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INTRODUÇÃO
Quer seja nos clássicos da ode chinesa (Shi Jing 诗经), quer
seja nos poemas líricos da Grécia antiga que combinam poesia,
música e performance, a musicalidade surge à medida que os ver-
sos produzem os próprios ritmos e os sons inerentes a um corpo
temporal psicológico e se entrelaçam com as múltiplas sensações
e imagísticas1.
Sendo duas formas independentes de arte, poesia e música
têm vindo a conceber os seus próprios parâmetros. Porém, um
poema de excelência é frequentemente destacado pela fonologia
prosódica associada às intensidades, alturas e métricas dos ver-
sos, enquanto uma obra prima musical é elogiada, muitas vezes,
pela sua atmosfera e metáfora poética. A ligação inesgotável entre
poesia e música não se limita a uma forma ou uma região, diria
mesmo que esta ligação se tem manifestado de forma indelével ao
longo da História da Literatura em diferentes partes do mundo.
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Tal como a língua chinesa, a língua grega arcaica também tinha acentuações tonais.
Citando a tese de Thrasybulos Georgiades, João Freitas Branco revelou que o verso
grego foi dominado pela regra músico-rítmica antiga, em que as acentuações não
se faziam dinâmica, mas sim melodiosamente (Branco, 1978, p. 28).
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Chu Ci (475-221 a.C.) é um género de poemas líricos que abandonou a forma
antiga de quatro carateres por verso, utilizada nos versos de Shi Jing, e que
adotou uma forma livre de modo a servir a necessidade rítmica e expressiva
do texto. Este estilo foi desenvolvido no período dos Reinos Combatentes e
especificamente na zona de Chu.
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Yue Fu Shi (202 a.C. – 220 d.C.) surgiu na corte da dinastia Han (汉), onde
começou a existir um gabinete musical (Yue Fu) para a seleção e produção
dos poemas líricos e a sua existência foi confirmada na coleção Yue Fu Shi Ji
(乐府诗集), organizada por Guo Mao Qian (郭茂倩) na Dinastia Song (宋).
As formas deste género apresentavam principalmente duas vertentes: uma
caracterizava-se pela forma livre, designada Za Yan Ti (杂言体); e a outra pela
ordenação métrica regular pentassilábica e com rimas combinadas entre cada
dois versos, designada Wu Yan Ti (五言体).
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Tang shi desenvolveu-se a partir do período Qi Liang (齐梁 479-587 d.C.) e
floresceu na dinastia Tang (618-907 d.C.), período que definiu as formas e as
regras métricas e fonéticas mais estreitas da poesia. Este género foi conside-
rado como “versos regulares” e designado por Jin Ti Shi (近体诗) como a forma
clássica que faz a distinção da forma antiga.
5
O poema L’après-midi d’un faune de S. Mallamé pode ser considerado como
um dos maiores marcos do simbolismo francês, em que a música, o amor, a
natureza e o mundo dos sonhos interagem um com o outro. A sua ligação intrín-
seca com a música foi confirmada pelo próprio Mallamé. O poeta expressou o
seu entusiasmo após ter ouvido o poema sinfónico Prelude à L’après-midi d’un
faune de C. Debussy, dizendo que “a música prolonga a emoção do meu poema
e fixa a cena muito mais vivamente do que a cor poderia ter feito” (Brook, 1946,
p. 150).
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No seu poema “Art Poétique”, Verlaine manifestou a sua convicção de que na
poesia a música é fundamental.
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E-mail da poetisa Fernanda Dias à autora, no dia 30 de junho de 2022.
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O “barco de flores” era um bordel na zona de Guangdong, que se formou ini-
cialmente na Dinastia Ming e floresceu na Dinastia Qing. Era um lugar onde
as gueixas ganhavam a vida vendendo canto e prostituição. Havia também
literatos que frequentavam este lugar que eram habilidosos em cantar, dançar
e poetizar (Tao, 2018).
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Amiga de Fernanda Dias, desde 1986, Lee Suk Tee escreveu vários prefácios
aos livros da poetisa. Diria que, como leitora, Lee possui uma compreensão
muito próxima das metáforas e emoções implícitas nos poemas da poetisa.
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Informação obtida em e-mail de Fernanda Dias para a autora, no dia 12 de
novembro de 2021.
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Muitos poemas são cantados e alguns ainda são dançantes. Os temas muitas
vezes descrevem as cerimónias comunitárias rurais, retratam os amores, os
lutos, as separações, os infortúnios da guerra e a felicidade dos encontros. Os
cânticos também descrevem as paisagens da China Antiga, mencionando inú-
meros animais, flores e plantas (Rémi, 2017, p. 9).
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Informação obtida em e-mail de Fernanda Dia à autora, no dia 24 de novem-
bro de 2021.
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Secundo Wang Yu, Franz Toussaint era apaixonado pela poesia chinesa. Não
sendo capaz de a ler diretamente, sentiu a sua beleza apenas através das tra-
duções. Depois de ler cuidadosamente l’époque des Thang, de Hervey de Sain-
t-Denys, e Le Livre de jade, de Judith Gautier, ele decidiu produzir a sua pró-
pria antologia de poesia chinesa, expandindo, modificando ou reescrevendo
os poemas inspirados por estas traduções. Assim nasceu a coleção La flûte de
jade, cuja primeira edição foi lançada em 1920 por H. Piazza (Wang, 2017,
“La poésie chinoise et la musique occidentale”. Magazine Culturel en Chinois
et Français, mars 2017, 41. p. 54).
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Informação obtida em e-mail de Fernanda Dias à autora, no dia 13 de setem-
bro de 2021.
O CANTO
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Informação obtida em e-mail de Fernanda Dias à autora, no dia 16 de fevereiro
de 2021.
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A poetisa Fernanda Dias é natural do Alentejo, onde passa o rio Guadiana.
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Macau fica na margem do delta do rio das Pérolas, local onde a poetisa viveu
durante mais de vinte anos.
FONÓGRAFO E RÁDIO
CONCLUSÃO
A presença da música através de sons, ritmos e imagens audi-
tivas é bem visível nas obras poéticas de Camilo Pessanha e de Fer-
nanda Dias. Embora estes poetas se situem em tempos distintos
e as suas manifestações poéticas sejam diferentes, ambos usaram
vocabulário musical para criar os seus códigos poéticos, procurando
elevar a arte de poetizar através da conexão entre som/semântico,
som/metáfora e som/imagem. A estrutura musical evidencia-se
igualmente nos poemas destes poetas, não só pela conexão entre
o Leitmotiv e as suas variações, como também através do uso das
alterações rítmicas e métricas e através dos recursos de reiteração,
ritornelo, antítese ou síntese.
A preocupação de expor os códigos poéticos numa posição
inédita faz com que ambos os poetas criem sentidos metafóricos,
simbólicos ou alusivos das palavras, atribuindo-lhes funções visuais
e sonoras que subscrevem a liberdade morfológica e sintática da
escrita. Os timbres dos instrumentos musicais, a voz humana e
os outros sons cósmicos são sentidos numa sinestesia de imagens
visuais e auditivas descritas textualmente. E mesmo na omissão
destas sonoridades musicais concretas, os poetas concedem uma
variedade imaginativa de ritmos e fonemas aos seus textos poéticos,
que revelam sensorialmente um mundo individual e emocional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS