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Sabrina Université Paris Nanterre

CARNEIRO UFR LCE M1 étude romane portugais


n. 40009360 Recherches langue littérature et civilisation

Exploração da Influência Oriental e da Musicalidade nos poemas


“Viola chinesa” e “Ao longe os barcos de flores” de
Camilo Pessanha

Problemática:
Como a influência oriental permeia a musicalidade nos poemas de Camilo Pessanha?

Corpus: Viola chinesa e Ao longe os barcos de flores de Camilo Pessanha


Palavras-chaves: Simbolismo, Musicalidade, Poesia, Camilo Pessanha

1
Sumario

Problemática............................................................................................................................p.1
Sumario...................................................................................................................................p.2

Introdução...............................................................................................................................p.3

I- Exploração estética do simbolismo na poesia............................................................p.4


a. O simbolismo na poesia portuguesa...............................................................p.4
b. O simbolismo na musicalidade......................................................................p.5

II- Analise comparativa entre os dois poemas................................................................p.6


a. Identificação de elementos musicais..............................................................p.6
b. Identificação de elementos culturais..............................................................p.7

Conclusão................................................................................................................................p.8

Bibliografia.............................................................................................................................p.9

2
Introdução

Publicado pela primeira vez em 1920, Clepsidra é o livro que recolhe os poemas do poeta
português Camilo Pessanha. Camilo de Almeida Pessanha nasceu em 1867 em Coimbra, foi o
representante do Simbolismo de Portugal. Escrevia seus poemas desde os 18 anos e alguns de
seus poemas foram publicados nas revistas Ave Azul e Centauro. Também participou na
organização de duas revistas, Orfeu e Centauro. Considerado como o melhor representante do
Simbolismo português, inadaptado à realidade, carrega na alma a dor de existir. Na elaboração
dos seus poemas, Camilo Pessanha joga com as palavras, rompe com as tradicionais estruturas,
para criar uma arte meticulosa no tratamento musical e vocativo do verso. A poesia de Camilo
Pessanha, de uma rica, cuidada e musical versificação, transmite a reflexão sobre uma profunda
crise existencial, de uma pessoa que deseja fugir, mas incapaz de se escapar a si própria, um
completo desencanto, uma linguagem fragmentada, simbólica e metafórica, que o tornam um
precursor do Modernismo. O amor de Camilo Pessanha pela civilização chinesa resultou na
incorporação de notas orientais em sua poesia. Postumamente, foi publicado China em 1944,
uma coletânea de ensaios sobre a civilização e a literatura chinesa, nomeadamente de Macau,
onde faleceu em 1926. As influências entrelaçadas pela literatura francesa e pela poesia chinesa
antiga fizeram com que Pessanha criasse uma visão poética no seu lado obscuro e imaginário,
destacando-se o espírito de busca de sons musicais em versos poéticos, na inspiração pela
efemeridade de tempo e sensação, e na sua vivência de uma saudade portuguesa e de uma
nostalgia chinesa, pelo facto de ter vivido em Macau mais de três décadas (1894-1926).

Tendo uma ligação com o território macaense, Camilo Pessanha se refere ao Oriente em vários
poemas. Por isso, é sobre esta temática que o trabalho tratará e preguntar-nos-emos como a
influência oriental permeia a musicalidade nos poemas de Camilo Pessanha. Concentrarmo-
nos na exploração estética do simbolismo na poesia portuguesa e na musicalidade,
acrescentando uma análise comparativa entre os poemas “Viola Chinesa” e “Ao longe os
barcos de flores” tirados de Clepsidra de Camilo Pessanha com uma identificação de elementos
culturais e musicais.

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I- Exploração estética do simbolismo na poesia

a. O simbolismo na poesia portuguesa

Originário da França, o movimento intitulado Simbolismo surgiu no final da década de XIX, a


princípio chamado de “decadentismo”. Esse movimento existiu em várias formas de expressão
nas artes, mas foi na literatura que teve mais destaque. Os autores voltam-se à realidade
subjetiva, às manifestações metafísicas e espirituais, abandonadas desde o Romantismo.
Buscavam a essência do ser humano, a alma; a oposição entre matéria e espírito, a purificação
do espírito, a valorização do inconsciente e do subconsciente. Manifestou-se no satanismo e no
spleen na publicação de Les fleurs du mal, de Charles Baudelaire, em 1857.

Em Portugal, o Simbolismo iniciou-se nos grandes centros intelectuais em Coimbra, através de


um grupo de escritores que apresentavam como finalidade a inovação. Com a publicação de
Oaristos, de Eugénio de Castro, em 1890, inicia-se oficialmente o Simbolismo português,
durando até 1915, época do surgimento da geração Orpheu, que desencadeia a revolução
modernista no país, em muitos aspetos baseada nas conquistas da nova estética. os poetas
simbolistas portugueses vivenciam um momento múltiplo e vário, de intensa agitação social,
política, cultural e artística. Com o episódio do Ultimatum inglês, aceleram-se as manifestações
nacionalistas e republicanas, que culminarão com a proclamação da República, em 1910.
Portanto, os principais autores desse estilo em Portugal seguem linhas diversas, que vão do
esteticismo de Eugênio de Castro ao nacionalismo de Antônio Nobre e outros, até atingirem
maioridade estilística com Camilo Pessanha: o mais importante poeta simbolista português.

De facto, Camilo Pessanha insere-se amplamente na teoria do Simbolismo, com os ideais da


estética simbolista ou chegado a eles por meio do estudo e aprendizagem da língua chinesa,
que considerava "a mais formosa e a mais sugestiva de todas as línguas literárias vivas ou
mortas"1 , a verdade é que Camilo Pessanha acabou por ser consagrado, principalmente pela
geração de Orpheu, como o melhor poeta simbolista. Então é indispensável abordar aqui as
características do simbolismo que encontramos na literatura. De facto, na literatura simbolista
temos uma forte presença de temas místicos, transcendentais, ocultos e invisíveis, o que nos
traz a subjetividade que se manifesta de várias maneiras, como pelo tipo de linguagem
escolhida pelos autores. Pela presença de misticismo e de subjetividade a literatura simbolista

1PESSANHA, Camilo, "A conferência do Sr. Dr. C. Pessanha [sobre Literatura Chinesa] ". O Progresso, Macau,
21 dc Março de 1915, in Daniel Pires. Op.cit., p.159.

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acabou sendo uma forma de negação de outros movimentos, do realismo e do naturalismo. A
sinestesia é uma figura de linguagem que usa expressões que transmitem sensações sensoriais,
os autores misturavam todas as sensações na sua literatura. Também encontramos
evidentemente o uso da aliteração e assonância, duas figuras de linguagem ligadas aos sons e
que podemos juntar com a presença da musicalidade que se destaque na poesia de Pessanha.

b. O simbolismo na musicalidade

A musicalidade é constante na literatura simbolista. O uso de recursos da língua portuguesa


para dar à escrita uma certa musicalidade é uma característica muito marcante desse período.
Para conseguir esse efeito os autores usavam os próprios recursos da língua, como o uso de
rimas e a repetição de letras e palavras com sonoridade parecida. O uso da musicalidade era
um recurso usado pelos autores simbolistas para dar ao texto e ao leitor sensações mais
subjetivas do que a simples escrita era capaz de transmitir e para aproximar os textos
simbolistas da poesia. Então, para empregar o ritmo e musicalidade nas obras simbolistas,
alguns recursos da linguagem faziam presente.

Entre esses recursos, como vimos interiormente, estão algumas figuras de linguagem como a
sinestesia, aliteração, onomatopeia e assonância. A sinestesia se trata da combinação das
sensações associadas aos sistemas sensorial humano: tato, paladar, visão, audição e olfato. Ou
seja, é associar a subjetividade das palavras ou expressões de forma sensorial, como por
exemplo, associar determinada fragrância de perfume a uma determinada pessoa, e toda vez
que sente aquele cheiro, remete a essa pessoa. A aliteração ocorre no recurso de repetição de
consoantes ou sílabas com sonoridades parecidas e até mesmo iguais. É devido a essa repetição
que causa o ritmo musical, um efeito estilístico da música. A onomatopeia se trata da
reprodução de sons que não são totalmente possíveis de reproduzir. Para entender melhor, o
barulho que é feito para imitar o miado de gato por exemplo, assim como também para objetos
inanimados como o relógio. A assonância se refere a repetição de vogais para atribuir uma certa
melodia nos versos. Por meio da repetição também é possível a rima que também transmite
uma harmonia musical. Camilo Pessanha foi o simbolista de língua portuguesa que mais se
distinguiu nessa introdução da musicalidade como nos diz Álvaro Cardoso Gomes: “Não
bastasse ele se utilizar da musicalidade para evocar estados de espírito indefinidos, num

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conjunto de alguns poemas, faz referências explícitas a instrumentos musicais, por meio dos
quais expressa a sua melancolia, a sua dor de viver.” 2

Os instrumentos musicais são invocados como um dos meios simbólicos na articulação do


interior subjetivo e emocional. Da mesma forma, encontram-se também outras sonoridades na
escrita dos poetas, nomeadamente, a voz, o canto, os sons da natureza e da vida quotidiana, que
fazem parte dos meios expressivos e metafóricos que engendram as transformações dos estados
emocionais. Nos poemas de Camilo Pessanha, a voz humana transmite tons e expressões
bastante distintos. Na poesia, a musicalidade dos versos não se expressa simplesmente através
da rima mecânica, mas no ritmo interno e na melodia dos versos, como afirma Liu Jinyan: “Os
sentimentos do poeta apenas são expressos através do som da própria linguagem. Portanto,
preconiza-se que as pés, cesuras e rimas sejam dispostas de forma flexível de acordo com as
necessidades do pensamento e da expressão emocional do poeta. Isso levou ao surgimento da
poesia moderna livre.”3 Como disse, a questão da musicalidade está muito presente nos poemas
de Camilo Pessanha, só pelos seus títulos, que por vezes estão diretamente ligados a um
instrumento musical.

II- Analise comparativa entre os poemas Viola chinesa e Ao longe os barcos de flores

a. Identificação de elementos culturais

Viola chinesa é um poema relacionado diretamente com a cultura chinesa. O título faz
referência a um tipo de instrumento tradicional chinês. Este poema é dedicado a Wenceslau de
Moraes, colega de Pessanha no liceu de Macau, antes de aquele se instalar no Japão. Recorta-
se uma paisagem interior, ao princípio, o sujeito amadornado diz-se insensível à música, mas
depois, já envolvido a música vem ofender uma cicatriz melindrosa, a ponto de lhe provocar
uma agitação dolorosa. Ou seja, num universo simbolista é impossível ficar alheio ao apelo da
música, qualquer música. O som repetitivo da viola provoca dor e perturbação no poeta. O
poema evolui sob a captação onomatopaica do som desse instrumento, aqui recriado pela
monótona insistência nos sons nasais. O poema tem a visão subjetiva que evoca sons e sentidos,
sensações (sinestesia). Viola morosa funciona como um refrão que aparece três vezes. Através

2 GOMES, A. C. Orquestração verbal e melancolia em Camilo Pessanha, Universidade de São Paulo e


Universidade Santo Amaro, março de 2019, p.150.
3 JINYAN, Liu, O Simbolismo em Portugal e na China: Aproximações entre Camilo Pessanha e Dai Wangshu,

FCSH – Universidade Nova de Lisboa, junho de 2021, p.17.

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do poema, o autor apresenta o entendimento da cultura chinesa. Ele já consegue perceber, pelo
menos perceber parcialmente, o sentido escondido numa melodia da viola chinesa.

Ao longe os barcos de flores também é um poema relacionado com a cultura chinesa, mas ao
contrário da Viola chinesa, não é tao transparente pelo título, mas tem um significado da cultura
chinesa. “Os barcos de flores” não são barcos cheios de flores, mas designam um bordel
flutuante na área de Hong Kong e da costa oriente da China em que as cortesas cantam e toca
entretendo os convidados. Na cultura chinesa, a “flor” significa a mulher bonita.

b. Identificação de elementos musicais

Em Ao longe os barcos de flores e em Viola chinesa, encontramos a musicalidade presente nos


sons de instrumentos. Em Ao longe os barcos de flores, o poeta estava a ouvir o som da flauta
e sentia-se muito triste, o som da flauta que seria uma metáfora para representar a tristeza ali
presente. O som e a tranquilidade constituem a oposição. Outro aspeto paradoxal importante
está entre a alegria da orgia e a tristeza do som da flauta e do poeta. Geralmente, uma orgia é
uma festa cheia de felicidade, mas aqui temos a presença da melodia angustiosa da flauta. O
som que ela emite, é para as “flores” que se encontram no barco, e também para os que estão
presentes. Contudo, o som sai triste, muito solitário, expressa pelas palavras “só” e “viúva”,
pois viúva remete a alguém que perdeu um companheiro, por isso encontra-se só. Podemos
então dizer que a fluta “chora”. Esse som solitário, que em princípio ninguém ouve, apenas ele
(som) chora, seja pela solidão, pela vida que não existe ali mais. Embora outras vozes estão
presentes, pois “Perdida voz que de entre as mais se exila”, aqui é o som da flauta que fica
perdido entre o barulho das outras vozes, das pessoas que estão lá presentes, e por isso ela
(música) se exila. O poema tem uma estrutura circular para recriar, com a repetição dos versos
inteiros, o som monótono da flauta, incessante, obsessivo, que, com o seu som choroso rompe
a obscuridade tranquila, o que pode evocar o exilio.

O que Camilo repete no poema Viola chinesa, com o som da viola. Descrita como um
instrumento musical que traz consigo uma melancolia profunda e nostálgica. Destacamos a
origem exótica da viola, chamando-a de "chinesa" e ressaltando seu som único que atravessa
as noites solitárias. Ele compara a viola chinesa a uma voz triste que ecoa nas montanhas,
sugerindo que seu som possui uma qualidade etérea e evocativa. O refrão, insiste “na viola
morosa”, sugerindo que a musicalidade se sobrepõe ao efeito das palavras, no entanto, o
coração é representativo de outro símbolo. A terceira estrofe, iniciada pela conjunção
coordenativa “Mas”, formula uma interrogação sobre a “cicatriz melindrosa” que afetou o
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coração e que reage perante o som dessa viola, provocando mais dor e agitação interior.
Pessanha descreve o efeito emocional que a viola chinesa tem sobre ele pessoalmente. Ele se
sente enternecido e encantado por sua música, que evoca imagens da natureza e da paisagem
chinesa. O poeta também expressa sua curiosidade. Vemos então que encontramos várias
semelhanças entre os dois poemas, do lado da cultura chinesa como pela musicalidade.

Conclusão

Para concluir, aprendemos que o poeta português Camilo Pessanha tem uma grande ligação
com o Oriente, de facto de ter lá vivido e até morrido, que se transmite até aos seus poemas.
Nos seus poemas, como vimos interiormente com os poemas Viola chinesa e Ao longe os
barcos de flores, que o poeta nos transmita as suas emoções e sentimentos, principalmente
triste com a noção de solidão, principalmente transmitida pelo som do instrumento. Ele
incorpora elementos e significados da cultura chinesa, mas também a musicalidade que faz
parte de umas características marcante do movimento simbolista, cujo é considerado como o
melhor simbolista português.

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Bibliografia (por ordem alfabética)

BARBEITAS, Flávio, A música habita a linguagem: teoria da música e noção de


musicalidade na poesia, Belo Horizonte Faculdade de Letras da Universidade Federal de
Minas Gerais, 2007.

GOMES, A. C. Orquestração verbal e melancolia em Camilo Pessanha, Universidade de


São Paulo e Universidade Santo Amaro, março de 2019.

JINYAN, Liu, O Simbolismo em Portugal e na China: Aproximações entre Camilo Pessanha


e Dai Wangshu, FCSH – Universidade Nova de Lisboa, junho de 2021

LEITE, Sara de Almeida, Camilo Pessanha e o exotismo de sugesto, Universidade Nova de


Lisboa, 1998.

PESSANHA, Camilo, Clepsidra e outros poemas, Lisboa, Ática, 1969

PESSANHA, Camilo, "A conferência do Sr. Dr. C. Pessanha [sobre Literatura Chinesa] ". O
Progresso, Macau, 21 de Março de 1915, in Daniel Pires. Op.cit., p.159.

SPAGGIARI, Barbara, O Simbolismo na Obra de Camilo Pessanha, tradução de Carlos


Moura, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve, 1982.

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