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ADJETIVO
Adjetivo
Adjetivo é, em essência, um modificador do substantivo (ou de um

equivalente a substantivo). Serve para indicar-lhe qualidade, propriedade,

condição ou estado.

Na passagem abaixo, trecho de um soneto dedicado ao corpo

feminino, Cruz e Souza se vale abundantemente do poder semântico dos

adjetivos:

Ó Mãos ebúrneas, Mãos de claros veios,

esquisitas tulipas delicadas,

lânguidas Mãos sutis e abandonadas,

finas e brancas, no esplendor dos seios.

Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,

de eflúvios e de graças perfumadas,

relíquias imortais de eras sagradas

de antigos templos de relíquias cheios.

Mais adiante, estudar-se-ão as orações adjetivas, mas desde já se

ressalta que elas têm valor adjetivo (daí seu nome). Por exemplo, no texto

de Cruz e Souza, “relíquias imortais” equivale a “relíquias que não morrem”,

ou seja, a oração adjetiva “que não morrem” equivale semanticamente ao

adjetivo “imortais”.

A relação entre substantivo e adjetivo é bastante estreita. Um pode

facilmente virar o outro, a depender do contexto e da intencionalidade

discursiva. Veja:

Mais vale ter um cachorro amigo que um amigo cachorro. (ditado

popular)

Os alunos do 9º ano são mais crianças (=infantis) do que parecem

ser.

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Foi explorando exatamente isso que Machado de Assis iniciou

Memórias Póstumas de Brás Cubas assim:

“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo

princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento

ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento,

duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é

que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor,

para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria

assim mais galante e mais novo.”

Note como, em “autor defunto”, o substantivo “autor” é caracterizado

por ser “defunto” –– ou seja, tem-se um autor cuja característica é ser


“defunto” (morto) –, ao passo que, em “defunto autor”, tem-se, ao contrário,

um “defunto” cuja característica é ser “autor”. Isso acontece porque a

qualidade do ser é concebida com grande independência, a ponto de não

raramente denominar o próprio ser.

Com tal descrição, Machado de Assis deixa claro que não se trata de

um autor que já morreu (morto), mas de um defunto que virou autor, daí o

ineditismo da obra.

Frequentemente, retira-se o próprio substantivo e o adjetivo é vira

substantivo no contexto: o velho, aquele maldoso, três espertos etc.

Classificação dos adjetivos

Primitivo ou derivado
Primitivo é aquele sem prefixo nem sufixo: capô cinza, sorriso torto,

roupa formal.

Derivado é o que apresenta prefixo e/ou sufixo: tom acinzentado,

caminho tortuoso, contrato formalizado.

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Simples ou composto
Simples é o que só apresenta um radical: homem mudo, nação

portuguesa, caso cirúrgico.

Composto é o que apresenta mais de um radical: cidadão surdo-

mudo, império luso-brasileiro, procedimento médico-cirúrgico.

Os adjetivos podem indicar nacionalidade (pátria, lugar, procedência),

casos em que são chamados pátrios (ou gentílicos): homem brasileiro,

acordo luso-americano, cidadão senegalês, mercado asiático, milho

goiano.

Para a formação de pátrios compostos, preferem-se primeiro as

formas curtas e contraídas ou mais antigas. Havendo igualdade silábica,

prefere-se a ordem alfabética.

Exemplos: empresas franco-teuto-brasileiras, acordo nipo-hispano-

dinamarquês, culturas afro-brasilo-espanholas, documento fino-ítalo-

australiano.

Algumas formas contratas:

Austro – Áustria

Dano – Dinamarca

Sino – China

Anglo – Inglaterra

Ásio – Ásia

Brasilo – Brasil

Fino – Finlândia

Euro – Europa

Franco – França

Teuto ou germano – Alemanha

Greco – Grécia

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Hispano – Espanha

Ítalo – Itália

Luso – Portugal

Nipo – Japão

A escolha dos adjetivos expressa frequentemente carga subjetiva e

avaliativa de quem os usa. É fundamental sopesar de maneira parcimoniosa

o contexto de uso. Analise a diferença de abordagem do mesmo veículo de

comunicação.

Locução adjetiva
Trata-se de um grupo de vocábulos composto de preposição ou

locução prepositiva mais núcleo substantivo (ou substantivado), com valor


adjetivo. Quase sempre – mas não sempre – pode ser substituído por um

adjetivo correspondente:

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver

dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.”

“Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da

melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio.”

(Memórias Póstumas de Brás Cubas)

Note as locuções modificadoras dos substantivos acima (“carnes”,

“obra”, “pena” e “tinta”).

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Observação: O adjetivo “difícil”, por sua vez, modifica toda a

construção “antever o que poderá sair desse conúbio”.

Os adjetivos e locuções adjetivas podem modificar outras classes de

caráter nominal que não o substantivo:

Aqueles da sala 1 foram embora.

Eles são de casa.

Os três eram competentes.

Por fim, analise:

“Os slogans, as figuras, os jingles e os logotipos da propaganda

povoam a imaginação do homem de hoje exatamente como outrora os

anjos e demônios, heróis e duendes do imaginário tradicional. Eles formam

o vocabulário básico com o qual o habitante das grandes cidades expressa

seus desejos, aspirações e temores.”

(O jardim das aflições, Olavo de Carvalho)

Curioso perceber a dinâmica na passagem anterior: “do homem de

hoje” é locução adjetiva de “imaginação”, ao passo que “de hoje” é locução

adjetiva de “homem”; “do imaginário tradicional” é locução adjetiva que,

embora expressa uma única vez, refere-se claramente aos substantivos

“anjos”, “demônios”, “heróis” e “duendes”.

Variações
Podem os adjetivos variar em gênero, número e grau.

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Gênero
Uniforme: homem/mulher capaz, inteligente, cruel, simples.

Biforme: homem vazio/ mulher vazia, homem judeu/mulher judia,

homem mau/mulher má.

Curiosidade: “Trabalhadora” é substantivo (a trabalhadora da fábrica

chegou); “trabalhadeira” é adjetivo (a mulher trabalhadeira chegou).

Nos adjetivos compostos, apenas o último elemento varia em gênero

(ou em gênero e número, como veremos a seguir):

Lentes côncavo-convexas, atividade lúdico-instrutiva, calça

amarelo-escura.

Exceção: surdo-mudo – a criança surda-muda.

Número
O adjetivo varia normalmente, em regra com o acréscimo de s, para

concordar com a palavra à qual se refere:

Vinho encorpado/vinhos encorpados, cenário pitoresco/cenários

pitorescos.

Atenção: Ele ficou só (sozinho)/ Eles ficaram sós (sozinhos).

Mas: Ele ficou a sós. Eles ficaram a sós. (“A sós” é expressão adverbial

invariável)

Quando se usa um substantivo como adjetivo, ele fica invariável (não

vai para o plural), o que é muito como quando há referência a cores, ocasião

em que se pressupõe a expressão “cor de”: tintas creme, tons pastel, blusas

gelo, livros laranja (mas “alaranjados”), luvas pérola (mas “peroladas”),

cobertores cinza.

O mesmo raciocínio se estende aos adjetivos compostos, quando


o último elemento é um substantivo referente ao adjetivo anterior:

blusas branco-gelo, tintas vermelho-sangue, camisas verde-abacate,

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gravatas amarelo-palha.

A flexão em número dos adjetivos compostos é complexa e encontra

discordâncias mesmo entre estudiosos. Em regra, dá-se com a variação

apenas do último elemento, o qual concorda com o termo substantivo ao

qual o adjetivo inteiro se refere: pássaros azul-claros, olhos castanho-escuros,

bandeiras verde-amarelas.

Grau
Variação de grau é a intensificação do valor do adjetivo, seja por um

advérbio, seja por um afixo. Tal variação gradual pode ocorrer tanto em uma

estrutura comparativa como em uma superlativa. Na passagem abaixo,

Machado de Assis se vale do superlativo com sufixo ao descrever José Dias:

CAPÍTULO IV / UM DEVER AMARÍSSIMO!

José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição

monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases. [...]

Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não aquele

vagar arrastado dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um

silogismo completo, a premissa antes da consequência, a consequência


antes da conclusão. Um dever amaríssimo!

(Machado de Assis, Dom Casmurro)

Alguns superlativos absolutos podem trazer dúvida. Exemplos:

Sério, frio, necessário, precário (adjetivos terminados em -io):

seriíssimo, friíssimo, necessariíssimo, precariíssimo. (Celso Cunha ressalta a

admissão desses adjetivos com um só i.)

Notável, amável, móvel (-vel vira -bil): notabilíssimo, amabilíssimo,

mobilíssimo.

Feroz, feliz, voraz (desaparece o -z): ferocíssimo, felicíssimo, velocíssimo.

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Bom, vão, pagão (terminados em -m e -ão): boníssimo, vaníssimo,

paganíssimo.

mísero, célebre, áspero, livre (terminados em -ro e -re): misérrimo,

celebérrimo, aspérrimo, libérrimo.

Algumas formas latinas antigas convivem com as formas modernas

(estas sempre terminadas em -íssimo). Exemplos:

Ágil – agílimo ou agilíssimo

Amargo – amaríssimo ou amarguíssimo

Baixo – Ínfimo ou baixíssimo

Doce – dulcíssimo ou docíssimo

Humilde – humílimo ou humildíssimo

Magro – macérrimo ou magríssimo (“magérrimo” é forma coloquial,

de acordo com a maior parte dos estudiosos)

Nobre – nobilíssimo ou nobríssimo

Pobre – paupérrimo ou pobríssimo

Recente – nupérrimo ou recentíssimo

Abaixo, nota-se grau comparativo de adjetivo e de verbo nas partes

destacadas. A passagem é interessante para distinguir tais fenômenos:

“Eu adoro todas as coisas

E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.

Tenho pela vida um interesse ávido

Que busca compreendê-la sentindo-a muito.

Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,

Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas.

Para aumentar com isso a minha personalidade.

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Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio

E a minha ambição era trazer o universo ao colo

Como uma criança a quem a ama beija.

Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras —

Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que

estou vendo

Do que as que vi ou verei.

Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.

A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.

Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.”

(Livro de Versos, Fernando Pessoa como Álvaro de Campos)

Note como, no verso “Nada para mim é tão belo como o movimento

e as sensações”, trabalha-se com o grau comparativo do adjetivo “belo”, ou

seja, compara-se a incidência de tal característica (“belo”) sobre os termos

“nada” e “o movimento e as sensações”.

Ressalta-se, por fim, que os adjetivos bom, mau, grande e pequeno

têm formas especiais de comparativo de superioridade:

Bom – melhor

Mau – pior

Grande – maior

Pequeno – menor

Assim, no Brasil, não se diz “Este conto é mais pequeno (do) que

aquele”, mas sim “Este conto é menor (do) que aquele”. No entanto, caso se

estejam contrapondo qualidades, é possível fazer tais construções:

O cartorário era mais bom (do) que propriamente inteligente.

O sofá mostrou-se mais grande (do) que confortável.

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