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EM POMBAL – PB
INTRODUÇÃO
A variação linguística representa o dinamismo inerente à língua e, por isso, de acordo com os
pressupostos da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 2008)1, não se constitui manifestações casuais,
mas fenômenos fortemente marcados por fatores sociais, estilísticos e culturais, correlacionados às
intenções comunicativas.
Assim sendo, este artigo tem o objetivo de investigar as formas variantes nos diferentes falares
de alguns moradores da cidade de Pombal, interior do Sertão da Paraíba, tomando-se como corpus de
análise a fala de sujeitos de diferentes gêneros, faixa etária, contexto social e cultural. Trata-se de uma
pesquisa exploratória e descritiva e nos permite analisar os padrões de comportamento linguístico
observáveis dentro de uma comunidade de fala, através de um sistema heterogêneo, constituído por
unidades e regras variáveis.
Para melhor alcançar o objetivo proposto, estabelecemos um percurso teórico que encaminha o
leitor para a compreensão de que a língua deve ser entendida pelo que caracteriza o homem: a
diversidade, a possibilidade de mudanças; outrossim, essas variações não se encerram somente no
tempo, mas também se manifestam no espaço, nas camadas sociais e nas representações estilísticas.
Desse modo, o estudo possibilita reforçar a tese de que a língua não é um elemento homogêneo,
mas um produto social, resultante de diversos fatores que formam uma sociedade, portanto, deve ser
respeitada em todas as suas manifestações.
A TEORIA DA VARIAÇÃO
1
LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline
Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
heterogêneo, com um novo olhar sobre a estrutura das línguas e especialmente sobre os
fenômenos da variação e da mudança linguísticas. Desse modo, surgiram várias correntes
teóricas, que dividiram a linguística de acordo com o ponto de vista adotado na observação da
linguagem.
Para Orlandi2, pode-se reconhecer que existem na história da Linguística duas vertentes
principais. Uma que busca uma linguagem universal, constante e única, levando em
consideração as relações entre o pensamento e a linguagem; e outra que investiga as relações
sociais, o múltiplo, o diverso e variado.
No início do século XX, considerando a importância de estudar as relações da língua
em suas diversas manifestações, e em contraposição às teorias que consideram a língua como
uma realidade desvinculada dos fatores sociais, surge a Sociolinguística, o ramo da Linguística
que estuda as relações entre a língua e a sociedade e dá ênfase ao caráter institucional da língua.
De acordo com Tarallo3
2
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 8 ed. Campinas: Pontes, 2009.
3
TARALLO, F. Pesquisa sociolinguística. 8. ed. São Paulo: Ática, 2005.
4
Ibid., p. 23.
linguagem, de modo “que as “falhas” da linguagem devem ser consideradas de forma produtiva
e não “erros” [...] os desvios são partes constitutivas da linguagem e estão inseridos em seu
funcionamento”, de modo a enraizar a concepção de língua como um fator social.
A Sociolinguística prevê um estudo descritivo do efeito de todos os aspectos da
sociedade, incluindo as normas culturais, expectativas e contextos, na maneira como a
linguagem é usada e os efeitos do uso da linguagem na sociedade, ou seja, o estudo da língua
em funcionamento, propondo, assim, traçar caminhos que harmonizem a concepção de língua
como uma realidade variável e ordenada.
Desse modo, a forte contribuição da Sociolinguística é, sem dúvida, o entendimento da
variação, que trata da relação entre a linguagem e a sociedade, de modo que torna possível
perceber as diferentes nuances do discurso de acordo com os contextos sociais em que o falante
está inserido e postula que existem variações tanto de natureza interna quanto externa da língua,
o que justifica as variações de uso por diferentes sujeitos sociais e a importância de se respeitar
esse aspecto, rotulado como “erro”, o que pode ser nocivo, inclusive para o desenvolvimento
de ensino e aprendizagem dos sujeitos sociais detentores dessas variações que chegam à escola.
5
O ALPB faz parte de um projeto mais amplo do Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da
Paraíba, a saber: o "Levantamento Paradigmo-Sintagmático do Léxico Paraibano": ARAGÃO, Maria do Socorro
Silva de e BEZERRA DE MENEZES, Cleusa P. Atlas Linguístico da Paraíba. Brasília: UFPB/CNPq,
Coordenação Editorial, 1984.
6
CHAMBERS, J.K. & TRUDGILL, P. Dialetologia. Cambridge: CUP. 1980.
Tanto para os dialetólogos, quanto para os sociolinguistas, não é o simples
fato da variação linguística que é importante. O que é importante é que essa
variabilidade se correlaciona com outros fatores, de modo que certas variantes
são mais estreitamente associadas a uma vila do que a outra, a trabalhadores
mais do que aos gerentes, a pessoas que falam com amigos próximos, em vez
de estranhos, ou a algum outro fator.
Sobre esse aspecto, Labov7 resume o processo de mudança linguística em três etapas: a
origem da mudança, que ocorre na fala do(s) indivíduo(s) → a propagação, onde ocorre o
fenômeno da variação → a regularidade no uso da nova forma. Para o autor, "O modelo que
subjaz a esta divisão tripla requer como ponto de partida uma variação em uma ou várias
palavras na fala de um ou dois indivíduos".
Nesse sentido, entendemos que os aspectos sociais dos sujeitos falantes estão
intrinsecamente relacionados às interações estabelecidas com o outro no contexto social em que
estão inseridos. E é dessa perspectiva que surge a inquietação de melhor compreender as
variações verificadas entre os falantes pombalenses em situações de uso da língua oral,
planejadas ou não. Assim, no contexto das relações dialógicas, espera-se sempre a instauração
de condições necessárias para que os interlocutores possam atender às expectativas dos
interactantes, viabilizando a construção de sentidos, considerando o contexto social de que
participam.
E foi levando em consideração o contexto em que as interações acontecem, bem como
as variações diastráticas (grupos sociais) e diafásicas (contexto comunicativo), que delimitamos
o corpus a ser analisado.
É importante ressaltar que essa delimitação considerou apenas alguns aspectos da
variação relacionados ao léxico, bem como algumas estruturas fonético-fonológicas, porque a
Pandemia da Covid-19 impossibilitou a pesquisa in locus ou um corpus de análise mais amplo.
Assim, os questionários/entrevistas, narrativas e/ou relatos foram realizados de forma online,
procurando manter a situação interacional de fala, incluindo gravação em áudio, o que justifica
a transcrição ipsis litteris do que foi coletado.
Destacamos também a importância do estudo, uma vez que durante a pesquisa não
encontramos nenhuma contribuição acadêmica sob esse viés científico, e assim intentamos
contribuir para que outras pesquisas sobre o tema, na cidade de Pombal – PB, possam ser
suscitadas.
7
LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre,
Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 10.
O CONTEXTO GEOGRÁFICO DA PESQUISA
8
SOUSA, Verneck Abrantes de. Um olhar sobre Pombal Antiga (1906 a 1970). João Pessoa: A União, 2002, p.
9.
9
GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2014, p. 6
Nesse sentido, para que esta pesquisa atendesse ao objetivo proposto, apresentamos
situações de fala com vistas a compreender variações fonético-fonológicas e semântico-lexical,
num total de quatro, cuja estrutura apresentava três momentos diferentes: a) entrevista com 10
perguntas, com diferentes modalidades de questões (preencher lacuna, nomear objetos e/ou
animais); b) desenvolver uma narrativa/um relato sobre situações vivenciadas durante a
Pandemia; c) fazer a leitura das orientações disponibilizadas para a pesquisa, em que pudéssemos
observar as situações descritas: variantes fonéticas (Quadro 1), bem como as variações lexicais,
as quais intitulamos de “Repertório linguístico pombalense” (Quadro 2).
• Alteamento das vogais [e] ~[i]; [o] ~[u]: a incidência dessa variante fonológica é muito comum
em várias regiões do Brasil, o que acaba se tornando lugar-comum nos mais diferentes contextos
sociais. No contexto analisado, percebe-se um monitoramento quando da realização da
entrevista, especialmente, entre os que possuem nível de escolaridade superior; igualmente, o
gênero feminino revelou maior supervisão na utilização da linguagem nas diferentes situações
de uso. Assim, apenas 5% dos sujeitos pesquisados utilizaram essa variante. Não se verifica o
10
SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: Roteiro de estudos e guia de exercícios. 8. ed.
São Paulo: Contexto, 2015, p. 14.
11
LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre, Caroline
Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 236.
mesmo, no contexto da narrativa/do relato e da oralização do texto (leitura em voz alta),
considerados como situações informais de uso da língua, uma vez que o texto pode ser produzido
de forma espontânea, sem um prévio planejamento.
Nesse sentido, pode-se afirmar que os sujeitos pesquisados defendem a ideia de que
existe um “modo certo de falar” e se monitoram para fazerem uso de uma variante “de prestígio”,
como fica perceptível na ocorrência abaixo:
QFF (001): Quando passa um pedinte em sua casa, o que você oferece a ele?
Grupo 1: Depende...atenção? Ah, não, esmola...kkkkk.
Grupo 2: “Ismola, é claro”...rsrsr
Grupo 3: “Ismola”.
Grupo 4: “Is...esmola”.
Esse monitoramento também é verificado nas situações em que os sujeitos foram inquiridos a
nomear e/ou descrever as situações indicadas a seguir:
12
SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: Roteiro de estudos e guia de exercícios. 8. ed. São
Paulo: Contexto, 2015.
13
SILVA NETO, S. da. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Presença,
1986.
14
MOTA, Jacyra. A variação diafásica no português do Brasil. Revista de Letras, v. 24, n. 1, 2002.
15
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução Marcos Marcionilo. São Paulo:
Parábola, 2002.
16
LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São Paulo: C. E. N., 1979.
com sua gramática específica, coerente, lógica e funcional”(BAGNO)17, como podemos perceber
nos trechos que seguem, extraídos das narrativas/dos relatos apresentados:
Analisar essas construções nos permitiu um encontro com uma língua viva, que se
adéqua às situações em que o texto está sendo produzido. Os mesmos sujeitos que participaram
do inquérito, com critérios pré-estabelecidos, naturalmente, entenderam que a situação de
narrativa dispensava qualquer espécie de monitoramento, e a linguagem fluiu de tal modo que
mereceu um lugar de destaque nessa pesquisa, quando decidimos agrupar todas as palavras e/ou
expressões características das situações de fala dos sujeitos pombalenses pesquisados.
Sobre o exposto, vale ressaltar a importância de se compreender a língua em uso,
considerando a perspectiva de analisar a mudança, o que pode favorecer a ruptura com o
preconceito linguístico, alimentado pelas forças da gramática normativa e, em outras situações,
pela pseudo propalação de que “a fala é lugar de erro”. De acordo com Bagno18
Assim, as diferentes variações presentes nas falas dos sujeitos pombalenses pesquisados
corroboram com essa ideia e reafirmam que o que se pressupõe “erro” nas interações orais é,
de acordo com Bortoni-Ricardo19 uma inadequação na forma utilizada pelo falante em relação
ao que o seu interlocutor esperava ouvir, ou seja, decorre do que os interlocutores imaginam
uns dos outros e dos papéis sociais que estejam desempenhando e das normas e crenças vigentes
na comunidade de fala.
17
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2005, p. 18.
18
Idem, p. 124.
19
Ibidem.
Portanto, dada a situação interacional de fala, sujeitos de diferentes estratos sociais,
escolaridade, contexto geográfico, cultural e histórico, permitiram a coleta de um significativo
repertório de variação linguística, característico de muitos pombalenses que, certamente, se
reconhecerão nessas expressões, livres de preconceito, concebendo a língua como um produto
do meio em que estão inseridos e que, portanto, se adéqua às condições de interação linguística
e social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução Marcos Marcionilo. São
Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Tradução Marcos Bagno, Maria Marta Pereira Scherre,
Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MOTA, Jacyra. A variação diafásica no português do Brasil. Revista de Letras, v. 24, n. 1, 2002.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 8 ed. Campinas: Pontes,
2009.
SOUSA, Verneck Abrantes de. Um olhar sobre Pombal Antiga (1906 a 1970). João Pessoa: A União,
2002.