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FONÉTICA E

FONOLOGIA DO
PORTUGUÊS

Julio Cesar Cavalcanti


Classificação dos
fonemas: vogal,
consoante, semivogal
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Determinar os parâmetros articulatórios de classificação de consoantes


e vogais.
 Reconhecer os sistemas consonantal e vocálico do português.
 Diferenciar os conceitos de vogal e semivogal.

Introdução
A classificação dos fonemas pode ser feita a partir de critérios articulatórios
que estão relacionados aos movimentos dos órgãos fonoarticulatórios
durante a produção da fala. Portanto, consoantes e vogais apresentam
diferentes mecanismos de produção que nos permitem diferenciá-los
do ponto de vista descritivo e dos pontos de vista auditivo e acústico.
Neste capítulo, você verá a classificação dos segmentos a partir do
ponto de vista articulatório, uma classificação que é de base estritamente
fonética e, portanto, leva em consideração aspectos da produção sonora.
Verá também uma descrição dos sons a partir dos pressupostos da Teoria
dos Traços Distintivos, uma abordagem que leva em conta fundamentos
fonéticos e fonológicos.
No nível fonético, os traços são caracterizados como escalas físicas que
descrevem aspectos do evento da fala e podem ser tomados indepen-
dentemente. No nível fonológico, os traços são marcadores classificatórios
abstratos, que identificam os itens lexicais da língua.
2 Classificação dos fonemas: vogal, consoante, semivogal

Segmentos consonantais
Massini-Clagliari e Cagliari (2012) comentam que as consoantes são sons que
apresentam contatos ou constrições no aparelho fonador, que são facilmente
analisáveis. Por essa razão, são classificadas tradicionalmente em termos de
modo e lugar de articulação, e quanto à vibração ou não das pregas vocais,
além das características do mecanismo aerodinâmico envolvido.
A partir da posição do articulador ativo em relação ao articulador passivo
(ocorrendo ou não o contato entre eles), pode-se definir o lugar de articulação
dos segmentos consonantais de acordo com categorias de agrupamento sonoro
(SILVA, 2003).
Em função dos lugares de articulação, um segmento fonético pode ser
(SOUZA; SANTOS, 2016):
Bilabial: ao falar “pata”, “bata”, “mata”, o primeiro som de cada uma dessas
palavras é produzido pela obstrução do ar pelos dois lábios. Os sons bilabiais
são produzidos pelo fechamento ou estreitamento do espaço entre os lábios.
Labiodental: há sons produzidos pela obstrução parcial da corrente de ar
entre o lábio inferior e os dentes superiores. Exemplo: os primeiros sons das
palavras “faca”, “vaca”.
Dental: são os sons produzidos com a ponta da língua contra a parte de
trás dos dentes superiores ou com a ponta da língua entre os dentes. É o caso
do primeiro som do “the” (inglês).
Alveolar: ao dizer “Nasa” e “Lara”, os dois primeiros sons consonantais
são produzidos com a ponta ou a lâmina da língua contra a arcada alveolar.
Palatoalveolar: são sons também conhecidos como pós-alveolares ou
alveolopalatais, pois são produzidos com a lâmina da língua contra a parte
anterior do palato duro, logo após os alvéolos. São exemplos de sons palato-
alveolares os primeiros sons de “chave”, “jaca”. Também são palatoalveolares
os primeiros sons de “tia” e “dia” do dialeto carioca.
Retroflexa: são os sons produzidos pela ponta da língua levantada e voltada
para trás, de modo que a parte de baixo da língua (sub-lâmina) fique voltada
em direção ao palato duro. É exemplo de som retroflexo o “r” caipira em
“par, por exemplo.
Palatal: ao falar “calha” e “sanha”, o segundo som consonantal de ambas
as palavras é produzido com o centro da língua contra o palato duro.
Velar: ao dizer “cata”, “gata”, o primeiro som é produzido pelo dorso da
língua contra o véu palatino. É exemplo de som velar o som nasal em “angu”.
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Uvular: sons uvulares são produzidos pelo dorso da língua contra o véu
palatino e a úvula. Por exemplo, o “orra” (de “orra, meu”) produzido por
alguns dialetos paulistas.
Faringal: sons produzidos pela raiz da língua contra a parede posterior da
faringe. Um exemplo de som faringal é aquele som grave produzido quando a
pessoa “limpa a garganta”. Os sons faringais não são tão comuns nas línguas.
Um exemplo de língua que os utiliza árabe (SOUZA; SANTOS, 2016).

O modo de articulação de um segmento está relacionado ao tipo de obstrução da


corrente de ar produzida pelos articuladores na produção de um segmento. Identi-
ficando o “grau e a natureza da estritura” (ou seja, a maneira como se dá a obstrução
da corrente de ar), é possível caracterizar a sua maneira ou seu modo de articulação
(SILVA, 2003).

Quanto ao modo de articulação, os segmentos consonantais podem ser


classificados da seguinte forma (SILVA, 2003):
Oclusiva: os articuladores produzem uma obstrução completa da passagem
da corrente de ar pela boca. O véu palatino está levantado, e o ar que vem
dos pulmões encaminha-se para a cavidade oral. Oclusivas são, portanto,
consoantes orais. As consoantes oclusivas que ocorrem em português são
pá, tá, cá, bar, dá, gol.
Nasal: os articuladores produzem uma obstrução completa da passagem
da corrente de ar pela boca. O véu palatino encontra-se abaixado, e o ar que
vem dos pulmões dirige-se às cavidades nasal e oral. Nasais são consoantes
idênticas às oclusivas, diferenciando-se apenas quanto ao abaixamento do
véu palatino para as nasais. As consoantes nasais que ocorrem em português
são má, nua, banho.
Fricativa: os articuladores se aproximam produzindo fricção quando
ocorre a passagem central da corrente de ar. A aproximação dos articuladores,
entretanto, não chega a causar obstrução completa, mas parcial, que causa a
fricção. As consoantes fricativas que ocorrem em português são fé, vá, sapa,
Zapata, chá, já, rata (em alguns dialetos, o som “r” de “rata” pode ocorrer
como uma consoante vibrante).
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Africada: na fase inicial da produção de uma africada, os articuladores


produzem uma obstrução completa na passagem da corrente de ar através da
boca, e o véu palatino encontra-se levantado (como ocorre nas oclusivas). Na fase
final dessa obstrução (quando se dá a soltura da oclusão), ocorre uma fricção
decorrente da passagem central da corrente de ar (como nas fricativas). A oclusiva
e a fricativa, que formam a consoante africada, devem ter o mesmo lugar de
articulação, ou seja, são homorgânicas. As consoantes africadas que ocorrem
em algumas variedades do português brasileiro são [tʃia] e [dʒia] (“tia” e “dia”).
Tepe (ou vibrante simples): o articulador ativo toca rapidamente o articulador
passivo, ocorrendo uma rápida obstrução da passagem da corrente de ar através
da boca. O tepe ocorre em português nas seguintes palavras: cara, brava.
Vibrante (múltipla): diferentemente do caso anterior, o articulador ativo
toca algumas vezes o articulador passivo, mas causando vibração. Em alguns
dialetos do português, essa variante ocorre em expressões como “orra meu!” ou
em palavras como “marra” (com uma vibração relativamente prolongada do “r”).
Retroflexa: o palato duro é o articulador passivo, e a ponta da língua é
o articulador ativo. A produção de uma retroflexa geralmente se dá com o
levantamento e encurvamento da ponta da língua em direção do palato duro.
Ocorrem no dialeto “caipira”, como nas palavras: mar, carta.
Laterais: o articulador ativo toca o articulador passivo, e a corrente de ar é
obstruída na linha central do trato vocal. O ar será, então, expelido por ambos
os lados desta obstrução, tendo saída lateral. Laterais ocorrem em português
nos seguintes exemplos: lá, palha, sal (da maneira que “sal” é pronunciada
no sul do Brasil ou em Portugal).
Há também os aproximantes, que, de acordo com Souza e Santos (2016),
são os sons produzidos com um estreitamento menor da cavidade oral, de modo
que a corrente de ar sai livremente, sem a turbulência provocada nas fricativas.
Como a passagem de ar é estreita e livre, algumas aproximantes parecem vogais.
É exemplo desse tipo de aproximante o segundo fone do ditongo “cai”.

A descrição articulatória de qualquer segmento consonantal é possível a partir das


respostas aos seguintes parâmetros: o mecanismo e a direção da corrente de ar;
se há ou não vibração das cordas vocais; se o som é nasal ou oral; quais são os
articuladores envolvidos na produção dos sons e qual é a maneira utilizada na
obstrução da corrente de ar (SILVA, 2003).
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O Quadro 1 mostra o quadro fonético consonantal do português brasileiro,


que leva em conta todos os sons produzidos, classificando-os de acordo com
o modo (eixo vertical) e o lugar (eixo horizontal) de articulação.

Quadro 1. Quadro fonético consonantal do português brasileiro.


Fonte: Silva (2003, p. 37).

Por convenção, a notação dos segmentos consonantais obedece a seguinte sequência


(SILVA, 2003):
1. modo de articulação;
2. lugar de articulação;
3. grau de vozeamento.
Exemplos:
[pl oclusiva bilabial desvozeada
[b] oclusiva bilabial vozeada

Segmentos vocálicos
Na produção dos sons vocálicos, os articuladores orais encontram-se abertos,
o que faz com que a corrente de ar, ao passar pela cavidade oral, não encontre
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obstáculos e não produza fricção. Assim, o movimento do corpo da língua


para a produção dos sons vocálicos se limita a uma certa área do trato vocal
(denominada de “área vocálica”); para além dessa área, os sons produzidos
não podem ser caracterizados mais como vogais (Figura 1) (MASSINI-CLA-
GLIARI; CAGLIARI, 2012).

Figura 1. Representação esquemática da área


vocálica.
Fonte: Massini-Clagliari e Cagliari (2012, p.136).

Tradicionalmente, do ponto de vista articulatório, os sons vocálicos são


classificados com base nos movimentos da língua nos eixos vertical e hori-
zontal, dentro do que se denomina área vocálica. Com base no eixo vertical,
foram estabelecidos quatro níveis de altura, a partir da posição mais fechada
dos articuladores até a mais aberta, e três regiões articulatórias, com base
no deslocamento horizontal do estreitamento articulatório, dentro dessa área
vocálica. Como as vogais podem ser produzidas com ou sem protrusão labial,
podem ser classificadas conforme a posição dos lábios no momento de sua pro-
dução (vogais arredondadas ou não arredondadas) (MASSINI-CLAGLIARI;
CAGLIARI, 2012). Sendo assim, segmentos vocálicos são descritos levando-se
em consideração os seguintes aspectos:

 posição da língua em termos de altura;


 posição da língua em termos anterior/posterior;
 arredondamento ou não dos lábios (SILVA, 2003).
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O parâmetro altura refere-se à altura ocupada pelo corpo da língua durante


a articulação dos segmentos vocálicos. Nesse sentido, a altura representa a
dimensão vertical ocupada pela língua dentro da cavidade oral. Há um ponto
alto em oposição a um ponto baixo e pode haver alturas em níveis interme-
diários. Ladefoged (1984 apud SILVA, 2003) propõe que a altura das vogais
pode variar em quatro valores (de 1 a 4). Na descrição do português, devem-se
considerar quatro níveis de altura:

 alta;
 média-alta;
 média-baixa;
 baixa.

Em sistemas vocálicos em que apenas três graus de altura são relevantes,


as seguintes categorias são consideradas para a altura da língua: alta, média e
baixa. Alguns autores referem-se à altura em termos de abertura/fechamento
da boca. Nesse caso, os quatro níveis de altura são: fechada, meio-fechada,
meio-aberta, aberta. Isso quer dizer que os seguintes termos são equivalentes:

 alta = fechada
 baixa = aberta (e os termos intermediários também são correspondentes)
(SILVA, 2003).

São exemplos de sons vocálicos altos os primeiros sons vocálicos em


“chita” e “chuta”, e de som vocálico baixo o primeiro som vocálico de “casa”
(SOUZA; SANTOS, 2016). O movimento mandibular pode caracterizar uma
pista para essa classificação – pode-se observar, por exemplo, o movimento
mandibular enquanto são pronunciadas as palavras “chita” e “casa”.
O parâmetro anterioridade/posterioridade refere-se à posição do corpo
da língua na dimensão horizontal durante a articulação dos segmentos vo-
cálicos. A cavidade oral é segmentada em três partes simétricas. Uma parte
localizada à frente da cavidade oral (anterior) e uma parte localizada na parte
final da cavidade oral (posterior). Entre essas duas partes, há a parte central.
Dada essa divisão, as três posições que podem ser assumidas pela língua são
anterior, central e posterior (SILVA, 2003).
Durante a articulação de um segmento consonantal, os lábios podem estar
estendidos (distensos) ou arredondados. Esses dois parâmetros são suficientes
para a descrição dos segmentos vocálicos (SILVA, 2003). Pode-se observar,
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por exemplo, a diferença na configuração dos lábios ao produzir um [i] e um


[u]. Nesse sentido, as vogais que podem ser encontradas na posição tônica,
no português do Brasil, são:

 [i] - abacaxi;
 [e] - beleza;
 [ɛ] - belo;
 [a] - batata;
 [ɔ] - bola;
 [o] - bolo;
 [u] - urubu.

A vogal [ɐ] é bastante frequente no português brasileiro, podendo ocorrer


nasalizada ou não (por exemplo, cama; banana) (MASSINI-CLAGLIARI;
CAGLIARI, 2012). O Quadro 2 mostra o quadro fonético vocálico do português
brasileiro, com as sete vogais orais que o compõem.

Quadro 2. Quadro fonético vocálico do português brasileiro.


Fonte: Silva (2003, p. 79).

Glides
Glides ou semivogais são elementos que compartilham características de vogais
e consoantes. São produzidos com uma abertura oral menor que a das vogais,
mas maior que a das consoantes (por isso, são chamados de semivogais ou
semiconsoantes). Um glide sempre será realizado junto a alguma vogal, confi-
gurando um ditongo. Existe, porém, muita divergência entre os pesquisadores
acerca do status desses elementos no português brasileiro (ROBERTO, 2016).
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Glides (semivogais) são interpretações fonológicas e não fonéticas. A noção


de semivogal só faz sentido, assim, dentro de uma ciência como a fonologia,
que vai determinar o valor que os elementos representados por /j/ e /w/ assu-
mem na estruturação fonológica interna das sílabas (MASSINI-CLAGLIARI;
CAGLIARI, 2012). No português escrito, os glides ocorrem como a segunda
vogal em “cai” e “mau”. Fonologicamente, essas aproximantes se comportam
como consoantes, isto é, não preenchem posições de núcleo da sílaba e nunca
são acentuadas. Em português, temos a aproximante palatal (em “cai”) e a
aproximante labiovelar (em “mau”) (SOUZA; SANTOS, 2016).

Quadro fonêmico
A partir de um quadro fonético (que foi elaborado a partir dos segmentos
consonantais e vocálicos encontrados em dada língua), pode-se chegar a um
quadro fonêmico. No quadro fonêmico, apenas os fonemas de uma língua
estão presentes. À medida que são identificados os fonemas e alofones de uma
língua em questão, preenche-se a tabela fonêmica (SILVA, 2003). O quadro
fonêmico que representa o sistema consonantal do português brasileiro pode
ser observado no Quadro 3.

Quadro 3. Fonemas consonantais do português brasileiro (*O / r / representa o grupo


dos fonemas róticos, embora seja o símbolo correspondente no português brasileiro, à
realização vibrante gaúcha).
Fonte: Roberto (2016, p. 61).
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Como apenas os fonemas são representados fonemicamente, a represen-


tação fonêmica (ou a transcrição fonológica) de palavras como “tia” e “dia”
é respectivamente /’tia/ e /’dia/ (em dialetos que apresentam as variedades
[‘tʃia] e [‘dʒia]), dado que a ocorrência ou não dessas variáveis no português
brasileiro não estabelece distinção de sentido (SILVA, 2003).
A transcrição fonêmica ou transcrição fonológica é, portanto, aquela
que leva em conta apenas as unidades fônicas com potencial de estabelecer
contraste entre palavras em um dado sistema linguístico.

Traços distintivos: conceitos gerais


A teoria dos traços estuda e formaliza as unidades mínimas que integram a
estrutura interna dos segmentos. Caracteriza, portanto, consoantes e vogais
e os agrupa em classes de acordo com os traços fonológicos que apresentam
(MATZENAUER; MIRANDA, 2017).
Na análise dos fenômenos que ocorrem nos sistemas linguísticos, a teoria
dos traços distintivos é capaz de predizer que determinados conjuntos de
segmentos atuam juntos dentro de/e entre sistemas linguísticos; são os traços
que preveem, por exemplo, que [p,t,k] podem formar uma classe e atuar em
conjunto em processos fonológicos (dado que esses fonemas compartilham
traços em comum), enquanto [b,s,r] não podem constituir uma classe natural,
unitária, em qualquer língua (MATZENAUER; MIRANDA, 2017).
Traços distintivos são propriedades mínimas, de caráter acústico ou articu-
latório, como “nasalidade”, “sonoridade”, “labialidade”, “coronalidade”, que,
de forma concorrente, constituem os sons das línguas (MATZENAUER, 2014).
Nesse sentido, classes naturais são grupos de segmentos que compartilham
traços distintivos em comum.
Classes de segmentos relacionados constituem classes naturais. Nesse
sentido, as regras fonológicas se aplicam a classes naturais de segmentos, e
essas classes podem ser claramente especificadas através de traços distintivos
(MATZENAUER, 2014).
De acordo com Matzenauer e Miranda (2017), todos os modelos cujo objeto
é a estrutura interna dos segmentos, dentre outros pressupostos, compartilham
três bases na visão fonológica dos traços:
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1. Universalidade – Os traços são universais, e todas as línguas definem


seus inventários de consoantes e vogais em termos de um pequeno
conjunto de traços.
2. Distintividade – Os traços são distintivos, já que comumente distinguem
um fonema do outro.
3. Classificação – Os traços constituem unidade organizacional porque
reúnem os segmentos em classes naturais que se manifestam em padrões
e processos fonológicos recorrentes.

Conforme sinalizam Matzenauer e Miranda (2017), enquanto a primeira


característica faz parte da natureza dos traços, as duas últimas referem-se às
funções que os traços exercem no funcionamento das fonologias das línguas.
Enquanto elementos composicionais dos segmentos, os traços podem ser
abordados pela teoria como atributos dos segmentos, de acordo com o modelo
gerativo clássico.
No nível fonético, os traços são caracterizados como escalas físicas que
descrevem aspectos do evento da fala e podem ser tomados independentemente,
seja do ponto de vista da produção ou do ponto de vista da percepção. Nesse
sentido, a “sonoridade”, por exemplo, é um aspecto que pode ser isolado
no evento da fala e que, portanto, é codificada como traço [sonoro], corres-
pondendo a uma escala que se estende desde o maior até o menor grau de
sonoridade (MATZENAUER, 2014).
No nível fonológico, os traços são “marcadores classificatórios abstratos”,
capazes de identificar os itens lexicais de uma língua. Nesse nível, os tra-
ços representam os contrastes fonológicos da língua. Como exercem função
classificatória e distintiva, os traços são binários. Sendo assim, cada traço é
definido por dois pontos na escala física, sendo que um representa a presença,
e o outro, a ausência da propriedade. Tomando-se, como exemplo, a “sonori-
dade”, tem-se a representação no nível fonológico com dois valores: [+ sonoro]
e [– sonoro]. Assim, o segmento [v] do português pode apresentar diferentes
graus de sonoridade do ponto de vista fonético. Do ponto de vista fonológico,
é classificado como [+ sonoro] (realizado com vibração das pregas vocais),
distinguindo-se de [f], que é [– sonoro] (realizado sem vibração das pregas
vocais). Os traços têm, pois, uma feição fonética e uma feição fonológica
(MATZENAUER, 2014).
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O Quadro 4 mostra os traços de classes principais, os quais têm grande


importância porque distinguem as categorias básicas de segmentos (MAT-
ZENAUER, 2014).

Quadro 4. Traços de classes principais.


Fonte: MATZENAUER (2014, p. 22).

Na matriz fonológica, há três codificações possíveis:


 + indica a presença de determinada propriedade;
 – indica a ausência de determinada propriedade;
 0 (zero) indica que a informação em relação àquela propriedade é dispensável
(MATZENAUER, 2014).

Soantes são os sons produzidos com uma configuração do trato vocal na


qual é possível a sonorização espontânea; as obstruintes são produzidas com
uma configuração da cavidade que torna a sonorização espontânea impossível.
Têm o traço [+ soante]: vogais, líquidas, glides, nasais (CHOMSKY; HALLE,
1968 apud MATZENAUER, 2014). Silábicos, portanto, são os segmentos
que constituem pico de sílaba; não silábicos são os segmentos que ocupam as
margens da sílaba. Têm o traço [+ silábico]: vogais, líquidas silábicas, nasais
silábicas (CHOMSKY; HALLE, 1968 apud MATZENAUER, 2014).
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Os sons consonantais, por sua vez, são os sons produzidos com uma obs-
trução radical da região mediossagital do trato vocal, ou seja, na cavidade
oral; não consonantais são os sons produzidos sem tal obstrução. Têm o traço
[+ consonantal]: plosivas, fricativas, africadas, líquidas, nasais (CHOMSKY;
HALLE, 1968 apud MATZENAUER, 2014).
Existem outros traços que devem ser levados em conta na classificação
dos sons por meio de traços distintivos, como os traços de cavidade, traços
relacionados ao corpo da língua, traços de modo de articulação, traços de
aberturas secundárias e traços de fonte. Para fins introdutórios, este capítulo
irá se limitar à descrição apenas dos traços de classes principais explicitados
anteriormente. Pode-se observar os traços que compõem os diferentes seg-
mentos na matriz apresentada no Quadro 5.

Quadro 5. Matriz fonética (entendida como um dispositivo de tradução das transcrições


fonéticas).
Fonte: Silva (2003, p. 195).
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MASSINI-CAGLIARI, G.; CAGLIARI, L. C. Fonética. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Org.).


Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2012. v. 1.
MATZENAUER, C. L. B. Introdução à Teoria Fonológica. In: BISOL, L. (Org.). Introdução
a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.
MATZENAUER, C. L. B.; MIRANDA, A. R. M. Teoria dos traços. In: HORA, D. da; MATZE-
NAUER, C. L. (Org.). Fonologia, fonologias: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2017, v. 1.
ROBERTO, M. Fonologia, fonética e ensino: guia introdutório. São Paulo: Parábola, 2016.
SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
SOUZA, P. C.; SANTOS, R. S. Fonética. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à linguística II:
princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2016.

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