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FONÉTICA E

FONOLOGIA

Nadia Studzinski Estima de Castro


Sistema fonológico do
português brasileiro
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar fonemas e alofones do português brasileiro.


 Distinguir par mínimo de par suspeito.
 Reconhecer as diferentes possibilidades de estrutura silábica da língua
portuguesa.

Introdução
A fonologia recorre aos estudos da fonética para interpretar o repositório
de sons possíveis e disponíveis em cada uma das línguas. Dessa forma, a
compreensão de fenômenos envolvidos em propriedades articulatórias
dos sons de uma determinada língua permite um domínio maior do
sistema fonológico nela disponível.
Neste capítulo, você vai refletir sobre elementos relacionados com o
sistema fonológico da língua portuguesa falada no Brasil. Nessa reflexão,
conhecerá detalhes desse sistema, incluindo seus segmentos fonológicos
e tipos de sílabas.

1 Fonemas e alofones
A fonologia dedica-se aos estudos dos sons da língua, sendo:

[...] a divisão mínima, na segunda articulação da língua, a dos sons vocais


elementares, que podem ser vogais ou consoantes. [...] A divisão resulta de um
processo psíquico da parte de quem fala e quem ouve. Na realidade física a
emissão vocal é um contínuo, como assinalaram quer os aparelhos acústicos,
quer os aparelhos de registro articulatório. Já se trata, pois, de uma primeira
abstração intuitiva do espírito humano em face da realidade física (CÂMARA
JUNIOR, 2005, p. 33).
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A partir de avanços realizados por Baudouin de Courtenay (1845–1929),


Ferdinand de Saussure (1859–1913) e Edward Sapir (1884–1939), os estudos
avançaram e se direcionaram para a abstração psíquica, em que “[...] cria-
-se, ao lado do som vocal elementar, o conceito de fonema, segundo o nome
proposto por Baudouin” (CÂMARA JUNIOR, 2005, p. 33). Dessa forma, o
fonema é entendido como aquele que apresenta t propriedades articulatórias
e acústicas que devem ser analisadas, pois é o que realmente interessa na
comunicação linguística. Ou seja, não é preciso analisar todo o conjunto da
emissão fônica, apenas essas pequenas partes chamadas de fonemas, uma vez
que são esses traços distintivos os utilizados em cada língua para diferenciar
os sons vocais elementares.
Conforme explica Câmara Junior (2005, p. 33), “[...] cada fonema, ou seja,
cada conjunto de certos traços distintivos, opõe entre si as formas da língua,
que possuem, em face de outras formas, que não o possuem, ou possuem em
seu lugar outro fonema”.
O Quadro 1 apresenta um paralelo entre palavras, o qual ilustra a definição
de fonema conferida por Câmara Junior (2005, p. 34): “[...] as propriedades
fônicas concorrentes (simultâneas para o ouvido humano) que se usam numa
dada língua para distinguir vocábulos de significação diferente”. Observe
que ao modificarmos um fonema (velas telas), modificamos os vocábulos.
O mesmo acontece com “mala” e “bala”: trocamos “m” por “b” e, do objeto
para carregar outros objetos, temos o doce, “bala”. Vale ressaltar, contudo,
que não se deve confundir fonema com letra. Fonema é um conceito que faz
parte da língua oral, já as letras pertencem à língua escrita.

Quadro 1. Transformação de palavras pela mudança de um de seus fonemas

mala bala

bala vala

moer roer

vela vê-la

saco soco

soco suco

delas nelas

velas telas
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Distinguimos, portanto, a representação de fonemas da representação de


letras pelo uso de barras paralelas (/ /) no processo de transcrição fonêmica.
Observe que nas palavras “aço”, “sala” e “próximo”, /s/ representa o mesmo
fonema presente nas três palavras; logo, na transcrição fonêmica temos: /asu/,
/sala/ e /proꞌsimu/.
Para a fonologia, então, o fonema é uma unidade de som (acústica) que não
é dotada de sentido quando analisada de forma individualizada. Fonemas são
os diferentes sons que as pessoas produzem para exprimir os pensamentos
desejados e efetivar o processo de comunicação. Os fonemas da língua por-
tuguesa podem ser classificados em vogais, semivogais e consoantes.

Você sabia que sem vogais não existe sílaba em língua portuguesa? Veja alguns
exemplos:
ca-sa;
es-tu-dar;
a-mar;
pro-ble-ma;
so-lu-ção;
fo-né-ti-ca;
fo-no-lo-gi-a.

Analisemos, por exemplo, a palavra “sal”. Você já ouviu alguém pronun-


ciando essa palavra com som /u/? Temos duas possibilidades [sal] e [sau]. O
que muda é o som, mas a palavra segue fazendo referência ao mesmo elemento.
Logo, o que temos nessa situação é a presença de variante. Essa variante é
chamada de alofone. Sendo assim, alofone é a variação de um fonema.
Segundo Câmara Junior (2005), existem dois tipos muito diferentes de
alofones. O primeiro deles depende do ambiente fonético em que o som vocal
está sendo produzido. Para o autor, “[...] dá-se uma assimilação aos traços dos
outros sons contíguos ou afrouxamento ou mesmo mudança de articulação em
virtude da posição fraca em que o fonema se encontra” (CÂMARA JUNIOR,
2005, p. 35). Esses alofones são chamados de posicionais.
O outro tipo de alofone é o de variação livre. Esse alofone ocorre
quando falantes da língua divergem na articulação do mesmo fonema.
Um mesmo falante também pode mudar a articulação de acordo com o
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registro da fala. Segundo Câmara Junior (2005), um exemplo desse tipo


de alofone é o /r/ forte da língua portuguesa, quando pronunciado pelas
pessoas sem o som velar, ou uvular.

2 Par mínimo e par suspeito


Para que seja possível identificar quais são os fonemas e os alofones de uma
dada língua, é preciso recorrer aos pares mínimos, ou seja, “[...] duas sequências
fônicas que se distinguem apenas por um fonema, como em ‘pato’ e ‘bato’”
(SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011, p. 76), o mesmo que
ocorreu com os exemplos anteriores “mala” e “bala”. Nesses dois pares de
exemplos, a distinção é perceptível por vozeamento ou sonoridade; em “pato” e
“bato”, identificamos “p” como sendo um som surdo e “b” como sendo um som
sonoro. O que queremos indicar é a possibilidade de perceber que a distinção
entre os sons ocorre por sonoridade e por pontos distintos de articulação. Logo, a
unidade mínima, distintiva, é o fonema, que pode ser identificada pelo conjunto
de traços distintivos que apresenta, sejam esses traços articulatórios ou acústicos.
Podemos considerar alguns casos específicos como sons foneticamente
semelhantes e, portanto, pares de sons suspeitos de atestarem o status de um
fonema. Para Cristófaro Silva (2007, p. 128), são eles:

1) Som vozeado e seu correspondente não vozeado, como pode ser visto em:
cato e gato.
2) Sons oclusivos e sons fricativos e africados com o mesmo ponto de articu-
lação, como em: tapo e sapo.
3) Sons fricativos com ponto de articulação muito próximo, como por exemplo
em: faca e saca.
4) As nasais entre si, como em: lenha e lema ou entre mata e nata.
5) As laterais entre si, como entre: pala e palha.
6) As vibrantes entre si, como entre caro (vibrante simples) e carro (vibrante
múltipla).
7) Sons laterais, vibrantes e o tepe (tap), conforme se pode ver em terra e tela,
ou entre torra e tora, ou ainda entre tala e tara.
8) Sons com propriedades articulatórias muito próximas.
9) Sons vocálicos que se diferenciam por uma propriedade articulatória, como
[ o ] e [ ᴐ ], que se distinguem apenas em altura (o primeiro é alto e o segundo
baixo), como em avô e avó.

Considere como sons foneticamente semelhantes aqueles que compartilham


entre si uma ou mais propriedades fonéticas. Esse par de sons foneticamente
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semelhantes representa, então, um par suspeito. Para esse par suspeito de sons,
devemos procurar um exemplo de par mínimo, pois apenas mediante esse
procedimento será possível identificar e atestar o status real de fonema para os
segmentos que estão sendo analisados. Observe o exemplo do Quadro 2, a seguir,
em que são apresentados pares mínimos e sons foneticamente semelhantes.

Quadro 2. Pares mínimos e sons foneticamente semelhantes

Pares mínimos
Pato [ 'patʊ ] Lenha [ ' lẽɲɐ ]
Bato [ 'batʊ ] Lema [ ' lẽmɐ ]

Ambiente comum
____at ʊ lẽ____ɐ

Sons diferentes p ɲ

b m

Fonte: Adaptado de Seara (2011).

3 Estrutura silábica da língua portuguesa


Como vimos anteriormente, para existir sílaba em língua portuguesa é neces-
sário que em cada uma delas esteja presente uma vogal. Ou seja, sílabas em
língua portuguesa apenas se consolidam com a presença de uma vogal (ca-sa;
car-ro; ma-la; a-vô, etc.). Portanto, as sílabas em língua portuguesa podem ser
constituídas por vogais (V), consoantes (C) e semivogais (V’).

No português brasileiro, há muitas vezes a ocorrência de encontros de dois ou três


segmentos vocálicos, aos quais se dá o nome de ditongos ou tritongos, respectiva-
mente. Eles costumam ser formados pelas vogais altas anterior [ i ] e posterior [ u ].
Quando essas vogais ocupam as posições periféricas na sílaba, são chamadas
de semivogais e apresentam menor proeminência acentual se comparadas às vogais
que a acompanham. Nesse caso, são representadas respectivamente pelos símbolos
fonéticos [ j ] e [ w ] (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011).
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Cada um desses elementos citados (V, C e V’) vai ocupar uma posição
estratégica nas sílabas, sendo que a presença da vogal é obrigatória em todas.
O espaço ocupado pelas sílabas recebe um nome específico: núcleo ou pico
silábico (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011). Já as consoantes
e as semivogais vão marcar presença periférica nas sílabas.
De acordo com Seara, Nunes e Lazzarotto-Volcão (2011, p. 95) “[...] a
posição periférica pré-vocálica, correspondente à parte anterior ao núcleo, é
chamada de ataque [...] silábico e pode não ser preenchida por nenhum seg-
mento”. Por sua vez, coda silábica é o nome conferido para a posição periférica
pós-vocálica, ou seja, parte posterior ao núcleo. Muitas vezes, porém, essa
posição não chega a ser preenchida.
É importante reforçar que cada língua apresenta sua própria estrutura
silábica. Dessa forma, o núcleo silábico pode envolver elementos que não são
aceitos na língua portuguesa, por exemplo. Seja como for, em todas as línguas
a sílaba representa o primeiro nível de organização fonológica.
Como o foco deste capítulo é a língua portuguesa, considere que a presença
da vogal é obrigatória para que exista uma sílaba. Logo, você deve contabilizar
o número de vogais em uma palavra para identificar o número possível de
sílabas. Observe o Quadro 3.

Quadro 3. Comparação entre número de vogais e número de sílabas

Palavra Número Separação Número


ortográfica de vogais silábica de sílabas

Fonética 4 Fo – né – ti – ca 4

Fonologia 5 Fo – no – lo – gi – a 5

Vogal 2 Vo – gal 2

Consoante 4 Con – so – an – te 4

Semivogal 4 Se – mi – vo – gal 4

Você percebe que o número de sílabas nesses exemplos corresponde ao


número de vogais? Mas e na palavra “beijo”? Quantas vogais e quantas sílabas
são encontrados na palavra? Observe no Quadro 4.
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Quadro 4. Comparação entre número de vogais e número de sílabas quando há semi-


vogais

Palavra Número Separação Número


ortográfica de vogais silábica de sílabas

Beijo 3 Bei – jo 2

Queijo 4 Quei – jo 2

Sabe por que temos maior número de vogais do que de sílabas nesse caso?
Pois ao contabilizar, devemos observar o número de vogais, e não de semi-
vogais. Repare que nos dois exemplos, “beijo” e “queijo”, o “i” é semivogal.
Em ambos, o “e” é pronunciado com mais destaque, e a sílaba é concluída
por “i” bem curto. De acordo com Câmara Junior (2005, p. 53), dessa análise:

[...] resulta como denominador comum um movimento de ascensão, ou cres-


cente, culminando num ápice (o centro silábico) e seguido de um movimento
decrescente, quer se trate do efeito auditivo, da força expiratória ou da tensão
muscular [...]. Por isso é normalmente a vogal, como o som vocal mais sonoro,
de maior força expiratória, de articulação mais aberta e de mais firme tensão
muscular, que funciona em todas as línguas como centro de sílaba, embora
algumas consoantes, particularmente as que chamamos “sonantes”, não estejam
necessariamente excluídas dessa posição.

Dessa forma, V sendo o centro da sílaba e C um elemento marginal, é


possível encontrar os seguintes tipos silábicos:

 V (sílaba simples);
 CV (sílaba complexa crescente);
 VC (sílaba complexa crescente-decrescente).

Ainda de acordo com Câmara Junior (2005, p. 54), “[...] conforme a ausência
ou a presença de travamento silábico (isto é, V e CV, de um lado, e, de outro
lado, VC e CVC), temos a sílaba aberta, ou melhor, livre, e a sílaba fechada,
ou melhor, travada”.
A sílaba do tipo CV é encontrada, por exemplo, em “to-ca” e “ga-to”. Já
as sílabas do tipo V podem ser encontradas em “u-va” e “á-gua”. Por fim,
a estrutura CVC pode ser encontrada nos seguintes exemplos: “far-do” e
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“tol-do”. Esses são padrões silábicos recorrentes em língua portuguesa. Mas


também encontramos padrões com semivogais, em combinações do tipo:
VV’, CVV’ e CV’V.
Por fim, lembre-se de que a sílaba representa uma forma de organização
rítmica da fala, de forma a envolver, em torno de uma vogal, os sons. Desse
modo, é no campo da fonologia que realizamos a descrição silábica das línguas.
A essa altura, você já pode identificar que a formação canonizada de sílaba
na língua portuguesa é a CV (ca-sa; car-ro; ca-nô-ni-ca; gar-ra-fa; quei-jo;
á-gua; cha-ve; as-sar; etc.). Nesses poucos exemplos listados, observe a maior
frequência de CV em relação a VC.

CÂMARA JUNIOR, J. M. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro: Organi-


zações Simões, 1953.
SEARA, I. C.; NUNES, V. G.; LAZZAROTTO-VOLCÃO, C. Fonética e fonologia do português
brasileiro. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011. (E-book).
SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios.
9. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

Leituras recomendadas
OLIVEIRA, S. G. de; BRENNER, T. de M. Introdução à fonética e à fonologia da língua
portuguesa: fundamentação teórica e exercícios para o 3o Grau. Florianópolis: Edição
dos Autores, 1988.
SEARA, I. C.; NUNES, V. G.; LAZZAROTTO-VOLCÃO, C. Para conhecer: fonética e fonologia
do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2015.

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