/ay/ – /pay/ (pai)

/y/ – /idεy‘a/ (ideia – /é/)

/ey/ – /fey‘a/ (feia)

/‫כּ‬y/ – /d‫כּ‬y/ (dói)

/oy/ – /doys/ (dois)

/uy/ – /fuy/ (fui)

/aw/ – /paw/ (pau)

/ew/ – /sew/ (céu)

/ew/ – /sew/ (seu)

/ow/ – /row‘pa/ (roupa)

/iw/ – /viw/ (viu)

Note que nas formas “fui” e “viu”, fonologicamente representadas /fuy/ e


/viw/, há uma inversão de sons vocálicos:
• em “fui” (/fuy/), “u” é vogal, /u/, e “i” é semivogal, /y/;
UNIUBE 69

• em “viu” (/viw/), ocorre o inverso: “i” é vogal, /i/, e “u” é semivogal, /w/.

2) Ditongos crescentes: semivogal e vogal. Também na situação de orais,


ocor­rem em posição inversa à dos decrescentes. Exemplos:

/ya/ – /gl‫‘כּ‬rya/ (glória)

/ye/ – /se‘rye/ (série)

/yu/ – /li‘ryu/ (lírio)

/wa/ – /a‘gwa/ (água)

/we/ – /a‘gwe/ (águe, forma do verbo “aguar”)

/wu/ – /va‘kwu/ (vácuo)

Os ditongos /ye/ e /we/ podem ter, também, a pronúncia /i/ para a vogal
/e/, ficando /yi/, como em /se‘ryi/ (“série”) e /wi/, como em /a‘gwi/ (“águe”).

Outra propriedade dos ditongos crescentes é a possibilidade de se


realizarem como hiatos, numa fala pausada ou lenta:

/li‘ryu/ (duas sílabas, ditongo /yu/ – o /y/ é semivogal); ou

/li‘riu/ (três silabas, hiato /i–u/ – o /i/ é vogal).

/a‘gwa/ (duas sílabas, ditongo /wa/ – o /w/ é semivogal); ou

/a‘gua/ (três sílabas, hiato /u–a/ – o /u/ é vogal).

3) Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal, ocorrem, também, os


ditongos nasais:

Decrescentes: /ãy/ – /mãy/ (mãe)


70 UNIUBE

/ẽy/ –/tẽy/(tem)

/õy/ – /põy/ (põe)

/ῦy/ – /mῦy‘tu/ (muito)

/ãw/ – /mãw/ (mão)

Crescente: /wã/ – /kwãtu/ (quanto)

2.5.2 Tritongo

Trata­-se do encontro vocálico constituído de semivogal, vogal e semivogal.


Os tritongos são:

Oral: /way/ – /igways/ (iguais)

Nasais: /wãw/ – /sagwãw/ (saguão) /wõy/ – /sagwõys/ (saguões)

Aqui vale uma importante observação. As nossas gramáticas tradicionais


não mencionam (nem explicam) os casos em que, na sequência, ocorre
vogal, semi­vogal e vogal, como em maio, feia, comboio. Como são duas
vogais, são, portanto, duas sílabas, já que a estrutura da sílaba é de
apenas uma vogal. Então, que tipo de encontro vocálico ocorre? Na
verdade, são dois ditongos: um decrescente e outro crescente, ficando
assim a palavra e sua respectiva divisão silábica:

maio: /mayu/ – /may-­yu/: ditongo decrescente /ay/ e o crescente /yu/.

feia: /feya/ – /fey­-ya/: ditongo decrescente /ey/ e o crescente /ya/.

comboio: /kõboyu/ – /kõ-­boy-­yu/: ditongo decrescente /ou/ e o cres­cente /yu/.

Esse “deslizamento” da semivogal /y/, pronunciada com maior duração,


como se fossem duas, recebe o nome técnico, em Linguística, de glide.
UNIUBE 71

IMPORTANTE!

Como as gramáticas tradicionais expõem o assunto encontros vocálicos


apenas sob o aspecto gráfico (da escrita), e não fonológico (do som, da
pronúncia), elas, erroneamente, “ensinam” que se trata, no caso da palavra
“maio”, por exemplo, de um ditongo (ai) e um hiato (i-o). O disparate está
no fato de ser o “i” uma semivogal, e, no hiato, como veremos a seguir, não
ocorre semivogal, mas apenas vogais.

Na compreensão dos conceitos de ditongo e tritongo, convém insistir


no fato de que se trata de assunto pertinente à fonologia, e não à grafia
(escrita). Então, não são as letras que constituem os encontros vocálicos,
mas os sons. Nos casos de duas letras para representar apenas um som
(os dígrafos), não ocorrem ditongos ou tritongos. Exemplos: “que”: /ke/;
“quero”: /ke’ru/; “guerra”: /ge‘Ra/; “quilo”: /ki‘lu/. Nessas palavras, a letra
“u” não é som, não é o som /u/. Assim, não é semivogal, não ocorrendo,
portanto, os encontros vocálicos “ue” e “ui” (observe as respectivas
transcrições fonéticas). A letra “u” forma, com as letras “q” e “g”, um único
fonema consonantal, respectivamente: “qu”: /k/; “gu”: /g/.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 4
Faça a transcrição fonológica da forma verbal “pequei” e informe o encontro
vocálico que ela contém.

Veja a resposta:
/pekey’/ — ditongo decrescente oral /ey/. Veja bem: é ditongo, e não tritongo,
pois a letra “U” não é som, não é fonema. Ela apenas forma dígrafo com a
letra “O”.
72 UNIUBE

2.5.3 Hiato

É um encontro vocálico fácil de ser percebido. Trata ­se do encontro de


duas vogais. Veja bem: duas vogais. Não ocorre, portanto, semivogal,
conforme vi­mos. E mais: se são duas vogais, então são duas sílabas.

Exemplos:

/i­a/ – /ia‘tu/ (hiato): sílaba /i/ mais a sílaba /a/

/a­i/ – /sai‘da/ (saída): sílaba /sa/ mais a sílaba /i/

/o­e / – /poe‘ta/ (poeta): sílaba /po/ mais a sílaba / e /

/u­a/ – /Ru‘a/ (rua): sílaba /Ru/ mais a sílaba /a/

/a­u/ – /sau‘di/ (saúde): sílaba /as/ mais a sílaba /u/

2.6 As consoantes

O termo consoante designa o som produzido com obstáculo à passagem


da corrente de ar: lábio e lábio, lábio e dentes, língua e dentes etc. Por
isso, trata-­­se de um som que não pode ser produzido sozinho, mas
apenas com uma vogal. Daí o nome consoante (soante com outro
som). Esse “outro” som é, evidentemente, a vogal.

O estudo das consoantes é mais simples do que o das vogais, embora a


quan­tidade seja maior: 19 consoantes. Para sua classificação, observam-­
se os se­guintes critérios:

1) modo de articulação
2) ponto de articulação
3) papel das cordas vocais
4) papel das cavidades bucal e nasal
UNIUBE 73

Todas as consoantes incluem­-se nesses quatro critérios. Então elas


(as 19) serão apresentadas quatro vezes. Ao final, apresentaremos o
conjunto, isto é, cada consoante classificada nos quatro critérios.

2.6.1 Quanto ao modo de articulação

Oclusivas: /p/, /b/, /t/, /d/, /k/, /g/


Constritivas: – fricativas: /f/, /v/, /s/, /z/, / ∫/, /ζ /
– vibrantes: /r/, /R/
– laterais: IlI, /λ/
– nasais: ImI, InI, IηI

O termo “oclusiva” significa o fechamento total à passagem da corrente


de ar, antes de ele ser expelido. Constritiva significa um fechamento
parcial, ou uma constrição dos órgãos fonadores, no momento da
passagem da corrente de ar. Nas constritivas, há subdivisões:

• fricativa: fricção de um órgão em outro;


• vibrante: vibração da língua;
• lateral: o ar sai pelos lados da língua, quando ela se eleva;
• nasais: o ar sai pela boca e pelo nariz.

Veja a explicação a respeito de alguns símbolos, convencionalmente


utilizados no AFI (embora não ortodoxamente):

/∫/ – corresponde ao som da letra “x”, como em: lixo, xadrez, chave.

/ζ/ – corresponde ao som da letra “j”, como em: já, hoje, gesto, giz.

/λ/ – corresponde ao som do dígrafo “lh”: molhar, folha, filho.

/η/ – corresponde ao som do dígrafo “nh”: minha, fronha, ninho.


74 UNIUBE

/g/ – corresponde ao som da letra “g”, antes de a, o, u, como em: gato,


gola, gula.

/r/ – corresponde ao som da letra “r” branda, como em: mora, furo, duro.

/R/– corresponde ao som da letra “r” forte, produzida na garganta,


como em: roda, rua, murro, farra, honra.

2.6.2 Quanto ao ponto de articulação

Trata-­se da classificação conforme os órgãos responsáveis pela produção


do som:

Bilabiais: /p/, /b/, /m/

Linguodentais: /t/, /d/, /r/, /l/, /n/

Velares: /k/, /g/, /R/

Labiodentais: /f/, /v/

Alveolares: /s/, /z/

Palatais: /∫/, /ζ/, /λ/, /η/

2.6.3 Quanto ao papel das cordas vocais

Na verdade, as cordas vocais não são fios, ou “cordas”, mas duas


membranas. Quando estão separadas (como as duas bandas de uma
porta), o ar passa livremente e elas não vibram: ocorrem as consoantes
surdas. Quando elas se unem, ou se “fecham”, o ar, ao passar por elas,
provoca uma vibração: produ­zem as consoantes sonoras. São seis
surdas e treze sonoras.

Surdas: /p/, /t/, /k/, /f/, /s/, /∫/


Sonoras: /b/, /d/, /g/, /v/, /z/, /ζ /, /r/, /R/, /l/, /λ/, /m/, /n/, /η/
UNIUBE 75

2.6.4 Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal

São dezesseis orais e três nasais.

Orais: /p/, /b/, /t/, /d/, /f/, /v/, /k/, /g/, /s/, /z/, /∫/, /ζ /, /l/, /λ/, /r/, /R/

Nasais: /m/, /n/, /η/


76 UNIUBE

As três últimas consoantes, /m/, /n/, /η/, apresentam a classificação de


nasal duas vezes: uma para o critério modo de articulação – constritiva
nasal; outra, para o critério papel das cavidades bucal e nasal – nasal.

Os exemplos de ocorrência ilustram o emprego das consoantes.

Todavia, são necessários alguns esclarecimentos sobre o valor e a


realização fônica das consoantes na palavra ou entre palavras da frase.
O fonema /s/ realiza ­se como /s/ nos exemplos citados e em final de
palavra, diante de pausa: /ka’zas/, mas transforma ­se em /z/ no final de
uma palavra e antes de outra que se inicia por vogal: “casas amarelas” –
/kazazamare’las/. O “s” final de “casas” realizou ­se como /z/. Já no interior
de palavra ou entre uma palavra e outra dentro do mesmo sintagma,
ele se realiza como /s/ (alveolar surda) diante de consoante surda: /
fe‘sta/, /asti‘as/ (escrito “as tias”), e como /z/ (al­veolar sonora) diante de
consoante sonora: /Razga‘r/, /uzdi‘as/ (escrito “os dias”).

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 5
Faça a transcrição fonológica da palavra “escândalo” e a classificação
completa das respectivas consoantes.

Veja a resposta: /iskã’dalu/


/s/ — constritiva fricativa, alveolar, surda, oral

/k/ — oclusiva, velar, surda, oral

/d/ — oclusiva, linguodental, sonora, oral

/I/ — constritiva lateral, linguodental, sonora, oral

Atenção: a letra “n”, nesta palavra, não é consoante, não é som consonantal.
Seu papel é apenas nasalizar a vogal anterior, da sílaba “cân”, transcrita /kã/.
UNIUBE 77

Alofones
Outra ocorrência que merece destaque são os alofones, assim
denominadas as alterações de um mesmo fonema. Aqui se torna nítida
a dis­tinção entre fonema e som. Os alofones são mais de um som para
o mesmo fonema. Exemplo evidente é a realização do fonema /s/ em
algumas regiões do Brasil e em Portugal. Esse fonema tem o som /s/
(alveolar), em /fe‘sta/, em várias regiões do Brasil, e o som /∫/ (palatal) na
mesma palavra, /fe‘∫ta/, no Rio de Janeiro e na Bahia, por exemplo. Como
essa diferença de som não acarreta distinção de significados, não se
trata, então, de dois fonemas, mas apenas de dois sons (alofones) para o
mesmo fonema. Não são dois fonemas porque não são dois significados.
A palavra “festa” é a mesma, com o mesmo signifi­cado, mas com duas
pronúncias, ou dois sons representados, na escrita, pela letra “s”.

Outro caso de alofonia ocorre com o fonema representado pela letra “r”
posvo­cálica (em final de sílaba). É o caso da palavra “porta”. Em várias
regiões, como no sul de Minas Gerais e no interior de São Paulo, o “r” da
primeira sílaba realiza‑se como vibrante linguodental /r/: /p‫‘כּ‬r‑ta/, e em
outras regiões, como no Rio de Janeiro e na Bahia, o mesmo “r” realiza­-
se como /R/, igual ao de “carro”: /p‫‘ כּ‬R‑ta/.

χ
Aqui vale lembrar que alguns autores adotam o símbolo / / para essa
realização do “r” posvocálico, ficando assim transcrita a palavra “porta”:
χ
/p‫ ‘כּ‬ta/.

Veja que é mais um caso de alofonia. Aliás, dois casos. As consoantes


/t/ e /d/, classificadas aqui, quanto ao ponto de articulação, como
linguodentais (pro­nunciadas com a ponta da língua tocando os dentes
superiores), são realizadas ou produzidas, em grande parte do território
brasileiro, como palatais (a língua tocando o palato duro, ou “céu da
boca”) diante de /i/. Exemplos:

Tia: /ti‘a/ – /t/ linguodental, como pronunciada, por exemplo, na cidade


de São Paulo.
78 UNIUBE

/t∫i‘a/ – /t∫/ palatal, mistura de /t/ com /∫/, como pronunciada no interior do
País, por exemplo, em Minas Gerais.

Dia: /di‘a/ – /d/ linguodental (/d/ “paulistano”)

/d ζ i‘a/ – /d ζ / palatal, mistura de /d/ com / ζ / (/d/ “mineiro”)

2.7 Estrutura da sílaba

Sílaba é o som ou conjunto de sons que é expelido numa só emissão do


ar. Se for apenas um som, trata-­se de uma vogal; sendo um conjunto,
pode ser asso­ciação de consoante e vogal ou de vogal e semivogal.

Disso decorre um princípio fundamental em Linguística: a base da sílaba


é a vogal. Então, uma sílaba tem apenas uma vogal. Ela é que garante
a existên­cia de uma sílaba. Portanto, uma palavra tem tantas sílabas
quantas as vogais que ela apresenta. Veja bem: estamos tratando de
vogal, e não de semivogal.

As ocorrências de sílaba constituída apenas de vogal ou de associação


de vogal e outro som (consoante, semivogal) determinam os tipos de
sílabas quanto a sua estrutura, conforme veremos adiante. A classificação
aqui exposta fundamenta­-se em Mattoso Câmara, conforme bibliografia
informada. Se a sílaba termina em vogal, trata-­se de sílaba aberta ou
livre; se termina em consoante, a sílaba é fechada ou travada. Se a
sílaba é constituída apenas de vogal, denomina-­se simples; se contém
vogal e consoante, denomina-­se complexa. Nesta última, se termina em
vogal, a sílaba é crescente; se termina em conso­ante, é decrescente.
Para a descrição dos tipos de sílabas, convenciona­-se representar a
vogal por V e a consoante por C.
UNIUBE 79

2.7.1 Tipos de sílabas

Quanto à estrutura, as sílabas apresentam as seguintes principais


constitui­ções:

1) Vogal – V: /a‘­gwa/ (água). /a/: V, sílaba simples, aberta ou livre.

2) Consoante e vogal – CV: /ka­va‘­lu/ (cavalo). As três sílabas têm a


mesma estrutura, CV, sendo, pois, complexas, crescentes, abertas ou
livres.

3) Vogal e consoante – VC: /a‘l­tu/ (alto). /al/: VC, sílaba complexa,


decrescente, fechada ou travada.

4) Consoante, vogal, consoante – CVC: /pa‘r­tu/ (parto). /par/: CVC, sílaba


complexa, crescente-decrescente, fechada ou travada.

5) Consoante, consoante, vogal – CCV: /pra‘­tu/ (prato). /pra/: CCV, sílaba


com­plexa, crescente, aberta ou livre.

6) Consoante, vogal, semivogal – CV(V): /kay‘­bru/ (caibro). /kay/: CV(V),


sílaba complexa, decrescente, fechada ou travada. Embora a semivogal
seja de natureza vocálica, e não consonantal, ela é considerada elemento
decres­cente, como a consoante, pois não é a base da sílaba. Portanto,
a semivogal fecha ou trava a sílaba. O assunto é polêmico entre os
próprios linguistas. Joaquim Mattoso Câmara Júnior, em Problemas de
Linguística Descritiva (1969), adota esta interpretação. O mesmo ocorre
com Eunice Pontes, em Estrutura do verbo no português coloquial
(1972). A autora ainda repre­senta a semivogal com C (consoante),
ficando assim a representação da sílaba /kay/, do exemplo acima: CVC.

Encerramos, aqui, a lista, mas podem ocorrer outras estruturas. Foram


apre­sentadas as mais frequentes.
80 UNIUBE

Outro fato que merece atenção para o entendimento da estrutura da


sílaba é o caso das consoantes que, na escrita, não estão acompanhadas
de vogal, mas esta existe como som, é pronunciada. Erroneamente,
nossas gramáticas e livros didáticos as denominam “consoantes mudas”.
Ora, em Fonologia, não existe consoante “muda”. Se ela é pronunciada,
não é “muda”. E a vogal que a torna pronunciada existe como som: é a
vogal /i/.

O fato ocorre em palavras do tipo “rapto”, “afta”, “pacto”, “designo”. Em


todas elas, as consoantes P, F, C e G constituem sílabas autônomas,
individuais, em Fonética. As três primeiras palavras possuem três
sílabas cada uma, e a quarta possui quatro sílabas fonéticas. E todas
são proparoxítonas. Eis as respectivas representações em transcrição
fonológica:

Rapto: /Ra‘­pi­tu/. Três sílabas: /pi/ é sílaba autônoma, /Ra/ é a tônica.

Afta: /a‘­fi­ta/. Três sílabas: /fi/ é sílaba autônoma, /a/ é a tônica.

Pacto: /pa‘­ki­tu/. Três sílabas: /ki/ é sílaba autônoma, /pa/ é a tônica.

Designo: /de­zi‘­gi­nu/. Quatro sílabas: /gi/ é sílaba autônoma, /zi/ é a tônica.

Essas palavras possuem diferente delimitação das sílabas, pois as


consoantes P, F, C e G não constituem sílabas autônomas, isoladas, na
escrita. Então, elas têm, na escrita, uma sílaba a menos, ficando assim:
rap­to, af­ta, pac­to (duas sílabas gráficas, e não três); de­sig­no (três sílabas
gráficas, e não quatro). Há, desse modo, um desencontro:

• na escrita, são paroxítonas, e as três primeiras palavras são


dissílabas, e a quarta é trissílaba;
• na fonética, são proparoxítonas, e as três primeiras palavras são
trissílabas, e a quarta é tetrassílaba.
UNIUBE 81

Uma grande curiosidade resultante deste fato é a ocorrência, em


Fonética, de palavra com a sílaba tônica anterior à antepenúltima,
pronunciando-­se como “pré-­proparoxítona” ou biesdrúxula – conforme
denominação empregada tradicionalmente nas gramáticas. É o que
ocorre, por exemplo, na palavra “téc­nica”, que, na escrita, possui três
sílabas e é proparoxítona (téc­ni­ca), mas, na fonética, ou na pronúncia
(no som), possui quatro sílabas e é “pré-proparoxítona” ou biesdrúxula,
ficando assim sua transcrição fonética e respectiva divisão silá­bica: /te‘­ki
­ni ­ka/. Note que a sílaba tônica /te‘/ é a “pré-antepenúltima”.

Outro exemplo: “autóctone”. Na escrita: au­-tóc-­to-­ne; na pronúncia e em


transcrição fonética: /aw‑t‫­‘כּ‬ki ­to n
­ i/.

2.8 Processos fonológicos

São por demais conhecidos os conceitos de que a língua é dinâmica,


no tempo e no espaço, e de que ela sofre constantes mutações. O fato
de estar em uso constante pelos falantes faz com que ela se realize de
mais de uma forma ou maneira, por exemplo, na mesma região, mas
por diferentes classes sociais; ou na mesma época, mas em diferentes
regiões; ou na mesma região, mas em diferentes épocas. Sem contar,
evidentemente, sua evolução (transformações) através dos tempos, no
seu processo de formação, como ocorreu com a trans­formação do latim
nas línguas românicas. Essas modificações são determinadas por fatores
fonéticos, morfológicos e sintáticos. E, ainda, outros aspectos inter­ferem
nesses fatores, como a entoação da voz, ou da fala, e a velocidade da
elocução. Nestes últimos, ainda existe um terceiro, o famoso sotaque.
82 UNIUBE

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 6
Tente identificar as variações linguísticas que ocorrem nas seguintes
situações, mencionadas no parágrafo anterior:

1) na mesma região, mas por diferentes classes sociais;


2) na mesma época, mas em diferentes regiões;
3) na mesma região, mas em diferentes épocas. Veja a resposta:
1) mesma região: Uberaba; classes sociais: universitários, operários,
semianalfabetos.
2) mesma época: esta década; regiões: Portugal, Brasil, Nordeste do
Brasil, interior de São Paulo.
3) mesma região: Brasil; épocas: século XVI, século XVIII, início do
século XX, final do século XX.

Tais fatores e aspectos constituem o universo de uma língua, e, no


fator fonético, surgem os processos fonológicos, como os metaplasmos
aférese, síncope, apócope etc. (Veja a relação dos metaplasmos
no capítulo “Formação histórica da língua portuguesa”), bem como
ainda, outros processos, dos quais, neste estudo, destacamos três: a
nasalização vocálica, a harmonização vocálica e o acento.

2.8.1 Nasalização vocálica

Antes de entrarmos no assunto propriamente dito, é necessário um


esclareci­mento. Essa nasalização vocálica de que vamos tratar é
um fenômeno fonético que não ocorre em todas as línguas românicas.
Constitui um caso particular do português, pois o próprio latim, e mais
o francês e o italiano, não apresentam esse traço linguístico. E mesmo
o português não o apresenta em todos os lu­gares e regiões em que é
falado.
UNIUBE 83

RELEMBRANDO

Atenção: neste momento, convém que você recorde o quadro das vogais
nasais, apresentado neste capítulo.

1) Esse tipo de nasalidade (nasalização vocálica, como processo


fonológico) não é o mesmo da vogal nasal propriamente dita, isto é,
aquela que tem a nasalidade como elemento fonológico, como traço
distintivo de significado. Esta, sim, é a vogal realmente nasal, como
nas palavras /ka’ta/ (com a vogal tônica /a/, oral), escrita “cata”, forma
do verbo “catar” = pegar, apanhar algo, e /kã’ta/ (com a vogal tônica
/ã/, nasal), escrita “canta”, forma do verbo “cantar” = modu­lar melodia
pela voz. Os signos /ka’ta/ e /kã’ta/ possuem, como traço distintivo
de significado, apenas a nasalidade da vogal tônica, em oposição ao
traço de oralidade. Basta apenas essa distinção para tornar distintos os
significados dos dois signos. Esta é a nasalidade realmente fonológica
ou fonêmica.

Você está lembrado das noções de traços distintivos dos fonemas? Sim?
Ótimo, então vamos adiante.

2) Já a nasalidade aqui tratada como processo fonológico é diferente. É


a na­salização de uma vogal por contiguidade (proximidade) com uma
consoante nasal da sílaba seguinte, /m/, /n/ ou /ŋ/. Veja os seguintes
casos:

/kama/ (escrito “cama”)


/kana/ (escrito “cana”)
/maŋa/ (escrito “manha”)

Tomando como exemplo apenas a primeira dessas palavras, temos a


seguinte divisão silábica: /ka’‑ma/ (na escrita: ca­ma).
84 UNIUBE

A pronúncia dessa palavra, em português, é /kã’‑ma/. A sílaba /kã/ é


pronunciada com o som nasal por estar sua vogal próxima à consoante
nasal /m/ da sílaba seguinte. Essa proximidade fez a consoante nasal
contaminar a vogal precedente e torná­-la, também, nasal. Por isso
pronunciamos /kã’ma/, e não /ká’­ma/, com o timbre aberto.

Assim também ocorre nos dois exemplos seguintes:

/kã’‑na/ – pronúncia /kã’na/, e não /ká’na/.


/mã’‑ŋa/ – pronúncia /mã’ŋa/, e não /má’ŋa/.

3) Note que essa nasalidade da vogal /a/ não é distintiva. Se alguém,


por sofisti­cação, pronunciar /ká’ma/, não vai modificar o significado em
relação à pronúncia /kã’ma/. Isto é, a palavra, o signo, com as duas
pronúncias, continuará significando “móvel usado para dormir”. Fato que
não acontece com as formas /ka’ta/ e /kã’ta/, que possuem significados
diferentes pelo simples fato de terem vogal oral (/a/) e nasal (/ã/),
respectivamente.

O mesmo, também, pode-­se dizer das palavras /kã’na/ (cana) e /mã’ŋa/


(manha). Se alguém pronunciar /ká’na/ ou /má’ŋa/, com o timbre aberto
/á/, não vai alterar o significado desses dois signos. O primeiro, com as
duas pronúncias, continu­ará significando um tipo de “vegetal do qual se
fabrica o açúcar”, e o segundo, “afetação”, “birra”, “estado de manhoso”.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 7
Uma vez que você já percebeu a distinção entre vogal nasal propriamente
dita (a de valor fonológico, a que distingue significados) e o processo de
nasalização vocálica (que não distingue significados), identifique essas duas
situações nas seguintes palavras (ou nos seguintes signos):
UNIUBE 85

Imã’tu/ (escrito “manto”) /Rã’mu/ (escrito “ramo”) Qual das duas apresenta
o processo de nasalização vocálica? Por quê?

Veja a resposta: /Rã’mu/, porque a nasalidade da vogal /ã/ não é fonológica,


ou seja, não distingue significado em oposição a sua oralidade. Se alguém
pronunciar /Rá’mul, com o timbre aberto /á/, a palavra continua com o
mesmo significado. Isso já não ocorre com /mã’tu/, que significa um tipo
de vestimenta, enquanto a palavra /ma’tu/ (vogal lal não nasal) significa um
tipo de vegetação.

Conforme dito anteriormente, essa nasalização não ocorre em todas as


línguas. Enquanto um falante de língua portuguesa pronuncia “/italiã’nu/”,
com a vogal “a” nasal: /ã/, um falante de língua italiana pronuncia, por
exemplo: “/italiá’nu/”, com a vogal “a” aberta: /á/.

Assim também um falante de língua francesa. A palavra “Champagne”,


por exemplo, é pronunciada, em francês, assim: “/∫ãpá’ŋi/”, com a vogal
tônica “a” aberta: /á/. Um falante de língua portuguesa já pronuncia
“/∫ãpã’ŋi/”, com a vogal tônica “a” nasal: /ã/.

4) Essa nasalidade, ou nasalização vocálica, ocorre também nos


ditongos, mas não de maneira uniforme. O mesmo ditongo é pronunciado
das duas formas, isto é, com o som nasal ou com o timbre aberto, nas
diferentes regiões de fala de língua portuguesa, no Brasil, ou, ainda pelo
mesmo falante, mas em palavras diferentes. Citemos dois casos: o nome
do estado brasileiro Roraima, e a pa­lavra andaime, estrado para suporte
em construções civis.

Em alguns lugares do Brasil, a pronúncia do nome Roraima é /Roráy’ma/,


com o timbre da vogal do ditongo “a” aberto: /áy/. Em outros, a pronúncia
é /Rorãy’ma/, com o som da vogal “a” nasal: /ãy/. Trata-se de pronúncia
86 UNIUBE

totalmente legítima, pois a vogal “a” do ditongo /ay/ foi contaminada pela
consoante /m/, nasal, da sílaba seguinte. As diferenças de pronúncia, /
ay/ ou /ãy/, decorrem apenas de variações linguísticas de cunho regional
ou social.

Já a palavra andaime é pronunciada sempre /ãdãy’mi/, com a vogal


“a” do di­tongo com o som nasal: /ãy/. Mesmo em regiões do Nordeste
brasileiro, a mesma pessoa que fala /Roráy’ma/ fala /ãdãy’mi/, e não /
ãdáy’mi/.

CURIOSIDADE

Você já viu pessoas pronunciarem o nome próprio masculino “Jaime”?

Conforme a região ou o registro pessoal do falante, a pronúncia ocorre com


a nasalização vocálica que estamos estudando, saindo assim: gãy’mi/ (veja
bem: com a vogal tônica nasal, /ã/). Já noutras regiões e com outro registro
pessoal do falante, a pronúncia é feita sem essa nasalização vocálica, saindo
assim: /áymi/, com a vogal tônica oral, com o timbre aberto, /á/.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 8
Seguindo a curiosidade apresentada a respeito da pronúncia do nome
próprio “Jaime”, transcreva foneticamente as duas pronúncias (com e sem
a nasalização vocálica) do nome próprio feminino “Elaine”.

Veja a resposta:
1) /elãy’ni/ — com nasalização vocálica (região Centro-Sul do Brasil);
2) /eláy’ni/ — sem nasalização vocálica (região Nordeste do Brasil).
UNIUBE 87

Mais uma vez, sinta, veja, entenda a necessidade de um professor de


Português estudar fonologia. Os padrões de pronúncia não são únicos.
O mesmo fonema pode apresentar realizações sonoras diferentes (são
os alofones, ou as variações do mesmo fonema; reveja o conceito de
alofone neste capítulo, ao final da apresentação do quadro completo das
consoantes). O conhecimento deste assunto torna o professor apto a mostrar
aos alunos que não existe apenas uma única pronúncia correta para os
fonemas. Uma pronúncia do Nordeste brasileiro é tão correta quanto uma
do Rio de Janeiro. Por isso, é uma tolice pretender que apenas a pronúncia
de São Paulo, por exemplo, seja a correta, ou a pronúncia-­padrão.

5) A variação fonética, timbre aberto ou som nasal, desse tipo de ditongo não
é determinante como regra de pronúncia. Veja as palavras “paina” (produto
da paineira, conhecida árvore brasileira) e “fauna” (substantivo coletivo para
ani­mais de uma região). Ambas apresentam a mesma situação de vogal do
ditongo antes de consoante nasal da sílaba seguinte, mas não possuem a
mesma pronúncia.

Uma é proferida sempre, em todas as regiões brasileiras e por todos os


falantes, com o som da vogal “a” nasal: /pãy’na/. Ninguém fala /páyna/. Já
a segunda é proferida sempre, também em todas as regiões brasileiras e
por todos os falan­tes, com o timbre da vogal “a” aberto: /fáw’na/. Ninguém
pronuncia /fãwna/. Portanto, não se trata de uma “regra” fonética. O hábito
da sociedade falante é que consagrou as duas pronúncias.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 9
Tente identificar outros casos (outras palavras) de seu conhecimento, de uso
diário, em que ocorre a nasalização vocálica no ditongo /ay/. Force a sua
memória, que você os encontrará.
88 UNIUBE

Veja a resposta: além dos casos já citados (Roraima, Jaime, Elaine, paina),
podem ser lembrados:

1) faina (transcrito /fãy’na/) = serviço a bordo, lida, qualquer trabalho diário;


2) Elaino (transcrito /elãy’nu) = nome próprio masculino.

6) A nasalização aqui tratada, como já dito, não é um traço universal


em todas as realizações ou manifestações da língua portuguesa. No
Brasil e em Portugal, por exemplo, as ocorrências não são as mesmas.
A oposição “aberto/nasal” não caracteriza uma norma ou regra. O próprio
acordo ortográfico recentemente adotado (que entrou em vigor em 2009,
tornando­-se obrigatório a partir de 2013) autoriza a acentuação dupla,
como em “fenômeno” ou “fenómeno”, para o Bra­sil e para Portugal,
respectivamente. O acento circunflexo, no caso do Brasil, indica a
tendência para a nasalidade, que se aproxima do timbre fechado:
/fenõ’menu/.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 10
Seguindo o procedimento apresentado para a palavra “fenômeno”,
transcreva foneticamente as duas pronúncias, a brasileira e a lusitana (isto
é, de Portugal) para as seguintes palavras: tênis e bônus.

Lembre-se: o acordo ortográfico atual (oficializado no final de 2008) autoriza


as duas grafias, com o acento circunflexo (A) e com o acento agudo (“).
Exemplos:
académico (para o Brasil) — /akadê’miku/
académico (para Portugal) — /akadε’miku/
anatômico (para o Brasil) — /anatõ’miku/
anatómico (para Portugal) — /anab’miku/
UNIUBE 89

Faça o mesmo para “tênis” e “bônus”.

Veja a resposta:
tênis (para o Brasil) — /tè’nis/
ténis (para Portugal) — /te’nis/

bônus (para o Brasil) — /bõ’nus/


bónus (para Portugal) — /ID’nus/

Agora, esta, poucas pessoas conhecem: o mesmo se pode afirmar para


o timbre da vogal “a” dos verbos da 1.ª conjugação, na oposição entre o
presente e o pretérito perfeito do indicativo, na 1.ª pessoa do plural. No
Brasil, para ambos os tempos, pronuncia-se a vogal tônica com o som
nasal: /amã’mus/, para “amamos” (no presente ou no pretérito perfeito).
Já em Portugal, a forma “ama­mos” é pronunciada /amã’mus/ (/ã/), para
o presente do indicativo, e /amá’mus/ (/á/), para o pretérito perfeito. No
Brasil, raríssimas pessoas adotam essas pro­núncias distintas. Você sabia
que isso existe?

Veja outros exemplos para a pronúncia lusitana:

estudamos: /istudã’mus/ – presente do indicativo (estudamos hoje)


/istudá’mus/ – pretérito perfeito do indicativo (estudamos ontem)
cantamos: /kãtã’mus/ – presente do indicativo (cantamos agora)
/kãtá’mus/ – pretérito perfeito do indicativo (cantamos ontem)

Como bem afirma o respeitado linguista brasileiro Joaquim Mattoso


Câmara Júnior (1970, p. 32):
No Brasil essa mesma oposição aparece esporadi-
camente. Mas não corresponde sequer a um registro
formal bem deter­minado e firme; é inconsistente nos
próprios indivíduos que uma ou outra vez timbram em
fazê­-la.
90 UNIUBE

7) Algumas palavras em que ocorre esta nasalização vocálica (vogal


nasal por contaminação com a consoante nasal da sílaba seguinte):

/semã’na/ – (semana) – e não /semána/


/pã’nu/ – (pano) – e não /pánu/
/piã’nu/ – (piano) – e não /piánu/
/rẽ’mu/ – (remo) – e não /rému/
/amẽ’nu/ – (ameno) – e não /aménu/
/lẽ’ŋa/ – (lenha) – e não /léŋa/
/sõ’nu/ – (sono) – e não /sónu/
/Rõ’ma/ – (Roma) – e não /Róma/
/arõ’ma/ – (aroma) – e não /aróma/

2.8.2 Harmonização vocálica

É outro processo fonológico marcante da fala portuguesa, tanto lusitana


quanto brasileira. Para a compreensão desse fenômeno, recorde os
quadros de classificação das vogais, neste capítulo, com as devidas
terminologias: vogais altas anteriores e posteriores, vogais médias
anteriores e posteriores.

1) Harmonização vocálica é o nivelamento de vogais que ocorre pela


tendên­cia a harmonizar a altura da vogal átona pretônica com a da vogal
tônica. Entenda-­se o termo “altura” como referente às vogais altas:

/i/ – anterior alta


/u/ – posterior alta

A harmonização vocálica é o fato de a vogal média da sílaba átona


pretônica, /e/ ou /o/, transformar-­se na vogal tônica alta correspondente,
/i/ ou /u/, respec­tivamente. Assim:
UNIUBE 91

• /e/, anterior média, transforma-­se em /i/, anterior alta (as duas são
anteriores);
• /o/, posterior média, transforma-­se em /u/, posterior alta (as duas,
posteriores).

Mais uma vez, convém que você esteja bastante seguro das noções de
vogais médias e altas. Sem isso, você não entenderá este assunto.

2) Veja os casos e exemplos seguintes.

2.1) Na palavra escrita “menino”, a pronúncia, sem a harmonização


vocálica, numa situação formal, sofisticada ou soletrada, é /meni’nu/. Com
a harmonização vo­cálica, a pronúncia normal, corrente, fluente, na fala
portuguesa de praticamente toda a sociedade falante, é /mini’nu/. Note
que a vogal /e/ da sílaba /me/ transformou­-se em /i/, para se harmonizar
com a vogal /i/, da sílaba tônica /ni/, ficando, assim, duas sílabas com
as vogais da mesma altura: /i/ – /mi‑ni’­nu/. Ocorreu, dessa forma, a
harmonização da vogal /e/, átona pretônica, com a vogal /i/, tônica.

Você entendeu? Então, continuemos.

Em Portugal, essa harmonização é mais forte, chegando praticamente a


anular a vogal átona pretônica, com a pronúncia normal, corrente, fluente,
/mni’nu/, em que o /e/, ou /i/, da sílaba inicial “me” quase não é proferido. Na
palavra “pergunta”, por exemplo, a pronúncia lusitana é /prgũ’ta/. A sílaba
inicial “per­“ não é pronunciada nem /per/, nem /pir/, é simplesmente /pr/.

O exemplo citado na palavra “menino” ocorreu com as vogais anteriores,


/e/, /i/, a primeira, média, a segunda, alta. Assim, também, temos estes
outros (sem­pre com base na pronúncia coloquial natural, espontânea,
corrente):

/beli’sku/ > /bili’sku/ – (escrito “belisco”, forma do verbo “beliscar”)


92 UNIUBE

/peri’gu/ > /piri’gu/ – (escrito “perigo”)


/espi’ritu/ > /ispi’ritu/ – (escrito “espírito”)
/eskri’tu/ > /iskri’tu/ – (escrito “escrito”)

Em todos esses casos, a vogal /e/ transformou-­se na vogal /i/: houve,


então, a harmonização vocálica.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 11
Vejamos se você entendeu. Para isso, transcreva foneticamente as duas
pronúncias, sem e com a harmonização vocálica, das seguintes palavras:

destino:
pelica:
existe (forma do verbo “existir”):

Veja a resposta:
/desti’nu/, /disti’nu/
/peli’ka/, /pili’ka/
/ezi’stif, /izi’sti/

Você deve ter sempre em mente que estamos estudando fonologia, isto
é, a realidade sonora da língua portuguesa. Realidade sonora significa
som, pro­núncia, fala, e não letra ou escrita. Estamos estudando os sons
da língua, e não as letras. Este estudo é de fonologia, e não de ortografia.
Por hábito ou mesmo por vício, as pessoas instruídas têm a tendência de
pronunciar as palavras conforme a letra, ou conforme a escrita, e ditam
uma falsa norma de pronúncia correta, chegando até a ironizar, a zombar
das pessoas que falam (que pronun­ciam) as palavras com a harmonização
vocálica. É tão correto pronunciar /ispi’ritu/ quanto /espi’ritu/.
UNIUBE 93

Em alguns casos, conforme a região ou o grau cultural do grupo falante,


a har­monização acontece nas duas vogais átonas pretônicas, como na
pronúncia descontraída do Brasil central da forma “entendi”, do verbo
“entender”, que sai assim: /ĩtĩdi’/, em lugar de /ẽtẽdi’/. A vogal tônica
/i/, alta, tornou altas também as duas átonas anteriores, ocorrendo a
sequência de três vogais /i/ (mesma altura: harmonização vocálica).

Esse fenômeno, todavia, não chega a ser uma regra absoluta e firme
de pro­núncia. Em algumas palavras, mesmo na oralidade ou no uso
coloquial, não ocorre a harmonização vocálica, permanecendo o /e/ da
sílaba átona pretônica como /e/, como na palavra Recife, que, conforme
a região ou o grupo social, é pronunciada /Resi’fi/ (sílaba /Re/), sem a
harmonização vocálica, e, em outras, como no Nordeste brasileiro, é
pronunciada /Risi’fi/ (sílaba /Ri/), com a harmo­nização vocálica.

2.2) Na palavra escrita “coruja”, a pronúncia sem a harmonização


vocálica, numa situação formal, sofisticada, soletrada, é /koru’ζa/. Com
a harmonização vocá­lica, a pronúncia normal, corrente, fluente, na fala
portuguesa de praticamente toda a sociedade falante, é /kuru’ζa/. Note
que a vogal /o/ da sílaba /ko/ transformou ­se em /u/, para se harmonizar
com a vogal /u/, da sílaba /ru/, ficando, assim, duas sílabas com as vogais
da mesma altura: /u/ – /ku‑ru’‑ζa/. Ocorreu, então, a harmonização da
vogal /o/, átona pretônica, com a vogal /u/, tônica.

O exemplo citado na palavra “coruja” ocorreu com as vogais posteriores,


/o/, /u/, a primeira, média, a segunda, alta. Assim, também, temos estes
outros (sempre com base na pronúncia coloquial natural, espontânea,
corrente, mesmo que não seja em todas as regiões):

/gordu’ra/ > /gurdu’ra/ – (escrito “gordura”)


/kostu’mi/ > /kustu’mi/ – (escrito “costume”)
/kostu’ra/ > /kustu’ra/ – (escrito “costura”)
/põtu’du/>/pũtu’du/ – (escrito “pontudo”)
94 UNIUBE

Em todos esses casos, a vogal /o/ transformou ­se na vogal /u/: houve, então,
a harmonização vocálica.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 12
Transcreva foneticamente as duas pronúncias, sem e com a harmonização
vocálica, das seguintes palavras:

doçura:
rombudo:

Veja a resposta:
/dosu’ra/, /dusu’ra/
/Rõbu’du/, /Rübu’du/

Esta harmonização da vogal /o/ com a vogal /u/ é menos frequente do


que a da vogal /e/ com a vogal /i/, no Brasil, ocorrendo, paralelamente,
as duas pronúncias, conforme, também, a região ou o grupo social, como
nos exemplos:

soluço: /solu’su/ (sem harmonização) ou /sulu’su/ (com harmonização)


bojudo: /boζu’du/ (sem harmonização) ou/buζu’du/ (com harmonização)
volume: /volu’mi/ (sem harmonização) ou /vulu’mi/ (com harmonização)
tontura: /tõtu’ra/ (sem harmonização) ou/tũtu’ra/ (com harmonização)

Já em Portugal, não. O que acontece na fala natural, espontânea,


corrente, é, sempre, a pronúncia com harmonização vocálica (a
segunda, de cada palavra mencionada no parágrafo anterior). Conforme
dito linhas atrás a respeito da pa­lavra “pergunta”, pronunciada quase
UNIUBE 95

com a anulação da vogal /e/, /prgũ’ta/, sucede o mesmo, também, com


outras, como em “volume”, pronunciado correntemente por um lusitano
(nativo de Portugal) como /vlu’mi/. A sílaba inicial “vo ”­ não é pronunciada
nem /vo/, nem /vu/. A vogal “e” desaparece e a consoante “v” forma sílaba
com a sílaba seguinte, ficando um “encontro consonantal” /vl/: /vlu’mi/.

CURIOSIDADE

O que acabamos de afirmar lembra um caso pitoresco. Um professor de


Português, no Brasil, era nativo de Portugal. Falava, portanto, o português
lusitano. Numa aula de 7º ano, no Rio de Janeiro, ele perguntou aos alunos
se a palavra /plutãw/ era substantivo comum ou próprio. Como os alunos
tivessem interpretado a pronúncia /plutãw’/ como o nome do planeta Plutão,
responderam que era substantivo próprio. O professor lusitano teimou em
afirmar que era comum, e os alunos insistiam na afirmação de que era
nome próprio. Irritado, o professor escreveu na lousa a palavra polêmica,
e só então os alunos perceberam a razão da discórdia: a palavra que o
professor havia perguntado era “pelotão” (substantivo coletivo que designa
agrupamento de militares em manobras ou em desfile). Todavia, na sua
pronúncia lusitana, saía /plutãw’/.

Repare bem: /vIu’mit (para “volume”); /prgÉlita/ (para “perguntai); /mni’nu/


(para “me-nino”); /plutãw’/ (para “pelotão’); e assim por diante. São
pronúncias legítimas e, portanto, corretas. É assim que se fala o português
fluente, esponâtneo, normal, em terras portuguesas.
96 UNIUBE

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 13
Se você possui TV por assinatura, sintonize os canais que transmitem
programação diretamente de Portugal. Você irá aprender a falar corretamente
o português, a nossa língua portuguesa, sem a afetação de pronunciar “e”
como /e/, e “o” como /o/. Vale a pena. São pessoas instruídas que falam
naturalmente, espontaneamente, o português. É uma aprendizagem que
funciona como prova documental da pronúncia habitual, portanto correta.

3) Um fato que merece destaque é a harmonização de vogais átonas


pretônicas de classificações diferentes (anteriores e posteriores) com
vogais da mesma altura (vogais altas: /i/, /u/). Exemplos:

/kõpri’du/>/kũpri’du/ –(escrito“comprido”)
/kori’sku/ > /kuri’sku/ – (escrito “corisco”)
/torsi’da/ > /tursi’da/ – (escrito “torcida”)
/peru’ka/ > /piru’ka/ – (escrito “peruca”)

Nas três primeiras palavras, a vogal posterior média /o/, átona pretônica,
harmonizou ­se com a vogal alta anterior /i/, da sílaba tônica, tornando-se
tam­bém alta, ficando, então, duas vogais altas: uma anterior, /i/, tônica,
e outra posterior, /u/, átona.

Na última palavra (peruca), ocorreu o inverso: a vogal anterior média /e/,


átona pretônica, harmonizou ­se com a vogal alta posterior /u/, da sílaba
tônica, tornando ­se também alta, ficando, então, duas vogais altas: uma
posterior, /u/, tônica, e outra anterior, /i/, átona.
UNIUBE 97

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 14
Transcreva foneticamente as duas pronúncias, sem e com a harmonização
vocálica, das seguintes palavras:
folia:
verruga (vale, também, a forma vulgar “berruga’):

Veja a resposta:
/foli’a/, /fuli’a/
/veRu’ga/, /viRu’ga/ — ou /beRu’ga/, /biRu’ga/

4) Conclusão: todos os casos de pronúncia com harmonização vocálica


cons­tituem situações absolutamente corretas de fala. O “apego” à letra,
à escrita, para determinar pronúncia “ideal”, “padrão” ou “correta”, denota,
simplesmente,ignorância linguística.

2.8.3 Acento

O acento, aqui considerado como processo fonológico, possui o mesmo


conceito que será apresentado linhas adiante, no subitem “A acentuação”.
Todavia, ele pode ser um fator tanto da palavra isolada quanto da frase.
Nesta, ele assume outras conotações.

IMPORTANTE!

Atenção: não confunda “acento”, desacompanhado de qualquer adjetivo,


com “acento gráfico”. Acento, em Fonética ou em Fonologia, é a intensidade
maior com que se profere uma vogal, ou uma sílaba (tônica), em relação
às outras vogais ou sílabas da palavra (átonas). Portanto, é uma situação
ou uma realidade da fonética, do som, da pronúncia. Já o acento gráfico
é o sinal usado na língua escrita, na grafia, sobre as letras. É um sinal
98 UNIUBE

visual (um “rabisco”), e não um recurso auditivo, mesmo que sirva para
indicar situações de pronúncia. São os símbolos acento agudo (“) e acento
circunflexo (^), entre outros.

Veja que uma palavra pode ter acento, mas não se grafar (escrever) com
acento gráfico (agudo ou circunflexo). A palavra “escola”, por exemplo, tem a
sílaba acentuada “-co” (isso mesmo: acentuada, sim, senhor!), mas na fala, na
pronúncia. É o acento, ou, com redundância, o “acento tônico”. Se essa sílaba é
pronunciada com maior intensidade do que as outras, ela é, então, acentuada,
pois é a sílaba tônica. Contudo, não é acentuada graficamente, isto é, na escrita
não se usa sobre a sílaba “-co” o acento agudo 0. Você entendeu?

1) Na palavra isolada, a principal função do acento é indicar a prosódia,


que é a emissão da sílaba tônica correta ou ortográfica da palavra. Nas
palavras “espetáculo”, “escola” e “juriti”, por exemplo, as sílabas tônicas
são, respecti­vamente, “ta”, “co” e “ti”. Essas três sílabas são, portanto,
acentuadas. Todavia, só a palavra “espetáculo” é que se escreve com o
acento gráfico (agudo), ou, em outras palavras, só ela é que é acentuada
graficamente. Mais uma vez: você entendeu?

Então, vamos ver; faça a atividade proposta, a seguir.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 16
Escreva duas palavras oxítonas e duas paroxítonas que apresentam acento
tõnico, mas sem acento gráfico, e duas oxítonas e duas paroxítonas que
apresentam acento gráfico (agudo ou circunflexo).

Sugestão de resposta:
saci, bambu (oxítonas sem acento gráfico)
UNIUBE 99

escola, desordem (paroxítonas sem acento gráfico)


café, Sabará (oxítonas com acento gráfico)
tênis, amável (paroxítonas com acento gráfico)

O desvio de pronúncia da intensidade normal da sílaba tônica para outra


sílaba constitui, em nomenclatura linguística, o que se denomina erro de
prosódia. Esse tipo de erro é muito frequente até na sociedade culta, de
nível escolar elevado, como nos seguintes exemplos:

Forma correta Forma errada


palato (lá) “palato” (erro cometido até por médicos)
cateter (tér) — oxítona “cateter” (erro cometido, também, até por
médicos)
rubrica (brí) “rubrica”
Torre Eifel (fél) “êifel”
Prêmio Nobel (bél) “nóbel”

Note que tais erros são cometidos habitualmente (por apresentadores


de progra­mas de televisão, por exemplo), como se fossem as formas
corretas... E, não raro, as pessoas que os cometem se atrevem a “corrigir”
as que falam corretamente.

Você conhece alguém que comete algum(ns) desses erros de prosódia?


Então ensine a essas pessoas a pronúncia correta, mesmo que elas
sejam advogados, juízes, médicos, professores, jornalistas. Mas ensine
com firmeza, pois elas vão pensar que você é que não sabe. E, caso elas
teimem, ensine ­as a consultar palavras no dicionário.

2) Fonologicamente considerado, o acento é um traço distintivo de


significado, como nos signos (nas formas) seguintes:

a) “jaca” –/ζa’ka/(fruta)
“jacá” –/ζaka’/ (cesto)
100 UNIUBE

b) “sábia” – /sa’bya/ (feminino de “sábio”)


“sabia” – /sabi’a/ (forma do verbo “saber”)
“sabiá” – /sabia’/ (ave)

c) “caqui” – /kaki’/ (fruta)


“cáqui” – /ka’ki/ (cor)

Em todas essas palavras (ou signos), a diferença de significado, ou o


traço distintivo, ocorreu na simples mudança da sílaba tônica, ou do
acento, e não nos fonemas de cada uma delas, vogais ou consoantes,
que são as mesmas em cada grupo apresentado.

3) Neste tópico sobre o acento, cumpre destacar o fator acento de


insistência emocional. Na elocução, na fala, o emissor nem sempre
intensifica apenas a sílaba tônica exata, gramatical, correta, da palavra.
Conforme sua emoção, seu estado de espírito, seu humor, ele emite maior
intensidade noutra sílaba, que não a tônica objetiva, da palavra isolada.

No adjetivo maravilhoso, por exemplo, a sílaba tônica é “-­lho-­”, sendo


a palavra “paroxítona”. Isto, em situação puramente ortográfica, ou
gramatical. Dentro da frase, porém, bem como no contexto e na situação
de interlocução, no diálogo, na conversa, a função expressiva fala mais
alto, e o emissor pode proferir:

MÁravilhoso!
A casa dele ficou simplesmente MÁravilhosa!

E, noutra situação emocional do emissor, a sílaba destacada com essa


intensi­dade pode ser a segunda:

maRÁvilhoso!
A casa dele ficou simplesmente maRÁvilhosa!
UNIUBE 101

Neste exemplo, pode, também, ocorrer o acento de insistência emocional


na sílaba “sim ­”, do advérbio “simplesmente”, cuja sílaba tônica ortográfica
ou gra­matical é “men ”­ , ficando a expressão da frase inteira assim:

A casa dele ficou SIMplesmente maRÁvilhosa! Ou:


A casa dele ficou SIMplesmente MÁravilhosa!

Outro exemplo: no adjetivo espetacular, a sílaba tônica é “-­lar”, sendo


a palavra “oxítona”. Com o acento de insistência emocional, a
intensidade pode recair noutra sílaba, ficando assim:

espeTÁcular!
O pai dela comprou um carro espeTÁcular!

Outras vezes, a insistência emocional pode recair na própria sílaba tônica


orto­gráfica e prosódica da palavra, que é proferida com duração maior.
Em literatura, esse recurso é muito usado pelos escritores, como nestes
exemplos:

Ela é mentirooooosa, que dói!


Mas ele é feio, é feeeeeio, mesmo.
Para com isso, menino. Paaaaara!

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 18
Escreva mais dois casos corriqueiros ou coloquiais em que ocorre esse
acento de insistência emocional.

Sugestão de resposta: O irmão dele ficou CÁladinho! Você foi um


iRRÉSponsável!
102 UNIUBE

4) O acento de insistência pode deixar de ter caráter emocional e


adquirir caráter intelectual, quando, por exemplo, o emissor (um
professor, um pales­trante, um pregador, um político, ou qualquer falante
na simples conversa diária) deseja insistir numa sílaba que significa o
conceito principal da palavra, e que não é a sua sílaba tônica ortográfica
ou prosódica (a correta), como no caso de formações por prefixo.

Para ressaltar o valor opositivo e significativo de algumas palavras, ocorre


a seguinte situação:

Trata-­se de uma relação EXterior, e não INterior.

Nas duas palavras destacadas, a sílaba tônica ortográfica e prosódica


é “-­or”, mas a insistência na primeira sílaba de cada uma delas foi
necessária para melhor entendimento dos ouvintes. Esse recurso pode
ocorrer não só na fala, mas também na escrita, como acabamos de ver
(é “ver”, mesmo, e não “ouvir”) no exemplo apresentado. A grafia da
primeira sílaba em letras maiúsculas re­presenta a intensidade maior na
emissão das palavras na fala.

Outros exemplos:

Esse raciocínio é INdutivo, e não DEdutivo.


Os pais precisam COMpreender os filhos, mais do que REpreender.
A cidade a que me refiro é CISalpina, e não TRANSalpina.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 19
Escreva mais três casos em que ocorre essa forma de acento de insistência
intelectual.

Sugestão de resposta: Você deve PREparar a leitura, e não REparar os


erros. É preciso REverter, e não INverter o processo.
UNIUBE 103

O exposto neste tópico demonstra que a comunicação linguística não


prescinde do aspecto pessoal ou subjetivo do falante. O emocional, a
manifestação emotiva do emissor caracteriza, exatamente, a função
emotiva da linguagem, estudada largamente nos seus fatores e funções.
A linguagem, portanto, não é um fenômeno apenas objetivo, somente
material, objeto de ciência “exata”, como indevidamente são considerados
certos ramos do saber humano. Ela é um fe­nômeno essencialmente
humano e, como tal, sujeita a oscilações de ordem psicológica: subjetiva,
pessoal, emocional, afetiva.

2.9 O vocábulo fonológico e a acentuação

2.9.1 O vocábulo fonológico

1) No estudo sobre a estrutura da sílaba, vimos as diversas situações de


sílabas abertas ou livres e fechadas ou travadas, conforme terminem em
vogal ou em consoante, respectivamente. Essa noção se estende para as
estruturas sintag­máticas, constituídas de termos determinados e termos
determinantes, conforme esteja o núcleo sintagmático modificado por
adjuntos: artigos, adjetivos, pronomes adjetivos, entre outros. O conjunto
desses elementos constitui o grupo de força, unidade fonética da qual
se depreende o que se convencionou denominar vocá­bulo fonológico,
termos cujos conceitos podem assim ser enunciados:

(a) Grupo de força: é o vocábulo ou a sucessão de vocábulos emitidos


numa sequência sem pausa, constituindo um conjunto fonético
subordinado a uma tonicidade predominante.

Por exemplo, a sucessão de artigo, adjetivo e substantivo: “o novo


hospital”. Nesse grupo (grupo de força), as três palavras são emitidas
sem pausa entre si, e a sílaba tônica predominante é a do último
vocábulo, “‑tal”, do substan­tivo “hospital”.
104 UNIUBE

(b) Vocábulo fonológico: é a unidade de emissão fonética constituída


de uma única sílaba tônica ou da sequência de sílabas tônica e átonas.
No exemplo mencionado para grupo de força, “o novo hospital”,
transcrito fo­neticamente /uno’vuospita’l/, são depreendidos dois
vocábulos fonológicos:

/uno’vu/ (sílaba tônica: /no’/)


/ospita’l/ (sílaba tônica: /ta’l/)

Você compreendeu? Veja bem: é apenas um grupo de força, mas são dois
vocábulos fonológicos.

Note que o conceito de vocábulo fonológico não coincide com o de


vocábulo mórfico, ou morfológico. No primeiro vocábulo fonológico, /uno’vu/,
há dois vocábulos morfológicos, o artigo “o” e o adjetivo “novo”, mas
apenas um vo­cábulo fonológico. (Nas linhas seguintes, você verá mais
explicações e exem­plos que vão esclarecer este assunto.)

Mas, até aqui, você já é capaz de resolver a seguinte atividade:

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 20
Escreva dois grupos de força, constituídos, cada um, de três vocábulos
morfológicos e dois vocábulos fonológicos.

Vou ajudá-lo(a) com este exemplo: cerca de bambu (três vocábulos


morfológicos) /se’rka/ /dibãbu’/ (dois vocábulos fonológicos) Agora, descubra
os seus. Não se esqueça, porém, de fazer a transcrição fonética (ou
fonológica).
UNIUBE 105

2) O conceito de grupo de força determina, em fonologia, a modificação


da es­trutura da sílaba, em confronto com os vocábulos morfológicos
ou fonológicos que o constituem. Sendo o conjunto dos vocábulos
fonológicos um único grupo de força, sua constituição silábica passa
a ser, também, a do grupo como um todo, e não a de cada vocábulo
individualmente considerado. Veja os casos apresentados a seguir.

O sintagma “as alunas atentas” constitui um grupo de força, cuja


transcrição fonêmica é: /azalu’nazatẽ’tas/. Dividindo ­se as sílabas,
temos:

/a‑za‑lu’‑na‑za‑tẽ’‑tas/

Como a linguagem funciona por sequências de palavras para a


constituição sintagmática da frase, os blocos de signos se estruturam
em termos sintáticos proferidos em conjunto, sem pausa entre eles. É o
grupo de força. Daí as si­tuações de ritmo frasal, entoação, acentuação.
No exemplo citado, vemos que a consoante final “S” do artigo “as”
funciona como o fonema /z/, por estar situada entre duas vogais: o /a/ do
artigo “as” e o /a/ inicial do substantivo /alu’nas/, escrito “alunas”, e passa
para a sílaba seguinte, / ­za/, ficando a vogal “a” do artigo “as” isolada na
sílaba /a ­/. Ficou, assim, um só vocábulo fonológico /azalu’nas/.

Você, a esta altura deste estudo, já está bastante consciente e convicto(a)


de que letra e som não são “a mesma coisa”. Então, continuemos.

Contudo, como dito, essa sequência, no conjunto da elocução, é apenas


um vocábulo fonológico, contido no grupo de força único, inteiro,/
azalu’nazatẽ’tas/. Isso porque o conjunto dos três termos desse sintagma
é proferido em sequên­cia, sem pausa entre eles. Por isso, o conjunto
constitui um só grupo de força. Então, o “s” final da palavra “alunas”,
transcrita /alunas/, funciona como o fonema /z/, por estar, também,
106 UNIUBE

entre duas vogais: o /a/ final do substantivo “alunas” e o /a/ inicial do


adjetivo /atẽ’tas/, escrito “atentas”, e passa para a sílaba seguinte, /‑za/.
A transcrição fonêmica apenas desses dois termos fica: /alu’nazatẽ’tas/.
Com o artigo “as” que os precede, fica o grupo de força inteiro proferido:
/azalu’nazatẽ’tas/, com as sílabas separadas /a‑za‑lu’‑na‑za‑tẽ’‑tas/.

Veja bem:

Três vocábulos mórficos: as alunas atentas.


Dois vocábulos fonológicos: /azalu’na/ /zatẽ’tas/.
Um grupo de força: /azalu’nazatẽ’tas/.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 21
Discrimine e identifique os vocábulos fonológicos que constituem os grupos
de força das seguintes frases. Atenção: primeiro, faça a transcrição fonética
(ou fonológica).

Os filhos dos operários se casaram. De brisa e de sonho vão vivendo os


sonhadores.

Veja a resposta:
/usfi’Auz/ /duzopera’riws/ — um grupo de força, dois vocábulos
/sikaza’rãw/ — um grupo de força, um vocábulo
/dibri’zallidisõ’nu/ — um grupo de força, dois vocábulos
/vãw/ /vivé”du/ — um grupo de força, dois vocábulos
/usorjado’ris/ — um grupo de força, um vocábulo
UNIUBE 107

3) Veja, a seguir, a descrição do grupo de força do exemplo citado (“as


alunas atentas”), para a depreensão da estrutura da sílaba (V = vogal;
CV = consoante + vogal; VC = vogal + consoante; CVC = consoante +
vogal + consoante etc.). (Reveja este assunto no item sobre a estrutura
da sílaba.)

O artigo “as”, que, sozinho, constitui uma sílaba terminada em consoante,


“s”, passou a constituir, no vocábulo fonológico, a sílaba /a ­/, terminada
em vogal, e não mais em consoante, pois sua consoante /s/ passou
para a sílaba seguinte /a ­/, da palavra “alunas”. E, ao ligar ­se a essa
vogal, constituiu com ela a sílaba /za/, com o som /z/, e não /s/, conforme
explicado linhas atrás. A sílaba inicial do vocábulo fonológico inteiro, /a ­/,
é, então, uma sílaba aberta ou livre, pois termina em vogal.

O mesmo ocorreu como “s” final do substantivo “alunas”. A sílaba final


desse substantivo, no vocábulo fonológico a que pertence, é /na ­/, pois o
/s/ que a acompanhava passou para a vogal inicial do adjetivo “atentas”,
/a ­/, e cons­tituiu, com ela, outra sílaba independente, /za/, com o som
/z/. Então, a sílaba / ­nas/ do substantivo /alunas/ deixou de ser / ­nas/
e passou a ser / ­na ­/, terminada em vogal, e não mais em consoante,
tornando-se outra sílaba aberta ou livre.

Veja, agora, a relação entre a expressão escrita e o grupo de força


inteiro (um só), fonologicamente considerado, e as respectivas estruturas
silábicas:

As – a – lu – nas – a – ten – tas


/a – za – lu’ – na – za – tẽ’ – tas/
V CV CV CV CV CV CVC

Conforme visto, o conjunto dos três termos morfológicos distintos, o


artigo, o substantivo e o adjetivo, constituiu dois vocábulos fonológicos,
mas um só grupo de força.
108 UNIUBE

Outro exemplo:
Quais hastes? – Quais – has – tes
/kway – zas’ – tis/
C (V) V (V) CVC CVC

Note que, na primeira sílaba, ocorreu um tritongo, e as duas semivogais


(/w/ e /y/) foram classificadas como vogais, com o V entre parênteses (V).

Conclusão: a estrutura da sílaba é determinada pelo grupo de força, e


não pelos vocábulos isolados.

Outros casos em que ocorre o grupo de força:

mar alto: /mara’ltu/ – /ma r­ a’l­tu/


moçoshonestos: /mo’suzonε’stus/ –/mo’su‑zo‑nε’s‑tus/
meus caros amigos: /mewska’ruzami’gus/ – /mews k­ a’ r­ u‑za‑mi’ g
­ us/
semamor: /seŋamo’r/ – /se ŋ ­ a‑mo’r/

Caso semelhante ao do último vocábulo (“sem amor”) sucedeu com


a expressão “nem um”. Ela gerou a forma “nenhum”, que constitui um
pronome indefinido. O elemento nasal final da partícula “nem” ligou-­
se à vogal inicial “u” do numeral “um” e transformou-­se na consoante
constritiva nasal, palatal, sonora, nasal /ŋ/, que corresponde, na
escrita, ao dígrafo NH, conforme visto no quadro das consoantes, neste
capítulo. A palavra escrita “nenhum” é transcrita fonemica­mente /neŋũ’/.
Com as sílabas separadas, o primeiro termo, “nem”, passa a ser uma
sílaba terminada em vogal: /ne‑ŋũ’/.

Agora, sim, você já entendeu muito bem o assunto. Resolva, então a


próxima atividade.
UNIUBE 109

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 22
Identifique (separe) as sílabas dos seguintes grupos de força e classifique-as
(V, VC, CV etc.). Ah! Não se esqueça de fazer a transcrição fonética.

os ataques histéricos
uns hóspedes honestos

Veja a resposta:
/u — za — ta’ — ki — zis — te’ — ri — kus/

V CV CV CV CVC CV CV CVC

ZD’S - pe — di — zo — ne’s — tus/

V CVC CV CV CV CVC CVC

4) Neste tópico, merece destaque o fenômeno da ligação entre os


elementos do grupo de força, sem pausa entre si. É o que, comumente,
denomina-se “elisão”, fenômeno que ocorre no português, como
em outros idiomas. A ligação pode acontecer entre vogais ou entre
consoantes iguais, ou de igual articulação fonética. Exemplos:

camisa amarela: /kami’zamarε’la/ – /ka‑mi’‑za‑ma‑rε’‑la/: ligação de


vo­gais. O /a/ final de /kami’za/ fundiu ­se com o /a/ inicial de /amarε’la/,
constituindo o fenômeno denominado crase.

livro usado: /li’vruza’du/ – /li’‑vru­za’ ­du/: ligação das vogais /u/, de /li’vru/,
e /u/, de /uza’du/. Outra crase.

‑t‫‑’כּ‬ri‑ka/:ligaçãodas dis‑’rika/–/si‑da’ ‫ּכ‬

Cidade histórica: /sida’dist‫’ּכ‬rika/ – /si-da’-dis-t‫’ּכ‬-ri-ka/: ligação das vogais


/i/, de /sida’di/, e /i/, de /ist ‫’ּכ‬rika/. Outra crase.
110 UNIUBE

estes sapatos: /e’stisapa’tus/ – /e’s ­ti ­sa‑pa’ ­tus/: ligação de consoantes.


A consoante final /s/ de /e’stis/ fundiu-se com a conso­ante inicial /s/ de /
sapa’tus/.

paz sadia: /pasadi’a/ – /pa ­sa­di’ ­a/: ligação das consoantes /z/, de /paz/,
e /s/, de /sadi’a/. A consoante /z/ foi assimilada pela consoante /s/, por
serem ambas homorgânicas, isto é, emitidas pelos mesmos órgãos
fonadores: ambas são constritivas fricativas, alveolares. Embora uma
seja sonora (/z/), e a outra, surda (/s/), ocorreu a ligação.

Esse fenômeno da ligação pode gerar alguma ambiguidade para o


ouvinte, como no caso da sequência sonora /pas‫ ’כ‬lida/, que tanto pode
ser a transcrição fonêmica da expressão escrita “paz sólida” como de “pá
sólida”. O mesmo se relação a /fas‫’כ‬l/, que pode ser correspondente às
expressões escritas “faz sol” ou “fá, sol” (notas musicais). Em ambos os
casos, cabe ao ouvinte (receptor) decodificar o que ele ouve.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 23
Faça a transcrição fonética e separe as sílabas dos seguintes grupos de
força em que ocorre o fenômeno da ligação:

os sapos suados
Maria Amélia Afonso

Veja a resposta:
tu — sa’ — pu — su — a’ — dus/
/ma — ri’ — a — me’ — lya — fõ’ — su/
UNIUBE 111

2.9.2 A acentuação

1) Um elemento decorrente da noção de vocábulo fonológico e de sua


estrutura silábica é a acentuação. Neste caso, não se trata da marca de
sílaba tônica apenas das palavras isoladas, ou melhor, dos vocábulos
fonológicos isolados, mas também do grupo de força, único, inteiro. Essa
situação determina os se­guintes tipos de sílabas, quanto à intensidade:

• tônica
• subtônica
• átona pretônica
• átona postônica

2) Acento: em Fonética, ou em Fonologia, acento é a força expiratória


de maior intensidade que se imprime à vogal de uma sílaba em contraste
com as vogais silábicas das demais sílabas de um vocábulo fonológico.
Veja bem: de um vocábulo fonológico, e não de vocábulos morfológicos
individualmente considerados.

Na língua portuguesa, o acento pode incidir, regularmente, na última,


penúltima ou antepenúltima sílaba do vocábulo. E, mais raramente,
na sílaba que precede a antepenúltima, em situações específicas
de pronúncia, de estrutura sonora, e não gráfica ou escrita. (Para
a compreensão desse fato, reveja a parte final do subitem “Tipos de
sílabas”, neste capítulo.)

A presença do acento determina a existência de um vocábulo, com a


respectiva pauta acentual. Disso decorre que um vocábulo fonológico
possui apenas uma sílaba tônica.

3) A pauta acentual pode ser assim especificada: a sílaba tônica é a


marca do vocábulo; as sílabas átonas pretônicas são proferidas com
112 UNIUBE

emissão atenuada, mas são menos débeis (menos fracas) do que


as átonas postônicas (estas, mais fracas). Isso determina a seguinte
numeração da pauta acentual, conforme a intensidade das sílabas dentro
do vocábulo fonológico:

sílaba tônica: intensidade 3


sílaba subtônica: intensidade 2
sílaba átona pretônica: intensidade 1
sílaba átona postônica: intensidade 0

Na sequência das sílabas de um só vocábulo hipotético, sem sílaba


subtônica, a estrutura numérica fica assim:

... 1 + 3 + 0 + 0 (+0)

As reticências antes do número 1 indicam a possibilidade de quantidade


inde­terminada para as sílabas átonas pretônicas. Para as átonas
postônicas (inten­sidade 0), a quantidade é determinada, podendo ser até
duas, no caso das palavras proparoxítonas, ou três, no caso excepcional
de ocorrência de palavra com a sílaba tônica antes da antepenúltima,
conforme veremos.

4) Citam ­se, a seguir, alguns exemplos de vocábulos fonológicos com a


respec­tiva numeração da pauta acentual:

(a) Em vocábulos isolados:

café — /ka-fts/ espetáculo — /is-pe-ta'-ku-lu/


13 11300

cidade — /si-da'-di/ polaridade — /po-la-ri-da'-di/


130 11130
UNIUBE 113

cafezinho — /ka-fs'-zi'-qu/ rapidamente — /Ra'-pi-da-mé'-ti/


1230 20030

Veja que, nos dois últimos exemplos (cafezinho, rapidamente), ocorrem


sílabas subtônicas, embora sejam palavras isoladas. Mais adiante,
este assunto será mais bem explicado (Não estranhe: é “mais bem”,
mesmo, e não “melhor”. O correto é: mais bem explicado, mais bem
preparado, mais bem elaborado. Você sabia? Já viu o tanto de pessoas
que falam “melhor preparado”, por exemplo, e pensam que estão falando
corretamente?).

Agora, como atividade extra (não faz parte do assunto “fonologia”),


procure (pesquise) a explicação para esse emprego correto. Assim, você
ficará mais bem informado sobre essa estrutura linguística.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 24
Faça a transcrição fonética e numere a pauta acentuai dos seguintes
vocábulos isolados:

exército; exercito (forma verbal);


indiscriminado.

Veja a resposta:
/e — zE’r — si — tu/ /e — zer — si’ — tu/i — dis — kri — mi — na’ — du/
1 3 0 01 1 3 01 1 1 1 3 0
114 UNIUBE

(b) Em vocábulos fonológicos dentro do grupo de força:

Aqui, pode­-se notar, com mais clareza, a situação da sílaba subtônica,


de in­tensidade 2. Conforme visto linhas atrás, num grupo de força
constituído de mais de um vocábulo, a sílaba tônica do último vocábulo
do grupo é que fica sendo a tônica do grupo de força inteiro. É, na
numeração da pauta acentual, a de intensidade 3. E a tônica, ou
as tônicas dos vocábulos anteriores é que cons­tituem a(s) sílaba(s)
subtônica(s), com intensidade 2.

Voltemos ao exemplo “camisa amarela”, grupo de força transcrito com


as sílabas separadas e com a respectiva numeração da pauta acentual:

/ka‑mi’‑za‑ma‑rε’‑la/
120130

A sílaba /mi/, tônica do primeiro vocábulo fonológico /kami’za/, no grupo


de força perde um pouco de força de emissão e baixa para intensidade
2, deixando de ser tônica e passando a subtônica, isto é, uma tônica
enfraquecida.

5) Importante: neste caso, a sílaba átona depois da subtônica é de


intensidade 0, pois não deixa de ser uma átona postônica (lembre-­se de
que a sílaba sub­tônica é uma tônica enfraquecida, mas não uma átona).
Por isso, no exemplo citado, a sílaba final /za/, de /kami’za/ foi assinalada
com a intensidade 0 (marca das átonas postônicas).

Já a sílaba seguinte, /ma/, “inicial” de /(a)marε’la/, é de intensidade 1, pois


é átona pretônica, precedendo a tônica do grupo inteiro, de intensidade
3,/rε/,de /(a)marε’la/.
UNIUBE 115

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 25
Faça a transcrição fonética e numere a pauta acentual dos vocábulos
fonológicos dos seguintes grupos de força:

aqui estamos;
esquisita amabilidade.

Veja a resposta:

/a — ki’ — is — ta’ — mus/; /is — ki — zi’ — ta — ma — bi — li — da’ — di/


1 2 1 3 0 1 1 2 0 1 1 1 3 0

6) Se, no grupo de força inteiro, houver duas sílabas átonas depois da


subtônica (de intensidade 2) do primeiro vocábulo fonológico, e duas
átonas antes da sílaba tônica (de intensidade 3) do último vocábulo, a
numeração segue o mesmo raciocínio. Exemplo:

espetáculo colorido: /is­pe­ta’­ku­lu­ko­lo­ri’­du/


11200113 0

As sílabas /ku/ e /lu/ são átonas postônicas em relação à sílaba


subtônica /ta’/, portanto têm intensidade 0. E as sílabas /ko/ e /lo/
são átonas pretônicas em relação à sílaba tônica /ri’/, portanto têm
intensidade 1. Veja que, no grupo de força inteiro, ocorrem quatro sílabas
átonas seguidas, duas com intensidade 0 (postônicas do primeiro
vocábulo) e duas com intensidade 1 (pretônicas do segundo vocábulo).
Se for um grupo constituído de três vocábulos, a numeração fica assim:

aquele carro bonito: /a­ke’­li­ka’­Ru­bu­ni’­tu/


12020130
116 UNIUBE

Note que houve duas sílabas marcadas com a intensidade 2, portanto duas
subtônicas, que são as tônicas dos dois primeiros vocábulos isolados, mas
que, no grupo de força, deixaram de ser tônicas e baixaram a subtônicas.
E a tônica do grupo inteiro, marcada com a intensidade 3, foi a do último
vocábulo. Lembre­-se de que cada grupo de força possui apenas uma sílaba
tônica pre­dominante, ou apenas uma sílaba com intensidade 3.

7) Veja, agora, uma frase segmentada em três grupos de força:

“Aquela menina bonita estava brincando com sua boneca nova.”

A transcrição fonêmica, segmentada em três grupos de força e com a


numera­ção das respectivas pautas acentuais, fica assim:

/a‑kε’‑la‑mi‑ni’‑na‑bu‑ni’‑ta/ /is‑ta’‑va‑brĩ‑kã‑du/ /kõ‑su’‑a‑bu‑nε’‑ka‑n‫‑’כּ‬va/


1 2 0 1 2 0 1 3 0 1 2 0 1 3 0 1 2 0 1 2 0 3 0 Repare que os três grupos de
força dessa frase constituem três sintagmas:

(a) o sintagma nominal “aquela menina bonita”;


(b) o sintagma verbal “estava brincando”;
(c) o sintagma nominal “com sua boneca nova”.

Os grupos de força, na sequência da elocução, determinam o ritmo frasal.

8) Ainda uma consideração a respeito da pauta acentual e sua


numeração. As partículas átonas não constituem, isoladamente, um
vocábulo fonológico. Elas se apoiam no vocábulo tônico seguinte,
funcionando como proclíticas, ou no vocábulo tônico precedente,
funcionando como enclíticas. Se proclíticas, fun­cionam como sílabas
átonas pretônicas do vocábulo seguinte, com a marca acentual 1; se
enclíticas, funcionam como sílabas átonas postônicas do vocá­bulo
precedente, com a marca acentual 0.
UNIUBE 117

Volte ao terceiro sintagma nominal, da frase apresentada linhas atrás:


“com sua boneca nova”. Trata-­se de um único grupo de força, com
quatro vocábulos mor­fológicos, mas com três vocábulos fonológicos. A
preposição “com”, partícula átona, apoiou­-se no pronome adjetivo “sua”,
vocábulo tônico, e formou com ele apenas um vocábulo fonológico,
tornando-­se sílaba átona pretônica, com inten­sidade 1. Veja que o
segmento “com sua” ficou assim transcrito e numerado:

/kõ­su’­a/
120

A sílaba /su­/, no vocábulo fonológico isolado, é de intensidade 3, mas, no


grupo de força, por não estar no último vocábulo, baixou para intensidade
2 – marca da sílaba subtônica.

Outros exemplos:

... se vive: /sivi’vi/ – /si­vi’­vi/ – A partícula “se” é proclítica: intensidade 1.


130
...vive­-se: /vi’visi/ – /vi’­vi­si/ – A partícula “se” é enclítica: intensidade 0.
300

Note que, neste caso, o conjunto funciona como uma só palavra


proparoxítona: duas sílabas átonas depois da tônica.

Outro exemplo, em frase ou segmento de frase:

O medo de se perder...: /ume’du/ /disiperde’r/ – /u ­me’ ­du/ /di ­si ­per ­de’r/
1301113

Neste caso, são dois grupos de força, e, coincidentemente, dois


vocábulos fonológicos, pois cada grupo é constituído de apenas um
118 UNIUBE

vocábulo. No primeiro, “o medo”, o artigo “o”, partícula átona, é pretônico


em relação ao vocábulo tônico “medo”, portanto tem intensidade 1.
No segundo grupo, há duas partículas átonas pretônicas em relação
ao vocábulo tônico “perder”: a preposição “de” e o pronome “se”, que
possuem, por isso, intensidade 1, mesma intensidade da sílaba átona
pretônica “per ­”, de “perder”, ficando a sequência 1 ­1 ­1 ­3.

Se a ordem das palavras for “... de perder-se”, a sequência numérica da


pauta acentual passa a 1 ­1 3
­ ­0, assim:

/diperde’rsi/ – /di ­per d


­ e’r ­si/
1130

A partícula “se” (pronome) passou a ser átona postônica em relação ao


vocábulo tônico “perder”, por isso baixou para intensidade 0.

AGORA É A SUA VEZ

Atividade 26
Faça a transcrição fonética e numere a pauta acentuai dos vocábulos
fonológicos dos seguintes grupos de força:

os defensores da nossa pátria


aquelas lindas rosas vermelhas

Veja a resposta:

luz — de — fé — so’ — riz — da — np’ — sa — pa’ — trya/


1 1 1 2 0 1 2 0 3 O

/a — kε— laz – li — daz - RD’ - zaz — ver — me’ — Aas/


1 2 0 2 0 2 0 1 3 0
UNIUBE 119

9) Resta, agora, apresentar o caso menos frequente de três sílabas


átonas postônicas, ou seja, de três sílabas de intensidade 0, depois da
tônica, de in­tensidade 3. É o que corresponde ao terceiro “0”, mencionado
entre parênteses (+0), na apresentação da sequência numérica da pauta
acentual de vocábulo hipotético, linhas atrás.

Trata-­se de uma situação percebida apenas na emissão sonora, e não


na escrita, conforme apresentado no final do subitem “Tipos de sílaba”,
neste capítulo. Foram apresentados, lá, os casos das palavras escritas
“técnica” e “autóctone”. Em transcrição fonética (ou fonêmica), elas
ficam assim, com as respectivas separações silábicas e numerações
das pautas acentuais:

técnica: /tε’kinika/ – /tε’‑ki‑ni‑ka/


3 00 0

autóctone: /awt‫’כּ‬kitoni/ – /aw‑t‫‑’כּ‬ki‑to‑ni/


13000

Em situação fonética, isto é, na pronúncia, na emissão sonora,


ambas as pala­vras mencionadas apresentam a sílaba tônica antes
da antepenúltima, ha­vendo, então, três sílabas átonas depois da
tônica. Conforme exposto no subitem “Tipos de sílaba”, essas palavras
exemplificadas apresentam dupla situação:

técnica:
a) três sílabas na escrita (téc-­ni-­ca): proparoxítona;
b) quatro sílabas em fonética (/tε’‑ki‑ni‑ka/): “pré‑proparoxítona”.

autóctone:
a) quatro sílabas na escrita (au­-tóc-­to-­ne): proparoxítona;
b) cinco sílabas em fonética (/aw‑ tּ’‑ki‑to‑ni/): “pré‑proparoxítona”.
120 UNIUBE

Esta situação de três sílabas átonas depois da tônica ocorre, também, na


se­quência de um pronome átono depois de forma verbal proparoxítona,
tornando-­­se a expressão inteira um único vocábulo fonológico com a
sílaba tônica antes da antepenúltima:

Comunicávamos-­lhe: /komunika’vamuzλi/ – /ko­mu­ni­ka’­va­muz‑λi/


111 30 0 0

O pronome “lhe” passou a ser a terceira sílaba átona postônica do


vocábulo fonológico inteiro.

2.10 Conclusão

A Fonologia é uma das grandes unidades de estudo de uma língua,


assim como a Morfologia e a Sintaxe, entre outros. As nossas gramáticas
limitam a apresen­tação do assunto à estrutura do aparelho fonador e à
classificação dos sons da fala e fonemas em vogais e consoantes, com
as respectivas denominações classificatórias. O estudo de fonologia, no
entanto, é mais amplo, podendo constituir um livro inteiro, e não simples
capítulo ou unidade em gramáticas. Os aspectos fonológicos da língua
são uma realidade que não pode ser ignorada pelo estudioso do idioma. A
realidade gráfica ou ortográfica da língua portuguesa é uma, e a realidade
sonora ou fonética é outra. Ambas são distintas e constituem objetos de
estudo também distintos.

Resumo

Você estudou, neste capítulo, a estrutura fonética e fonológica da língua


portu­guesa, fundamentada na realidade da pronúncia e da fala. A base
deste estudo foi a classificação das vogais e das consoantes, com
suas denominações con­forme a articulação desses sons pelos órgãos
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fonadores, e, também, as situações de encontros vocálicos, denominados


ditongos, tritongos e hiatos. Você viu, ainda, os principais processos
fonológicos, ocorrentes na situação real de fala, como a nasalização
vocálica e a harmonização vocálica. A principal finalidade deste estudo
foi mostrar a você, estudante de Letras e futuro(a) professor(a) de Língua
Portuguesa, a realidade fonética da língua, isto é, sua estrutura de som
e pronúncia das palavras, fato que não se confunde com letra ou escrita.

Referências

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Descrição fonológica do português. In: ____.


Iniciação à Fonética e à Fonologia. 9. ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editora, 2003. cap. 3.

MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. Estrutura da língua portuguesa.


Petrópolis: Vozes, 1970.

____. Problemas de Linguística Descritiva. Petrópolis: Vozes, 1969.

PONTES, Eunice. Estrutura do verbo no português coloquial. Petrópolis:


Vozes, 1972.

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