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Língua Portuguesa:

Morfologia
Classes Gramaticais: Campos Lexicais e Fronteiras

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Nelci Vieira de Lima

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Silvia Augusta de Barros Albert
Classes Gramaticais:
Campos Lexicais e Fronteiras

• Introdução;
• Classes de Palavras e Descrição Gramatical da Língua;
• A Classificação das Palavras na Gramática Tradicional;
• Outros Critérios para a Classificação de Palavras;
• A Fluidez das Fronteiras na Classificação Gramatical.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Retomar e refletir sobre as classes de palavras e sua descrição na Gramática Tradicional;
• Contruir conhecimentos sobre outros critérios para a classificação de palavras, a partir dos
estudos linguísticos, de uma perspectiva funcional, pragmática e semântica da língua.
UNIDADE Classes Gramaticais: Campos Lexicais e Fronteiras

Introdução
O estudo das classes de palavras em português sempre ocupou lugar privilegiado
na escola. Procure se lembrar de seu processo de escolarização e com certeza vai se
recordar do tempo dedicado ao estudo do substantivo e suas subclassificações (concreto,
abstrato, coletivo, próprio etc.); dos adjetivos e suas flexões; dos verbos e suas conjuga-
ções; das preposições puras e suas combinações e de todas as outras classes de palavras.
A Gramática Tradicional determina a existência de dez classes de palavras: substantivo,
adjetivo, verbo, adverbio, conjunção, preposição, interjeição, artigo, pronome e numeral,
está lembrado(a)? É preciso ressaltar, no entanto, que os critérios de classificação das pala-
vras, na Gramática Tradicional, por vezes se embasa apenas em critérios semânticos e, em
outras, alia critérios sintáticos aos semânticos. Prova disso é tratar o substantivo como “pa-
lavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral” (CUNHA; CINTRA, 2008,
p. 191), critério semântico, e os artigos como palavras que estão ligadas aos substantivos
definindo-os ou indefinindo-os, uma aliança de critérios semânticos e sintáticos.
Retomando a definição dos substantivos, “palavra com que designamos ou nomea-
mos os seres em geral”, você não acha que tal definição encerra em si grande complexi-
dade, uma vez que é revestida de um caráter filosófico? Afinal, quais seriam esses seres
nomeados? Ou o que significa “ser”? Sigamos em nossas reflexões!
Após ter reavivado sua memória quanto a esses conceitos, e tê-los encontrado, o que
comprova a afirmação feita nesta introdução sobre a ênfase dada ao estudo das classes
de palavras na educação básica, nós lhe convidamos, nesta unidade, a lançar um novo
olhar sobre o estudo das classes de palavras da Língua Portuguesa, mais reflexivo.
Para isso, vamos nos orientar pela seguinte indagação: Em que medida podemos
estabelecer fronteiras exatas para a classificação de palavras? Para nos guiar nesta re-
flexão, citamos Basílio (2004, p. 79), para quem “a classificação das palavras não pode
ser rígida, porque muitas vezes há “possibilidades de extensão de propriedades de uma
classe a outra”. Assim, conforme explicitaremos no decorrer desta unidade, a classifi-
cação de palavras no português deve obedecer aos seguintes critérios: 1. Morfológicos
(apresentar e determinar flexão de gênero e número); 2. Semânticos (Designar seres ou
entidades); 3. Sintáticos (Ocupar o núcleo do sujeito e complementos).
Esperamos que essas primeiras palavras tenham sido instigantes de modo a estimular
não só a leitura atenta deste material didático, mas também a pesquisa de aprofundamento
a partir das indicações no item “Material Complementar”, de modo a proporcionar a você
uma sólida formação neste tema, respaldada teoricamente. Agora, que deixamos pistas a
serem seguidas e mistérios a serem desvendados, que tal embarcar conosco nessa aventu-
ra em busca de novos modos de compreender as classes de palavras? Vamos lá!

Classes de Palavras e
Descrição Gramatical da Língua
A definição de língua como sistema implica compreender como se dá a descrição desse
sistema. É importante saber que todo sistema linguístico pode ser descrito do ponto de

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vista fonético, morfológico, sintático e semântico. Nesta unidade, no entanto, nos interessa
pensar, ou melhor dizendo, repensar a classificação das palavras da língua portuguesa, a
partir de uma visão multifacetada do sistema linguístico, que permita buscar um classifica-
ção de palavras mais coerente, que englobe critérios morfológicos, sintáticos e semânticos.
É bom lembrar que na descrição de qualquer língua, o léxico é uma parte muito im-
portante a ser inventariado. Segundo Basílio (2004, p. 9) o léxico é “um compontente
fundamental da organização linguística, tanto do ponto de vista semântico e gramatical
quanto do ponto de vista textual e estilístico”.
Sendo assim, o primeiro ponto no qual precisamos tocar é o seguinte: todo vocabu-
lário da língua pode ser dividido em duas partes: um sistema aberto, também chamado
de inventário aberto, e um sistema fechado, também chamado de inventário fechado.
O sistema aberto é ilimitado e composto por todas as palavras da língua que nos
remetem a uma ideia mental, além de estar em constante renovação, uma vez que
palavras novas surgem na língua sempre que há necessidade de se nomear algo novo.
Essas palavras também são chamadas, por alguns linguistas, de lexemas ou morfemas
lexicais. Para Sautchuk (2018),
o lexema é um tipo de palavra que contém informação básica de significa-
do, que representa o mundo extralinguístico ou remete a ele. Chamamos
esse “mundo extralinguístico” de mundo biossocial/antropocultural, pois
representa aquilo que se poderia definir como “o ser humano e a cultura
na vida em sociedade”. (SAUTCHUK, I., 2018, p. 5)

Para que você compreenda a ideia mental que acompanha as palavras da classe aberta, con-
vidamos você a realizar um exercício muito simples. Leia as palavras, a seguir, da primeira
coluna, e relacione-as à ideia que veio em sua mente ao pronunciá-las:

1.

2.

3.

4.

5.

Figura 1
Fonte: Adaptado de Getty Images

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E aí? Como foi a realização do exercício? Você deve ter percebido que as palavras
apresentadas se relacionaram às imagens. Vale ressaltar, no entanto, que a palavra fê-
mea pode ser relacionada à figura da leoa, mas também à mulher, mesmo que de modo
depreciativo, não é? Isso se deve ao fato de que a palavra fêmea, substantivo feminino,
representa uma categoria semântica que abarca outras subcategorias, como leoa e mu-
lher. De todo modo, você deve ter associado uma ideia mental, bastante particular, à
palavra fêmea, não é? Essa é a função do léxico do inventário aberto: categorizar e no-
mear as coisas do mundo extralinguítico, para que possamos nos comunicar por meio
da construção de enunciados.

Essas palavras do inventário ou sistema aberto, que nos remetem a uma ideia mental,
são representadas pelas classes dos substantivos, adjetivos, verbos e advérbios nominais.
Na próxima seção, estudaremos cada uma dessas classes.

Agora que já refletimos sobre as palavras do sistema aberto ou inventrário aberto,


vamos refletir sobre as palavras do sistema fechado, ou inventário fechado. Essas pala-
vras, também são denominadas como morfemas gramaticais ou gramemas. Enquanto
os lexemas sempre nos remetem a uma ideia mental, apontanto para algo de nossa
realidade, ou seja, para o mundo extralinguístico, os gramemas apontam apenas para a
realidade linguística, isto é, para o mundo gramatical. A carga semântica dos gramemas,
ou seja, sua carga significativa, é zero ou quase zero. Sua função na construção de
sentenças e textos na língua, no entanto, é fundamental, pois eles colaboram para
relacionar os termos da língua, contribuindo para a construção de unidades significati-
vas, como sentenças e textos.

Façamos um exercício reflexivo para comprovar a afirmação anterior. Você vai ler a
sequência de palavras a seguir e pensar na significação delas para você: que – de – para
– e – com. E aí? Assim separadas essas palavras lhe trouxeram alguma ideia mental?
Nada, não é mesmo? Esses mesmos gramemas, no entanto, podem contribuir para en-
trelaçar termos de uma oração, contribuindo para a construção do sentido, como em:
anel de ouro, comida e roupa, a menina que chorou ontem, feito com amor. Essas
palavras do inventário ou sistema fechado são formas independentes porque funcionam
com autonomia na língua e são representados pelas classes dos artigos, pronomes, nu-
merais, preposições, conjunções e advérbios pronominais.

Além dos gramemas independentes, como os pronomes, numerais etc., há também os


gramemas considerados dependentes, isto é, aqueles que funcionam presos à estrutura de
um vocábulo. É o caso dos afixos (sufixos e prefixos) e das desinências verbais.

Agora que já refletimos, de modo geral, sobre o léxico que compõe os sistema linguís-
tico do português, vamos estudar, na próxima seção, o tratamento dado a esse léxico
pela Gramática Tradicional e refletir sobre os critérios tradicionais de classificação de
palavras, uma ação tão importante para a descrição de qualquer língua.

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A Classificação das Palavras
na Gramática Tradicional
Conforme afirmamos na introdução desta unidade, a Gramática Tradicional, seguin-
do a proposta da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), determina a existência de
dez classes de palavras: substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, preposição,
interjeição, artigo, pronome e numeral. Nesta seção, vamos apresentar, brevemente,
o tratamento dado, tradicionalmente, a algumas delas, de modo que possamos refletir
sobre a pertinência dos critérios usados para essa classificação e responder ao seguinte
questionamento: Será que os critérios usados para classificação das palavras na Gramá-
tica Tradicional são claros? Vamos lá, então, fazer essa descoberta juntos.

O Substantivo
Vamos começar nossa reflexão a partir da definição dada por Cunha e Cintra (2008, p.
191), para substantivo: “a palavra com que designamos os seres em geral”. Você já parou
para pensar em que seres são esses? É preciso dizer que essa definição tem um caráter se-
mântico-filosófico e pode levar até mesmo a uma problemática, visto que é fácil compre-
ender “homem, mulher, criança, cachorro” como seres, mas a mesma compreensão pode
não se estender a palavras como “espionagem, viagem, beleza, política”, não é mesmo?

Por isso, na próxima seção, veremos que uma classificação tanto morfológica quanto
sintática, a qual é privilegiada entre os linguistas, pode oferecer critérios mais adequa-
dos às palavras da língua que se enquadram na classe dos substantivos.

Você Sabia?
Você sabia que a predominância dos critérios semânticos para a definição das classes de
palavras, na Gramática Tradicional, está ligada à gênese do saber metalinguístico? Isso
significa que o saber metalinguístico no Ocidente se principiou na antiguidade clássica
com os filósofos, entre os quais merecem destaque Platão e Aristóteles. Platão discutiu
amplamente a respeito do caráter da linguagem, polemizando se ela seria natural ou
convencional. Para ele, “o nome é também indicador da essência das coisas, porque se
lhes assemelha” (KRISTEVA, 2007, p. 115). Platão trata também do enunciado e da pro-
posição, o que abre caminho para a classificação das partes do discurso, empreendida,
mais tarde, por Aristóteles e retomado e ampliado, posteriormente pelos estoicos, “que
muito contribuíram para o aprofundamento do conhecimento gramatical” (LEITE, 2007,
p 36). Podemos ver, então, que critérios para classificação de algumas palavras têm sua
origem nos estudos filosóficos.

Para saber mais sobre o tratamento dado à classe dos substantivos na Gramática Tradicional,
consulte a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra,
em sua 7ª edição, pela editora Lexicon. A obra está disponível em nossa Biblioteca digital.

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UNIDADE Classes Gramaticais: Campos Lexicais e Fronteiras

O Adjetivo
Na Gramática Tradicional, o adjetivo é definido como a palavra que qualifica os seres.
Nas palavras de Cunha e Cintra (2008, p.259) “o adjetivo é essencialmente um modifica-
dor do substantivo”, servindo para incidar “qualidade”, “modo de ser”, “aspecto ou aparên-
cia” e “estado”. Os gramáticos ainda apontam a serventia do adjetivo para indicar, junto ao
substantivo, relações de tempo, espaço, matéria, finalidade, propriedade e origem, como
nos seguintes exemplos por eles dados:

• nota mensal (= nota relativa ao mês; tempo);


• movimento estudantil (= movimento feito por estudantes; propriedade);
• casa paterna (=casa onde habitam os pais; espaço);
• vinho português (=vinho proveniente de Portuga; origem).

Fonte: CUNHA; CINTRA, 2008, p. 259

Os gramáticos ressaltam a estreita relação existente entre substantivos e adjetivos, na


Língua Portuguesa, apontando que muitas vezes sua identificação só pode ocorrer no eixo
sintagmático, ou seja, por meio da posição da palavra na sentença, como nos exemplos:
a) O marinheiro solitário contempla as estrelas;
b) O solitário contempla as estrelas.
Vocês perceberam o que aconteceu? Em a) a palavra “solitário” modifica o substantivo
“marinheiro”, está posposto ao substantivo e, facilmente, classifica-se como adjetivo. Já
em b), ocorre que a palavra “solitário” precedido por um artigo “o”, determinante, passa
a ser um substantivo. Essa é uma regra básica, todo adjetivo, – e não apenas o adjetivo,
como veremos mais adiante nesta unidade –, precedido de um determinante, em geral
artigo, passa por um processo de substantivação. Esses dois exemplos mostram que a
classificação de uma palavra em Língua Portuguesa depende de outros critérios que não
são apenas semânticos, não é mesmo?
Além disso, observe que, se já é um complicador definir substantivo como “palavra
que nomeia os seres”, apresentar o adjetivo como modificador do substantivo, pressupõe
o conhecimento exato do que seja um substantivo, não é mesmo?
Por hora, ficaremos por aqui, em nossas reflexões, na próxima seção, no entanto,
apresentaremos outros critérios para a classificação dos adjetivos.

O Advérbio
Cuidado! Vamos entrar, agora, em um terreno arenoso: o território dos advérbios.
Se você não souber bem onde pisar, pode ser sugado(a) por uma areia movediça. Sim!
Esse alerta quis lhe informar que enquadrar as palavras da língua na classe dos ad-
vérbios não é algo tão simples quanto parece. Tomando como ponto de partida que o
advérbio é uma classe gramatical invariável, deveria ser muito simples e fácil identificá-lo,
não é? Então, quais fatores podem ser complicadores? Vamos observar mais de perto?
Vamos começar pela definição? Segundo Cunha e Cintra (2008) “o advérbio é,
fundamentalmente, um modificador do verbo”. A Nomenclatura Gramatical Brasileira

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(NGB) estabelece sete tipos de advérbios: de afirmação, de dúvida, de intensidade, de
lugar, de modo, de negação e de tempo. Aqui, a primeira questão que se coloca é o fato
de que o advérbio não se relaciona somente ao verbo, mas também ao adjetivo ou a ou-
tro advérbio. Quando relacionado ao adjetivo, o advérbio possui função intensificadora
ou modificadora: Ela era muito ignorante, O carro era extremamente velho. Reparou a
função do advérbio? Agora, no exemplo a seguir, observe que um advérbio se relaciona
a outro advérbio, também como intensificador, como em: Cheguei muito cedo.

Para saber mais sobre as subclasses dos advérbios, previstos pela NGB, consulte a Nova Gra-
mática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, em sua 7ª edição,
pela editora Lexicon. A obra está disponível em nossa Biblioteca digital.

A grande complexidade que envolve a classe dos advérbios em nossa língua se deve,
sobretudo, à sua “mobilidade semântica e funcional” (SAUTCHUK, 2018, p.18), isto é,
o advérbio pode assumir diversas funções e produzir os mais diversos efeitos de sentido
na construção oracional:
Ele era absurdamente pobre. (Chama atenção, nesse exemplo, que a ideia de “absurdo”
– algo que foge às regras ou normas estabelecidas; fantasioso – não é comumente relacio-
nada à pobreza. Nesse caso, o uso do advérbio tem uma função claramente intensificadora).
Nós estávamos espontaneamente vestidos. (Nesse exemplo, a escolha do advérbio,
com função de modo, expressa uma opinião não valorativa, ou seja, dizer que estáva-
mos vestidos “espontaneamente” não informa se estávamos bem ou mal vestidos para
a ocasião, não é mesmo? A escolha pode ter sido feita exatamente para modalizar uma
opinião ou fazer defesa em relação a um julgamento relacionado a um preconceito).
Contribui para a complexidade de classificação dos advérbios, ainda, o fato de haver
na língua uma gama de palavras que podem se juntar a uma preposição para formarem
expressões adverbiais ou locuções adverbiais. Vejamos o que diz Bechara (2009) sobre
isso: “constituindo o advérbio uma classe de palavra muito heterogênea, torna-se difícil
atribuir-se uma classificação uniforme e coerente”.
Na próxima seção, analisaremos os critérios mórficos e sintáticos para identificação
da classe dos advérbios.
Nessa seção, avaliamos o tratamento tradicionalmente dado aos substantivos, ad-
jetivos e advérbios na Língua Portuguesa. Reiteramos que o estudo dessas classes de
palavras não se esgota aqui, por isso, orientamos que você consulte as indicações do
Material Complementar, a fim de ampliar seus conhecimentos e desenvolver sua postura
investigativa e reflexiva sobre a língua. Na próxima seção, apresentaremos outros crité-
rios essenciais para a idenfificação das classes de palavras na língua portuguesa.

Importante!
Ressaltamos que não nos dedicamos ao tratamento dos verbos nessa seção, porque estabele-
cemos uma unidade específica para eles. Convém lembrar, apenas, que o verbo é a classe de
palavras com maior riqueza de formas. Além de ser a chave para a compreensão da construção
oracional em nossa língua, assumindo, por isso, importante papel morfossintático e semântico.

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Outros Critérios para a


Classificação de Palavras
Na seção anterior, estudamos um pouco sobre os substantivos, adjetivos e advér-
bios e refletimos sobre o tratamento tradicionalmente dado a essas classes de palavras.
A seguir, convidamos você a nos acompanhar em uma reflexão sobre outros critérios
que podem ser usados para classificar as palavras em nossa língua. Tais critérios são de
natureza mórfica e sintática. Comecemos pelos substantivos e adjetivos.

Classificação Mórfica e Sintática dos Substantivos e Adjetivos


Já vimos que a classificação precisa dos substantivos e adjetivos em Língua Portugue-
sa pode ser uma atividade bastante complexa, não é mesmo? Assim, não é fácil afirmar
que uma palavra é substantivo ou adjetivo, uma vez que a fronteira entre essas duas
classes é fluida (assunto de que trataremos em nossa próxima secão). Para tanto, muitas
vezes é preciso avaliar a sua ocorrência sintática na frase.

Tomemos alguns exemplos que comprovam a eficiência do critério sintático para a


classificação de substantivos e adjetivos:
• Sintaticamente, constituem-se substantivos todas as palavras da língua que se dei-
xar anteceder por um determinante.

Funcionam como determinantes a classe fechada dos artigos (definidos e indefinidos),


dos pronomes possessivos e demonstrativos e dos numerais cardinais e ordinais. São de-
terminantes, também, pronomes relativos como cujo (a)/(os)/(as) e e pronomes indefinidos
(algum, alguma, alguns, algumas, nenhum, nenhuma etc.).

Exemplos:

a) Os cantores populares estão na cidade.

b) Os populares sempre contam com a presença de todos os convidados em


suas festas.

Observe que em a) a palavra “populares” é um adjetivo que acompanha e modifica


o substantivo cantores. Já em b), a palavra “populares”, precedida por um determinante
– o artigo “os”–, passa a funcionar como um substantivo. Sendo assim, é o critério
sintático que nos permite afirmar, com certeza, que em a) “populares” é um adjetivo e
em b), é um substantivo.

Para uma melhor compreensão desse critério, Sautchuk (2018, p. 15) propõe o seguinte
exemplo, que aqui reproduzimos de forma adaptada, em forma de exercício reflexivo:

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Observe a sentença abaixo e tente em voz alta anteceder cada uma de suas palavras por
um ou mais determinantes indicados no box, você notará que somente as palavras que se
deixarem anteceder por determinantes podem ser classificadas como substantivos:

“Não é função popular impedir reajustes de preço na próxima temporada”.


a, uma, minha, esta, os, uns, seus, aqueles, o um, nosso, esse, a uma sua, essa, nenhuma.

E aí? Praticou em voz alta o exercício? Vamos, então, conferir as respotas?

a função, uma função, minha função, esta função

os reajustes, uns reajustes, seus resjustes, aqueles reajustes

o preço, um preço, nosso preço, esse preço

a temporada, uma temporada, sua temporada, essa temporada, nenhuma temporada

Sautchuk (2018, p. 15) chama a atenção para o fato de que ainda que quiséssemos an-
teceder os lexemas “popular” e “próxima” por um determinante, nessa construção, ou seja,
nessa frase específica, o sentido ficaria desconexo.
Segundo Sautchuk (2018, p. 16) “a força substantivadora dos determinantes é tão gran-
de que pode transformar qualquer palavra de qualquer outra classe em substantivo: Meu
sofrer é proporcional aos seus nãos./O com pode ser uma palavra bem comunicativa.”
Nesses exemplos, dados pela autora, o lexema “sofrer”, que isoladamente se classifica
como verbo no infinitivo, nessa frase, de forma contextualizada, passa a ser um substan-
tivo. Ocorre o mesmo com o advérbio “não”, precedido pelo pronome possessivo “seus”,
que transforma-se em um substantivo e admite, inclusive, o plural. No segundo exemplo,
temos o lexema “com” que, isoladamente, seria classificado como preposição, mas no
contexto da sentença, passa a ser um substantivo.
É bastante interessante perceber como há fenômenos na língua que impedem as cer-
tezas absolutas em relação à classificação das palavras, não é mesmo? A substantivação
é um deles, e nos mostra que a língua é viva e para descrevê-la é necessário sempre levar
em conta o contexto de uso. Fique bem atento(a) a isso!! Vamos em frente em nossas
reflexões? Vejamos o critério “mórfico” na classificação dos substantivos e adjetivos.
Em relação ao critério mórfico, os substantivos são palavras que aceitam o acréscimo
de sufixos que indicam sentido de pequeno e grande (-inho, -inha, -zinho, -zinha, -ão, -zão).
É importante reconhecer que se trata de um critério aplicável com maior precisão
aos substantivos concretos (menina/menininha/carro/carrinho/carrão). Embora possa-
mos formar amor/amorzinho/amorzão, a mesma regra não é tão produtiva para ódio,
ansiedade e felicidade, por exemplo.
Para algumas palavras o diminutivo até funciona, mas não é aceitável o aumentativo
(felicidadezinha/felicidadezona*). Vale saber que usamos o asterístico para indicar que

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determinada construção ou forma é imprópria gramaticalmente na língua, ou ao menos


pouco comum, como no caso de “felicidadezona”. Estranho, não é mesmo? Além disso,
esse critério mórfico para classificar substantivos, em grande e pequeno, pode tornar-se
improdutivo, uma vez que certos adjetivos também aceitam o acréscimo dos mesmos
sufixos, como lindo/lindinho | bonito/bonitinho.

Em relação aos adjetivos um bom critério de classificação do qual podemos nos va-
ler é o critério mórfico de junção do sufixo –mente. Em Língua Portuguesa, todas as
palavras que aceitarem o acréscimo desse sufixo para formação do advérbio nominal
constituem-se adjetivos. E somente os adjetivos o aceitam. Sendo assim, temos: incan-
sável/incansavelmente | brilhante/brilhantemente | insuportável/insuportavelmente |
delicado/delicadamente, e assim por diante.

Um critério sintático para identificação e classificação de adjetivos, e que pode ser usa-
do, inclusive, em casos de adjetivação de substantivos, é o fato de somente os adjetivos
aceitarem ser modificados por um advérbio. Sendo assim, um bom truque é usar o advér-
bio de intensidade “tão” ao lado da palavra em questão. Se essa palavra, colocada em uma
frase, aceitá-lo, poderá certamente ser classificada como adjetivo. Vamos aos exemplos:
• Ele é Ingênuo;
• Ele é tão ingênuo;
• Aquela menina é amigável;
• Aquela menina é tão amigável;
• Ele é criança demais; (nesse caso há uma adjetivação do substantivo criança, usado
no sentido de infantil)
• Ele é tão criança.

Importante!
Os advérbios de intensidade “muito” e “bem” também podem ser usados nesse reco-
nhecimento do adjetivo, a depender sempre do contexto.

Outro critério mórfico que não pode ser esquecido na identificação do adjetivo é o fato de
ele ser variável em gênero e número, acomodando-se sempre ao substantivo que acompa-
nha. Como, por exemplo: menina bonita | menino bonito | menina tão bonita | menino
tão bonito.

Nessa seção, estudamos sobre substantivos e adjetivos e percebemos quão fluida é a


fronteira que os separa. Na próxima, vamos tratar sobre os critérios para identificação
dos advérbios em português.

Classificação Mórfica e Sintática dos Advérbios


Os lexemas da classe dos advérbios são invariáveis em gênero e número, sendo
essa característica mórfica o que melhor os define. Sintaticamente, já sabemos que os
advérbios relacionam-se a verbos, adjetivos e a outros advérbios. Você deve estar se
perguntanto por que razão, então, afirmamos que a descrição do advérbio é imprecisa

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e complexa em português, não é mesmo? Mais uma vez a resposta fica por conta da
fluidez da fronteira na classificação das palavras no português. E para mostrar como
isso ocorre, vamos fazer um exercício reflexivo usando alguns poucos exemplos que
apresentam adjetivos e advérbios. Leia a comanda a seguir, com atenção:

Identifique entre as palavras destacadas nas orações quais se classificam como ad-
jetivos e quais se classificam como advérbios. Procure refletir sobre os critérios que o
levaram a essa identificação e classificação:
a) O dia estava claro quando eu saí;
b) O dia estava tão claro naquela manhã;
c) A manhã estava clara quando eu saí;
d) A manhã estava tão clara naquele dia;
e) As manhãs estavam tão claras naquela semana;
f) O delegado falou claro sobre a execução do pedido de prisão;
g) O delegado falou tão claro sobre a execução do pedido de prisão;
h) A juíza falou claro sobre a execução da sentença;
i) A juíza falou tão claro sobre a execução da sentença.

E aí? Vamos conferir as respostas? E refletir sobre os critérios usados na identificação


e classificação?

É provável que a princípio você possa ter pensado naquela regra que contribui para
a classificação do adjetivo, que consiste em acrescentar o advérbio “tão” antecedendo o
lexema, não é?

Se fez isso, deve já ter descoberto que esse critério também pode ser usado para a
identificação e classificação de advérbios, não é? Resta, então, pensar no contexto de
uso, será que só isso basta?

Não, é preciso mais: é preciso perceber os seguintes critérios mórficos: a) de invariabilida-


de que só pode ser aplicado aos advérbios; b) de variabilidade que se aplicam aos adjetivos.
Tendo essa noção como base, vamos lá conferir como ficaram as respostas ao exercício:
a) O dia estava claro quando eu saí. (Adjetivo)
b) O dia estava tão claro naquela manhã. (Adjetivo)
c) A manhã estava clara quando eu saí. (Adjetivo)
d) A manhã estava tão clara naquele dia. (Adjetivo)
e) As manhãs estavam tão claras naquela semana. (Adjetivo)
f) O delegado falou claro sobre a execução do pedido de prisão. (Advérbio)
g) O delegado falou tão claro sobre a execução do pedido de prisão. (Advérbio)
h) A juíza falou claro sobre a execução da sentença. (Advérbio)
i) A juíza falou tão claro sobre a execução a sentença. (Advérbio)

A análise e comparação das orações a, b, c, d e e, nos permite classificar as palavras


em destaque como adjetivos, porque todas elas aceitaram ser antecedidas pelo advérbio
intensificador “tão” e, além disso, atenderam ao critério mórfico de acompanhar em
gênero e número os substantivos que acompanham.

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Já a análise e comparação das orações f, g, h e i, nos permite classificar as palavras


em destaque como advérbios, porque apesar de todas elas aceitaram ser antecedidas pelo
advérbio intensificador “tão”, elas atenderam ao principal requisito mórfico de classificação
dos advérbios: ser invariável. Veja que não houve variação de gênero mesmo alterando-se
o substantivo masculino delegado pelo substantivo feminino juíza. Nesses casos, o lexema
“claro”, classificado como advérbio, funciona como modificador do verbo falar, ou seja,
expressa o sentido de “falar claramente”, sendo classificado como advérbio de base.

Não podemos nos esquecer de tocar, ainda que brevemente, no fato de que a classe
do advérbios abrange também outras formações, como as locuções adverbiais, que se
constituem a partir da junção de duas ou mais palavras de outras classes gramaticais,
geralmente, preposição + substantivo ou preposição + adjetivo, ou ainda, preposição
+ advérbio, e produzem, na oração, efeito de sentido de modificadores adverbiais. Veja
alguns exemplos de locuções adverbiais: Saiu em silêncio ou De vez em quando ela
vem me visitar. Essas locuções adverbiais existem em um número muito produtivo na
Língua Portuguesa, fato esse que contribui para a complexidade da classificação dos
modificadores adverbiais.

Nesta seção, procuramos apresentar critérios que permitem mais clareza na classifi-
cação de advérbios, dada a sua complexidade. É preciso ressaltar, porém, que na língua
nada funciona sozinho. Assim, a classificação de palavras, tarefa de grande importân-
cia para a descrição de qualquer língua, não deve nunca obedecer a um único critério.
Dessa forma, os critérios devem ser morfológicos, sintáticos e semânticos, e devem, por
fim, levar sempre em conta o contexto de uso, pois a língua é viva, heterogênea, socio-
cultural e historicamente marcada.

Prosseguindo em nosso reflexão sobre essa temática, partimos para a próxima se-
ção, na qual abordaremos a fluidez das fronteiras na classificação gramatical.

A Fluidez das Fronteiras


na Classificação Gramatical
Vamos começar esta seção retomando a pergunta orientadora de nossa refçexão,
que propusemos na introdução desta unidade: Em que medida podemos estabelecer
fronteiras exatas para a classificação de palavras? A essa altura, após de ter lido até aqui
esse material, você já deve ter percebido que não é possível estabecer fronteiras precisas
e exatas, por que há uma fluidez das fronteiras. Mas o que, na prática isso significa?

Na prática, significa dizer que se nada na língua funciona sozinho, princípio universal
para qualquer análise linguística, não basta distribuir as palavras da língua, de forma
isolada, em classes, usando de forma rígida um único critério. Na língua, os aspectos
morfológicos, sintáticos e semânticos se somam, inclusive, a aspectos pragmáticos, em
prol da construção do sentido pretendido em situações comunicativas reais.

Dessa forma, podemos afirmar que em relação ao trabalho com a classificação de pala-
vras no âmbito escolar, é bastante desejável e produtivo partir de análises contextualizadas,

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ou seja, da materialidade linguística em gêneros discursivos. Mais do que identificar e classifi-
car palavras é importante trabalhar com o léxico da língua, pois é por meio dele que os alu-
nos produzirão textos e compreenderão os textos, materializados nos mais diversos gêneros.

O trabalho com o léxico em sala de aula, por sua vez, não envolve apenas sua clas-
sificação, mas também aspectos como: sinonímia, antonímia, campo semântico, afi-
xos produtivos na formação de novas palavras, estrangeirismos (empréstimo e adoção),
entre outros. Afinal, a língua não é só forma, mas forma, função e significado, não é
mesmo? Para saber mais sobre essas possíveis abordagens, preparamos para você o
seguinte infográfico:

Polissemia: atribuição de vários significados a uma palavra; Campo lexical: conjunto de palavras (da mesma classe)
opõe-se à monossemia, onde a palavra apresenta um único que se associam em função de uma determinada área
significado (ex.: estrofe - grupo de versos de um poema). da realidade. Ex.: escola – aluno, professor, aula,
Ex.: manga (fruto da mangueira, parte da camisa que disciplina, ensino, …
cobre o braço ).
Campo semântico: conjunto de sentidos que uma palavra
Família de palavras: conjunto das palavras formadas por pode assumir em contextos diferentes. Ex.: água da fonte;
derivação ou composição a partir de um radical. fonte da vida; fonte do conhecimento; fonte de alimentação;
Ex.: marinheiro, marítimo, maresia, amarar, … fonte limpa.

Antonímia: relação de oposição/contraste entre o Sinonímia: relação de equivalência semântica entre duas
significado das palavras. Ex.: nascer/morrer; bonito/feio. O trabalho com o léxico ou mais palavras. Ex.: belo/lindo/formoso.

Meronímia: relação entre palavras marcada pela referência


além da morfologia
Hiperonímia: relação hierárquica entre palavras, que parte
à parte ou componente de um todo. Ex.: dedo, unha (em do sentido geral para o específico. Ex.: árvore; animal
relação a mão) leme, casco, proa (em relação a navio).
Holonímia: relação entre palavras marcada pela
Hiponímia: relação hierárquica entre palavras, que parte
referência semântica do todo (face à parte). Ex.: mão
do sentido específico para o geral. Ex.: pereira, sobreiro,
(em relação a dedo); navio (em relação a leme).
amendoeira; cão, gato, inseto, peixe.

Conotação: uso da palavra com significações secundárias Denotação: uso da palavra em sentido próprio, ou seja,
e subjetivas, ou seja, em sentido figurado. Ex.: "O Brasil objetivo. Ex.: O período de seca trouxe prejuízo à indústria
está no tempo das vacas magras" em que vacas magras de laticínios, as vacas magras produzem menor quantidade
significa crise financeira. de leite.

Figura 6
Fonte: Adaptado de MOREIRA; PIMENTA, 2015

Além das possibilidades apresentadas no infográfico, o trabalho com o léxico deve


envolver os eixos paradigmático e sintagmático, ou melhor dizendo, o eixo da seleção
de palavras nos sistema linguístico e o eixo da combinação de palavras na construção de
frases. Afinal, combinamos palavras na língua para produzir sentido e cumprir nossas
intenções comunicativas, concorda? Bons estudos e até a próxima!

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UNIDADE Classes Gramaticais: Campos Lexicais e Fronteiras

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Formação e classes de palavras no português do Brasil
Para maior aprofundamento no estudo das classes de palavras, confira o e-book
Formação e classes de palavras no português do Brasil, da autora Margarida Basílio,
disponível na biblioteva virtual.
Palavras de Classe aberta
Para maior aprofundamento no estudo das classes de palavras, confira o e-book
Palavras de Classe aberta, do autor Rodolfo Ilari, disponível na biblioteva virtual.
Palavras de Classe fechada
Para maior aprofundamento no estudo das classes de palavras, confira o e-book
Palavras de Classe fechada, do autor Rodolfo Ilari, disponível na biblioteva virtual.
Nova Gramática do Português Contemporâneo
Para conhecer o tratamento dado às classes de palavras na Gramática Tradicional,
indicamos uma consulta à Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso
Cunha e Lindley Cintra, disponível em nossa biblioteca vitual.

Vídeos
Sinonímia, antonímia, hiperonímia, hiponímia, homonímia, paronímia, polissemia, ambiguidade
Para saber mais sobre o trabalho semântico com o léxico e ampliar o que aprendeu
com o infográfico apresentado nesta unidade, assista à seguinte videoaula.
https://youtu.be/lEAq4Dz26dI

Leitura
A lexicologia e a teoria dos campos lexicais
Que tal saber um pouco mais sobre a lexicologia, disciplina que estuda o léxico, e
sobre a teoria dos campos lexicais? Para isso, leia o seguinte artigo científico.
https://bit.ly/3blMbZ5

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Referências
BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo,
Contexto, 2004.

BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de


Janeiro, Lexikon, 2017.

SAUTCHUK, I. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)


sintática. São Paulo: Manole, 2018. (e-book)

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