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LINGUÍSTICA GERAL

Marlise Buchweitz
Variações linguísticas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir variação linguística.


 Identificar os fatores que causam as variações linguísticas.
 Relacionar as variações linguísticas à utilização da língua no contexto
de comunicação.

Introdução
Neste capítulo, estudaremos o conceito de variação linguística, bem
como exemplos desse fenômeno e os fatores que contribuem para que
haja inúmeras variações de um mesmo idioma — tanto em relação aos
diferentes países que adotam a língua portuguesa como oficial quanto
em relação às distintas comunidades falantes dentro de um mesmo
território. Ao final deste estudo, analisaremos as possibilidades de esta-
belecer conexões entre as variações linguísticas e a utilização da língua
no contexto de comunicação, com especial atenção dedicada a não
estigmatizar qualquer falante por causa da sua variante linguística.

O que são variações linguísticas?


Primeiramente, considere as seguintes assertivas:

 “[...] as línguas são um produto das convenções e dos valores sociais, de


onde derivam as regras que tornam compreensíveis as intercomunicações
dos indivíduos e asseguram a sobrevivência e coesão das sociedades”
(LOPES, 2007, p. 27);
 “[...] qualquer utilização da língua por um falante tem de ser por ele
planejada para que sua mensagem atinja determinados objetos, com
exclusão de outros” (LOPES, 2007, p. 27).
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Tem-se, assim, uma dupla perspectiva da língua: as “regras linguísticas


são regras do comportamento social dos indivíduos” e cada falante precisa
atender “às regras indispensáveis à consecução dos objetivos que pretende
alcançar” ou então correrá o risco de incorrer em uma mensagem equivocada
(LOPES, 2007, p. 27). A sequência lógica da comunicação eficiente não deve
ser confundida com o conhecimento ou o uso adequado da norma culta de
uma língua. Por sua vez, essa é, “do ponto de vista histórico-geográfico, apenas
o falar de um grupo (o dos escritores, políticos etc.)”, os quais adquiriram um
modo específico de produzir comunicação (LOPES, 2007, p. 27). Além disso,
a norma culta padrão de uma língua está relacionada à gramática, isto é, às
regras que estabelecem a organização das palavras dentro de uma frase e a
estruturação das informações em uma sequência lógica, seguindo a concor-
dância entre todos os verbetes utilizados para a efetivação da comunicação,
seja ela oral ou escrita.
Com base nessa introdução, você pode entender o papel da Linguística: uma
ciência descritiva e explicativa, jamais normativa ou prescritiva. Essa ciência
pressupõe que todas as línguas são iguais quanto às suas potencialidades, de
maneira que não há uma mais “rica” ou mais “pobre”. Do mesmo modo, uma
forma de falar em um dado período histórico de um país não é superior à forma
de falar em outro período, o que remete à ideia de que os principais fatores
causadores das variações linguísticas são históricos, geográficos e sociais.
Vale destacar que a Linguística não segue os mesmos princípios da gra-
mática normativa: “[...] nossas gramáticas normativas atuais são herança de
uma tradição clássica greco-romana, cuja norma se baseia numa concepção de
língua homogênea, tida como um padrão abstrato que existe independente dos
indivíduos que a falam. As regras gramaticais são rígidas e fixadas” (GÖRSKI;
COELHO, 2009, documento on-line). A partir desse entendimento, enquanto
professor, você deve atentar à diversidade de variações nos modos de falar dos
seus educandos de acordo com os contextos de origem de cada um deles. Assim,
cabe perceber que:

[...] a língua é historicamente situada e heterogênea, isto é, está sujeita a


variações e mudanças no espaço e no tempo. Em outras palavras, o sistema
linguístico não é homogêneo, mas é constituído de regras variáveis (ao lado
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de regras categóricas), que atuam em todos os níveis linguísticos: fonológi-


co, morfológico, sintático, lexical e discursivo (GÖRSKI; COELHO, 2009,
documento on-line).

As variações linguísticas, portanto, são:

 regionais ou geográficas;
 sociais;
 estilísticas.

Destaca-se, por fim, que a Linguística considera a diversidade entre os


falantes de uma mesma língua. A seguir, você aprenderá mais sobre cada uma
das variações mencionadas anteriormente, assim como as diversas formas
possíveis de falar adotadas por sujeitos falantes de um mesmo idioma.

Variação regional, ou geográfica


Conhecida como variação regional, ou diatópica (do grego dia = através e
topos = lugar), relaciona-se às diferenças linguísticas observadas entre falan-
tes oriundos de regiões distintas de um mesmo país ou de diferentes países
(GÖRSKI; COELHO, 2009).

 A língua portuguesa do Brasil, de Portugual e de certos países africanos: Angola,


Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, mais recentemente,
Guiné Equatorial.
 A língua portuguesa do Nordeste, do Sul e das demais regiões ou estados brasileiros.

Variação social
Também conhecida como variação diastrática, refere-se a fatores que di-
zem respeito “[...] à organização socioeconômica e cultural da comunidade”
(GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). Nesse caso, são importantes
quesitos de variação a classe social, o sexo, a idade, o grau de escolaridade e
a profissão dos indivíduos.
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 Vocalização do /-lh-/ > /-i-/, como em mulher/muié.


 Rotacização do /-l-/ > /-r-/ em encontros consonantais, como em blusa/brusa.
 Assimilação do /-nd-/ > /-n-/, como em cantando/cantano.
 Concordância verbo-nominal, como em as meninas chegaram cedo/as menina
chegou cedo.

Variação estilística
Também denominada variação contextual, ou de registro, manifesta-se em
diferentes situações comunicativas do dia a dia. Quando o contexto sociocul-
tural exige maior formalidade:

[...] usamos uma linguagem mais cuidada e elaborada – o registro formal; em


situações familiares e informais, usamos uma linguagem coloquial – o registro
informal [...]. A variação estilística é regulada pelos domínios em que se dão as
práticas sociais (escola, igreja, lar, trabalho, clube, etc.), pelos papéis sociais en-
volvidos (professor-aluno, pai-filho, patrão-empregado, etc.), pelo tópico (religião,
esporte, brincadeiras, etc.) (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line).

Fatores que causam as variações linguísticas


Fundamentado na definição de cada uma das variações linguísticas, você
já deve ter percebido quais fatores interferem na comunicação. Posto isso,
observe cada um deles em detalhes no Quadro 1.

Quadro 1. Fatores de interferência nas variações linguísticas

Fator Explicação

Cada país ou estado possui particularidades relativas


a costumes, tradições, jeitos de ser, modos de viver
e de agir dos grupos étnicos que participaram do
Espaço geográfico/
seu processo de colonização. No caso da língua
paisagem cultural
portuguesa, há diferentes modos de falar no Brasil e
em outros países cuja influencia de outros idiomas
autóctones e de imigrantes faz-se presente.

(Continua)
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(Continuação)

Quadro 1. Fatores de interferência nas variações linguísticas

Fator Explicação

O acesso à educação e à cultura de acordo com


Classe social a classe social e as necessidades de uso da língua
interferem na variação linguística dos falantes.

Cada falante de acordo com seu gênero conta com


expressões e um vocabulário internalizado que
Sexo condizem com as suas necessidades diárias. Por exemplo,
assuntos que dizem respeito mais a um grupo do que
a outro interferem nos modos de falar de ambos.

O fator idade interfere não só nos gostos como também


nos jeitos e trejeitos quando os sujeitos se comunicam
Idade uns com os outros. Nesse âmbito, situam-se as gírias
típicas de cada idade, como as de adolescentes ou as de
adultos que compartilharam uma mesma época histórica.

Quanto mais o sujeito estuda, mais próximo da norma


culta padrão tende a ser o seu modo de falar, pois
nos espaços escolar e acadêmico os indivíduos são
estimulados a compreender as normas de funcionamento
das línguas e são exigidos, gradativamente, de acordo
Grau de com as séries, anos e cursos frequentados, a atender às
escolaridade regras gramaticais da língua conforme o estabelecido
nos planos curriculares nacionais (PCNs) e na Base
Nacional Nacional Comum Curricular (BNCC). Tais
instrumentos são levados em consideração pelas
Secretarias de Educação no momento da elaboração
dos conteúdos programáticos para cada série escolar.

A ocupação ou o espaço de trabalho de cada


indivíduo exige dele modos específicos e uma
Profissão linguagem típica não só em relação a conceitos,
mas também quanto ao estabelecimento de
inter-relações com os colegas de profissão.

Cada um dos espaços sociais nos quais os indivíduos


se inter-relacionam fazem com que a comunicação
ocorra de uma ou de outra forma. Por exemplo, em
Local da prática
uma escola, usam-se vocativos como “senhor (a)”
social
e “professor (a)” para indicar a existência de uma
hierarquia entre os educandos e os professores e
gestores em vez de apesar adotar-se “você” ou “tu”.

(Continua)
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(Continuação)

Quadro 1. Fatores de interferência nas variações linguísticas

Fator Explicação

A posição social ocupada (pai, filho, professor,


aluno, patrão, empregado, etc.) faz com que o
Papel social
modo de se expressar seja distinto em relação ao
dos outros sujeitos envolvidos na comunicação.

O assunto em torno do qual ocorre a comunicação


provoca distintas formas de expressão. Por exemplo, se
Tópico um sujeito está irritado porque o seu time de futebol
perdeu, provavelmente usará adjetivos pejorativos
para falar mal o técnico do time ou os jogadores.

A partir disso, é possível observar o quanto cada um desses fatores é deter-


minante no modo de expressar-se dos sujeitos falantes de uma mesma língua.
Portanto, em sala de aula, você se confrontará com diferentes indivíduos, cada um
proveniente de um contexto específico, e perceberá que outros fatores implicam
em jeitos distintos de realizar a comunicação. Além disso, você deverá atentar
aos tópicos abordados, pois a temática pode induzir à manifestação de opiniões
mais enfáticas ou menos interessadas conforme o conhecimento de mundo
dos educandos e a sua familiaridade com o tema. Como professor, você deve
relativizar todas essas análises quando olhar para os seus educandos e quando
desenvolver o seu planejamento de conteúdos e procedimentos metodológicos.

Variações linguísticas versus utilização


da língua nos contextos de comunicação
De acordo com Görski e Coelho (2009, documento on-line), “[...] não custa
lembrar que todas as línguas são adequadas às necessidades e caracterís-
ticas da cultura a que servem e igualmente válidas como instrumentos de
comunicação social, sendo inconcebível, portanto, afirmar que uma língua
ou variedade linguística é superior ou inferior a outra”. Assim, cada variação
linguística é adequada dentro do contexto de comunicação em que se insere.
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A língua precisa servir ao sujeito emissor da mensagem como meio para que
a comunicação seja possível com o seu receptor e, portanto, o seu modo de
falar não deve ser visto como impeditivo para a compreensão da mensagem.
Ainda segundo os autores (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line),
quanto às variações da língua de acordo com os sujeitos falantes:

[...] algumas variáveis se revelarão na sociedade como estereótipos, isto é, como


alvos de comentários sociais estigmatizados. Outras variáveis se revelarão como
marcadores, por receberem uma consistente valoração social e estilística, como
marca de prestígio, por exemplo. E outras variáveis, ainda, se revelarão como
indicadores apenas, não sendo reconhecidas nem comentadas pela sociedade.

Observe cada um desses:

 Estereótipos — expressões como “nóis fumo” (em vez de “nós fomos”)


ou “estrupo” (em vez de “estupro”) geram predefinições ou preconceitos
sobre a escolaridade de quem está falando.
 Marcadores — “[...] casos como a variação dos pronomes pessoais de se-
gunda pessoa, ‘tu’ e ‘você’, e dos pronomes possessivos de segunda pessoa,
‘teu’ e ‘seu’, usados em certas regiões do sul do Brasil, podem ilustrar esse
tipo de forma linguística” (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line).
Destaca-se que esses marcadores não indicam prestígio ou variação mais
aceita em relação a outra, uma vez que apenas demonstram as particula-
ridades das regiões geográficas quanto ao idioma falado.
 Indicadores — são características que não indicam uma distinção
social. Um exemplo é a pronúncia de palavras que contêm “ei”, nas
quais o “i” sofre apagamento na fala, como em “armero”, quando a
norma culta da língua sugere a pronúncia “armeiro”.

Com essas informações, é possível perceber que as variações linguísticas


se fazem presentes nos diferentes contextos de comunicação. Elas permitem
identificar o meio social dos emissores de informação em alguns casos, embora
nem em todos. Portanto, não se deve estigmatizar um falante da língua, pois cada
um é um sujeito único e as suas condições sociais, econômicas, geográficas,
situacionais, enfim, interferem no modo como utiliza da língua. Assim, enquanto
professor da área de linguagens, é preciso enfatizar a necessidade do olhar
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atento para além do que o indivíduo consegue expor enquanto sujeito que está
em construção da sua habilidade linguística. Todos estão, sempre, em processo
de aperfeiçoamento dos seus modos de usar os signos linguísticos, que, por
sua vez, também não se mantêm constantes, já que a evolução da língua é algo
contínuo e acompanha o processo de evolução das histórias pessoais e locais.

GÖRSKI, E. M.; COELHO, I. L. Variação Linguística e Ensino de Gramática. Working Papers


em Linguística, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 73-91, fev. 2009. Disponível em: <https://perio-
dicos.ufsc.br/index.php/workingpapers/article/view/1984-8420.2009v10n1p73/12022>.
Acesso em: 26 nov. 2018.
LOPES, E. Fundamentos de linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2007.
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