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MORFOSSINTAXE

Nádia Castro
Morfemas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer as unidades morfológicas e a estrutura interna das palavras.


„„ Definir os morfemas da língua portuguesa.
„„ Diferenciar morfemas e sintagmas.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar alguns aspectos de aprofundamento em
morfologia. Nesta etapa, você vai conhecer as unidades morfológicas e
as estruturas internas das palavras, a partir do estudo dos morfemas em
língua portuguesa. Além desses saberes, você também vai apropriar-se
das características dos morfemas e da diferença entre eles e os sintagmas.

Unidades morfológicas e estrutura interna


das palavras
O primeiro aspecto que você precisa ter em mente está relacionado com o
surgimento de novas palavras em língua portuguesa. Pense: quando se formam
novas palavras? Como se formam novas palavras? Por que se formam novas
palavras?
Primeiro, novas palavras são formadas a todo momento. Isso considerando
todas as suas modalidades. Mas, quais seriam essas modalidades? Podemos
destacar as seguintes: coloquial, culta, literária, técnica, científica, de pro-
paganda, entre outras. Dessa forma, a partir do uso e das necessidades dos
falantes, e também conforme o contexto e o período histórico, novos itens
lexicais passam a fazer parte de uma comunidade linguística. As formações
podem ser esporádicas ou institucionalizadas, conforme delimita Rocha (1998).
As formações esporádicas são aquelas relacionadas com o momento. Por
exemplo, desmorrer. Nesse caso, uma criança que brinca e diz que a formiga
desmorreu. Ou seja, o contexto motiva a criação da palavra por associação
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a outras parecidas e já existentes. Mas não significa que ela venha a fazer
parte do registro de palavras da língua. Esta e outras palavras são criadas por
impulsos momentâneos.
A forma institucionalizada de criar novas palavras é diferente e por este
motivo é denominada desta forma. Pense na palavra imexível. Ela foi pronun-
ciada em um contexto de publicidade de ato de um falante. Dessa forma, várias
pessoas ouviram e passaram a repeti-la. A circunstância era especial e tornou
o vocábulo familiar para os indivíduos. Por conseguinte, imexível passou a ser
um vocábulo institucionalizado. No entanto, você precisa saber: um vocábulo
pode ser institucionalizado dentro de um grupo de falantes de determinada
língua. Por exemplo, indesmentível está institucionalizada em determinada
família e determinada residência. Logo, esta formação é institucionalizada
naquele grupo específico, mesmo que não seja conhecido de outros grupos
de falantes. O que você precisa se perguntar é: mas por que alguns se tornam
institucionalizados e outros não?
Conforme Rocha (1998), precisamos considerar a visibilidade do “criador”
da palavra e, em seguida, o poder da mídia dessa palavra. Ou seja, em que
proporção esse vocábulo vai ser disseminado. Um vocábulo criado em um
contexto mais restrito e de forma esporádica, pode até ser institucionalizado,
isso depende da dimensão que ele atinge. Mantendo-se restrito, não será
institucionalizado, mas, caso contrário, passe a integrar a fala de um grupo
maior de pessoas, ele poderá ser registrado. As redes sociais, atualmente, têm
um papel importante para a fixação de novos vocábulos. Quando compatilhado
por muitos, a palavra passa a ser conhecida e as pessoas a utilizam fora das
redes sociais. O poder da mídia é evidente neste exemplo. Palavras como
sextou e trolar saem das redes sociais e passam a fazer parte dos diálogos
entre os falantes.
Outra situação que mobiliza a formação de novos vocábulos tem relação
com o fato de que certos processos são mais apelativos e enfáticos do que
outros. Por exemplo, dizer fumódromo no lugar de sala de fumantes. Portanto,
é importante você saber que é difícil responder plenamente à pergunta: tal
palavra existe? Pense nisso.
No nível morfológico, no entanto, passamos a tentar compreender as uni-
dades de sentido que compõem as palavras. No campo da análise linguística,
estudamos diferentes níveis, desde aqueles mais amplos, ou seja, os que estudam
as unidades mais amplas do discurso, até as unidades menores, como as sílabas
e os sons. Entre eles há um nível intermediário que estuda as unidades da
língua as quais apresentam certa autonomia formal. Essas unidades podem ser
encontadas como entradas lexicais do dicionário. Estamos, portanto, falando
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das palavras. Inserido nisso, temos o estudo em nível morfológico. Ou seja,


aquele que estuda as unidades de sentido que compõem as palavras.
Etimologicamente, a palavra morfologia se constitui de dois elementos:
morfo e logia. Originária do grego, significam, respectivamente, forma e
estudo. Por conseguinte, definido na gramática como o estudo que descreve
as formas das palavras. Mais detalhadamente: o estudo que tem como objeto
de investigação a estrutura interna das palavras.

A morfologia, conforme Bechara (2010), é o estudo dos morfemas que compõem as


palavras e investiga os seus arranjos no processo de formação de palavras.

Morfemas da língua portuguesa


Conforme descrito nos parágrafos anteriores, compreender o que é morfolo-
gia pressupõe entender o que é forma, no sentido de sinônimo de estrutura,
composta esta de partes denominadas morfemas. A primeira informação que
você precisa internalizar é a de que toda estrutura é composta de elementos que
estão relacionados. Ou seja, isso explica que: todas as palavras são formadas
por unidades menores, as quais, quando combinadas, produzem significado.
Essa combinação não é aleatória. Na verdade, as estruturas internas, quando
combinadas de determinada forma, estabelecem relação e produzem signifi-
cado. Assim, podemos afirmar que determinadas palavras combinadas com
outras exercem funções específicas nos enunciados. Conclui-se que forma,
função e sentido são solidários entre si e, até mesmo, interdependentes (BE-
CHARA, 2010).
Pense: quando afirmamos que lindos é um adjetivo masculino plural
ou que trabalhássemos é um verbo de 1ª conjugação que está no pretérito
imperfeito do subjuntivo e na 1ª pessoa do plural, estamos indicando que há
marcas formais e gramaticais, as quais delimitam esses enquadramentos, não
é mesmo? Exatamente, essas marcas formais são chamadas de morfemas.
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Os tipos de morfema: radical e afixos


No exemplo anterior — lindos — a marca do masculino está no final -o, e a
demarcação de plural está em -s. Já no verbo citado, trabalhássemos, a marca
do pretérito imperfeito do subjuntivo está em -ss e a marca da 3ª pessoa do
singular está em -mos.
Agora, lindos tem um significado diferente de ricos, pequenos ou lisos.
O que há de comum entre eles, no entanto, são os morfemas -o e -s. Por esta
similaridade identificamos que ricos, pequenos e lisos também são palavras
masculinas compostas de plurais. O significado específico desses vocábulos
está em lin-, ric-, pequen- e lis-. O mesmo ocorre com o verbo trabalhássemos.
Neste, a diferenciação está em trabalh-. Na comparação com escrev- (escrevês-
semos) e part- (partíssemos). Os responsáveis pelos significados lexicais, nos
exemplos supracitados, são classificados como radicais (BECHARA, 2010).

Radicais: núcleos contendo o significado relacionado com as noções externas do


mundo: ações, estados, ofícios, seres, etc.

Com esta reflexão, podemos concluir que a palavra é constituída de dois


tipos de morfema:

„„ Aquele que expressa os significados na noção de mundo: lexical ou


externo (o radical).
„„ Outro que expressa o significado gramatical ou interno (os afixos re-
presentados por morfemas de flexão e de derivação).

Vogal temática: o tema


Ainda, saiba que entre o radical e os afixos é permitido inserir uma vogal
temática (BECHARA, 2010). A missão dela é de classificação, uma vez que
ela diferencia os nomes e os verbos em grupos ou classes. Estes são conhecidos
como grupos nominais (casa/livro/ ponte, etc.) e grupos verbais (denominados
conjugações).
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Por essa razão, podemos afirmar que o verbo trabalhássemos pertence à


primeira conjugação: trabalh-á-sse-mos. O verbo escrevêssemos é de segunda
(escrev-ê-sse-mos) e partíssemos (part-í-sse-mos) é de terceira conjugação.
A união do radical com a vogal temática representa o tema (BECHARA,
2010). Este é a parte da palavra que está pronta para funcionar no discurso e
também que está apta para receber os afixos:

casa + s = casas
linda + s = lindas
livro + s = livros

Em algumas ocorrências, ao receber determinados afixos, a vogal temática


pode desaparecer — por exemplo em casinha [cas(a)inha].
Nos nomes, as vogais temáticas são representadas por -a e -o. Estes dois
demarcam o grupo nominal e também indicam o gênero: a casa (feminino);
o livro (masculino). Ainda nos nomes, as vogais temáticas -o e -e podem ser
representadas por uma semivogal de um ditongo: pão/pães. Enquanto o -o
pode passar para a variante -u: afeto/afetuoso (afeto + oso = afetuoso).

Os nomes terminados por vogal tônica ou por consoante perdem a vogal temática
quando presentes no singular — por exemplo, em fé, mar, paz e mal. Nesses casos,
são chamados de atemáticos.

No caso dos nomes terminados em consoante, a vogal temática -e, destacada


no singular, reaparece quando a palavra estiver no plural:

mar/mares (mar-e-s)
paz/ pazes (paz-e-s)
mal/ males (mal-e-s)

Por fim, é importante reforçar que a vogal temática aparece tanto nos temas
simples (livr-o) quanto nos derivados (livr-eir-o).
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Morfemas livres e presos


O morfema será livre quando tiver uma forma que pode aparecer de forma
autônoma no discurso. Caso contrário, será preso. No exemplo agricultura,
agri- é um morfema preso, pois ele, sozinho, não tem sentido no discurso.
Para significar campo, ele precisa combinar com outro morfema (agrimensor,
agrícola, agricultor, etc.). Diferentemente de cultura, por exemplo, pois este
tem vida independente no discurso (a cultura do campo).
O radical pode ter uma variante que só aparece como forma presa. Este
é o caso, por exemplo, de caber, que tem variante presa -ceber. Aparecendo
ela em: receber, perceber e conceber. A variante do morfema nesses caos é
alomorfe (BECHARA, 2010).
Os elementos, portanto, podem ser todos livres (compor, apor) ou todos
presos (agrícola, perceber), ou, ainda, combinados (agricultura, gasoduto).
Assim, uma só forma pode representar mais de um morfema. O -s, por exemplo,
pode marcar plural (casa/casas) e também 2ª pessoa do singular nos verbos
(tu amas, escreves, partes).

Características dos morfemas e


diferenças dos sintagmas
Outra questão que precisa ser esclarecida está relacionada com a interpretação
dos sintagmas. Você precisa saber que além dos processos de formação e
flexão da palavra, à morfologia também cabe certa classificação das palavras.
Ou seja, deste processo devem ser considerados, além dos critérios formais,
alguns sintáticos e semânticos. Tudo isso pela possibilidade de classificação de
uma palavra apenas pela sua forma. Isso mesmo! A forma canto, por exemplo,
pode desempenhar papel de substantivo ou um verbo. Isso apenas depende da
função e do sentido em que passa a ser empregada. Observe:

O canto dos pássaros.


Eu canto como um pássaro.

No primeiro exemplo, a palavra funciona como um substantivo. Diferente-


mente da segunda ocorrência, em que canto passa a funcionar como um verbo.
Nesse caso, o que deve ser considerado é a relação sintagmática. Ou seja, a
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combinação com outros termos na frase ou no sintagma. Lembre-se de que


qualquer forma pode desempenhar função substantiva. Por exemplo: não gosto
do cantar acelerado que ela força. Nesse caso, cantar desempenha função de
substantivo. Isso é possível de ser concluído pela relação sintagmática que a
expressão expressa na aproximação com os outros sintagmas.
Para Saussure (2006), o sintagma se compõe sempre de duas ou mais
unidades consecutivas: re-ler; contra todos; a vida humana. Ou seja, as
relações sintagmáticas estão baseadas no caráter linear do signo linguístico.
Nesse entendimento, excluímos a possibilidade de pronunciar dois elementos
da frase ao mesmo tempo. Os termos se sucedem, um após o outro, de forma
linear. Isso são os sintagmas. Na cadeia sintagmática, um termo passa a ter
valor a partir do contraste com os outros; ou aqueles que antecedem ou aqueles
precedem. Em alguns casos, ocorre com ambos. Tudo isso devido ao caráter
linear dos sintagmas. Analise:

Hoje faz calor.

Não é possível pronunciar jeho faz lorca. Não há sentido na inversão


linear dos termos. Essa cadeia fônica faz com que se estabeleçam relações
sintagmáticas entre os elementos que a compõem. A partir dessas análises,
podemos concluir que morfemas são as menores unidades formais associadas
e dotadas de significado. Enquanto os sintagmas são as sequências hierarqui-
zadas de elementos linguísticos, os quais compõem uma unidade na sentença;
linearmente e na cadeia da fala. Dessa forma, a noção de sintagma se aplica
para além da palavra. A noção de sintagma se aplica aos grupos de palavras
e também às unidades complexas (palavras compostas, derivadas, frases
inteiras, etc). As relações sintagmáticas existem em todos os planos da língua:
fônico, mórfico e sintático.
Portanto, tenha em mente: morfemas são apenas as menores unidades da
forma das palavras; sintagmas, no entanto, são todas e quaisquer combinações
de unidades linguísticas na sequência de sons da fala, a serviço da forma (rede
de relações + componente semântico) de determinada língua.
Os morfemas são caracterizados, então, por um ou mais fonemas, mas
diferentemente destes últimos, apresentam significado. Os fonemas isolados
não apresentam significado. Observe:

/m/ /a/ /r/ /i/ /s/


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Isolados, esses fonemas não fazem sentido. Mas, quando combinados,


constituem unidades mínimas de significado. Veja:

[mar]
[mais]
[mas]

Por fim, podemos afirmar que os morfemas são caracterizados como:

„„ elementos mínimos das emissões linguísticas com significado individual;


„„ unidade mínima em um sistema de expressões que pode ser correla-
cionada com alguma parte do conteúdo;
„„ as menores unidades significativas que podem construir vocábulos ou
parte deles;
„„ a menor parte indivisível da palavra que tem uma relação direta ou
indireta com a estrutura de significação.

BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
SAUSSURE, F. Curso de línguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006.

Leituras recomendadas
CAMARA JUNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
CARVALHO, C. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2003.
MARGOTTI, F. W.; MARGOTTI, R. C. M. F. Morfologia do português. Florianópolis: LLV/
CCE/UFSC, 2011.
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