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pessoa surda
Universidade de Uberaba
Reitor
Marcelo Palmério
Editoração e Arte
Produção de Materiais Didáticos-Uniube
Projeto da capa
Agência Experimental Portfólio
Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário
Apresentação.................................................................................................. IX
É o primeiro dia de aula. A euforia toma conta da escola. Todos estão ansiosos
por encontrar colegas, conhecer novos amigos, novas pessoas. A professora
entra na sala, trazendo na cabeça um sonho antigo e sempre novo: o de fazer
tudo melhor do que no ano anterior! Diante dela, rostinhos infantis esperam avi-
damente por suas palavras: o “bom dia” é respondido em coro pelas crianças. Ela
pede para que cada uma se apresente. Entre brincadeiras, sorrisos, tudo corre
bem, até que uma criança não consegue se apresentar como os colegas: uma
menina faz gestos e profere alguns sons, apenas. A professora fica atônita ─
grande é sua surpresa! Sente medo e, por instantes, algumas perguntas invadem
seu pensamento: o que fará com uma criança surda? Saberá ensiná‑la? Como
começar? Entretanto, um gesto da criança chama a atenção da educadora para o
momento da situação. A menina que, antes, tentava comunicar‑se, agora, abaixa
a cabeça, numa desistência silenciosa. A professora a observa atentamente e
consegue tempo para vê‑la em detalhes: mãozinhas branquinhas em cima da
mesa; rostinho pequeno, olhinhos cabisbaixos que fitam o caderno, num gesto
de tristeza e constrangimento. Mas ─ algo acontece ─, subitamente, o silêncio é
rompido pelos passos da professora que vai ao encontro da menina. Com delica-
deza, a educadora levanta o rosto da infante, a olha nos olhos, profundamente,
e a acolhe num sorriso. Vitoriosas, as duas, professora e aluna, percebem que
há linguagens que transcendem palavras e descobrem, juntas, como começar!
Nem sempre sabemos como começar, mas talvez o começo seja, mesmo, a
nossa comoção diante da urgência de nossa presença e de nossas ações na vida
de nossos educandos. O ato de educar também é uma escolha. Não podemos
aprender e ensinar o que não queremos e para quem não queremos. Natural-
mente, nós, professores, temos receio quando nos deparamos com situações
inusitadas e desafiadoras, mas o conhecimento e o estudo devem ser sempre
um instrumento nas mãos daqueles que, realmente, querem fazer a diferença!
Newton GonçalvesDenise
GarciaRodovalho
/ Renata deScussel
Oliveira/
Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi
Introdução
Introdução
Iniciamos, aqui, parte fundamental da sua formação como professor de
Em nosso
língua cotidiano,
inglesa: convivemos
a fonética. Porém,com asde
além mais
se diferentes
dedicar aomanifestações
estudo dessa
da diversidade cultural. Muitas vezes, por incompreensão
importante faceta da língua, você deve se preparar para ensiná-la ou falta ao
de
informação,
seu grupo desubjugamos
alunos. (isto é, damos menos valor, desconsideramos)
as pessoas que se diferenciam, em seus hábitos, comportamentos e
linguagem,
Você que jádaquele
iniciou padrão estabelecido
ou inicia agora seuspela sociedade
estudos em que
da língua esta-
inglesa
mos inseridos.
certamente Subjugar
já teve é, portanto,
dificuldades comum ato preconceituoso.
a pronúncia desse idioma. Isso
é algo esperado de ocorrer já que se trata de um idioma com origens
Reconhecemos que o século
na língua anglo-saxã, portanto,XXIcom
temcaracterísticas
se caracterizado pelas incertezas
distintas de nosso
e por questionamentos
idioma de origem latina. dos valores humanos que sustentaram o fazer e
o pensar do homem até então. Para compreender os questionamentos
desse
Apesarnovo
dessetempo,
aspecto,nóspor
– profissionais
meio do estudo da da
educação
fonética,–énecessitamos
possível con-
de
seguir disponibilidade
umauma interior
pronúncia inteligível aosque nos faz
falantes acolher,
nativos e nãoidentificar
nativos do e
enfrentar as mudanças
idioma, como de valores,
frisa Underhill costumes
(200?, p.92) em: e hábitos. Essa disponi-
bilidade figura como uma condição que permite ao educador ter uma
postura diferenciadaThe aim
paraof“fazer
pronunciation
acontecerteaching can no longer
a educação be to getastu-
que valoriza
diversidade humana dentsetocultural”,
sound [...]na
likequal
nativenão
speakers, or more
há lugares like the teacher
privilegiados
para “alguns” seres […].humanos.
The primary aim must be to help learners to communicate
successfully when they listen or speak in English, often with
Cabe a nós, educadores, construtores
other non-native e sujeitos da história, contribuir
speakers.
para a construção de novo significado de diferença e dos valores hu-
O objetivo
manos, do ensino da
considerando pronúncia não
o pensamento pode ser mais fazer com que
de Hall:
os alunos soem como falantes nativos ou como seu professor. O obje-
tivo primário deve ser ajudar os aprendizes a se comunicar com
2 UNIUBE
Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:
Esquema
1.1 O que compreendemos por representação?
1.2 As representações da surdez
1.3 Um pouco da história da educação dos surdos
1.4 A oficialização da língua de sinais no Brasil
1.5 Conclusão
UNIUBE 3
Sem pesquisar em livros, revistas ou Internet, tente formular o seu conceito para
essas palavras. Escreva em seu caderno sobre o que pensou.
Depois, registre palavras nas quais você pensa quando vê a palavra surdez.
Para você o surdo é um deficiente? A surdez é uma doença, uma limitação? Pense
nesses questionamentos quando estiver realizando suas leituras.
Nas mais antigas comunidades humanas, nas diversas regiões do mundo, sem-
pre nasceram pessoas surdas ou que perderam a audição na mais tenra idade.
Em cada um desses lugares, desenvolveu‑se um sistema de língua próprio
dessas pessoas. Os registros históricos explicam que a comunicação entre elas
e as pessoas que ouviam se fazia pelas mãos e pela expressão do rosto. Até
o século XIX, embora enfrentando preconceitos, os surdos sempre usaram a
língua de sinais. A comunicação com os surdos, inclusive na escola, era gestual.
Aos poucos, foi ganhando espaço, na educação formal, uma linha de pensa-
mento na qual a comunicação dos surdos, e com eles, deveria ser por meio da
língua oral. Nessa linha, denominada oralista, os gestos eram proibidos e a fala
foi entendida como a única maneira de os surdos serem inseridos na vida social.
A consequência dessa forma de pensar a inter‑relação ouvintes/surdos fez com
que as comunidades surdas se isolassem socialmente das demais, resistindo à
imposição da língua oral.
ponto‑chave
Somente a partir de 1960, esta situação começa a se alterar, em virtude das pesquisas
realizadas pelo linguista americano Willian Stokoe por meio da Língua de Sinais Ame-
ricana – ASL. Desses estudos, resulta a definição das línguas de sinais como línguas
naturais dos indivíduos surdos. A divulgação desses estudos contribuiu decisivamente
para modificar os métodos de educação e, é importante ressaltar, modificar a percepção
da cultura surda para o próprio surdo e para as demais pessoas que com eles se
relacionam. Surgem, então, neste novo contexto, os defensores da língua de sinais.
importante!
pesquisando na web
Caso queira conhecer mais sobre a história e o trabalho desenvolvidos pelo Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines) ou pela Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (Feneis), visite os sites:
UNIUBE 7
• <http://www.ines.gov.br/>.
• <http://www.feneis.com.br/>.
O oralismo
saiba mais
Veja o que Duffy (1987) nos diz sobre pesquisas realizadas em relação à oralização:
Diante desse contexto educacional de fracasso, surge uma proposta que permite
o uso da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na pessoa
surda. Nesse caso a língua de sinais seria usada apenas como um recurso ou
estratégia para o ensino da língua oral. O ensino nessa perspectiva não enfatiza
mais, exclusivamente, a comunicação oral, mas a forma bimodal, por isso, essa
nova concepção é chamada de bimodalismo ou comunicação total.
Bilinguismo
Atualmente, a educação de surdos no Brasil vive uma terceira fase, que ca-
racteriza um período de transição – a proposta educacional bilíngue. Eulália
Fernandes explica que o indivíduo surdo pode ser usuário de duas línguas: a
língua de sinais, língua natural e de fácil acesso à pessoa surda, constituindo
‑se, portanto, sua primeira língua, e no caso do Brasil a língua portuguesa, sua
segunda língua (L2). Porém, a autora afirma que a essência do bilinguismo não
pode ser confundida com a mera inclusão da língua, de sinais em sala de aula,
ao lado da língua portuguesa, ou da mera e simples tradução do conteúdo pe-
dagógico para a língua de sinais. Para Eulália, falar de bilinguismo na educação
significa pensar sobre o conceito de Educação em seu sentido mais amplo e
objetivo, refletir sobre o processo educacional do surdo e sua participação como
indivíduo na sociedade.
ponto‑chave
Os professores que buscam desenvolver uma prática bilíngue precisam considerar que
os surdos formam uma comunidade linguística minoritária caracterizada por comparti-
lhar uma língua de sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios.
ponto‑chave
Skliar acredita que a língua de sinais anula a deficiência e permite que os surdos
consigam, então, ser uma comunidade linguística minoritária diferente e não um
desvio da normalidade.
pesquisando na web
Segundo Quadros (2005, p. 31), “a língua de sinais é uma das formas mais ex-
pressivas das culturas surdas e apresenta um papel fundamental nessas lutas”.
Mas embora estudos científicos demonstrem que a língua de sinais cumpre todas
as funções da língua natural, ainda persiste, na sociedade, uma ideia estereo-
tipada da LS: socialmente, é interpretada como mímica, meros gestos icônicos,
vista como uma língua primitiva e tantas outras interpretações distorcidas das
relações sociais.
A partir dessas considerações, podemos inferir que há uma tendência das esco-
las em homogeneizar as produções culturais e sociais, pois ainda não há uma
política que incorpore todas as implicações aqui discutidas. Cabe ressaltar a
falta de participação da comunidade surda na tomada de decisões quanto às
políticas educacionais para os surdos.
Nas discussões sobre educação do surdo, você pode perceber que se desta-
caram dois modelos de representação dos surdos e da surdez. Um é o modelo
clínico‑terapêutico, que considera o surdo como um deficiente auditivo que
precisa unicamente de terapias da fala e sessões de oralização para diminuir
sua deficiência. Tais procedimentos são utilizados com o objetivo de tornar o
surdo o mais parecido possível com as pessoas ouvintes. E é nesse modelo
que se funda a proibição da expressão pela língua visual. Ele apenas mascara
a surdez ao tentar induzir a leitura labial e o aprendizado de algumas palavras
sem nenhum sentido para os surdos.
1.5 Conclusão
Temos que nos debruçar sobre esse tema, professores surdos, professores
ouvintes, profissionais da saúde, afetos à legislação, profissionais intérpretes,
16 UNIUBE
Resumo
Atividades
Atividade 1
Além da oposição à prática educativa tradicional oferecida aos surdos ao longo
da história, que contribuições o bilinguismo trouxe para a ressignificação do
conceito de surdez? Utilize a citação abaixo para sua reflexão:
Atividade 2
Fazendo uma retrospectiva sobre os fatos mais relevantes que marcaram a
história da educação de surdos, explique por que a Lei Federal no 10.436 de 24
de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como língua oficial
da comunidade surda, representa um marco importante para essa comunidade.
Atividade 3
Leia as citações, a seguir:
[...] essa data ainda é lembrada como a mais sinistra de sua his-
tória: como se fosse mesmo o “11 de setembro” deles quando
desabaram as torres gêmeas da cultura e da língua de sinais,
a do método misto e a do método manualista para educação
dos surdos. Ali começou uma longa e amarga batalha para
defender o direito de vida de língua de sinais (RÉE, 2005, p. 2).
Atividade 4
Qual é a importância da Lei Federal no 10.436, de 24 de abril de 2002, para a
comunidade surda? Histórica e politicamente, o que ela representa?
Atividade 5
Leia a citação, a seguir:
Referências
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Ensino de língua portuguesa para surdos.
Brasília, 2002. v. 2.
CORRÊA, Maria A. M. De rótulos, carimbos e crianças nada especiais. Caderno Cedes, São
Paulo, SP, n. 28, p. 69‑74, jul. 1992.
SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas,
2006.
SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
1998.
______. Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999.
O desenvolvimento
Capítulo
da criança surda
2
com enfoque no
desenvolvimento da
linguagem e cognição
Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi
Introdução
O desenvolvimento humano é envolvido por conceitos heterogêneos das
mais diversas origens. Isso porque ele pode ser definido ou entendido de
várias formas, dependendo do referencial teórico que se queira adotar
e de quais aspectos se queira abordar.
Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:
Esquema
2.1 Revendo alguns conceitos
2.2 Fatores fundamentais para o desenvolvimento harmônico e inte-
gral na infância
2.3 O papel do “outro” no desenvolvimento da linguagem em crianças
surdas
2.4 Língua, linguagem e signo linguístico: uma revisão
2.5 Semelhanças e diferenças no processo de aquisição da linguagem
e estruturação do pensamento em crianças surdas e ouvintes
2.6 Conclusão
UNIUBE 23
Esse período é quando muitos eventos ocorrem pela primeira vez: o primeiro
sorriso, a primeira palavra, os primeiros passos, a primeiro alcançar de um objeto;
e é justamente o período em que se estabelece uma profunda diferença entre o
desenvolvimento linguístico da criança surda e da criança ouvinte. A criança é
UNIUBE 25
relembrando
contato com um adulto que possui o domínio da linguagem oral que a criança,
dialeticamente, irá constituir‑se como sujeito.
ponto‑chave
Assim, em uma casa na qual todos os moradores são ouvintes, ou seja, comunicam
‑se por meio de uma língua de modalidade oral‑auditiva e nasça, nessa família, uma
criança surda, com certeza, as pessoas terão que se reestruturar para garantir
que a criança não tenha atraso no desenvolvimento da linguagem. A criança
surda terá dificuldade em apropriar‑se de forma natural da linguagem oral, uma vez
que esta forma de comunicação privilegia a função auditiva, devendo, portanto, ser
exposta a uma língua de modalidade vísuo‑espacial – a língua de sinais, língua que
respeita sua especificidade linguística diferenciada.
relembrando
Vamos rever o conceito da língua de sinais Libra, de acordo com Vieira (2011, [s.p]):
E, então, lembrou‑se?!
UNIUBE 29
Assim, por meio da linguagem, a criança amplia suas relações com o outro e com
o mundo que a cerca, alcançando o desenvolvimento de suas funções mentais
superiores, pois esses processos são mediados, essencialmente, por signos.
Segundo Goldfeld (2002), linguagem é tudo que envolve significação, que tem um
valor semiótico e não se restringe apenas a uma forma de comunicação. Segundo
a autora, é pela linguagem que se constitui o pensamento do indivíduo. A linguagem
constitui o sujeito, a forma como este recorta e percebe o mundo e a si próprio.
ponto‑chave
Neste capítulo o termo signo será utilizado para representar uma palavra que,
sendo marcada pela história e cultura de seus usuários, possui inúmeras possi-
UNIUBE 31
pesquisando na web
saiba mais
Por volta dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a fala social com a
função de comunicação, substituindo a fala do adulto por sua própria fala. Em
relação à produção dos primeiros sinais ou das primeiras palavras, pode‑se
afirmar que, apesar das especificidades e diferenças individuais entre crianças
surdas e ouvintes ou das diferenças entre as modalidades das línguas, existe
um desenvolvimento análogo no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem.
Funções mentais Funções mentais
inferiores: superiores:
• percepção • percepção
natural Mediação da mediada
• atenção linguagem • atenção
involuntária voluntária
• memória • memória
natural mediada
Enfim, toda a cognição passa a ser determinada pela linguagem, ou seja, todos
esses aspectos diretamente relacionados à aquisição da linguagem influenciam
no desenvolvimento cognitivo da criança.
sintetizando...
• podemos concluir que a língua de sinais seria a única língua que o surdo poderia
aprender de forma natural e espontânea a ponto de dominá‑la plenamente!
2.6 Conclusão
Resumo
Atividades
Atividade 1
Segundo Quadros (1997), existe uma diferença fundamental entre o conceito
de aquisição ou aprendizado de uma língua. Pensando nesta diferença, diga
qual seria a língua adquirida pela criança surda de forma natural e espontânea
e justifique a importância desta aquisição.
Atividade 2
Cite e exemplifique os fatores intrínsecos e extrínsecos que influenciam no
desenvolvimento da criança.
Atividade 3
Pensando no desenvolvimento da criança surda sob a perspectiva da teoria
histórico‑cultural de Vygotsky, explique em um texto de no máximo 10 linhas
em que consiste esta teoria.
Atividade 4
Coloque V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas que se seguem:
Atividade 5
Leia a citação:
Referências
ALMEIDA, M. E. B. de. Informática e formação de professores. Brasília: Ministério da
Educação, 2000.
BRASIL. Ensino de Língua Portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica.
Secretaria de Educação Especial – Brasília: MEC/Seesp, 2002.
FERREIRA BRITO, Lucinda. Integração social & educação de surdos. Rio de Janeiro:
Babel, 1993.
FREITAS, Marcos Cézar (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez,
1997.
40 UNIUBE
GOLDFELD, Márcia. A criança surda – linguagem e cognição numa perspectiva
sociointeracionista. São Paulo: Plexus, 2002.
KÖNIG, Roselene; LEMES, Adriana. Aquisição da linguagem das crianças surdas. 2007
Disponível em: <http://guaiba.ulbra.tche.br/pesquisas>. Acesso em: 20 abr. 2010.
LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos César de (Org.). História
social da infância no Brasil. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre:
Artmed, 1997.
SALLES, Heloísa Maria Moreira Lima et al. Ensino de língua portuguesa para surdos:
caminhos para a prática. Brasília: MEC/Seesp, 2004. v. 2. (Programa Nacional de Apoio à
Educação dos Surdos). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol1.
pdf>. Acesso em: 30 maio 2011.
VIEIRA, Mayara. UFSC é referência na língua de sinais no Brasil. Disponível em: <http://
www.feneis.com.br/page/noticias_detalhe.asp?categ=1&cod=480>. Acesso em: 9 set. 2011.
Introdução
Caros alunos, neste capítulo, pretendemos orientá‑los a respeito dos
aspectos clínicos e educacionais referentes às alterações do sistema
auditivo, de maneira que vocês consigam compreender as relações
entre a audição e o processo de ensino‑aprendizagem.
Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:
Esquema
3.1 Audição – som – fala – linguagem
3.2 Neuroanatomofisiologia da audição
3.3 Deficiência auditiva: aspectos gerais
3.4 Desenvolvimento da função auditiva
3.5 Avaliação da audição
3.6 Transtornos do processamento auditivo
3.7 Dispositivos eletrônicos: conceitos básicos
3.8 Educação de indivíduos com deficiência auditiva
3.9 Estratégias comunicativas e adaptações em sala de aula
3.10 Conclusão
O falante (emissor) quer transmitir uma informação (ideia) à outra pessoa, que
é o ouvinte (receptor). Para isso, ele deve:
• organizar o pensamento;
Produção da fala
Compreensão da fala
No cérebro, há o reconhecimento da
mensagem emitida pelo falante, o que ocorre
com base nas experiências prévias do ouvinte. Etapa fisiológica do receptor
Nesta etapa, o ouvinte reconhece as palavras
e as sentenças, compreendendo então a Os impulsos nervosos viajam ao longo
mensagem transmitida pelo falante. do nervo auditivo para o cérebro.
Como pôde ser observado no circuito descrito acima, a fala é um ato fisioló-
gico que resulta na produção de ondas de som que viajam até nosso sistema
auditivo. Mas, e o som, o que é? O som é uma modificação da pressão que
UNIUBE 47
meato forma a face externa da membrana timpânica. Quando o som atinge esta
estrutura, tem fim a fase de captação do som.
A orelha média é composta pelo tímpano e por três ossos muito pequenos: o
martelo (em contato direto com a membrana timpânica), a bigorna e o estribo (em
contato com a cóclea). Sob o impacto de ondas sonoras sucessivas encaminha-
das via orelha externa, a membrana timpânica vibra no seu todo, deslocando
‑se para dentro e para fora da orelha média e transmitindo o movimento para
os três minúsculos ossos da orelha média. A movimentação dessas estruturas
transforma o som em energia mecânica e colocam em movimento o líquido da
orelha interna.
Caros alunos, a primeira questão a ser esclarecida neste capítulo diz respeito à
terminologia que será utilizada. Os termos surdo e deficiente auditivo serão
utilizados de maneira equivalente, referindo‑se a todos aqueles que apresen-
tam a capacidade de audição reduzida, independentemente do grau em que se
manifestar, e que apresentam necessidades educacionais especiais.
ponto‑chave
Durante as últimas décadas, a detecção precoce tem sido um desafio para o sistema
de proteção à saúde em todo o mundo, estabelecendo‑se a necessidade de desen-
volver e implementar procedimentos de triagem auditiva em caráter universal ou em
grupos de bebês e alto risco.
Devemos lembrar que os primeiros anos de vida têm sido considerados críticos
para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. É neste pe-
ríodo que ocorre o processo de maturação do sistema auditivo central, sendo a
fase ótima da plasticidade neuronal para dar início a qualquer intervenção, que
irá favorecer, posteriormente, o potencial da linguagem, da alfabetização, do
desempenho acadêmico, emocional e social do indivíduo.
Idade de
Localização Grau Origem Lateralidade
aparecimento
Periféricas:
• condutivas Na fase pré
Leve Hereditária Unilateral
• mistas ‑linguística
• neurossensorial
Na fase
Moderada Congênita Bilateral
perilinguística
Centrais
Severa Na fase pós
Adquirida
Profunda ‑linguística
• herança genética;
• hiperbilirrubinemia;
A deficiência auditiva também pode ser bilateral, quando afeta as duas orelhas
(direita e esquerda), como também pode afetar apenas uma delas, caracteri-
zando uma perda auditiva unilateral. Neste último caso, algumas peculiaridades
devem ser esclarecidas, visto que em muitas circunstâncias a criança, a família e
a escola não estão atentas para o problema, que não é tão evidente quanto em
uma perda auditiva bilateral e só é descoberto quando sequências de eventos
desagradáveis passam a envolver a criança.
importante!
Creio que vocês estejam se perguntando neste momento sobre como lidar com este
aluno em sala de aula. E eu respondo que tão importante quanto saber como lidar
com ele é estar atento para os possíveis e discretos sinais sugestivos de uma perda
auditiva unilateral ainda não diagnosticada e que possa estar prejudicando o apro-
54 UNIUBE
veitamento de seu aluno. Quando eu digo isso, não me refiro que vocês devam ser
capazes de fazer um diagnóstico preciso (isso é papel do fonoaudiólogo e do médico
otorrinolaringologista), mas simplesmente de estarem atentos aos comportamentos
dos alunos para que julgamentos errôneos sejam evitados. Embora estas crianças
apresentem problemas acadêmicos, estes podem ser minimizados por meio de es-
tratégias como tratamento acústico da sala de aula, assento preferencial e uso de
sistemas de amplificação, como será apresentado no item “Estratégias comunicativas
e adaptações em sala de aula”.
A deficiência auditiva não tem uma causa única, mas decorre de um amplo espectro
de causas possíveis que incluem problemas hereditários, congênitos ou adquiridos,
que afetam porções diferentes da orelha e do mecanismo de audição. Dependendo
da região da orelha que for comprometida pelos fatores acima citados, a perda
auditiva poderá ser do tipo condutiva, neurossensorial ou mista. Cada uma delas,
associada ao grau em que estiver presente, trará consequências distintas para o
desenvolvimento de fala, linguagem e aprendizagem do indivíduo.
Quando o paciente apresenta perda bilateral, tende a falar com voz fraca, devido
ao reforço dado pela integridade da via óssea. Na maioria dos casos, costumam
ser reversíveis após tratamento medicamentoso ou cirúrgico, conforme indicação
do médico otorrinolaringologista. Um exemplo é a perda auditiva causada por
infecções de ouvidos (otites).
Em geral, o grau é calculado com base na média aritmética obtida a partir dos
limiares tonais, nas diferentes frequências avaliadas.
Nesses casos, os sons das vogais são ouvidos claramente, mas as consoantes
surdas podem não ser percebidas. Pode estar relacionada a quadro de desaten-
ção e atraso no desenvolvimento de linguagem. O aparelho auditivo raramente
será colocado.
saiba mais
passa livremente pela glote, não produzindo a vibração das pregas vocais observada
nos fonemas sonoros. São exemplos de fonemas surdos o /p/; /t/; /k/; /f/; /s/; /ʃ/ – este
último é o fonema representativo do ch e x. São exemplos de sonoros o /b/; /d/; /g/;
/v/; /z/; /Ʒ/ – este último é o som correspondente ao j. A vibração das pregas vocais
é claramente perceptível quando produzimos o som sonoro colocando a mão no
pescoço, ao nível da laringe (produza o /v/ e depois seu correspondente surdo, o /f/,
que a vibração e sua ausência, respectivamente, ficarão claras). Uma outra estratégia
de percepção consiste em produzir os mesmos fonemas com os ouvidos tapados (a
vibração das pregas vocais é perceptível na produção do fonema sonoro, por meio
de um “chiado” mais forte, o que não ocorre na emissão do fonema surdo). As estra-
tégias descritas são muito utilizadas em terapia fonoaudiólogica para crianças que
apresentam dificuldades relacionadas a essas classes de sons.
Uma perda auditiva desse grau pode impedir o desenvolvimento da fala e lin-
guagem, além de resultar em problemas educacionais associados. Com auxílio
de intervenção precoce, do uso de dispositivos eletrônicos e de educação es-
pecializada, crianças com esse grau de perda podem ter bom desempenho em
fala e linguagem oral. Sem ajuda de dispositivo eletrônico, um sujeito com perda
severa não pode ouvir sons ou a conversação normal. Pode ouvir suas próprias
vocalizações, alguns sons ambientais muito altos e a fala na conversação mais
intensa e em contexto fechado.
Quando o bebê nasce e/ou adquire precocemente algum tipo de alteração au-
ditiva, estas reações comportamentais aos sons não são observadas ou são
observadas em idades mais avançadas. Nos casos da deficiência auditiva, o
desenvolvimento das referidas habilidades dependerá de fatores como o grau e a
época em que ela se instalou; época do diagnóstico e intervenção; características
da criança como a capacidade cognitiva, memória, atenção, desenvolvimento
emocional; características da família, ou melhor, suas atitudes no sentido de
proporcionar este desenvolvimento; qualidade do ambiente doméstico e escolar,
no sentido de proporcionar estímulos e atividades significativas para a criança
do ponto de vista auditivo; e claro, da utilização de um dispositivo eletrônico que
a permita fazer um bom aproveitamento de sua audição residual.
ponto‑chave
• desatenção;
É o principal teste a ser realizado, uma vez que permite identificar a presença
da deficiência auditiva e caracterizá‑la quanto ao tipo e grau. O audiograma é a
ficha de registro das respostas obtidas pelo paciente. Na vertical encontram‑se as
intensidades do som (medidas em decibel) e na vertical as frequências (medidas
em Hz). O teste é realizado em cabine acústica com fones de ouvido, os estímulos
sonoros (tons puros) são apresentados em ordem decrescente de intensidade, em
cada frequência e para cada orelha separadamente, até que seja obtida a menor
intensidade sonora capaz de gerar sensação auditiva no sujeito (ALVARENGA et
al., 2006). É considerado que o sujeito tem uma audição normal se ele detectar
os sons com intensidade mínima de 20 dB, em todas as frequências.
Pode ser realizada a partir dos seis meses. Assim como o teste anterior, permite
a obtenção de níveis mínimos de resposta em diferentes frequências. A criança,
UNIUBE 65
3.5.5 Logoaudiometria
3.5.6 Imitanciometria
Também é um exame objetivo que pode ser realizado em qualquer idade. Ava-
lia a integridade da orelha interna, mais especificamente, das células ciliadas
externas (MUSIEK; RINTELMANN, 2001). As células ciliadas externas são as
primeiras estruturas a serem lesadas no caso de deficiência auditiva decorrente
de patologias adquiridas durante a gravidez ou na infância. As EOAs estarão
ausentes em sujeitos com perdas auditivas cocleares e poderão estar presentes
66 UNIUBE
Existem indivíduos que possuem a queixa de não ouvir bem, mas quando rea-
lizamos um exame que avalia a sua acuidade auditiva os resultados revelam a
presença de audição normal. Vocês devem estar se perguntando como isso é
possível. Isso pode ocorrer devido a dificuldades no processamento auditivo da
informação. Mas o que é processamento auditivo?
• distração;
• dificuldades escolares;
Estes, assim como outros comportamentos, podem ser sinais de uma dificul-
dade no processamento auditivo da informação. Cabe retomar que muitos dos
comportamentos notados acima podem também aparecer em outras condições,
tais como Dificuldades de Aprendizagem, Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH), entre outros. Assim, sempre que suspeitar estar diante
de um caso dessa natureza, é importante que as devidas providências sejam
tomadas, para que o diagnóstico e tratamento mais adequado sejam feitos.
saiba mais
Além desses componentes básicos, possui vários controles internos que ge-
ralmente são manipulados pelo profissional e que têm o objetivo de trabalhar
a onda sonora da melhor forma possível, de acordo com as necessidades de
cada indivíduo, a fim de oferecer a melhora da inteligibilidade de fala, por meio
de uma boa qualidade sonora e uma amplificação confortável.
Ainda que as crianças se beneficiem com o uso de AASI ou Implante Coclear (IC),
os efeitos do ruído não são minimizados com tais dispositivos, uma vez que ambos
captam e amplificam todos os sons do ambiente na mesma proporção, inclusive
ruídos de fundo, mantendo uma relação sinal/ruído (dife-
Reverberar
rença entre o nível do sinal de fala e o nível do ruído) em
sala de aula desfavorável para esses alunos. Refletir, com grande
intensidade, o som.
É a persistência
Para que uma relação sinal ruído possa ser considerada do som numa sala,
após haver cessado
favorável, é necessário pelo menos + 10 dB e, prefe- a vibração da fonte
rencialmente, + 20 dB, para que alunos com deficiência que lhe deu origem.
A reverberação
auditiva participem efetivamente em sala de aula (JACOB excessiva pode
comprometer a
et al., 2010). Esta situação, contudo, não ocorre natural- compreensão da
mente, uma vez que, devido à reverberação, ao ruído e fala no ambiente
em que ela ocorre.
a mudanças na posição do professor, a média da relação O seu tratamento
deve ser feito ainda
sinal ruído é somente +4 ou + 5 dB, podendo ser até 0 dB. na construção e
projeto do ambiente,
dependendo de
Diante das dificuldades descritas, uma alternativa plau- sua finalidade. Em
sível seria tentar fornecer a transmissão direta da voz do ambientes abertos,
por exemplo, a
falante para o microfone do AASI ou do IC do aluno. É o reverberação é muito
pouca; já em salas
que faz o Sistema FM, um sistema tecnológico que visa de aula e auditórios,
melhorar a captação do sinal da fala, proporcionando ao cuidados especiais
devem ser tomados,
usuário deficiente auditivo condições ideais de audição já que a reverberação,
se excessiva, poderá
e de um claro entendimento da fala, por meio da elimi- comprometer a
nação dos fatores limitantes ao seu entendimento, que compreensão das
mensagens.
são o ruído, a distância e a reverberação, presentes em
sala de aula. Mas como funciona este dispositivo?
74 UNIUBE
nervo, que o levará para o cérebro, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral.
É um aparelho muito sofisticado, que foi uma das maiores conquistas na área da
Engenharia ligada à Medicina. Possibilitou que a ideia de “restaurar” a audição
deixasse de ser uma possibilidade futurística e se tornasse uma realidade.
ponto‑chave
É fato que, por muito tempo, nós fomos erroneamente levados a colocar a
linguagem oral como objetivo primário para as crianças deficientes auditivas,
nunca nos dando conta de que o enriquecimento de suas vidas pode ser sa-
crificado pela habilidade simples em expressar verbalmente as palavras. Mas
vamos pensar: Que palavras são essas? E em quais relações e contexto? O
objetivo primário na educação de um indivíduo com deficiência auditiva deve se
UNIUBE 79
Por muitos e muitos anos, a atenção dos profissionais foi dedicada integralmente
à criança e pouca ênfase foi dada aos pais. É evidente que as famílias precisam
80 UNIUBE
importante!
De acordo com a abordagem oralista, a criança com deficiência auditiva deve re-
ceber a oportunidade de se comunicar por meio da linguagem oral. A estimulação
auditiva possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança
surda a integrar‑se na comunidade ouvinte e desenvolver a personalidade como
a de um ouvinte (ERNESTINO et al., 2006). Em busca desse objetivo foram de-
senvolvidas várias metodologias de oralização, sendo que todas se baseiam no
ensino da língua oral e não aceitam os sinais e/ou gestos. Essas metodologias
preconizam que os indivíduos que se tornarão bons ouvintes também devem
usar sua visão para se tornarem bons em leitura orofacial. É primordial o uso
de dispositivos eletrônicos individuais ou de frequência modulada (FM) e
um trabalho de educação auditiva precoce. Esse processo, todavia, é lento e
demorado. Depende da participação efetiva da família, do terapeuta, da criança
e da escola. Quando todas essas exigências são atendidas o resultado pode
ser muito bom.
importante!
1. Crianças que respondem a sons de fala sem AASI: são os casos que geralmente
têm benefícios com AASI não muito potente, em que o atendimento especializado
apresenta resultado em curto prazo. A opção metodológica para o atendimento es-
pecializado é a abordagem aurioral, em escolas comuns.
2. Crianças que respondem a sons de fala apenas com AASI: trata‑se de crianças que
geralmente têm benefícios com amplificação média ou mais potente; que, dependendo
da evolução, utilizam‑se pistas de leitura orofacial (capacidade de entender a palavra
falada por outra pessoa por meio dos movimentos dos lábios aliados à expressão
facial); em que inicialmente a opção metodológica para o atendimento especializado
pode ser aurioral. O atendimento especializado apresenta resultado em médio prazo
e sua evolução depende de inúmeros fatores, como: bom relacionamento entre te-
rapeuta, família e escola, disponibilidade familiar da criança, capacidade cognitiva,
etiologia da patologia da audição, época do diagnóstico. Conforme essa tendência,
essas crianças podem frequentar escola comum, desde que haja um trabalho
em conjunto entre escola e terapeuta.
UNIUBE 83
3. Crianças que não respondem a sons de fala com AASI: as crianças que não apre-
sentam um comportamento auditivo bem delineado no início do trabalho vão exigir
muito mais da sensibilidade e da competência do terapeuta para a escolha do caminho
supostamente mais adequado. Para essas crianças, a autora propõe o que deno-
minou prova terapêutica. Durante seis a oito meses, o especialista deve intensificar
o aprendizado da capacidade auditiva da criança, por meio de inúmeras vivências
com as mais diversas fontes sonoras, procurando desenvolver ao máximo a função
auditiva. Após o trabalho intensivo de audição durante alguns meses, avalia‑se como
a criança em questão utiliza suas potencialidades e como vai estabelecendo suas
relações com a ajuda do dispositivo eletrônico e das pessoas diretamente envolvidas
no trabalho. Observa‑se que as crianças que se beneficiam do dispositivo eletrônico,
passando a responder a sons verbais durante o trabalho auditivo, poderão ser en-
caminhadas à escola comum (nesta situação, a opção metodológica pode ser a
abordagem aurioral). Caso contrário, deverão ser encaminhadas a uma escola
especial para surdos.
4. Crianças que não respondem a sons ambientais com AASI: caso seja possível,
essas crianças também são candidatas ao implante coclear. Cabe lembrar que as
crianças que inicialmente não respondem a sons ambientais com AASI, após algum
tempo de trabalho, poderão se desenvolver bem. Porém, dentro desse grupo, ape-
nas uma minoria conseguirá um bom padrão de voz e linguagem oral. Dependendo
do resultado obtido, a abordagem pode ser aurioral (considerando aqui as crianças
implantadas com sucesso) ou bilinguismo.
É preciso esclarecer que as situações descritas acima não constituem uma re-
gra. A massificação da educação em qualquer situação não faz sentido. O meio
pelo qual se levará uma criança a construir e a desenvolver seu potencial para
a aprendizagem é importante. É fundamental que a escolha seja feita visando
o melhor para ela e que, acima de tudo, os pais façam a escolha metodológica
confiando e participando do método escolhido.
84 UNIUBE
ponto‑chave
Faz‑se importante destacar que muitas delas têm aplicabilidade para qualquer
aluno com deficiência auditiva e outros comprometimentos auditivos, independen-
temente de sua faixa etária, escolaridade e modalidade de comunicação utilizada.
Procure falar de forma clara, um pouco mais devagar do que o normal, usando
articulação normal e não exagerada. Falar alto faz com que a voz se torne inin-
teligível e a articulação forçada. Por isso, use a voz com intensidade normal.
Os padrões de entonação, ritmo, duração e intensidade dos sons das palavras
e frases podem ser percebidos auditivamente trazendo muitas informações de
caráter emocional. Fale próximo do aluno. À medida que nos afastamos dele o
som fica menos intenso. O ruído de fundo deve ser o menor possível, já que é
muito difícil para quem tem algum comprometimento no sistema auditivo ouvir
em sua presença (não só os deficientes auditivos).
des de rotina para fazê‑lo perceber os diferentes tipos de som. Os sons devem
ser significativos. Caso não sejam, ele aprende a ignorá‑los. Aproveite todas as
oportunidades para falar com o aluno no momento exato em que ele solicita,
falando sobre o que ele esta interessado no momento. Também procure ampliar
os seus interesses gradativamente. Seja sensível à capacidade de atenção do
aluno. É importante sempre termos em mente que uma criança com deficiência
auditiva com dois, três ou quatro anos, por exemplo, pode ser um bebê auditiva e
linguisticamente, visto que a sua idade auditiva (e a sua capacidade de atenção,
também) corresponde ao tempo em que está fazendo uso de algum dispositivo
eletrônico que permita o seu acesso ao mundo sonoro. Sendo assim, ela ainda
está aprendendo a ouvir, por isso, necessita ser tratada de acordo. Portanto,
para reconhecer e saber lidar com esta situação, a sensibilidade é de extrema
importância.
Permita que o aluno com deficiência auditiva veja seu rosto de frente. Fique
em ambientes claros. Não cubra a boca com as mãos. A leitura orofacial re-
presenta um recurso importantíssimo de comunicação para deficiente auditivo.
Mastigar chiclete, comer, colocar objetos na boca, assim como outras atitudes
que prejudiquem a visualização do rosto (barba, bigode, óculos de sol) podem
comprometer o entendimento das informações e prejudicar a aprendizagem. Use
expressões faciais ricas e entonações que correspondam às ações, para que as
mensagens não se tornem confusas. Use gestos naturais com as mãos. Eles
não substituem a linguagem, mas como a comunicação envolve movimentos
do corpo, mímica, expressão facial, esses recursos podem ser utilizados como
apoio para que a comunicação se estabeleça.
simplificá‑la, utilizando frases mais simples ou curtas, ou, também, usar sinôni-
mos ou expressões correspondentes. Esta última estratégia também favorece o
desenvolvimento lexical. Em atividades orais em sala de aula, a delimitação das
possibilidades de resposta para o aluno pode ser muito útil. Formule a pergunta
já apresentando as alternativas de resposta.
Dentro de sala de aula existem alguns fatores que prejudicam a acústica, como
o ruído de fundo, a reverberação e a distância da fonte sonora. Estas questões
constituem um grande desafio ao entendimento de fala em ambiente escolar,
desafio este ainda mais significativo quando temos em sala de aula uma criança
com deficiência auditiva ou com outros comprometimentos dessa natureza (vocês
se recordam das crianças com transtorno no processamento auditivo?).
3.10 Conclusão
Prezados alunos, esperamos que a leitura destas páginas tenha sido válida e
contribuído para a formação de vocês. É claro que, devido ao curto espaço,
cada assunto foi tratado de maneira generalizada, mas sempre com o intuito
de possibilitar uma base para que vocês tenham condições de aprofundar o
conhecimento proporcionado em futuras pesquisas. Essa busca depende do
interesse de vocês. As fontes de informação estão cada vez mais acessíveis a
todos. De qualquer modo, esperamos que os temas, aqui abordados, tenham
despertado o seu interesse pelo assunto.
Resumo
Há muito tempo, sabe‑se que a audição desempenha um papel muito impor-
tante na aprendizagem e que qualquer comprometimento neste sistema poderá
repercutir negativamente sobre este processo. Sabe‑se também que o desen-
volvimento escolar satisfatório de educandos com necessidades educacionais
especiais depende fundamentalmente de professores capacitados e interessados
no trabalho com tais alunos. Com o objetivo de maximizar a capacitação destes
profissionais e atrair a sua atenção para o tema este material foi elaborado.
Atividades
Atividade 1
Analise as afirmativas a seguir, considerando V para as alternativas verdadeiras
e F para as falsas:
III. A opção inicial pelo oralismo, pelo bilinguismo, ou por qualquer outra alterna-
tiva educacional deve ser feita pelos pais. Cabe aos profissionais envolvidos
no processo educacional, orientá‑los da melhor forma possível, para que
tomem decisões seguras.
A sequência correta é:
a) ( ) FFVVF
UNIUBE 93
b) ( ) VFVFV
c) ( ) FVFVF
d) ( ) FFVFV
e) ( ) VVVFF
Atividade 2
Analise as afirmativas a seguir, considerando V para as alternativas verdadeiras
e F para as falsas:
I. Considerando que em sua sala de aula existam alunos surdos que se co-
municam oralmente e utilizam a audição como via de aprendizagem, mas
também, alunos surdos que se comunicam por Libras e que não utilizam a
audição como via de aprendizagem, seria recomendável a utilização de am-
bas as formas de comunicação em sala de aula, podendo contar o professor
com o auxílio de um intérprete.
a) ( ) VVVFF
b) ( ) VVFFV
c) ( ) VFFFV
d) ( ) VVVFF
e) ( ) VFFVV
Atividade 3
Em relação à classificação dos diversos tipos de deficiência auditiva, analise as
afirmações, a seguir:
I. A classificação dos diferentes tipos de deficiência auditiva não tem impor-
tância prática, visto que podemos esperar implicações clínicas, terapêuticas
e educacionais padronizadas para todos os sujeitos com comprometimento
no desenvolvimento do sistema auditivo.
II. A afirmativa acima está errada, uma vez que encontramos diferentes ma-
nifestações no desenvolvimento infantil de acordo com a localização, grau,
origem e idade de aparecimento da deficiência auditiva.
Atividade 4
Ao longo do capítulo, diversas manifestações dos diferentes tipos de deficiência
auditiva foram apresentadas. Aponte três manifestações das crianças que podem
caracterizar uma possível deficiência auditiva.
Atividade 5
Suponha que, em sala de aula, você tenha um aluno cujo ouvido esteja sempre
expelindo secreção com mau cheiro. Qual seria a sua conduta? Que comporta-
mentos do aluno poderiam também ser observados em sala de aula?
Referências
ALVARENGA, K. F.; LOPES, A. C.; FREITAS, V. S. Avaliação da audição em crianças. In:
GENARO, K. F.; LAMÔNICA, D. A.; BEVILACQUA, M. C. O processo de comunicação:
contribuição para a formação de professores na inclusão de indivíduos com necessidades
educacionais especiais. São José dos Campos: Pulso, 2006.
FRAZZ, M. M.; MUNHOZ, M. S. L.; AILVA, M. L. G.; CAOVILLA, H. H.; GANANÇA; M. M. Som
e audição. In: ______. Audiologia clínica. São Paulo: Atheneu, 2003.
SOUZA, R. T. et al. FM listening evaluation for children: adaptação para a língua portuguesa.
Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 16, n. 3, p. 359‑374, set.-dez. 2010.
Introdução
Neste capítulo, vamos iniciar nossas reflexões reafirmando o papel fun-
damental que a linguagem desempenha em nossas vidas. A linguagem
é fator essencial para que as relações humanas se estabeleçam, pois
é pela linguagem que nós interagimos com os outros, expressamos
nossos pensamentos e emoções e podemos construir cultura, uma
vez que passamos nossas experiências e tudo aquilo que aprendemos
às novas gerações. Ela constitui a base de todas as nossas relações
sociais, políticas, afetivas, culturais e históricas, por isso é que com-
preender a linguagem nos possibilita compreender melhor o processo
sociocultural da humanidade.
É importante ressaltar que uma língua materna (ou natural) nem sempre
corresponde ao conceito estrito de nação, pois há países em que há
mais de uma língua materna oficiais, como é o caso do Canadá, com o
inglês e o francês. Na verdade, as comunidades linguísticas configuram
‑se por definições de natureza diversa, em que a noção de nação é
apenas uma. A comunidade surda insere‑se nesse caso. Trata‑se de
um grupo que não constitui uma nação, mas que, como qualquer outra
comunidade linguística, possui uma língua materna. É fato que não se
trata de uma língua oral, mas certamente constitui um traço identitário
desse grupo e possibilita a interação entre os seus membros e também
entre eles e pessoas ouvintes. Neste capítulo, vamos conhecer mais
sobre a Libras – Língua Brasileira de Sinais.
Objetivos
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:
Esquema
4.1 A Libras é uma língua natural?
4.2. Caracterizações das línguas de sinais – LS
4.2.1 Iconicidade e arbitrariedade
4.3 Desfazendo‑se dos mitos
4.4 Como é possível estudar a fonologia de uma língua vísuo‑espacial?
4.4.1 Como são formados os sinais?
4.4.2 Os pares mínimos
4.5 A morfologia das línguas de sinais
4.5.1 Léxico e unidade lexical ≠ vocabulário e vocábulo
4.5.2 Processos de formação de sinais em Libras
4.5.3 Como se formam “as palavras” em Libras?
4.5.4 Formações de palavras por derivação
4.5.5 Os classificadores (Cl)
4.5.6 Tipos de classificadores
4.5.7 Formação de palavras por composição
4.6 A flexão na língua de sinais
4.6.1 Flexão de pessoa
4.6.2 Flexão verbal
4.6.3 Flexão de número
4.6.4 Flexões de foco e aspecto temporal
4.7 Sintaxe – de que maneira se estabelecem as relações sintáticas
numa língua vísuo‑espacial como a Libras?
4.7.1 A ordem da frase na língua de sinais brasileira
4.7.2 E as interrogativas em Libras: como são formadas?
4.8 E as variações linguísticas também ocorrem na Libras?
4.9 Conclusão
102 UNIUBE
O status de língua da Libras reside no fato de ser constituída por todos os com-
ponentes pertinentes às línguas orais, preenchendo, assim, os requisitos cien-
tíficos para ser considerada instrumental linguístico de poder e força. Além disso,
é interessante lembrar que estudos em indivíduos surdos mostram que a língua
de sinais apresenta uma organização neural semelhante à língua oral, ou seja,
que esta se organiza no cérebro da mesma maneira que as línguas faladas.
DENOMINAÇÃO SIGLA
Outra distinção entre uma língua de sinais e uma língua oral reside na realização
das categorias linguísticas. Enquanto que nas línguas orais os mecanismos são
primordialmente sequenciais (um depois do outro), numa língua de sinais temos
a simultaneidade na realização dessas categorias linguísticas. Os mecanismos
simultâneos são produtivos nas línguas de sinais, pois é necessária a codificação
da atitude do falante em relação ao que está sendo descrito, especialmente a
distinção entre os tipos frasais –
declarativo, interrogativo, exclamativo, imperativo
(diretivo/optativo/exortativo) por marcas não manuais, como expressões fisionômi-
cas e movimentos do pescoço, em sincronia com o movimento manual. Entretanto,
nas línguas orais, a simultaneidade é menos produtiva, embora exista, quando por
exemplo, para diferenciar um enunciado interrogativo de outro afirmativo, utiliza‑se
da entoação e intensidade da cadeia linguística, juntamente com os segmentos
fônicos. Quadros (1995, p. 1) aponta que os sinais, em si mesmos, normalmente
não expressam o significado completo do discurso, mas que esse significado é
determinado por aspectos que envolvem a interação dos elementos expressivos
da linguagem. Por exemplo, os surdos utilizam a expressão facial e corporal para
omitir, enfatizar, negar, afirmar, questionar, salientar, desconfiar, entre outras.
Sinais icônicos
casa telefone
Sinais arbitrários
conversar saber
106 UNIUBE
• Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as comuni-
dades de surdos.
UNIUBE 107
Outro mito, pois as línguas de sinais são independentes das línguas orais em
todos os países em que são utilizadas. Prova disso é que, mesmo nos países
cuja língua oficial é a mesma, há línguas de sinais diferentes entre si. Exemplo
disso é a diferença entre a língua de sinais do Brasil (Libras) e a língua gestual
de Portugal (LGP).
Esta afirmação não é verdadeira, pois declara que faltam às línguas de sinais
complexidade e poder expressivo, sendo consideradas empobrecidas lexical e
gramaticalmente. Alguns relacionam esse empobrecimento lexical à ausência de,
por exemplo, os elementos de ligação, na língua de sinais. Mas já vimos que, sendo
de modalidade vísuo‑espacial, a sua riqueza e expressividade são diferentes das
línguas orais, incorporando esses elementos de ligação na própria estrutura dos
sinais, por meio de ralações espaciais.
Conforme já vimos, os sinais das línguas vísuo‑espaciais não são apenas cópias
de gestos espontâneos, mas constituem legítimos signos linguísticos da língua
materna de comunidades surdas, que a caracterizam e a identificam.
Após nos situarmos no amplo universo dos estudos linguísticos e das línguas
de sinais, passaremos ao estudo mais detalhado da organização fonológica,
morfológica, sintática e semântica da Libras.
UNIUBE 109
a)
a zona de articulação, o ponto ou a parte do aparelho fonador em que se
dá a aproximação ou o contato dos órgãos que cooperam para a produção
do fonema;
a)
o modo de articulação, isto é, como os fonemas são articulados: se o ar sai
roçando ruidosamente as paredes da boca estritada, temos as fricativas (f,
v, x, ç, s, z, j); temos as vibrantes, quando o ar produz um movimento vi-
bratório (r); e, finalmente, as laterais, articuladas, quando o ar, encontrando
a língua apoiada no palato, é forçado a sair pelas fendas laterais da boca
(l, lh). O ponto de articulação é o lugar onde os órgãos entram em contato
para a produção do som: bilabiais (p, b, m), labiodentais (f, v), linguodentais
(t, d), alveolares (s, z, r, l, n), palatais (j, g, x, lh, nh);
c)
a função das cavidades bucal e nasal, que determina se a corrente de ar
dos pulmões passará pela boca ou pelo nariz, determinando uma consoante
nasal ou oral.
O termo fonologia tem sido usado também para designar o estudo dos elementos
básicos distintivos da língua de sinais. Como as LS são de modalidade espaço
‑visual, uma vez que a informação linguística é recebida pelos olhos e produzida
pelas mãos, as unidades básicas da fonologia dessas línguas não são fonemas,
mas são elementos de natureza icônica, que também são compostos por um
conjunto de propriedades distintivas.
Os sinais apresentam uma estrutura dual, isto é, podem ser analisados em ter-
mos de um conjunto de propriedades distintivas (sem significado) e de regras
que orientam essas propriedades. Dessa forma, os estudiosos propuseram pa-
râmetros que não carregam significado isoladamente. Na comunidade científica,
prevalece, dessa forma, a ideia de que esses parâmetros são unidades mínimas
(fonemas) que constituem os morfemas nas línguas de sinais, de forma análoga
(semelhante) aos fonemas que constituem morfemas nas línguas orais.
UNIUBE 111
2. Movimento (M)
3. Locação (L)
112 UNIUBE
Exemplos:
UNIUBE 113
telefone
CM [Y]
branco
CM [B]
114 UNIUBE
veado ontem
CM [5] CM [L]
4.4.1.2 Movimento (M)
galinha homem
UNIUBE 115
I – TIPO
II – DIRECIONALIDADE
a) Direcional
• Unidirecional: para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para
dentro, para fora, para o centro, para a lateral inferior esquerda, para a lateral
inferior direita, para a lateral superior esquerda, para a lateral superior direita,
para específico ponto referencial;
• bidirecional: para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para
dentro e para fora, para laterais opostas — superior direita e inferior esquerda.
• MANEIRA
• contínuo
• de retenção
• refreado
116 UNIUBE
• FREQUÊNCIA
Repetição
• simples
• repetido
4.4.1.3 Locação (L)
Tabela 2: Locações.
LOCAÇÕES
CABEÇA MÃO TRONCO ESPAÇO NEUTRO
Topo da cabeça Palma Pescoço
É o espaço em
Testa Costas das mãos Ombros
frente ao corpo,
Rosto Lado do indicador Busto
não toca em
Parte superior do Lado do dedo
Estômago nenhuma parte.
rosto mínimo
Parte inferior do rosto Dedos Cintura
Orelha Ponta dos dedos Braços
Olhos Dedo mínimo Braço
Nariz Anular Antebraço
Boca Dedo médio Cotovelo
Bochechas Indicador Pulso
Queixo Polegar
Como nas línguas orais, um sinal pode se distinguir de outro por apenas um
traço distintivo. Assim, na Libras, basta alterarmos a configuração de mãos de
um determinado sinal, e manter os demais parâmetros, para termos outro item
lexical. Observe a representação dos itens lexicais “pedra” e “queijo”, a seguir.
pedra queijo
Como podemos ver, também na Libras, temos os pares mínimos, como na língua
portuguesa temos, por exemplo, pata/bata; vaca/faca, dentre outros. Vejamos,
então, alguns exemplos de pares mínimos em Libras. Observe, atentamente,
o traço distintivo.
avisar telefonar
UNIUBE 121
trabalhar vídeo
triste à toa
ter ganhar
122 UNIUBE
Nas línguas orais, alguns morfemas constituem palavras, mas outros são ape-
nas parte de palavras. Podem‑se formar novas palavras numa língua a partir do
acréscimo de morfemas a palavras já existentes. No caso do português, temos,
por exemplo: casa + sufixo eiro = caseiro.
As línguas de sinais são sintéticas, assim como o grego e o latim, ou seja, al-
gumas informações relativas (por exemplo, aquelas dadas pelas preposições,
artigos e conjunções) são incorporadas ao sinal, fazendo com que não haja uma
lista tão ampla de classes de palavras como ocorre na língua portuguesa. Esse
tipo de processo combinatório, próprio das LS, faz com que muitas pessoas
julguem, por preconceito linguístico, as línguas de sinais como “pobres”. No
entanto, cientificamente, mais uma vez, fica demonstrado que uma língua nunca
é idêntica em todas as suas manifestações a nenhuma outra. Os estudos com-
parados de Linguística, Antropologia e Neurociências nos levam a constatar que
as diversas manifestações da linguagem humana não são melhores nem piores,
são simplesmente diferentes. O que é mais importante compreender é como
se estabelecem as relações comunicativas entre usuários de uma dada língua.
Nas relações comunicativas, o léxico tem um papel primordial porque ele contém
o vocabulário. O léxico é composto de unidades linguísticas, especificamente,
denominadas unidades lexicais, ou seja, as unidades mínimas que possibilitam
a formação dos morfemas e a compreensão de seus sentidos; já a unidade de
vocabulário é o vocábulo, isto é, a palavra plena.
D I A F R A G M A
C‑E‑R‑T‑O
UNIUBE 125
Situação 2 – sinal
certo
Os morfemas são unidades que podem ter funções lexicais ou gramaticais. Por
exemplo, em português, as palavras casas, construção, falava e impossível são
constituídas de morfemas lexical e gramatical. Observe na Tabela 4 a seguir.
126 UNIUBE
falar
falar sem parar (falar pelos cotovelos)
Falar + o aspecto continuativo
pegar + classificador 5
poder/possível não poder
128 UNIUBE
Impossível
Saber Não saber
• NÃO PODER é derivado de PODER por meio do afixo negativo, movimentos
da cabeça para os lados;
Com esses exemplos, pode‑se notar que as primeiras palavras são formadas
a partir de seus radicais aos quais se juntam afixos ou morfemas gramaticais,
pelo processo de derivação.
Conforme Ferreira Brito (1995), muitos classificadores são icônicos em seu sig-
nificado em decorrência da semelhança existente entre a sua forma ou tamanho
do objeto referido. Às vezes, o Cl refere‑se ao objeto ou ao ser como um todo,
outras vezes, refere‑se apenas a uma parte ou característica do ser. Vejamos
alguns exemplos.
LIBRAS PORTUGUÊS
CARRO BATER POSTE O carro bateu no poste
CI (verbo em movimento) CI
LIBRAS PORTUGUÊS
PRATOS EMPILHADOS Os pratos estão empilhados
CI verbo em localização
• Cl [V]: Usado para especificar quando duas pessoas estão an-
dando juntas ou quando estão paradas. A direção para onde a
palma da mão estiver voltada será a mesma para onde as pes-
soas estão indo.
UNIUBE 131
b) Para coisas estreitas ou finas, usa‑se a expressão facial com olhos semi-
fechadas, franzir da testa, ombros levantados e leve inclinação da cabeça
para a frente.
Cl: [F]: Usado para especificar objetos finos e pequenos, por exemplo: botões
de uma camisa, moedas;
Cl: [H]: Usado para especificar o modo de segurar um cigarro, uma tesoura;
Cl: [C]: Usado para especificar o modo de segurar um copo, um vaso de flores,
uma garrafa;
Cl: [As]: Usado para especificar o modo de segurar alguns objetos, como por
exemplo: uma faca, uma mala, uma sacola, um carimbo, uma caneca de chopp,
um serrote, um buquê de flores etc. Representa o próprio objeto, e é parte do
verbo, ou seja, da ação.
telefonar telefone
134 UNIUBE
sentar cadeira
perfumar perfume
UNIUBE 135
pentear pente
ouvir ouvinte
136 UNIUBE
roubar ladrão
Alguns sinais como SENTAR e CADEIRA são distintos quanto à forma para as
categorias verbo e nome, porém, a maioria deles não se distingue quanto às
categorias verbo, nome, adjetivo e advérbio. O que vai defini‑los como tal é sua
função no enunciado. Podemos, entretanto, ilustrar alguns casos de palavras
que poderiam ser derivadas de outras como é o caso de construir e construção,
em português. Vejam que, nas sentenças a seguir, identificamos um mesmo
item lexical como nome ou verbo, dependendo do contexto em que aparecem:
que devido à sua natureza de verbo sem valência não pode ser considerado um
nome. Nesse caso, como os verbos chamados leves sempre vêm acompanhados
de um nome e como o único item capaz de preencher essa função nominal é o
sinal LIMPAR‑CHÃO‑Cl:Y, diremos que ele pode pertencer a ambas categorias:
LIMPAR‑CHÃO‑Cl:Y –
verbo (limpou)
acreditar
casa estudar
Escola
Mãe
Pai
140 UNIUBE
Pais
boa noite
acreditar
142 UNIUBE
acidente de carro
• número – indica o singular, o dual (a mão ficará com o formato de dois dedos
esticados), o trial (a mão ficará com o formato de três dedos esticados), o
quatrial (a mão ficará com o formato de quatro dedos esticados) e o plural,
para o qual há dois sinais: o sinal composto que indica a pessoa do discurso
no singular + grupo e a configuração da mão fazendo um círculo – nós;
Primeira pessoa
Plural:
Segunda pessoa
Plural:
VOCÊS TRÊS
Terceira pessoa
Singular: ELE – Com a configuração de mão em G1, apontar para uma pessoa
que não esteja diretamente relacionada na conversa.
UNIUBE 147
Plural:
Os surdos, muitas vezes, ao se referir a uma outra pessoa que esteja presente
no mesmo local, mas necessita ser discreto, por educação, não utiliza apontação
para essa pessoa diretamente, faz um sinal com os olhos e um leve movimento
de cabeça em direção à pessoa mencionada ou aponta‑se para a palma de sua
mão (voltada para a direção onde se encontra a pessoa citada).
a) verbos simples
dar enviar
c) verbos espaciais
colocar ir chegar
UNIUBE 149
A distinção entre a flexão do verbo para um, dois ou mais referentes, constitui
outra forma de flexão de número. Ou o verbo apresenta uma referência gene-
ralizada ou direciona‑se para mais de um ponto estabelecido no espaço. Veja
os exemplos.
olhar (recíproco)
entregar (recíproco)
cuidar [incessante]
(cuidar + cuidar + cuidar rapidinho)
gastar [duracional]
(movimento circular com uma e outra mão consecutivamente)
casa lá
UNIUBE 157
aquela casa
(eu) ir (casa)
Esses verbos direcionais devem concordar com o sujeito e/ou com o objeto
indireto/direto do enunciado. Observem, nos exemplos a seguir, que há uma
relação entre os pontos estabelecidos no espaço e os argumentos incorporados
ao verbo. Além disso, a direção do olhar também acompanha o movimento. Isso
constitui um tipo de flexão específico das línguas de sinais.
< > do
< > mc
UNIUBE 161
<>n
Nesse exemplo, temos um verbo com concordância, com uma marca não
manual, da direção dos olhos que acompanham a concordância de pessoa
associada ao verbo.
UNIUBE 163
Além da ordem SVO, há outras estruturas frasais na Libras, que ocorrem espe-
cialmente quando a concordância associa‑se à marcação não manual. Observe
os exemplos:
Consiste em colocar o
Português: Eu algumas vezes bebo leite.
tema do discurso, que
apresenta uma ênfase Por outro lado, a topicalização também pode alte-
especial, no início da
frase, seguindo‑se
rar a ordem básica – SVO.
comentário sobre esse
tema. Libras: DE FUTEBOL JOÃO GOSTAR.
A ordem básica da frase em Libras pode ser alterada também pelo recurso da
topicalização. Os tópicos são associados com a marca não manual, isto é, essa
marca não pode se espalhar sobre a sentença.
As frases em Libras com foco que incluem verbos sem concordância podem
gerar estruturas SOV:
Também a elevação do objeto para a posição mais alta nas construções com
verbos com concordância resulta na ordem SOB:
Os elementos interrogativos em Libras – o que, quem, como, onde, por que, dentre
outros – podem mover‑se para SPEC de CP ou manter‑se na posição original.
(Quê?)
168 UNIUBE
(Quê?)
(Quê?)
Vejam mais um exemplo dos sinais que constituem uma oração subordinada
interrogativa:
UNIUBE 169
Por certo, ainda há muito o que se investigar e aprender sobre a Libras, mas, de
um modo geral, essa é a língua brasileira de sinais: uma língua natural, porque
usada por uma comunidade linguística brasileira, constituída dos níveis fono-
lógico, morfológico e sintático, como qualquer outro idioma usado como língua
materna de qualquer comunidade linguística.
170 UNIUBE
Como em qualquer língua natural, nas línguas de sinais também ocorre varia-
ção linguística. Na maior parte do mundo, há, pelo menos, uma língua de sinais
usada amplamente na comunidade surda de cada país, diferente daquela da
língua falada utilizada na mesma área geográfica. Isto se dá justamente por-
que essas línguas são independentes das línguas orais, pois foram produzidas
dentro das comunidades surdas. Por exemplo, a Língua de Sinais Americana
(ASL) é diferente da Língua de Sinais Britânica (BSL), que difere, por sua vez,
da Língua de Sinais Francesa (LSF).
Exemplo:
NOME
ASL Libras
Exemplo:
VERDE
Rio de Janeiro São Paulo Curitiba
MAS
Exemplo:
AJUDAR
CONVERSAR
AVIÃO
UNIUBE 173
SEMANA
Exemplo:
AZUL
1o 2o
3o
174 UNIUBE
BRANCO
1o 2o
3o
4.9 Conclusão
Resumo
Neste capítulo, você ficou conhecendo um pouco mais sobre a Língua Brasileira
de Sinais – Libras, principalmente sobre a sua organização e o seu funciona-
mento. Pôde perceber, inicialmente, que a língua de sinais é uma língua natural
e que constitui um sistema complexo. Vimos como se caracterizam as línguas
de sinais e conhecemos as diversas crenças que rondam a questão das línguas
espaço‑visuais, as quais constituem apenas mitos. Pudemos verificar que, apesar
de não ser uma língua oral, a Libras tem também estudos de fonologia, uma vez
que também possui a sua unidade mínima distintiva. Assim, na língua de sinais,
também encontramos os pares mínimos, noção importante no que se refere ao
ensino. Em relação à morfologia, aprendemos sobre o léxico e a unidade lexical
da Libras; sobre os processos de formação de palavras nessa língua e sobre a
categoria dos classificadores, classe específica das línguas de sinais. Quanto
176 UNIUBE
Atividades
Atividade 1
Observe as afirmativas a seguir, a respeito da Libras:
III – A Libras difere das demais línguas por ser de modalidade oral-auditiva.
Atividade 2
Segundo Lyons (1987), linguagem é um sistema de comunicação natural ou
artificial, humano ou não, ou seja, qualquer meio de comunicação, como a lin-
UNIUBE 177
Atividade 3
A partir do que estudamos sobre a Libras e as línguas de sinais de um modo
geral, coloque V diante das afirmativas verdadeiras e F, diante das falsas:
a) ( ) A maioria das línguas naturais são orais‑auditivas, portanto a Libras é
oral‑auditiva.
d) ( ) A distinção entre os tipos frasais realiza‑se, essencialmente, por marcas
não manuais, tais como as expressões fisionômicas e os movimentos
do pescoço, em sincronia com o movimento manual.
f) ( ) A simultaneidade no uso de mecanismos não existe nas línguas orais.
Atividade 4
Muitas afirmações relacionadas a essa modalidade de língua são inadequadas
tanto do ponto de vista linguístico quanto social e pedagógico. Os estudos
178 UNIUBE
Atividade 5
Se as línguas de sinais são línguas espaço‑visuais, como se explicam os estudos
de fonologia nessas línguas?
Referências
FERNANDES, E. Linguagem e surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.
______. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 322 p.
QUADROS, R. M. de. As categorias vazias pronominais: uma análise alternativa com base
na Libras e reflexos no processo de aquisição. Dissertação (Mestrado), pela PUCRS. Porto
Alegre, 1995.