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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

ESTUDOS LITERÁRIOS I
Profs. Dr. Paulo Cesar Andrade da Silva e Débora Laís Martins de Oliveira

JOSÉ VITOR ROSSI

ANÁLISE DAS FORMAS LÍRICAS: BALADA, MADRIGAL, ELEGIA, ÉGLOGA E


SONETO EM RELAÇÃO AOS POEMAS DE VINÍCIUS DE MORAES E WILLIAM
SHAKESPEARE

ARARAQUARA
2023
RESUMO:

O presente trabalho apresenta uma análise sobre os diferentes gêneros literários e as formas
fixas da poesia lírica. Abordando a poesia lírica como um gênero literário que se destaca pela
expressão subjetiva dos sentimentos e emoções pessoais do autor. Essa forma de expressão
remonta à antiguidade e utiliza recursos poéticos como metáfora, rima e ritmo. Em seguida, é
discutida a teoria dos gêneros literários de Anatol Rosenfeld, que reconhece a importância da
poesia lírica como uma das categorias dentro do espectro dos gêneros literários. Rosenfeld
destaca que os gêneros não são fixos e imutáveis, mas sim produtos de transformações
históricas e sociais, podendo ser subvertidos e reinventados pelos escritores. A teoria de
Rosenfeld enriquece nossa compreensão da poesia lírica, permitindo uma apreciação mais
profunda da diversidade e evolução desse gênero ao longo do tempo.
Analisando os diferentes gêneros literários, destacando suas características e exemplificando
com poemas específicos. O trabalho aborda a expressão subjetiva da poesia lírica, a
importância dos gêneros literários na teoria de Rosenfeld, e explora a balada, o madrigal, a
elegia, as églogas e o soneto como formas poéticas que refletem sobre a condição humana e
despertam emoções intensas nos leitores.
Por fim, são apresentados dois poemas específicos para exemplificar os gêneros discutidos. A
"Balada da Moça do Miramar" de Vinicius de Moraes e O "Soneto 73" de Shakespeare que
refletem sobre a morte, utilizando de metáforas para transmitir a ideia da transitoriedade da
existência.
SUMÁRIO:

1. A POESIA LÍRICA E A TEORIA DOS GÊNEROS


2. BALADA
3. MADRIGAL
4. ELEGIA
5. ÉGLOGA
6. SONETO
7. BALADA DA MOÇA DO MIRAMAR
8. SONETO LXXIII
9. CONCLUSÃO
1. A POESIA LÍRICA E A TEORIA DOS GÊNEROS

A poesia lírica é um gênero literário que se destaca pela expressão subjetiva e intimista dos
sentimentos, emoções e experiências pessoais do autor, com sua musicalidade e o uso de
recursos poéticos como metáfora, rima e ritmo, é uma forma de expressão que remonta à
antiguidade, explorando a subjetividade humana. Os poetas gregos, inspirados pelas divindades
mitológicas, as musas, abordavam temas como amor, beleza, natureza, saudade, solidão e
melancolia, revelando suas emoções mais íntimas e reflexões sobre o mundo ao seu redor.
A linguagem poética é caracterizada por sua intensidade e pela busca de uma expressão original
e única e encontra-se em consonância com a teoria dos gêneros literários de Anatol Rosenfeld
que, ao considerar os gêneros como convenções históricas e culturais que moldam nossa
interpretação e apreciação das obras literárias, reconhece a importância da poesia lírica como
uma das categorias dentro desse espectro.
Rosenfeld, em sua teoria dos gêneros literários, destaca que esses gêneros não são entidades
fixas e imutáveis, mas sim produtos de transformações históricas e sociais. Ele argumenta que
os gêneros literários não devem ser vistos de forma rígida e prescritiva, mas como elementos
que podem ser subvertidos, parodiados ou reinventados pelos escritores. Isso implica que a
poesia lírica, assim como outros gêneros, não está limitada a uma forma ou estilo específico,
mas pode ser moldada de maneiras inovadoras e criativas.
A abordagem de Rosenfeld também destaca a importância das convenções e transformações
históricas na definição dos gêneros literários, incluindo a poesia lírica. Ele reconhece que os
gêneros evoluíram ao longo do tempo, refletindo as mudanças sociais e culturais. Isso implica
que a poesia lírica também pode sofrer modificações e se adaptar às demandas e sensibilidades
de diferentes períodos e contextos.
A teoria dos gêneros de Rosenfeld oferece uma perspectiva que valoriza a expressão subjetiva,
os recursos poéticos e a flexibilidade da poesia lírica dentro do contexto das convenções
literárias. Isso enriquece nossa compreensão e análise das obras poéticas, permitindo uma
apreciação mais profunda da diversidade e evolução da poesia lírica ao longo do tempo.

2. BALADA

Com origem na França e na Alemanha no século XIV, foram desenvolvidas a partir de poesias
narrativas folclóricas ou tradicionais. O período em que a balada alcançou maior popularidade e
desenvolvimento artístico foi durante a Idade Média e o Renascimento. Possuindo uma
estrutura fixa, a balada é composta por vinte e oito ou vinte e nove versos, distribuídos em três
estrofes de oito versos (oitavas) e uma estrofe final de quatro (quadra) ou cinco (quintilha)
versos. A última estrofe, conhecida como oferenda ou ofertório, representa um momento de
oferecimento da composição a alguém ou de expressão de um pedido, geralmente relacionado a
relacionamentos. Essa estrutura é caracterizada por versos octossílabos e rimas cruzadas, além
de marcada principalmente pelo paralelismo, a repetição de um mesmo conceito nos versos
finais de todas as estrofes (refrãos ou estribilhos), o que enfatiza a musicalidade.
A balada é uma das setes formas fixas da poesia lírica e musical na qual combina elementos
narrativos e musicais, sua estrutura em estrofes e versos curtos, cria um ritmo marcante e
melódico. Com suas raízes e tradições populares e folclóricas, foi transmitida oralmente ao
longo dos séculos, o que possibilitou a preservação da história e elementos culturais e uma
diversificação das temáticas e estilos. Por meio de imagens vívidas elas contam histórias
frequentemente trágicas ou românticas, despertando emoções intensas no leitor por meio da
expressão poética cativante.
Durante o século XIX, no Brasil, a balada ganhou prestígio na poesia parnasiana, período em
que se buscava retomar ou reviver formas poéticas fixas, que haviam sido abandonadas pelo
romantismo. Olavo Bilac foi um dos expoentes dessa época, compondo poemas baseados
inteiramente nesse estilo literário. Posteriormente, outros poetas passaram a compor baladas de
forma mais livre, sem seguir as formalidades iniciais. Alguns modernistas, como Oswald de
Andrade, as abordaram de maneira arbitrária. Vinícius de Moraes adotou um meio-termo em
suas baladas, mantendo parte da estrutura fixa enquanto compunha poemas.

3. MADRIGAL

O madrigal é uma forma poética e musical que teve origem na Itália renascentista durante o
século XIV. Desenvolveu-se como uma forma de poesia lírica breve, de caráter amoroso, e
frequentemente acompanhada por música vocal polifônica.
Caracteriza-se pela sua estrutura em estrofes e versos curtos e muitas vezes organizados em
tercetos. Essa estrutura compacta permite que o poeta explore temas como o amor, a natureza, a
beleza e a melancolia de forma concisa e expressiva.
A temática do madrigal gira em torno de experiências amorosas e sentimentos românticos. Os
poetas utilizam uma linguagem poética sofisticada e imaginativa para expressar emoções
intensas e complexas. O amor cortês, com suas convenções e idealizações, era frequentemente
retratado nos madrigais, exaltando a paixão e a devoção entre amantes.
Uma das características distintivas do madrigal é a sua relação íntima com a música. Os
madrigais eram frequentemente compostos para serem executados em conjunto, com várias
vozes harmonizando-se em uma textura polifônica. Essa integração entre a poesia e a música é
fundamental para a apreciação completa do gênero, já que a música complementa e amplifica
as emoções expressas nas palavras.
Ao longo do tempo, o madrigal evoluiu e se adaptou a diferentes períodos e estilos musicais.
Durante o Renascimento, o madrigal polifônico italiano alcançou grande popularidade e
sofisticação, e no final do século XVI, a cidade italiana de Florença se tornou um importante
centro de produção de madrigais, com compositores como Claudio Monteverdi e Carlo
Gesualdo expandindo as possibilidades musicais dessa forma. Posteriormente, no período
barroco, o madrigal passou por transformações e influências, perdendo popularidade em favor
de outras formas musicais, como a ópera.
Apesar de seu declínio como forma musical predominante, o madrigal continuou a influenciar a
composição e a poesia ao longo dos séculos. Sua ênfase na expressão lírica intensa e na
interação entre poesia e música deixou um legado duradouro na música e na literatura.

4. ELEGIA

A elegia é um gênero literário que se originou na Grécia Antiga e tem uma longa tradição na
poesia ocidental. A palavra "elegia" vem do termo grego "elegeia" e inicialmente se referia a
uma forma específica de poesia que expressava lamentações e tristeza pelos mortos. No
entanto, ao longo do tempo, o termo ampliou seu significado e passou a ser usado para
descrever poemas líricos que tratam de temas melancólicos, introspectivos e emocionalmente
carregados.
A elegia é caracterizada por sua tonalidade melancólica, expressando tristeza, perda, luto,
saudade, desilusão amorosa ou outros sentimentos de dor e sofrimento. Esses poemas
geralmente têm um tom nostálgico e reflexivo, com o poeta lamentando algo que foi perdido,
seja uma pessoa amada, uma época passada, um ideal ou até mesmo a própria juventude. Eles
evocam uma sensação de melancolia profunda e despertam emoções intensas nos leitores.
Em termos de estrutura, a elegia pode variar, mas muitas vezes adota versos curtos e uma forma
lírica mais livre, sem se ater a um esquema fixo de rima ou métrica. Essa liberdade formal
permite ao poeta expressar suas emoções e pensamentos de maneira mais fluida e pessoal.
Na história da literatura, a elegia foi amplamente cultivada por muitos poetas famosos. Na
Grécia Antiga, temos exemplos de elegias de autores como Safo e Píndaro. No entanto, foi
durante o período romano que o gênero se desenvolveu mais amplamente e se consolidou como
uma forma poética importante, destacando-se o poeta Tibulo. Na literatura inglesa, John Milton
escreveu elegias notáveis. E na literatura brasileira, temos a figura do “Boca do Inferno”,
Gregório de Matos, que escreveu elegias carregadas de crítica social.
Ao longo dos séculos, a elegia continuou a ser utilizada em diferentes períodos literários, como
o Renascimento, o Neoclassicismo e o Romantismo. Cada época trouxe sua própria abordagem
e interpretação do gênero, adaptando-o às suas características estilísticas e temáticas. A elegia
continua sendo um gênero poético relevante nos dias de hoje, permitindo que os poetas
expressem suas emoções mais profundas e tragam à tona reflexões sobre a condição humana, a
passagem do tempo e a transitoriedade da vida.
Outra temática importante nas elegias é referente ao amor à morte. Nesse contexto, o poeta
expressa uma profunda conexão entre o amor e a morte, explorando a interseção entre essas
duas forças poderosas e inevitáveis da existência humana, buscando encontrar conforto e
resignação diante da inevitabilidade da morte, enquanto celebra o amor e a memória da pessoa
amada. Essa visão muitas vezes carrega uma carga romântica e melancólica, explorando a
dualidade do amor e da morte como forças opostas e complementares.
Além disso, ela se relaciona à transitoriedade da vida e à efemeridade dos sentimentos
humanos. Os poetas refletem sobre a fragilidade da existência e a certeza da morte como um
lembrete para valorizar e apreciar intensamente os momentos de amor e afeição enquanto estão
presentes.
Através do amor à morte, a poesia elegíaca explora as emoções complexas e paradoxais que
surgem quando esses dois elementos essenciais da condição humana se entrelaçam. Essa
temática oferece uma oportunidade para reflexão sobre a natureza da vida, a impermanência
das relações humanas e a busca por um sentido mais profundo diante da finitude.

5. ÉGLOGA

As Églogas são um gênero literário que teve origem na poesia pastoril, especialmente na
literatura greco-romana. O termo "égloga" deriva do grego "eklogḗ", que significa "seleção" ou
"escolha". Essas composições poéticas geralmente apresentam diálogos entre pastores ou
camponeses, retratando um ambiente bucólico e idealizado.
As Églogas são marcadas por uma atmosfera idílica e pastoral, onde os personagens
representam um modo de vida simples e harmonioso, em contato próximo com a natureza. Os
pastores, muitas vezes idealizados, discutem questões amorosas, temas filosóficos, políticos ou
sociais, por meio de diálogos poéticos e repletos de metáforas.
Acredita-se que o poeta grego Teócrito tenha sido o principal precursor desse gênero, com sua
obra "Idílios". Suas composições retratavam a vida dos pastores na Sicília, mesclando temas
amorosos com a descrição da natureza e as vicissitudes da vida rural.
Na literatura latina, o poeta romano Virgílio também contribuiu significativamente para o
desenvolvimento das Églogas com sua obra "Bucólicas". Nesse conjunto de poemas, Virgílio
apresenta diálogos entre pastores, abordando temas como amor, sofrimento, rivalidade e
reflexões sobre a sociedade romana.
Durante o Renascimento, houve um interesse renovado pelas formas literárias da Antiguidade
Clássica, e as Églogas foram consideradas um dos gêneros poéticos mais adequados para
expressar a harmonia e a idealização do mundo natural. Poetas influentes, como o italiano
Jacopo Sannazaro e o espanhol Garcilaso de la Vega, contribuíram significativamente para o
florescimento do gênero nesse período.
As obras renascentistas foram marcadas por sua ambientação pastoral, apresentando diálogos
entre pastores ou camponeses em um ambiente bucólico e idealizado. Os poemas exploravam
temas como amor, natureza, idealização do campo e reflexões filosóficas. Além disso, elas
também serviam como veículo para comentários sociais e políticos, expressando aspirações e
críticas à sociedade da época.
A influência das Églogas se estendeu além da literatura. Compositores da música renascentista,
como Claudio Monteverdi, também se inspiraram nelas ao compor peças musicais, adicionando
elementos musicais às composições poéticas.
Embora o Renascimento tenha sido o período de maior destaque, o gênero continuou a ser
apreciado e explorado em períodos posteriores. Ainda assim, é no Renascimento que
encontramos a sua maior expressão artística e impacto na literatura e na cultura da época.
As Églogas são apreciadas pela beleza lírica, pela atmosfera poética e pela exploração de temas
universais. Elas oferecem um vislumbre de um mundo idílico e podem despertar reflexões
sobre a natureza, a sociedade, as emoções humanas e a busca por uma vida mais simples e
harmoniosa.

6. SONETO

O soneto é uma forma poética fixa que se destacou em diferentes períodos literários,
especialmente durante o Renascimento. Eles são caracterizados por sua estrutura rígida e regras
específicas. A estrutura do soneto clássico, também conhecido como soneto petrarquiano ou
italiano, é composta por 14 versos organizados em duas partes principais: o quarteto e o
sexteto. Cada verso é geralmente escrito em pentâmetro iâmbico, que consiste em cinco pés
métricos, com cada pé contendo uma sílaba tônica seguida por uma sílaba átona.
O quarteto é composto pelos primeiros quatro versos do soneto e apresenta um esquema de
rima específico, geralmente ABBA. Já o sexteto, que é a segunda parte do soneto, pode ter
diferentes esquemas de rima, como CDC DCD, CDE CDE, ou mesmo CDC EEE.
Essa estrutura rígida do soneto permite que o poeta desenvolva uma argumentação, uma ideia
ou um sentimento ao longo do poema, geralmente com uma mudança de perspectiva ou tom na
transição entre o quarteto e o sexteto.
Uma das características marcantes do soneto é o "volta" ou "giro", que é uma mudança de
direção, tema ou tom que ocorre no final do quarteto ou no início do sexteto. Essa mudança traz
um elemento surpreendente ou uma nova perspectiva ao poema, proporcionando uma sensação
de conclusão ou revelação.
Outra característica importante do soneto é o uso de figuras de linguagem, como metáforas,
metonímias, comparações e imagens vívidas. Os poetas exploram essas técnicas poéticas para
transmitir emoções, ideias e reflexões de maneira intensa e concisa.
Há também os sonetos decassílabos, que se caracterizam por ter versos com dez sílabas
poéticas, ou seja, são compostos por versos decassilábicos. Essa métrica é uma das mais
utilizadas e conhecidas na poesia, sendo bastante presente em diversas tradições literárias ao
redor do mundo. O soneto decassílabo é geralmente organizado em quatro estrofes: dois
quartetos (estrofes de quatro versos) seguidos por dois tercetos (estrofes de três versos). Essa
estrutura fixa permite uma exploração rica e variada de temas e emoções dentro de um espaço
poético relativamente limitado. Uma das características marcantes dos sonetos decassílabos é o
uso de pausas ou cesuras, que ocorrem geralmente após a quarta ou quinta sílaba, criando uma
cadência rítmica característica. Essas pausas podem conferir um ritmo musical e melódico aos
versos, contribuindo para a expressividade do poema. Os sonetos decassílabos têm sido
utilizados em diferentes períodos literários e por poetas de diversas nacionalidades, como na
literatura ocidental, onde a forma do soneto decassílabo se popularizou a partir dos sonetos
italianos do Renascimento, especialmente com o poeta italiano Francesco Petrarca.
Posteriormente, o soneto decassílabo também foi adotado por poetas como William
Shakespeare na Inglaterra e Luís de Camões em Portugal.
A métrica decassilábica confere aos sonetos uma cadência harmoniosa, permitindo a
exploração de temas líricos, amorosos, filosóficos, políticos e diversos outros.
Os sonetos decassílabos, com sua riqueza rítmica e formal, continuam a ser apreciados e
utilizados na poesia contemporânea, mantendo-se como uma forma versátil e expressiva para a
criação poética.
Vale ressaltar que, embora a estrutura do soneto clássico seja mais conhecida, existem outras
formas de soneto, como o soneto shakespeariano (ou inglês), que possui uma estrutura
diferente. O soneto shakespeariano é composto por três quartetos e um par final (couplet), com
um esquema de rima ABAB CDCD EFEF GG. Essa estrutura dá ao soneto shakespeariano uma
maior flexibilidade e liberdade de expressão em comparação com o soneto petrarquiano.
Os sonetos monostróficos também são uma variação da forma tradicional do soneto,
caracterizados por possuírem apenas uma estrofe. Diferentemente dos sonetos tradicionais, os
sonetos monostróficos concentram todo o conteúdo em uma única estrofe.
Essa estrutura única proporciona uma unidade e continuidade ao poema, permitindo que o eu
lírico desenvolva um tema de maneira mais extensa e concentrada em uma única composição
poética. Os sonetos monostróficos são desafiadores para os poetas, pois precisam equilibrar e
desenvolver seus versos de forma a manter o ritmo, a cadência e a coerência do poema.
No entanto, independentemente da forma específica, o soneto é uma forma poética que desafia
os poetas a trabalharem dentro de uma estrutura fixa, explorando a musicalidade da linguagem
e transmitindo ideias e emoções de maneira poderosa e concisa.
Os sonetos apresentam uma variedade de temas, mas são mais frequentemente associados ao
amor, à beleza, à passagem do tempo e às reflexões filosóficas. Os poetas exploram esses temas
usando técnicas poéticas como metáforas, metonímias, comparações e imagens vívidas.
O período de maior destaque dos sonetos foi durante o Renascimento, especialmente nos
séculos XVI e XVII. Na Itália, o poeta Francesco Petrarca, conhecido como o pai do soneto,
escreveu uma série de sonetos líricos dedicados à sua musa, Laura. Sua obra influenciou muitos
outros poetas europeus, incluindo o inglês William Shakespeare, cujos sonetos são
considerados algumas das maiores realizações literárias na forma do soneto.
Na literatura inglesa, os sonetos de Shakespeare são amplamente conhecidos e apreciados. Seus
sonetos abordam temas como amor, beleza, tempo e mortalidade, e são caracterizados por uma
rica linguagem poética e um jogo habilidoso de estrutura e significado.
Além de Petrarca e Shakespeare, outros poetas famosos que escreveram sonetos incluem Dante
Alighieri, John Donne, Edmund Spenser, Miguel de Cervantes, Luís de Camões e Elizabeth
Barrett Browning, entre outros.
Embora o Renascimento tenha sido o período de maior destaque para os sonetos, a forma
continuou a ser utilizada em períodos posteriores. Poetas românticos, como John Keats e Percy
Shelley, escreveram sonetos que expressavam emoções intensas e uma profunda conexão com a
natureza. No século XX, poetas modernistas, como T.S. Eliot e W.H. Auden, também
exploraram a forma do soneto de maneiras inovadoras.
7. BALADA DA MOÇA DO MIRAMAR
(VINICIUS DE MORAES)
rio de Janeiro , 1954

“Silêncio da madrugada
No Edifício Miramar…
Sentada em frente à janela
Nua, morta, deslumbrada
Uma moça mira o mar.”
(primeira quintilha)

Ninguém sabe quem é ela


Nem ninguém há de saber
Deixou a porta trancada
Faz bem uns dois cinco dias
Já começa a apodrecer
Seus ambos joelhos de âmbar
Furam-lhe o branco da pele
E a grande flor do seu corpo
Destila um fétido mel.
(primeira nona)

Mantém-se estática em face


Da aurora em elaboração
Embora formigas pretas
Que lhe entram pelos ouvidos
Se escapem por umas gretas
Do lado do coração.
Em volta é segredo: e móveis-
Imóveis na solidão…
Mas apesar da necrose-
Que lhe corrói o nariz
A moça está tão sem pose
Numa ilusão tão serena
Que, certo, morreu feliz.
(estrofe bárbara ou irregular)

A vida que está na morte


Os dedos já lhe comeu
Só lhe resta um aro de ouro
Que a morte em vida lhe deu
Mas seu cabelo de ouro
Rebrilha com tanta luz-
Que a sua caveira é bela
E belo é seu ventre louro
E seus pelinhos azuis.-
(segunda nona)
De noite é a lua quem ama
A moça do Miramar
Enquanto o mar tece a trama
Desse conúbio lunar
Depois é o sol violento
O sol batido de vento
Que vem com furor violeta
A moça violentar.
(primeira oitava)

Muitos dias se passaram


Muitos dias passarão
À noite segue-se o dia
E assim os dias se vão
E enquanto os dias se passam
Trazendo a putrefação
À noite coisas se passam...
A moça e a lua se enlaçam
Ambas mortas de paixão.
(terceira nona)

“Ah, morte do amor do mundo


Ah, vida feita de dar
Ah, sonhos sempre nascendo
Ah, sonhos sempre a acabar
Ah, flores que estão crescendo
Do fundo da podridão
Ah, vermes, morte vivendo
Nas flores ainda em botão
Ah, sonhos, ah, desesperos
Ah, desespero de amar
Ah, vida sempre morrendo
Ah, moça do Miramar!”
(estribilho final)

MORAES, Vinicius de. “Balada da Moça do Miramar”. Em: “Antologia Poética”. São
Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 210-212

Rompe com a estrutura clássica de vinte e oito versos e traz 65 versos, distribuídos em 7
estrofes, 1 de cinco versos (quintilhas), 1 bárbara, ou seja, irregular de treze versos, 3 de nove
versos (nonas), 1 de oito (oitavas) e 1 décima final. Porém, seguindo o padrão fixo das baladas,
os versos apresentam oito sílabas poéticas, enquadrando-se como versos octossílabos.
Apresenta também uma sequência de versos livres e heterométricos, que quebram com a
métrica e o padrão clássico da balada de rimas cruzadas.
O poema "Balada da Moça do Miramar" de Vinicius de Moraes possui elementos que
caracterizam a estrutura e a temática típica de uma balada, sendo eles:
Narrativa e enredo: O poema conta uma história, apresentando uma sequência de eventos que
envolvem a moça do Miramar. Desde o início, somos introduzidos à cena da madrugada no
Edifício Miramar, onde a moça está sentada em frente à janela, nua e morta. Essa narrativa nos
instiga a descobrir mais sobre sua história e as circunstâncias de sua morte.
Personagens: A moça do Miramar é a personagem principal da balada. Sua figura enigmática,
morta e deslumbrada, desperta a curiosidade do leitor. O poema menciona a presença de outras
entidades, como “formigas pretas”, a “aurora em elaboração”, a “lua” e o “sol”, que
interagem com a moça ao longo da narrativa.
Refrãos ou estribilhos: O poema utiliza refrãos repetidos ao final do texto, contribuindo para a
musicalidade e a estrutura da balada. Os versos como "Ah, desespero (...)" e "Ah, sonhos (...)"
são repetidos em momentos-chave ao final do poema, enfatizando as emoções e reflexões
presentes na história e trazendo ideias contrárias em contraste com a musicalidade e a temática
mórbida.
Temática trágica e emotiva: O poema aborda uma temática trágica e intensamente emocional. A
descrição da moça morta, seu estado de decomposição e a referência à necrose e ao odor fétido
transmitem uma sensação de decadência e melancolia. As repetições dos refrãos também
expressam uma angústia profunda e uma reflexão sobre a condição humana e os desejos
amorosos.
Ambiente e elementos simbólicos: A balada utiliza de elementos simbólicos para criar
atmosferas e representações vívidas. O mar, a lua, o sol e a aurora desempenham papéis
significativos no poema, interagindo com a moça e evocando sentimentos de paixão, violência
e beleza. Esses elementos também contribuem para a ambientação e a construção do mundo
poético da balada.
A "Balada da Moça do Miramar" apresenta uma estrutura narrativa, personagens marcantes,
refrãos repetidos, uma temática trágica e elementos simbólicos que são características típicas
das baladas, porém o autor rompe bruscamente com a métrica clássica a estrutura original das
baladas, trazendo um contraste com o tema mórbido e melancólico do poema. O poema
envolve o leitor em uma história misteriosa e emotiva, transmitindo sensações de melancolia,
morte e desejo.
8. SONETO LXXIII
(WILLIAM SHAKESPEARE)

“Em mim tu podes ver a quadra fria (A)


Em que as folhas, já poucas ou nenhumas, (B)
Pendem do ramo trêmulo onde havia (A)
Outrora ninhos e gorjeio e plumas. (B)
(primeiro quarteto)
“Em mim contemplas essa luz que apaga (C)
Quando no poente o dia se faz mudo (D)
E pouco a pouco a negra noite o traga, (C)
Gêmea da morte, que cancela tudo.” (D)
(segundo quarteto)
“Em mim tu sentes resplender o fogo (E)
Que ardia sob as cinzas do passado (F)
E num leito de morte expira logo (E)
Do quanto que o nutriu ora esgotado.” (F)
(terceiro quarteto)

“Sabê-lo faz o teu amor mais forte (G)


Por quem em breve há de levar a morte.” (G)
(couplet)

SHAKESPEARE, William. "Soneto LXXIII". Em: “50 sonetos”. Trad. de Ivo Barroso. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 73.

Esquema de rima: ABAB CDCD EFEF GG


6 pares de rimas cruzadas e um 1 par dístico final (rimas emparelhadas)
Todos os versos possuem o metro decassílabo (verso com 10 sílabas poéticas)
Composto por três quartetos e um par final (couplet).

O Soneto 73 de William Shakespeare é uma reflexão poética sobre a passagem do tempo, a


efemeridade da vida e a proximidade da morte. Analisando os elementos e características
presentes nesse poema podemos encontrar:
Metáforas da natureza: O poeta utiliza metáforas da natureza para transmitir a ideia da finitude
e do envelhecimento. As folhas que pendem do ramo e a luz que se apaga no poente
simbolizam a decadência e o fim da vitalidade.
Contraste entre juventude e envelhecimento: O eu lírico compara a sua própria condição física
com as estações da natureza. Ele se percebe na fase outonal, com o vigor e a beleza da
juventude diminuindo, representando o processo natural do envelhecimento.
Reflexão sobre a mortalidade: O poema sugere a inevitabilidade da morte e a transitoriedade da
existência. O eu lírico descreve a morte como uma noite negra e a irmã gêmea do silêncio, que
tudo cancela. Essa reflexão intensifica o sentimento de melancolia e a conscientização da
finitude da vida.
Nostalgia e memória: O eu lírico menciona o fogo que ardia sob as cinzas do passado,
evocando memórias e experiências vividas. Esse fogo representa a vitalidade e a paixão que,
aos poucos, se esvaem. A memória dos momentos passados se torna ainda mais valiosa diante
da proximidade da morte.
Amor diante da finitude: O eu lírico sugere que o amor se torna mais forte diante da
consciência da finitude. A proximidade da morte intensifica os sentimentos, fazendo com que o
amor seja valorizado e apreciado ainda mais.
O Soneto 73 de Shakespeare é um convite à reflexão sobre a passagem do tempo, a
efemeridade da vida e o valor dos sentimentos diante da proximidade da morte. Através de
metáforas da natureza e uma linguagem poética envolvente, o poema evoca emoções de
melancolia e nostalgia, convidando o leitor a contemplar a transitoriedade da existência
humana.

9. CONCLUSÃO

O “Soneto 73” de William Shakespeare e a "Balada da Moça do Miramar" de Vinicius de


Moraes são poemas líricos que abordam temáticas relacionadas à efemeridade da vida, à
passagem do tempo e à contemplação da morte. Apesar de apresentarem diferenças em termos
de estrutura e estilo, ambos os poemas compartilham uma reflexão profunda sobre a condição
humana.
O “Soneto 73” de Shakespeare é uma meditação poética sobre o envelhecimento e a
aproximação da morte. O eu lírico utiliza metáforas da natureza para descrever a decadência
física e a extinção gradual da vitalidade. Através de imagens evocativas, o poema transmite
uma sensação de melancolia e uma conscientização da transitoriedade da existência. O amor é
mencionado como um elemento que se torna mais forte diante da iminência da morte,
enfatizando a importância dos sentimentos diante da efemeridade da vida. Shakespeare preza
pela forma e estrutura clássica do soneto, mas opta pela sua própria construção e metrificação
dos versos que deu origem aos sonetos shakespearianos decassilábicos.
Por sua vez, a "Balada da Moça do Miramar" de Vinicius de Moraes é uma balada que narra a
trágica história de uma moça morta, sentada à janela do Edifício Miramar. O poema explora
imagens simbólicas e cria uma atmosfera melancólica, descrevendo a decomposição do corpo
da moça e os elementos naturais que a rodeiam. A temática da morte e a reflexão sobre a
finitude da vida são abordadas de maneira intensa e emotiva, gerando uma sensação de impacto
emocional no leitor, ao quebrar com a forma e estilística ele cria um ambiente conturbado,
avassalador e surpreendente, mas mesmo assim mantém a temática das baladas e finaliza de
maneira sublime com o estribilho que torna o poema ainda mais musicalizado.
Embora os poemas se diferenciem em termos de estrutura e estilo, ambos trazem uma
abordagem profunda sobre a efemeridade da existência humana, a passagem do tempo e a
contemplação da morte. Ambos exploram as emoções humanas diante da finitude, transmitindo
uma sensação de melancolia e despertando reflexões sobre a condição humana. São obras
poéticas que tocam em temas universais, provocando uma resposta emocional no leitor e
convidando-o a refletir sobre a transitoriedade da vida e o valor dos sentimentos diante da
inevitabilidade da morte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
-FRANCHETTI, Paulo. “Estudos de Literatura Brasileira e Portuguesa.” São Paulo: Editora
Unesp, 2007.
-MOISÉS, Massaud. “História da Literatura Brasileira Vol. I: Das Origens ao
Romantismo”.São Paulo: Cultrix, 2012.
-HAMMOND, Susan Lewis. “The Madrigal: A Research and Information Guide.” New
York: Routledge Music Bibliographies, 2011.
-SILVA, Márcia Regina de Faria da. “A Elegia Latina e a Temática da Morte”. Rio de
Janeiro: PRINCIPIA, UERJ, 2011.
-SHAKESPEARE, William. “50 sonetos”. Trad. de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2015.
-MORAES, Vinicius de.“Antologia Poética”. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009
-ELIOT, T. S. “Poesia”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
-ROSENFELD, Anatol. "Teoria dos Gêneros, o Teatro Épico"
-VENDLER, Helen. “Shakespeare's Sonnets”. Cambridge, MA: The Belknap Press of
Harvard University Press, 1997.
-MORAES, Vinicius de. “Poemas, Sonetos e Baladas”. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
2008.

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