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ARQUITETURA DA

GRAMÁTICA
LEF240 – FUNDAMENTOS DE ANÁLISE
SINTÁTICA
PROF. RAFAEL TRIANON
OBJETIVOS
1) Entender os principais conceitos que envolvem a Teoria
Gerativa

2) Entender a arquitetura da Gramática no modelo GB


Leituras recomendadas

+ Kenedy (2013) – unidades 3 e 6 🡪 leitura muitíssimo


importante!

+ Mioto (2013) – cap. 1


SO FAR, SO GOOD
+ Já aprendemos algumas coisas importantes:

1. Aprendemos que, para a Teoria Gerativa, gramática é um conjunto


de regras (vamos reformular isso) capazes de gerar as sentenças
de uma língua (e não gerar tudo que não é sentença dessa língua)

2. Vimos também a história do Gerativismo e todos os seus modelos


AGORA QUE VAMOS COMEÇAR
+ Com os motores já esquentados, vamos começar a ver mais
tecnicamente alguns conceitos importantes para a
epistemologia da Teoria Gerativa.

+ Depois disso, vamos entender como o modelo da teoria que


vamos estudar no curso (modelo GB) entende a organização da
gramática na mente.

+ Então vamos lá...


AFINAL, O QUE É LÍNGUA?
+ Toda teoria linguística precisa definir precisamente o que é
língua. E com o Gerativismo não pode ser diferente.

+ Mas, ao invés de uma definição única, a Teoria Gerativa define


língua através de uma dicotomia (Saussure fez escola)

+ No Gerativismo, existe uma divisão clara entre Lingua-I e


Lingua-E
LINGUA-E
+ A língua-E compreende o aspecto mais “concreto” da linguagem ao qual temos
acesso. A letra ‘E’ indica que essa “face” da língua é extensional e externo.

+ Extensão aqui é um termo emprestado da teoria de conjuntos.

+ A extensão de um conjunto compreende todos os seus elementos. Por exemplo,


o conjunto dos números naturais (N = {0, 1, 2, 3, 4, 5, ..., ∞}) é, justamente, todos
os números pares.

+ Da mesma forma, a lingua-E é o conjunto de todas as sentenças possíveis de


uma língua, ditas e não ditas (é um conjunto infinito).
LINGUA-E
+ A língua-E compreende o aspecto mais “concreto” da linguagem ao qual temos
acesso. A letra ‘E’ indica que essa “face” da língua é extensional e externo.

+ Externo indica que essa língua possui manifestação externa ao indivíduo, sendo
um fenômeno social.

+ Dessa forma, a lingua-E é compartilhada por todas as pessoas que partilham dessa
língua. Esse conjunto de sentenças é aceito por todos como parte desse idioma.

+ Assim, por exemplo, dentro do espaço geográfico conhecido como República


Federativa do Brasil temos uma lingua-E chamada de ‘português brasileiro’ (junto
com várias outras línguas-E, como Kaingang, Ikpeng, Kotiria, Pomerode etc.)
LINGUA-I
+ A língua-I é o aspecto mais abstrato da linguagem. A letra ‘I’ indica que
essa língua é intensional e interna

+ Intensão também é um termo emprestado da matemática. A intensão de


um conjunto é uma expressão que gera os elementos desse conjunto.

+ Ex.: o conjunto dos pares (P = {-∞, ..., -4, -2, 0, 2, 4, ..., ∞}) é gerado pela
expressão 2x. Então dizemos que essa expressão é a intensão desse
conjunto.

+ Na linguagem, a língua-I é justamente um mecanismo mental que é capaz


de gerar a extensão da língua – as sentenças que existem na língua)
LINGUA-I
+ A língua-I é o aspecto mais abstrato da linguagem. A letra ‘I’ indica que
essa língua é intensional e interna

+ Interno indica que esse aspecto da língua é individual, faz parte da


cognição do indivíduo e não é partilhada em sociedade. A pessoa adquire
a língua-I durante o processo de aquisição da linguagem.

+ Assim, no lugar geográfico conhecido como República Federativa do


Brasil, existem aproximadamente 212.404.806 línguas-I (já que existe esse
número de pessoas nesse lugar).

É a língua-I que é o objeto de estudo do Gerativismo.


LINGUA-E, LÍNGUA-I E SAUSSURE
+ É um erro comum tentar associar a dicotomia Lingua-E e Língua-I à famosa
dicotomia saussuriana langue e parole. Mas isso é um erro.

+ Por mais que o conceito de língua-E seja semelhante à ideia de langue (no sentido
de que a língua-E é um fenômeno social – e mesmo nisso elas são um pouco
diferentes), definitivamente o conceito de língua-I não tem nada a ver com a ideia
de parole.

+ A parole saussuriana envolve a manifestação individual da linguagem (para


Saussure, a parole seria nada mais que a manifestação psico-física das “imagens
mentais”, a “fonação”).

Isso não tem nada a ver com língua-I


COMPETÊNCIA E DESEMPENHO
+ Associadas a lingua-I e língua-E, a dicotomia competência-desempenho
também é bastante importante para entender o gerativismo.

+ Competência é aquilo que nós sabemos sobre a língua. Basicamente é o


conjunto de conhecimentos sobre a língua-I que temos em nossa mente.

+ Esse conhecimento é um “conhecimento tácito”, nós não temos


consciência dele (assim como vários outros conhecimentos que temos).
COMPETÊNCIA E DESEMPENHO
+ Associadas a lingua-I e língua-E, a dicotomia competência-desempenho
também é bastante importante para entender o gerativismo.

+ Desempenho é aquilo que nós fazemos com o conhecimento que temos


sobre a língua. As enunciações que produzimos todos os dias são
manifestações do nosso desempenho linguístico.

+ Muita coisa entra em jogo no desempenho além da competência


(memória, situação comunicativa, atenção...). Essas coisas não são
linguagem, mas a influenciam.

+ Uma parte da variação linguística (como a variação diamésica e diafásica)


pode ser explicada por questões de desempenho.
UM EXEMPLO
+ Um exemplo dessa dicotomia pode ser visto quando pensamos em um músico
(um guitarrista, por exemplo).

+ Se uma pessoa sabe tocar guitarra, isso quer dizer que ela tem essa competência
(ela sabe manusear o instrumento, conhece teoria musical, sabe quais as notas
que estão em cada posição do braço da guitarra...).

+ Quando o músico pega a guitarra para tocá-la, ele coloca em prática o


conhecimento que ele tem sobre o instrumento.

+ Mas o que sairá de fato do instrumento será o seu conhecimento colocado em


prática. Isso dependerá se ele está atento, se ele se lembra das notas que devem
ser tocadas, se não está com tendinite... Todas essas coisas podem influenciar o
seu desempenho.
MODULARIDADE
+ Um outro conceito muito importante é o de modularidade.

+ Para o Gerativismo, a mente é modular, ou seja, o que nós


chamamos de ‘inteligência’ não é um todo indivisível, mas é
constituída de partes (módulos) que atuam coordenadamente.

+ A língua-I seria um desses módulos, aliado à memória, à atenção, à


lógica etc.

+ Essa ideia (defendida por autores como Jerry Fódor) se contrapõe à


ideia de que a mente seja uniforme (defendida por autores como
Jean Piaget)
MODULARIDADE NÃO É
LOCALIZACIONISMO
+ Uma coisa importante a se lembrar: como estamos falando aqui
de mente (e não de cérebro), a hipótese da modularidade da
mente NÃO tem relação com a ideia do localizacionismo
cerebral (de que certas atividades são processadas em locais no
cérbero bem definidos)

+ A discussão mente-cérebro é um dos grades temas da filosofia


e das ciências cognitivas.
MODULARIDADE DA LINGUAGEM
+ Além da modularidade da mente, o Gerativismo assume que a
língua também é modular: nossos conhecimentos linguísticos
também são compostos por partes que interagem para a
produção / compreensão de sentenças.

+ Esses módulos são bastante conhecidos: fonologia, morfologia,


léxico, sintaxe, semântica e pragmática.

+ Uma pergunta é importante...


O QUE É GERATIVO?
+ Nós já vimos que um aspecto importante da gramática é seu poder
gerativo – a capacidade que a gramática tem de gerar infinitas
sentenças.

+ Mas qual dos módulos da linguagem tem esse poder?


Fonologia – NÃO
Morfologia – NÃO (mais ou menos)
Léxico – NÃO
Semântica – NÃO
Então quem
Pragmática – NÃO (a pragmática sobra?
não está inclusa na gramática)
SINTATICOCENTRISMO
+ A teoria gerativa é considerada uma teoria sintaticocêntrica porque assume
que o único componente da linguagem que tem poder gerativo é a
sintaxe.

+ É a sintaxe que garante uma outra característica importante da linguagem


humana (e um conceito também muito importante): a infinitude discreta

+ Infinitude discreta envolve a possibilidade de criar infinitos elementos


partindo de unidades discretas (finitas).

+ A línguagem tem infinitude discreta porque suas unidades são finitas (sons
e palavras são finitos), mas é possível criar infinitas sentenças.
AGORA SIM, FALEMOS DE ARQUITETURA
+ Quando falamos de “arquitetura da gramática” estamos nos
referindo a como a gramática está organizada na mente. Isso
pressupõe que os módulos da linguagem que possuem relação
com a gramática interagem segundo uma organização própria.

+ Mas como saber como é essa arquitetura?


SAUSSURE VEM AO RESGATE
+ Saussure assumia que o signo linguístico é composto de som e significado.
Isso nos dá um insight importante: duas “coisas” essenciais à linguagem
são a Fonologia e a Semântica.

+ Esses dois componentes possuem relação com coisas que não são
linguagem (articulação/percepção de sons e conceitos/intenções de
significado). Por isso faz sentido achar que Fonologia e Semântica são
níveis de interface (se comunicam com outros módulos da mente)

+ Mas é interessante que esses dois níveis são completamente diferentes um


do outro. Por isso, também faz sentido imaginar que eles não se
comunicam diretamente entre si.
A PONTE
+ Se Fonologia e Semântica não se
comunicam diretamente, é necessária uma
“ponte”: um módulo da linguagem que
seja capaz de “enviar” informações para
esses dois módulos.

+ Essa “ponte” é feita pela Sintaxe. No


modelo gerativista, a sintaxe é responsável
por ligar Fonologia e Semântica.

+ Daí podemos já esboçar uma ideia de


arquitetura da gramática:
RELAÇÃO
SEMÂNTICA-SINTAXE-FONOLOGIA
+ Uma vez que a sintaxe é o único módulo gerativo, a teoria assume
que Fonologia e Semântica são módulos que apenas “leem” as
informações vindas da sintaxe.

+ Assim, a Fonologia “lê” uma estrutura formada na sintaxe e


transforma essa estrutura em algo capaz de ser fonologicamente
produzido / percebido.

+ Da mesma forma, a Semântica “lê” a estrutura sintática e transforma


essa estrutura em algo semanticamente interpretável.
UM ADENDO: E A PRAGMÁTICA?
+ A pragmática (o sentido que coisas ditas têm em contextos
específicos) é um módulo da linguagem que não tem relação
direta com a gramática (tem muito mais relação com nosso
conhecimento de mundo, nosso sistema de valores e crenças
etc.)

+ Podemos assumir, então, que a pragmática atua sobre o


significado das sentenças, um subproduto da Semântica.
E O LÉXICO?
+ No modelo GB, o léxico é
assumido como uma lista de
palavras. Essa lista de
palavras é a fonte da qual a
Sintaxe retira os elementos
com os quais será montada a
sentença.

+ Assim, podemos “pendurar”


o léxico no nosso esquema:
OUTRO ADENDO: E A MORFOLOGIA?
+ No modelo GB, a morfologia é encarada como um módulo que
atua dentro do léxico, formando as palavras.

+ Veremos no final do curso (se der tempo) que existem


propostas alternativas, que colocam a morfologia em
submódulos “espalhados” na arquitetura da gramática.
ACABOU?
+ Embora nossa arquitetura já esteja com todos os níveis da
gramática, ainda precisamos entender o funcionamento da
sintaxe (já que o gerativismo é uma teoria sintaticocêntrica)

+ Todo o nosso curso vai abordar essa questão, mas, para dar um
panorama geral, vamos adiantar como a arquitetura da
gramática fica depois de toda essa análise (dentro da teoria
GB):
+ No início de tudo,
temos duas coisas que
“alimentam” a sintaxe:
o Léxico, que fornece
os elementos com os
quais a sintaxe vai
trabalhar (as
“palavras”) e a Teoria
X-Barra, que vai
determinar a forma
como essas palavras
vão se organizar
+ Após a sintaxe combinar
as “palavras” de acordo
com os princípios da
Teoria X-Barra, é
formada uma primeira
fase de estrutura
sintática – a estrutura-D
(carinhosamente
chamada de Estrutura
Profunda).

+ Essa estrutura precisa


passar por um “filtro”,
que é determinado pela
Teoria Temática.
+ Se a estrutura-D passa no
filtro temático, acontecem
operações de movimento
sintático. Após essas
operações, temos uma
segunda estrutura
sintática, a estrutura-S
(chamada carinhosamente
de Estrutura de Superfície)

+ Essa estrutura precisa


passar por uma série de
outros “filtros” –
determinados pela Teoria
da Ligação, Teoria do Caso
e Teoria do Controle.
+ Se a estrutura-S passa por
todos esses filtros, ela é
enviada para as interfaces.
A interface fonológica
transforma essa estrutura
em algo pronunciável
(lineariza a estrutura,
atribui traços fonológicos,
prosódia...)

+ No caminho para a
interface semântica, ainda
podem ocorrer movimento
de sintagmas (chamado de
movimento encoberto).
Após isso, a interface
semântica transforma a
estrutura em algo
interpretável
MAS NÃO SE ASSUTEM!
+ Todo o nosso curso é dedicado a entender essa arquitetura.

+ Nos próximos meses, vamos entender cada um desses submódulos


da gramática (Teoria X-Barra, Teoria Temática, Teoria da Ligação,
Teoria do Controle e Teoria do Caso), além de entender como a
sintaxe opera para formas as estruturas-D e estruturas-S

+ As tão temidas “árvores” são apenas um esquema usado para


representar as estruturas (profunda ou de superfície) que respeitam
todos os filtros relevantes
UMA COISA INTERESSANTE
+ É interessante entender que, na visão do modelo GB, uma
sentença é composta de 4 “objetos”: uma estrutura-D, uma
estrutura-S, uma forma fonológica e uma forma lógica.

+ Para quem gosta, Chomsky coloca isso em termos matemáticos: uma


sentença S é uma quádrupla ordenada S = (δ, σ, π, λ)
PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO PLENA
+ Nosso modelo assume que Fonologia e Semântica não se comuniquem
diretamente. Mas essas interfaces precisam se comunicar. Afinal, nós só
conseguimos extrair um significado de uma sentença de acordo com os
sons que dela ouvimos.

+ Essa ideia é expressa pelo Princípio da Interpretação Plena (FI): Todos os


elementos das interfaces precisam ser interpretáveis pela interface em
questão.

+ Quando uma sentença não respeita esse princípio, dizemos que a


derivação não convergiu. É papel da Sintaxe garantir que a derivação
convirja. Toda derivação que não converge resulta numa sentença
agramatical
OPA, DERIVAÇÃO? AGRAMATICAL?
+ Nós chamamos de derivação o processo de construção de
sentenças. Todo o caminho que é percorrido é a derivação (a
seleção dos itens lexicais, a formação da estrutura-D, os
movimentos, a formação da estrutura-S e o envio pras
interfaces)

+ Uma sentença (o resultado da derivação) é agramatical se ela


viola alguma “regra” da gramática. Caso isso não ocorra,
dizemos que a sentença é gramatical.
GRAMATICALIDADE E ACEITABILIDADE
+ É importante diferenciar o conceito de gramaticalidade do
conceito de aceitabilidade.

+ Algo Gramatical é algo que respeita as regras da gramática

+ Algo Aceitável é algo que torna possível o estabelecimento de


um sentido
LEMBRAM DOS EXEMPLOS?
+ Nas frases abaixo temos claramente a diferença entre esses dois conceitos

(1) Ideias verdes incolores dormem furiosamente


(2) Brincalhonas dormem crianças muito

+ A sentença (1) é inaceitável (por não ter sentido no mundo real), mas não é
agramatical.

+ A sentença (2) é agramatical (por não respeitar as regras da gramática do


português) – e também é inaceitável, porque também não faz sentido.
LEMBRAM DOS EXEMPLOS?
(1) #Ideias verdes incolores dormem furiosamente
(2) *Brincalhonas dormem crianças muito

+ Nós representamos inaceitabilidade com uma grade #

+ E representamos a agramaticalidade com um asterisco *

Essas convenções são muito importantes!


PRA ACABAR
+ Nós sabemos se uma sentença é gramatical ou não fazendo testes de
julgamento de gramaticalidade.
+ Como cada pessoa tem uma língua-I diferente (resultado do seu processo
de aquisição), é possível que haja divergência quanto ao julgamento certas
frases.

(3) ? O quadro que ele estava em cima da mesa caiu.

+ Quando isso acontece, indicamos essa variação no julgamento com o sinal


de interrogação (?).
+ Quando uma sentença apresenta variação, mas a maioria das pessoas acha
agramatical, indicamos com dois sinais de interrogação (??)
PRÓXIMOS PASSOS
+ Agora que temos muito mais informações sobre o modelo da
Teoria Gerativa, vamos entender o processo de aquisição da
linguagem dentro desse paradigma, para, enfim, adentrar nos
detalhes do modelo.

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