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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO (UFOP)

Resposta pergunta 1

ANA FLÁVIA DE SILVA SOUZA

Safo de Lesbos (c. 630-570 a.C.) é reconhecida como uma destacada poetisa
lírica na Grécia Antiga, notável por suas composições líricas e amorosas que exploram
temas como paixão, beleza e feminilidade. Ela figura de forma icônica na história da
literatura, sendo uma das primeiras poetisas da Grécia Antiga cujas obras chegaram até
nós, sendo sua contribuição essencial para a compreensão da poesia lírica arcaica e sua
interação com a tradição épica grega.

Em uma época em que a escrita era menos difundida e a transmissão da poesia


ocorria principalmente na linguagem oral, essa tradição desempenhou um papel crucial
na disseminação de suas obras, transmitidas por meio de recitação e performance. A
poesia oral é a forma mais antiga de registro literário na Grécia Antiga, ela era
apresentada em rituais religiosos, festas populares e reuniões familiares, permanecendo
viva na memória das pessoas ao longo do tempo. Com o passar dos anos, essas práticas
se cristalizaram na literatura escrita, desenvolvendo suas próprias formas, linguagem e
conteúdo.
Ademais, para entender a importância da transição oral para a escrita é preciso
considerar o papel dos Aedos durante essa transição, visto que, eram indivíduos
responsáveis por recitar as composições líricas, acompanhando-se ao som da cítara e as
memorizando.
A complexidade ao abordar Safo reside na escassez de informações sobre sua
vida, tornando-a uma figura enigmática da antiguidade. Analisar seus poemas apresenta
desafios, especialmente ao interpretá-los como expressões autobiográficas, onde Safo é
considerada o "eu lírico" por trás dos versos. Muitos estudiosos, portanto, optam por
analisar a poesia de Safo com base em temas, técnicas poéticas e relevância cultural,
evitando a busca por uma correspondência direta entre a voz lírica e a autora.
Outro aspecto intrigante é a interpretação dos leitores sobre os poemas de Safo.
Ao utilizar o pronome na primeira pessoa, estaria ela falando de suas próprias
experiências íntimas, ou suas composições faziam parte de uma tradição poética da
época? Para uma conclusão informada, é essencial considerar o que Bowra (1961, p. 7)
nos diz sobre o canto lírico oral.

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Ainda que os poetas corais frequentemente falassem
em primeira pessoa e não tivessem medo de expor suas
opiniões, eles são menos íntimos e pessoais que os escritores
do canto monódico, que falavam sem reserva de seus
sentimentos mais íntimos e não se preocupavam em se
identificar ou falar de alguém a não ser eles mesmos.1

De acordo com Bowra (1961), o fato de o poeta utilizar o pronome na primeira


pessoa não garante que ele esteja falando do que é chamado na citação de: “sentimento mais
íntimo do poeta”.

Safo, concentrada na expressão lírica, destaca-se frente à tradição épica grega,


ela focalizava em questões íntimas como, paixão, desejo e amor, abordando sentimentos
relacionados às suas paixões nos versos líricos, diferente de “Iliada” e “Odisseia” que é
predominante épica, caracterizada por narrativas extensas e grandiosas sobre heróis e
eventos míticos, frequentemente adotando uma abordagem objetiva. Apesar das
diferenças temáticas e de gênero, Safo demonstrava consciência da tradição épica,
incorporando referências a figuras e eventos épicos em suas obras. Isso indica que a
poesia lírica não existia de maneira isolada, mas interagia significativamente com a
tradição épica.
Podemos citar por exemplo da escrita de paixão, amor, desejo e até mesmo as
figuras épicas de Safo pelo conhecido e bastante traduzido fragmento 31 de Safo:

“Fulgura como os deuses um que me

surge, varão, que, diante de ti

se assenta, e, junto, dócil a que

fala e ri ardente. 4

escuta, e isso, de pronto

me desatina no peito o coração!

Pois, no que te vejo, súbito eu nada

mais sei falar. 8

assim, logo se me engrola a língua; sutil,

num átimo, um fogo dispara sob a pele

e, nas vistas, nada diviso; os ouvidos

trovoam, 12

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daí, suor me poreja de alto a baixo, então

tremuras me tomam toda, orvalhada fico, mais

que a relva, com pouco lassa, morta

figuro estar, 16

e, toda impudente, baldia já...”

Neste fragmento podemos perceber a manifestação de uma voz feminina que


descreve uma intensa exaltação sensorial provocada pela visão de um par amoroso.
Uma corrente teórica, regularmente aceita sobre o fragmento, atenta para um contexto
delineado pelo homoerotismo, no sentido de que o homem pouco importa em si, mas
compete com a personalírica pela atenção que ela desejaria ter de forma exclusiva. Há
ainda mais uma possível vertente, que supõe o poder de Eros e dá ênfase ao olhar
detonador de um desejo irrestrito (PoMEroY, 1995, p. 53-56)3 que desencadeia la petite
mort do eu poético.
La petite mort é como os franceses chamam o ápice erótico. Morro de não
morrer. A questão que colocamos não é sobre uma vida no além, mas um mais além de
vida. Não uma morte absoluta, se trata de uma pequena morte. Para Bataille, a pequena
morte erótica se experimenta o impossível. Para Lacan é na morte simbólica que se
encontra o real. A mesma experiência de ruptura atravessa os dois autores: o gozo. Não
a morte do corpo, da carne, mas a morte do sujeito de dissolução das ilusões de um eu
que se constitui como unidade. Encontramos no erotismo uma experiência de morte. Se
gozar não é morrer seria, então, repetir uma morte que não nos matou.
Ainda relacionando/comparando a escrita de Safo Homero, ambas as formas
poéticas compartilhavam métricas específicas, como o dístico dactílico (hexâmetro para
a epopeia e estrofes métricas variadas para a lírica), servindo como um elo métrico entre
os dois gêneros. Hexâmetro datílico, é uma métrica que confere um ritmo encantador
aos versos. Cada linha é composta por seis dáctilos - grupos de sílabas que lembram
dedos, com duas curtas e uma longa. Em português, esse ritmo se traduz nas sílabas
tônicas e átonas. Essa estrutura rítmica permitia que a epopeia fosse declamada de
forma harmoniosa e articulada.
Em relação a detalhes e abordagem narrativa, Safo, uma poetisa lírica de Lesbos,
era conhecida por sua abordagem mais direta e intimista. Em seus poemas,
frequentemente centrados nas emoções e relações pessoais, ela capturava a essência dos
sentimentos de uma maneira mais imediata. Sua poesia lírica era menos voltada para a
narrativa extensa e mais focada nas experiências emocionais e pessoais, muitas vezes
expressando diretamente suas emoções e desejos.
Homero, conhecido por obras épicas como a "Ilíada" e a "Odisseia", era
famoso por sua riqueza de detalhes descritivos. Ele mergulhava profundamente nos
eventos, expandindo-se sobre os aspectos mais minuciosos das batalhas, dos
personagens e do mundo mitológico que retratava.

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A lírica grega antiga desempenhou papéis fundamentais na cultura da Grécia
Antiga. A lírica, exemplificada por Safo, explorava as dimensões emocionais da
experiência humana, se destacando pela simplicidade e intensidade emocional de suas
composições líricas valorizadas em contextos culturais e literários.
A poesia lírica que era feita na Grécia antiga consistia em duas práticas literárias
bastante específicas, a saber: a lírica coral lírica monódica, da qual faz parte, dentre outros
poetas, a escritora Safo de Lesbos. A lírica monódica é definida por Schüler (1985, p. 35) como
aquela em que “o poeta exprime seus próprios sentimentos”; paralelamente à lírica monódica,
tem-se a lírica coral, na qual “os poemas compostos para um coro vinculam-se ao júbilo dos
dias festivos.” (SCHÜLER, 1985, p. 35)

Com efeito, os poemas líricos eram feitos para serem lidos para uma plateia. No caso
de Safo de Lesbos, este fato aparece confirmada no fragmento2 CLX, quando ela diz “ta/de
nu=n e)tai/raij tai=j e)/maij [...] te/rpna [..] ka/lwj a)ei/sw Eu cantarei agora essas canções em
bela maneira para deleitar minhas companheiras) Esta leitura era acompanhada de música,
em geral executada em instrumentos de corda (em geral uma lira, daí o nome de lírica, poema
declamado ao som de uma lira). Havia, também, por outro lado, toda uma performance por
parte do recitador (ACHCAR, 1994, p. 34), a qual ajudava no processo de identificação do
ouvinte com o texto lido.

Em resumo, a poesia de Safo de Lesbos, embora fundamentalmente lírica e


abordando temas distintos da tradição épica, revela uma interação significativa com a
poesia épica grega. Sua contribuição à literatura grega antiga é notável não apenas pela
singularidade de suas composições líricas, mas também pela conexão intrínseca com a
rica tradição épica da Grécia.

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