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AQUISIÇÃO DA

LINGUAGEM
LEF240 – FUNDAMENTOS DE ANÁLISE
SINTÁTICA
PROF. RAFAEL TRIANON
OBJETIVOS
1) Entender o “Problema de Platão” e o argumento da pobreza
do estímulo

2) Entender a hipótese inatista

3) Entender os conceitos de GU e Gramática Internalizada

4) Entender a Teoria de Princípios e Parâmetros


Leituras recomendadas

+Kenedy (2013) – unidades 3 a 5 → leitura muitíssimo


importante!

+Mioto (2013) – cap. 1


ANTES DE FALAR DE AQUISIÇÃO...
+Chomsky elaborou um conceito muito importante para a
análise da qualidade das teorias linguísticas: o conceito de
nível de adequação. Inicialmente, Chomsky propôs 3 níveis;
Guimarães (2017) adiciona mais dois.

+Uma teoria linguística pode possuir 5 níveis de adequação, e


quanto mais níveis a teoria atinge, mais capaz ela é de
apreender adequadamente o que é a linguagem humana.
ADEQUAÇÃO OBSERVACIONAL
+Uma teoria tem
adequação observacional
quando ela é capaz de
apresentar corretamente
os dados da língua (ou
seja, descrever um corpus
Adequação
específico de sentenças de observacional

fato produzidas)
ADEQUAÇÃO DESCRITIVA
+Uma teoria tem
adequação descritiva
quando ela é capaz de
fazer previsões sobre
frases que podem ou não Adequação descritiva

podem ser ditas. Tal teoria


Adequação
consegue descrever como observacional

a língua funciona na mente


do falante adulto.
ADEQUAÇÃO EXPLANATÓRIA
+Uma teoria tem
adequação explanatória
quando ela consegue
Adequação explanatória
explicar a aquisição da
linguagem. Quando a Adequação descritiva

descrição feita pode ser


Adequação
adquirida por uma criança observacional

exposta aos dados da


língua.
ADEQUAÇÃO NEUROFISIOLÓGICA
+Uma teoria tem
adequação Adequação neurofisiológica
neurofisiológica quando
ela consegue explicar Adequação explanatória

como a língua é Adequação descritiva


instanciada no cérebro. Tal
teoria consegue prever Adequação
observacional
que a estrutura descrita
pode ser implementada
pela nossa cognição
ADEQUAÇÃO EVOLUTIVA
+Uma teoria tem adequação Adequação evolutiva

evolutiva quando ela é capaz


Adequação neurofisiológica
de explicar como ocorreu a
evolução da linguagem. Tal Adequação explanatória

teoria consegue explicar, por Adequação descritiva


exemplo, por que
aparentemente a linguagem Adequação
observacional
se desenvolveu sem estágios
intermediários.
O QUE NOS INTERESSA
+A ideia é que o gerativismo possui adequação explicativa,
pois Chomsky elaborou uma teoria de aquisição que é
coerente com os modelos gerativos.

+É essa teoria que veremos agora.

+Um adendo: existem outras teorias de aquisição


incomensuráveis com o gerativismo. Então não é algo sem
debate no meio acadêmico.
O PROBLEMA DE PLATÃO
+Chomsky inicia a discussão sobre a aquisição da linguagem
debatendo um problema bem antigo da filosofia: o
problema de Platão

+Ele é chamado assim em homenagem ao diálogo platônico


Mênon, em que esse problema é ilustrado usando a
matemática: Sócrates demonstra que uma criança iletrada,
que aparentemente nunca estudou matemática (apenas
reconhecia linhas e figuras geométricas e sabia fazer contas
elementares de soma), sabia fazer cálculos de área.
O PROBLEMA DE PLATÃO
+A conclusão de Sócrates é que deveria existir algo pré-
existente ao escravo que o capacitaria a desenvolver o
raciocínio matemático.

+Muitos (muitos mesmo!) séculos depois de Platão e o suposto


diálogo de Sócrates com Mênon, o filósofo Bertrand Russell
resumiu a discussão em questão nas seguintes perguntas:
O PROBLEMA DE PLATÃO (E RUSSELL)
(1) “Como é possível a nós humanos adquirirmos tantos
conhecimentos, se vivemos tão pouco tempo e temos
experiências tão fragmentadas do mundo?”

(2) “Por que será que os humanos, cujos contatos com o mundo são
breves, pessoais e limitados, são capazes de saber tanto quanto
sabem?”

(3) “De onde vem a capacidade humana de construir conhecimento


de maneira tão rápida e precisa, se as evidências a que somos
expostos no mundo são tão difusas e incompletas?”
A SOLUÇÃO DE PLATÃO (E CHOMSKY)
+No diálogo, Platão (que viveu antes de Mendel) vai abordar
essa questão com uma “teoria da reminiscência”, que apela
para o conhecido Mundo das Ideias.

+Chomsky, já munido de informações sobre a genética


humana (depois de Mendel), assume que nós temos
informações sobre conhecimento em nosso código genético.

Nós já nascemos sabendo coisas


E A LÍNGUA?
+O problema de Platão pode ser estendido para questões
linguísticas. Aparentemente, no que diz respeito à língua, nós
também “aprendemos” muita coisa em um tempo recorde.

+Como é possível que crianças de 3 ou 4 anos já saibam


produzir sentenças completas e complexas?

+Essa questão nos leva a uma das grandes fortalezas do


gerativismo...
COMO A GENTE APRENDE A FALAR
+Se pensarmos no processo de aquisição da linguagem, um fato é
incontestável: a criança nasce, é exposta a dados linguísticos (que
nós vamos chamar de dados linguísticos primários) e depois de
algum tempo ela começa a falar. Podemos esquematizar isso da
seguinte forma:

DADOS LINGUÍSTICOS
LÍNGUA
PRIMÁRIOS (DLP)
UMA QUESTÃO
+Mas vamos parar por um momento. Qual é a natureza dos
dados que a criança ouve? Em geral são sentenças
gramaticais (elementos da língua-E)

+Então temos uma questão: se a criança só é exposta a frases


gramaticais, como ela “sabe” o que não é gramatical (um
instinto que todos nós adultos temos)?
UM EXEMPLO
+Vamos ver as seguintes frases:

1. A Maria comprou o quê?


2. O que a Maria comprou?

+Todo mundo concorda que essas frases são gramaticais,


certo?
UM EXEMPLO
+Agora essas:

3. A Maria disse que o menino comprou o que?


4. O que a Maria disse que o menino comprou?

+Essas também são gramaticais?


UM EXEMPLO
+Agora essas:

5. A Maria conheceu o menino que comprou o que?


6. * O que a Maria conheceu o menino que comprou?

+E agora?

+Ué, mas nós não fizemos em (6) exatamente a mesma coisa que (4)
e (2)? Por que (6) é agramatical?
A EXPLICAÇÃO
+Colocando todos os dados com os movimentos do pronome
juntos, veremos que a principal diferença de 6 é que o pronome
está dentro de uma oração relativa:

2. O que a Maria comprou <o que>?


4. O que a Maria disse [que o menino comprou <o que>]?
6. O que a Maria conheceu {o menino [que comprou <o que>]}?

+Aparentemente, nós sabemos que não dá pra tirar um pronome


de dentro de uma oração relativa.
A EXPLICAÇÃO
+Mas (a menos que a criação tenha mudado muito) nenhum de
nós recebeu um conselho de nossas mães tipo “Vai pela
sombra, e não esquece de nunca mover um pronome
interrogativo de dentro de uma oração relativa!”)

+Da mesma forma, nós nunca ouvimos esse dado agramatical


para saber que ele é agramatical. No entanto, nós sabemos.

+A questão é: Como?
O ARGUMENTO DA POBREZA DO
ESTÍMULO
+Esse exemplo ilustra o que nós conhecemos como o
argumento da pobreza do estímulo

+Uma formalização muito boa dele está em Laurence e


Margolis (2001):
O ARGUMENTO DA POBREZA DO ESTÍMULO
1. Um número indefinido de conjuntos alternativos de princípios é
consistente com as regularidades encontradas nos dados linguísticos
primários.
2. O conjunto de princípios corretos não precisa ser (e tipicamente não
é), em qualquer sentido pré-teórico, mais simples ou mais natural do
que as alternativas.
3. Os dados que são necessários para escolher entre esses conjuntos de
princípios não são, em muitos casos, do tipo de dados que estão
disponíveis para um aprendiz empirista na situação epistêmica da
criança.
4. Então, se as crianças são aprendizes empiristas, elas não poderiam
confiavelmente chegar à gramática correta da sua língua.
5. As crianças confiavelmente chegam à gramática correta da sua língua.
6. Logo, as crianças não são aprendizes empiristas.
A RESPOSTA
+Como as crianças não podem ser aprendizes empiristas, a
única alternativa possível é que elas nascem com
conhecimentos linguísticos suficientes para que o processo
de aquisição ocorra.

+Nós chamamos isso de hipótese inatista


O INATISMO
+A hipótese inatista prevê que os humanos nascem com uma
dotação biológica, uma faculdade da linguagem, que os
permite adquirir pelo menos uma língua natural, desde que
sejam expostos aos dados linguísticos primários no tempo
correto (período crítico)

+O que a faculdade da linguagem faz é restringir as


possibilidades de generalizações que a criança precisa fazer
para chegar à gramática da língua (ao “conjunto de princípios
corretos”)
O INATISMO
+Vamos reapresentar aquele diagrama sobre a aquisição,
incorporando alguns termos técnicos e essas considerações.

FACULDADE DA
LINGUAGEM

COMPETÊNCIA
DLP (LÍNGUA-E)
(LÍNGUA-I)
MAS O QUE É ESSA FACULDADE DA
LINGUAGEM?
+Para responder a essa pergunta, é necessário saber que
existem duas versões da hipótese inatista: uma chamada
inatismo forte e outra chamada inatismo fraco.

+No inatismo fraco, a ideia é de que a faculdade da


linguagem seria uma disposição genética mais geral, como
instruções para a criação de neurônios especializados em
linguagem. Essa hipótese é defendida por autores como
Steven Pinker.
MAS O QUE É ESSA FACULDADE DA
LINGUAGEM?
+Para responder a essa pergunta, é necessário saber que
existem duas versões da hipótese inatista: uma chamada
inatismo forte e outra chamada inatismo fraco.

+No inatismo forte, a faculdade da linguagem seria composta


por princípios específicos (algo como “não se pode mover um
sintagma de dentro de uma relativa”). Essas informações
estariam gravadas no nosso código genético. Essa hipótese é
a que vamos detalhar.
A TEMIDA GU
+No inatismo forte, a faculdade da linguagem possuiria uma
Gramática Universal (GU). Podemos entender a GU como o
estágio inicial do processo de aquisição.

+Ao passo que a criança recebe os dados linguísticos


primários, a GU processa esses dados e formula as hipóteses
necessárias para a aquisição da língua-I.
A TEMIDA GU
+Esse processo não é instantâneo: durante a aquisição, a GU
vai se moldando em estágios progressivos, até chegar a um
estágio final, em que o conhecimento linguístico é estável (ao
que chamamos de Gramática internalizada - GI)

DLP GU GI

Estágio 1 Estágio 2 ... Estágio n


MAS O QUE TEM NA GU?
+Na década de 80, Chomsky propôs uma teoria sobre o que
está na GU. Essa teoria ficou conhecida como Teoria de
Princípios e Parâmetros, e é adotada até hoje.

+Nessa teoria, a GU seria composta por princípios universais,


compartilhados por todas as línguas naturais e invariáveis, e
parâmetros variáveis, que dariam conta da variação estrutural
existente entre as línguas
OS PRINCÍPIOS
+Os princípios são leis gerais que não mudam e todas as
línguas respeitam. Vamos dar dois exemplos: dependência
estrutural e recursividade.

+O princípio da dependência estrutural afirma que as


sentenças são analisadas através de sua estrutura, e não de
sua ordem linear (as sentenças dependem da estrutura). Um
exemplo desse princípio em ação está justamente no caso
dos interrogativos dentro de relativas.
DEPENDÊNCIA ESTRUTURAL
+Veja de novo os dados (2), (4) e (6)

2. O que a Maria comprou


4. O que a Maria disse que o menino comprou
6. *O que a Maria conheceu o menino que comprou

+ O que faz o dado (6) ser agramatical não é a ordem linear das palavras
na sentença, mas o fato de que o pronome interrogativo está em uma
posição estrutural específica.

+Não existe língua atestada em que a dependência estrutural não se


verifique
RECURSIVIDADE
+O princípio da recursividade prevê que é possível que uma
combinação de sintagmas seja feita indefinidamente. Por esse
princípio, quando se combina um sintagma, há a possibilidade de
se fazer uma nova combinação, e assim por diante.

7. [O pão] e [a água] e [o biscoito] e [a maionese] (Direta)


8. O pai [do tio [do avô [da irmã [da sobrinha [do primo [da tia [da
Maria]]]]]]] (Indireta)

+Não existe língua atestada que não possua nem recursividade


direta nem indireta.
OS PARÂMETROS
+Os parâmetros são como “princípios maleáveis”. São como leis
gerais sobre coisas específicas, mas que permitem variação.

+São como “interruptores” (mas não necessariamente apenas com


dois valores)

+No processo de aquisição, a criança é exposta aos DLPs e com


base neles “decide” (fixa) o valores dos diferentes parâmetros.

+Vamos dar dois exemplos de parâmetros: o parâmetro wh e o


parâmetro do sujeito
PARÂMETRO WH
+Esse parâmetro determina se um pronome interrogativo deve
ou não se mover para o início da sentença. Compare os
dados do português e do inglês abaixo:

9. a. O João comeu o quê? Em português, existe a opcionalidade


do movimento do pronome
b. O que o João comeu? interrogativo

10.a. What did John eat? Em inglês, não existe essa


possibilidade
b. *John ate what?
PARÂMETRO WH
+A Teoria de Princípios e Parâmetros explica essa diferença
(que existe entre várias línguas) afirmando que a diferença
está no parâmetro wh – que em português seria fixado como
movimento opcional e no inglês seria fixado como
movimento obrigatório.

+Existem outras línguas (como o chinês) em que o movimento


é proibido. Assim, esse parâmetro poderia assumir três
valores: [opcional], [obrigatório] e [proibido].
PARÂMETRO DO SUJEITO
+Um outro parâmetro muito conhecido é o do sujeito. Vamos
aos exemplos:

11. Choveu a noite toda Português Em português e italiano, o sujeito


não precisa ser expresso
12.Ha piovuto tutta la notte Italiano fonologicamente

13. It rained all night Inglês Já em inglês e francês a expressão


do sujeito é obrigatória (mesmo
14. Il a plut toute la nuit Francês quando ele não tem referência)
PARÂMETRO DO SUJEITO
+A explicação para esses dados vêm da ideia de que existe um
parâmetro que determina a opcionalidade da expressão
fonológica do sujeito.

+Nesse caso, o parâmetro possui dois valores, [opcional],


[obrigatório]
RESUMO DA ÓPERA
+Na Teoria Gerativa, o processo de aquisição se dá pela intervenção da
GU (os princípios e os parâmetros) nos dados linguísticos primários.

+Ao ter acesso aos dados, a criança vai paulatinamente fixando os


parâmetros, enquanto descarta dados que violem princípios (lembrem
que a lingua-E é desempenho, não reflete diretamente o conhecimento
linguístico). Esse processo se dá em estágios.

+Por volta do início da puberdade, o processo de aquisição está


completo (a Gramática Internalizada já está formada), e o pré-
adolescente já tem competência linguística idêntica à de um adulto.
ACABOU O AMOR
+Agora que terminamos essa “unidade” sobre a epistemologia
da Gramática Gerativa, vamos começar a discutir questões
relacionadas ao modelo em si.

+Mas, antes, precisamos manter bem claro na mente o


conceito de sintagma. É isso que veremos na próxima aula.

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