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FONÉTICA DA

LÍNGUA INGLESA

Elisa Lima Abrantes


Sotaques da
língua inglesa
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:


>> Relacionar fonologia e variação linguística, considerando os diferentes
sotaques da língua inglesa.
>> Identificar diferentes variedades de pronúncia em língua inglesa.
>> Descrever aspectos determinantes das variedades de pronúncia em
língua inglesa.

Introdução
A sociolinguística é um ramo da linguística que estuda a língua a partir de seu
contexto social, levando em consideração fatores linguísticos e extralinguísticos e
sua influência para os fenômenos de variação e mudanças presentes em todas as
línguas. Para os sociolinguistas, a língua é heterogênea, e a variação, uma realidade
social, de modo que existem diferentes opções de realizações possíveis para deter-
minada função linguística, as quais não afetam o processo de comunicação. Ou seja,
as variantes constituem os diversos modos de se dizer a mesma coisa, remetendo ao
mesmo estado de coisas, em um mesmo contexto de interação verbal. No entanto,
esses modos não são aleatórios. De acordo com Labov (2008), a teoria da variação
linguística pressupõe que a heterogeneidade é inerente a todas as línguas, sendo
ordenada por restrições linguísticas e extralinguísticas. Essas restrições levam o
falante a usar certas formas e não outras ao fazer uso de sua língua.
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Para Alkmim (2005), existem quatro tipos de variações linguísticas: a va-


riação diacrônica, que resulta de mudanças ocorridas ao longo da história de
uma língua; a variação diatópica, causada por fatores geográficos; a variação
diastrática, que resulta de fatores sociais, como idade, sexo, classe social, entre
outros; e a variação diafásica ou estilística, que diz respeito à adequação a um
determinado contexto de uso. As variações diatópica, diastrática e diafásica
são sincrônicas. As variedades de pronúncia que caracterizam os diferentes
sotaques em língua inglesa se alinham principalmente à variação diatópica,
objeto de estudo deste capítulo.
Neste capítulo, você conhecerá a articulação entre fonologia e variação
linguística, considerando os diferentes sotaques da língua inglesa. Além disso,
conhecerá diferentes variedades de pronúncia em língua inglesa, bem como os
aspectos determinantes das variedades de pronúncia dessa língua.

Fonologia e variação linguística


em sotaques da língua inglesa
Na década de 1960, com os estudos do linguista estadunidense William Labov,
surgiu a sociolinguística, como uma reação aos estudos da década anterior,
representados pela linguística gerativista de Chomsky, em 1957, que concebia a
língua como um sistema de princípios universais e a competência que o falante
nativo tem como um conhecimento inato de sua língua, isto é, uma gramática
universal interna, com regras de formação de sentenças gramaticais. Essa
teoria considerava um falante-ouvinte ideal, e a língua, uma unidade abstrata,
homogênea e desvinculada do contexto social. Contudo, Labov criticou essa
desvinculação e considerou fundamental o componente social na análise
linguística. Para ele, o objeto da sociolinguística é o estudo da língua falada
em relação ao contexto social, a partir da comunidade linguística, isto é, o
conjunto de indivíduos que interagem verbalmente e partilham um conjunto
de normas relativas aos usos da língua (LABOV, 2008).
Cabe destacar que a sociolinguística é um ramo da linguística de caráter
multidisciplinar, pois flerta com a antropologia e a sociologia, além de enten-
der a língua como um complexo heterogêneo, dinâmico e fluido, que é sempre
um reflexo da sociedade que a utiliza. Sendo assim, sob essa perspectiva,
todas as línguas apresentam variações, variando de acordo com os contextos
histórico-temporal, geográfico, social e de uso da língua. Desse modo, den-
tro de uma mesma comunidade, podem ocorrer variações, devido a fatores
políticos, de escolaridade, de gênero, religiosos, econômicos, entre outros.
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Todavia, a variação também pode ocorrer entre diferentes comunidades,


devido, sobretudo, a fatores geográficos, como os diferentes sotaques, por
exemplo. Segundo Monteiro (2008, p. 47-50):

Sotaque: refere-se apenas a diferenças de pronúncia, à maneira como um falante


pronuncia e, por conseguinte, a uma variedade que é foneticamente e/ou fonologi-
camente distinta de outras variedades. Idioleto: é a maneira de falar característica
de um indivíduo. Numa comunidade, não há duas pessoas que falem igualmente,
empregando os mesmos tipos de construção sintática, uma frequência igual na
seleção de vocábulos ou uma realização de fonemas sem distinção. Socioleto:
também denominado de dialeto social, é o uso linguístico próprio de uma classe
ou categoria social específica.

Para Mattoso Câmara Júnior (1996, p. 279), “[...] sotaque, também dito
impropriamente acento, é o conjunto de traços fonológicos específicos que
caracterizam a pronúncia numa modalidade regional de uma língua, ou a
pronúncia de uma língua falada por estrangeiros aloglotas [de língua distinta]”.
Portanto, o sotaque é uma variação determinada pelo contexto geográfico,
classificada como diatópica (do grego dia = através de, e topos = lugar). Em
relação à classificação dessas variações, tem-se quatro tipos, um diacrônico
e três sincrônicos, conforme Alkmim (2001 apud MESSIAS, 2015, p. 220):

A variação diacrônica, que resulta de mudanças ocorridas ao longo da história de


uma língua. No plano sincrônico, temos a variação diatópica, causada por fatores
geográficos; a variação diastrática, resultado de fatores sociais, como idade, sexo,
classe social, entre outros. E por último, a variação diafásica ou estilística, que diz
respeito à adequação a um determinado contexto.

Essas variantes podem ocorrer dentro de um país, de um estado, de uma


cidade ou de um grupo de pessoas. Em geral, as modificações são fonológicas,
ou seja, na pronúncia, traço distintivo entre as diversas possibilidades de
realização sonora. Desse modo, a mesma palavra é pronunciada de maneira
diferente. Por exemplo, a palavra better (melhor) é pronunciada com a con-
soante “t” marcada e o final “er” como “ã” em inglês britânico ('béttar); no
inglês norte-americano, mais aberto, o “t” é pronunciado como “r” ('bérer');
e inglês australiano não pronuncia todas as letras ('bérã). Além disso, pode
haver variações no léxico, quando são utilizadas palavras diferentes para falar
da mesma coisa; por exemplo, a palavra calçada é pavement em inglês britâ-
nico, sidewalk em inglês norte-americano e footpath em inglês australiano.
Tomando como base as variantes inglês estadunidense e inglês britânico,
um traço distintivo marcante são os fonemas róticos (da família do 'r'; 'r' forte
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e 'r' fraco). O inglês britânico é não rótico, ou seja, não se pronuncia o /r/ nas
palavras, a menos que ele seja seguido por uma vogal, como em /red/ ou /
bedroom/. Por exemplo, /hard/ é pronunciado como /haad/, e /car/, como /
caa/. Já o inglês estadunidense é rótico, ou seja, o /r/ é pronunciado, de modo
que, nos exemplos anteriores, as pronúncias seriam /hard/ e /car/, com o “r”
marcado. Outra característica marcante no inglês estadunidense é que o “t”
entre vogais é pronunciado como um “d” suavizado, o que faz as palavras
writer e rider terem pronúncias bastante similares. Os falantes britânicos
geralmente pronunciam o “t” como /t/.
Na língua inglesa, falada por uma enorme quantidade de pessoas em todo
o mundo, é natural que existam muitas variedades, mas as mais significativas,
das quais derivam as outras, são: o inglês britânico, falado com variações na
Inglaterra, na Escócia, no País de Gales, na Irlanda do Norte e na Irlanda; e
o estadunidense. Apesar do código oficial, tanto no Reino Unido quanto nos
Estados Unidos, existem variantes regionais e sociais, e a língua socialmente
mais aceita é tida como modelo e entendida por todos. Pode-se comparar
essas variações entre o inglês norte-americano e o britânico com o caso do
português falado em Portugal e no Brasil e as variações existentes nas regiões
desses países. A língua portuguesa é a mesma, compreendida por todos os
falantes, porém há diferenças de pronúncia, de ortografia e de léxico.
Como visto, fonologicamente, existem algumas diferenças principais
entre os sotaques norte-americano, britânico e australiano, bem como o
inglês falado por canadenses, sul-africanos, neozelandeses, entre outros.
Essas modificações na produção de sons da língua se devem aos contextos
daquelas regiões. A seguir, serão apresentados alguns exemplos de variações
fonológicas no inglês australiano, canadense e sul-africano para ilustrar
essa afirmação.
Muitas vezes, a variação diatópica está associada à etnia colonizadora de
uma comunidade, uma vez que a língua do povo colonizador acaba influen-
ciando a língua da região colonizada. A Austrália, por exemplo, foi mapeada
e reivindicada para a Grã-Bretanha pelo oficial da Real Marinha Britânica,
James Cook, em 1770, para funcionar como colônia penal. O contato com
aborígenes e a chegada gradativa de britânicos influenciaram a constitui-
ção do chamado inglês australiano. Fonologicamente, esse tipo de inglês
se diferencia das demais variantes do inglês, principalmente na pronúncia
das vogais. Em algumas palavras, o som /ei/ é pronunciado /ai/. A palavra
day, por exemplo, é pronunciada como /dai/, e não /dei/, como na maioria
das outras variantes. Outras palavras, como mate (parceiro) e fate (destino),
soam, respectivamente, como /mait/ e /fait/. No geral, a pronúncia do inglês
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australiano se aproxima mais do inglês britânico do que do norte-americano,


em virtude da influência histórica do Reino Unido naquele país.
No caso do inglês canadense, a pronúncia varia de região para região,
principalmente por ser um país bilingue, anglófono, francófono e de grandes
dimensões. O desenvolvimento da língua inglesa no Canadá incorporou em-
préstimos das línguas indígenas e do francês, com ampliação e adaptação do
vocabulário e a criação de novas palavras; mistura expressões estadunidenses
e ortografia britânica. Os falantes nativos de regiões francófonas do país têm
um sotaque mais carregado.
O inglês canadense segue o estilo britânico, apesar da proximidade com
os Estados Unidos e de os falantes pronunciarem algumas palavras como os
estadunidenses. Em comparação com o inglês dos Estados Unidos, no inglês
do Canadá, as vogais são pronunciadas de forma mais prolongada, e alguns
fonemas são substituídos quando antecedem consoantes surdas, como no
caso da palavra about, por exemplo, em que se substitui o som /ou/ por /u/.
Existem também as expressões cotidianas próprias do Canadá.
O inglês sul-africano tem por característica a variação por classes sociais,
divididas em três grupos: o inglês falado pelas classes mais altas, muito
próximo fonologicamente do inglês do sul da Inglaterra, como a pronúncia
padrão do Reino Unido, a RP (received pronunciation); o inglês falado pela
classe média, com influência do africâner, língua que deriva do holandês, já
que os holandeses se estabeleceram no país desde meados do século XVII
até o século XIX; e o inglês falado pela classe operária e pelos falantes do
africâner que têm o inglês como segunda língua, trazido com a colonização
britânica, no século XIX, cuja realização fonológica é fortemente influen-
ciada pelo africâner, o zulu e outras línguas africanas. Há variações na
pronúncia de vogais e consoantes, como o /I/, que, na maioria das palavras,
é pronunciada com o som de schwa /ə/, ou seja, de forma neutra como a
vogal “a” em about.

As variedades de pronúncia de diferentes regiões e países de língua


inglesa podem ser consultadas em dicionários de fonética, livros de
viagem com frases do cotidiano do país (phrasebooks) e sites da internet que
informam sobre o país ou a região que se deseja verificar. É importante conhecer
os símbolos do Dicionário Internacional de Fonética (IPA, International Phonetic
Alphabet) para identificar vogais longas e breves, ditongos e sons consonantais.
Confira, a seguir, um quadro simplificado desse alfabeto, cuja versão completa
pode ser encontrada no site da IPA.
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Fonte: Fernanda (2019, documento on-line).

Variedades de pronúncia em língua inglesa


A língua inglesa, além de ser a língua oficial de países como Estados Unidos,
Canadá, Reino Unido, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia, é a língua oficial per
jure (por lei) de 41 estados e territórios soberanos membros da Organização
das Nações Unidas (ONU) e em 27 não soberanos, além de em dois estados
não membros da ONU. Em muitos casos, o inglês não é a língua principal do
país, mas é utilizado como língua internacional, de negócios, na educação e no
direito. Além disso, como o inglês se tornou a língua franca dos séculos XX e
XXI, países como o Brasil fazem uso da língua inglesa como língua estrangeira
para relações internacionais e negócios, turismo, entretenimento, mídia e
comunicação com estrangeiros em geral. Atualmente, o inglês ultrapassou
barreiras políticas e passou a pertencer ao mundo.
Na obra The Handbook of World Englishes, de Braj Kachru, Yamuna Kachru
e Cecil Nelson (2009), a expansão global da língua inglesa é explicada pela
existência de quatro diásporas, em diferentes períodos histórico-temporais.
A primeira refere-se ao avanço da língua por outras terras da própria Grã
Bretanha: País de Gales, Escócia e Irlanda; a segunda, para as colônias na
América do Norte (Estados Unidos) e Oceania (Austrália e Nova Zelândia);
a terceira é aquela que levou o inglês para novos contextos linguísticos,
culturais e sociais, na empreitada colonizadora do império britânico, como
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leste, sudeste e sul da Ásia, a África Oriental, Ocidental e do Sul e o Caribe;


e, por fim, a quarta diáspora, a dos dias atuais, em que o inglês, em muitas
instâncias, tornou-se a língua franca.
Como pode-se perceber, os sotaques são bastante diversos ao redor do
mundo, e é importante para o falante se comunicar em diferentes situações e
contextos. Os professores de inglês devem oferecer aos alunos oportunidades
de entrarem em contato com a língua inglesa em suas diversas variedades de
ritmos e sotaques, sem privilegiar as culturas hegemônicas, como a Inglaterra
e os Estados Unidos, mostrando aos estudantes que não se trata de línguas
diferentes, mas sim de formas diferentes de se utilizar uma mesma língua.
Essas formas caracterizam identidades próprias de cada localidade e suas
necessidades de comunicação.
As variedades não impossibilitam a comunicação entre os falantes da
mesma língua, no entanto, socialmente, é atribuída uma carga maior ou menor
de prestígio a cada uma delas, em virtude de aspectos históricos e econômicos,
principalmente. Na contemporaneidade, o ensino de inglês deve levar em
consideração esses aspectos e preparar os alunos para utilizarem a língua
inglesa como língua franca, como forma de comunicação com outros povos,
nativos de países anglófonos ou não. Por essa razão, os professores devem
trabalhar com seus alunos o alfabeto fonético internacional, a pronúncia de
sons individuais, como vogais, consoantes e ditongos, bem como elementos
suprassegmentais, como tonicidade da frase, ritmo e entonação, para que a
sua fala seja inteligível.
Os exercícios de audição também devem ser privilegiados, e as amostras
escolhidas devem contemplar diversas variedades do inglês, como o sota-
que britânico, estadunidense, canadense, irlandês, escocês, galês, indiano,
sul-africano, australiano, entre outros. Trabalhar algumas características
fonológicas de cada variedade apresentada será interessante para o aluno,
bem como motivará um debate sobre a variação linguística. Aqui, o professor
poderá, ainda, discutir o preconceito linguístico e a questão do sotaque como
marca da identidade de uma região ou país.
Em todos os países anglófonos, existe a língua padrão, ou o Standard
English, uma língua-modelo que obedece à gramática normativa e serve de
referência. Essa é a língua ensinada nas escolas de países em que se fala
inglês e a que é ensinada aos estudantes de inglês como língua estrangeira.
De acordo com Carter et al. (2011), existem várias formas do Standard English
no mundo, como o inglês estadunidense, inglês canadense, inglês australiano,
inglês britânico, entre outras. Cada uma dessas diferentes formas de inglês
representa a linguagem culta utilizada oficial e institucionalmente em deter-
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minado país. Elas variam em alguns aspectos na pronúncia, mas não há muita
variação nos aspectos gramaticais. As variedades não padrão do inglês, ou
Non Standard English, são variações do dia a dia, dialetos de diversos grupos
sociais que não seguem as regras do inglês-padrão; como exemplo, tem-se
os patoás (patois), que são diferentes formas, mais ou menos rudimentares,
de comunicação entre falantes de línguas diferentes.
Segundo Monteiro (2008, p. 46), dialeto “[...] é uma variedade subordinada
a uma dada língua, que assim seria entendida como a soma de vários diale-
tos”. O autor afirma, ainda, que, em geral, um dialeto se circunscreve a uma
zona ou região territorial, que frequentemente coincide com as fronteiras ou
barreiras geográficas. Já para Câmara Júnior (1996, p. 115), os dialetos são “[...]
falares regionais que apresentam entre si coincidência de traços linguísticos
fundamentais. Cada dialeto não oferece uma unidade absoluta em todo o
território por que se estende”. Observando essas definições, pode-se dizer que
dialetos são subconjuntos da língua e possuem menos prestígio do que ela.

Para saber mais sobre os diferentes sotaques na Inglaterra e sua


associação com as classes sociais, assista ao filme My Fair Lady
(1964), de George Cukor. No site IMDb, é possível assistir clips e trailers do filme.

Aspectos determinantes nas variedades


de pronúncia em língua inglesa
Historicamente, a língua inglesa tem origem nas ilhas britânicas, no século V,
com as invasões sofridas naquele território por tribos de origem germânica
— anglos, saxões e jutos —, que chegaram à região por volta do ano 450. A
partir daquele momento, as línguas célticas, já romanizadas em algumas
regiões, foram sendo apagadas e substituídas pelo que é chamado de inglês
antigo, originado das línguas germânico-escandinavas; o latim permanecia
como língua da Igreja. No século XI, com a invasão normanda, em 1066, a
língua oficial da Grã-Bretanha passou a ser o francês. O latim continuava
como a língua eclesiástica, e o inglês antigo, amalgamado com o francês e o
latim, deu origem ao inglês médio, que perdurou até os séculos XV e XVI. A
ampliação da chamada grande mudança vocálica, que teve seus primórdios
no século XII, no sul da Inglaterra, mudou a pronúncia das vogais longas, que
mudaram o seu ponto de articulação, transformando a pronúncia para o que
se entende hoje como inglês moderno.
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A expansão da língua inglesa, como visto na seção anterior, se deu por


meio de quatro diásporas. A primeira se deu nos territórios próximos, como
a Irlanda, que já no século XII (1170) foi tornada a primeira colônia inglesa; e
o País de Gales, no século XIII (1277). A Escócia se uniu à Inglaterra no século
XVII (1603), quando o rei escocês James VI recebeu de herança o reino da
Inglaterra, com a morte de sua prima, Elizabeth I. A segunda diáspora da
língua inglesa se dá também no século XVII, com a chegada dos peregrinos
nos Estados Unidos; e no século XVIII, com a reivindicação do território da
Austrália. A terceira se estendeu por todo o século XIX, com a expansão do
império britânico. Por fim, a quarta diáspora ocorreu nos séculos XX e XXI,
com a língua inglesa como língua franca para negócios, comércio, relações
internacionais, mídia, entretenimento, turismo e comunicação entre povos
de línguas diferentes.
Portanto, as palavras sofrem influência histórica por parte de invasores
e colonizadores, além de povos locais, como, por exemplo, a Austrália e o
Canadá, com a influência dos povos aborígenes, e a África do Sul, com a in-
fluência das línguas nativas, como o zulu. Além disso, destaca-se a questão
das fronteiras, visto que muitos países são cercados por outros de língua
distinta. Nesses casos, tanto a outra língua quanto dialetos próximos a essas
regiões afetam a construção do idioma, como é o caso da Jamaica, onde o
inglês sofre influência das línguas africanas. Segundo Monteiro (2008), em
casos assim, um dialeto se circunscreve a uma região territorial que coincide
com as fronteiras, e, ao se tentar estabelecer limites entre diferentes diale-
tos, considera-se mais os fatos sociais do que os linguísticos. Aqui, tem-se
o surgimento de patoás (patois), que são realizações orais de fala utilizadas
por grupos restritos, geralmente rurais. Nessa categoria, tem-se os pidgins,
línguas de contato criadas a partir da mistura de duas ou mais línguas, que
servem como meio de comunicação entre falantes dessas línguas e apresen-
tam vocabulário restrito e regras gramaticais rudimentares; e a língua crioula
(creole), derivada de um pidgin, que desenvolve vocabulário mais amplo e um
sistema gramatical mais rico, devido ao contato com a língua de prestígio
padrão daquela região.
Toda língua sofre influências histórica e social de outras línguas, e o que
a teoria da variação de Labov aponta é a realidade concreta da língua, que
muda no tempo (historicamente) e no espaço (geograficamente), bem como
socialmente. Nesse sentido, Bagno (2007) aponta que a língua é múltipla,
instável e está sempre em desconstrução e reconstrução, pois é uma ativi-
dade social, um trabalho coletivo empreendido por todos os seus falantes
ao interagirem por meio da fala e da escrita.
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Se a língua é parte da identidade de um povo, é natural que se compre-


enda que cada grupo social, geográfico e histórico produza e utilize a sua
própria variedade, de acordo com as suas necessidades e características.
Com essa sucessão de variedades linguísticas, a sociedade escolhe apenas
uma como modelo, o padrão a ser seguido. Essa escolha é influenciada por
fatores políticos e econômicos, e não linguísticos. A norma elitizada é vista
como única e correta, ao passo que as demais variedades são consideradas
menores; isso é o que se chama de preconceito linguístico.
Como visto, o aspecto da dominação linguística tem lugar nos processos
de colonização e invasões, e o contato com outras línguas locais modifica
uma determinada variedade linguística, como, por exemplo, o inglês britânico
e estadunidense. Steinberg (2003, p. 8) faz a seguinte consideração sobre o
inglês falado nos Estados Unidos após a chegada dos peregrinos, ainda no
século XVII, em relação àquele falado no Reino Unido:

Os peregrinos, ao aportarem no Novo Mundo, entraram em contato com os povos


indígenas, dos quais tomaram emprestados termos referentes especialmente à
flora e fauna, diversa da existente no Velho Mundo. Outros povos vieram, dentre
eles em maior número os franceses, alemães, holandeses e espanhóis, e, com eles,
novos termos foram incorporados ao léxico. E a língua inglesa falada deste lado do
oceano foi ficando diferente não apenas no léxico, mas também na pronúncia, que
se assemelha hoje à da época de Shakespeare, conhecida como era Elizabetana.

O inglês britânico, por sua vez, também continuou se modificando, sofrendo


influências e empréstimos linguísticos, principalmente do francês, além do
inglês estadunidense dos programas de televisão e do cinema.
A variedade diatópica ocorre por variação geográfica, porém deve-se
lembrar que os fatores socioculturais também influenciam os indivíduos,
como o nível de escolarização e a classe social. Nesses casos, tem-se as
variedades diastrática (grupo social) e diafásica (adequação da língua ao
contexto de uso). A relação que o indivíduo mantém com diferentes grupos
em seu cotidiano (amigos, família, trabalho, colégio, igreja) afetará a situação
e a intenção comunicativa. Ou seja, o idioleto, que é a linguagem do indivíduo,
pode apresentar diferenças de pronúncia de acordo com esses aspectos.
Cabe, aqui, mencionar o preconceito linguístico, que está associado ao
preconceito social (KRIESER, 2017, p. 109):

As variedades consideradas corretas são aquelas utilizadas pelas elites de um país.


As demais são consideradas incorretas. O preconceito não é somente contra as
variedades que as pessoas falam, mas contra as pessoas em si, que geralmente
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são pessoas que vivem à margem da sociedade de elite. As variedades utilizadas


pelas camadas mais pobres da população geralmente são alvo de preconceito,
assim como as pessoas que as utilizam. Conhecer as variedades, compreender por
que elas existem e qual função desempenham na sociedade auxilia a combater
o preconceito linguístico.

Em suma, os aspectos determinantes para as variedades de pronúncia


em língua inglesa são os fatores históricos de contato com outras línguas,
como a colonização, as invasões e as relações comerciais, e os aspectos
geográficos, como o contato nas zonas de fronteiras. Além disso, os fatores
socioeconômicos, como o grau de escolaridade e a classe social, bem como
os grupos sociais frequentados pelos indivíduos, interferem não apenas no
vocabulário, mas também na pronúncia das palavras da língua inglesa.

Referências
ALKMIM, T. M. Sociolingüística: parte 1. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (org.). Introdução
à lingüística. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005. v. 1, p. 21-47.

BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.
São Paulo: Parábola, 2007.

CÂMARA JÚNIOR, J. M. Dicionário de lingüística e gramática: referente à língua portu-


guesa. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

CARTER, R. et al. English grammar today: an A-Z of spoken and written grammar. Cam-
bridge: Cambridge University, 2011.

FERNANDA. Aprenda a língua de Shakespeare pela fonética e pela pronunciação. [S.


l.]: Superprof, 2019. Disponível em: https://www.superprof.com.br/blog/pronuncia-
-lingua-inglesa/. Acesso em: 18 ago. 2020.

KACHRU, B. B.; KACHRU, Y.; NELSON, C. L. (ed.). The handbook of world Englishes. West
Sussex: Wiley-Blackwell, 2009.

KRIESER, D. S. Linguística aplicada à língua inglesa II. Indaial: UNIASSELVI, 2017.

LABOV, W. Padrões sociolingüísticos. São Paulo: Parábola, 2008.

MESSIAS, C. M. F. Um estudo sobre a variação linguística em língua inglesa. Claraboia,


v. 2, n. 2, p. 217-233, 2015. Disponível em: http://seer.uenp.edu.br/index.php/claraboia/
article/view/629/pdf_54. Acesso em: 10 ago. 2020.

MONTEIRO, J. L. Para compreender Labov. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

STEINBERG, M. Inglês americano x inglês britânico: palavras diferentes para o mesmo


sentido, sentidos diferentes para a mesma palavra. São Paulo: Disal, 2003.
12 Sotaques da língua inglesa

Leituras recomendadas
CRYSTAL, D. English as a global language. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University, 2003.

LIMA, D. Inglês australiano: características e curiosidades. [S. l.]: Inglês na Ponta da


Língua, 2012. Disponível em: www.inglesnapontadalingua.com.br/2012/05/ingles-
-australiano-caracteristicas-e.html. Acesso em: 10 ago. 2020.

MELCHERS, G.; SHAW, P. World Englishes. 2nd ed. London: Hodder Education, 2011.

TARALLO, F. L. A pesquisa sociolinguística. 8. ed. São Paulo: Ática, 2012.

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