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Processos interativos com a

pessoa surda

Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi

Daniela Kamimura Rezende

Dáphine Luciana Costa Gahyva

Denise Rodovalho Scussel

Sandra Eleutério Campos Martins


© 2018 by Universidade de Uberaba

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Editoração e Arte
Produção de Materiais Didáticos-Uniube

Projeto da capa
Agência Experimental Portfólio

Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central Uniube

P941 Processos interativos com a pessoa surda / Vivian Zerbinatti da Fonseca


Kikuichi ... [et al.]. – Uberaba : Universidade de Uberaba, 2018.
192 p. : il.
Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7777-767-9

1. Deficientes auditivos. 2. Deficientes auditivos – Educação. 3. Deficientes


visuais. I. Kikuichi, Vivian Zerbinatti da Fonseca. II. Universidade de Uberaba.
Programa de Educação a Distância. III. Título.
CDD 371.912
Sobre as autoras

Daniela Kamimura Rezende

Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia –


(UFU). Pedagoga com Habilitação em Educação Especial pela Universidade
de Uberaba (Uniube). Proficiente no Uso e no Ensino da Libras (MEC/Inep/
UFSC) PROLIBRAS. Proficiente na Tradução e Interpretação de Libras/Língua
portuguesa/Libras (MEC/Inep/UFSC) Prolibras. Intérprete de Língua Brasileira de
Sinais – Libras – (CAS/BH). Docente nos cursos de Licenciaturas, Fonoaudiolo-
gia, Educação Física, EAD e Pós­‑graduação da Uniube. Docente na Faculdades
Associadas de Uberaba (Fazu). Intérprete de Libras/Língua Portuguesa em
Escola Estadual no ensino médio (Uberaba – MG). Intérprete de Libras/Língua
Portuguesa na Uniube nos cursos presenciais e a distância. Integra a equipe
de trabalho do Núcleo de Atendimento Especializado (NAE) da Uniube. Atua e
desenvolve trabalhos na educação de pessoas surdas.

Dáphine Luciana Costa Gahyva

Mestre em Fonoaudiologia pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Univer-


sidade de São Paulo (FOB/USP). Especialista em Linguagem pelo Conselho
Federal de Fonoaudiologia e pela FOB/USP. Graduada em Fonoaudiologia
pela FOB/USP.

Denise Rodovalho Scussel

Mestra em Educação e graduada em Pedagogia com habilitação em Supervisão,


Administração e Educação Especial pela Universidade de Uberaba (Uniube).
Gestora e docente do curso de Pedagogia dessa instituição.
IV UNIUBE

Sandra Eleutério Campos Martins

Mestra em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Gradua­da


em Letras pelas Faculdades Integradas de Uberaba (Fiub). Docente da Univer-
sidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi

Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade da Região dos Lagos (Ferlagos).


Graduada em Pedagogia ─ Habilitação em Educação Especial pela Universidade
de Uberaba (Uniube), e Letras ─ Português/Inglês pela Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM). Coordenadora Pedagógica da Escola para Surdos
Dulce de Oliveira. Professora de Língua Portuguesa (L2) para surdos, atua no
projeto de Estimulação Essencial para crianças surdas de 0 a 3 anos. Asses-
sora pedagógica do Departamento de Inclusão Educacional e Diversidade da
Secretaria de Educação e Cultura de Uberaba – MG.
Sumário

Apresentação.................................................................................................. IX

Capítulo 1  A abordagem socioantropológica da cultura surda.........................1


1.1  O que compreendemos por representação?.................................................................3
1.2  As representações da surdez........................................................................................3
1.3  Um pouco da história da educação dos surdos............................................................5
1.4  A oficialização da língua de sinais no Brasil................................................................12
1.5 Conclusão....................................................................................................................15

Capítulo 2 O desenvolvimento da criança surda com enfoque no


desenvolvimento da linguagem e cognição..................................21
2.1  Revendo alguns conceitos..........................................................................................23
2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e integral na infância.......24
2.3  O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em crianças surdas................27
2.4  Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão....................................................29
2.5 Semelhanças e diferenças no processo de aquisição da linguagem e
estruturação do pensamento em crianças surdas e ouvintes ....................................31
2.6 Conclusão....................................................................................................................36

Capítulo 3  A audição e o processo de ensino­‑aprendizagem........................41


3.1  Audição – som ­– fala – linguagem...............................................................................43
3.2  Neuroanatomofisiologia da audição............................................................................48
3.3  Deficiência auditiva: aspectos gerais..........................................................................50
3.3.1 Classificação da deficiência auditiva quanto à localização.................................54
3.3.2 Classificação da deficiência auditiva quanto ao grau..........................................56
3.4  Desenvolvimento da função auditiva...........................................................................59
3.5  Avaliação da audição...................................................................................................61
3.5.1 Avaliação do comportamento auditivo.................................................................63
3.5.2 Audiometria tonal liminar.....................................................................................64
3.5.3 Audiometria condicionada...................................................................................64
3.5.4 Audiometria com reforço visual...........................................................................64
3.5.5 Logoaudiometria..................................................................................................65
3.5.6 Imitanciometria....................................................................................................65
3.5.7 Emissões otoacústicas (EOAs) ..........................................................................65
3.5.8 Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (Peate)............................66
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3.6  Transtornos do processamento auditivo......................................................................67
3.7  Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos.................................................................70
3.7.1  Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI).........................................70
3.7.2  Sistema de frequência modulada (Sistema FM)...............................................73
3.7.3  Implante coclear (IC) .......................................................................................74
3.7.4  Implante auditivo de tronco encefálico (ABI)....................................................77
3.8. Educação de indivíduos com deficiência auditiva.....................................................78
3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala de aula........................................84
3.9.1  Estratégias comunicativas................................................................................84
3.9.2  Adaptações em sala de aula.............................................................................88
3.10 Conclusão..................................................................................................................90

Capítulo 4 A organização e o funcionamento da Língua Brasileira de


Sinais – Libras...............................................................................99
4.1  A Libras é uma língua natural?..................................................................................102
4.2  Caracterizações das línguas de sinais ­– LS ............................................................103
4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade..............................................................................104
4.3  Desfazendo­‑se dos mitos ........................................................................................106
4.4  Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo­‑espacial?......................109
4.4.1 Como são formados os sinais?......................................................................... 111
4.4.2 Os pares mínimos............................................................................................120
4.5 A morfologia das línguas de sinais..........................................................................122
4.5.1 Léxico e unidade lexical ≠ vocabulário e vocábulo...........................................123
4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras  ...................................................124
4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras?......................................................125
4.5.4 Formações de palavras por derivação .............................................................128
4.5.5 Os classificadores (Cl) .....................................................................................129
4.5.6 Tipos de classificadores....................................................................................130
4.5.7 Formação de palavras por composição ...........................................................137
4.6 A flexão na língua de sinais.....................................................................................143
4.6.1 Flexão de pessoa .............................................................................................144
4.6.2 Flexão verbal ....................................................................................................147
4.6.3 Flexão de número ............................................................................................149
4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal ................................................................152
4.7 Sintaxe ­– de que maneira se estabelecem as relações sintáticas numa língua
vísuo­‑espacial como a Libras?..................................................................................155
4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira.................................................162
4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas?........................................166
4.8  E as variações linguísticas também ocorrem na Libras?..........................................170
4.9 Conclusão..................................................................................................................175
Apresentação

É o primeiro dia de aula. A euforia toma conta da escola. Todos estão ansiosos
por encontrar colegas, conhecer novos amigos, novas pessoas. A professora
entra na sala, trazendo na cabeça um sonho antigo e sempre novo: o de fazer
tudo melhor do que no ano anterior! Diante dela, rostinhos infantis esperam avi-
damente por suas palavras: o “bom dia” é respondido em coro pelas crianças. Ela
pede para que cada uma se apresente. Entre brincadeiras, sorrisos, tudo corre
bem, até que uma criança não consegue se apresentar como os colegas: uma
menina faz gestos e profere alguns sons, apenas. A professora fica atônita ─
grande é sua surpresa! Sente medo e, por instantes, algumas perguntas invadem
seu pensamento: o que fará com uma criança surda? Saberá ensiná­‑la? Como
começar? Entretanto, um gesto da criança chama a atenção da educadora para o
momento da situação. A menina que, antes, tentava comunicar­‑se, agora, abaixa
a cabeça, numa desistência silenciosa. A professora a observa atentamente e
consegue tempo para vê­‑la em detalhes: mãozinhas branquinhas em cima da
mesa; rostinho pequeno, olhinhos cabisbaixos que fitam o caderno, num gesto
de tristeza e constrangimento. Mas ─ algo acontece ─, subitamente, o silêncio é
rompido pelos passos da professora que vai ao encontro da menina. Com delica-
deza, a educadora levanta o rosto da infante, a olha nos olhos, profundamente,
e a acolhe num sorriso. Vitoriosas, as duas, professora e aluna, percebem que
há linguagens que transcendem palavras e descobrem, juntas, como começar!

Esperamos que essa cena o tenha sensibilizado e remetido ao tema inclusão,


pois este livro tem como principal objetivo trazer informações e possibilitar que
você construa conhecimentos sobre como interagir com a pessoa surda. En-
tretanto, nada do que dissermos aqui fará sentido, se você não se sensibilizar
com a presença de seu aprendiz.
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Nem sempre sabemos como começar, mas talvez o começo seja, mesmo, a
nossa comoção diante da urgência de nossa presença e de nossas ações na vida
de nossos educandos. O ato de educar também é uma escolha. Não podemos
aprender e ensinar o que não queremos e para quem não queremos. Natural-
mente, nós, professores, temos receio quando nos deparamos com situações
inusitadas e desafiadoras, mas o conhecimento e o estudo devem ser sempre
um instrumento nas mãos daqueles que, realmente, querem fazer a diferença!

Sendo assim, prezado(a) aluno(a), acreditamos que os ensinamentos deste


livro constituem­‑se como uma oportunidade de você ter uma formação teórico­
‑prática em relação à comunicação com as pessoas surdas, por meio da Língua
Brasileira de Sinais e de conhecimentos fundamentais para o atendimento das
especificidades educacionais de alunos surdos na Educação Básica. Ressalta-
mos que o Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei
de Libras, garante o direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência
auditiva, e a inclusão dos alunos por meio de organização em escolas e classes
de educação bilíngue abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bi-
língues. Garante ainda ao aluno surdo o atendimento educacional especializado
em turno diferenciado para o desenvolvimento de complementação curricular,
com utilização de equipamentos e tecnologias de informação. Para garantir
o atendimento educacional especializado das pessoas surdas, a partir desse
mesmo decreto, a Libras foi incluída como disciplina curricular obrigatória nos
cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível
médio e superior; por isso, também, explica­‑se a presença dessa nova unidade
temática em seu curso de graduação.

Nesse sentido, no primeiro capítulo, intitulado “A abordagem socioantropológica


da cultura surda”, você terá oportunidade de refletir sobre as especificidades lin-
guísticas e culturais da pessoa surda; conhecer um pouco da trajetória histórica,
dos modelos educacionais vigentes e da legislação específica que respalda o
processo de inclusão educacional e social do surdo. O capítulo contribuirá para
que identifique os fundamentos filosóficos e socioantropológicos que alicerçam
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os projetos envolvendo a educação de surdos. Além disso, possibilitará a aná-


lise das relações de saberes e poderes, estabelecidas entre surdos e ouvintes,
bem como a relevância que o aprendizado da língua de sinais representa para
o desenvolvimento linguístico, afetivo e cognitivo do indivíduo surdo. E, ainda,
a identificação das características que diferem a visão clínico­‑terapêutica e
socioantropológica em relação à surdez, reconhecendo qual é a imagem que
os discursos do mundo pós­‑moderno projetam sobre a pessoa surda e a língua
de sinais.

Em seguida, no capítulo “O desenvolvimento da criança surda com enfoque no


desenvolvimento da linguagem e cognição”, você terá a oportunidade de refletir
sobre o desenvolvimento da criança surda, em uma abordagem pedagógica.
Descobrirá semelhanças e diferenças em relação ao desenvolvimento de crian-
ças ouvintes e identificará elementos fundamentais para o desenvolvimento
harmônico e integrado das cinco áreas do desenvolvimento neuropsicomotor
de qualquer criança.

O texto “A audição e o processo de ensino­‑aprendizagem”, como terceiro ca-


pítulo, possibilita que você entenda os mecanismos envolvidos com a audição
e com o desenvolvimento da linguagem e da fala; que conheça as implicações
clínicas e educacionais decorrentes dos quadros de deficiência auditiva/surdez,
assim como de outros transtornos relacionados ao desenvolvimento auditivo;
que compreenda a origem das possíveis dificuldades e necessidades a serem
enfrentadas por seus possíveis alunos, e assim tenha condições de promover
estratégias que busquem minimizar os obstáculos na aprendizagem, reforçando
sempre a parceria com a família e outros profissionais.

Por último, por meio do capítulo “A organização e o funcionamento da Língua


Brasileira de Sinais ─ Libras”, você terá a oportunidade de reconhecer a Língua
Brasileira de Sinais ─ Libras como uma língua natural; entender como se constitui
e como funciona; reconhecer sua estrutura fonológica, morfológica e sintática,
e, ainda, identificar e reconhecer aspectos de sua variação linguística.
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Esperamos que os conhecimentos construídos a partir deste livro possam,


realmente, oportunizar a você reflexões e sentimentos mais amplos e profundos
em relação às pessoas com deficiência auditiva e, ainda, que lhe possibilite uma
prática docente realmente inclusiva.
A abordagem
Capítulo Fonética: a sonoridade
socioantropológica da
1 da língua inglesa
cultura surda

Newton GonçalvesDenise
GarciaRodovalho
/ Renata deScussel
Oliveira/
Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi

Introdução
Introdução
Iniciamos, aqui, parte fundamental da sua formação como professor de
Em nosso
língua cotidiano,
inglesa: convivemos
a fonética. Porém,com asde
além mais
se diferentes
dedicar aomanifestações
estudo dessa
da diversidade cultural. Muitas vezes, por incompreensão
importante faceta da língua, você deve se preparar para ensiná-la ou falta ao
de
informação,
seu grupo desubjugamos
alunos. (isto é, damos menos valor, desconsideramos)
as pessoas que se diferenciam, em seus hábitos, comportamentos e
linguagem,
Você que jádaquele
iniciou padrão estabelecido
ou inicia agora seuspela sociedade
estudos em que
da língua esta-
inglesa
mos inseridos.
certamente Subjugar
já teve é, portanto,
dificuldades comum ato preconceituoso.
a pronúncia desse idioma. Isso
é algo esperado de ocorrer já que se trata de um idioma com origens
Reconhecemos que o século
na língua anglo-saxã, portanto,XXIcom
temcaracterísticas
se caracterizado pelas incertezas
distintas de nosso
e por questionamentos
idioma de origem latina. dos valores humanos que sustentaram o fazer e
o pensar do homem até então. Para compreender os questionamentos
desse
Apesarnovo
dessetempo,
aspecto,nóspor
– profissionais
meio do estudo da da
educação
fonética,–énecessitamos
possível con-
de
seguir disponibilidade
umauma interior
pronúncia inteligível aosque nos faz
falantes acolher,
nativos e nãoidentificar
nativos do e
enfrentar as mudanças
idioma, como de valores,
frisa Underhill costumes
(200?, p.92) em: e hábitos. Essa disponi-
bilidade figura como uma condição que permite ao educador ter uma
postura diferenciadaThe aim
paraof“fazer
pronunciation
acontecerteaching can no longer
a educação be to getastu-
que valoriza
diversidade humana dentsetocultural”,
sound [...]na
likequal
nativenão
speakers, or more
há lugares like the teacher
privilegiados
para “alguns” seres […].humanos.
The primary aim must be to help learners to communicate
successfully when they listen or speak in English, often with
Cabe a nós, educadores, construtores
other non-native e sujeitos da história, contribuir
speakers.
para a construção de novo significado de diferença e dos valores hu-
O objetivo
manos, do ensino da
considerando pronúncia não
o pensamento pode ser mais fazer com que
de Hall:
os alunos soem como falantes nativos ou como seu professor. O obje-
tivo primário deve ser ajudar os aprendizes a se comunicar com
2 UNIUBE

Somos nós ­– na sociedade, nas culturas humanas – que


fazemos as coisas significarem, que significamos. Os signi-
ficados, consequentemente, mudam sempre de uma cultura
ou época para outra (HALL, 1997, p. 61).

É importante entender que as coisas, pessoas, gestos, cores, linhas,


palavras são significadas pelo homem em determinado tempo, em de-
terminado espaço e em determinada situação. Assim sendo, explicam­‑se
as transformações de sentido de uma época para outra, de um povo
para outro, e também as múltiplas formas de representação de tudo
que é produzido pelo homem.

Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• reconhecer a imagem do sujeito surdo construída pelos discursos


do mundo pós­‑moderno;
• analisar as relações de saberes e poderes entre adultos surdos
e adultos ouvintes na perspectiva socioantropológica;
• reconhecer a identidade socioantropológica da cultura surda;
• analisar as atuais políticas públicas na educação de surdos;
• identificar os fundamentos filosóficos e socioantropológicos das
propostas de educação de surdos.

Esquema
1.1 O que compreendemos por representação?
1.2 As representações da surdez
1.3 Um pouco da história da educação dos surdos
1.4 A oficialização da língua de sinais no Brasil
1.5 Conclusão
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1.1 O que compreendemos por representação?

Representação é o processo pelo qual membros de uma comunidade, utilizando


sistemas de signos, produzem a comunicação de seus bens, valores, crenças,
sentimentos e conhecimentos. A representação pode ser verbal quando se uti-
lizam os sistemas de línguas orais; gráfica, sistemas de linhas e cores; visual,
quando são utilizados os sistemas de sinais, como, por exemplo, as línguas de
sinais utilizadas pelas comunidades de surdos. Sendo assim, para representar
uma ideia, um sentimento, um conhecimento, um objeto ou uma situação, é
necessário que se empregue um sistema de signos, de sinais significantes, que
tenham sentido para os seus usuários.

Esta noção de representação já carrega a importante premissa de que as coi-


sas –
­ objetos, pessoas, eventos do mundo – não têm em si significado. Seus
significados lhes são atribuídos pelas comunidades, pelas sociedades em que
existem ou nas quais se relacionam.

Interpretações mais tradicionais entendem que somos aquilo que acreditamos


ser ou que nos fizeram acreditar que somos; e, ainda, que enxergamos no outro
aquilo que tem significado para nós. Assim, é possível ressaltar a forte influência
da educação na formação humana. O educar vai além do ensinar, e a escola
é o espaço designado socialmente para a aquisição e construção dos saberes
produzidos pela sociedade, sejam eles científicos, éticos, estéticos, econômicos,
históricos; enfim, de todos os saberes culturais.

Na perspectiva cultural, antropológica, os estudos relacionados às pessoas com


deficiências têm deixado claro que o mais importante é como o sujeito surdo
participa da sociedade, e qual a sua forma de relação com o outro nas diferentes
situações da vida social.

1.2 As representações da surdez


Antes de abordarmos, com mais profundidade, questões pertinentes a este ca-
pítulo, pense nos conceitos que você tem sobre língua, linguagem, normalidade,
deficiência, inclusão.
4 UNIUBE

  agora é a sua vez 

Sem pesquisar em livros, revistas ou Internet, tente formular o seu conceito para
essas palavras. Escreva em seu caderno sobre o que pensou.

Depois, registre palavras nas quais você pensa quando vê a palavra surdez.

Para você o surdo é um deficiente? A surdez é uma doença, uma limitação? Pense
nesses questionamentos quando estiver realizando suas leituras.

Foi difícil responder às questões propostas? Certamente, muitas dúvidas surgiram


quando você começou a pensar com mais profundidade no assunto. Agora tente
não pensar em termos como certo ou errado. Realize suas leituras aberto às no-
vas reflexões e conceitos, seja curioso, pesquise, faça associações com outras
leituras que você já realizou durante sua caminhada. Seja ousado, crítico, reflexivo,
reelabore conceitos, discuta ideias, enfim, seja protagonista do seu processo de
aprendizagem.

Para iniciarmos nossas reflexões, vamos pensar sobre conceitos, concepções,


discursos e representações que prevalecem em relação à surdez. As diferentes
representações de surdez resultam em práticas que limitam ou ampliam o uni-
verso do exercício de cidadania das pessoas surdas. As visões que circulam so-
bre a surdez e os surdos estão presentes nas ciências, na religião, na educação,
nos consultórios, na mídia, no interior das famílias que, geralmente, reproduzem
os discursos de alguns que detêm o poder e o saber nas sociedades, e projetam
as imagens por eles produzidas em seus filhos e irmãos surdos.

Nesses discursos têm sido colocados focos de atenção na deficiência: o sujeito


surdo não é visto no todo de suas capacidades e habilidades. Enfim, são as
práticas discursivas e as condições sociais que os tentam definir e controlar. A
insistência nessa incompreensão e o enorme desconhecimento das particula-
ridades das pessoas surdas demandam que nós, os educadores, enfrentemos
uma luta para tirá­‑los do âmbito das perspectivas médicas, terapêuticas, as-
UNIUBE  5

sistencialistas, caritativas e outras que historicamente têm predominado, para


percebê­‑los em uma perspectiva cultural e da diversidade humana.

1.3 Um pouco da história da educação dos surdos

Nas mais antigas comunidades humanas, nas diversas regiões do mundo, sem-
pre nasceram pessoas surdas ou que perderam a audição na mais tenra idade.
Em cada um desses lugares, desenvolveu­‑se um sistema de língua próprio
dessas pessoas. Os registros históricos explicam que a comunicação entre elas
e as pessoas que ouviam se fazia pelas mãos e pela expressão do rosto. Até
o século XIX, embora enfrentando preconceitos, os surdos sempre usaram a
língua de sinais. A comunicação com os surdos, inclusive na escola, era gestual.

Aos poucos, foi ganhando espaço, na educação formal, uma linha de pensa-
mento na qual a comunicação dos surdos, e com eles, deveria ser por meio da
língua oral. Nessa linha, denominada oralista, os gestos eram proibidos e a fala
foi entendida como a única maneira de os surdos serem inseridos na vida social.
A consequência dessa forma de pensar a inter­‑relação ouvintes/surdos fez com
que as comunidades surdas se isolassem socialmente das demais, resistindo à
imposição da língua oral.

  ponto­‑chave 

Somente a partir de 1960, esta situação começa a se alterar, em virtude das pesquisas
realizadas pelo linguista americano Willian Stokoe por meio da Língua de Sinais Ame-
ricana – ASL. Desses estudos, resulta a definição das línguas de sinais como línguas
naturais dos indivíduos surdos. A divulgação desses estudos contribuiu decisivamente
para modificar os métodos de educação e, é importante ressaltar, modificar a percepção
da cultura surda para o próprio surdo e para as demais pessoas que com eles se
relacionam. Surgem, então, neste novo contexto, os defensores da língua de sinais.

Apesar das contribuições de inúmeros estudos e pesquisas, muitas pessoas


apresentam concepções inadequadas sobre as línguas de sinais, pois estão
6 UNIUBE

acostumadas a associar língua com fala (linguagem verbal), desconsiderando


que, ao se tratar de uma língua de sinais, deve­‑se associar língua a sinais.

Karnopp (1994 apud QUADROS, 1997), baseada em pesquisas realizadas em


diversos países sobre o estatuto linguístico das línguas de sinais, apresenta
algumas concepções inadequadas sobre essas línguas de modalidade visual­
‑espacial. Na verdade todas essas concepções vêm sendo desmistificadas por
meio de pesquisas com diferentes línguas de sinais existentes no mundo. Assim,
estudiosos e linguistas têm mostrado a riqueza e complexidade das línguas de
sinais e contribuído para o reconhecimento de seu status linguístico.

  importante! 

Sabe­‑se que, atualmente, a linguística considera as línguas de sinais como sistemas


linguísticos legítimos, uma vez que se caracterizam como línguas naturais das comu-
nidades surdas, constituindo­‑se como traço identitário dessas pessoas. Pesquisas
recentes mostram que as línguas de sinais, sob o ponto de vista linguístico, são
completas, complexas, capazes de expressar qualquer conteúdo, transmitir qualquer
informação, além de possuírem uma abstrata estruturação nos diversos níveis de
análise.

No Brasil, são fundadas as associações de surdos e a Federação Nacional de


Educação e Integração de Surdos – Feneis, dirigida por surdos. Começam a ser
implantadas as primeiras escolas para pessoas surdas. As discussões metodo-
lógicas e pedagógicas para o ensino de surdos, fundamentadas em concepções
filosóficas, se ampliaram.

  pesquisando na web 

Caso queira conhecer mais sobre a história e o trabalho desenvolvidos pelo Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines) ou pela Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (Feneis), visite os sites:
UNIUBE  7

• <http://www.ines.gov.br/>.

• <http://www.feneis.com.br/>.

No site da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Feneis,


<www.feneis.com.br/page/legislacao.asp>, sugerimos que leia os seguintes textos:

• Lei no 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Este é um


documento do Governo Federal no qual a Língua Brasileira de Sinais ­– Libras é
reconhecida como a língua natural da comunidade surda brasileira, e ainda legitima
a sua divulgação e propagação em todos os ambientes públicos, em suas diversas
áreas (saúde, social, educacional, cultural e outras).

• Lei no 10.845/2004: este documento institui o Programa de Complementação ao


Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiências.
Atendimento a ser oferecido pelas instituições de ensino preferencialmente na
rede regular.

• Texto on­‑line disponível em <www.crmariocovas.sp.gov.br>: Um pouco da histó-


ria das diferentes abordagens na educação dos surdos, de Cristina B. F. de
Lacerda, fonoaudióloga que descreve a educação dos surdos como um problema
inquietante. Descreve sobre o panorama da educação dos surdos ao longo da
história e focaliza as principais abordagens educacionais (oralismo, comunicação
total e bilinguismo) e suas consequências.

• Texto on­‑line disponível em <www.educaremrevista.ufpr.br>: A Crise da Educação


Especial: uma reflexão política e antropológica, de Paulo Ricardo Ross. Este
trabalho analisa a concepção de homem, sociedade e educação, apresentada por
professores, em relação às necessidades ditas especiais, e, ainda, a implementação
da educação inclusiva, proclamada como “Educação para Todos”.

Ao longo da história da educação de surdos, destacaram­‑se três correntes pe-


dagógicas que continuam presentes ainda hoje, em maior ou menor intensidade,
nas instituições e/ou escolas que atendem alunos surdos. São elas: o oralismo,
a comunicação total e o bilinguismo.
8 UNIUBE

O oralismo

A proposta educacional oralista, presente com maior intensidade desde a anti-


guidade até o século XIX, fundamenta­‑se na “recuperação” do surdo, chamado
de deficiente auditivo. O oralismo enfatiza a língua oral em termos terapêuticos,
e como o foco dessa proposta é o aprendizado da língua oral, não é permitido
ao surdo usar a língua de sinais, seja em sala de aula ou em ambiente familiar.

O que predomina nessa proposta é uma visão clínico­‑terapêutica da surdez que


acredita na “normalização” do surdo, preconizando a integração e o convívio
dessas pessoas com os ouvintes exclusivamente por meio da língua oral. Nessa
proposta, o trabalho pedagógico centra­‑se no ensino da fala, que passa a ser
mais importante do que aprender a ler ou escrever; assim, o surdo é considerado
um “deficiente”, pois o foco do oralismo é no déficit biológico da pessoa e não
em sua potencialidade.

  saiba mais 

Veja o que Duffy (1987) nos diz sobre pesquisas realizadas em relação à oralização:

Pesquisas realizadas nos Estados Unidos constataram que,


apesar do investimento de anos da vida de uma criança
surda na sua oralização, ela é capaz de captar somente cerca
de 20% da mensagem através da leitura labial e sua produção
oral, normalmente, não é compreendida por pessoas que não
convivem com ela. (DUFFY, 1987 apud QUADROS, 1997, p. 23)

Veja que essa é uma informação que nos incita a reflexão!

No Congresso de Milão, realizado em 1880, diretores renomados de escolas


da Europa propuseram proibir o uso da língua de sinais e priorizar um trabalho
educacional com a língua oral, representou segundo Skliar (1997, p. 75), “não
o começo da ideologia oralista, mas a sua legitimação oficial”.
UNIUBE  9

Hoje, as consequências dessa filosofia podem ser observadas por meio do


esmagador fracasso acadêmico vivenciado pelo aluno surdo. Sacks expressa
muito bem essa condição:

O oralismo e a supressão do Sinal resultaram numa deterioração


dramática das conquistas educacionais das crianças surdas
e no grau de instrução do surdo em geral. Muitos dos surdos
hoje em dia são iletrados funcionais [...] (SACKS, 1990 apud
QUADROS, 1997, p. 22).

Diante desse contexto educacional de fracasso, surge uma proposta que permite
o uso da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na pessoa
surda. Nesse caso a língua de sinais seria usada apenas como um recurso ou
estratégia para o ensino da língua oral. O ensino nessa perspectiva não enfatiza
mais, exclusivamente, a comunicação oral, mas a forma bimodal, por isso, essa
nova concepção é chamada de bimodalismo ou comunicação total.

Bimodalismo ou comunicação total

Tal proposta caracteriza­‑se pelo uso simultâneo de sinais e da fala, porém os


sinais são utilizados dentro da estrutura da Língua Portuguesa, descaracteri-
zando a estrutura da Língua de Sinais. Essa descaracterização leva Sacks e
outros pesquisadores a criticarem o bimodalismo:

Há uma compreensão de que algo deve ser feito (diante do


oralismo): mas o quê? Tipicamente, usando os sinais e a fala,
permita aos surdos se tornarem eficientes nos dois. Há outra
sugestão de compromisso, contendo uma profunda confusão:
uma linguagem intermediária entre o Inglês e o Sinal (ou seja,
o Inglês Sinalizado). [...] não é possível efetuar a transliteração
de uma língua falada em Sinal palavra por palavra, ou frase por
frase – as estruturas são essencialmente diferentes. Imagina­
‑se com frequência, vagamente, que a língua de sinais é Inglês
ou Francês: não é nada disso; é ela própria, Sinal. Portanto, o
“Inglês Sinalizado”, agora favorecido como um compromisso, é
desnecessário, pois não precisa de nenhuma pseudolíngua in-
termediária. E, no entanto, os surdos são obrigados a aprender
os sinais não para ideias e ações que querem expressar, mas
pelos sons fonéticos em Inglês que não podem ouvir (SACKS,
1990 apud QUADROS, 1997, p. 24).
10 UNIUBE

Assim, tanto a concepção oralista quanto a concepção bimodal mostraram­‑se


insuficientes para garantir o aprendizado efetivo e significativo da pessoa surda,
pois ambas negam ao surdo a oportunidade de criar e experimentar uma língua
natural, desrespeitando sua condição cultural e linguística diferenciada.

Essas duas primeiras fases (oralismo e comunicação total) constituem grande


parte da história da educação de surdos no Brasil, porém a comunidade surda
e os educadores estão despertando para a importância e o valor da língua de
sinais no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da pessoa surda. Estão
tendo acesso a informações que são resultados de pesquisas e estudos sobre
as línguas de sinais, ressignificando, assim, conceitos acerca da surdez.

Bilinguismo

Atualmente, a educação de surdos no Brasil vive uma terceira fase, que ca-
racteriza um período de transição – a proposta educacional bilíngue. Eulália
Fernandes explica que o indivíduo surdo pode ser usuário de duas línguas: a
língua de sinais, língua natural e de fácil acesso à pessoa surda, constituindo­
‑se, portanto, sua primeira língua, e no caso do Brasil a língua portuguesa, sua
segunda língua (L2). Porém, a autora afirma que a essência do bilinguismo não
pode ser confundida com a mera inclusão da língua, de sinais em sala de aula,
ao lado da língua portuguesa, ou da mera e simples tradução do conteúdo pe-
dagógico para a língua de sinais. Para Eulália, falar de bilinguismo na educação
significa pensar sobre o conceito de Educação em seu sentido mais amplo e
objetivo, refletir sobre o processo educacional do surdo e sua participação como
indivíduo na sociedade.

A proposta bilíngue apresenta uma visão socioantropológica da surdez,


percebendo­‑a como uma experiência visual e o surdo, como um ser que é lin-
guística e culturalmente diferente.
UNIUBE  11

  ponto­‑chave 

Os professores que buscam desenvolver uma prática bilíngue precisam considerar que
os surdos formam uma comunidade linguística minoritária caracterizada por comparti-
lhar uma língua de sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios.

É preciso entender que a língua de sinais é traço identitário dessa comunidade e


que, além de favorecer o desenvolvimento de competências linguísticas e cognitivas,
garante­‑lhes uma forma de comunicação natural, eficiente e significativa.

Essas considerações acerca da concepção bilíngue de educação ajudam­‑nos a


entender que o problema da educação de surdos não se restringe à linguagem, pois
uma prática verdadeiramente bilíngue extrapola as questões linguísticas e leva­‑nos
a refletir sobre a importância do reconhecimento e valorização da diferença e não da
deficiência para a construção de uma sociedade realmente inclusiva.

Conhecer a trajetória histórica e educacional das pessoas surdas é importante


para percebermos que ela sempre esteve dialeticamente implicada com a con-
cepção de homem e cidadania ao longo do tempo e que, muitas vezes, a prática
docente e comportamentos sociais em relação à pessoa surda são um reflexo
dessas concepções.

É fundamental entender o papel crucial que a língua de sinais desempenha


para o desenvolvimento integral da pessoa surda. Segundo Lopes (2006 apud
SKLIAR, 1999, p. 33),

A língua de sinais, pelo que podemos observar, é um elemento


mediador entre o surdo e o meio social em que vive. Por in-
termédio dela, os surdos demonstram suas capacidades de
interpretação do mundo desenvolvendo estruturas mentais em
níveis mais elaborados.

Para Skliar (1999), “o bilinguismo resgata a identidade do surdo enquanto cida-


dão consciente, através da valorização da prática da língua de sinais”.
12 UNIUBE

  ponto­‑chave 

Skliar acredita que a língua de sinais anula a deficiência e permite que os surdos
consigam, então, ser uma comunidade linguística minoritária diferente e não um
desvio da normalidade.

Olhar para a trajetória histórica da educação de surdos no mundo e no Brasil,


para as concepções educacionais que prevaleceram em cada momento, para
as lutas e conquista dessa comunidade, possibilita­‑nos entender melhor os
reflexos desse contexto na vida social e acadêmica dessas pessoas. Assim,
teremos condições de refletir criticamente sobre o papel do professor bilíngue
e sua responsabilidade em promover uma educação maior, completa, relevante
e absoluta para o aluno surdo.

1.4 A oficialização da língua de sinais no Brasil

Os movimentos de resistência dos surdos em relação à oralização e as pesqui-


sas científicas, comprovando a importância da língua de sinais, culminaram na
oficialização das Línguas de Sinais – LS em diversos países.

No Brasil, a comunidade surda recebeu o reconhecimento de sua língua oficial-


mente através da Lei federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, que foi regu-
lamentada pelo Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Esse decreto
garante o direito à educação das pessoas surdas ou com deficiências auditivas e
a inclusão dos alunos por meio de organização em classes de educação bilíngue,
abertas a alunos surdos e ouvintes, com a regência de professores bilíngues.
Vem garantir, ainda, ao aluno surdo o atendimento educacional especializado, em
turno diferenciado para a complementação curricular necessária, com utilização
de equipamentos e tecnologias de informação. Além de várias outras garantias,
o Decreto regulamenta a inclusão da Libras como disciplina curricular obrigatória
nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível
médio e superior e também nos cursos superiores de Fonoaudiologia.
UNIUBE  13

De acordo com o Ministério da Educação,

[...] as garantias individuais do surdo e o pleno exercício da


cidadania alcançaram respaldo institucional decisivo com a Lei
federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, em que é reconhe-
cido o estatuto da Língua Brasileira de Sinais ­– LIBRAS como
língua oficial da comunidade surda, com implicações para a
divulgação e ensino, para o acesso bilíngue à informação em
ambientes institucionais e para a capacitação dos profissionais
que trabalham com os surdos (BRASIL, 2002, v. 2, p. 62).

Ao longo da história educacional dos surdos, observamos a influência que o


ouvinte sempre teve sobre a educação do surdo e, consequentemente, sobre o
surdo. Hoje, por meio de pesquisas realizadas pelos próprios surdos, vem sendo
feito um resgate histórico dessa trajetória educacional pela narrativa dos surdos
e não apenas pela ótica dos ouvintes.

  pesquisando na web 

Caso queira conhecer o Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, na íntegra,


acesse o site do Feneis: <www.feneis.com.br/page/legislacao.asp>.

O Decreto no 5.626/2005 vem regulamentar a Lei no 10.436/2002, especificando todos


os serviços, atendimentos e benefícios para a pessoa surda e, consequentemente,
sua inclusão social.

Segundo Quadros (2005, p. 31), “a língua de sinais é uma das formas mais ex-
pressivas das culturas surdas e apresenta um papel fundamental nessas lutas”.
Mas embora estudos científicos demonstrem que a língua de sinais cumpre todas
as funções da língua natural, ainda persiste, na sociedade, uma ideia estereo-
tipada da LS: socialmente, é interpretada como mímica, meros gestos icônicos,
vista como uma língua primitiva e tantas outras interpretações distorcidas das
relações sociais.

Assim não se valoriza a língua de sinais como uma construção histórica e


social, produto da interação de um grupo de pessoas que se identificam pela
14 UNIUBE

comunicação visual. A língua de sinais, muitas vezes, é utilizada apenas como


recurso para o ensino da língua majoritária. O uso social ou pedagógico de uma
língua de modalidade visual ainda causa estranheza e põe em oposição surdos,
profissionais ouvintes e estudiosos.

Afirma, ainda, que os contextos educacionais atuais não têm proporcionado


o desenvolvimento das crianças surdas, sendo fundamental a aquisição da
linguagem e a interação com outros surdos para garantir às crianças o acesso
aos instrumentos que sua cultura oferece para pensar, aprender e interagir
com o conhecimento, identificando­‑se como sujeitos de um grupo com iden-
tidade cultural e linguística própria. Do mesmo modo, faz­‑se necessária uma
política que reconheça que as diferenças devem ser pensadas e construídas
com os diferentes, pois somente quando conseguirmos o reconhecimento
político da surdez enquanto diferença será possível conceber uma educação
para surdos.

A partir dessas considerações, podemos inferir que há uma tendência das esco-
las em homogeneizar as produções culturais e sociais, pois ainda não há uma
política que incorpore todas as implicações aqui discutidas. Cabe ressaltar a
falta de participação da comunidade surda na tomada de decisões quanto às
políticas educacionais para os surdos.

Nas discussões sobre educação do surdo, você pode perceber que se desta-
caram dois modelos de representação dos surdos e da surdez. Um é o modelo
clínico­‑terapêutico, que considera o surdo como um deficiente auditivo que
precisa unicamente de terapias da fala e sessões de oralização para diminuir
sua deficiência. Tais procedimentos são utilizados com o objetivo de tornar o
surdo o mais parecido possível com as pessoas ouvintes. E é nesse modelo
que se funda a proibição da expressão pela língua visual. Ele apenas mascara
a surdez ao tentar induzir a leitura labial e o aprendizado de algumas palavras
sem nenhum sentido para os surdos.

Na contramão desse modelo, temos a visão socioantropológica, outra forma


de entendimento da surdez e das pessoas surdas. No modelo socioantropoló-
UNIUBE  15

gico, concebe­‑se a surdez a partir da leitura cultural, na qual os surdos, em sua


comunidade, se agrupam para discutir e opinar sobre suas vidas, não apenas
porque têm em comum o fato de não ouvirem, mas por serem sujeitos visuais, o
que, num sentido ontológico, “permite reinterpretar suas tradições comunitárias
como construções históricas, culturais, linguísticas e não simplesmente como
um efeito de supostos mecanismos de compensação biológicos e/ou cognitivos”
(SKLIAR, 1998, p. 24).

É de extrema relevância o convívio da criança surda com outros surdos mais


experientes, que dominem a língua de sinais, pois estes se constituirão em
modelo cultural e linguístico para crianças e jovens surdos. É na interação com
os pares que surdos menos experientes adquirirão a língua de sinais de forma
natural e espontânea. Pais e familiares ouvintes também devem aprender a lín-
gua de sinais, preferencialmente no convívio com as comunidades surdas, para
garantir um ambiente linguístico adequado à criança surda, tanto no contexto
familiar como no social. O mesmo se aplica aos educadores e profissionais de
todas as áreas que convivem com o surdo.

1.5 Conclusão

Entendemos que a constituição de sujeitos surdos depende mais dos modos


pelos quais as relações sociais são constituídas ou significadas, frente a carac-
terísticas que configuram sua diferença, e dos modos pelos quais essa diferença
é falada, percebida e julgada, em situações de maior ou menor acolhimento, e
menos da condição orgânica em si.

O foco da política pública educacional deve ser o desenvolvimento humano, a


equidade das oportunidades educativas e a participação de todos, enfatizando
o eixo da humanização, do desenvolvimento integral e do processo de aprendi-
zagem, ao mundo da cultura e do conhecimento que devem estar inseridos na
política de educação inclusiva e social.

Temos que nos debruçar sobre esse tema, professores surdos, professores
ouvintes, profissionais da saúde, afetos à legislação, profissionais intérpretes,
16 UNIUBE

instrutores surdos, escolas especializadas, órgãos executivos de educação e,


prioritariamente, a comunidade surda, para juntos construirmos a educação in-
clusiva e a educação especializada, necessárias à formação do cidadão surdo.

Resumo

Neste capítulo, você teve a oportunidade de refletir sobre as especificidades lin-


guísticas e culturais da pessoa surda, conhecer um pouco da trajetória histórica,
modelos educacionais vigentes e legislação específica que respalda o processo
de inclusão educacional e social do surdo.

A leitura proposta contribuirá para a identificação dos fundamentos filosóficos e


socioantropológicos que alicerçam os projetos envolvendo a educação de surdos,
além de possibilitar a análise das relações de saberes e poderes, estabelecida
entre surdos e ouvintes. Tal análise possibilitará a descoberta da relevância que
o aprendizado da língua de sinais representa para o desenvolvimento linguístico,
afetivo e cognitivo do indivíduo surdo.

Ao analisar as diversas representações atribuídas ao surdo, será possível iden-


tificar as características que diferem a visão clínico­‑terapêutica e socioantropo-
lógica em relação à surdez, reconhecendo qual é a imagem que os discursos
do mundo pós­‑moderno projetam sobre a pessoa surda e a língua de sinais.

Atividades

Atividade 1
Além da oposição à prática educativa tradicional oferecida aos surdos ao longo
da história, que contribuições o bilinguismo trouxe para a ressignificação do
conceito de surdez? Utilize a citação abaixo para sua reflexão:

[...] o bilinguismo é considerado um reconhecimento político


da surdez como diferença (SKLIAR, 1999).
UNIUBE  17

Atividade 2
Fazendo uma retrospectiva sobre os fatos mais relevantes que marcaram a
história da educação de surdos, explique por que a Lei Federal no 10.436 de 24
de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como língua oficial
da comunidade surda, representa um marco importante para essa comunidade.

Atividade 3
Leia as citações, a seguir:

[...] o Congresso de Milão representou não o começo da


ideologia oralista, mas a sua legitimação oficial (SKLIAR,
1999, p. 22).

[...] essa data ainda é lembrada como a mais sinistra de sua his-
tória: como se fosse mesmo o “11 de setembro” deles quando
desabaram as torres gêmeas da cultura e da língua de sinais,
a do método misto e a do método manualista para educação
dos surdos. Ali começou uma longa e amarga batalha para
defender o direito de vida de língua de sinais (RÉE, 2005, p. 2).

Relacione as citações a seguir e produza um texto (de no máximo 20 linhas)


crítico­‑reflexivo sobre o impacto do Congresso de Milão (1880) na trajetória
educacional da pessoa surda.

Atividade 4
Qual é a importância da Lei Federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, para a
comunidade surda? Histórica e politicamente, o que ela representa?

Atividade 5
Leia a citação, a seguir:

A comunicação humana é essencialmente diferente e supe-


rior a toda outra forma de comunicação conhecida. Todos os
seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem
específicos da espécie, e todos os desenvolvem normalmente,
independente de qualquer fator racial, social ou cultural (SÁN-
CHEZ, 1990, p. 17).
18 UNIUBE

Considerando a citação e seus estudos, escreva sobre como a língua de sinais


pode ser adquirida.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Ensino de língua portuguesa para surdos.
Brasília, 2002. v. 2.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei no 10.436, de 24 de


abril de 2002.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto no 5.626, de 22


de dezembro de 2005.

CORRÊA, Maria A. M. De rótulos, carimbos e crianças nada especiais. Caderno Cedes, São
Paulo, SP, n. 28, p. 69­‑74, jul. 1992.

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em: <www.ines.org.br>. Acesso em: 3 set. 2008.

______. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.

GOLDFELD, Márcia. Linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. São


Paulo: Plexus, 2002.

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LACERDA, Cristina B. F. de. Um pouco da história das diferentes abordagens na


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QUADROS, R. M. Inclusão de Surdos. In: BRASIL. MEC. Ensaios pedagógicos:


construindo escolas inclusivas. Brasília: SEESP, 2005. v. 1.

______. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.


UNIUBE  19
RÉE, Jonathan.Filósofo questiona. Instituto brasileiro de empreendedorismo social/IES.
Disponível em: < http://www.sentidos.com.br/canais/materia.asp?codpag=7809&codtip>
Acessado em: 10 de set. de 2011.

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas,
2006.

SÁNCHEZ, C. Os surdos, a alfabetização e a leitura: sugestões para a desmistificação


do tema. Conferência. Secretaria de Estado de Educação do Paraná: Departamento de
Educação Especial, 2002 (Mimeo).

SÁNCHES, C. M. La increible y triste historia de la sordera. Caracas, Venezuela:


Impresión Ceprosord, 1990.

SILVA, Ângela Carrancho; NEMBRI, Armando Guimarães. Ouvindo o silêncio: educação,


linguagem e surdez. Porto Alegre: Mediação, 2008.

SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
1998.

______. Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999.
O desenvolvimento
Capítulo
da criança surda
2
com enfoque no
desenvolvimento da
linguagem e cognição
Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi

Introdução
O desenvolvimento humano é envolvido por conceitos heterogêneos das
mais diversas origens. Isso porque ele pode ser definido ou entendido de
várias formas, dependendo do referencial teórico que se queira adotar
e de quais aspectos se queira abordar.

O pediatra talvez definisse o desenvolvimento como o aumento da


capacidade do indivíduo na realização de funções cada vez mais
complexas; o neuropediatra pensaria mais na maturação do sistema
nervoso central e no consequente integridade dos reflexos; o psicólogo,
dependendo da sua formação e experiência, estaria pensando nos as-
pectos cognitivos, na inteligência, adaptação, inter-relação com o meio
ambiente; o psicanalista daria mais ênfase às relações com os outros
e à constituição do psiquismo. Na verdade, todas as definições apre-
sentadas estariam certas, pois cada profissional estaria pensando nos
aspectos que vivenciam em sua prática profissional. Entretanto, para
outro profissional, cada experiência diferente pode parecer incompleta
ou reducionista. O que nos confirma que o desenvolvimento vai além
de uma determinação biológica e necessita uma abordagem multicon-
ceitual, e, consequentemente, multiprofissional.
22 UNIUBE

Neste capítulo, você terá a oportunidade de refletir sobre o desenvolvi-


mento da criança surda, em uma abordagem pedagógica. Descobrirá
semelhanças e diferenças em relação ao desenvolvimento de crianças
ouvintes e identificará elementos fundamentais para o desenvolvimento
harmônico e integrado das cinco áreas do desenvolvimento neuropsi-
comotor de qualquer criança.

Por meio das leituras, reflexões e relato de experiência, perceberá que


o desenvolvimento da criança surda poderá acontecer de forma análoga
ao das crianças ouvintes, desde que respeitada sua condição cultural e
linguística diferenciada. Sendo assim, veja os nossos objetivos.

Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• conhecer as fases iniciais do desenvolvimento da criança;


• analisar conceitos importantes relativos ao desenvolvimento
neuropsicomotor;
• compreender a importância da aquisição da língua de sinais para
o desenvolvimento da linguagem e cognição das crianças surdas.

Esquema
2.1 Revendo alguns conceitos
2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e inte-
gral na infância
2.3 O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em crianças
surdas
2.4 Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão
2.5 Semelhanças e diferenças no processo de aquisição da linguagem
e estruturação do pensamento em crianças surdas e ouvintes
2.6 Conclusão
UNIUBE  23

2.1 Revendo alguns conceitos

Antes de entrarmos no tema proposto para este capítulo, vamos pensar em


conceitos importantes como: crescimento, maturação, desenvolvimento e de-
senvolvimento psicossocial, que muitas vezes são usados como sinônimos, mas
possuem significados bem diferentes.

Crescimento significa aumento físico do corpo, como um todo


ou em suas partes, e pode ser medido em termos de centímetro
ou de gramas. Traduz aumento do tamanho das suas células
(hipertrofia) ou de seu número (hiperplasia).
Maturação é a organização progressiva das estruturas morfo-
lógicas, já que, como o crescimento, seu potencial está deter-
minado geneticamente. A maturação neurológica engloba os
processos de crescimento, diferenciação celular, mielinização
e o aperfeiçoamento dos sistemas que conduzem a coordena-
ções mais complexas.
Desenvolvimento é um conceito amplo que se refere a uma
transformação complexa, contínua, dinâmica e progressiva,
que inclui além do crescimento, a maturação, a aprendizagem
e os aspectos psíquicos e sociais.
Desenvolvimento psicossocial é o processo de humaniza-
ção, que inter­‑relaciona aspectos biológicos, psíquicos, cog-
nitivos, ambientais, socioeconômicos e culturais, mediante o
qual a criança vai adquirindo maior capacidade para mover­‑se,
coordenar, sentir, pensar e interagir com os outros e o meio
que a rodeia; em síntese, é o que lhe permitirá incorporar­‑se
de forma ativa e transformadora à sociedade em que vive
(BRASIL, 2001, p. 8-9).

Assim, refletindo sobre crescimento, maturação, desenvolvimento e desenvol-


vimento psicossocial, entendemos que as crianças são seres em construção,
maleáveis nas suas capacidades e com uma inteligência que poderá expandir­‑se
à medida que o ambiente a estimule.
24 UNIUBE

2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e


integral na infância

O desenvolvimento integral da criança está relacionado a um crescimento har-


mônico de sua aparelhagem e funcionalidade sensorial, perceptiva, psicológica,
intelectual, motora e de linguagem. Esse crescimento ocorre especialmente
durante as etapas críticas do desenvolvimento e maturação neurocerebral do
indivíduo. Desde antes do nascimento, toda criança possui um potencial de de-
senvolvimento que poderá ser otimizado na medida em que fatores biológicos
e ambientais forem favoráveis. Por isso, o desenvolvimento infantil deve ser
entendido como o produto da interação entre fatores genéticos, desenvolvimento
biológico e vivências ou experiências/estímulos oferecidos à criança.

Segundo Lajolo (2003), o significado da palavra infante, infância em sua origem


latina e nas línguas daí derivadas, está relacionado à ideia de ausência de fala.
Esta noção de infância como qualidade ou estado do infante, ou seja, aquele
que não fala, constrói­‑se a partir dos prefixos e radicais linguísticos que com-
põem a palavra: in = prefixo que indica negação; fante = particípio presente do
verbo latino fari, que significa falar, dizer. Portanto a noção de infância carrega
consigo a ideia daquele que não fala. Geralmente, define o período que vai do
nascimento até aproximadamente os 2 e 3 anos de idade, quando a fala já se
transformou em um instrumento de comunicação.

Não se estranha, portanto, que esse silêncio que se infiltra


na noção de infância continue marcando­‑a quando ela se
transforma em matéria de estudo ou de legislação. Assim, por
não falar, a infância não se fala e não se falando, não ocupa a
primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. E, por não
ocupar essa primeira pessoa, isto é, não dizer eu, por jamais
assumir o lugar de sujeito do discurso, e, consequentemente,
por consentir sempre um ele/ela nos discursos alheios, a
infância é sempre definida de fora (LAJOLO, 2003, p. 230).

Esse período é quando muitos eventos ocorrem pela primeira vez: o primeiro
sorriso, a primeira palavra, os primeiros passos, a primeiro alcançar de um objeto;
e é justamente o período em que se estabelece uma profunda diferença entre o
desenvolvimento linguístico da criança surda e da criança ouvinte. A criança é
UNIUBE  25

um ser dinâmico, complexo, em constante transformação, que apresenta uma


sequência previsível e regular de crescimento físico e de desenvolvimento neu-
ropsicomotor. Todavia, o contato com uma língua natural e pares experientes,
usuários desta língua, será um dos fatores determinantes para a aquisição de
linguagem em crianças surdas.

  parada para reflexão 

Segundo Quadros (1997, p. 83),

[...] a primeira língua, ou seja, L1, é adquirida de forma es-


pontânea e natural quando a criança é exposta à sua língua
materna, porém uma segunda língua (L2) só será aprendida
em ambiente artificial e de forma sistemática, observando
diferentes metodologias de ensino.

Pesquisas comprovam que o desenvolvimento infantil é influenciado por fatores


intrínsecos e extrínsecos, que provocam variações de um indivíduo para outro
e que tornam singular o curso do desenvolvimento de cada criança. Os fatores
intrínsecos determinam as características físicas da criança como: cor dos
olhos, cabelos, pele e outros atributos geneticamente determinados. Os fatores
extrínsecos começam a atuar desde a concepção, estando diretamente relacio-
nados com o ambiente da vida intrauterina proporcionado pela mãe por meio
das suas condições de saúde e nutrição. É importante ressaltar que mãe e feto
sofrem os efeitos do ambiente que os circundam, por isso, as mães não podem
esquecer que seu bem-estar emocional também influencia de forma significativa
o bem-estar do seu bebê. Após o nascimento, o ambiente em que a criança está
inserida, os cuidados dispensados pelos pais e familiares, o carinho, estímulos
e alimentação passam a fazer parte significativa no processo de maturação que
leva a criança da dependência à independência.

Do ponto de vista biológico, o desenvolvimento neurológico


inicia­‑se na concepção. As interações do indivíduo com o
meio ambiente modelam ao longo de sua vida (incluindo a
26 UNIUBE

intrauterina) tanto a estrutura como o funcionamento do seu


sistema nervoso central (SNC). Este por sua vez cresce e se
desenvolve com uma grande velocidade nos primeiros anos
de vida (BRASIL, 2001, p. 11).
Do ponto de vista da maturação, o desenvolvimento neuroló-
gico não acontece de maneira arbitrária, mas de acordo com
um plano contido no potencial genético, por meio de etapas
previsíveis e predeterminadas, no sentido céfalo­‑caudal –
­ da
cabeça em direção aos pés e próximo­‑distal, ou seja, do
centro para as extremidades (BRASIL, 2001, p. 12).

Conforme o exposto acima, reconhecemos que fatores intrínsecos e extrínse-


cos, biológicos, neurológicos, maturacionais e psíquicos são responsáveis pelo
desenvolvimento harmônico do ser humano. No entanto, a experiência mostra­
‑nos que os bebês dependem inteiramente de outra pessoa para se desenvolver.
Como sabemos, ao contrário dos outros animais, o ser humano não conseguiria
sobreviver sem ter o “outro” que o alimente, agasalhe, proteja­‑o e se comunique
com ele. Por isso, precisamos nos atentar para a importância da relação que se
estabelece entre mãe­‑bebê durante o desenvolvimento na infância.

Abordamos até agora a importância do desenvolvimento do sistema nervoso


central, da maturação, da motricidade, do psiquismo, mas ressaltamos que esses
elementos precisam somar­‑se à relevância que assume a presença do “outro”
no que se refere ao desenvolvimento da criança.

A partir de agora, refletiremos sobre o papel do “outro” para o desenvolvimento


integral da criança surda, com foco na aquisição de linguagem. Ao pensarmos
nas cinco áreas do desenvolvimento neuropsicomotor (motora, cognitiva, lin-
guagem, sensório­‑perceptiva e social/afetiva) perceberemos que a grande dife-
rença que se estabelece entre o desenvolvimento de crianças surdas e ouvintes
encontra­‑se na área da linguagem.
UNIUBE  27

2.3 O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em


crianças surdas

Para propor um estudo sobre o desenvolvimento da criança surda temos como


alicerce a teoria histórico­‑cultural de Vygotsky, que afirma que as pessoas
constituem­‑se sujeitos por intermédio da linguagem. Veja o que Almeida nos
explica:

A teoria de Vygotsky tem como perspectiva o homem como


um sujeito total enquanto mente e corpo, organismo biológico
e social, integrado em um processo histórico. A partir de pres-
supostos da epistemologia genética, sua concepção de desen-
volvimento é concebida em função das interações sociais e
respectivas relações com processos mentais superiores, que
envolvem mecanismo de mediação. As relações homem­‑mundo
não ocorrem diretamente, são mediados por instrumentos ou
signos fornecidos pela cultura (VYGOTSKY, 2003, p. 44).

Desde a mais tenra idade, a linguagem da criança é essencialmente social,


desenvolve­‑se no plano das interações sociais, das relações interpessoais e,
gradualmente, transforma­‑se em intrapessoal.

  relembrando 

A teoria histórico­‑cultural se baseia no princípio de que o desenvolvimento do indiví-


duo se dá como resultado de um processo sócio­‑histórico e cultural, enfatizando o
papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento à medida que este
indivíduo interage com seu meio. Para Vygotsky, a linguagem humana é o principal
instrumento de mediação verbal, constituindo­‑se como o sistema simbólico funda-
mental na mediação sujeito objeto (VYGOTSKY, 1989).

Por isso, o desenvolvimento da linguagem nas crianças depende das relações


sociais construídas com o “outro”. Pensemos em uma situação hipotética: em
uma casa em que todos os moradores são ouvintes, o desenvolvimento da
criança acontece por meio do contato com a língua oral, ou seja, é por meio do
28 UNIUBE

contato com um adulto que possui o domínio da linguagem oral que a criança,
dialeticamente, irá constituir­‑se como sujeito.

  ponto­‑chave 

Assim, em uma casa na qual todos os moradores são ouvintes, ou seja, comunicam­
‑se por meio de uma língua de modalidade oral­‑auditiva e nasça, nessa família, uma
criança surda, com certeza, as pessoas terão que se reestruturar para garantir
que a criança não tenha atraso no desenvolvimento da linguagem. A criança
surda terá dificuldade em apropriar­‑se de forma natural da linguagem oral, uma vez
que esta forma de comunicação privilegia a função auditiva, devendo, portanto, ser
exposta a uma língua de modalidade vísuo­‑espacial – a língua de sinais, língua que
respeita sua especificidade linguística diferenciada.

A privação da criança surda ao contato com a língua de sinais e com pares


mais experientes, ou seja, adultos usuários desta língua, trará atrasos em seu
desenvolvimento de linguagem. Da mesma forma que crianças com acesso à
língua de sinais desde muito cedo desfrutam da possibilidade de adentrar o
mundo da linguagem com todas as suas nuanças.

  relembrando 

Vamos rever o conceito da língua de sinais Libra, de acordo com Vieira (2011, [s.p]):

[...] A Libras é a língua materna dos surdos brasileiros e, como


tal, poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada
pela comunicação com essa comunidade. Como língua, esta
é composta de todos os elementos pertinentes às línguas
orais, como gramática, semântica, pragmática, sintaxe e
outros, preenchendo, assim, os requisitos científicos para
ser considerada instrumental linguístico de poder e força.
Possui todos os elementos classificatórios identificáveis de
uma língua e demanda de prática para seu aprendizado,
como qualquer outra língua.

E, então, lembrou­‑se?!
UNIUBE  29

Assim, por meio da linguagem, a criança amplia suas relações com o outro e com
o mundo que a cerca, alcançando o desenvolvimento de suas funções mentais
superiores, pois esses processos são mediados, essencialmente, por signos.

O termo signo é utilizado por diversos autores com diferentes sentidos. Em


relação à surdez, muitos termos como o referido acima ganham significados
diferentes dos utilizados em outras áreas do conhecimento. Para que as ideias
expostas ao longo deste capítulo sejam bem compreendidas, apresentaremos
uma breve revisão de conceitos fundamentais.

2.4 Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão

Os conceitos de linguagem, língua e signo linguístico foram estudados e sis-


tematizados pelo linguista suíço Ferdinand Saussure, em 1916. Saussure é
considerado o pai da Linguística, pois foi a principal figura responsável pelas
mudanças de atitude ocorridas entre os séculos XIX e XX em relação aos estu-
dos da linguagem e seus elementos constituintes.

Segundo Robins (2004), Saussure separou a competência linguística dos falan-


tes, dando­‑lhes respectivamente os nomes de langue (língua) e parole (fala).
Para esse autor, a linguagem seria formada por dois elementos distintos: a
língua e a fala. A língua, para Saussure, é o aspecto social da linguagem, pois
é compartilhada por todos os falantes de uma comunidade e para ele, seria o
único objeto de estudo da Linguística. Já a fala, em sua concepção estruturalista,
seria o aspecto individual da linguagem, características pessoais que os falan-
tes imprimem à sua linguagem. Como Saussure não caracterizou a fala como
objeto de estudo da Linguística, não enfatizou esse elemento em seus estudos.

Os estudos de Saussure definiram como signo a união entre significante (imagem


acústica) e significado (sentido). Para ele, uma palavra ou expressão só poderia
ser considerada como signo se apresentasse essas duas faces indissociáveis.
Também determinou que o signo é social, arbitrário e imutável.

Outras interpretações foram dadas aos elementos que aparecem diretamente


ligados aos estudos sobre aquisição de linguagem.
30 UNIUBE

O psicólogo Vygotsky, estudioso da primeira metade do século XX, atribuiu ao


signo uma função intrinsecamente ligada ao indivíduo. Esse autor não nega a
função social do signo, mas admite que o significado das palavras evolui para
cada indivíduo. Assim, para Vygotsky, a língua não se constitui mero elemento
de comunicação entre as pessoas, mas caracteriza­‑se como um dos principais
instrumentos de desenvolvimento dos processos cognitivos do ser humano.

Segundo Goldfeld (2002), linguagem é tudo que envolve significação, que tem um
valor semiótico e não se restringe apenas a uma forma de comunicação. Segundo
a autora, é pela linguagem que se constitui o pensamento do indivíduo. A linguagem
constitui o sujeito, a forma como este recorta e percebe o mundo e a si próprio.

  ponto­‑chave 

A evolução do significado é uma conquista importante em relação à teoria de Vygotsky


e consequentemente à importância do desenvolvimento da linguagem para qualquer
ser humano. Para este autor, a aquisição da linguagem não termina quando a criança
pode dominar as estruturas linguísticas, uma vez que os significados (conceitos/
sentidos) continuam evoluindo no indivíduo. Portanto, em relação à criança surda,
podemos afirmar que não basta permitir­‑lhe a exposição à língua de sinais por um curto
período, em que acreditamos que as estruturas linguísticas básicas foram adquiridas,
ao contrário, é necessário o contato permanente com usuários desta língua para que
o pensamento da criança surda continue se estruturando e os signos linguísticos
internalizados possam evoluir.

Bakhtin (1990 apud GOLDFELD, 2002) também considera a significação um


aspecto bastante importante da língua, ressaltando que a enunciação só ganha
sentido no contexto social na qual está inserida. Esse autor percebe a língua
numa situação de diálogo constante. Para ele, a corrente comunicativa é inin-
terrupta e toda enunciação está relacionada com as enunciações anteriores e
posteriores a ela.

Neste capítulo o termo signo será utilizado para representar uma palavra que,
sendo marcada pela história e cultura de seus usuários, possui inúmeras possi-
UNIUBE  31

bilidades de sentidos. É importante ressaltar que a partir de estudos e revisões


bibliográficas, realizados e apresentados de forma sucinta neste trabalho, o sinal
(item lexical da língua de sinais) é um signo linguístico das línguas de modalidade
vísuo­‑espacial da mesma forma que as palavras nas línguas orais.

Diante das reflexões apresentadas até o momento, percebemos que, em relação


ao desenvolvimento da criança surda, o objeto de estudo sobre a aquisição da
linguagem deve ser deslocado do interior da criança surda para suas relações
interpessoais e o meio social no qual ela está inserida.

2.5 Semelhanças e diferenças no processo de aquisição da


linguagem e estruturação do pensamento em crianças surdas
e ouvintes

Pesquisas mostram que os estágios da aquisição da língua de sinais por crian-


ças surdas podem ser comparados aos da aquisição da língua oral por crianças
ouvinte, fato que caracteriza elementos semelhantes na organização mental do
conhecimento linguístico e estruturação do pensamento, com implicações idên-
ticas relativas ao desenvolvimento de habilidades cognitivas. Inúmeras seme-
lhanças poderiam ser apontadas entre as línguas de modalidade vísuo­‑espacial
e oral­‑auditiva; destacamos a presença dos universais linguísticos a que se
associam características sociolinguísticas e funções semântico­‑pragmáticas,
podendo ser encontrados tanto nas línguas orais quanto nas línguas de sinais,
confirmando que as línguas de sinais são manifestações da linguagem tanto
quanto as línguas orais.

A Semântica é o estudo do significado da palavra e da sentença, portanto trata


da natureza, da função e do uso dos significados. É a parte da Linguística que
se dedica a estudar a natureza do significado individual das palavras ou de
agrupamentos de palavras nas sentenças.

A Pragmática é o estudo da linguagem em uso, ou seja, de acordo com o contexto


e princípios da comunicação, portanto, envolve a relação entre a linguagem e
o contexto no qual é produzida.
32 UNIUBE

Assim, podemos concluir que as funções semântico­‑pragmáticas referem­‑se


ao sentido que as palavras adquirem de acordo com o contexto no qual são
utilizadas, fenômeno que acontece tanto nas línguas orais quanto nas línguas
de sinais.

  pesquisando na web 

Em relação aos universais linguísticos, existem casos em que a comparação com as


línguas orais não é imediata devido à natureza do canal perceptual de cada língua,
fato que não invalida a observação de que os universais linguísticos são encontrados
nas línguas de sinais:

I. Onde houver seres humanos, haverá língua(s). [...]


II. Não há línguas primitivas – todas as línguas são igual-
mente complexas e igualmente capazes de expressar
qualquer ideia. O vocabulário de qualquer língua pode ser
expandido a fim de incluir novas palavras para expressar
novos conceitos. [...]
III. Todas as línguas mudam ao longo do tempo. [...]
IV. As relações entre sons e significados das línguas faladas
e entre os gestos (sinais) e os significados das línguas de
sinais são em sua maioria arbitrários. [...]
V. Todas as línguas humanas utilizam um conjunto finito de
sons discretos (ou gestos) que são combinados para formar
elementos significativos ou palavras, os quais por sua vez
formam um conjunto infinito de sentenças possíveis. Todas
as gramáticas contêm regras de um tipo semelhante para
formação de palavras e sentenças. [...]
VI. Toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos os
quais podem ser definidos por um conjunto de propriedades
ou traços. Toda língua falada tem uma classe de vogais e
uma classe de consoantes. Línguas de sinais apresentam
segmentos discretos na composição dos sinais. [...]
VII. Todas as línguas apresentam categorias gramaticais. [...]
VIII. Universais semânticos, como fêmea ou macho, animado
ou humano são encontrados em todas as línguas. [...]
UNIUBE  33

IX. Todas as línguas possuem formas para indicar tempo


passado, negação, interrogação, comando etc. [...]
X. Falantes de todas as línguas são capazes de produzir e
compreender um conjunto infinito de sentenças. Universais
sintáticos revelam que toda língua tem meios de formar
sentenças. [...]
XI. Qualquer criança normal, nascida em qualquer lugar
do mundo, de qualquer origem racial, geográfica, social ou
econômica é capaz de aprender qualquer língua à qual é
exposta (BRASIL, 2002, p. 86­‑94).

  saiba mais 

Para saber mais, acesse: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol1.pdf>.

Ainda em relação às semelhanças na aquisição da linguagem por crianças surdas


ou ouvintes, Petitto e Marantette (1991 apud KÖNIG; LEMES, 2007, p. 9), veri-
ficaram que “o balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os bebês, surdos
ou ouvintes, como fruto da capacidade inata do ser humano para a linguagem”.
Estas autoras afirmam que as crianças balbuciam (oralmente) e realizam mani-
festações manuais até um determinado período e este desenvolvimento (oral e
manual) é paralelo nas crianças surdas e ouvintes.

Entretanto, nos bebês surdos, inicia­‑se uma fase no processo de aquisição de


linguagem em que as vocalizações são interrompidas. Por outro lado, nos be-
bês ouvintes, as produções manuais é que são interrompidas, pois será o canal
perceptual de aquisição da língua que determinará o desenvolvimento natural
da linguagem nos indivíduos, ou seja, bebês ouvintes aprenderão de forma
natural e espontânea a língua oral, pois esta modalidade respeita sua experiên-
cia auditiva. Bebês surdos só aprenderão de forma natural e espontânea uma
língua de modalidade vísuo­‑espacial que respeita sua experiência visual e sua
especificidade linguística.
34 UNIUBE

A grande diferença no processo de aquisição da linguagem entre crianças sur-


das e ouvintes está justamente na modalidade de língua a qual esta criança é
exposta e no papel do outro no processo de desenvolvimento dessa língua e,
consequentemente, na constituição do sujeito.

Segundo Goldfeld (2002), o adulto, além de estimular a comunicação da criança,


estimula seu desenvolvimento intelectual. Vygotsky (1998) afirma que o início
do desenvolvimento cognitivo nas crianças é interpsíquico, ou seja, surge da
relação entre o psiquismo do adulto e da criança.

Por volta dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a fala social com a
função de comunicação, substituindo a fala do adulto por sua própria fala. Em
relação à produção dos primeiros sinais ou das primeiras palavras, pode­‑se
afirmar que, apesar das especificidades e diferenças individuais entre crianças
surdas e ouvintes ou das diferenças entre as modalidades das línguas, existe
um desenvolvimento análogo no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem.

Quando entendemos que a linguagem, além da função comunicativa, exerce


também a função de estruturação do pensamento, ou seja, assume o papel de
instrumento do pensamento mais importante que o homem possui, percebemos
a desvantagem da criança surda que é privada do contato com a língua de sinais
em relação à criança ouvinte que adquire a linguagem oral de forma natural e
espontânea.

Segundo Goldfeld (2002), a aquisição da linguagem provoca um padrão de


desenvolvimento cognitivo da criança. As funções mentais inferiores, tal como
a percepção natural, atenção involuntária e memória natural, com a mediação
da linguagem, transformam­‑se em percepção mediada, atenção voluntária e
memória mediada.
UNIUBE  35

 
Funções mentais Funções mentais
inferiores: superiores:

• percepção • percepção
natural Mediação da mediada
• atenção linguagem • atenção
involuntária voluntária
• memória • memória
natural mediada

Enfim, toda a cognição passa a ser determinada pela linguagem, ou seja, todos
esses aspectos diretamente relacionados à aquisição da linguagem influenciam
no desenvolvimento cognitivo da criança.

  sintetizando... 

Sendo assim, podemos entender que:

• conhecendo melhor a diferença entre aquisição de uma primeira língua e aprendi-


zagem sistematizada de uma segunda língua;

• refletindo sobre a importância do desenvolvimento da linguagem nos seres humanos


não como mero instrumento de comunicação, mas como elemento que proporciona
seu desenvolvimento linguístico, afetivo e cognitivo;

• e analisando a diferença entre uma língua de modalidade vísuo­‑espacial e oral­


‑auditiva;

• podemos concluir que a língua de sinais seria a única língua que o surdo poderia
aprender de forma natural e espontânea a ponto de dominá­‑la plenamente!

Brito (1993 apud GOLDFELD, 2002, p. 45) afirma que:

[...] se a criança surda não for exposta à língua de sinais desde


seus primeiros anos de vida sofrerá várias consequências:
36 UNIUBE

a) o surdo perde a oportunidade de usar a linguagem, senão


o mais importante, pelo menos um dos principais instru-
mentos para a solução de tarefas que lhe apresentam no
desenvolvimento da ação inteligente;

b) o surdo não há de recorrer ao planejamento para a solução


de problemas;

c) não supera a ação impulsiva;

d) não adquire independência da situação visual concreta;

e) não controla seu próprio comportamento e o ambiente;

f) não se socializa adequadamente.

As reflexões de Brito vêm ao encontro do pensamento de Fernandes (2003), que


afirma que proporcionar ao surdo a aquisição da língua de sinais como primeira
língua é a forma de oferecer­‑lhe um meio natural de aquisição linguística, visto
que se apresenta como uma língua de modalidade espaço­‑visual, não depen-
dendo, portanto, da audição para ser adquirida. Para Fernandes:

É direito do indivíduo surdo ter acesso ao instrumento linguís-


tico característico da comunidade à qual naturalmente pertence
(FERNANDES, 2003, p. 31).

A autora afirma, ainda, que, não havendo a possibilidade da aquisição da lín-


gua de sinais pelos surdos, todos os meios de introdução de um mecanismo
linguístico serão não naturais e exigirão um esforço que, além de desnecessário,
poderá prejudicar, de modo significativo, o desenvolvimento natural da criança.

2.6 Conclusão

Assim, podemos concluir que a aquisição espontânea da língua de sinais em


idade análoga àquela que as crianças ouvintes adquirem a língua oral evita
o atraso da linguagem e todas as suas consequências como: dificuldade de
percepção, generalização, abstração, formação de conceitos, atenção, me-
UNIUBE  37

mória, socialização, evolução das brincadeiras e composição de sentidos. Ao


evitar o atraso da linguagem, podem­‑se eliminar todas as dificuldades que
dele se originam.

Resumo

O presente capítulo traz uma reflexão sobre as etapas de desenvolvimento du-


rante a primeira infância, apontando semelhanças e diferenças entre crianças
surdas e ouvintes, favorecendo a identificação de elementos fundamentais para
o desenvolvimento harmônico e integrado das cinco áreas do desenvolvimento
neuropsicomotor de qualquer criança. Por meio da leitura proposta, será possível
perceber que tal desenvolvimento poderá acontecer, nas crianças surdas, de
forma análoga ao das crianças ouvintes, desde que seja respeitada sua condição
cultural e linguística diferenciada.

Partindo de uma revisão conceitual sobre língua, linguagem e signo linguístico


que favorecerá o entendimento de aspectos relevantes relacionados ao processo
de aquisição de linguagem em qualquer criança, será possível compreender a
importância da aquisição da língua de sinais para o desenvolvimento da lingua-
gem e cognição das crianças surdas, destacando neste processo a importância
do “outro” para a construção da subjetividade e identidade destas crianças.

Ao refletirmos sobre o papel do “outro” para o desenvolvimento integral da


criança surda, com foco na aquisição de linguagem e relacionando esse de-
senvolvimento às cinco áreas do desenvolvimento neuropsicomotor (motora,
cognitiva, linguagem, sensório­‑perceptiva e social/afetiva) perceberemos que a
grande diferença que se estabelece entre o desenvolvimento de crianças surdas
e ouvintes encontra­‑se na área da linguagem, por isso é fundamental o contato
dessas crianças, desde a mais tenra idade, com surdos adultos usuários da
língua de sinais que serão modelo linguístico e cultural para elas, oferecendo­
‑lhes a oportunidade de aprender uma língua de forma natural e espontânea
que respeita a condição linguística diferenciada da pessoa surda.
38 UNIUBE

Atividades

Atividade 1
Segundo Quadros (1997), existe uma diferença fundamental entre o conceito
de aquisição ou aprendizado de uma língua. Pensando nesta diferença, diga
qual seria a língua adquirida pela criança surda de forma natural e espontânea
e justifique a importância desta aquisição.

Atividade 2
Cite e exemplifique os fatores intrínsecos e extrínsecos que influenciam no
desenvolvimento da criança.

Atividade 3
Pensando no desenvolvimento da criança surda sob a perspectiva da teoria
histórico­‑cultural de Vygotsky, explique em um texto de no máximo 10 linhas
em que consiste esta teoria.

Atividade 4
Coloque V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas que se seguem:

(  ) Crescimento significa o aumento físico do corpo, já desenvolvimento é um


conceito amplo que se refere a uma transformação complexa, contínua,
dinâmica e progressiva, que inclui, além do crescimento, a maturação, a
aprendizagem e os aspectos psíquicos e sociais.

(  ) As línguas de sinais são sistemas abstratos de regras gramaticais, naturais


das comunidades de indivíduos surdos que as utilizam.

(  ) As crianças são seres em construção, maleáveis nas suas capacidades e


com uma inteligência que não poderá expandir­‑se à medida que o ambiente
a estimule.

(  ) O desenvolvimento infantil acontece no sentido céfalo­‑caudal ­– da cabeça


em direção aos pés – e próximo­‑distal – do centro para as extremidades.
UNIUBE  39

(  ) A primeira língua (L1) é aprendida de forma natural e espontânea, enquanto


a segunda língua (L2) é adquirida em ambiente sistematizado.

Atividade 5
Leia a citação:

A comunicação humana é essencialmente diferente e supe-


rior a toda outra forma de comunicação conhecida. Todos os
seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem
específicos da espécie, e todos os desenvolvem normalmente,
independente de qualquer fator racial, social ou cultural (SÁN-
CHEZ, 1990, p. 17).

Articule a citação de Sanchez à importância da língua de sinais, explique por


que ela é importante para o surdo e como ela deve ser adquirida por ele.

Referências
ALMEIDA, M. E. B. de. Informática e formação de professores. Brasília: Ministério da
Educação, 2000.

BRASIL. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica.
Secretaria de Educação Especial – Brasília: MEC/Seesp, 2002.

______. Fundamentos técnico­‑científicos e orientações práticas para o


acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. Ministério da Saúde, 2001.
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FENEIS. Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Disponível em:


<http:// www.feneis.com.br/sob­‑libras.htm>. Acesso em: 20 abr. 2010.

FERNANDES, Eulália. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.

FERREIRA BRITO, Lucinda. Integração social & educação de surdos. Rio de Janeiro:
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FREITAS, Marcos Cézar (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez,
1997.
40 UNIUBE
GOLDFELD, Márcia. A criança surda – linguagem e cognição numa perspectiva
sociointeracionista. São Paulo: Plexus, 2002.

KÖNIG, Roselene; LEMES, Adriana. Aquisição da linguagem das crianças surdas. 2007
Disponível em: <http://guaiba.ulbra.tche.br/pesquisas>. Acesso em: 20 abr. 2010.

LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos César de (Org.). História
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MORATO, Edwiges Maria. Linguagem e cognição: as reflexões de L. S. Vygotsky sobre a


ação reguladora da linguagem. São Paulo: Plexus, 2002.

QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre:
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ROBINS, R. H. Pequena história da linguística. Tradução de Luiz Martins Monteiro. Rio de


Janeiro: Ao Livro Técnico, 2004.

SALLES, Heloísa Maria Moreira Lima et al. Ensino de língua portuguesa para surdos:
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VIEIRA, Mayara. UFSC é referência na língua de sinais no Brasil. Disponível em: <http://
www.feneis.com.br/page/noticias_detalhe.asp?categ=1&cod=480>. Acesso em: 9 set. 2011.

VYGOTSKY, Liev Semionovitch. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins


Fontes, 1989; 1993; 2003.
A audição e o
Capítulo processo de
3 ensino­‑aprendizagem

Dáphine Luciana Costa Gahyva

Introdução
Caros alunos, neste capítulo, pretendemos orientá­‑los a respeito dos
aspectos clínicos e educacionais referentes às alterações do sistema
auditivo, de maneira que vocês consigam compreender as relações
entre a audição e o processo de ensino­‑aprendizagem.

Os aspectos clínicos dos comprometimentos auditivos estão intrinsica-


mente relacionados com os aspectos educacionais. Saber reconhecer
crianças com sinais sugestivos de uma deficiência auditiva ou outro
comprometimento auditivo, por exemplo, pode favorecer o diagnós-
tico e a intervenção precoce. O conhecimento a respeito dos diversos
dispositivos eletrônicos (função, manuseio, cuidados) disponíveis
possibilita aperfeiçoar a utilização dos mesmos em ambiente escolar.
O conhecimento sobre estratégias de comunicação favorece as trocas
de informações em sala de aula e facilita o aprendizado. O conheci-
mento das diversas propostas educacionais possibilita a adequação
dos objetivos e estratégias pedagógicas às características e condições
de seu(s) aluno(s).

Para que esse conhecimento seja possível, serão, aqui, apresentadas


informações bastante úteis, que possibilitarão a reflexão sobre as melho-
res formas de atuação nestes quadros. Num primeiro momento, faremos
uma abordagem sobre a audição, considerando sua neuroanatomomia e
o funcionamento deste sistema. Posteriormente, serão apresentados os
42 UNIUBE

diferentes tipos e graus de deficiência auditiva, os aspectos importantes


do desenvolvimento da função auditiva e sua relação com o desenvol-
vimento da fala e da linguagem. Em seguida, faremos a descrição dos
procedimentos de avaliação disponíveis e que possibilitam o diagnóstico
dos diferentes tipos de comprometimentos auditivos. Também serão
apresentados a vocês os recursos tecnológicos disponíveis na atua-
lidade, auxiliares no processo educacional dessa população. E para
finalizar, com intuito de propiciar o máximo aproveitamento dos alunos
com deficiência auditiva ou outro comprometimento auditivo em sala
de aula e no ambiente escolar, os aspectos educacionais propriamente
ditos serão debatidos.

Sabemos que o trabalho educacional junto a essa população requer


profissionais capacitados, com conhecimentos multidisciplinares, sensi-
bilidade e flexibilidade para atender as diferentes necessidades de cada
um. Para tal, é fundamental que os profissionais envolvidos tenham uma
visão compreensiva da situação, de modo que estejam preparados para
mostrar às famílias como as necessidades de seus filhos podem ser
encontradas e como devem ser atendidas. As ideias expostas nesse
capítulo terão como base esse princípio.

Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• compreender o mecanismo da audição; compreender a neuroa-


natomofisiologia da audição;
• reconhecer os tipos e graus de deficiência auditiva e sua relações
com o desenvolvimento da fala, da linguagem e do processo
educacional;
• reconhecer as possíveis características sugestivas de uma defi-
ciência auditiva e outros comprometimentos do sistema auditivo;
• compreender como funciona o processo de diagnóstico audioló-
gico e conhecer os procedimentos disponíveis;
UNIUBE  43

• conhecer e distinguir os dispositivos eletrônicos disponíveis


e sua aplicabilidade como auxiliares no processo de ensino­
‑aprendizagem de indivíduos com alterações no sistema auditivo;
• conhecer as opções educacionais existentes e disponíveis para
o indivíduo com deficiência auditiva;
• conhecer as estratégias comunicativas e adaptações em sala
de aula que podem auxiliar o processo educacional nos refe-
ridos casos.

Esquema
3.1 Audição – som – fala – linguagem
3.2 Neuroanatomofisiologia da audição
3.3 Deficiência auditiva: aspectos gerais
3.4 Desenvolvimento da função auditiva
3.5 Avaliação da audição
3.6 Transtornos do processamento auditivo
3.7 Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos
3.8 Educação de indivíduos com deficiência auditiva
3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala de aula
3.10 Conclusão

3.1 Audição – som – fala – linguagem

A capacidade de ouvir é uma característica secundária da orelha e foi adquirida.


A função primária do órgão auditivo é manter o equilíbrio. Com a vida terrestre,
cresceu a importância da audição, porque a vegetação e o terreno irregular
diminuem o alcance visual, de modo que o sistema auditivo passou a ser uma
necessidade para que os animais pudessem perceber a aproximação de inimi-
gos e para procurarem seus semelhantes para a reprodução. Em função dessa
necessidade, houve uma evolução e aperfeiçoamento do órgão auditivo. Mas
44 UNIUBE

só para nós, seres humanos, este sistema permite o processamento de eventos


acústicos, como a fala, tornando possível a comunicação como expressão do
pensamento (FRAZZ et al., 2003).

Apesar de termos um conhecimento inerente de como ocorre o processo de


comunicação por meio da fala, normalmente não analisamos conscientemente
o que está envolvido, até que algo dê errado. Então vamos examinar a simples
situação de duas pessoas conversando para compreender como ela ocorre,
conforme explanação de Teles e Pegoraro­‑Krook (2006).

O falante (emissor) quer transmitir uma informação (ideia) à outra pessoa, que
é o ouvinte (receptor). Para isso, ele deve:

• organizar o pensamento;

• decidir o que quer dizer; e

• então, colocar aquilo que quer dizer numa forma linguística.

O ponto de partida deste circuito de comunicação que se inicia situa­‑se no cé-


rebro do falante, onde os conceitos acabam associados às imagens acústicas
que servem para exprimi­‑los.

Vejamos passo a passo como isso acontece.

A produção da fala começa com a conceitualização, quando planejamos o


conteúdo da mensagem e acontece uma busca ao léxico semântico, para en-
contrarmos os conceitos apropriados que desejamos veicular.

Segue­‑se então uma segunda etapa, denominada de formulação, que corres-


ponde à busca pelos fonemas (sons), palavras e regras sintáticas apropriadas
ao conteúdo que desejamos expressar. Assim, para que a mensagem possa ser
transmitida, é necessário selecionar palavras e colocá­‑las na ordem exigida pelas
regras gramaticais da língua para construir as frases. Esta etapa é chamada de
etapa psíquica ou linguística (do falante) da cadeia da fala.
UNIUBE  45

A cadeia da fala continuará em nível fisiológico, pois o cérebro enviará instruções


apropriadas, na forma de impulsos nervosos, aos órgãos do aparelho fonador
– pulmões, pregas vocais, línguas, lábios. Os impulsos nervosos propiciam a
movimentação desses órgãos cujo resultado final é a geração de ondas acústi-
cas. A esta etapa dá­‑se o nome de etapa fisiológica (do falante) da cadeia da
fala. As ondas acústicas em contato com as moléculas de ar do meio ambiente,
resultantes das articulações realizadas pelo falante, são transformadas em
ondas sonoras que se propagam por meio do ar até o ouvido do ouvinte. Este
processo físico é denominado etapa acústica (do falante).

Quando as ondas sonoras chegam até o ouvido do ouvinte (etapa acústica do


receptor), o mesmo processo se inicia, porém agora, numa ordem inversa. As
ondas sonoras, quando captadas pelo ouvido ativam o sistema auditivo do ou-
vinte e produzem impulsos nervosos que viajam ao longo do nervo auditivo para
o cérebro (etapa fisiológica do ouvinte). No cérebro, uma grande quantidade
de atividade nervosa já está ocorrendo, sendo essa modificada pelos impulsos
nervosos que chegam do ouvido. Esta modificação da atividade cerebral permite
o reconhecimento da mensagem emitida pelo falante, o que ocorre com base
nas experiências prévias do ouvinte. Esta etapa, na qual o ouvinte reconhece as
palavras e as sentenças compreendendo então a mensagem transmitida pelo
falante, recebe o nome de psíquica ou linguística do ouvinte.

Então, conforme esquema a seguir (Figura 1), podemos entender:


46 UNIUBE

Produção da fala

Etapa psíquica ou Etapa psíquica ou Etapa fisiológica do emissor


linguística do emissor linguística do
conceitualização emissor – formulação O cérebro envia informações
apropriadas, na forma de impulsos
Planejamento da Busca pelos fonemas nervosos, para o aparelho fonador
mensagem e busca (sons), palavras e regras (pulmões, pregas vocais, língua e
ao léxico conteúdo da sintáticas apropriadas lábios): o resultado é a formação
mensagem e busca do ao conteúdo que de ondas acústicas.
léxico semântico. desejamos expressar.

Etapa acústica do emissor

As ondas acústicas em contato com


o ar são transformadas em ondas
sonoras e se propagam por meio do
ar até o ouvido do ouvinte.

Compreensão da fala

Etapa acústica do receptor

As ondas sonoras, quando captadas


pelo ouvido, ativam o sistema
Etapa psíquica ou linguística do auditivo do ouvinte.
receptor

No cérebro, há o reconhecimento da
mensagem emitida pelo falante, o que ocorre
com base nas experiências prévias do ouvinte. Etapa fisiológica do receptor
Nesta etapa, o ouvinte reconhece as palavras
e as sentenças, compreendendo então a Os impulsos nervosos viajam ao longo
mensagem transmitida pelo falante. do nervo auditivo para o cérebro.

Figura 1: Esquema ilustrativo do mecanismo de produção e recepção da fala.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Como pôde ser observado no circuito descrito acima, a fala é um ato fisioló-
gico que resulta na produção de ondas de som que viajam até nosso sistema
auditivo. Mas, e o som, o que é? O som é uma modificação da pressão que
UNIUBE  47

ocorre em meios elásticos, propagando­‑se em formas de ondas ou oscilações


mecânicas, longitudinais e tridimensionais. As ondas sonoras são mecânicas
porque necessitam de um meio material para se propagarem; são longitu-
dinais porque a direção da perturbação é a mesma de sua propagação; e
são tridimensionais porque se propagam no espaço. Assim, o som resulta
de um movimento ordenado vibratório de partículas materiais, gerando com-
pressões e rarefações sucessivas nos meios sólido, líquido e gasoso. Suas
características fundamentais são: frequência, intensidade e timbre (FRAZZ
et al., 2003).

A frequência é a altura do som. É mensurada em Hertz (Hz), que é o número


de ciclos de vibração que ocorrem em um segundo. O ouvido humano normal
pode perceber alturas de 20 a 20.000 ciclos por segundo e pode detectar di-
ferenças de frequência tão pequenas quanto 1 Hz. A intensidade diz respeito
à amplitude do som, mensurada em decibel (dB). O som mais suave que o
ouvido humano normal pode ouvir é ao redor de 0 dB. Relacionada à fre­
quência há a altura, que permite classificar o som em uma escala que varia
de grave a agudo. Quanto mais alta for a frequência, mais agudo será o som;
quanto mais baixa, mais grave ele será. Já a intensidade relaciona­‑se a sons
fracos e fortes. Quanto mais forte o som, maior a sua medição em decibel;
quanto mais baixo, menor será. O timbre é a qualidade do som. Através dele
é possível diferenciar a mesma nota musical produzida por instrumentos ou
fontes sonoras diferentes. Essa diferenciação é possível graças à contribuição
de cada frequência harmônica que compõe o som complexo, uma vez que a
frequência fundamental é a mesma.

Se a fala é o canal que viabiliza a expressão da linguagem, é a realização


motora da linguagem, o que é a linguagem? A linguagem é um processo
cultural e social, instalado sobre o desenvolvimento suficiente de funções
neurológicas e psíquicas que permite, por meio de signos e símbolos adquiri-
dos, a comunicação com nossos semelhantes. É a capacidade de simbolizar
e abstrair. Enquanto a fala compreende uma função produtiva, mecânica e
motora, a linguagem, em contrapartida, é perceptiva e cognitiva. Apesar de
representarem mecanismos distintos, o perfeito funcionamento de ambas
48 UNIUBE

Sistema só é possível mediante a integridade de uma série de


estomatognático sistemas neurais que incluem acuidade auditiva, integri-
É o conjunto de dade do processamento auditivo, integridade dos cen-
estruturas anatômicas
tros motores da fala, integridade estrutural do sistema
que funcionam
integradamente, sob estomatognático, interação com as pessoas, contato
comando do sistema
nervoso central, e com uma determinada língua, desenvolvimento motor e
que se encontram
integridade do sistema nervoso central. Havendo falha
diretamente envolvidas
com a execução das em um deles, os efeitos sobre o desenvolvimento da
funções de fonação,
mastigação, deglutição fala e linguagem são notórios, ainda que em maior ou
e respiração. São elas:
menor grau. É o que ocorre sempre que nos deparamos
lábios, língua, dentes,
bochechas, palato, com comprometimentos no desenvolvimento do sistema
músculos que atuam
nas funções acima auditivo, como veremos a partir daqui.
descritas, ossos da
face e da cabeça.

3.2 Neuroanatomofisiologia da audição

O fenônemo da audição é resultado de uma série complexa de eventos, que


ocorre ao nível da audição periférica (orelhas externa, média e interna) e ao nível
central (vias centrais de audição nas áreas auditivas subcortical e cortical). Como
veremos a seguir, para que o som seja interpretado corretamente no cérebro,
faz­‑se necessário o bom funcionamento de todas essas estruturas, podendo a
deficiência auditiva instalar­‑se quando algum impedimento ocorrer em qualquer
fase desse mecanismo.

A orelha externa possui a função de coletar e encaminhar as ondas sonoras


até a orelha média, amplificar o som, auxiliar na localização da fonte sonora
e, principalmente, proteger a orelha média e interna de agressões externas.
Compreende o pavilhão auricular, o meato acústico externo e a face externa da
membrana timpânica. O pavilhão auricular é a parte visível, que capta e dirige
as ondas sonoras para o meato acústico externo. As funções básicas do meato
acústico externo são a proteção e a ressonância sonora. A cera produzida
por glândulas ceruminosas da pele do meato forma uma película sobre esta,
impermeabilizando­‑o e protegendo­‑o da ação de microorganismos. A pele do
UNIUBE  49

meato forma a face externa da membrana timpânica. Quando o som atinge esta
estrutura, tem fim a fase de captação do som.

A orelha média é composta pelo tímpano e por três ossos muito pequenos: o
martelo (em contato direto com a membrana timpânica), a bigorna e o estribo (em
contato com a cóclea). Sob o impacto de ondas sonoras sucessivas encaminha-
das via orelha externa, a membrana timpânica vibra no seu todo, deslocando­
‑se para dentro e para fora da orelha média e transmitindo o movimento para
os três minúsculos ossos da orelha média. A movimentação dessas estruturas
transforma o som em energia mecânica e colocam em movimento o líquido da
orelha interna.

Para o funcionamento adequado deste mecanismo, é necessário que haja


equilíbrio entre a pressão da orelha média com a pressão atmosférica, o que
ocorre por meio da entrada de ar nessa cavidade, proporcionada pela tuba
auditiva, um canal que comunica a orelha média com a rinofaringe. A tuba tem,
portanto, a função de igualar as pressões que atuam do lado externo e interno
da membrana timpânica, deixando­‑a livre para vibrar.

A orelha interna é composta pela cóclea – órgão da audição em formato de um


caracol – e pelo labirinto – relacionado aos mecanismos de manutenção do
equilíbrio corporal. Na cóclea existem milhares de células que são colocadas
em movimentos toda vez que o líquido da orelha interna é movimentado. A es-
timulação dessas células, por sua vez, converte a energia enviada pela orelha
média em estímulos elétricos capazes de excitar o nervo auditivo. Impulsos
elétricos partem do nervo auditivo até o córtex (no cérebro), onde o indivíduo
terá a percepção e interpretação do som.

Agora que vocês já conhecem os mecanismos da audição e a função de cada uma


das partes da orelha, já é possível imaginar as consequências que o comprometi-
mento de cada uma delas pode trazer para o indivíduo? É o que veremos a partir
do item a seguir, que irá tratar dos aspectos relativos às deficiências auditivas.

Quando nos referirmos ao órgão da audição, considerando sua totalidade,


devemos usar o termo “orelha”. Esse procedimento é embasado na tradução
50 UNIUBE

da última edição da Terminologia Anatômica (antiga Nomina Anatômica), pu-


blicada pela Sociedade Brasileira de Anatomia, em 2001.

3.3 Deficiência auditiva: aspectos gerais

Caros alunos, a primeira questão a ser esclarecida neste capítulo diz respeito à
terminologia que será utilizada. Os termos surdo e deficiente auditivo serão
utilizados de maneira equivalente, referindo­‑se a todos aqueles que apresen-
tam a capacidade de audição reduzida, independentemente do grau em que se
manifestar, e que apresentam necessidades educacionais especiais.

Deficiência auditiva é a redução da acuidade auditiva em qualquer grau, que


prejudique a percepção dos sons, sejam eles ambientais ou de fala. Qualquer
que seja seu tipo, ela poderá comprometer, direta ou indiretamente, o desenvol-
vimento da fala, linguagem, social, psíquico e educacional da criança.

  ponto­‑chave 

A detecção da deficiência auditiva deve ser realizada o mais precoce possível, de


preferência nos primeiros meses de vida. Portanto, os profissionais que lidam com
crianças devem estar preparados para identificar seus sinais sugestivos e para
encaminhá­‑las para avaliação auditiva.

Durante as últimas décadas, a detecção precoce tem sido um desafio para o sistema
de proteção à saúde em todo o mundo, estabelecendo­‑se a necessidade de desen-
volver e implementar procedimentos de triagem auditiva em caráter universal ou em
grupos de bebês e alto risco.

O intervalo entre a suspeita da deficiência auditiva pelos familiares e o diagnóstico


audiológico permanece ainda muito longo. Na maioria dos casos, apesar de a suspeita
ocorrer durante o primeiro ano de vida, o diagnóstico ocorre somente entre o segundo
e terceiro ano, fazendo as intervenções clínicas e educacionais serem colocadas em
prática tardiamente, perdendo­‑se, assim, o período crítico de estimulação.
UNIUBE  51

Devemos lembrar que os primeiros anos de vida têm sido considerados críticos
para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. É neste pe-
ríodo que ocorre o processo de maturação do sistema auditivo central, sendo a
fase ótima da plasticidade neuronal para dar início a qualquer intervenção, que
irá favorecer, posteriormente, o potencial da linguagem, da alfabetização, do
desempenho acadêmico, emocional e social do indivíduo.

As deficiências auditivas podem ser classificadas de acordo com diferentes


critérios. Quando classificadas conforme a sua localização, dividem­‑se em peri-
féricas ou centrais. As periféricas ainda são classificadas como condutiva, mista
ou neurossensorial. Também são classificadas de acordo com o grau, dividindo­
‑se em leve, moderada, severa e profunda. Ainda são classificadas quanto à
origem, podendo ser hereditária, congênita ou adquirida; quanto à lateralidade,
podendo ser unilateral ou bilateral; quanto à idade de aparecimento, se na fase
pré­‑linguística, perilinguística. Veja o Quadro 1 a seguir:

Quadro 1: Critérios de classificação das deficiências auditivas.

Critérios de classificação das deficiências auditivas

Idade de
Localização Grau Origem Lateralidade
aparecimento

Periféricas:
• condutivas Na fase pré­
Leve Hereditária Unilateral
• mistas ‑linguística
• neurossensorial

Na fase
Moderada Congênita Bilateral
perilinguística
Centrais
Severa Na fase pós­
Adquirida
Profunda ‑linguística

Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Todas essas classificações, como vocês poderão conferir a seguir, apresentarão


diferentes implicações clínicas, terapêuticas e educacionais.
52 UNIUBE

As causas da deficiência auditiva na criança ocorrem no período pré, peri ou


pós­‑natal. Lembrando que fatores de risco pré­‑natais são aqueles que acometem
a criança durante a gestação, os perinatais são problemas que ocorrem durante
o parto e os pós­‑natais, causas que acontecem após o parto.

Os fatores pré­‑natais são:

• herança genética;

• síndromes genéticas (mais de quatrocentas podem apresentar a deficiência


auditiva como característica);

• infecções congênitas pelo vírus da rubéola, citomegalovírus, herpes, toxo-


plasmose e sífilis; malformações da orelha interna;

Ototóxico • uso gestacional de substâncias teratogênicas, como


álcool, cocaína, medicamentos ototóxicos;
Quando uma droga
é desfavorável
ou prejudicial ao
• radioterapia no primeiro semestre da gestação.
sistema auditivo,
este medicamento Na fase perinatal citamos:
ou substância é
denominado ototóxico.
• anóxia;

• prematuridade com peso abaixo de 1.500 gramas;

• hiperbilirrubinemia;

• traumatismos cranianos e incompatibilidade do fator Rh.

Já as causas adquiridas na fase pós­‑natal são de natureza variada. Em geral,


compreendem:

• causas metabóbicas como hipotireoidismo;

• infecções virais, como rubéola, varicela­‑zoster, ca-


xumba, citomegalovírus; meningite bacteriana; medi-
cação ototóxica;

• encefalite e otite média crônica.


UNIUBE  53

Outro aspecto importante diz respeito ao período em que a deficiência auditiva


ocorreu, se antes do processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem ou
em período em que as habilidades linguísticas já estivessem em fase de conso-
lidação. Neste sentido, são classificadas em pré e pós­‑lingual, respectivamente.
Se esta ocorreu no período pré­‑linguístico, as dificuldades do sujeito serão mais
acentuadas, pois ele ainda não teve nenhum contato com a percepção auditiva
propriamente dita. Mas, se ocorreu no período pós­‑linguístico, suas dificuldades
provavelmente serão menores, pois, como o próprio termo já diz, o indivíduo já
adquiriu a linguagem, e só posteriormente foi acometido pela perda da audição,
conhecendo, portanto, a linguagem oral.

A deficiência auditiva também pode ser bilateral, quando afeta as duas orelhas
(direita e esquerda), como também pode afetar apenas uma delas, caracteri-
zando uma perda auditiva unilateral. Neste último caso, algumas peculiaridades
devem ser esclarecidas, visto que em muitas circunstâncias a criança, a família e
a escola não estão atentas para o problema, que não é tão evidente quanto em
uma perda auditiva bilateral e só é descoberto quando sequências de eventos
desagradáveis passam a envolver a criança.

Quando uma perda auditiva unilateral é confirmada, a mesma dedicação e


atenção dos profissionais que lidam com a criança devem ser verificadas. Isso
porque sujeitos com audição em apenas uma das orelhas têm uma dificuldade
significativa para localizar a fonte sonora; dificuldades em escutar quando há
ruídos de fundo; desinteresse aparente ou falta de atenção; podem apresentar
comportamentos parecidos com crianças hiperativas; e, como esperado, apre-
sentam dificuldade consideravelmente maior em comunicação e aprendizagem,
em comparação às crianças com audição dentro dos limites de normalidade.

  importante! 

Creio que vocês estejam se perguntando neste momento sobre como lidar com este
aluno em sala de aula. E eu respondo que tão importante quanto saber como lidar
com ele é estar atento para os possíveis e discretos sinais sugestivos de uma perda
auditiva unilateral ainda não diagnosticada e que possa estar prejudicando o apro-
54 UNIUBE

veitamento de seu aluno. Quando eu digo isso, não me refiro que vocês devam ser
capazes de fazer um diagnóstico preciso (isso é papel do fonoaudiólogo e do médico
otorrinolaringologista), mas simplesmente de estarem atentos aos comportamentos
dos alunos para que julgamentos errôneos sejam evitados. Embora estas crianças
apresentem problemas acadêmicos, estes podem ser minimizados por meio de es-
tratégias como tratamento acústico da sala de aula, assento preferencial e uso de
sistemas de amplificação, como será apresentado no item “Estratégias comunicativas
e adaptações em sala de aula”.

Outras duas importantes classificações dizem respeito à localização do com-


prometimento auditivo e à sua gravidade. Como são as classificações mais
comuns, obtidas mediante diagnóstico audiológico, serão tratadas de maneira
mais detalhada no item a seguir. Espero que estejam animados e interessados
para darem prosseguimento nesta leitura.

3.3.1 Classificação da deficiência auditiva quanto à localização

A deficiência auditiva não tem uma causa única, mas decorre de um amplo espectro
de causas possíveis que incluem problemas hereditários, congênitos ou adquiridos,
que afetam porções diferentes da orelha e do mecanismo de audição. Dependendo
da região da orelha que for comprometida pelos fatores acima citados, a perda
auditiva poderá ser do tipo condutiva, neurossensorial ou mista. Cada uma delas,
associada ao grau em que estiver presente, trará consequências distintas para o
desenvolvimento de fala, linguagem e aprendizagem do indivíduo.

A compreensão acerca dessas relações é de grande importância em sala de aula.


Por um lado, possibilita que o professor saiba reconhecer um aluno com um pos-
sível comprometimento auditivo, tornando mais rápido o encaminhamento para os
profissionais necessários; e, por outro lado, esse conhecimento proporcionará o
entendimento maior a respeito das necessidades de um aluno já diagnosticado, o
que facilitará a busca pelas adaptações que se fizerem necessárias para favorecer
o seu aproveitamento escolar.
UNIUBE  55

3.3.1.1 Deficiência auditiva condutiva

A interferência de qualquer tipo na transmissão do som do meato acústico ex-


terno para a orelha interna causa uma perda auditiva condutiva (LOPES, 2006).
Ou seja, são consideradas perdas auditivas condutivas aquelas que resultam
de patologias que atingem a orelha externa e/ou média, as quais reduzem a
quantidade de energia sonora a ser transmitida para a orelha interna, fazendo
com que os sons sejam percebidos com menor intensidade.

Quando o paciente apresenta perda bilateral, tende a falar com voz fraca, devido
ao reforço dado pela integridade da via óssea. Na maioria dos casos, costumam
ser reversíveis após tratamento medicamentoso ou cirúrgico, conforme indicação
do médico otorrinolaringologista. Um exemplo é a perda auditiva causada por
infecções de ouvidos (otites).

O quadro de sinais e sintomas apresenta as seguintes características: história de


infecção de ouvido com secreção; sensação de líquido no ouvido; dor intensa;
sensação de diminuição da audição; coceira; febre; falta de apetite; distração;
presença de zumbido.

As constantes infecções da orelha média podem levar a sequelas irreversíveis


na audição e ainda possibilitar o crescimento de pequenas massas, os chama-
dos colesteatomas, que passam a invadir o ouvido médio causando grandes
complicações. Às vezes, a cirurgia é necessária para evitar novas infecções e,
secundariamente, tentar recuperar a audição que restou naquela orelha.

3.3.1.2 Deficiência auditiva neurossensorial

A deficiência auditiva neurossensorial é resultante de distúrbios que compro-


metem a cóclea ou o nervo coclear (LOPES, 2006). Nestes casos, a percepção
e interpretação dos sons ficam comprometidas, mesmo quando intensos. Nos
casos bilaterais, o sujeito pode apresentar alteração da qualidade vocal e no
padrão articulatório. Também tende a falar mais intensamente para manter a
possibilidade de monitoração auditiva. Geralmente apresenta desconforto em
56 UNIUBE

ambientes ruidosos. Esse tipo de deficiência auditiva é geralmente irreversível. O


grau pode variar de leve a profundo. Pode ter causa hereditária; congênita, que
é quando a mãe contrai alguma doença na gestação (rubéola, toxoplasmose,
herpes, caxumba, citomegalovírus); adquirida (por infecções, como meningite,
medicamentos ototóxicos, exposição a ruído, tumores, entre outros). Depen-
dendo da patologia causadora, pode haver presença de zumbido, queixa de
tontura e vertigem.

3.3.1.3 Deficiência auditiva mista

A deficiência auditiva mista é aquela em que aparecem componentes condu-


tivos e neurossensoriais em uma mesma orelha (LOPES, 2006). A alteração
está localizada na orelha externa e/ou média e na orelha interna. Caso o pre-
domínio esteja no componente condutivo, o reconhecimento de fala não está tão
comprometido e, em casos de predomínio neurossensorial, o reconhecimento é
rebaixado. O quadro de sinais e sintomas, em geral, manifesta­‑se da seguinte
forma: o componente neurossensorial aparece depois de um problema condutivo
crônico, como, por exemplo, as otites não tratadas ou mal tratadas.

3.3.1.4 Deficiência auditiva central

A deficiência auditiva central atinge a via central, ou seja, a porção do nervo


coclear e de suas conexões, que se encontram entre o núcleo coclear e o cór-
tex do lobo temporal. O indivíduo apresenta audição normal, porém, dificuldade
na compreensão da mensagem. Quanto mais complexa a mensagem sonora,
maior dificuldade haverá. Podem estar presentes componentes neurológicos
que tendem a predominar no quadro clínico geral.

3.3.2 Classificação da deficiência auditiva quanto ao grau

A literatura mostra que diferentes autores classificam de várias maneiras o grau


da perda auditiva, levando a diversas interpretações de um mesmo audiograma.
UNIUBE  57

Em geral, o grau é calculado com base na média aritmética obtida a partir dos
limiares tonais, nas diferentes frequências avaliadas.

Os termos utilizados para identificar o grau da deficiência auditiva são leve,


moderado, severo e profundo, como veremos a seguir. A normalidade é con-
siderada quando a média de limiares está entre 0 e 25 dB NA. Para facilitar a
compreensão acerca do assunto, o dB (decibel) é a medida da intensidade do
som. O dB NA (decibel, nível de audição) é a unidade utilizada na audiologia para
padronizar os níveis de pressão sonora audíveis por um indivíduo. O nível de 0
dB NA é considerado o menor nível de pressão sonora audível por um indivíduo
de audição normal, o que não significa ausência de som.

3.3.2.1 Perda auditiva leve

A perda auditiva leve é aquela cuja média de limiares encontra­‑se entre 25 e


40 dB NA (LOPES, 2006). Alguns estudiosos acreditam que uma perda auditiva
leve, quando estável, não terá necessariamente um efeito no desenvolvimento.
Em contrapartida, outros afirmam que poderá ter um efeito considerável na
comunicação e aprendizado.

Nesses casos, os sons das vogais são ouvidos claramente, mas as consoantes
surdas podem não ser percebidas. Pode estar relacionada a quadro de desaten-
ção e atraso no desenvolvimento de linguagem. O aparelho auditivo raramente
será colocado.

  saiba mais 

A Fonologia, disciplina que estuda os sons da fala, classifica os fonemas da língua


portuguesa entre fonemas surdos e sonoros, dentre outros. Os fonemas ditos sonoros
são aqueles cuja produção resulta da vibração das pregas vocais, ou seja, quando a
corrente de ar vem dos pulmões em direção à laringe e a glote encontra­‑se fechada.
A corrente de ar encontrará uma resistência à sua passagem e, ao forçar essa pas-
sagem, ocasionará a vibração das pregas vocais, presente na produção dos referidos
fonemas. Ao contrário, os fonemas surdos são produzidos quando a corrente de ar
58 UNIUBE

passa livremente pela glote, não produzindo a vibração das pregas vocais observada
nos fonemas sonoros. São exemplos de fonemas surdos o /p/; /t/; /k/; /f/; /s/; /ʃ/ – este
último é o fonema representativo do ch e x. São exemplos de sonoros o /b/; /d/; /g/;
/v/; /z/; /Ʒ/ – este último é o som correspondente ao j. A vibração das pregas vocais
é claramente perceptível quando produzimos o som sonoro colocando a mão no
pescoço, ao nível da laringe (produza o /v/ e depois seu correspondente surdo, o /f/,
que a vibração e sua ausência, respectivamente, ficarão claras). Uma outra estratégia
de percepção consiste em produzir os mesmos fonemas com os ouvidos tapados (a
vibração das pregas vocais é perceptível na produção do fonema sonoro, por meio
de um “chiado” mais forte, o que não ocorre na emissão do fonema surdo). As estra-
tégias descritas são muito utilizadas em terapia fonoaudiólogica para crianças que
apresentam dificuldades relacionadas a essas classes de sons.

3.3.2.2 Perda auditiva moderada

Na perda auditiva moderada, a média de limiares auditivos encontra­‑se entre 41


e 70 dB NA. As pessoas com esse grau de perda perdem a maioria dos sons
da fala em uma conversação normal (LOPES, 2006).

As pessoas, com essa perda, podem manifestar desatenção, atraso no desen-


volvimento da linguagem e problemas de aprendizado. Provavelmente terão
dificuldades em aprender o significado das palavras; realizarão confusão entre
os sons da fala, devido à ausência ou escassez de informações auditivas; terão
dificuldades em aprender as regras gramaticais da língua, visto que muitos dos
elementos gramaticais apresentam uma baixa carga fonética, que os torna imper-
ceptíveis para o deficiente auditivo. Geralmente, respondem bem às atividades
terapêuticas e educacionais com ajuda de aparelho auditivo.

3.3.2.3 Perda auditiva severa

A deficiência auditiva severa é aquela cuja média de limiares situa­‑se entre 71


e 90 dB NA. A linguagem e a fala não se desenvolverão espontaneamente.
UNIUBE  59

Uma perda auditiva desse grau pode impedir o desenvolvimento da fala e lin-
guagem, além de resultar em problemas educacionais associados. Com auxílio
de intervenção precoce, do uso de dispositivos eletrônicos e de educação es-
pecializada, crianças com esse grau de perda podem ter bom desempenho em
fala e linguagem oral. Sem ajuda de dispositivo eletrônico, um sujeito com perda
severa não pode ouvir sons ou a conversação normal. Pode ouvir suas próprias
vocalizações, alguns sons ambientais muito altos e a fala na conversação mais
intensa e em contexto fechado.

3.3.2.4 Deficiência auditiva profunda

Na deficiência auditiva profunda, a média de limiares é superior a 90 dB NA.


Sem intervenção, o desenvolvimento da linguagem e fala não ocorre, visto que
as pessoas que têm essa deficiência são incapazes de ouvir sons. Com intensa
intervenção e uso de dispositivo eletrônico pode até ocorrer, mas lentamente
e com muita dificuldade. O papel da audição raramente será a principal via de
aprendizagem.

Antes de entrarmos no tópico sobre avaliação da audição, vamos conhecer um


pouquinho sobre como ocorre o desenvolvimento da função auditiva. Como
sabemos, as habilidades auditivas são essenciais para a linguagem oral e pro-
dução da fala. Assim, qualquer falha que ocorra no desenvolvimento dessas
habilidades, ainda que não relacionada a uma deficiência auditiva, pode indicar
algum comprometimento no processamento da informação auditiva, o que me-
rece tanta atenção quanto um quadro de deficiência auditiva.

3.4 Desenvolvimento da função auditiva

O desenvolvimento da função auditiva é o processo pelo qual a criança aprende


a reconhecer e a compreender os estímulos auditivos disponíveis. Ao nascer, o
recém­‑nascido apresenta respostas comportamentais aos sons, reflexas, que
desenvolvem­‑se à medida que o sistema auditivo vai atingindo sua maturidade,
como veremos a seguir.
60 UNIUBE

De zero a seis semanas, em um bebê com desenvolvimento da função auditiva


normal, podem ser observados os seguintes comportamentos: arregalar os olhos,
cessar a atividade, despertar do sono, startle (caracterizado por movimento
parecido com um susto), sobressalto, sucção, reflexo cocleopalpebral (caracte-
rizado pelo piscar de olhos e pela contração da sobrancelha). De seis semanas
a quatro meses apresenta movimento de olhos, piscar, acalmar­‑se, início da
movimentação da cabeça em direção aos sons. Este último por volta dos quatro
meses, quando a criança começa a ter controle de pescoço. Dos quatro aos sete
meses localiza a fonte sonora no plano lateral (direita e esquerda), tem atitude
de escuta e atenção ao som. Dos sete aos nove meses faz localização lateral
e inicia a localização para baixo. Dos nove aos treze meses localiza o som la-
teralmente e para baixo, além de iniciar a localização para cima. Dos treze aos
dezesseis meses faz localização lateral, para baixo e para cima. Dos dezesseis
aos vinte e quatro meses localiza diretamente os sons em todas as direções.
Concomitantemente, habilidades auditivas mais refinadas desenvolvem­‑se, cul-
minando com o processo de aquisição e desenvolvimento da fala e linguagem.

São diferentes níveis de habilidades auditivas que desenvolvem­‑se dentro de


uma sequência gradativa de complexidade. No primeiro estágio ocorre a de-
tecção da presença ou ausência do som, que pode ser verbal ou não verbal.
No segundo, ocorre a discriminação entre os estímulos iguais e diferentes, o
que também acontece com sons verbais e não verbais. No caso de sons não
verbais, as crianças aprendem a diferenciar os sons quanto à altura, intensi-
dade e frequência, por exemplo. No caso dos sons verbais, um nível muito mais
complexo, aprendem a discriminar vogais; palavras com grandes diferenças
em sua estrutura sonora e com diferenças sutis, palavras longas de palavras
curtas; palavras semelhantes auditivamente, ou seja, que se diferenciam ape-
nas por um som; também discriminam frases e curvas melódicas. No terceiro
estágio ocorre o reconhecimento auditivo, ou seja, a criança passa a identificar
os estímulos auditivos. Posteriormente ocorre a compreensão auditiva, quando
a criança entende o significado das mensagens. O desenvolvimento de outras
habilidades cognitivas como a atenção e a memória tem contribuição significativa
neste processo.
UNIUBE  61

Quando o bebê nasce e/ou adquire precocemente algum tipo de alteração au-
ditiva, estas reações comportamentais aos sons não são observadas ou são
observadas em idades mais avançadas. Nos casos da deficiência auditiva, o
desenvolvimento das referidas habilidades dependerá de fatores como o grau e a
época em que ela se instalou; época do diagnóstico e intervenção; características
da criança como a capacidade cognitiva, memória, atenção, desenvolvimento
emocional; características da família, ou melhor, suas atitudes no sentido de
proporcionar este desenvolvimento; qualidade do ambiente doméstico e escolar,
no sentido de proporcionar estímulos e atividades significativas para a criança
do ponto de vista auditivo; e claro, da utilização de um dispositivo eletrônico que
a permita fazer um bom aproveitamento de sua audição residual.

Sempre que houver dúvida quanto ao desenvolvimento da função auditiva um


fonoaudiólogo deverá ser consultado para que realize a avaliação da audição
da criança. No próximo item, os aspectos gerais relacionados a este assunto
serão abordados. Vamos prosseguir?

3.5 Avaliação da audição

Agora que vocês já adquiriram algumas noções sobre o funcionamento do sis-


tema auditivo, sobre os tipos e graus de deficiência auditiva, sobre o desenvol-
vimento auditivo, creio que estejam se perguntando quando uma criança deve
ser encaminhada para realizar exames de audição, e mais, como o diagnóstico
é obtido.

Os professores podem ter um papel importante na suspeita da deficiência au-


ditiva, visto que é no período escolar, momento em que a criança começa a ter
contato com um número maior de pessoas, que as dificuldades, muitas vezes
não percebidas em casa, podem se tornar mais perceptíveis.
62 UNIUBE

  ponto­‑chave 

Desta forma, deve­‑se estar atento aos comportamentos da criança suspeitando de


algum problema de audição quando, por exemplo, ela apresentar:

• atraso no desenvolvimento da linguagem;

• dificuldade para se comunicar pela linguagem oral;

• trocas de sons não esperadas para a idade, ou melhor, fala ininteligível;

• uso preferencial de gestos para se comunicar;

• desatenção;

• ausência de respostas para sons ambientais intensos;

• baixo rendimento escolar;

• quando não responde ao ser chamado;

• quando solicita de repetições.

Lembre­‑se de que, apesar da deficiência auditiva poder ser diagnosticada em qual-


quer idade, quanto mais cedo isso acontecer, melhores serão as possibilidades de
desenvolvimento da criança!

A conduta mais adequada, nestas situações, é encaminhar o aluno para os profis-


sionais especializados, competentes para realização do diagnóstico audiológico.

O primeiro passo neste processo é a consulta com o médico otorrinolaringolo-


gista. Em seguida, é realizada a entrevista com o fonoaudiólogo, na qual serão
levantadas questões sobre a possível etiologia, época de início, tipo e grau
da deficiência auditiva, entre outros fatores relacionados à saúde, ao desen-
volvimento global da criança e sobre como a alteração auditiva, caso exista,
esteja interferindo no mesmo. Com base nessas informações, o fonoaudiólogo
UNIUBE  63

também terá condições de definir os procedimentos a serem realizados. Isso


porque atualmente são vários os procedimentos disponíveis para a avaliação
audiológica, selecionados de acordo com a faixa etária do indivíduo, sua condição
física e sua capacidade cognitiva para compreensão e realização das tarefas
que serão solicitadas. Ademais, o diagnóstico audiológico não é definido apenas
pelo resultado de um único exame. É necessário que uma bateria de testes seja
aplicada e analisada em conjunto, para que seja possível caracterizar o tipo de
alteração auditiva que a pessoa apresenta e, consequentemente, a conduta
mais adequada (ALVARENGA et al., 2006).

A avaliação da função auditiva é dividida de acordo com o tipo de teste utilizado:


os objetivos e os subjetivos. Os testes subjetivos são menos precisos, pois de-
pendem da resposta do paciente, o que pode interferir no resultado. Os testes
têm o resultado influenciado pelo interesse, cognição e participação do paciente,
o que exige habilidade, experiência e paciência do examinador. Os testes subjeti-
vos mais importantes são a audiometria comportamental, a audiometria tonal e a
logoaudiometria. Já os testes objetivos são aqueles cujos resultados baseiam­‑se
na leitura, por meio de equipamento, das mudanças que ocorrem no organismo
durante ou após a apresentação dos estímulos, ocorrendo independentemente
da participação do paciente. Os testes audiológicos objetivos compreendem a
imitanciometria, a avaliação das emissões otoacústicas e os potenciais auditivos
evocados. Na prática, os testes subjetivos geralmente antecedem os objetivos,
apesar de que isto não é uma regra. Esses exames devem ser realizados pre-
ferencialmente por profissionais com formação específica para esse fim, sendo
o audiologista o mais capacitado. A seguir, alguns esclarecimentos sobre os
respectivos procedimentos de avaliação serão apresentados.

3.5.1 Avaliação do comportamento auditivo

A avaliação audiológica comportamental é realizada em neonatos e lactentes


até os 2,5 anos. Baseia­‑se na observação das respostas comportamentais
evidenciadas por estímulos acústicos instrumentais (instrumentos musicais de
percussão), tons puros (audiometro pediátrico) e sons verbais. As respostas
esperadas a serem observadas variam de acordo com a idade e desenvolvi-
64 UNIUBE

mento da função auditiva (como apresentado no item anterior). Os estímulos


são apresentados em ordem decrescente de intensidade, sendo que os bebês
de até três meses de vida devem estar em estado de sonolência e, após essa
faixa etária, em estado de alerta (ALVARENGA et al., 2006).

3.5.2 Audiometria tonal liminar

É o principal teste a ser realizado, uma vez que permite identificar a presença
da deficiência auditiva e caracterizá­‑la quanto ao tipo e grau. O audiograma é a
ficha de registro das respostas obtidas pelo paciente. Na vertical encontram­‑se as
intensidades do som (medidas em decibel) e na vertical as frequências (medidas
em Hz). O teste é realizado em cabine acústica com fones de ouvido, os estímulos
sonoros (tons puros) são apresentados em ordem decrescente de intensidade, em
cada frequência e para cada orelha separadamente, até que seja obtida a menor
intensidade sonora capaz de gerar sensação auditiva no sujeito (ALVARENGA et
al., 2006). É considerado que o sujeito tem uma audição normal se ele detectar
os sons com intensidade mínima de 20 dB, em todas as frequências.

3.5.3 Audiometria condicionada

A audiometria condicionada é uma variante da audiometria vocal e tonal, que


pode ser realizada em crianças a partir de dois anos de idade. O objetivo é fa-
zer com que a criança faça a associação entre o estímulo sonoro apresentado
e um estímulo visual de reforço. A criança irá demonstrar que está ouvindo por
meio de um ato motor, como colocar uma peça de encaixe cada vez que ouvir
o som. A resposta inserida dentro do contexto lúdico possibilita a manutenção
da atenção e interesse por parte da criança durante o tempo necessário (AL-
VARENGA et al., 2006).

3.5.4 Audiometria com reforço visual

Pode ser realizada a partir dos seis meses. Assim como o teste anterior, permite
a obtenção de níveis mínimos de resposta em diferentes frequências. A criança,
UNIUBE  65

geralmente, fica posicionada no colo da mãe (ou não), enquanto o examinador


elicia os estímulos sonoros, fora do campo visual. A criança deve olhar para a
fonte sonora, recebendo neste momento o reforço visual. Neste caso, o com-
portamento da criança considerado é o olhar em direção ao som, sempre que
o estímulo auditivo é apresentado (ALVARENGA et al., 2006).

3.5.5 Logoaudiometria

Avalia a habilidade de detecção e reconhecimento dos sons da fala. O material


de fala a ser utilizado depende do grau da deficiência auditiva, idade do pa-
ciente e das habilidades de fala e linguagem. Pode ser solicitada a repetição
de palavras ou que aponte, dentre várias ilustrações, aquela solicitada pelo
examinador. A sua aplicação possibilita também a confirmação das respostas
obtidas na audiometria tonal.

3.5.6 Imitanciometria

Pode ser realizada em qualquer idade (desde recém­‑nascidos). A imitanciome-


tria verifica a condução sonora pela orelha média por meio da mensuração e
análise dos deslocamentos do sistema timpanossicular em resposta à variação
da pressão do som. O exame emprega uma sonda que é colocada no conduto
auditivo externo, que deve estar desimpedido de cerúmen. A imitanciometria
não define limiar auditivo, indica apenas se a condução do som está normal ou
alterada na orelha média.

3.5.7 Emissões otoacústicas (EOAs)

Também é um exame objetivo que pode ser realizado em qualquer idade. Ava-
lia a integridade da orelha interna, mais especificamente, das células ciliadas
externas (MUSIEK; RINTELMANN, 2001). As células ciliadas externas são as
primeiras estruturas a serem lesadas no caso de deficiência auditiva decorrente
de patologias adquiridas durante a gravidez ou na infância. As EOAs estarão
ausentes em sujeitos com perdas auditivas cocleares e poderão estar presentes
66 UNIUBE

naqueles que apresentam alterações em outras estruturas do sistema auditivo


(que não a cóclea). O exame é indolor, não invasivo, rápido, de baixo custo,
tem elevada sensibilidade, e a aparelhagem é portátil. Essas características
tornaram a EOAs o mais adequado e utilizado para as triagens auditivas em
recém­‑nascidos (VIEIRA et al., 2007; GATTO; TOCHETTO, 2007). Um resultado
normal indica integridade da fisiologia coclear para o nível de audição social
normal. Porém, um resultado alterado, em que as emissões otoacústicas estão
ausentes, pode ser um falso­‑positivo. Neste caso, há a necessidade de se avaliar
também a orelha média, visto que um simples acúmulo de cerúmen pode alterar
o teste. Desta forma, no caso de ausência de respostas, o exame é repetido, e
é realizada a imitanciometria para confirmação do resultado.

3.5.8 Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (Peate)

O Peate é um registro das respostas elétricas desencadeadas por um estímulo


sonoro, ao longo da via auditiva até o tronco cerebral. Especificamente, verifica
se a criança tem a sensação do som na cóclea, assim como a transmissão do
mesmo no nervo auditivo e via auditiva central. Avalia a integridade funcional das
vias auditivas, desde o órgão receptor periférico até o córtex cerebral. É realizado
por meio de eletrodos de superfície colocados no couro cabeludo que buscam
captar estímulos elétricos gerados desde a cóclea até o tronco encefálico, após
um estímulo auditivo (click) gerado por meio de um fone de ouvido. Os registros
são constituídos por ondas sequenciais, em que cada onda representa o tempo
em que ocorreu uma sinapse na via auditiva central. As cinco primeiras ondas
são as mais importantes. O tempo de latência, intervalos de tempo entre ondas,
conformação da onda e comparação entre orelhas são os parâmetros analisa-
dos. Caso haja retardo, ausência de ondas, alteração do formato da onda ou
assimetrias entre os lados, o exame é considerado como alterado (VIEIRA et al.,
2007). O método possui uma avaliação objetiva, eletrofisiológica, não invasiva,
indicada para a avaliação da sensibilidade auditiva em neonatos, em pessoas
que não colaboram na testagem do comportamento auditivo e no diagnóstico
diferencial de problemas audiológicos periféricos ou centrais. Assim como a
EOA, pode ser usado para avaliar os neonatos pertencentes ao grupo de risco
UNIUBE  67

para surdez, podendo estender­‑se a todos os demais, como ocorre na triagem


auditiva neonatal universal.

Feitos os esclarecimentos sobre o diagnóstico audiológico, vamos tratar de um


assunto bastante interessante e que merece muita atenção quando falamos do
processo educacional de alunos com comprometimentos auditivos.

3.6 Transtornos do processamento auditivo

Existem indivíduos que possuem a queixa de não ouvir bem, mas quando rea-
lizamos um exame que avalia a sua acuidade auditiva os resultados revelam a
presença de audição normal. Vocês devem estar se perguntando como isso é
possível. Isso pode ocorrer devido a dificuldades no processamento auditivo da
informação. Mas o que é processamento auditivo?

O processamento auditivo refere­‑se ao que se faz com o que se ouve, ou melhor,


aos processos envolvidos na detecção e na interpretação de eventos sonoros.
Para que esses processos auditivos se desenvolvam é necessário, além da
capacidade biológica inata (integridade do sistema auditivo periférico e central),
a experienciação acústica no meio ambiente. Neste desenvolvimento, os pro-
cessos de memória e de atenção são muito importantes. A atenção refere­‑se
à capacidade de selecionar estímulos ou atender a um determinado som em
meio a outros competitivos. Já a memória permite estocar as informações para
poder recuperá­‑las quando houver necessidade. Quando há um impedimento
na habilidade de analisar e ou interpretar padrões sonoros, dizemos que há uma
desordem no processamento auditivo.

Dificuldades desta natureza podem ter consequências na linguagem, apren-


dizagem, leitura, socialização e resolução de problemas (FENIMAN, 2006).
No entanto, nem todo problema de linguagem, aprendizagem, socialização ou
resolução de problemas é decorrente de desordem no processamento auditivo.
As causas das desordens são variadas, podendo ser de origem genética ou de-
senvolvimental. A presença de perdas auditivas condutivas nos primeiros anos de
vida ou a prematuridade podem ser fatores de risco. Dessa forma, a estimulação
68 UNIUBE

de crianças a partir de leitura de histórias, aprendizagem de poemas, cantigas


infantis, trava­‑línguas e consciência fonológica são tarefas importantes para a
estimulação auditiva (GARCIA, 2006a).

As pessoas com este quadro, em geral, apresentam dificuldades na capacidade


de detectar sons; na capacidade de detectar diferenças entre sons; na habilidade
de determinar o local de origem do som, isto é, onde o som ocorreu no espaço;
dificuldade em identificar um sinal de fala na presença de outros competitivos;
dificuldade para reconhecer o sinal acústico quando partes dele são omitidas
ou distorcidas; dificuldade em reconhecer os estímulos auditivos; dificuldade em
extrair e utilizar a prosódia da fala, entre outras (GARCIA, 2006a).

A sintomatologia apresentada nestes quadros é diversificada, podendo as ma-


nifestações estarem presentes em maior ou menor número, assim como em
maior ou menor gravidade, dependendo do caso. São elas:

• dificuldade para ouvir;

• distração;

• demora em escutar e/ou entender quando chamada sua atenção;

• solicitação de repetições, do tipo “Hã?”, “O quê?”, ou “Não entendi!”;

• dificuldade para lembrar o que foi dito – problemas de memória;

• fala incompatível com o esperado para a idade;

• dificuldades escolares;

• dificuldade de compreensão em ambientes ruidosos;

• dificuldade para acompanhar conversas em que muitas pessoas falam simul-


taneamente;

• volume da televisão muito alto;


UNIUBE  69

• dificuldade de localizar o som;

• dificuldades em seguir orientações e executar ordens;

• dificuldade em contar um fato ou narrar uma história;

• dificuldade para transmitir um recado;

• dificuldade em seguir uma sequência de tarefas que lhe foi falada;

• dificuldade em entender piadas ou duplo sentido;

• dificuldade em trabalhar com conceitos abstratos.

Estes, assim como outros comportamentos, podem ser sinais de uma dificul-
dade no processamento auditivo da informação. Cabe retomar que muitos dos
comportamentos notados acima podem também aparecer em outras condições,
tais como Dificuldades de Aprendizagem, Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH), entre outros. Assim, sempre que suspeitar estar diante
de um caso dessa natureza, é importante que as devidas providências sejam
tomadas, para que o diagnóstico e tratamento mais adequado sejam feitos.

Por meio de uma equipe, no caso, multidisciplinar, a pessoa será avaliada e


submetida às condutas necessárias. Essa equipe é constituída, geralmente,
pelos seguintes profissionais: neurologista, otorrinolaringologista, audiologista,
fonoterapeuta, psicólogo e pedagogo. Tais profissionais disponibilizarão, mutua­
mente, informações referentes ao desenvolvimento do sujeito em questão, de
forma que todos consigam trabalhar da maneira mais eficiente possível. O fono-
audiólogo audiologista é o profissional responsável pela avaliação específica do
processamento auditivo. A testagem é realizada em cabine acústica, onde o indi-
víduo é colocado com fones auriculares por meio dos quais são aplicados testes
gravados em CD e apropriados para a faixa etária. Em caso de confirmação da
alteração, a fonoterapia será necessária para estimular o desenvolvimento das
referidas habilidades. O fonoaudiólogo também deverá atuar como orientador
dos demais educadores, para que as adaptações e estratégias compensatórias
70 UNIUBE

necessárias sejam colocadas em prática na escola, visando favorecer o apro-


veitamento do aluno. Estas informações encontram­‑se disponíveis logo adiante.

3.7 Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos

3.7.1  Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI)

O Aparelho de Amplificação Sonora Individual é um dispositivo eletrônico que tem


como função amplificar os sons, de maneira a permitir que o indivíduo utilize seu
resíduo auditivo efetivamente, proporcionando um auxílio para o entendimento
da fala e percepção dos sons ambientais. Assim como qualquer outro dispositivo
eletrônico, ele não tem o papel de substituir o ouvido humano, restaurando a
audição a ponto de trazê­‑la para a normalidade, mas sim de suprir parcialmente
as dificuldades causadas pela deficiência auditiva.

O seu funcionamento conta com três componentes básicos: o microfone, o


amplificador e o receptor. O som do ambiente entra no AASI por meio de um
microfone, que transforma os sinais acústicos (sons) em sinais elétricos. Estes
passam pelo amplificador, que aumenta a intensidade do sinal e, posteriormente,
são encaminhados ao receptor, que transforma novamente o sinal elétrico em
onda sonora. O som amplificado atinge o meato acústico do usuário – por meio
do molde auricular – de onde é direcionado para a membrana timpânica e todo
o sistema auditivo do indivíduo (BLASCA et al., 2006).

  saiba mais 

Molde auricular: o molde auricular é uma peça confeccionada especialmente para a


orelha da criança. A sua escolha dependerá das características da criança e do tipo
de perda auditiva. Deve ser colocado corretamente na orelha para evitar dores no
usuário e também para que o aparelho trabalhe com toda a sua capacidade, já que
é ele o responsável por levar o som que sai do gancho do aparelho até a orelha e
por vedar a orelha prevenindo que o escape do som ocorra gerando a microfonia.
Caso o usuário não seja capaz de colocá­‑lo corretamente é necessário que alguém
o ajude. A forma e a colocação apropriadas do molde contribuem para eliminar o
UNIUBE  71

fenômeno da realimentação acústica (assobios). Um molde que não assenta bem


ou que aperta porque está mal colocado pode levar à má utilização do aparelho.
Dada a sua importância, é necessário que os responsáveis pelas crianças na escola
tenham um mínimo de conhecimento a esse respeito. A orientação e esclarecimento
de dúvidas com o fonoaudiólogo escolar ou clínico que acompanha os alunos é de
extrema importância.

Além desses componentes básicos, possui vários controles internos que ge-
ralmente são manipulados pelo profissional e que têm o objetivo de trabalhar
a onda sonora da melhor forma possível, de acordo com as necessidades de
cada indivíduo, a fim de oferecer a melhora da inteligibilidade de fala, por meio
de uma boa qualidade sonora e uma amplificação confortável.

Esse dispositivo é de fundamental importância para o processo educacional


das crianças com deficiência auditiva, especialmente aquelas que se encontram
inseridas em escolas comuns. Sendo assim é extremamente importante que pro-
fessores, familiares e todos aqueles que se relacionam com elas participem do
processo de adaptação do AASI, de modo que os melhores resultados possíveis
sejam obtidos. A seguir, encontram­‑se descritas algumas orientações extraídas
de Bevilacqua e Formigoni (2000, p. 21):

Primeiramente, é importante que a criança e todas as pessoas


que cuidam dela saibam que, para que o AASI desempenhe
o seu papel no desenvolvimento do usuário, deve ser usado
constantemente e estar em condições ideais de uso. Como será
e quanto tempo levará o trabalho de adaptação é muito relativo.
Depende de cada criança e de como os pais e professores
conseguem lidar com isso. É importante sempre incentivá­‑la a
usá­‑lo, mesmo que no início certa rejeição seja observada. O
tempo ideal de uso é o tempo máximo que a criança consegue
suportar, mas via de regra, deve aumentar gradativamente. Caso
ela tire o aparelho, deve­‑se respeitar sua vontade por algum
tempo e tentar colocá­‑lo novamente. E assim sucessivamente,
até a criança entender que deve estar sempre utilizando­‑o. Isso
porque elas acabam percebendo que é melhor estar com ele
do que sem e, assim, acabam por usá­‑lo durante todo o dia.
O certo é que, se trouxer benefício, elas acabam por usá­‑lo
72 UNIUBE

constantemente por se sentirem mais seguras com ele. Quando


bem adaptado, o AASI passa a fazer parte do esquema corporal
do deficiente auditivo, que só deverá tirá­‑lo para tomar banho,
dormir e fazer determinadas atividades físicas.

Ao ser colocado na criança, é importante mostrar­‑lhe que


aquele novo e estranho objeto é algo que lhe será útil e agra-
dável, que lhe dará retorno e que será benéfico. O ouvir
deve ser associado a algo prazeroso. A qualquer reação de
percepção do som que a criança tenha, deve­‑se incentivá­‑la
mais, mostrando­‑lhe o quanto isso é bom. É preciso mostrar
de onde vêm os sons, para que ela comece a perceber que
são significativos. É fundamental que sejam expostas aos sons
ambientais, em contextos situacionais e significativos para elas.

Como já dito, a adaptação do aparelho exige uma série de cuidados direcionados


a garantir a qualidade da amplificação. Ele só será eficiente para o usuário se es-
tiver funcionando adequadamente. Portanto, para que o melhor aproveitamento
possível deste dispositivo seja atingido no ambiente escolar (não me refiro aqui
apenas à sala de aula, visto que todo o ambiente escolar propicia a exposição da
criança a contextos situacionais extremamente significativos para ela, do ponto de
vista auditivo), é necessário que os profissionais que lidam com ela tenham noções
sobre esses cuidados. O ideal é que os fonoaudiólogos que acompanham estes
alunos façam um trabalho de orientação sistemática para a escola, mais diretamente
para os professores responsáveis, sobre como atuar com o aluno no sentido de
minimizar as possíveis dificuldades presentes neste processo.

Conforme dito anteriormente, o AASI não tem a finalidade e nem capacidade


de substituir a audição do indivíduo. Logo, o que se deve ter em mente é que
apenas o seu uso não será suficiente para que o deficiente auditivo venha a
desenvolver sua função auditiva, a linguagem e a aprendizagem escolar. Além
do trabalho terapêutico associado e uma atuação familiar adequada, é funda-
mental a disponibilidade da escola, e principalmente do professor, para receber
esse aluno e trabalhar de forma adequada suas necessidades, propiciando o
seu desenvolvimento.
UNIUBE  73

3.7.2  Sistema de frequência modulada (Sistema FM)

Assim como as pessoas ouvintes, as pessoas com deficiência auditiva sentem


dificuldade em entender a fala com a ocorrência simultânea de outros ruídos, o
que leva à dificuldade na comunicação e no aproveitamento escolar.

Ainda que as crianças se beneficiem com o uso de AASI ou Implante Coclear (IC),
os efeitos do ruído não são minimizados com tais dispositivos, uma vez que ambos
captam e amplificam todos os sons do ambiente na mesma proporção, inclusive
ruídos de fundo, mantendo uma relação sinal/ruído (dife-
Reverberar
rença entre o nível do sinal de fala e o nível do ruído) em
sala de aula desfavorável para esses alunos. Refletir, com grande
intensidade, o som.
É a persistência
Para que uma relação sinal ruído possa ser considerada do som numa sala,
após haver cessado
favorável, é necessário pelo menos + 10 dB e, prefe- a vibração da fonte
rencialmente, + 20 dB, para que alunos com deficiência que lhe deu origem.
A reverberação
auditiva participem efetivamente em sala de aula (JACOB excessiva pode
comprometer a
et al., 2010). Esta situação, contudo, não ocorre natural- compreensão da
mente, uma vez que, devido à reverberação, ao ruído e fala no ambiente
em que ela ocorre.
a mudanças na posição do professor, a média da relação O seu tratamento
deve ser feito ainda
sinal ruído é somente +4 ou + 5 dB, podendo ser até 0 dB. na construção e
projeto do ambiente,
dependendo de
Diante das dificuldades descritas, uma alternativa plau- sua finalidade. Em
sível seria tentar fornecer a transmissão direta da voz do ambientes abertos,
por exemplo, a
falante para o microfone do AASI ou do IC do aluno. É o reverberação é muito
pouca; já em salas
que faz o Sistema FM, um sistema tecnológico que visa de aula e auditórios,
melhorar a captação do sinal da fala, proporcionando ao cuidados especiais
devem ser tomados,
usuário deficiente auditivo condições ideais de audição já que a reverberação,
se excessiva, poderá
e de um claro entendimento da fala, por meio da elimi- comprometer a
nação dos fatores limitantes ao seu entendimento, que compreensão das
mensagens.
são o ruído, a distância e a reverberação, presentes em
sala de aula. Mas como funciona este dispositivo?
74 UNIUBE

Atualmente, existem três tipos de sistema FM: o sistema FM pessoal, o sistema


FM de campo livre e o sistema FM autocontido. O sistema FM básico consiste
em duas unidades, sendo uma transmissora e uma receptora (BEVILACQUA;
FORMIGONI, 2000). O FM transmissor possui um microfone e é utilizado pelo
falante principal. O receptor é usado pelo aluno e pode ser acoplado ao AASI.
Funciona como um cabo invisível, conectando o microfone que fica com o pro-
fessor ao AASI do aluno com deficiência auditiva. A proximidade do microfone
do FM transmissor do lábio do falante (no caso, o professor), de 10 a 20 cm,
assegura que o sinal de fala chegue ao microfone do AASI do aluno mais intenso
que o ruído de fundo, possibilitando uma relação sinal ruído de 15 a 20 dB, o
que não seria possível apenas com o AASI ou IC.

Existem modelos mais complexos, nos quais o receptor do FM contém o mi-


crofone ambiental que capta todos os sons ao redor, como também vozes de
pessoas que não estejam utilizando o FM transmissor, possibilitando ao usuário
participar de atividades em grupo, ouvir sua própria voz e monitorá­‑la (BEVILA-
CQUA; FORMIGONI, 2000).

Essa tecnologia é considerada, por alguns profissionais, a mais importante e


essencial ferramenta educacional já desenvolvida para alunos com deficiência
auditiva e é um recurso já utilizado em escolas brasileiras. Entretanto, o sis-
tema FM ainda não representa a realidade para maioria dos nossos alunos do
ensino público, seja por falta de conhecimento ou, principalmente, por falta de
interesse de investimento, em virtude do seu custo relativamente alto para os
nossos padrões. Isso faz com que sejam encontrados com maior frequência
em instituições de ensino superior e centros de especializados de reabilitação
com abordagem oral. Vale ressaltar que este tipo de sistema também beneficia
significativamente os alunos com desordem do processamento auditivo.

3.7.3  Implante coclear (IC)

O implante coclear é um dispositivo eletrônico inserido cirurgicamente, que es-


timula diretamente o nervo auditivo, por meio de pequenos eletrodos que são
colocados dentro da cóclea, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o
UNIUBE  75

nervo, que o levará para o cérebro, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral.
É um aparelho muito sofisticado, que foi uma das maiores conquistas na área da
Engenharia ligada à Medicina. Possibilitou que a ideia de “restaurar” a audição
deixasse de ser uma possibilidade futurística e se tornasse uma realidade.

  ponto­‑chave 

E qual a diferença entre o implante coclear e os aparelhos auditivos convencionais? Os


aparelhos de audição amplificam os sons. Contudo, se a pessoa não escuta nada não
adianta aumentar o som. Já o implante não aumenta os sons. Ele é um estimulador
elétrico, que capta o som do ambiente, o converte em sinal elétrico, e então o envia
ao cérebro –­ pela estimulação direta no nervo auditivo –
­ , onde será interpretado como
som. Todo esse processo ocorre, portanto, sem a participação do sistema auditivo
periférico. O implante faz o papel de todo o ouvido.

Agora eu pergunto: se o IC e o AASI representam duas opções de dispositivos


diferentes, será qualquer pessoa com deficiência auditiva uma candidata a uti-
lizar o IC ou existem critérios de indicação de um ou outro dispositivo? Qual é
a opção, o AASI ou IC?

O IC, por se tratar de um procedimento invasivo, não é a primeira opção de


dispositivo eletrônico a ser indicada em casos de deficiência auditiva. Para que
sua indicação seja feita, o paciente deve passar por um processo de avaliação
complexo, que exige a atuação conjunta de uma equipe multidisciplinar, que con-
sidera não só aspectos físicos e cognitivos do paciente, mas também a situação
da dinâmica familiar. Qualquer condição que possa excluir a sua indicação deve
ser notada. Apesar dos amplos critérios de indicação, não são todos os pacien-
tes que se beneficiam. De modo geral, está indicado para pacientes que têm
surdez neurossensorial bilateral de grau severo a profundo e que não obtiveram
resposta satisfatória com o uso de AASIs. O tempo de surdez também é outro
fator importante: quanto mais tempo o paciente fica privado de escutar, mais
difícil será sua reabilitação. Caso a perspectiva de benefício seja muito limitada,
o dispositivo poderá não ser indicado, ainda que o interessado apresente defi-
76 UNIUBE

ciência auditiva neurossensorial profunda. Daí a necessidade de um minucioso


processo de avaliação. Complementando, é de fundamental importância que
o treinamento auditivo adequado seja realizado após a colocação do implante,
para que o usuário aprenda ou reaprenda a ouvir.

Conforme descrito no site da Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas


e Faculdade de Medicina da USP, no que concerne aos benefícios do implante:

[...] os estudos e o acompanhamento em longo prazo mostram


que os melhores resultados com o implante coclear são em
pacientes crianças, com implantação quando ainda são peque-
nas (até 2 anos e 11 meses). Nas crianças implantadas ainda
bebês, a aprendizagem da língua oral ocorre mais facilmente
e, em geral, o desenvolvimento é muito próximo ao de uma
criança ouvinte. Isso se os devidos suportes forem oferecidos.
Em crianças com idade superior a 4 anos os benefícios são
altamente dependentes do seu nível de desenvolvimento de
linguagem e cognição. Entende­‑se por adequado nível de de-
senvolvimento de linguagem a criança que, apesar da deficiên-
cia auditiva, tem boa capacidade de expressão e compreensão
de linguagem, independente da modalidade.

(GRUPO DE IMPLANTE COCLEAR DO HC-FMUSP. Dispo-


nível em: <http://www.implantecoclear.org.br/>. Acesso em:
27 mar. 2010.)
Esses aspectos, dentre outros, são importantes fatores prognósticos para per-
cepção de fala após um ano de IC.

A sensação auditiva ocorre em frações de segundos. Todo o processo inicia­‑se


no momento em que o microfone presente no componente externo capta o sinal
acústico e o transmite para o processador de fala, por meio de um cabo. Como
explanado na referência mencionada,

[...] o processador de fala seleciona e codifica os elementos


da fala, que serão reenviados pelos cabos para a antena
transmissora onde será analisado e codificado em impulsos
elétricos. Por meio de radiofrequência, as informações são
transmitidas por meio da pele (transcutaneamente), as quais
UNIUBE  77

serão captadas pelo receptor estimulador interno, que está sob


a pele. O receptor estimulador contém um “chip” que converte
os códigos em sinais eletrônicos e libera os impulsos elétricos
para os eletrodos intracocleares específicos, programados
separadamente para transmitir sinais elétricos, que variam em
intensidade e frequência, para fibras nervosas específicas nas
várias regiões da cóclea.

Após a interpretação da informação no cérebro, o usuário é capaz de experi-


mentar sensação de audição.

3.7.4  Implante auditivo de tronco encefálico (ABI)

O implante auditivo de tronco encefálico é uma prótese que pretende restaurar


a função auditiva de pessoas surdas cuja causa da surdez não permite que seja
realizado o implante coclear. Quando o paciente não possui a cóclea e o nervo
auditivo, não há alternativa a não seu estimular diretamente o núcleo do nervo
auditivo que fica no tronco cerebral. É o que se propõe a fazer este dispositivo
que é o primeiro equipamento especificamente desenhado para transmitir os
sons diretamente ao tronco cerebral sem a necessidade da cóclea e do nervo
auditivo (GRUPO DE IMPLANTE COCLEAR DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS E
FMUSP, 2010).

Em estudo de revisão de literatura, Santos e Tochetto (2007) descreveram que


a reabilitação nestes casos é lenta em decorrência da ativação gradativa dos
eletrodos. Logo, os candidatos em potencial precisam estar dispostos a aceitar
as limitações do dispositivo, estar altamente motivados a utilizá­‑los no seu dia a
dia, assim como devem ter disponibilidade para o acompanhamento intensivo,
requerido no primeiro ano após a cirurgia.

A maioria dos pacientes se beneficia do equipamento pelo aumento de atenção,


detecção e discriminação dos sons, que proporcionam a melhora significativa
da sua comunicação e qualidade de vida. O som ouvido por este implante é
sempre beneficiado pelo uso combinado de pistas de leitura orofacial (GRUPO
DE IMPLANTE COCLEAR DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS E FMUSP, 2010).
78 UNIUBE

Para finalizar, é sempre importante que os profissionais envolvidos na educação


do deficiente auditivo comprometam­‑se a fazer uso diário, sistemático e efetivo
de estratégias que auxiliem a comunicação com o aluno em sala de aula, inde-
pendentemente do tipo de dispositivo que ele utilizar. É fato que a utilização de
tais estratégias, com assiduidade e rigor, está ligada a efetividade do desenvol-
vimento pedagógico e social.

3.8 Educação de indivíduos com deficiência auditiva

Em relação à situação educacional das pessoas com deficiência auditiva, existem


três perguntas que devem ser consideradas, na atualidade. A primeira delas diz
respeito a como elas devem ser ensinadas; a segunda questiona onde devemos
ensiná­‑las; enquanto a terceira busca sabe o que devemos ensiná­‑las.

A primeira pergunta, obviamente, aborda a controvérsia entre a linguagem oral e


a Língua Brasileira de Sinais. A segunda diz respeito às modalidades de ensino
ou à colocação acadêmica real desses estudantes. Já a terceira, relaciona­‑se
exatamente com o que deve ser ensinado a um aluno em qualquer dia típico de
aula (NORTHERN; DOWNS, 2005).

A consideração mais importante na educação dessas pessoas é que as respostas


a essas perguntas devem levá­‑las a superar as suas dificuldades em dominar
as habilidades de linguagem, visto que, nestes casos, é a barreira da linguagem
que se coloca, muitas vezes, entre elas e a realização completa de seu desen-
volvimento acadêmico, intelectual, emocional e social. O desenvolvimento da
linguagem, portanto, deve ser o objetivo primário desse trabalho (NORTHERN;
DOWNS, 2005).

É fato que, por muito tempo, nós fomos erroneamente levados a colocar a
linguagem oral como objetivo primário para as crianças deficientes auditivas,
nunca nos dando conta de que o enriquecimento de suas vidas pode ser sa-
crificado pela habilidade simples em expressar verbalmente as palavras. Mas
vamos pensar: Que palavras são essas? E em quais relações e contexto? O
objetivo primário na educação de um indivíduo com deficiência auditiva deve se
UNIUBE  79

desenvolver habilidades linguísticas e garantir o desenvolvimento da comuni-


cação por qualquer meio possível. A linguagem oral, em geral, é grandemente
desejada pelos familiares, educadores e outros profissionais, contudo, não
deve se tornar o fundamento dos esforços educacionais do indivíduo. Assim,
para aqueles cuja deficiência auditiva possibilita o desenvolvimento pleno da
linguagem oral, sem que seu desenvolvimento cognitivo e emocional seja preju-
dicado, essa possibilidade não pode ser negada. Caso contrário, o objetivo de
desenvolver a fala/linguagem deve ser secundário ao objetivo de desenvolver
uma forte base linguística, que possa ser adquirida espontaneamente, como
é o caso da Libras (NORTHERN; DOWNS, 2005).

A família, particularmente os pais, é a parte mais importante do sistema de


apoio no processo educacional. Ela precisa estar inerentemente envolvida em
todas as decisões em relação ao seu filho. Os pais de uma criança, recen-
temente diagnosticada, lidam com a difícil tarefa de decidir qual modalidade
de comunicação servirá de base para o desenvolvimento e aprendizagem do
seu filho. É uma escolha sempre muito difícil, especialmente quando falamos
de pais ouvintes. Inicialmente, as desvantagens da Libras são óbvias para os
pais. Pelo fato de não ser a língua usada pela sociedade e pela família, eles
acreditam que seu filho terá dificuldade de se comunicar com os outros e, na-
turalmente, também se preocupam com o fato de ter que aprender uma nova
língua para que tenham condições de se comunicar com ele. Inicialmente, ela
é vista como fator de exclusão social. Ao mesmo tempo, podem se sentir inse-
guros em relação aos resultados incertos de serem alcançados na língua oral.
É certo que para algumas crianças a aquisição da fala é um objetivo possível;
porém, para outras será necessário aceitar uma menor competência, talvez
insuficiente para que sua aprendizagem ocorra de forma plena. Todas essas
dúvidas, faltas de esclarecimentos, medos e angústias precisam, portanto, ser
minimizados, para que as escolhas feitas sejam as mais coerentes possíveis,
de modo a assegurar que a criança atinja o máximo de suas capacidades
educacionais.

Por muitos e muitos anos, a atenção dos profissionais foi dedicada integralmente
à criança e pouca ênfase foi dada aos pais. É evidente que as famílias precisam
80 UNIUBE

de assistência. Felizmente, nos últimos anos, surgiram programas de habilitação


voltados para elas. Qualquer que seja o programa educacional em que o sujeito
esteja inserido, os pais devem receber suporte emocional que os ajude a reco-
nhecer, aceitar e compreender as necessidades educacionais de seu filho, para
que possam auxiliar neste processo. É função de todos os profissionais envolvidos
oferecer o conforto e a confiança necessária para que os melhores resultados
possíveis sejam alcançados. Esses resultados devem ser o desenvolvimento de
uma autoconfiança da criança, uma forte autoestima e a capacidade de se rela-
cionar bem com pessoas nos diversos ambientes (NORTHERN; DOWNS, 2005).

  importante! 

Outro aspecto importante ao se avaliar as possibilidades educacionais diz respeito à


identificação cultural (NORTHERN; DOWNS, 2005). As crianças têm necessidades
culturais. A cultura é o conhecimento que dá aos indivíduos uma compreensão com-
partilhada do mundo, além da aceitação de comportamentos e valores. A cultura nos
possibilita saber o que é esperado e previsto, assim como permite que os indivíduos
avaliem seu lugar dentro de seu grupo. Muito frequentemente, na ausência de uma
orientação ou de uma intervenção cuidadosa, a pessoa com deficiência auditiva pode
se tornar isolada da família e dos amigos. Esses problemas sociais complicam o
seu desenvolvimento. Crianças filhas de pais ouvintes podem sofrer rejeição ou não
aceitação dentro da própria casa. Nas escolas e classes comuns, quando a inclusão
não acontece, duas situações podem ser observadas. As crianças, frustradas, podem
apresentar problemas comportamentais em toda sua fase escolar, como também
podem desenvolver fortes laços emocionais e de lealdade entre si como alunos, o
que os leva a comunidades exclusivas de surdos quando adultos.

Portanto, tanto o ambiente doméstico quanto o escolar devem estar em constante


avaliação e todos os envolvidos devem estar cientes de que é preciso flexibilidade
para proceder aos ajustes necessários. Não é justo forçar uma pessoa em uma relação
de grupo na qual sua deficiência auditiva seja um detrimento tal que ela não possa
competir ou ser aceita completamente. Ela deve estar em um ambiente no qual a
comunicação possa ser obtida com sucesso, sem estresse ou censura. O equilíbrio
emocional é essencial para qualquer êxito no alcance dos objetivos educacionais
desejados para a pessoa deficiente auditiva (NORTHERN; DOWNS, 2005).
UNIUBE  81

Embora um enorme esforço de pesquisa tenha sido gasto Auriorais


para determinar a melhor proposta educacional para o
O método aurioral
deficiente auditivo, os resultados globais ainda são incon- representa uma
opção de trabalho
sistentes, ainda que tenham nos proporcionado grande junto às crianças com
colaboração. Alguns estudos mostraram superioridade de deficiência auditiva
na atuação clínico­
programas auriorais, enquanto outros obtiveram conclu- ‑terapêutica, que
prioriza a utilização
sões contrárias. Obviamente, inúmeros fatores objetivos da via sensorial
e subjetivos, que podem ou não estar inter­‑relacionados, auditiva para o
desenvolvimento das
influenciam os resultados. A seguir, algumas breves con- habilidades orais nos
deficientes auditivos.
siderações serão feitas.

De acordo com a abordagem oralista, a criança com deficiência auditiva deve re-
ceber a oportunidade de se comunicar por meio da linguagem oral. A estimulação
auditiva possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança
surda a integrar­‑se na comunidade ouvinte e desenvolver a personalidade como
a de um ouvinte (ERNESTINO et al., 2006). Em busca desse objetivo foram de-
senvolvidas várias metodologias de oralização, sendo que todas se baseiam no
ensino da língua oral e não aceitam os sinais e/ou gestos. Essas metodologias
preconizam que os indivíduos que se tornarão bons ouvintes também devem
usar sua visão para se tornarem bons em leitura orofacial. É primordial o uso
de dispositivos eletrônicos individuais ou de frequência modulada (FM) e
um trabalho de educação auditiva precoce. Esse processo, todavia, é lento e
demorado. Depende da participação efetiva da família, do terapeuta, da criança
e da escola. Quando todas essas exigências são atendidas o resultado pode
ser muito bom.

A comunicação total preocupa­‑se em estabelecer comunicação efetiva entre


surdos e surdos, assim como surdos e ouvintes. Para que ela possa se estabe-
lecer, os interlocutores podem lançar mão de vários códigos, sejam eles orais e/
ou manuais, como a datilologia, português sinalizado, língua artificial que utiliza
o léxico da língua de sinais com a estrutura sintática do português, entre outros.
O uso dos códigos manuais simultaneamente com os códigos orais e seguindo a
estrutura da língua oral é chamado bimodalismo. Alguns autores afirmam que o
uso da comunicação total favoreceu mais os pais e professores ouvintes do que
82 UNIUBE

os alunos com deficiência auditiva (ERNESTINO et al., 2006). Dentro da abor-


dagem bilíngue espera­‑se que o surdo desenvolva a Libras como sua primeira
língua e a língua oficial de seu país como segunda língua, seja na modalidade
oral ou escrita. Essa aquisição pode ocorrer por meio do convívio com a comu-
nidade surda ou dentro de um programa educacional bilíngue (ERNESTINO et
al., 2006). Na educação de surdos, o bilinguismo é, portanto, o fato de o surdo
ser usuário de duas línguas. O paradigma de tratamento é quebrado e se es-
tabelece a ideia de educação de surdos. Educar nesta proposta é cuidar para
que se torne possível garantir que os processos naturais de desenvolvimento
do indivíduo surdo sejam preservados.

  importante! 

Apesar de todas as controvérsias presentes na literatura, a única certeza que temos


é que nenhuma metodologia única funciona para todas as crianças com deficiência
auditiva – surdez. Neste sentido, algumas tendências são observadas e descritas na
literatura, particularmente, por Bevilacqua e Formigoni (2000). Além do grau e do tipo
de deficiência auditiva, os parâmetros utilizados para tais definições são a capacidade
de utilização da audição residual e a atitude comunicativa, observando­‑se o padrão
de relação que o indivíduo apresenta com o meio ambiente.

1. Crianças que respondem a sons de fala sem AASI: são os casos que geralmente
têm benefícios com AASI não muito potente, em que o atendimento especializado
apresenta resultado em curto prazo. A opção metodológica para o atendimento es-
pecializado é a abordagem aurioral, em escolas comuns.

2. Crianças que respondem a sons de fala apenas com AASI: trata­‑se de crianças que
geralmente têm benefícios com amplificação média ou mais potente; que, dependendo
da evolução, utilizam­‑se pistas de leitura orofacial (capacidade de entender a palavra
falada por outra pessoa por meio dos movimentos dos lábios aliados à expressão
facial); em que inicialmente a opção metodológica para o atendimento especializado
pode ser aurioral. O atendimento especializado apresenta resultado em médio prazo
e sua evolução depende de inúmeros fatores, como: bom relacionamento entre te-
rapeuta, família e escola, disponibilidade familiar da criança, capacidade cognitiva,
etiologia da patologia da audição, época do diagnóstico. Conforme essa tendência,
essas crianças podem frequentar escola comum, desde que haja um trabalho
em conjunto entre escola e terapeuta.
UNIUBE  83

3. Crianças que não respondem a sons de fala com AASI: as crianças que não apre-
sentam um comportamento auditivo bem delineado no início do trabalho vão exigir
muito mais da sensibilidade e da competência do terapeuta para a escolha do caminho
supostamente mais adequado. Para essas crianças, a autora propõe o que deno-
minou prova terapêutica. Durante seis a oito meses, o especialista deve intensificar
o aprendizado da capacidade auditiva da criança, por meio de inúmeras vivências
com as mais diversas fontes sonoras, procurando desenvolver ao máximo a função
auditiva. Após o trabalho intensivo de audição durante alguns meses, avalia­‑se como
a criança em questão utiliza suas potencialidades e como vai estabelecendo suas
relações com a ajuda do dispositivo eletrônico e das pessoas diretamente envolvidas
no trabalho. Observa­‑se que as crianças que se beneficiam do dispositivo eletrônico,
passando a responder a sons verbais durante o trabalho auditivo, poderão ser en-
caminhadas à escola comum (nesta situação, a opção metodológica pode ser a
abordagem aurioral). Caso contrário, deverão ser encaminhadas a uma escola
especial para surdos.

4. Crianças que não respondem a sons ambientais com AASI: caso seja possível,
essas crianças também são candidatas ao implante coclear. Cabe lembrar que as
crianças que inicialmente não respondem a sons ambientais com AASI, após algum
tempo de trabalho, poderão se desenvolver bem. Porém, dentro desse grupo, ape-
nas uma minoria conseguirá um bom padrão de voz e linguagem oral. Dependendo
do resultado obtido, a abordagem pode ser aurioral (considerando aqui as crianças
implantadas com sucesso) ou bilinguismo.

É preciso esclarecer que as situações descritas acima não constituem uma re-
gra. A massificação da educação em qualquer situação não faz sentido. O meio
pelo qual se levará uma criança a construir e a desenvolver seu potencial para
a aprendizagem é importante. É fundamental que a escolha seja feita visando
o melhor para ela e que, acima de tudo, os pais façam a escolha metodológica
confiando e participando do método escolhido.
84 UNIUBE

3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala


de aula

A atuação com o aluno deficiente auditivo ou com outros comprometimentos


auditivos requer que as pessoas que convivem com ele tenham condutas que
favoreçam e auxiliem o seu desenvolvimento. Pais, terapeutas e professores,
todos devem procurar ter condutas coerentes, e, principalmente, habilidade,
sensibilidade e flexibilidade, em situações de vida diária e escolar, para adaptá­
‑las às diferenças de cada um. A escola, antes de tudo, deve estar disponível
à inclusão e orientação, promovendo as adaptações necessárias e gerando
condições de permanência e aproveitamento do aluno em sala de aula.

3.9.1  Estratégias comunicativas

O aspecto da comunicação é, sem dúvida, a questão central no processo ensino­


‑aprendizagem. O professor deverá, portanto, oferecer ao seu aluno experiências
significativas com a linguagem, desenvolvendo uma pedagogia apropriada e
estando atento a todas as formas de manifestação expressas por ele para que
tenha a compreensão de como seu pensamento se processa ou de que forma
poderá ter acesso ao seu funcionamento intelectual. Isso porque, em nossa rea-
lidade, nos deparamos com uma diversidade de alunos com deficiência auditiva,
com diferentes realidades no que diz respeito à comunicação. Existem alunos
que experimentaram propostas terapêutico­‑educacionais oralistas, alunos que
construíram a identidade surda e que têm a Libras – Língua Brasileira de Sinais
como primeira língua e, como segunda, a língua portuguesa na modalidade oral
e/ou escrita, bem como alunos que não tiveram acesso a programas de reabilita-
ção ou educacionais, não estabelecendo nenhuma forma de comunicação além
de gestos caseiros. Logo, se as atividades propostas não forem mediadas por
um veículo de comunicação acessível, todo o processo de ensino­‑aprendizagem
estará comprometido (BUFFA, 2006).
UNIUBE  85

  ponto­‑chave 

Um professor deve ter conhecimento de como e o que falar. Em contrapartida, para


os alunos que se comunicam por Libras, deverá contar com a ajuda do intérprete,
além de ser recomendável, também, que procure ampliar seus conhecimentos sobre
essa língua, sobre a função do intérprete em sala de aula, além de buscar conheci-
mentos sobre as estratégias educacionais e de comunicação apropriadas para cada
aluno. Atenção: a seguir, algumas estratégias gerais sobre uso da voz, articulação,
atenção, expressões e comunicação, segundo Bevilacqua e Formigoni (2000) serão
apresentadas.

Faz­‑se importante destacar que muitas delas têm aplicabilidade para qualquer
aluno com deficiência auditiva e outros comprometimentos auditivos, independen-
temente de sua faixa etária, escolaridade e modalidade de comunicação utilizada.

Procure falar de forma clara, um pouco mais devagar do que o normal, usando
articulação normal e não exagerada. Falar alto faz com que a voz se torne inin-
teligível e a articulação forçada. Por isso, use a voz com intensidade normal.
Os padrões de entonação, ritmo, duração e intensidade dos sons das palavras
e frases podem ser percebidos auditivamente trazendo muitas informações de
caráter emocional. Fale próximo do aluno. À medida que nos afastamos dele o
som fica menos intenso. O ruído de fundo deve ser o menor possível, já que é
muito difícil para quem tem algum comprometimento no sistema auditivo ouvir
em sua presença (não só os deficientes auditivos).

Quando a intenção for chamar a atenção do aluno, use primeiramente a voz. É


preciso dar­‑lhe chance de usar sua audição. Procure chamá­‑lo pelo nome umas
três vezes. Caso não responda, utilize recursos visuais e diga­‑lhe que o chamou.
Evite tocá­‑lo, puxá­‑lo ou agarrá­‑lo para conseguir sua atenção. Nenhuma pessoa
gosta desse tipo de atitude. Ao falar com ele ou produzir qualquer ruído, dê um
tempo para que a informação auditiva seja processada. A espera é fundamental.
O silêncio e a pausa também têm conteúdo comunicativo. Desenvolva a atenção
auditiva e a comunicação oral nas atitudes do dia a dia, aproveitando as ativida-
86 UNIUBE

des de rotina para fazê­‑lo perceber os diferentes tipos de som. Os sons devem
ser significativos. Caso não sejam, ele aprende a ignorá­‑los. Aproveite todas as
oportunidades para falar com o aluno no momento exato em que ele solicita,
falando sobre o que ele esta interessado no momento. Também procure ampliar
os seus interesses gradativamente. Seja sensível à capacidade de atenção do
aluno. É importante sempre termos em mente que uma criança com deficiência
auditiva com dois, três ou quatro anos, por exemplo, pode ser um bebê auditiva e
linguisticamente, visto que a sua idade auditiva (e a sua capacidade de atenção,
também) corresponde ao tempo em que está fazendo uso de algum dispositivo
eletrônico que permita o seu acesso ao mundo sonoro. Sendo assim, ela ainda
está aprendendo a ouvir, por isso, necessita ser tratada de acordo. Portanto,
para reconhecer e saber lidar com esta situação, a sensibilidade é de extrema
importância.

Permita que o aluno com deficiência auditiva veja seu rosto de frente. Fique
em ambientes claros. Não cubra a boca com as mãos. A leitura orofacial re-
presenta um recurso importantíssimo de comunicação para deficiente auditivo.
Mastigar chiclete, comer, colocar objetos na boca, assim como outras atitudes
que prejudiquem a visualização do rosto (barba, bigode, óculos de sol) podem
comprometer o entendimento das informações e prejudicar a aprendizagem. Use
expressões faciais ricas e entonações que correspondam às ações, para que as
mensagens não se tornem confusas. Use gestos naturais com as mãos. Eles
não substituem a linguagem, mas como a comunicação envolve movimentos
do corpo, mímica, expressão facial, esses recursos podem ser utilizados como
apoio para que a comunicação se estabeleça.

É preciso que os professores estejam atentos e entendam as atitudes de comu-


nicação do aluno. Esta medida e imprescindível, especialmente para professores
que atuam com a Educação Infantil. Lembre­‑se de que, antes das primeiras
palavras, inúmeros comportamentos comunicativos já estão presentes e devem
ser respondidos efetivamente, de modo a encorajar a criança em suas tentativas
de comunicação. Quando se tenta entender uma criança, ela percebe que, ao
se comunicar, alguma coisa acontece. As respostas às tentativas de comunica-
ção podem ser dadas por meio de um sorriso, palavras, gestos com a cabeça.
UNIUBE  87

Independentemente da modalidade, sempre responda a sua comunicação.


Enfatize as imitações. Geralmente, as crianças gostam de fazer imitações. Por-
tanto, incentive a imitação de sons produzidos por animais, meios de transporte,
eletrodomésticos etc. Use repetições. A criança deve ouvir uma mesma palavra,
várias vezes, em diferentes situações, para entendê­‑la. Não se esqueça de que
as aprendizagens, em geral, são adquiridas no cotidiano. Logo, comunique­‑se
por meio de um contexto significativo, que permitirá a generalização das ativi-
dades naturalmente.

Principalmente com crianças, não use diminutivos ou fala infantilizada. Os dimi-


nutivos tornam as palavras mais extensas e faz com que todas tenham a mesma
terminação, dificultando o entendimento das mensagens e aquisição de vocabu-
lário. Também não se esqueça de que a comunicação envolve falante e ouvinte
em trocas de turno conversacionais. É natural de qualquer adulto, ao lidar com
crianças com alguma dificuldade no desenvolvimento da linguagem, adotar uma
postura ansiosa, que nos leva a verbalizar o tempo todo. É importante respeitar
as trocas de comunicação. Dê ao aluno um tempo para que possa processar
a mensagem e respondê­‑la. Crie pausas com expectativa para encorajar sua
resposta. O silêncio também é comunicação.

Use sentenças pequenas e simples para facilitar a compreensão dos enunciados.


Com alunos maiores, uma estratégia eficaz é pedir que repitam os comandos dados,
para que ambos, professor e aluno, estejam seguros de que a compreensão da
informação foi atingida e para que o professor consiga avaliar o nível de resposta
do aluno. Caso verifique que ele tenha dificuldade em alguma atividade particular,
trabalhe com algo mais básico. Só trabalhe com uma tarefa específica caso sinta
que o aluno tenha condições para desenvolvê­‑la. O aprender deve motivar o aluno
e não trazer frustrações! Tratando­‑se também de criança, caso não entenda o que
ela tentou falar, não tenha medo de dizer que não entendeu. Ao dizer­‑lhe que não
foi entendida, ela provavelmente tentará melhorar a sua produção de fala e também
aprenderá a utilizar a mesma estratégia caso não entenda o outro.

Repita as mensagens, sempre que necessário, quando perceber que o aluno


não compreendeu. Caso não haja a compreensão da mensagem, devemos
88 UNIUBE

simplificá­‑la, utilizando frases mais simples ou curtas, ou, também, usar sinôni-
mos ou expressões correspondentes. Esta última estratégia também favorece o
desenvolvimento lexical. Em atividades orais em sala de aula, a delimitação das
possibilidades de resposta para o aluno pode ser muito útil. Formule a pergunta
já apresentando as alternativas de resposta.

Na sala de aula, dependendo do nível de escolaridade em que estiver atuando,


ou mesmo em todo o ambiente escolar, também é interessante esclarecer aos
demais professores e colegas as necessidades do aluno deficiente auditivo. O
esclarecimento, em geral, desperta sentimentos de compreensão, amizade e
solidariedade, muito importantes para a integração de todos.

3.9.2  Adaptações em sala de aula

As adaptações podem ser de duas naturezas: adaptações dos objetivos peda-


gógicos e adaptações no ambiente físico da sala de aula.

Os objetivos pedagógicos devem ser adaptados, quando ne-


cessário, de forma a adequá­‑los às características e condições
dos alunos. É importante que determinados objetivos sejam
priorizados, a partir da análise do conhecimento já apreendido
pelo aluno e do grau de importância referido objetivo para o
seu desenvolvimento e para o aprendizado do que lhe é signi-
ficativo. Em relação à avaliação, não é aconselhável que os
resultados das provas periódicas sejam supervalorizados em
detrimento do processo de construção de conhecimento do
aluno. Ao avaliar o conhecimento adquirido é importante que
sejam utilizados critérios compatíveis com as características
específicas do educando. Mais uma vez, é importante que os
professores desenvolvam sua sensibilidade e capacidade de
observação, para analisar a evolução ou dificuldades apresen-
tadas no processo de construção do conhecimento e aproveitá­
‑las, como sinalizadores para os necessários ajustes nas ações
pedagógicas (BUFFA, 2006).

Com relação à análise das produções escritas, algumas con-


siderações também são relevantes. Devido à defasagem
linguística relacionada à língua portuguesa, os textos podem
apresentar falhas em todos os níveis: fonológico, semântico,
morfossintático e pragmático. Os alunos que se comunicam
UNIUBE  89

pela Libras podem apresentar “erros” decorrentes da interfe-


rência de sua primeira língua e da sobreposição das regras
da língua que está aprendendo, produzindo textos distantes
do padrão da língua portuguesa. Visto isso, a forma da lingua-
gem deve ser avaliada com flexibilidade, não devendo haver
muita exigência em relação aos elementos coesivos e também
de conjugação verbal, por exemplo. Ao contrário, devem ser
valorizados o conteúdo (nível semântico­‑lexical), o aspecto
cognitivo da linguagem, a coerência e a sequência lógica das
ideias (BUFFA, 2006).

Ademais, o assento preferencial para diferentes tipos de atividades a serem


realizadas; o uso do sistema FM; a checagem e auxílio para a compreensão
do que foi dito pelo professor e pelos colegas de classe; o fornecimento prévio
do material sobre o tema a ser desenvolvido na aula; provas adaptadas às ne-
cessidades do aluno; são algumas sugestões que podem auxiliar o trabalho do
professor na promoção das adaptações necessárias para o aluno com compro-
metimentos no sistema auditivo (BUFFA, 2006; GARCIA, 2006b).

Dentro de sala de aula existem alguns fatores que prejudicam a acústica, como
o ruído de fundo, a reverberação e a distância da fonte sonora. Estas questões
constituem um grande desafio ao entendimento de fala em ambiente escolar,
desafio este ainda mais significativo quando temos em sala de aula uma criança
com deficiência auditiva ou com outros comprometimentos dessa natureza (vocês
se recordam das crianças com transtorno no processamento auditivo?).

A relação sinal/ruído é a diferença do nível sonoro entre o sinal (voz do pro-


fessor) e o ruído da sala (barulho). Quanto maior a relação sinal/ruído, maior
a inteligibilidade da fala. Quanto menor (ruído maior que a fala do professor),
mais difícil será a compreensão. O nível sonoro diminui quando a distância da
fonte sonora (voz do professor) aumenta. O som da fala diminui 6 dB a cada
vez que se dobra a distância do professor (GARCIA, 2006b). Agora vamos ima-
ginar um aluno com algum comprometimento auditivo no fundo da sala de aula
e o professor na frente, com uma fonte de ruído próxima. É evidente que esse
aluno terá grande dificuldade para compreender a fala, não é mesmo? Além de
incomodar, o ruído causa uma quebra na comunicação, comprometendo a com-
preensão dos conteúdos ensinados. A distância em relação ao professor agrava
90 UNIUBE

ainda mais a situação, além de prejudicar a leitura orofacial, inclusive. Os alunos


com alteração na função auditiva deverão ter local preferencial na sala de aula.

Um outro problema comum é a reverberação (GARCIA, 2006b), que são ecos


discretos que podem acontecer em salas de aula resultantes da reflexão dos
sons. Quando a voz do professor ecoa continuamente na sala, cada eco irá
interferir na compreensão da próxima palavra, fazendo com que a explicação
fique mais difícil de ser entendida. Existem algumas maneiras de reduzir a re-
verberação em sala de aula, por meio de modificações na estrutura física, as
quais para serem realizadas, dependerão do interesse das escolas e da ajuda
do profissional qualificado.

3.10 Conclusão

Prezados alunos, esperamos que a leitura destas páginas tenha sido válida e
contribuído para a formação de vocês. É claro que, devido ao curto espaço,
cada assunto foi tratado de maneira generalizada, mas sempre com o intuito
de possibilitar uma base para que vocês tenham condições de aprofundar o
conhecimento proporcionado em futuras pesquisas. Essa busca depende do
interesse de vocês. As fontes de informação estão cada vez mais acessíveis a
todos. De qualquer modo, esperamos que os temas, aqui abordados, tenham
despertado o seu interesse pelo assunto.

O que pretendemos mostrar aqui, dentre outros aspectos, é a importância que


o ambiente escolar representa no processo de ensino­‑aprendizagem dos indi-
víduos com comprometimentos auditivos. Nesse contexto, é necessário que os
profissionais que com eles lidam procurem, cada um na sua área e de forma
integrada, criar recursos que favoreçam o desenvolvimento dessas pessoas.
Especialmente em tempos de inclusão, temos que desenvolver a consciência
de que apenas inserir o aluno no ensino regular não garante que ela aconteça.
Muito pelo contrário, pode ser o início de uma sequência desagradável de fatos,
com o poder de resultar no abandono escolar. Portanto, os professores devem
se sentir muito a vontade dentro da equipe de apoio, assumindo seu papel com
segurança. Toda e qualquer dúvida deve ser sanada. É imprescindível que per-
UNIUBE  91

guntem sempre o que necessitam saber e que discutam, frequentemente, sobre


o desempenho desses alunos com os profissionais da área da saúde envolvidos.

Assim como qualquer pessoa, é comum que o indivíduo com comprometimen-


tos auditivos tenha necessidades educacionais especiais em algum momento
da vida. Os profissionais deverão ter sensibilidade e competência técnica para
detectar estes momentos e incluí­‑lo em um processo educacional adequado
às suas necessidades. Vencendo este desafio, estaremos contribuindo para
reajustar a sociedade, tornando­‑a acolhedora para todos, indiscriminadamente,
com qualidade e igualdade de condições.

Resumo
Há muito tempo, sabe­‑se que a audição desempenha um papel muito impor-
tante na aprendizagem e que qualquer comprometimento neste sistema poderá
repercutir negativamente sobre este processo. Sabe­‑se também que o desen-
volvimento escolar satisfatório de educandos com necessidades educacionais
especiais depende fundamentalmente de professores capacitados e interessados
no trabalho com tais alunos. Com o objetivo de maximizar a capacitação destes
profissionais e atrair a sua atenção para o tema este material foi elaborado.

Este capítulo, “A audição e o processo de ensino­‑aprendizagem”, procura


introduzir informações para que os educadores entendam os mecanismos en-
volvidos com a audição e com o desenvolvimento da linguagem e da fala; para
que conheçam as implicações clínicas e educacionais decorrentes dos quadros
de deficiência auditiva/surdez, assim como de outros transtornos relacionados
ao desenvolvimento auditivo; para que compreendam a origem das possíveis
dificuldades e necessidades enfrentadas por seus alunos, e assim, tenham
condições de promover estratégias que busquem minimizar os obstáculos na
aprendizagem e que sejam coerentes com as propostas educacionais dispo-
níveis. Oferece, ainda, recurso e motivação para que a parceria entre família,
educadores e profissionais da saúde seja reforçada.
92 UNIUBE

Ao fim do texto, o leitor compreenderá que para se alcançar o sucesso acadêmico


nestes casos, mudanças estruturais e pedagógicas consideradas individualmente
são necessárias. Também perceberá a relevância da atuação do educador, da
sua sensibilidade e competência técnica, na construção do conhecimento dos
alunos com deficiência auditiva.

Atividades

Atividade 1
Analise as afirmativas a seguir, considerando V para as alternativas verdadeiras
e F para as falsas:

I. A utilização sistemática do AASI é importante e suficiente para que a criança


desenvolva sua audição residual.

II. O grau da deficiência auditiva é o único fator a ser levado em consideração


na escolha da melhor opção educacional da criança com deficiência auditiva.

III. A opção inicial pelo oralismo, pelo bilinguismo, ou por qualquer outra alterna-
tiva educacional deve ser feita pelos pais. Cabe aos profissionais envolvidos
no processo educacional, orientá­‑los da melhor forma possível, para que
tomem decisões seguras.

IV. Qualquer que seja a metodologia educacional eleita pelos pais, o aprendi-


zado da Língua Portuguesa, seja na modalidade oral e/ou escrita, se faz
necessário, já que será, também, o meio de comunicação compartilhado
com a comunidade ouvinte.

V. O método oralista é considerado o mais adequado para a educação de


surdos, ou seja, todo indivíduo com surdez deve, a qualquer custo, se co-
municar e aprender por meio da linguagem oral.

A sequência correta é:

a) ( ) FFVVF
UNIUBE  93

b) ( ) VFVFV

c) ( ) FVFVF

d) ( ) FFVFV

e) ( ) VVVFF

Atividade 2
Analise as afirmativas a seguir, considerando V para as alternativas verdadeiras
e F para as falsas:

I. Considerando que em sua sala de aula existam alunos surdos que se co-
municam oralmente e utilizam a audição como via de aprendizagem, mas
também, alunos surdos que se comunicam por Libras e que não utilizam a
audição como via de aprendizagem, seria recomendável a utilização de am-
bas as formas de comunicação em sala de aula, podendo contar o professor
com o auxílio de um intérprete.

II. A presença do intérprete em sala de aula torna desnecessário que o pro-


fessor aprenda a Libras.

III. Adotar uma posição preferencial do aluno com deficiência auditiva em


sala de aula constitui uma alternativa eficiente para compensar os efeitos
da relação sinal/ruído e da distância em relação à fonte sonora. Por isso,
a posição preferencial não tem relevância para alunos usuários de Libras
que frequentam a escola regular.

IV. Desatenção, atraso no desenvolvimento da linguagem, trocas de sons na


fala, dificuldades para acompanhar a turma, dificuldades de compreensão
na presença de ruído, dificuldade para localizar sons são sintomas exclu-
sivos de deficiência auditiva bilateral.

V. O papel do ambiente escolar é de fundamental importância para o desen-


volvimento das habilidades auditivas, principalmente na educação infantil,
quando os professores devem proporcionar estímulos e atividades signifi-
94 UNIUBE

cativas do ponto de vista auditivo. Essas atividades também possibilitam


aos profissionais a percepção a respeito de como está se dando o desen-
volvimento auditivo de seus alunos, devendo aqueles tomarem as medidas
cabíveis sempre que sinais sugestivos de dificuldades forem identificados.

a) ( ) VVVFF

b) ( ) VVFFV

c) ( ) VFFFV

d) ( ) VVVFF

e) ( ) VFFVV

Atividade 3
Em relação à classificação dos diversos tipos de deficiência auditiva, analise as
afirmações, a seguir:

I. A classificação dos diferentes tipos de deficiência auditiva não tem impor-
tância prática, visto que podemos esperar implicações clínicas, terapêuticas
e educacionais padronizadas para todos os sujeitos com comprometimento
no desenvolvimento do sistema auditivo.

II. A afirmativa acima está errada, uma vez que encontramos diferentes ma-
nifestações no desenvolvimento infantil de acordo com a localização, grau,
origem e idade de aparecimento da deficiência auditiva.

III. Considerando a localização do comprometimento, a deficiência auditiva


divide­‑se em periférica e central, podendo ainda aquela ser subdividida em
condutiva, mista e neurossensorial.

IV. Podemos esperar manifestações diferentes ao comparar os casos de de-


ficiência auditiva pré­‑linguística e pós­‑linguística. Aquelas são geralmente
congênitas ou hereditárias, enquanto estas, adquiridas.
UNIUBE  95

V. As otites são causas comuns de problemas auditivos condutivos, principal-


mente em crianças. O quadro de sinais e sintomas apresenta as seguintes
características: história de infecção de ouvido com secreção; sensação de
líquido no ouvido; dor intensa; sensação de diminuição da audição; coceira;
febre; falta de apetite; distração; presença de zumbido.

Marque a alternativa correta:

a) (  ) Todas as alternativas estão corretas.

b) (  ) Apenas a afirmativa II está errada.

c) (  ) Apenas a alternativa I está errada.

d) (  )Todas as afirmativas estão incorretas.

e) (  ) Apenas a afirmativa I está correta.

Atividade 4
Ao longo do capítulo, diversas manifestações dos diferentes tipos de deficiência
auditiva foram apresentadas. Aponte três manifestações das crianças que podem
caracterizar uma possível deficiência auditiva.

Atividade 5
Suponha que, em sala de aula, você tenha um aluno cujo ouvido esteja sempre
expelindo secreção com mau cheiro. Qual seria a sua conduta? Que comporta-
mentos do aluno poderiam também ser observados em sala de aula?

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A organização e o
Capítulo funcionamento da
4 Língua Brasileira de
Sinais – Libras
Sandra Eleutério Campos Martins /
Daniela Kamimura Rezende

Introdução
Neste capítulo, vamos iniciar nossas reflexões reafirmando o papel fun-
damental que a linguagem desempenha em nossas vidas. A linguagem
é fator essencial para que as relações humanas se estabeleçam, pois
é pela linguagem que nós interagimos com os outros, expressamos
nossos pensamentos e emoções e podemos construir cultura, uma
vez que passamos nossas experiências e tudo aquilo que aprendemos
às novas gerações. Ela constitui a base de todas as nossas relações
sociais, políticas, afetivas, culturais e históricas, por isso é que com-
preender a linguagem nos possibilita compreender melhor o processo
sociocultural da humanidade.

Segundo Lyons (1987), linguagem é um sistema de comunicação natural


ou artificial, humano ou não, ou seja, qualquer meio de comunicação,
como a linguagem corporal, as expressões faciais, a maneira de nos
vestirmos, as reações de nosso organismo, a linguagem de outros ani-
mais, os sinais de trânsito, a pintura, a música, dentre outros. As línguas,
como o português, o inglês, o francês e o espanhol, constituem uma
das formas de linguagem, específica dos seres humanos. Um aspecto
fundamental a respeito da linguagem humana é que todo ser humano,
no convívio de uma comunidade linguística, fala ao menos uma língua,
a sua língua materna, aprendida com rapidez e facilidade surpreen-
dentes, até os cinco anos de idade, em estágios com características
100 UNIUBE

idênticas entre as comunidades linguísticas, independentemente da


ampla diversidade da experiência linguística e das condições sociais em
que se desenvolve o processo de aquisição. Ao falarmos de uma língua
materna, concebida como própria de uma comunidade de falantes que
a utilizam para interagir uns com os outros, estamos falando de língua
natural. É isso que se entende por uma língua natural que se opõe a
sistemas artificialmente construídos, como o esperanto.

É importante ressaltar que uma língua materna (ou natural) nem sempre
corresponde ao conceito estrito de nação, pois há países em que há
mais de uma língua materna oficiais, como é o caso do Canadá, com o
inglês e o francês. Na verdade, as comunidades linguísticas configuram­
‑se por definições de natureza diversa, em que a noção de nação é
apenas uma. A comunidade surda insere­‑se nesse caso. Trata­‑se de
um grupo que não constitui uma nação, mas que, como qualquer outra
comunidade linguística, possui uma língua materna. É fato que não se
trata de uma língua oral, mas certamente constitui um traço identitário
desse grupo e possibilita a interação entre os seus membros e também
entre eles e pessoas ouvintes. Neste capítulo, vamos conhecer mais
sobre a Libras – Língua Brasileira de Sinais.

A intérprete de Libras, nas fotos que ilustram este capítulo, é a pro-


fessora Daniela Kamimura Rezende e as fotos são de autoria da
fotógrafa Neusa das Graças da Silva.

Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:

• reconhecer a Língua Brasileira de Sinais – Libras como uma


língua natural;
• compreender como se constitui e como funciona a Libras;
• conhecer a estrutura fonológica, morfológica e sintática da Libras,
a partir das contribuições da Linguística;
UNIUBE  101

• identificar e reconhecer aspectos de variação linguística da Li-


bras.

Esquema
4.1 A Libras é uma língua natural?
4.2. Caracterizações das línguas de sinais ­– LS
4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade
4.3 Desfazendo­‑se dos mitos
4.4 Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo­‑espacial?
4.4.1 Como são formados os sinais?
4.4.2 Os pares mínimos
4.5 A morfologia das línguas de sinais
4.5.1 Léxico e unidade lexical ≠ vocabulário e vocábulo
4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras
4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras?
4.5.4 Formações de palavras por derivação
4.5.5 Os classificadores (Cl)
4.5.6 Tipos de classificadores
4.5.7 Formação de palavras por composição
4.6 A flexão na língua de sinais
4.6.1 Flexão de pessoa
4.6.2 Flexão verbal
4.6.3 Flexão de número
4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal
4.7 Sintaxe – de que maneira se estabelecem as relações sintáticas
numa língua vísuo­‑espacial como a Libras?
4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira
4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas?
4.8 E as variações linguísticas também ocorrem na Libras?
4.9 Conclusão
102 UNIUBE

4.1 A Libras é uma língua natural?

Ao contrário do que se acredita, as línguas de sinais não são meramente mímicas


e gestos soltos, utilizados pelas pessoas surdas para facilitar a comunicação.
São línguas com estruturas gramaticais próprias, sendo constituídas por todos
os níveis linguísticos, quais sejam, o fonológico, o morfológico, o sintático e o
semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas orais­
‑auditivas é chamado de sinal nas línguas de sinais. A diferença entre as lín-
guas de sinais (espaço­‑visuais) e as demais línguas (orais­‑auditivas) é a sua
modalidade visual­‑espacial. Assim, as línguas de sinais (LS), dentre as quais
a Libras, são as línguas naturais das comunidades surdas. Libras, ou Língua
Brasileira de Sinais, é a língua materna dos surdos brasileiros e, como tal,
poderá ser aprendida por qualquer pessoa interessada pela comunicação com
essa comunidade.

O status de língua da Libras reside no fato de ser constituída por todos os com-
ponentes pertinentes às línguas orais, preenchendo, assim, os requisitos cien-
tíficos para ser considerada instrumental linguístico de poder e força. Além disso,
é interessante lembrar que estudos em indivíduos surdos mostram que a língua
de sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua oral, ou seja,
que esta se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas.

Os resultados desses estudos mostram que o processa-


Áreas de Broca e de mento da Libras envolve uma participação importante das
Wernicke
áreas cerebrais clássicas (Broca e Wernicke) relaciona-
Recebem o nome das ao processamento linguístico e das áreas cerebrais
em homenagem a
Karl Wernicke (1848­ relacionadas ao controle e à interpretação das formas, dos
‑1905), médico,
anatomista, psiquiatra movimentos e das posições das mãos. Esses resultados
e neuropatologista pioneiros no estudo da organização neural da Libras
alemão e Paul
Pierre Broca (1824­ mostram que o processamento de uma linguagem de
‑1880), um cientista,
médico, anatomista e sinais envolve componentes específicos de análise visual
antropólogo francês. diferentes daqueles usados durante a análise auditiva,
além de circuitos comuns de processamento linguístico.
UNIUBE  103

Da mesma forma que as línguas orais­‑auditivas, a língua de sinais não é universal,


isto é, cada comunidade linguística tem a sua. Temos, então, línguas de sinais
diferentes espalhadas pelo mundo. Observe a tabela a seguir.

Tabela 1: Siglas das línguas de sinais.

DENOMINAÇÃO SIGLA

Língua de Sinais Brasileira Libras/LSB

Língua de Sinais Urubu Kaapor (PovosTupi – LSUK


Maranhão­‑Brasil)

Língua Gestual Portuguesa LGP

Lengua de Senas Chilena USC

Língua Italiana dei Segni LIS

Langue des Signes Française LSF

Langue des Signes Québecois LSQ

American Sign Language ASL

Hausa Sian Language (Nigéria) HSE

British Sign Language BSL

Língua de Sinais Australiana LSA

Língua de Sinais Indo­‑paquistanesa IPSL

4.2 Caracterizações das línguas de sinais ­– LS

Ao se caracterizar as línguas de sinais, é preciso ter em mente que essas


línguas utilizam a modalidade vísuo­‑espacial, que é diferente da modalidade
oral­‑auditiva, utilizada pelas línguas orais. Como aponta Ferreira Brito (1995,
p. 11), embora o canal vísuo­‑espacial não seja o preferido pela maioria dos
seres humanos para o desenvolvimento da linguagem, uma vez que a maioria
das línguas naturais são orais­‑auditivas, porém é uma alternativa que mostra
de imediato a força e a importância da manifestação da faculdade de linguagem
nos seres humanos.
104 UNIUBE

Outra distinção entre uma língua de sinais e uma língua oral reside na realização
das categorias linguísticas. Enquanto que nas línguas orais os mecanismos são
primordialmente sequenciais (um depois do outro), numa língua de sinais temos
a simultaneidade na realização dessas categorias linguísticas. Os mecanismos
simultâneos são produtivos nas línguas de sinais, pois é necessária a codificação
da atitude do falante em relação ao que está sendo descrito, especialmente a
distinção entre os tipos frasais –
­ declarativo, interrogativo, exclamativo, imperativo
(diretivo/optativo/exortativo) por marcas não manuais, como expressões fisionômi-
cas e movimentos do pescoço, em sincronia com o movimento manual. Entretanto,
nas línguas orais, a simultaneidade é menos produtiva, embora exista, quando por
exemplo, para diferenciar um enunciado interrogativo de outro afirmativo, utiliza­‑se
da entoação e intensidade da cadeia linguística, juntamente com os segmentos
fônicos. Quadros (1995, p. 1) aponta que os sinais, em si mesmos, normalmente
não expressam o significado completo do discurso, mas que esse significado é
determinado por aspectos que envolvem a interação dos elementos expressivos
da linguagem. Por exemplo, os surdos utilizam a expressão facial e corporal para
omitir, enfatizar, negar, afirmar, questionar, salientar, desconfiar, entre outras.

4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade

A questão da arbitrariedade do signo linguístico, a qual demonstra que, na


constituição do signo linguístico, a relação entre o significante (imagem acústica
/fônica) e o significado é arbitrária, ou seja, não existe nada na forma do signifi-
cante que seja motivado pelas propriedades da substância do conteúdo (signi-
ficado). É o que acontece nas línguas orais­‑auditivas, em que a articulação das
unidades da substância sonora (significante) produz sequências que em nada
lembram os traços semânticos do referente (significado). Entretanto, nas lín-
guas de sinais, muitos são os sinais que têm forte motivação icônica. Isso pode
ser explicado pela natureza do canal utilizado na modalidade vísuo­‑espacial,
no qual a articulação das unidades da substância gestual (significante) permite
a representação icônica de traços semânticos do referente (significado), o que
esclarece que muitos sinais reproduzam imagens do referente.
UNIUBE  105

O fato de a Libras ser de uma modalidade gestual­‑visual­‑espacial, as pessoas


pensam que são apenas sinais desenhados no ar, mas como já vimos, a Libras
tem sua estrutura gramatical própria e, não se resume em uma mímica ou ape-
nas um simples desenho no ar.

Os sinais icônicos, são aqueles que reproduzem a imagem do referente e os


sinais arbitrários são aqueles que não mantêm nenhuma semelhança com o
dado da realidade que representam. Vejam alguns exemplos:

Sinais icônicos


casa telefone
Sinais arbitrários


conversar saber
106 UNIUBE

Outras características poderiam ser lembradas para diferenciar as línguas orais­


‑auditivas e as línguas vísuo­‑espaciais. Entretanto, apesar dessas distinções, é
mais importante o fato de que os universais linguísticos são encontrados tanto
nas línguas orais como nas línguas de sinais, provando que as línguas que utili-
zam a modalidade vísuo­‑espacial são manifestações da faculdade de linguagem
do mesmo modo que as que utilizam a modalidade oral­‑auditiva.

4.3 Desfazendo­‑se dos mitos

Muitas afirmações relacionadas a essa modalidade de língua são inadequadas


tanto do ponto de vista linguístico quanto social e pedagógico. Os estudos cien-
tíficos já provaram que muitas concepções que ainda hoje motivam as ações
educativas na família e, sobretudo, na escola não correspondem ao conheci-
mento já construído e divulgado sobre a língua de sinais. Muitas dessas con-
cepções se constituem em verdadeiros mitos. Confiram
Pantomima
algumas, a seguir.
É um teatro gestual
que faz o menor uso • A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e
possível de palavras e
o maior uso de gestos. gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos
É a arte de narrar abstratos.
com o corpo. É uma
modalidade cênica
que se diferencia da Essa concepção não procede, pois, na língua de sinais,
expressão corporal e
da dança, basicamente podem­‑se discutir política, economia, matemática, fí-
é a arte objetiva sica, psicologia, respeitando­‑se as diferenças culturais
da mímica, é um
excelente artifício para que determinam a forma com que cada língua expressa
comediantes, cômicos,
clowns, atores, qualquer conceito. Além disso, os estudos linguísticos
bailarinos, enfim, os demonstraram que os aspectos icônicos ou pictográficos
intérpretes.
de sinais individuais não são o aspecto mais importante
Fonte: Wikipédia.
Disponível em <http://
da estrutura e do uso da língua de sinais. Por exemplo,
pt.wikipedia.org/wiki/ o sinal manual para não, mesmo sendo considerado icô-
Pantomima>. Acesso
em: 2 set. 2011. nico, tem significado completamente diferente na língua
americana de sinais, como podemos ver a seguir.

• Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as comuni-
dades de surdos.
UNIUBE  107

Conforme relacionadas anteriormente, em cada país em que há comunidades


surdas, há uma língua de sinais diferente. No caso do Brasil, vimos que, além
da Libras, já se identificou a LS Urubu Kaapor, utilizada pelas comunidades
indígenas do estado do Maranhão.

Não Onde (ASL)

• Haveria uma falha na organização gramatical da língua de sinais, fazendo


com que essas sejam subordinadas e inferiores às línguas orais.

Outro mito, pois as línguas de sinais são independentes das línguas orais em
todos os países em que são utilizadas. Prova disso é que, mesmo nos países
cuja língua oficial é a mesma, há línguas de sinais diferentes entre si. Exemplo
disso é a diferença entre a língua de sinais do Brasil (Libras) e a língua gestual
de Portugal (LGP).

Não há falha alguma na organização gramatical da língua de sinais. É importante


compreender que, nas LS, os sinais não correspondem ao sentido literal das
palavras nas línguas orais. Assim, ao se insistir em compará­‑las às línguas orais,
verifica­‑se essa equivocada impressão de incompletude. O que ocorre, de fato,
é que a organização gramatical da língua de sinais é outra. Veja um exemplo
de um enunciado em português e em Libras:
108 UNIUBE

LIBRAS CINEMA O­‑P­‑I­‑A­‑N­‑O MUITO­‑BOM


PORTUGUÊS O FILME O PIANO É MARAVILHOSO

• A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial, com conteúdo


restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferior ao sistema de
comunicação oral.

Esta afirmação não é verdadeira, pois declara que faltam às línguas de sinais
complexidade e poder expressivo, sendo consideradas empobrecidas lexical e
gramaticalmente. Alguns relacionam esse empobrecimento lexical à ausência de,
por exemplo, os elementos de ligação, na língua de sinais. Mas já vimos que, sendo
de modalidade vísuo­‑espacial, a sua riqueza e expressividade são diferentes das
línguas orais, incorporando esses elementos de ligação na própria estrutura dos
sinais, por meio de ralações espaciais.

• As línguas de sinais teriam sido derivadas da comunicação gestual espontâ-


nea dos ouvintes.

Conforme já vimos, os sinais das línguas vísuo­‑espaciais não são apenas cópias
de gestos espontâneos, mas constituem legítimos signos linguísticos da língua
materna de comunidades surdas, que a caracterizam e a identificam.

• As línguas de sinais, por serem organizadas espacialmente, seriam processa-


das no hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemisfério é respon-
sável pelo processamento da informação espacial, enquanto que o esquerdo,
pelo da informação linguística.

As pesquisas neurolinguísticas demonstraram que as línguas de sinais são


processadas no hemisfério esquerdo, assim como todas as outras línguas. Este
dado comprova que a produção da linguagem independe da modalidade das
línguas.

Após nos situarmos no amplo universo dos estudos linguísticos e das línguas
de sinais, passaremos ao estudo mais detalhado da organização fonológica,
morfológica, sintática e semântica da Libras.
UNIUBE  109

4.4 Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo­


‑espacial?

Para começo de conversa, vamos lembrar quais são os estudos da fonologia.


A fonologia estuda os sons do ponto de vista funcional como elementos que
integram um determinado sistema linguístico. A unidade básica da fonologia é o
fonema. O fonema é constituído por um conjunto de propriedades que se atuali-
zam simultaneamente em uma unidade mínima distintiva, ou traços distintivos,
que ocorre em uma determinada língua. Portanto, cabe à fonologia:

• descrever as diferenças fônicas intencionais, distintivas, que determinam


diferenças de significação;

• investigar o conjunto de traços necessários para descrever os sons/elementos


de qualquer língua;

• estabelecer como se relacionam entre si os elementos de diferenciação de


sentido e as condições em que se combinam uns com os outros para formar
morfemas, palavras e enunciados.

No caso das línguas orais, os traços distintivos que constituem o fonema


relacionam­‑se à articulação de cada som da língua.

Em se tratando das vogais, esses traços são:

a) 
a zona de articulação, o ponto ou a parte do aparelho fonador em que se
dá a aproximação ou o contato dos órgãos que cooperam para a produção
do fonema;

 papel das cavidades bucal e nasal, que determina se a corrente de ar dos


b)  o
pulmões passará pela boca ou pelo nariz, determinando um som nasal ou oral;

c)  a intensidade, a força com que pronunciamos as vogais;

d) e o timbre, ou seja, a maior ou menor abertura da boca.


110 UNIUBE

No caso das consoantes, temos:

a) 
o modo de articulação, isto é, como os fonemas são articulados: se o ar sai
roçando ruidosamente as paredes da boca estritada, temos as fricativas (f,
v, x, ç, s, z, j); temos as vibrantes, quando o ar produz um movimento vi-
bratório (r); e, finalmente, as laterais, articuladas, quando o ar, encontrando
a língua apoiada no palato, é forçado a sair pelas fendas laterais da boca
(l, lh). O ponto de articulação é o lugar onde os órgãos entram em contato
para a produção do som: bilabiais (p, b, m), labiodentais (f, v), linguodentais
(t, d), alveolares (s, z, r, l, n), palatais (j, g, x, lh, nh);

 função das cordas vocais diz respeito a se a corrente de ar põe as cordas


b)  a
vocais em vibração (consoante sonora); caso contrário, a consoante será
surda;

c) 
a função das cavidades bucal e nasal, que determina se a corrente de ar
dos pulmões passará pela boca ou pelo nariz, determinando uma consoante
nasal ou oral.

Aqui, volto, então, à pergunta: como é possível estudar a fonologia de uma


língua vísuo­‑espacial?

O termo fonologia tem sido usado também para designar o estudo dos elementos
básicos distintivos da língua de sinais. Como as LS são de modalidade espaço­
‑visual, uma vez que a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida
pelas mãos, as unidades básicas da fonologia dessas línguas não são fonemas,
mas são elementos de natureza icônica, que também são compostos por um
conjunto de propriedades distintivas.

Os sinais apresentam uma estrutura dual, isto é, podem ser analisados em ter-
mos de um conjunto de propriedades distintivas (sem significado) e de regras
que orientam essas propriedades. Dessa forma, os estudiosos propuseram pa-
râmetros que não carregam significado isoladamente. Na comunidade científica,
prevalece, dessa forma, a ideia de que esses parâmetros são unidades mínimas
(fonemas) que constituem os morfemas nas línguas de sinais, de forma análoga
(semelhante) aos fonemas que constituem morfemas nas línguas orais.
UNIUBE  111

4.4.1 Como são formados os sinais?

Os sinais são formados a partir da combinação de cinco parâmetros fonológicos,


que formam as palavras e as frases num determinado contexto.

Nas línguas de sinais podem ser encontrados os seguintes parâmetros:

1. Configuração de mão (CM)

2. Movimento (M)

3. Locação (L)

4. Orientação de mão (Or)

5. Expressões não manuais (ENM)

4.1.1.1 Configuração de Mão (CM)

Trata­‑se da forma que a mão assume durante a realização de um sinal. A Libras


apresenta 46 CMs, conforme o Quadro 1 a seguir.

Quadro 1: Configurações de mão.


112 UNIUBE

   

Exemplos:
UNIUBE  113
telefone
CM [Y]

branco
CM [B]
114 UNIUBE
veado ontem

CM [5] CM [L]

4.4.1.2 Movimento (M)

Para haver movimento é necessário que haja objeto e espaço. Na língua de


sinais, a(s) mão(s) do enunciador representa o objeto enquanto que a área em
torno do corpo do enunciador é o espaço em que o movimento se realiza, ou
seja, trata­‑se do deslocamento da mão durante a realização do sinal.

Exemplos, segundo as categorias do parâmetro movimento na língua de sinais


brasileira (FERREIRA­‑BRITO, 1990):

galinha homem


UNIUBE  115

I – TIPO

a)  Contorno ou forma geométrica: retilíneo, helicoidal, circular, semicircular,


sinuoso, angular, pontual;

b)  interação: alternado, de aproximação, de separação, de inserção, cruzado;

c)  contato: de ligação, de agarrar, de deslizamento, de toque, de esfregar, de


riscar, de escovar ou de pincelar;

d)  torcedura do pulso: rotação, com refreamento;

e)  dobramento do pulso: para cima, para baixo;

f) interno das mãos: abertura, fechamento, curvamento e dobramento (simul-


tâneo e gradativo).

II – DIRECIONALIDADE

a) Direcional

• Unidirecional: para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para
dentro, para fora, para o centro, para a lateral inferior esquerda, para a lateral
inferior direita, para a lateral superior esquerda, para a lateral superior direita,
para específico ponto referencial;

• bidirecional: para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para
dentro e para fora, para laterais opostas — superior direita e inferior esquerda.

b)  Não direcional

• MANEIRA

Qualidade, tensão e velocidade

• contínuo

• de retenção

• refreado
116 UNIUBE

• FREQUÊNCIA

Repetição

• simples

• repetido

4.4.1.3 Locação (L)

Também designado por ponto de articulação. Trata­‑se da área no corpo em que


o sinal é articulado. Na Libras e também em outras línguas de sinais conheci-
das, o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro
de um raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados. As locações
dividem­‑se em quatro regiões principais: cabeça, mão, tronco e espaço neutro.
Veja as especificações na Tabela 2 a seguir.
UNIUBE  117

Tabela 2: Locações.

LOCAÇÕES
CABEÇA MÃO TRONCO ESPAÇO NEUTRO
Topo da cabeça Palma Pescoço
É o espaço em
Testa Costas das mãos Ombros
frente ao corpo,
Rosto Lado do indicador Busto
não toca em
Parte superior do Lado do dedo
Estômago nenhuma parte.
rosto mínimo
Parte inferior do rosto Dedos Cintura
Orelha Ponta dos dedos Braços
Olhos Dedo mínimo Braço
Nariz Anular Antebraço
Boca Dedo médio Cotovelo
Bochechas Indicador Pulso
Queixo Polegar

4.4.1.4 Orientação de Mão (Or)

Trata­‑se da direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal.

para cima para baixo


118 UNIUBE

para dentro para fora

para o lado para o lado


(contralateral) (ipsilateral)

4.4.1.5 Expressões Não Manuais (ENM)

Podem realizar­‑se por meio de movimentos na face, olhos, cabeça ou tronco e


têm duas funções nas línguas de sinais:
UNIUBE  119

• marcação das construções sintáticas: marcam senten- Construções com


foco
ças interrogativas, orações relativas, topicalizações,
concordância e foco; São construções
em que ocorrem
componentes
• diferenciação de itens lexicais: marcam referência duplicados dentro da
mesma oração e o
específica, referência pronominal, partícula negativa, constituinte duplicado
advérbio, grau ou aspecto. encontra-se na
posição final. Essas
cópias aparecem
Podem ocorrer duas expressões não manuais simulta- quando o constituinte
neamente, como, por exemplo, as marcas de interrogação frasal é enfatizado,
mas de maneira
e negação. Veja na Tabela 3 a seguir. distinta da ênfase
dada ao tópico.

Tabela 3: Expressões não manuais da Libras.


EXPRESSÕES NÃO MANUAIS DA LIBRAS
I – ROSTO II – CABEÇA III – ROSTO E IV – TRONCO
PARTE PARTE INFERIOR CABEÇA
SUPERIOR
• Sobrancelha • Bochechas • Balancea- • Cabeça • Para afrente
frente
franzida infladas mento para a projetada • Para trás
• Olhos • Bochechas frente e para para afrente,
frente, • Balanceamento
arregalados contraídas trás (sim) olhos alternado dos
• Lance de • Lábios • Balancea- levemente ombros
olhos contraídos e mento para os cerrados, • Balanceamento
projetados e lados (não) sobrancelhas simultâneo dos
• Sobrancelha
sobrancelhas • Inclinação franzidas ombros
levantada
franzidas para a frente • Cabeça • Balanceamento
• Correr da língua • Inclinação projetada de um único
contra a parte para o lado para trás ombro
inferior interna • Inclinação e olhos
da bochecha para trás arregalados
• Apenas
bochecha direita
inflada
• Contração do
lábio superior
• Franzir do nariz
120 UNIUBE

4.4.2  Os pares mínimos

Como nas línguas orais, um sinal pode se distinguir de outro por apenas um
traço distintivo. Assim, na Libras, basta alterarmos a configuração de mãos de
um determinado sinal, e manter os demais parâmetros, para termos outro item
lexical. Observe a representação dos itens lexicais “pedra” e “queijo”, a seguir.

pedra queijo

Como podemos ver, também na Libras, temos os pares mínimos, como na língua
portuguesa temos, por exemplo, pata/bata; vaca/faca, dentre outros. Vejamos,
então, alguns exemplos de pares mínimos em Libras. Observe, atentamente,
o traço distintivo.

a)  Quanto à orientação de mão;

avisar telefonar
UNIUBE  121

b)  quanto ao movimento;

trabalhar vídeo

c)  quanto à expressão facial ou corporal;

triste à toa

d)  quanto à locação;

ter ganhar
122 UNIUBE

e)  quanto à configuração de mão;

água ainda não

4.5 A morfologia das línguas de sinais

A morfologia é a parte da Linguística que estuda a estrutura interna das palavras


ou dos sinais, bem como as regras que definem como as palavras ou sinais
são formados. A morfologia tem como objeto de estudos os morfemas. O termo
morfema origina­‑se no grego morphé, cujo significado é forma. Enquanto para a
fonologia os fonemas são as menores unidades distintivas (lembram­‑se?), para
a morfologia, as unidades mínimas do significado são os morfemas.

Nas línguas orais, alguns morfemas constituem palavras, mas outros são ape-
nas parte de palavras. Podem­‑se formar novas palavras numa língua a partir do
acréscimo de morfemas a palavras já existentes. No caso do português, temos,
por exemplo: casa + sufixo eiro = caseiro.

O tipo de processo combinatório nas línguas de sinais é diferente. As novas


formas resultam, com frequência, de processos em que uma raiz é enriquecida
com vários movimentos e contornos no espaço de sinalização. Isso indica que, da
mesma forma que as línguas orais, as línguas de sinais apresentam um sistema
de estrutura e formação de palavras que se distribuem em classes.
UNIUBE  123

As línguas de sinais são sintéticas, assim como o grego e o latim, ou seja, al-
gumas informações relativas (por exemplo, aquelas dadas pelas preposições,
artigos e conjunções) são incorporadas ao sinal, fazendo com que não haja uma
lista tão ampla de classes de palavras como ocorre na língua portuguesa. Esse
tipo de processo combinatório, próprio das LS, faz com que muitas pessoas
julguem, por preconceito linguístico, as línguas de sinais como “pobres”. No
entanto, cientificamente, mais uma vez, fica demonstrado que uma língua nunca
é idêntica em todas as suas manifestações a nenhuma outra. Os estudos com-
parados de Linguística, Antropologia e Neurociências nos levam a constatar que
as diversas manifestações da linguagem humana não são melhores nem piores,
são simplesmente diferentes. O que é mais importante compreender é como
se estabelecem as relações comunicativas entre usuários de uma dada língua.

4.5.1 Léxico e unidade lexical ≠ vocabulário e vocábulo

Nas relações comunicativas, o léxico tem um papel primordial porque ele contém
o vocabulário. O léxico é composto de unidades linguísticas, especificamente,
denominadas unidades lexicais, ou seja, as unidades mínimas que possibilitam
a formação dos morfemas e a compreensão de seus sentidos; já a unidade de
vocabulário é o vocábulo, isto é, a palavra plena.

Mas, então, o que distingue o vocabulário do léxico?

• Léxico = o inventário de todos os itens lexicais de uma língua: todos os vo-


cábulos e todos os elementos mórficos que são utilizados para a formação
de outros vocábulos, por exemplo, os afixos (sufixos e prefixos, em língua
portuguesa).

• Vocabulário = o conjunto de palavras que alguém ou um grupo de falantes


domina ao usar a língua. Vocabulário é, então, um domínio do léxico.

No caso da Libras, tanto os equivalentes aos vocábulos quanto aos demais


itens lexicais em uma língua oral são sinais. É muito comum as pessoas pen-
sarem que os vocábulos de uma língua de sinais são constituídos a partir do
alfabeto manual. Mas isso só ocorre quando não há um sinal equivalente, como
124 UNIUBE

é o caso de um nome próprio ou das palavras técnicas, como, por exemplo,


diafragma. Veja:

D I A F R A G M A

4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras 

A soletração manual não é o processo único de forma-


Grafema
ção dos vocábulos (sinais) em Libras. Como podemos
A unidade formal
mínima da escrita.
observar no exemplo, a soletração manual das letras
Mínima porque de uma palavra em português é a mera transposição
não pode ser
desmembrada em espacial dos grafemas de uma palavra da língua oral,
dois ou mais sinais
que também possam
por meio das mãos; apenas um meio de se fazer em-
ser tratados como préstimos em Libras. Assim como a palavra “xerox”, em
grafema. Formal
porque é abstrato, português, é um empréstimo do inglês, o exemplo ante-
não pode ser visto,
constituindo, então,
rior ilustra o fenômeno do empréstimo em Libras, pois,
uma abstração inferida na maioria dos casos, existe o sinal correspondente à
pela delimitação de
características formais situação, ao objeto ou à ideia e não é necessário usar
das imagens do
discurso escrito.
a soletração manual. Observe no caso de “certo”.

Situação 1 – soletração digital

C­‑E­‑R­‑T­‑O
UNIUBE  125

Situação 2 – sinal

certo

Na situação dois, temos o sinal (palavra) “certo” em Libras. Podemos perceber


que esse sinal não é articulado de forma linear como o são as  soletrações das
palavras em língua portuguesa. O sinal tem uma estrutura distinta daquela  das
soletrações de palavras que são formadas pela justaposição linear de seus
fonemas (componentes ou unidades mínimas distintivas).

Podemos, assim, verificar que a estrutura morfológica dos sinais da Libras é


complexa e apresenta marcas próprias das línguas vísuo­‑espaciais que não
existem nas línguas orais.

4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras?

Os morfemas são unidades que podem ter funções lexicais ou gramaticais. Por
exemplo, em português, as palavras casas, construção, falava e impossível são
constituídas de morfemas lexical e gramatical. Observe na Tabela 4 a seguir.
126 UNIUBE

Tabela 4: Morfemas lexical e gramatical.

MORFEMA LEXICAL MORFEMA GRAMATICAL


casa + s (indicação de plural)
constru(ir) + ção (indicação de nome)
fal(a) + va ( aspecto verbal = continuidade; tempo
verbal = pretérito perfeito)
im+poss(i) + vel (indica classe de adjetivos)
possível + im ( indica negação)

Conforme afirmamos anteriormente, em Libras, muitas vezes, os morfemas que


formam as palavras não são equivalentes aos do português. Vamos aqui, a título
de exemplo, mostrar alguns morfemas da Libras.

Tabela 5: Morfemas lexical e gramatical.

MORFEMA LEXICAL DE MORFEMA GRAMATICAL NOVO MORFEMA/NOVA


ORIGEM EXPRESSÃO
SENTAR movimento repetido (marca cadeira
de nome)
BONITO expressão facial (marca de bonitão = muito bonito
grau aumentativo)
BONITO expressão facial (marca de bonitinho
grau diminutivo)
FALAR 2 mãos e movimentos falava sem parar
longos (aspecto
continuativo)
PEGAR Cl:5 Classificador para pegar bola
objetos redondos e grandes
PEGAR Cl:F Classificador para pegar botão
objetos finos e pequenos
PODER movimentos da cabeça não poder
(negação)
POSSÍVEL movimento inverso das impossível
mãos (negação)
SABER movimento da mão para não saber
fora (negação)
UNIUBE  127

Vejamos algumas ilustrações dos sinais, anteriores:


falar 
falar sem parar (falar pelos cotovelos)
Falar + o aspecto continuativo

pegar + classificador 5

   
poder/possível não poder
128 UNIUBE

Impossível


Saber Não saber

4.5.4 Formações de palavras por derivação

Podemos utilizar as ilustrações anteriores como exemplos de formação de pa-


lavras por derivação, explicando melhor as tabelas à página 126:

• CADEIRA deriva de SENTAR  a partir do movimento repetido do primeiro;

• BONITINHO é derivado de BONITO por meio da adjunção da expressão facial,


marca de grau diminutivo;

• BONITÃO é derivado de BONITO por meio da adjunção do afixo expressão


facial, marca de grau aumentativo;
UNIUBE  129

• FALAR SEM PARAR é derivado de FALAR por meio da adjunção da mão


esquerda  e do alongamento dos movimentos, marca de aspecto continuativo;

• PEGAR BOLA é derivado de PEGAR por meio da adjunção do afixo Cl:5, 


classificador para objetos redondos grandes;

• PEGAR AGULHA é derivado de PEGAR por meio da afixação do morfema


gramatical Cl:F, classificador para objetos finos e pequenos;

• NÃO PODER é derivado de  PODER  por meio do afixo negativo, movimentos
da cabeça para os lados; 

• IMPOSSÍVEL é derivado de POSSÍVEL por meio da inversão do movimento


de para baixo e para os lados, afixo também negativo;

• NÃO SABER é derivado de SABER por meio da afixação de um movimento


da mão para fora, morfema negativo também.

Com esses exemplos, pode­‑se notar que as primeiras palavras são formadas
a partir de seus radicais aos quais se juntam afixos ou morfemas gramaticais,
pelo processo de derivação.

4.5.5 Os classificadores (Cl)

Os classificadores são elementos estruturais da Libras que não existem nas


línguas orais. São formas que estabelecem noções de concordância em uma
língua; ou, ainda, formas representadas por configurações de mão que, ao
substituírem o nome que as precedem, podem vir junto de verbos de movimento
e de localização para, por exemplo, classificar o sujeito ou o objeto que está
ligado à ação do verbo.
130 UNIUBE

Podemos afirmar, portanto, que os classificadores na Libras são marcadores de


concordância de gênero para pessoas, animais ou coisas. São muito importantes,
pois ajudam a construir sua estrutura sintática, por meio de recursos corporais
que possibilitam relações gramaticais altamente abstratas.

Conforme Ferreira Brito (1995), muitos classificadores são icônicos em seu sig-
nificado em decorrência da semelhança existente entre a sua forma ou tamanho
do objeto referido. Às vezes, o Cl refere­‑se ao objeto ou ao ser como um todo,
outras vezes, refere­‑se apenas a uma parte ou característica do ser. Vejamos
alguns exemplos.

LIBRAS PORTUGUÊS
CARRO BATER POSTE O carro bateu no poste
CI (verbo em movimento) CI

LIBRAS PORTUGUÊS
PRATOS EMPILHADOS Os pratos estão empilhados
CI   verbo em localização

4.5.6 Tipos de classificadores

4.5.6.1 Quanto à forma e tamanho dos seres (tipos de objetos)

• Cl [B]: Usado para especificar áreas lisas ou onduladas como


por exemplo: uma parede, uma mesa, uma rua, um telhado, um
notebook. Também pode ser usado para posicional veículos, um
carro, por exemplo, um atrás do outro, um ao lado do outro, ou
enfileirados.
• Cl [B]: Usado também para especificar áreas lisas, como por exem-
plo: uma bandeja, um espelho, um papel caindo.

• Cl [V]: Usado para especificar quando duas pessoas estão an-
dando juntas ou quando estão paradas. A direção para onde a
palma da mão estiver voltada será a mesma para onde as pes-
soas estão indo.
UNIUBE  131

• Cl [54]: Usado para especificar quatro pessoas andando juntas ou


várias pessoas enfileiradas.

• Cl: [Y]: Usado para especificar alguns objetos, como: telefone,


sapato de salto alto, jarra, ferro. Usado também para pessoas
gordas, avião.

• Cl: [C]: Usado para especificar objetos grossos ou cilíndricos, por


exemplo: um vaso de flores, um copo, uma garrafa.

• Cl: [G1]: Usado para especificar objetos quadrados, retangulares,


circulares etc., e também para designar locais como: aqui, ali e lá.

• Cl: [F]: Usado para especificar objetos cilíndricos, planos e peque-


nos, como: moedas, botões de uma camisa, um cano fino.

Na realização dos classificadores, as expressões faciais têm importância fun-


damental, uma vez que intensificam seu significado. Observem:

a) Para coisas grossas, ou grandes, usa­‑se as bochechas infladas e olhos bem


abertos.
132 UNIUBE

b) Para coisas estreitas ou finas, usa­‑se a expressão facial com olhos semi-
fechadas, franzir da testa, ombros levantados e leve inclinação da cabeça
para a frente.

c)  Para tamanhos medianos, usa­‑se a expressão facial normal ou neutra.


UNIUBE  133

4.5.6.2 Quanto ao modo de segurar certos objetos

Cl: [F]: Usado para especificar objetos finos e pequenos, por exemplo: botões
de uma camisa, moedas;

Cl: [H]: Usado para especificar o modo de segurar um cigarro, uma tesoura;

Cl: [C]: Usado para especificar o modo de segurar um copo, um vaso de flores,
uma garrafa;

Cl: [As]: Usado para especificar o modo de segurar alguns objetos, como por
exemplo: uma faca, uma mala, uma sacola, um carimbo, uma caneca de chopp,
um serrote, um buquê de flores etc. Representa o próprio objeto, e é parte do
verbo, ou seja, da ação.

Na Libras, também se formam nomes a partir de verbos. Observe:

telefonar telefone
134 UNIUBE

sentar cadeira

perfumar perfume
UNIUBE  135

pentear pente

ouvir ouvinte
136 UNIUBE

roubar ladrão

Alguns sinais como SENTAR e CADEIRA são distintos quanto à forma para as
categorias verbo e nome, porém, a maioria deles não se distingue quanto às
categorias verbo, nome, adjetivo e advérbio. O que vai defini­‑los como tal é sua
função no enunciado. Podemos, entretanto, ilustrar alguns casos de palavras
que poderiam ser derivadas de outras como é o caso de construir e construção,
em português. Vejam que, nas sentenças a seguir, identificamos um mesmo
item lexical como nome ou verbo, dependendo do contexto em que aparecem:

ELE NÃO LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y (com escova)

(= Ele não limpou com escova o chão)

ELE LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y (com escova) NÃO­‑Y

(= Ele não fez a limpeza do chão com a escova)

No primeiro caso, o item lexical LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y tem uma função verbal.


Entretanto, na segunda sentença, LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y tem uma função nominal,
ou seja, é um substantivo porque vem acompanhado de um verbo leve, NÃO­‑Y,
UNIUBE  137

que devido à sua natureza de verbo sem valência não pode ser considerado um
nome. Nesse caso, como os verbos chamados leves sempre vêm acompanhados
de um nome e como o único item capaz de preencher essa função nominal é o
sinal  LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y, diremos que ele pode pertencer a ambas categorias:

LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y   –
­   verbo (limpou)

LIMPAR­‑CHÃO­‑Cl:Y    –  nome (limpeza)

4.5.7 Formação de palavras por composição

As palavras ou sinais em Libras também podem ser formados pelo processo de


composição, isto é, pela adjunção de dois sinais simples em formas compostas.
Por exemplo:

CASA + CRUZ = IGREJA


MULHER + PEQUENO = MENINA
HOMEM + PEQUENO = MENINO

Algumas regras morfológicas são aplicadas na criação de novas unidades com-


postas, as quais estão descritas e exemplificadas, a seguir.

a) Regra de contato: é muito comum um sinal incluir algum tipo de contato,


seja no corpo, seja na mão passiva. É importante observar que se um sinal
composto apresenta contato no primeiro ou no segundo sinal, o contato pode
permanecer nos dois sinais que formam o composto ou em apenas um deles.
Como exemplos da aplicação dessa regra na língua de sinais brasileira têm­
‑se ACREDITAR (saber + estudar) e ESCOLA (casa + estudar).
138 UNIUBE

acreditar

casa estudar

Escola

b)  Regra da sequência única: caracteriza­‑se pela formação de compostos


na língua de sinais brasileira com a eliminação do movimento interno ou a
repetição do movimento. Os sinais PAI e MÃE (isoladamente) apresentam
movimento repetido. No entanto, se os sinais PAI+MÃE ocorrem juntos for-
mando um sinal composto, denotando PAIS, a repetição ou o movimento
interno do dedo são eliminados. Veja:
UNIUBE  139

mulher tomar bênção (beijar a mão)

Mãe

homem tomar bênção (beijar a mão)

Pai
140 UNIUBE

tomar bênção (beijar a mão)

Pais

c) Regra da antecipação da mão não dominante: quando dois sinais são


combinados para formar um composto, frequentemente acontece que a
mão passiva do sinalizador antecipa o segundo sinal no processo de com-
posição. Por exemplo, no sinal composto BOA + NOITE, observa­‑se que a
mão não dominante aparece no espaço neutro em frente ao sinalizador com
uma configuração de mão que envolve o sinal composto, o que pode ser
observado também nos sinais ACREDITAR (saber + estudar) e ACIDENTE
(carro + bater):
UNIUBE  141

boa noite

acreditar
142 UNIUBE

acidente de carro

A noção de numeral pode ser incorporada pela mudança de configuração de


mão do sinal. Por exemplo, um dia é marcado pelo dedo anular esticado e pelo
sinal de mês, na outra mão. Se são dois dias, estica­‑se também o dedo médio.
O mesmo ocorre com noções do tipo ontem e anteontem, em que também se
aponta alterando a configuração de mão do sinal, conforme pode ser observado
nas figuras.

Dia Dois dias Ontem Anteontem

Há ainda outro processo produtivo na Libras: a incorporação da negação pela


alteração de um dos parâmetros do sinal, que varia de item para item. Vejam nas
figuras que também a expressão facial colabora para a incorporação da negação.
UNIUBE  143

Ter Não ter Gostar Não gostar

4.6 A flexão na língua de sinais


Como nas línguas orais, também há flexão nas línguas de sinais, quais sejam,
as flexões de:

• pessoa – muda as referências pessoais do verbo;

• número – indica o singular, o dual (a mão ficará com o formato de dois dedos
esticados), o trial (a mão ficará com o formato de três dedos esticados), o
quatrial (a mão ficará com o formato de quatro dedos esticados) e o plural,
para o qual há dois sinais: o sinal composto que indica a pessoa do discurso
no singular + grupo e a configuração da mão fazendo um círculo – nós;

• grau – distingue menor, mais próximo, muito, dentre outros;

• modo – faz distinções, como os graus de facilidade (muito fácil, razoavelmente


fácil, dentre outros);

• reciprocidade – indica relação ou ação mútua;

• foco temporal – aponta aspectos temporais, tais como progresso, graduação,


aumento, início e outros;

• aspecto temporal – apresenta distinções relacionadas a tempo, como por muito


tempo, continuamente, regularmente, repetidamente, dentre outras;
144 UNIUBE

• aspecto distributivo – distingue cada, alguns especificados, alguns não


especificados, para todos e outros.

Vejamos cada uma dessas flexões separadamente.

4.6.1 Flexão de pessoa

Neste item, entram em cena os pronomes pessoais.

Primeira pessoa

Singular: EU – Com a configuração de mão em G1, apontar para o próprio peito.

Dual: NÓS DOIS – Com a configuração de mão em K, primeiro encosta no pró-


prio corpo e depois direciona para a pessoa referida.
UNIUBE  145

Trial: NÓS TRÊS – Com a configuração de mão em W, proceder com o sinal


de nós.

Quatrial: NÓS QUATRO – Com a configuração de mão em 54, proceder com


o sinal de nós.

Plural:

NÓS (GRUPO) NÓS (TODOS)

Segunda pessoa

Singular: VOCÊ – Com a configuração de mão em G1, apontar para a pessoa


com quem está conversando.
146 UNIUBE

Dual: VOCÊS DOIS – Com a configuração de mão em V, apontar para as duas


pessoas referidas.

Trial: VOCÊS TRÊS – Com a configuração de mão em W, apontar para as três


pessoas referidas.

Quatrial: VOCÊS QUATRO – Com a configuração de mão em 54, apontar para


as quatro pessoas referidas.

Plural:
VOCÊS TRÊS

Terceira pessoa

Singular: ELE – Com a configuração de mão em G1, apontar para uma pessoa
que não esteja diretamente relacionada na conversa.
UNIUBE  147

Dual: ELES DOIS

Trial: ELES TRÊS

Quatrial: ELES QUATRO

Plural:

Os surdos, muitas vezes, ao se referir a uma outra pessoa que esteja presente
no mesmo local, mas necessita ser discreto, por educação, não utiliza apontação
para essa pessoa diretamente, faz um sinal com os olhos e um leve movimento
de cabeça em direção à pessoa mencionada ou aponta­‑se para a palma de sua
mão (voltada para a direção onde se encontra a pessoa citada).

4.6.2 Flexão verbal

Na Libras, os verbos dividem­‑se em três grupos:

• verbos simples (não se flexionam em pessoas e número e não incorporam


afixos locativos; alguns desses verbos apresentam flexão de aspecto);

• verbos com concordância (flexionam­‑se em pessoa, número e aspecto, mas


não incorporam afixos locativos);

• verbos espaciais (os que têm afixos locativos).


148 UNIUBE

Vejamos alguns exemplos de cada caso, a seguir.

a) verbos simples

conhecer amar aprender

b) verbos com concordância

dar enviar

c) verbos espaciais

colocar ir chegar
UNIUBE  149

4.6.3 Flexão de número

Muitas são as formas de verbos e substantivos apresentarem flexão de número


na Libras. A diferenciação entre o singular e o plural é uma das mais básicas e é
marcada por meio da repetição do sinal. Observe a seguir.

ano anterior anos anteriores

A distinção entre a flexão do verbo para um, dois ou mais referentes, constitui
outra forma de flexão de número. Ou o verbo apresenta uma referência gene-
ralizada ou direciona­‑se para mais de um ponto estabelecido no espaço. Veja
os exemplos.

João entregar “a” (livro) João entregar “a + b” (livro)


150 UNIUBE

João entregar “a + b + c” (livro) João entregar “a + b”


(distribuitiva não específica)

Em relação à flexão de número dos verbos, temos, ainda, a marcação de aspecto


distributivo, conforme já mencionamos. Vejamos quais são elas.

a)  Exaustiva – quando a ação é repetida exaustivamente;

entregar para eles


UNIUBE  151

b) distributiva específica – quando a distribuição relaciona­‑se a referentes es-


pecíficos;

entregar para eles

c) distributiva não específica – quando a distribuição relaciona­‑se a referentes


indeterminados.

entregar para eles


(distribuitiva não específica)
152 UNIUBE

A reciprocidade na Libras também é marcada pela duplicação do sinal feita


simultaneamente. Observe.

olhar (recíproco)

entregar (recíproco)

4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal

Distinguem­‑se das de aspecto distributivo, pois não incluem a flexão de número,


mas referem­‑se à distribuição temporal. São elas:
UNIUBE  153

a)  incessante: a ação realiza­‑se incessantemente;

cuidar [incessante]
(cuidar + cuidar + cuidar rapidinho)

b)  ininterrupta – a ação se inicia e continua sem interrupção;

cuidar [ininterrupta] (cuidar parado)


154 UNIUBE

c)  habitual – a ação que se repete, que apresenta recorrência;

cuidar [habitual] (cuidar + cuidar + cuidar mais devagar)

d)  contínua – quando a ação apresenta uma recorrência sistemática;

gastar [contínua] (movimento circular maior)


UNIUBE  155

e)  duracional – a ação apresenta um caráter durativo, mais perene.

gastar [duracional]
(movimento circular com uma e outra mão consecutivamente)

4.7 Sintaxe – de que maneira se estabelecem as relações


sintáticas numa língua vísuo­‑espacial como a Libras?

Em uma língua de sinais, como a Libras, as relações gramaticais são estabeleci-


das no espaço, de diferentes formas e por meio de diferentes recursos, dentre os
quais o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal. Esses recursos
são essenciais para as relações sintáticas, pois qualquer referência usada no
discurso exige a indicação de um local no espaço de sinalização (no corpo do
sinalizador), observando algumas restrições. Esse local pode ser indicado por
meio de vários mecanismos espaciais. São eles:
156 UNIUBE

a)  fazer o sinal acompanhado do local estabelecido para o referente;

casa (do João) casa (do Pedro)

b) direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a um local par-


ticular e, ao mesmo tempo, com um sinal de um substantivo ou apontando
para o substantivo;

casa lá
UNIUBE  157

c) usar a apontação ostensiva antes do sinal de um referente específico, ao


contrário do mecanismo anterior;


aquela casa

d) utilizar um pronome (a apontação ostensiva) numa localização particular,


quando a referência for óbvia;

aquela casa nova


158 UNIUBE

e) utilizar um classificador para representar um determinado referente, em uma


localização particular;

carro carro passou um pelo outro

f) usar um verbo direcional (com concordância), incorporando os referentes


introduzidos no espaço previamente.

(eu) ir (casa)

Como os referentes podem estar presentes ou não, há mecanismos diferen-


tes para indicá­‑los, em cada caso. Quando os referentes estão presentes,
estabelecem­‑se os pontos no espaço, a partir da posição real ocupada pelo refe-
rente (o sinalizador aponta para si, para o interlocutor e para outros, por exemplo,
UNIUBE  159

indicando a primeira, segunda ou terceira pessoas do discurso). Entretanto, se


os referentes estiverem ausentes da situação de interlocução, estabelecem­‑se
pontos abstratos no espaço.

Esses verbos direcionais devem concordar com o sujeito e/ou com o objeto
indireto/direto do enunciado. Observem, nos exemplos a seguir, que há uma
relação entre os pontos estabelecidos no espaço e os argumentos incorporados
ao verbo. Além disso, a direção do olhar também acompanha o movimento. Isso
constitui um tipo de flexão específico das línguas de sinais.

(Ele(a)) <aOLHARb> do (Ele(a)) (Ele(a)) <aAJUDARb> do (Ele(a))

(Ele(a)) <aENTREGARb> do (Ele(a))


160 UNIUBE

Na Libras, algumas relações sintáticas são marcadas por expressões faciais,


junto com os sinais. Vejam alguns exemplos, a seguir.

a)  Concordância gramatical marcada pela direção dos olhos.

< > do

b)  Marcação relacionada ao foco.

< > mc
UNIUBE  161

c)  Marcação de negativa.

<>n

d)  Marcação de tópico.


162 UNIUBE

e)  Marcação de interrogativas.

4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira

Há várias possibilidades de ordenação das palavras nas sentenças, mas tudo


indica que há uma ordenação mais básica que as demais: sujeito – verbo –
objeto. Todas as sentenças com essa ordem são gramaticais.

Exemplo: Ela assiste TV.

Nesse exemplo, temos um verbo com concordância, com uma marca não
manual, da direção dos olhos que acompanham a concordância de pessoa
associada ao verbo.
UNIUBE  163

Além da ordem SVO, há outras estruturas frasais na Libras, que ocorrem espe-
cialmente quando a concordância associa­‑se à marcação não manual. Observe
os exemplos:

Ela TV assiste. (SOV)

Futebol ela gosta. (OSV)

Entretanto, mesmo ocorrendo as construções SOB e OSV associadas a marcas


não manuais, não é possível mudar o objeto de ordem, quando houver uma
estrutura complexa funcionando como objeto, como uma oração subordinada.
Vejam:

Libras: EU ACHAR MARIA IR EMBORA.

Português: Eu acho que a Maria foi embora.

Em Libras, também não é possível “colocar” os advérbios de frequência e os


temporais entre o verbo e o objeto. Normalmente, eles ocorrem antes ou no
final da oração. Os de frequência podem, ainda, ocorrer antes da forma verbal.

Libras: JOÃO COMPRAR CARRO ONTEM (ou ONTEM JOÃO COMPRAR


CARRO)
164 UNIUBE

 ortuguês: João comprou um carro ontem. (ou Ontem, João comprou


P
um carro.)

Libras: EU ALGUMAS VEZES BEBER LEITE.


Topicalização

Consiste em colocar o
Português: Eu algumas vezes bebo leite.
tema do discurso, que
apresenta uma ênfase Por outro lado, a topicalização também pode alte-
especial, no início da
frase, seguindo­‑se
rar a ordem básica – SVO.
comentário sobre esse
tema. Libras: DE FUTEBOL JOÃO GOSTAR.

Português: De futebol, João gosta.

Libras: DE FUTEBOL JOÃO NÃO GOSTAR.

Português: De futebol, João não gosta.

Libras: DE FUTEBOL JOÃO GOSTAR?

Português: De futebol, João gosta?

A ordem básica da frase em Libras pode ser alterada também pelo recurso da
topicalização. Os tópicos são associados com a marca não manual, isto é, essa
marca não pode se espalhar sobre a sentença.

Libras: CARRO QUAL DELE?

Português: Qual é o carro dele?

Libras: FRANÇA EU IR.

Português: À França, eu vou.

As frases em Libras com foco que incluem verbos sem concordância podem
gerar estruturas SOV:

Libras: EU PERDER LIVRO PERDER.

Português: Eu perdi o livro


UNIUBE  165

Muitas vezes, essa focalização permite o apagamento da cópia. Observem:

Libras: EU PERDER LIVRO PERDER.

EU (PERDER) LIVRO PERDER.

EU LIVRO PERDER. (SOB)

Português: Eu perdi o livro.

Também a elevação do objeto para a posição mais alta nas construções com
verbos com concordância resulta na ordem SOB:

Libras: JOÃO MARIA DAR LIVRO NÃO.

Português: João não deu o livro a Maria.

Podemos, ainda, ter a ordem (S)V(O) em Libras graças à possibilidade de omitir­


‑se tanto o sujeito como o objeto nas construções com verbos com concordância.
Vejam o exemplo a seguir.

(S) dar (O) (eles) deram (algo) (eles)

Finalmente, a ordem VOS pode ocorrer em contextos de foco contrastivo. Notem:

Libras: QUEM COMPRAR CARRO JOÃO OU MARIA.


166 UNIUBE

COMPRAR CARRO JOÃO. (VOS)

Português: Quem comprou o carro João ou Maria?

João comprou o caro.

4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas?

Os elementos interrogativos em Libras – o que, quem, como, onde, por que, dentre
outros – podem mover­‑se para SPEC de CP ou manter­‑se na posição original.

Exemplo de enunciado com o elemento interrogativo na posição original, em


que esse elemento interrogativo ocorre na posição de sujeito:

Libras: QUEM GOSTAR MARIA?

Português: Quem gosta de Maria?

Exemplo de enunciado com o elemento interrogativo na posição original.

Libras: QUEM GOSTAR JOÃO?

Português: Quem gosta de João?

Exemplo de enunciado com o elemento interrogativo na posição de objeto:

Libras: DE QUEM JOÃO GOSTAR?

Português: De quem João gosta?


UNIUBE  167

Na Libras, as construções interrogativas podem aparecer associadas a marcas


não manuais. Observe a expressão facial da mulher.

Libras: JOÃO PEGAR O QUÊ?

Português: O que João pegou?

É importante apontar também que as construções interrogativas nas orações


principais têm um sinal diferente do sinal de subordinadas. Nesse caso, a marca
não manual associada com a oração interrogativa subordinada é mais tensa do
que a produzida com a oração principal, além de poder ser produzida com uma
ou duas mãos. Nessa classe, temos três interrogativas:

a) Interrogativa 1: indagam sobre coisa normalmente associadas às palavras


interrogativas O QUÊ, COMO, ONDE, POR QUE, QUEM.

(Quê?)
168 UNIUBE

b)  Interrogativa 2: expressam dúvida, desconfiança.

(Quê?)

c) Interrogativa 3: são as que aparecem em oração subordinada com expressão


facial diferenciada.

(Quê?)

Vejam mais um exemplo dos sinais que constituem uma oração subordinada
interrogativa:
UNIUBE  169

Libras: EU QUERO SABER QUEM JOÃO ESCOLHER.

Português: Eu quero saber quem o João escolheu.

Pode-se observar que a estruturação da Libras possui regras, elementos e


mecanismos próprios e não se usam artigos, preposições, conjuções, porque
esses conectivos estão incorporados ao sinal.

Por certo, ainda há muito o que se investigar e aprender sobre a Libras, mas, de
um modo geral, essa é a língua brasileira de sinais: uma língua natural, porque
usada por uma comunidade linguística brasileira, constituída dos níveis fono-
lógico, morfológico e sintático, como qualquer outro idioma usado como língua
materna de qualquer comunidade linguística.
170 UNIUBE

4.8 E as variações linguísticas também ocorrem na Libras?

Como em qualquer língua natural, nas línguas de sinais também ocorre varia-
ção linguística. Na maior parte do mundo, há, pelo menos, uma língua de sinais
usada amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da
língua falada utilizada na mesma área geográfica. Isto se dá justamente por-
que essas línguas são independentes das línguas orais, pois foram produzidas
dentro das comunidades surdas. Por exemplo, a Língua de Sinais Americana
(ASL) é diferente da Língua de Sinais Britânica (BSL), que difere, por sua vez,
da Língua de Sinais Francesa (LSF).

Exemplo:

NOME

ASL Libras

Além disso, dentro de um mesmo país há as variações regionais. A Libras


apresenta dialetos regionais, salientando assim, uma vez mais, o seu caráter
de língua natural, conforme já reafirmamos.
UNIUBE  171

Variação regional: representa as variações de sinais de uma região para outra,


no mesmo país.

Exemplo:

VERDE

   
Rio de Janeiro São Paulo Curitiba

MAS

   

Rio de Janeiro São Paulo Curitiba

Variação social: refere­‑se à variações na configuração das mãos e/ou no mo-


vimento, não modificando o sentido do sinal.
172 UNIUBE

Exemplo:

AJUDAR

CONVERSAR

AVIÃO


UNIUBE  173

SEMANA

Mudanças históricas: com o passar do tempo, um sinal pode sofrer alterações


decorrentes dos costumes da geração que o utiliza.

Exemplo:

AZUL

1o 2o

   

3o
174 UNIUBE

BRANCO

1o 2o

   

3o

4.9 Conclusão

Chegamos, assim, ao final deste capítulo. Trata­‑se, como teve oportunidade


de perceber, de assunto complexo, cuja assimilação exige muita atenção de
sua parte. Pudemos perceber que é pela linguagem que nós interagimos com
os outros, expressamos nossos pensamentos e emoções e podemos construir
cultura, uma vez que, por meio da linguagem, passamos nossas experiências
às novas gerações. Por isso ela tem papel muito importante em nossas vidas,
constituindo a base de todas as nossas relações sociais, políticas, afetivas,
culturais e históricas. Vimos que as línguas constituem uma das formas de lin-
guagem, específica dos seres humanos, os quais falam pelo menos uma língua:
a sua língua materna, que aprende até os cinco anos de idade, em estágios com
características idênticas entre as comunidades linguísticas, independentemente
UNIUBE  175

da ampla diversidade da experiência linguística e das condições sociais em que


se desenvolve o processo de aquisição. Ao falarmos de uma língua materna,
estamos falando de língua natural. As línguas de sinais, dentre elas a Libras, a
Língua Brasileira de Sinais, constituem sistemas de comunicação natural, uma
vez que as comunidades linguísticas configuram­‑se por definições de natureza
diversa, em que a noção de nação é apenas uma. A língua de sinais é a língua
materna da comunidade surda, porque, além de constituir um traço identitário
desse grupo, possibilita a interação entre os seus membros e também entre eles
e pessoas ouvintes. Pelo que você pode perceber, o estudo da Libras não se
esgota aqui, mas o que apresentamos é suficiente para dar a você a dimensão
da importância de seu estudo e da necessidade de prosseguir na busca de uma
compreensão cada mais ampla desse importante meio, não só de comunicação,
mas também de inclusão social, que é a língua de sinais. É importante que você
aprenda e se instrua a respeito das pessoas surdas e de sua língua, pois de
acordo com o censo demográfico de 2000 (IBGE), dos 24,6 milhões de pessoas
com deficiência no Brasil, 5,7 milhões apresentam algum tipo de deficiência au-
ditiva e dentre estas pessoas existem muitos surdos que se utilizam da Libras
para se comunicar e precisam apenas de nosso respeito pela sua diferença.

Resumo

Neste capítulo, você ficou conhecendo um pouco mais sobre a Língua Brasileira
de Sinais – Libras, principalmente sobre a sua organização e o seu funciona-
mento. Pôde perceber, inicialmente, que a língua de sinais é uma língua natural
e que constitui um sistema complexo. Vimos como se caracterizam as línguas
de sinais e conhecemos as diversas crenças que rondam a questão das línguas
espaço­‑visuais, as quais constituem apenas mitos. Pudemos verificar que, apesar
de não ser uma língua oral, a Libras tem também estudos de fonologia, uma vez
que também possui a sua unidade mínima distintiva. Assim, na língua de sinais,
também encontramos os pares mínimos, noção importante no que se refere ao
ensino. Em relação à morfologia, aprendemos sobre o léxico e a unidade lexical
da Libras; sobre os processos de formação de palavras nessa língua e sobre a
categoria dos classificadores, classe específica das línguas de sinais. Quanto
176 UNIUBE

à flexão, pudemos observar como a Libras se flexiona em relação ao verbo e


ao nome. Para finalizar, estudamos sobre a sintaxe da Libras: a ordem da frase
e como se formam as interrogativas. Assim, foi possível verificar que a Libras
possui, como qualquer outra língua oral, uma estrutura gramatical própria, com
seus níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico, distinguindo­‑se, no
entanto, delas, por sua natureza visual­‑espacial, conhecimento que lhe possi-
bilitou ter uma visão ao mesmo tempo ampla e detalhada do tema.

Atividades

Atividade 1
Observe as afirmativas a seguir, a respeito da Libras:

I – As línguas de sinais constituem mímicas e gestos soltos, utilizados pelas


pessoas surdas para facilitar a comunicação.

II – As LS são sistemas complexos, com estruturas gramaticais próprias, cons-


tituídas nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico como os
demais sistemas de língua que conhecemos.

III –  A Libras difere das demais línguas por ser de modalidade oral-auditiva.

IV – As Línguas de Sinais (LS) são línguas naturais, como o português.

Estão corretas apenas:

a)  ( ) I e III. d)  ( ) II e III e V.

b)  ( ) II e IV. e)  ( ) I, IV e V.

c)  ( ) I, II, III, IV e V.

Atividade 2
Segundo Lyons (1987), linguagem é um sistema de comunicação natural ou
artificial, humano ou não, ou seja, qualquer meio de comunicação, como a lin-
UNIUBE  177

guagem corporal, as expressões faciais, a maneira de nos vestirmos, as reações


de nosso organismo, a linguagem de outros animais, os sinais de trânsito, a
pintura, a música, dentre outros. Então, responda:

a) Qual a diferença entre uma língua natural e uma língua artificial?

b) A Libras é uma língua natural? Justifique sua resposta.

Atividade 3
A partir do que estudamos sobre a Libras e as línguas de sinais de um modo
geral, coloque V diante das afirmativas verdadeiras e F, diante das falsas:

a)  ( ) A maioria das línguas naturais são orais­‑auditivas, portanto a Libras é
oral­‑auditiva.

b)  ( ) A língua de sinais não é universal, isto é, as comunidades linguísticas


compreendem­‑se mutuamente.

c)  ( ) Nas línguas orais os mecanismos são primordialmente sequenciais


(um depois do outro), porém nas línguas de sinais os mecanismos são,
predominantemente, simultâneos.

d)  ( ) A distinção entre os tipos frasais realiza­‑se, essencialmente, por marcas
não manuais, tais como as expressões fisionômicas e os movimentos
do pescoço, em sincronia com o movimento manual.

e)  ( ) Os sinais, para expressar o significado completo do discurso, necessitam


de outros aspectos que envolvem a interação dos elementos expressivos
da linguagem, tais como a expressão facial e corporal.

f)  ( ) A simultaneidade no uso de mecanismos não existe nas línguas orais.

Atividade 4
Muitas afirmações relacionadas a essa modalidade de língua são inadequadas
tanto do ponto de vista linguístico quanto social e pedagógico. Os estudos
178 UNIUBE

científicos já provaram que muitas concepções que ainda hoje motivam as


ações educativas na família e, sobretudo, na escola não correspondem ao co-
nhecimento já construído e divulgado sobre a língua de sinais. Muitas dessas
concepções se constituem em verdadeiros mitos. Aponte esses mitos e explique
por que são falácias.

Atividade 5
Se as línguas de sinais são línguas espaço­‑visuais, como se explicam os estudos
de fonologia nessas línguas?

Referências
FERNANDES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.

FERREIRA-BRITO, L. Uma abordagem fonológica dos Sinais da LSCB. Revista Espaço:


INES, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 1990.

______. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.

LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 322 p.

QUADROS, R. M. de. As categorias vazias pronominais: uma análise alternativa com base
na Libras e reflexos no processo de aquisição. Dissertação (Mestrado), pela PUCRS. Porto
Alegre, 1995.

QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira – estudos linguísticos. Porto


Alegre: Artmed, 2006.

SALLES, H. M. M. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos – Caminhos para a


prática pedagógica. Brasília: MEC, 2004. v. 1 e 2. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
seesp/arquivos/pdf/lpvol1.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2008.

STROBEL, K. L.; FERNANDES, S. Aspectos linguísticos da Libras. Curitiba: Seed/Sued/


DEE, 1998. Disponível em: <http://www8.pr.gov.br/portals/portal/institucional/dee/aspectos_
ling.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2008.
Anotações
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Anotações
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