Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Angola
Hélder Simbad
(...) A divisão de versos nos poemas modernos atende as mais das vezes a
uma intenção intelectual ou expressiva, passando a pausa a constituir
importante fator no complexo de significantes da forma literária. A nosso
ver, uma das grandes conquistas do verso livre foi a utilização do silêncio
como recurso expressivo. A pausa veio a ter, no verso, o papel funcional que
sempre teve na música. E assim como não se pode executar uma peça
musical sem a estrita observância das pausas, falseia-se o poema quando se
lêem os versos sem se respeitar os silêncios que os individualizam.
Por vezes ouve-se uma música em língua estrangeira e pela sua interpretação
conseguimos compreender a mensagem estética e nos sentimos afectados por tal
mensagem. Este fenómeno, conhecido por via de Aristóteles por catarse, pode-se dar de
igual modo nas nossas línguas de origem. Isto é poesia e, conforme em Coelho
(1994), chegar à sua definição absoluta e definitiva é impossível, pois
Do lado dos poetas, nota-se que este desfasamento entre a poesia e a música não
existe. Dos eventos de literatura nos quais participamos a música esteve sempre
presente e privilegia-se os clássicos ou aquelas músicas cuja composição está mais
próxima da poesia. Ademais, a declamação de poemas são quase sempre acompanhados
de trova, ou seja, há quase sempre alguém com guitarra a acompanhar os declamadores
de poesia. Isto acontece porque a declamação de um poema tem maior impacto quando
é acompanhado de instrumentos musicais.
Quando ouvimos Bonga Kwenha, Paulo Flores, Kiaco Kyadafi, Matias Damásio,
entre outros, poucos, o que nos prende é sobretudo a qualidade do conteúdo que eles
apresentam em termos de composição. Canções como Embrião de Sabino Henda e
Astro da Minha Vida de Cristo entram na lista do repertório musical dos angolanos
muito mais pela qualidade das suas composições do que propriamente pela qualidade da
expressão musical.
Não poderíamos terminar este artigo sem analisar uma das mais bem-
conseguidas composições musicais angolanas. Poder-se-lhe-ia chamar também poesia e
não ficaria aquém da sua classificação. Trata-se da música com o título Embrião da
autoria de Sano Henda, natural do Bié, com a mesma música, venceu o Top dos Mais
Queridos em 2004.
Os dois últimos versos (Toda noite quero-te afogar / Derreter no teu calor)
servem-se do disfemismo, uma figura de estilo que, ao contrário do eufemismo, visa
tornar rude uma mensagem pacífica, para se referir apenas ao acto de relação sexual
intensa que, por consequência disso, tornando o ambiente ardente, levará os corpos a
transpirar.
O primeiro refrão compõe-se de duas estrofes com versos que formam rima
branca permeada de alguma emparelhada na segunda estrofe. Na verdade, Sabino aqui
privilegia mais a força das metáforas do que da expressão fónica, facto que iria rever no
acto de cantar, optando por uma melodia até certo ponto, eufónica.
Refrão
por tanto eu te amar cometi muitos pecados
rebusquei quase meio mundo
para encontrar mil formas prá te conquistar
só por te amar eu li grandes histórias de amor
imiscuídas com melodias
e que venceram grandes reinos de Deus
Segue-se mais uma vez o coro e depois a estrofe que consideramos conclusivo,
pois, no segundo refrão repetem-se as duas estrofes que compõem o primeiro refrão:
divida comigo
Lendo a estrofe acima, nota-se claramente que o sujeito acredita num amor de
partilha, a soma de todas as verdades, um amor sem segredo em que os dois se doam em
favor desse amor. Quando este refere que não consegue “ver no fundo do mar” refere-se
ao passado da amada por isso suplica que esta divida consigo tudo o que for dela,
referindo-se aos segredos.
Referências bibliográficas
RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da obra literária. Rio: Forense, 1974, págs. 37-
57