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COMENTÁRIO AO POEMA

O poema de Antero de Quental, «COM OS MORTOS» constitui parte


integrante da antologia «Sonetos Completos», publicada pela primeira
vez em 1886 por Oliveira Martins, na qual se encontra inserido na quarta
série, correspondente ao período de «1880-84», e versa sobre o tema do
luto.
Formalmente, trata-se de um soneto italiano, isto é, uma forma fixa
composta por catorze versos, agrupados em duas quadras e dois
tercetos; metricamente, predomina o verso decassilábico, e a rima
ocorre de forma interpolada, emparelhada e cruzada, como mostra o
esquema rimático: ABBA / ABBA / CDC / EDE.
No que concerne ao desenvolvimento do tema, este acontece de modo
tripartido: encontramos uma primeira parte, concentrada na quadra
inicial, em que o sujeito de enunciação se ocupa do paradeiro dos seus
entes queridos; uma segunda parte, correspondente à segunda quadra,
em que o ‘eu’ poético constata a sua própria desorientação; e uma
terceira parte, que se prolonga do primeiro ao segundo tercetos, em que
anuncia a possibilidade de reencontro com os entes queridos
desaparecidos.
Na primeira parte, para destacar o tema da sua reflexão — o paradeiro
dos já referidos entes queridos de que entretanto se apartara — o sujeito
lírico opta pela interrogação retórica e, logo de seguida, por forma a
enfatizar o seu trágico desaparecimento, recorre à enumeração e a um
tom discursivo hiperbolizante, apoiado em duas sugestivas metáforas
que remetem para a decadência, a saber, o «gyro dos tufões» e a «fuga»
e o «ruir dos universos»: «Os que amei, onde estão? idos, dispersos, /
Arrastados no gyro dos tufões, / Levados, como em sonho, entre visões, /
Na fuga, no ruir dos universos...»
Na segunda parte, o sujeito de enunciação inclui-se no grupo de vítimas
das forças que promovem a decadência humana, fazendo uso de novas
metáforas de grande valor expressivo para se referir a estas,
nomeadamente «corrente», «turbilhões», «espuma», «cachões», «vultos
submersos»; será relevante, aliás, notar que a destruição surge — como
denuncia a insistência no respetivo campo semântico — associada ao
elemento da água (os «vultos submersos» sugerem mesmo que a
submersão equivale à morte): «E eu mesmo, com os pés tambem
immersos / Na corrente e á mercê dos turbilhões, / Só vejo espuma livida,
em cachões, / E entre ella, aqui e ali, vultos submersos...»
Na terceira parte, porém, há uma mudança súbita — como revela o uso
da conjunção adversativa «Mas»: reunindo determinadas condições — o
uso dos conectores de discurso assume um papel central, pois é
novamente uma conjunção, «se», que reforça esta ideia — que passam
pelo estatismo («paro», «fechar os olhos») e, dessa forma, se opõem,
antiteticamente, ao movimento violento das águas associado à
decadência, o sujeito de enunciação recupera o contacto com os seus
entes queridos, sendo o resultado do seu esforço tornado mais realista
pelo efeito sinestésico das referências aos sentidos da visão («Vejo-os»),
da audição («ouço-os») e até do tato («sinto-os»): «Mas se paro um
momento, se consigo / Fechar os olhos, sinto-os a meu lado / De novo,
esses que amei: vivem commigo, // Vejo-os, ouço-os e ouvem-me
tambem». E é reposta a ordem através da comunhão, associada à
sacralização do tempo — oposta ao tempo profano da perturbação das
primeira e segunda partes — devidamente enfatizada pela epanalepse:
«Juntos no antigo amor, no amor sagrado, / Na comunhão ideal do eterno
Bem.»
Concluímos portanto que, neste soneto anteriano, a saudade surge uma
consequência natural do fenecimento humano perante as agruras da
vida, metaforizadas como manifestações da força da água, as quais
conduzem invariavelmente à separação do sujeito de enunciação dos
entes queridos. A chave para ultrapassar a dor resultante dessa rotura
existe, todavia, e passa por quebrar com o movimento opressor para
parar e abraçar, espiritualmente, aqueles de quem nos encontramos
apartados fisicamente.
"Os que amei, onde estão?" é um poema escrito por Antero de Quental,
um poeta português do século XIX. Neste poema, o autor expressa sua
angústia e questionamentos sobre o paradeiro das pessoas que ele amou
ao longo da vida. Vamos analisar e interpretar alguns aspectos-chave do
poema:
"Os que amei, onde estão? idos, dispersos,
Arrastados no gyro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos..."
O poema começa com a pergunta: onde estão as pessoas que o poeta
amou? Ele descreve-as como tendo partido, dispersas e levadas pelos
ciclos tumultuosos e imprevisíveis da vida. Essa imagem de serem
arrastadas em um "gyro dos tufões" e perdidas em meio às visões e ao
colapso dos universos sugere a transitoriedade e a incerteza da
existência. As pessoas amadas parecem ter se perdido em um mundo
caótico e efêmero.
"E eu mesmo, com os pés tambem immersos
Na corrente e á mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma livida, em cachões,
E entre ella, aqui e ali, vultos submersos..."
O poeta revela que ele mesmo está imerso nessa mesma corrente
tumultuada da vida, sujeito aos redemoinhos e turbilhões. Sua visão é
obscurecida pela "espuma lívida", possivelmente representando a
confusão e a instabilidade que o cercam. Ele vislumbra vultos submersos
nessa espuma, sugerindo que as pessoas que amou também estão
perdidas e invisíveis.
"Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei: vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e ouvem-me tambem,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,

Na comunhão ideal do eterno Bem."

No entanto, quando o poeta consegue parar e fechar os olhos, ele


experimenta uma conexão profunda com aqueles que amou. Ele os sente
ao seu lado novamente, como se estivessem vivos e presentes. Ele os vê,
ouve-os e sente que também são capazes de ouvi-lo. Essa comunhão
transcendental ocorre no "antigo amor", no amor sagrado, na comunhão
ideal do eterno Bem. Essa visão interior e a sensação de proximidade
trazem conforto e uma sensação de continuidade do amor além das
fronteiras da vida terrena.
Em "Os que amei, onde estão?", Antero de Quental reflete sobre a
transitoriedade da existência, a perda das pessoas amadas e a
possibilidade de conexão espiritual com elas além das limitações do
tempo e do espaço. O poema aborda temas universais da efemeridade da
vida e da busca por um sentido mais profundo e duradouro nas relações
humanas.
O poema "Os que eu amei, onde estão?" é uma obra do poeta português Antero de Quental,
inserido no contexto literário do final do século XIX, época marcada pelo movimento do
Realismo em Portugal. Antero de Quental foi um dos principais representantes desse
movimento, mas também se destacou por suas reflexões filosóficas e seu engajamento político.

Formalmente, o poema é composto por três estrofes de quatro versos cada uma, totalizando
doze versos no total. Quanto à métrica, apresenta-se em versos decassílabos, ou seja, cada
verso possui dez sílabas métricas. Quanto ao ritmo, o poema possui uma cadência melancólica
e introspectiva, que reflete o estado de espírito do eu lírico. Quanto à rima, segue o esquema
ABAB CDCD EFEF, ou seja, os versos pares rimam entre si e os versos ímpares também.

O tema particular do poema é a busca pelos amores passados e a saudade que eles deixaram.
O eu lírico reflete sobre o destino e o paradeiro daqueles que ele já amou, perguntando-se
onde estão e como suas vidas têm se desenrolado. Há uma sensação de desamparo e solidão,
uma vez que as pessoas que foram amadas parecem ter se distanciado ou desaparecido
completamente.

Em relação ao caráter do poema, ele se enquadra no grupo dos textos de cariz "intimista". O eu
lírico mergulha em suas reflexões pessoais, explorando seus sentimentos, emoções e a
dinâmica dos relacionamentos amorosos. Ele expressa sua angústia diante da ausência
daqueles que foram importantes em sua vida, revelando a dimensão das tensões e
contradições pessoais que o afetam.

O sujeito da enunciação reage às vicissitudes da vida e ao "desconcerto do mundo" de forma


melancólica e nostálgica. Ele reconhece a mudança constante, a efemeridade do prazer e do
bem, e reflete sobre a problemática do quotidiano. Há uma preocupação com a transitoriedade
da existência e com a incompletude das relações humanas.

Quanto à adesão do leitor à mensagem do poema, isso pode variar de acordo com a
sensibilidade e experiência de cada um. O poema levanta questões universais sobre as relações
humanas e a efemeridade da vida, convidando o leitor a refletir sobre suas próprias
experiências e sentimentos. A mensagem do poema pode despertar empatia e ressonância
emocional, ou até mesmo despertar um questionamento sobre o sentido da vida e a
importância das relações afetivas. Cabe ao leitor interpretar e relacionar a mensagem do
poema com sua própria vivência e percepção do mundo.

No poema "Os que eu amei, onde estão?" de Antero de Quental, encontramos diversos
recursos expressivos que contribuem para a expressão do sentimento melancólico e
introspectivo do eu lírico.

A - Figuras de estilo:

Anáfora: O poema apresenta repetições da expressão "onde estão?", reforçando a angústia e a


busca insistente do eu lírico pelos seus amores perdidos.

Metáfora: O poeta utiliza metáforas para expressar a ausência das pessoas amadas, como em
"fantasmas que passaram" e "vozes que em vão escuto".

B - Valor estilístico:

Coordenação: A estrutura coordenada das estrofes contribui para a clareza e a simplicidade da


expressão, permitindo uma leitura fluida e direta do poema.

Pontuação: O uso da interrogação nas repetidas perguntas "onde estão?" intensifica a busca e
a perplexidade do eu lírico, evocando uma sensação de desamparo.

Tempos e modos verbais:

Presente do indicativo: O poema utiliza principalmente o presente do indicativo, transmitindo a


ideia de uma busca atual e constante pelo paradeiro das pessoas amadas.

Uso do adjetivo:

Adjetivação dupla: O uso de adjetivos duplos, como em "longas, longas horas" e "queridos, por
quem choro", intensifica o sentimento de saudade e a importância das pessoas amadas.

Grupos de palavras de cariz negativo ou positivo:

Palavras de cariz negativo (disfórico): O poema contém palavras que expressam a ausência e a
perda, como "fantasmas", "vozes que em vão escuto" e "sombras do passado", reforçando o
sentimento de desolação e tristeza do eu lírico.

Registos de língua:

Registo cuidado: O poema utiliza um registo cuidado, com uma linguagem poética e refinada,
transmitindo uma sensação de profundidade e introspeção.

Advérbio acabado em -mente:

Raramente utilizado no poema, o advérbio acabado em -mente não desempenha um papel


expressivo significativo nesta obra em particular.

Esses recursos expressivos contribuem para a criação de uma atmosfera melancólica e reflexiva
no poema. Através das figuras de estilo, como a anáfora e a metáfora, o eu lírico exprime a
busca insistente e a saudade dos amores perdidos. A coordenação e a pontuação reforçam a
clareza e a ênfase nas interrogações do eu lírico. O uso do adjetivo duplo intensifica o
sentimento de saudade, enquanto os grupos de palavras negativas evocam a ausência e a
desolação. O registo cuidado enfatiza a profundidade emocional do poema.

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