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Amor
Humor
Mesmo que não seja o poema mais curto, é de todo modo um achado
esse encontro a sós entre amor e humor. Não só porque rimam. Têm
muito em comum. Ambos só podem ser feitos acompanhados. O amor
carnal, tesão de pele, roçar de coxas, arranca do corpo o suor que é
pura umidade, que vem de húmus, matriz latina da palavra “humor”. O
amor sexual, de quebra, melhora nosso humor. É, enfim, alegria
mútua, festiva, um estado de ficar bem e de fazer ficar bem.
Esse é um modo dentre tantos de ver o amor hoje em dia, talvez o
mais hedonista deles, o mais consciente de que toda relação é uma
interação entre dois seres, com o mesmo peso na jogada. Mas, como
falei no início, nem sempre a palavra “amor” foi encarada dessa forma.
Amar não tem sentido só passivo, muito menos ativo, ocupa o meio-
campo, conjuga-se em voz média. Dizer que amo alguém é dizer o
quanto me amo também. É como quem diz “eu me confesso”: no
momento mesmo em que me revelo, a revelação é feita a mim
também. “Não se consuma uma confissão a mim senão pela confissão
ao outro”, diz Mário Bruno Sproviero. No momento em que falo a
alguém, o que falo me afeta. Sou sujeito da ação e seu alvo. Sou voz
média. O mundo dos deuses e dos homens numa só expressão.
Amor, humor [v] .
Seja qual for o sentido de origem, foram os latinos que nos legaram a
forma sintética “amor”, um significante com mil e uma utilidades,
aplicado a várias situações, não fragmentado como os quatro
vocábulos gregos. Mas, como vimos, mesmo os romanos davam a
“amor” um sentido diferente do atual.
Até o século 16, não havia nome culto para órgão genital feminino. O
homem como imagem e semelhança de Deus, era a matriz anatômica
do Gênesis. A mulher era sua cópia piorada, veio da costela e o levou
à perdição. Como criatura de Deus, tem de ter os mesmos órgãos do
homem, mas, como ser inferior, ela os têm mal desenvolvidos, para
dentro.
Talvez por isso todo mundo fale de amor com propriedade, mas
ninguém sabe dizer direito o que é. Até que chega uma certa hora, o
olho no olho, o peito aberto como ferida, o coração na ponta da língua.
É então que 20 séculos de dúvida se dissipam, nenhuma outra palavra
se revela mais precisa, mais exata. E a única coisa cristalina e
inconfundível é aquilo que você só pode dizer dessa maneira e de
nenhuma outra mais, esse verbo intransitivo, que é a única verdade
daquele momento, a sua mais sincera verdade: “eu amo”.