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MELHORES

POEMAS

José Paulo Paes

Seleç ão

DAVI ARRIGUCCI JR.


© José Paulo Paes, 1996
5ª EDIÇÃO, 2.003
Diretor Editorial
JEFFERSON L. ALVES
Assistente Ediloria/
AtEXANDl(A COSTA DA FONSECA
Gerente de Produção
FtÁVIO SAMUEL
Revisão
MARIA CLARA B. FONTANELLA
LI!.IANA c,-11000 C. R. DE AlMEIDA
Capa
v,crOR BuRTON
Editoração Eletrônica
ANTONIO S11.VIO LOl'ES

Dados lntornaclonais de Calalo gação na Publicação (CIP)


(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Davi Arrigucci Jr., ensaísta, crítico e professor de
Paes, José Paulo, 1926-
Os melhores poemas de José Paulo Paes / seleção Teoria Literária e Literatura Comparada na Univer­
Davi Arrigucci Jr. - s• ed. - São Paulo : Global, 2.003. -
O
(s melhores poemas : 37) sidade de São Paulo, nasceu em São João da Boa
Bibliografia.
ISBN 85-260-0600-2
Vista, São Paulo, em 1943. Tem colaborado nos prin­
1. Poesia brasileira 1. Arrigucci Jünior, Davi, 1943· cipais jornais e revistas do país. Deu aulas e confe­
li. Tllulo. Ili. Série
rências no interior do Brasil e no exterior: México,
CDD-869.915
98·2358
Índices para catâlogo sistemático:
Estados Unidos, Cuba, Chile, Itália, Portugal. Tem
1. Poesia : Século 20 : Literatura brasileira 869.915 ensaios traduzidos na Argentina, na Colômbia, na
Venezuela e no México. Publicou os seguintes livros:
2. Século 20 : Poesia : Uteralu,a brasileira 869.915

Direi/os Reservados
O escorpião encalacrado (A poética da destruição em J11/io
GLOBAL EDITORA E
Cortázar); Achados e perdidos. Ensaios críticos; Enigma e
0ISTIUBUIDORA LTDA. co111entário. Ensaios sobre literatura e experiência; Hwnil­
Rt1a Pirapitingüi, 111 - Liberdade
dade, paixão e ,norte: a poesia de Manuel Bandeira; O
CEP 01508-020 - São Paulo - SP cacto e as ruínas. A poesia entre outras artes.
Tel.: (11) 3277-7999 - Fax: (11) :3277-8141 Seus últimos trabalhos, sobre as relações entre litera­
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tura e experiência histórica, são estudos das obras de
Colabore com a produção científica e cultural. Guimarães Rosa e Jorge Luis Borges. Para a Global
Proibida a reprodução totnl ou parcial desta obra Editora, organizou o volume Os Melhores Contos de
sem a autorização do editor.
Rubem Braga, em 1985.
Nº DE CATÁLOGO: 1978
1..
AGORA É TUDO HISTÓRIA

(...) q11n11do penso que nlgué111 dn grandeza de Mm111el Bnndeirn se


co11sidernvn 11m poeta 111e11or, que mnis posso ser senão um 111í11i1110 poeta?
José Paulo Pacs, "Quem, cu?"

Não é o chiste rnsa coisa ordi11árin (.. .)


Guimarães Rosa, "Tutaméia"

No mínimo, poeta

Pode-se ler a poesia de José Paulo Paes, breve e


aguda a cada lance em sua tendência constante ao
epigrama, como se formasse um só c�mcioneiro da
vida toda de um homem que respondeu com poemas
aos apelos do mundo e de sua existência interior.
Já vai meio século, desde que ela começou com O
aluno, em 1947. O poeta foi decerto se transformando,
e a obra deixa ver sensíveis mudanças ao longo dos
anos. O início é uma fase de aprendizado e herança
do Modernismo: havia na "Canção do afogado", com
a evocação de "Maninha" e a reiterada ameaça de
naufrágio, ecos bandeirianos, além da alusão direta a
Bandeira, em "O aluno", em que enumerava suas
paixões literárias desse tempo. A presença mais forte,
no entanto, era a de Drummond, declarada na
"Drummondiana", mas muito mais entranhada em

7
"Balada", "O h01nem no quarto", "O engenheiro", lério poético ta] como já o professavam os poetas da
com aquele jeito peculiar dele de exprimir o senti­ geração de 45, a que cronolõgicarnênteaeveria per­
mento do esforço inútil, a angústia meditativa, o ar tencer. A poesia, para esse futuro tradutor dos
de perplexidade 1 . Murilo também comparecia, "con­ ensaios de Ezra Pound, já parecia mostrar-se uma
versando com anjos e demônios", e Oswald, decisivo íorrna de condensação2. A faceta cortante da lin­
depois, estava ainda ausente nesses versos de tom guagem e uma irônica atitude diante de si mesmo
sério e intimista,_gue encontravam em Carlitos, figu­ que só iria acentuar-se nos livros posteriores desta­
ra tão cara aos modernistas algu ns anos antes, um cam a marcada diferença de seu perfil, ajustado ao
emblema de sonho e liberdade, evocando a esperança lalho do epigrama*.
utópica de uma nova ordem social. Com isso, se diferenciava também de João Cabral,
No livro seguinte, Cúmplices, de 1951, o poeta já que pertencia à mesma geração, mas logo se distin­
tem voz própria; havia absorvido cm profundidade o guiu pe}a originalidade de sua sólida obra de grande
legado modernista, buscando a poesia que se revela poeta. E que depois do primeiro livro em que seu
nas coisas simples, em esferas baixas e corriqueiras engenho construtivo ainda se associava a traços sur­
da realidade. Surge, então, com a simplicidade de um realistas, passou só a construir com observação precisa
idílio pastoral, quase como uma Marília de Dirceu, a e linguagem enxuta, como um antídoto anti-retórico, a
musa para sempre, Dora: a matéria íntima já não é dicção que lhe é tão característica. Ela parece ganhar
mera postura literária, ganhara com o lastro da peso e densidade pela materialidade verba], imitada
experiência, em depurada concentração artística. A de coisas concretas e recortada em versos breves e
novidade radical, nesse sentido, é agora a matriz epi­ quadras recorrentes, como se o poeta pela lucidez vigi­
gramática, com o corte seco da linguagem reduzida à lante e a recusa ao supérfluo e a todo sentimentalismo
forma breve, embora sem a verve satírica que fosse capaz de aprender do modo de ser da pedra uma
desponta depois. lição ao mesmo tempo ética e poética. Na verdade,
Em resumo, fiel à herança modernista, José Paulo inventou com sua maneira tão própria de articular, a
tendeu logo à aproximação sem ênfase do cotidiano, pnlo seco, rigor intelectual e imaginação plástica urna
recusando-se a toda exaltação estilística. Desse modo, retórica nova, rondada pelo silêncio, máquina de achar
se afa�ta_va da retórica do sublime e do culto do mis- no menos o que os outros em vão buscavam no mais.

2. Em colaboraçãq com Augusto de Campos traduziria o ABC dn litern/11-


}_ Numa carta a José Pilulo, de 25 de miliO de 1947, Drummond, que sem ra (1970), e com Heloys11 de Lima D11ntas, A arte da poesia (E11snios cscolliidos)
dúvidil p ercebeu strns próprias pcgad11s e as de outros modemistils no jovem (1976). No primeiro deles, como é sabido, Pound associa a tarefa do poeta,
autor, formula em termos exillos e justos a impressiio que lhe caus11rnm os ver­ Dic/1ter, em illemão. ao verbo dic/1/e11, condensar, deixando clara sua opção por
sos de O aluno, lidos antes do livro num caderno que lhe levélía Carlos Scliar: um11 poesia feita de "essências e medulas". Cf. São Paulo, Cultrix, 1970, p. 86.
"Minha opiniiio de leitor foi desde logo a de que no Cndcmo havia um poeta que • No "Prefácio" que escreveu para o volume da poesi11 reunida, Um por
ainda niio chegara a escrever seus próprios poemas". A carta se acha integral­ todos, cm 1986, Alfredo Bosi já apontou como a vertente epigramática acabou
mente reproduzida em: Paes, J. P. O nlwro. Ponta Grossil, Editoril UEPG, 1997, por se tornar "congeni11l à p11lavra de José Paulo Paes". Cf_ ed. cit., São P11ulo,
pp. 35-36. ílrnsiliense, 1986, p. 22.

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A vertente epigramática de José Paulo, sublinha­ traste com a seriedade estetizante do lirismo de 45.
da pelo sarcasmo, transformado em cm� ver­ Na direção de passagem do epigrama para o ideogra­
dade, atinge grande contundência �, de mà:nõ'tõu ainda a incorporação dessacralizante do
....� depois de se mostrar como o ve10 prmcipal nas signõ não-verbal, como na ótima "Anatomia da
"Novas Cartas Chilenas" (1954) e nos "Epigramas" Musa", a seu ver já contida "nas últimas propostas da
(1958), séries que acrescentou a seus livros iniciais na poesia de vanguarda", reconhecendo, por fim, na
edição dos Poemas reunidos, em 1961. No livro de 67, síntese, a própria essência da poesia e no humor, uma
porém, a matriz formal, já armada do humor oswal­ arma legítima contra a pequenez do "sistema"3. À
diano, mostrava sua maleabilidade dentro da brevi-
- dade, em contacto estreito com o Concre..tismo..e suas
primeira _vista, p.Q_dia_parecer q_ue José Paulo se
enquadrava nos limites do projeto concretista, tantos
-
( exigências de uma poesia sintética: d�str�ição parq:- eram os pontos visíveis de contacto, quando no
0 dica; desmontagem dQ _yerso e destc!QJ.le da..p.alav.ra fundo já era muito diverso, e não tardaria a deixar ver
isqlada; remontagem vocabular, trocadilhos, jogos melhor as diferenças fundamentais.
paronomásticos; espacialização, incorporação do Em Meia palavra, de 1973, tudo se intensifica,
' vis�aTà estrutura do poema, mas tudo em espaço reduzindo-se paradoxalmente, ainda mais, a muito
exíguo, com recorte crítico e forte espírito satírico, menos, ao mínimo: o poeta buscava de fato, por meio
voltado para as circw1stâncias político-sociais do de reconcentrada operação verbal, '! correspondên­
momento histórico brasileiro depois do golpe militar cia, que por vezes se faz identidade, do grande com o
de 64. Um epigrama em ponta seca, feito "À moda pequeno, c9mo seprocurasse ver o mundo num grão
da casa" e à maneira de Oswald, dá testemunho da de areia. Ia ficando claro que a condensação poética
cara dessa poesia e do país, ao enumerar na seqüên­ se encaminhava, pelo molde minúsculo e o corte
cia irônica de quatro palavras escolhidas a dedo as espirituoso, mas sem traço eufórico em sua latente
virtudes nacionais até seu fim histórico: gravidade, para uma forma de cf1iste 4 já muito dis­
tante da tradição modernista.
feijoadn
marmelnda
goleada
quartelada
3. "Do epigrama ao ideogrnma", de Augusto de Campos, apareceu na
orelha de A11n/0111ins. São Paulo, Cultrix, 1967.
Ao comentar o livro, Augusto de Campos apon­ 4. Infelizmente mio dispomos de um termo melhor que chiste para nomear
o conceito de Wil: dos alemães ou wit dos ingleses, a que os românticos de lena
tou essa proximidade, sem ortodoxia, com os concre­ deram, conforme se sabe, grande importância teórica, como se pode ver pel;i
tos, frisando a desce1;dência ae Oswald e do poema­ obrn de Friedrich Schlegel. Consultar o excelente estudo que dedicou ao tem;i
M.írcio Suzuki em sua tese de doutorado: O gênio ro111â11tico. Crítica e ftistórin dn
piada modernista, levada ao extremo, e a afinidade filosofin em Friedriclt Scldrgel. S.io Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
com o "salto participante" concretista, em vivo con- Humanas da USP, 1997. -

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Já não era a estocada oswaldiana, em que a para dizer. Mas no essencial esse livro já vem anteci­
agressividade demolidora toma o ar brincalhão de pado pelo corte agudo de Meia palavra, por isso
jogo e a crueldade infantil desponta com aparente mesmo um marco do avanço da arte de José Paulo,
ingenuidade e euforia de uma espontânea compulsão no processo de ajuste da expressão reduzida à cir­
à perfídia. José Paulo não perde a deixa para o .!!!!}t cunstância histórica. Em sua condensação formal, de
d'esprit, mas a chispa verbal, quando acertada, se valor sobretudo metonímico, pela relação com a rea­
situa em conexão meditativa, numa encruzilhada de lidade em torno, por vezes também objeto de alusão
associações, de tendências contraditórias, com urna ou referência metafórica, o epigrama cumpria ao
ponta de fogo e gelo que arde e traz à luz o que não mesmo tempo sua antiga função social e política,
se pode dizer senão assim. Ao contrário de Oswald, como na velha Roma de Marcial e Juvenal, reivindi­
dá mostras de estar acuado ou na defensiva, a e cando os direitos elementares dos cidadãos, agora
reduzidos, com o sal do chiste, a "suicidadãos".
economia de meios, o prazer lúdico do lance verbal,
o gosto do disparate, tudo o que parece fazer a ten­ A matéria vivida, comprimida ao máximo, ga­
são, a graça e o prazer do chiste assume nele força nhava na expressão o realce do mínimo. Com efeito,
catártica, como o desafogo que pudesse redimi-lo ou num poemeto-sfotese de Meia palavra e desses tem­
a todos nós de uma pressão indizível, feito uma arma pos soturnos, que lembra o "À moda da casa" de
de combate em luta contra a repressão vinda de den­ Anatomias, mas numa chave modificada e mais com­
tro ou de fora do poetas. plexa, a técnica de montagem vocabular, afiada na
A opressão política dos anos da ditadura militar, prática da vanguarda, resumia, em poucas palavras
a que em boa parte corresponde a "meia palavra" do de prensada ironia, o enorme descalabro creditado
título, sob ameaça da tesoura da censura, encontrará aos brasileiros, sob a pressão das botas e a expansão
em19�0 a mais aguda resistência no humor ferino de sem freios do capital, obrigados a assistir a um
�síduoJ lapidarmente afeito à forma incisiva do epi­ ilusório milagre econômico, com dias contados até o
grama: redução extrema da poesia ao que sobrava inevitável desastre:

SEU METALÉXICO
5. Nesse sentido, é muito revelildora a ótima poesia para criançils que José
Paulo escreverá a partir de certa altura de sua carreirn. Nela se nota que ele se
aproxima, por assim dizer, da �icogênese do chiste, de que tratou Freud em seu economiopia
estudo sobre as relações entre o chiste e o inconsciente, porque nela, mais do que desenvolvimentir
na poesia para adultos, se sente que o poeta dá espaço livre para o prazer,
removendo por esse meio toda coerção ou autocensura. De fato, nela se reco­
utopiada
nhece uma soltura maior daquele que escreve "poemas para brincar", fazendo consumidoidos
dos jogos verbais, sem medo do 11011se11se ou do absurdo, um campo extra­ patriotários
ordinário de invenção e liberdade, o que nos faz relembrar o que diz Schiller, nas suicidadãos
cartas para A educação eslélicn do lto111e111: "o homem só é verdadeira e plenamente
humano quando jo ga".

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Mesmo de passagem, uma breve análise, que se distantes reproduzisse a força bruta de fora em con­
case à abreviação reinante no texto, logo revela que o traponto verbal, para responder idealmente, com fina
fundamento do poema é um chiste múltiplo, forma­ ironia, à agressividade real do contexto histórico. A
do por essa lista aparentemente arbitrária de seis graça verbal, de que nasce primeiro o desconcerto, é
palavras dúplices. De fato, a duplicidade contra­ o ponto de fusão e afloramento do psicológico e do
ditória do sentido a cada novo termo, composto social: o que soa como resposta política também
como um neologismo pela fusão de dois termos dis­ ressoa como alívio subjetivo; o sujeito oculto é um
tantes, se reitera cumulativamente até o último dos cidadãos em padecente e compartilhado teste­
vocábulo enumerado, de modo que resulta um léxico munho. Na economia do chiste, em que as palavras
insólito, a que o possessivo e o prefixo grego 111etá do vão além do que são em si mesmas - metnléxico -, o
título parecem conferir ao mesmo tempo uma resumo da opressão é também a graça espinhosa da
atribuição (ao leitor, ao cidadão) e a transcendência. descompressão.
Cada uma dessas palavras mistas vai de fato além do No importante poema que serve de súmula
limite de si mesma, ao sornar outra antes de concluir, desse momento duro e de fecho a Meia palavra, o
e assim a direção inicial do sentido é reposta em poeta parece atingir o limite nos atos e nos poemas,
rumo inesperado, que se enfrenta com o primeiro, em despojado de tudo e já sem o que dizer. Poesia com­
contraposição irônica. Essas palavras compostas primida e existência reclusa; forma e vida diminuí­
parecem então dialógicas e dramáticas em si mesmas, das, em áspero pacto, à beira do silêncio:
ao encenarem a cada passo a minúscula comédia em
que uma primeira proposta enfatuada de sentido é TERMO DE RESPONSABILIDADE
furada pela seqüência irônica do final. Como a enu­
meração paralelística dos termos é cumulativa, os mais nada
a dizer: só o vício
suicidadãos do fim recebem o efeito do conjunto, em
de roer os ossos
que se resume em anedota mínima uma vasta, séria e do ofício
problemática situação de opressão política, e, a uma
só vez, a reação psicológica a essa situação. O que já nenhum estandarte
parece arbitrário na escolha e formação dos vocábu­ àmiio
los se torna necessário internamente, pela interli­ enfim a tripa feita
gação das partes análogas, postas em paralelo, e pelo coração
acúmulo e conseqüente enlace dos significados par­ silêncio
ciais na significação do todo. O chiste condensa, unifi­ por dentro sol de graça
ca e metaforiza, portanto, um mundo, como se a força o resto literatura
compressora com que funde os vocábulos distintos e às traças!

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No modo de redução poética desses três últimos mesmo ritmo do aprendizado técnico; este às vezes
livros - Anatomias, Meia palavra e Resíduo - é que José dá saltos desencontrados por influência de estímulos
Paulo deixa ver às claras o verdadeiro sentido do exteriores, sem relação orgânica com a necessidade
processo de sua formação. Aceitando aqui e ali, pelo interna de expressão. Demorada, custosa, difícil, a
caminho, sugestões afins a seu próprio modo de ser, conjunção vai se mostrando, no entanto, cada vez
na verdade ele produzia uma síntese própria, obede­ mais dominante nos livros de 73, 80 e 90 em diante. É
cendo a uma coerência interna, que permite distin­ que só então se dá a posse mais íntima da fórmula já
guir sempre sua individualidade poética e a forma forjada numa forma verdadeiramente pessoal, de
particular e orgânica que inventou para se exprimir. modo a libertar o poeta de corpo inteiro, senhor de si
Para tanto, reelaborou a herança modernista, que, e de seus meios, pronto para muitos dos pontos mais
no mais fundo, foi mesmo o substrato drummon­ altos de sua obra.
diano, cujos desdobramentos depois se verá, mas é já A poesia reunida em Um por todos, em 1986,
tão evidente nos poemas citados; a isso depois veio delineia perfeitamente o longo percurso do apren­
somar-se a vertente oswaldiana, e o fato decisivo foi dizado, com a lenta sendimentação do vivido em
que acabou casando tudo, pelo feitio de sua própria processo de ajuste com o aprimoramento da técnica,
personalidade, com a antiga matriz do epigrama, a até a plena confirmação da forma pessoal. Além
que tendeu desde muito cedo, estilizando-a a seu d isso, r�_vela ainda uma tendência que não se via bem
modo com a ponta afiada do chiste. O resultado foi nos primeiros livros isolados, mas que passa a ser
algo muito distinto do poema-piada modernista ou cada vez mais clara e significativa para a compreen­
do "poema-pílula" oswaldiano. Era a fórmula pessoal são do conjunto da produção poética de José Paulo. É
que lhe permitia ao mesmo tempo reler a tradição, que os poemetos vão ganhando força pelo agrup�­
glosar lições do passado (como ao reassumir o tom mento como partes de um mosaico maior ou mais
satírico das Cartas chilenas para falar do presente), propriamente de um cancioneiro só, como se fossem
aceitar ou não procedimentos da vanguarda coetânea, fragmentos de um todo inconcluso mas nitidamente
e inserir-se, com consciência irônica e carga crítica, configurado, na medida em que passam a compor
munido de um programa de recusas necessárias e lin­ uma espécie de mitologia pessoal a que o tempo vai
guagem sob medida, na perspectiva do mundo con­ dando uma inconfundível fisionomia. À maneira de
temporâneo. Uma altiva atitude, diga-se de pas­ algtms outros poetas contemporâneos, como Um­
sagem, num homem modesto e muito voltado para a berto Saba na Itália, Jorge Guillén na Espanha ou, de
alquimia das pequenas coisas no cadinho do poema. certo modo, em seu percurso antipoético, Nicanor
Assim o artesão já chegara à plenitude madura Parra no Chile, para só nomear grandes exemplos, os
do estilo, mas não conjuntamente com o adensamen­ poemas isolados vão compondo uma mticulação vir­
to da experiência pessoal, que nem sempre tem o tual com a obra toda, à proporção que são passos de

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um mesmo testemunho individual e parecem coa­ Penso sobretudo em PJosas s_eguidas de odes míni­
dunar-se com o próprio ciclo da existência humana mas, de 1992, a meu ver, o livro de poesia mais impor­
do poeta. tante que escreveu, e A meu esmo, de 1995, com poe­
Na verdade, no caso de nosso autor, cada pequeno mas de alta qualidade. Representam os instantes de
poema revela a forma que o movimento do espírito adensamento em que a experiência moldada pela
logrou fixar a cada instante de iluminação lírica a par­ imaginação se funde na melhor forma.
tir de um inesgotável conteúdo natural, à deriva no A poesia está morta mas juro que não ftâ eu, de 1988,
tempo, como um resgate do hmnano frente ao ine­ r�vela inclinação-12fila a boa vertent_g, quando não
xorável fluxo das coisas. A obra assume ares de mitolo­ c�de a facilidades e não se queima na pura piada.
gia pessoal ao acompanhar mimeticamente a curvatu­ Urna das questões essenciãis a respeito de toda a poe­
ra do tempo no ciclo vital, como mn diagrama formal sia de José Paulo é saber q!:@_ndo é que a piada fun­
do traçado da existência, interiorizando no ritmo ciona para além de si mesma,,llbrindo-se para o ines­
poético o ritmo da natureza. À medida que se esvai o gotável. Nesse livro, se destacam procedimentos já
tempo, o poeta se aproxima cada vez mais do que ele dominados e infelizmente também não poucas fra­
é no mais fundo. quezas. Nos bons exemplos, porém, está viva a ten­
Assim, o envelhecimento fez bem a José Paulo - dência para a incorporação de algo mais complexo,
de algum modo a experiência foi modelando o poeta, conquistado e assimilado de modo orgânico. Como
como às vezes ela faz e às vezes desfaz -, como se ele sempre isso é um pouco paradoxal e parece ter de­
precisasse da substância que fica do tempo que passa pendido de um contacto externo, da experiência acu­
para mostrar o verdadeiro rosto e toda a sua garra, mulada em viagens ao exterior, capaz de propiciar,
em luta com o instante. A bengala que reúne o reba­ no entanto, a revisão do vivido no âmbito da intimi­
nho de seus próprios passos viu reunirem-se também dade e do poema, que então também consegue alçar
os poemas, fragmentos dispersos ao longo da vida, vôo para além do mero jogo verbal e da fórmula feita.
na unidade múltipla e mutável dessa mitologia que Num poeta dessa linhagem, o trocadilho e todas
corresponde ao itinerário do autor como um traçado as outras modalidades de jogo verbal, sempre diver­
em aberto, mediante o qual ele presta testemunho de tidos, constituem urna natural disposição do espírito,
si mesmo diante do mundo, em resposta ao desafio mas às vezes lhes falta consistência interna ou surge,
incessante que viveu na busca pelo sentido. Por isso apesar deles, uma insuficiência, e a poesia não se sus­
exatamente, esse livro de incorporação dos demais, tenta. Isso não impede, por outro lado, que a agudeza
no qual a junção entre técnica e experiência vai se tor­ expressiva do chiste seja um procedimento funda­
nando imperativa, integrando-se à busca mais ínti­ mental da obra toda e responda pela maioria de seus
ma, prepara ainda o salto para o melhor, que vem melhores momentos. A delicada relação entre chiste e
depois. poesia (com certeza tão complexa quanto as relações

18 19
entre o primeiro e o inconsciente, conforme s viu piterna Dora; aí e tão, m i a e e
e , n g ns s on s cm un sso
í
n
pelo estudo famoso de frcud6) se coloca, pois, corno com o se ntime to tudo s e o
n , e na
la
ç a no t odo, como
uma das questões centrais aqu . O que se nota de transluzindo no cosm a t s fid lid d d
i r an p re n e a e o
t
e
antemão, é que nos bons momentos o espírito log ra amante es elhad a n o lh d c ão e d ha
o
p o mn osa
r o
i
o ar , a
selarnasíntese verbalo encontro de coisasdesencon­ unidade brota pu ra a p i :

tradas ou pensamentos distantes, e da perfeit a fusã<_? oe sa

do todo um amplo e inesgotável sentido se irradia. E am ro é s i m ple s, Dora,


M
quando s e vê assomar um mundo cm miniatura: o Co eum
o a águ a e o p iio.
todo no mínimo.
Aciência e os riscos da arte do poeta residem, ao Com o o céu re fle t ido
u il d
Na s p p as e um c iio.
que parece, portanto, na junção arriscada com que na
forma mínima devem se ajustar, coma eficácia de um
Considerada no conjunt o , por é m , po de -se dizer
lampejo,a emoção concentrada do Eueo seu incisivo
que esas
p es a de fa o se conforma ao arc o de uma
o i t
escrutínio da realidade. A ponta acerada do estilete
recorta duramente a linguagem cm busca do retalho vida, com se su g ar n de s e p e q ue o o en t s a
exprimi r de fo m a n s m m o, pra
e i ô
revelador. Quando se acerta o corte na exata per ­ r concisa r n ic a odP ram ahu m a
sob o prisma da subj etiv idad lír i no
cepção,o espírito sopra e, coma aparição do poema, as e c a . arece que bas­
tou ao poeta ser es m pre m
a , co n rm e su a m atri
i s fo
coisas, sob luz nova, são mais do que são. Ou não são,
central, no mín im o , m d ifi z
c an o- s e pa r a rec o e r­
d h
e o poema se apaga logo, com o brilho fugaz de um o n ce
se no recesso d ma is í tim o em se x m s d
o m un­
i
,
i
fósforo riscado. o n r
d o mas ara e n co nt r - e
Às vezes José Paulo erra a mão e sua mágica tem , p ar se cons igo m e s ­
gressiva dádiva de s f az mo numa pro
q e d tod n ov
vôo curto, mas ainda assim revela o método dos me­ i u e o o poema
apenas o pen últim poem de u a inte i da d
av
id
lhores momentos quando a poesia vai além do mero o a ra a
à poesia. m
jogo de palavras e cristaliza na unida9e da forma o
Ess a coe ência profu d e o e mp en o desd b ­
h
sopro do espírito que dá vida ao todo. E o caso do sin­ r n a o ra
do anos a fio co fe e m à b
gelo e extraordinário "Madrigal", em que uma equa­ n r o r a de J o sé P a ulo um lugar
ímpar no panorama d líri
c ab ra s le ra de s ta s egunda
i i
ção amorosa nascida das coisas simples se expande a
metade do s é ulo. M s é a p óp i
a poes a que d o
i
cm reflexos no universo inteiro, unindo o pequeno e c a r r á
q ue pensa r s o b e o lug que e
l
n
o grande, a partir da declaração de amor à musa sem- r a o c
u
pa o ce
mesmo do des tino de uma rn e
r
m q ue a e a e e
l
hom e t ­
ou tão in te sa ment . , s in re
g n e T c o m Ung re p
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dess e ele dize r: eis a vid a d e u h . P i


ó. Freud, Sigmund. f/ e/riste y �" rciació11 nm lo i11co11�it•11lt•. Em SlM" Obras om e m o r s s o,
refle tir sobr e a poesi é aq i d
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de T11rn--. Madrid Dibliolt-c 1 Nue a
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m mo
d o
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inte rp retar o sentido de u
e
3' l'i.l., 1973, 1. 1, PP · 1029-1167.
m a v ida
.

20
21
O pequeno e o grande vem associado em nossos dias. É que além do traço
primitivo da mistura dos gêneros e de sua extensa
José Paulo é um verdadeiro homem de letras, voga entre os romanos, ficou-nos sobretudo do epi­
reconhecido como tradutor, crítico e ensaísta; ganhou grama essa idéia da forma incisiva, voltada para o
a vida como químico industrial e funcionário de uma comentário irônico ou corrosivamente satírico da
editora, e tem sido também desde sempre um auto­ vida pública.
�idata, estudioso de línguas, e um viajante, aprendiz José Paulo retoma, sem dúvida, essa tradição da
de lugares e coisas, sobretudo de espaços literários, forma epigramática, mas refaz o molde à sua ma­
que percorre incansavelmente como fervoroso leitor neira, ajustando-o, é claro, às necessidades expressi­
dos mais variados gêneros. São, entretanto, esses pe­ vas de nosso tempo e de sua própria personalidade
queninos poemas armazenados no decorrer de toda poética. O antigo vínculo do epigrama com a iron'ia,
uma existência que constituem o centro de sua obra, como em Roma, onde se mostrou uma forma de ex­
pois neles está depositada a sua experiência mais ínti­ pressão profundamente I igada à urbanidade, se man­
ma e seu sentimento do tempo, de seu tempo, na for­ tém por completo, mas mediado pelas muitas trans­
ma em que foi tocado em sua sensibilidade artística e formações por que passou a concepção moderna da
pôde,responder por palavras enquanto cidadão e poeta. ironia, desde o Romantismo.
E provável que tenha sido para conjugar essas É sabido como esse conceito se estendeu muito,
duas dimensões de sua existência que o poeta esco­ deixando de se referir apenas ao procedimento retó­
lheu o epigrama como a matriz formal de sua arte. rico que dá a entender o oposto do que se diz, para
Deve-se tomar num sentido lato o termo epigrama recobrir urna atitude socrática diante do mundo, feita
para compreender o que significa essa escolha, em a uma só vez de seriedade e espírito lúdico, como
várias direções. uma intuição dos reiterados contrastes entre o ideal e
Desde suas formas arcaicas, enquanto inscrição o real. Representação da antinomia, a ironia se torna
feita na pedra para assinalar o reconhecimento de expressãÕ da consciência cindida, q_ue ao mesmo
que ali alguma coisa é, até o amplo desenvolvimento tempo se diz parte e se aparta do que se chama reali­
que teve na poesia greco-latina e, posteriormente, nos ciade,_ refletindo sobre si mesma e seus próprios limi­
empregos pontuais ao longo dos séculos da cultura tes, movendo-se a partir de um agudo senso d�e paró­
poética ocidental, o epigrama sempre se mostrou reni­ dia de si mesma.
tente à definição precisa. Em princípio, constitui uma A locução Quem, eu?, que serve de título à auto­
fórmula condensada em poucos versos, na qual se biografia do poeta7, dá a justa medida irônica com
mesclam os gêneros, podendo combinar a notação que, também no âmbito dos poemas, surgem as figu-
épica do acontecimento e o sentimento do drama ao
tom lírico da elegia ou à verve satírica, a que em geral 7. P,1es, J. P. Quem, eu? l/111 poeta co1110 outro qualquer. São Paulo, Atual, 1966.

22 23
rações do sujeito lírico, demonstrando o quanto José o fio
da barba
Paulo deve a essa extensão moderna do conceito de
o fio
ironia e à sua abertura a tantas perplexidades rever­ da navalha
tidas sobre a questão do sujeito. Com efeito, pelo fil­ a vida
tro do epigrama, ao propor o reconhecimento do por um fio
mundo a partir da perspectiva diminuída, por vezes
deixa ver junto com a ironia a consciência reflexa e EU?
abjssaLde uma unidade quebrada, quando o vazio UE?
pode habitar o interior do próprio ser. Assim, em "O mas a barba
poeta, ao espelho, barbeando-se". Se o Eu, antes de feita
enfrentar a luta diária, depois de alguma perplexi­ a máscara
dade, se reconhece por inteiro no espelho, o que con­ refeita
templa afinal é a redução reiterada de si próprio à mais um dia
máscara esvaziada da rotina. Por isso, a repetição aceita
espelhada do Eu no fim serve de irônica ressonância,
EU
a esta espécie de anti-epifania: EU

o rito
do dia
Se a ironia conduz ao dobrar-se do sujeito sobre
o rictus si próprio, leva-o também, por outro lado, para fora
do dia de si. Fica evidente que a poesia de José Paulo tem
o risco também uma dimensão pública parecida à do epigra­
do dia ma antigo e se inscreve sempre, com distância e obje­
tividade, como uma notação épica da realidade cra­
EU?
vada no momento: palavra sobre a História.
UE?
Essa épica em registro mínimo é um dos maiores
oil1o encantos de sua obra, pois confere ao epigrama o
por olho vivo interesse de um testemunho sobre o presente.
dente Seu engenho de agudezas reflete a consciência vigi-
por dente 1 ante diante da cidade dos homens, dos gestos e dos
ruga
rictos sociais, da mecanização rotineira dos hábitos,
por ruga
dos clichês da linguagem, das relações reificadas na
EU? intimidade do cidadão comum e em seus contactos
UE? com as esferas de poder. É uma poesia da civilidade,

24 25
estóicos, uma virtude fundamental9, de que a ironia,
q dire i t o s civ is estão
ex ta ament en u m mom en to cm u e os p or sua vez, era a expressão característica.
rte d pop la ç ão do p aís
a ma o r pa
d i
a i s a m eaça o s u
�ssa generalidade abstrata que permite o rcco­
a
m e a, p l a fal ta de e d cação
g - p l
p b
es támuito lo e o re z e u
n
e a nhcc1mento d e semelha nças com o mundo dos roma­
d it s mínimos.
l
j ç
ti a
- , d re
i
ace sso a qu a que r us os o nos é, no entanto, apenas um dos aspectos da questão
e de A experiência
s sim pr esta conta s,a s e u m od , da
o

r a b
e nos levaria a um eq u ívoco sobre a verdadeira
écu o d hi tó i sileira
d i
s ra ,
de qu em pa ec e u me o s l e
fisionomia da poesia de José Paulo, se não buscásse­
o r it o trepi­
d i
q as d e s
rt azen o a poes a cm p e u n os a m m s
Mode rn a (q ue não é � � outro aspecto fundamental com o qunl o
e

a n á
i
d C id
d e
dante e fr gme t r o a a
p ro se articula e que é, por assim dize ,r a dimen­
) d a q ual
rimei
e pa cu a r ,
id d rti l
e atx a m en t e e n n h u m a c a são infinitamente pequena que se contrapõe a essa
r s e m sig os não­
ex trai imagens ba a sedas po v z ee n face genérica e infinitamente grnnde. Dessa articu­
ã d em s: como a
p ­
s lél
s a
verbnis p a rn él comp o s iç o o p o lação depende aquela palpitação particular e concre­
Me i a lpn n rn, fal m or si da liber­
ca s d e rua, de v qu e a p ta que dá vida ao epigrama como um todo, como um
d d e in t d itada n aqu e le m mento . Emb
o ra ness e
mundo m
a e r
cífi
o
a ref rênc a a ba
e i irros de � -�iniatura. Compreendê-la supõe pene­
e o figu e ar a
cl trar na d1alchca entre a matriz formal e a l Iistória ou
poema es lp
c ,
l b d ade , fig ur am
o Pau o - na pa l ca, ao ado da Li e r se ja no movimento interno à forma pela qualo infini­
a Vil Ma i a- a cidade aq ui é ,
S ã
o P a raíso e a ran , ta mente pcqueI)O chega n se abrir para o infinita­
també m
o rexem­
o d r e nte, p
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em ge ra l uma a s t rnção e mu mente g rande. E nessa articulação que o chiste com
,
l d Mário o u
pl o, da cid ade mode nis r ta, da Sã o Pau o e s u engenho e ironia desempenha um pape essen­
d s ue à ? ,
do Rio de Ba n de rn e Drumm o n . Po e e r q s l
i d
cial, ao promovera ligaçãoentre coisas muito distan­
i a la t e e e
nt d Sã o
rceb a a n da u m a pre s e

tes, pensamentos desencontrados, provocando o
vezes se pe ia e d sátira olí­
l
a es col ha d o a
l
v o d i ron
a
a p curto-circuito que incendeia o todoedesfecha oclarão
Pa ul o, pe
a pó/is nqu anto
, mas n Cid a d e é ante s de tu
i 8 do
t ca e da poesia.
d o de es tá em jogo o in ter e
ess
luga r d a u ba
r n ida e n orno se \:em dizendo desde o princípio,o estro
epigr a ma faz p e n­ ,�
dos ci ad os. Por i ss o, se u
d ã
com m satmco de Jose Paulo buscou sempre o verso reduzi
u ­
i
o delo his t r ico do cp ig rnma
ó
sar com freq nc a n o m
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do ea expressão lapidar, casando o severo laconismo
d d ara a u al a urban i­
c e a e rom
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o qu a ro a s o n a
n ,p q com se11se of lw111011r, à intensidade do sentimento
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27
2 6
que, como em Drummond, é ainda sentimento do para o qual aponta com sua palavra corno que indi­
mundo. Aqui é nítido o quanto incorporou, sem des­ cialmente, não apenas para registrar-lhe a viva pre­
douro nenhum para a originalidade de sua personali­ sença na consciência subjetiva, ao tentar dizer o que é
dade poética, a lição do poeta modernista para a me­ cada coisa em cada caso, mas para exprimir o sinal da
ditação lírica sobre o tempo presente. Quer dizer: emoção, muitas vezes marca da ironia e da negativi­
desde o princípio sua poesia se abriu para o seu dade de um ser individual em meio ao universo em
tempo e a História, mas o modo como o fez é para­ que lhe tocou viver.
doxal porque se deu, às vezes até bandeirianamente, A poesia é também aqui, como se vê, uma forma
pela incorporação das pequenas coisas, ou se se qui­ de comportamento - até provavelmente uma forma
ser, pela redução do mundo de fora à proporção peculiar de ·aprendizagem - que se traduz pela ex­
diminuta da miniatura poética. pressão lírica como manifestação particular do
Dito desse modo, pode ainda soar genérico e sujeito individual, o qual, por esse modo de expri­
abstrato, mas a verdade é que José Paulo lida com mir-se, exprime igualmente uma atitude frente ao
SQ_i_�as concretas à sua volta, que podem ser, e são com geral das coisas. Esta particular reunião de poética e
freqüência, como em seus últimos livros 10, pequenas ética tende, como se disse, às formas da brevidade, e
coisas: a casa, o jabuti do jardim, a tinta de escrever, f! mediante o contraditório movimento da ironia,
espelho, os óculos, a bengala, o fósforo, o alfinete. E · procura condensar ainda o modo de ser próprio das
mediante a percepção poética delas em determinadas coisas ao redor, em breves aparições, numa contida
situações que percebe ao mesmo tempo o movimen­ metafísica de meias palavras.
to da História que as anima, enquanto parte da expe­ Mexendo o tempo todo com coisas concretas e
riência a uma só vez mais íntima e mais ampla. próximas, José Paulo lança sondas além, em busca de
Com efeito, nesses poemas mais recentes é muito irradiações gerais. O chiste se mostra então como um
perceptível o adensamento da experiência interior e a meio de conexão: o verdadeiro princípio de articu­
expressão muito próxima da intimidade, tudo recon­ lação pelo qual se processa a unificação do diver­
centrado intensamente, com grande complexidade, gente no interior do todo minúsculo. O poema se
no mínimo, mas também tudo aberto para o geral, ou torna urna espécie de "anedota de abstração" 11, sem
seja, para o infinitamente grande. Através do pe­ deixar de situar-se sempre no aqui e agora. Como
queno, o poeta se liga a algo maior, ao vasto mundo
(para reafirmar ainda a expressão drummondiana),
11. Como se sabe, com esta expressão aguda, Guimarães Rosa designava
o modo de ser do chiste, dele aproximando seus continhos descarnados e difí­
ceis da fase final de T11/ai11éia e fazendo pensar, ao mesmo tempo, nas fábulas
iO. Reíiro-nic ils Prosas seguiti11� ,ie odes 111í11i111lls (Siio Pauio, Companhia aêJS1raias de iciemiciadc em que se pode reconhecer o mito. a. o prefácio
das Letras, 1992) e aos 15 poemas desgarrados de J\ 111eu es,iw (Ilha de Santa "Aletria e hermenêutica". T11tn111éia. Terceiros cstârins. Rio de Janeiro, José
Citarina, Noa No.i, 1995). Olympio, 1967, pp. 3-12.

28 29
resultado, re_sume ao mínimo o mundo de dentro e de O pequeno se transforma em mediação para o gran­
fora, num instante de iluminação subjetiva em que de: "Todo abismo é navegável a barquinhos de pa­
fica evidente na atitude do poeta a marca particular pel", como escreveu Guimarães Rosa, falando da su­
da realidade contemporânea, ao mesmo tempo que peração dos obstáculos às relações amorosas na vida
se projeta na dimensão do universal. No mais íntimo das aldeias, que, como se sabe e ele também diz, "são
do mínimo, em sua especificidade, está contido o a alheia vigilância" 12. Ali a vida privada e a pública
apelo do geral. Singular em sua fisionomia, pela fór­ se confrontam todo dia na rua, no mercado, na igreja,
mula peculiar de redução do mundo, cada poemeto nos bares. O íntimo está sempre exposto, de modo
traz em seus próprios fundamentos os traços típicos que o cotidiano na província é um pouco teatro e tri­
do epigrama e sua vocação para exprimir os traços puna}, e, claro também, involuntário testemunho.
gerais da urbanidade. Daí que por vezes nos faça José Paulo desenvolveu em sua obra um especí­
lembrar do antigo epigrama latino. Mas o essencial é fico olhar provinciano sobre as coisas ao seu redor.
que o momento histórico se faz parte constitutiva da Num depoimento que fez ao jornal paranaense
forma, no cerne dessa lírica engenhosa e de palavras Nicolau, em 1988, deixa ver com nitidez o que signifi­
contadas. E é só assim, movendo-se do pequeno ao cou para ele a descoberta do vasto mw1do, aumenta­
grande, e de seu tempo a todos os tempos, que ela se do de repente com a experiência histórica da Se­
universaliza. gunda Grande Guerra: "Durante a guerra mundial,
Em consonância com esse mundo em pequeno, a os olhos provincianos haviam aprendido a se voltar
expressão lírica deve ser afiadamente reduzida ao para a amplidão do mundo: um dos romances dessa
mínimo também e, por surgir inscrita no momento época se chamava, significativamente, Grande e
histórico, faz do instante a fulguração da amplitude. estranho é o mundo. O alargamento de visão se tra­
Nisso reside, portanto, a base da mescla epigramática duzia inclusive num boom editorial, já que os livros
dos gêneros com que o poeta veio construindo seu são janelas permanentemente abertas sobre o mundo.
universo desde os anos 40: como se vê, um original Nessas janelas nos debruçávamos nós, os da geração
minimalismo que lembra, noutra esfera, seu compa­ do imediato pós-guerra - também chamada, com
nheiro de geração e, cm-parte_, de formação curitibana,, menos propriedade, geração neomodernista ou ge­
Dalton Trevisan, feroz resumidor de destinos miúdos. ração de 45-para respirar a plenos pulmões os novos
O peso que a formação provinciana terá tido na ares que começavam a soprar"13_
configuração interna da obra desses dois escritores
não é, com certeza, descartável: na província só se vê
de perto, em singular miopia, a figuração imaginária
e difusa do distante, apaipável quando muito nas i2. As citações são do conto ··oesenl't'do .. , àe Ttd11111éi11, ed. cit., p. 38.
13. Cf. "Um começo de vida .. , Nicolau, ano 1, n� 12, 1988, p. 5. Reprodu­
miudezas vizinhas, as únicas ao alcance da mão. zido na reedição acima citada de O aluno, pp. 46--19.

30 31
A relação dessa questão com a literatura já se cidade ganha extraordinária força e enorme raio de
percebe desde o esquema dos gêneros. O romance, ação, atingindo a mais alta complexidade. É que se
gênero moderno por excelência, tão ligado ao univer­ observa com lente de aumento, no seu caso, pela
so do trabalho e da metrópole burguesa, manifestou própria grandeza de sua poesia, como as tensões
urna queda forte pela observação da vida provin­ entre o pequeno e o grande podem chegar a ser mui­
ciana, corno se pode ver por algt.ms de seus mais to mais do que um dado da biografia ou elemento
famosos exemplos (como o de Mndmne Bovnry), mas a considerável na formação da personalidade poética
poesia moderna transformou a oposição entre a cida­ ou ainda um tema relevante, tomando-se, na ver­
de grande e a província por vezes numa experiência dade, um fator básico na determinação da visão do
dilaceradora como no caso célebre de Rirnbaud. Mas rn�ndo e, na medida em que é constitutivo do pró­
nem sempre, e são muitas as variações e os rumos prio processo de conhecimento poético, em compo­
que tomou a questão, que parece tão relevante para a nente interno da estrutura. Seria preciso demons­
compreensão da poesia de José Paulo em seu apego à trar, mas como não é o caso aqui, basta pensar no
visão minimalista. papel desempenhado por ltabira e Minas, que estão
No Brasil, o Modernismo trouxe essa oposição na raiz de seu lirismo e que, como algo que se
para o centro da vida cultural, espelhando não só a supera mas permanece, acompanham o poeta corno
formação característica da maioria de nossos escri­ a sua sombra 14_
tores, geralmente marcada por traços da tradição Ao relatar, em Quem, eu?, seus anos de formação,
rural, mas carreando também os complexos proble­ José Paulo dá ênfase à vida interiorana que levou em
mas da cultura híbrida pela mistura de elementos tra­ Taquaritinga, em Araçatuba, destacando sobretudo o
cionais e modernos e os ritmos desiguais do processo período decisivo de Curitiba, que, com o intenso con­
histórico-social. O quanto isto pesa internamente na vívio nas rodas literárias e artísticas do Café Belas­
configuração das obras é uma questão em aberto, que Artes e depois com a revista Joaquim, marca-o fundo,
deve ser considerada em cada caso. expande seus horizontes culturais e praticamente lhe
Diferentemente dos concretistas, dentre nossos define a vocação de escritor. Recompõe assim por
poetas os primeiros de extração puramente urbana, e�tenso, em termos biográficos, o processo de apren­
corno já notou Antonio Candido, José Paulo se en­ dizagem que o torna um herdeiro dos fundadores de
tronca à mistura de província com cidade grande, à nossa modernidade poética. De fato é com eles,
maneira da linhagem principal do Modernismo, con­ segundo diz, que "aprendi que poesia é ver as coisas
forme se vê, por exemplo, em Bandeira e Drum­ do mundo como se fosse pela primeira vez e expri-
rnond. Neste, à semelhança do que ocorre com ou­
tros elementos que entram no jogo de tensões carac­
14. Como se sabe, "Província, minha sombra" é como Drurnmond intitu­
terístico de sua obra, a oposição entre província e lou uma das partes de seus Passeios 1111 ilha.

32 33
mir essa novidade de visão da maneira mais concisa do mediante o procedimento de ver o grande no mí­
e intensa possível, numa linguagem onde só haja lugar nimo, de minimalizar nos limites reduzidos do poe­
para o essencial, não para o acessório"15_ ma, feito só com palavras essenciais, o todo intuído
O que fica implícito, porém, nesse depoimento num golpe de vista momentâneo16_
comedido, mas revelador, é o processo de constitui­ Na verdade, assim fazendo, José Paulo instaura
ção de uma visão à margem dos grandes centros no instante um testemunho sobre a História, que é
culturais do país, o registro de alguém que se for­ também um modo de se integrar, pelo registro da
mou na periferia do eixo Rio-São Paulo, longe dos passagem do pequeno ao grande, ao movimento do
focos de gestação e irradiação dos movimentos poé­ todo, na busca do sentido. A consciência disto vem
ticos principais, longe de tudo, mas tudo acompa­ expressa, sempre com lucidez irônica, na ode mínima
_
nhando de perto, e, por isso mesmo, constituindo dedicada "A tinta de escrever":
seu modo de olhar como um testemunho à distân­
cia do vasto mundo. Sua arte, será a uma só vez Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
uma defesa e um meio de expandir a personalida­ o bilhete, assimu a promissória
de, ao dar forma poética ao testemunho, que é um esses filhos do momento. Sonhas
modo de se debruçar sobre o mundo, tornando-o
visível no mínimo. mais duradouro o pergaminho
O chiste será então um meio de encurtar as dis­ onde pudesses, arte longa em vida breve,
tâncias, de trazer para perto o universo longínquo, tor­ inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.
nando-o acessível à perspectiva diminuída do mundo
pequeno, familiar e íntimo, ao mesmo tempo que dá
Mas já que o duradouro de hoje nem
corpo concreto na brevidade à ampliação da consciên­ espera a tinta do jornal secar,
cia irônica e sua crescente percepção dos desencontros firma, azul, a tua promissória
contraditórios do mundo. Entre o pequeno e o grande, ao minuto e adeus que agora é tudo História.
o movimento que perfaz o enlace funda também o
sentido.
Assim, sua poesia reflete em profundidade esse
16. Ao tratar recentemente de um "poeta do interior", o próprio José Paulo
ângulo de visão armado pela experiência provin­ revela a perfeita consciência da relação entre a "condição interiorana" e a "reite­
ciana, no interior do modo mesmo como procede rada preocupação com a idéia de pequenez", que o livro Minuto di111i11ufo, de
Flávio Luís Ferrarini, a seus olhos parece exprimir tão bem. Todo o artigo é
artisticamente ao integrar a província ao vasto mun- extremamente revelador da própria poética aqui comentada, pois relaciona a
forma abreviada do epigrama - "o todo anão cuja alma é agudeza e cujo corpo
é cm ,ci� ão", confon11e a ddiniç;,u de Coleridgt: <1Í LÍi<1d<1 - e a t:xpeTiência
_
provonciana. Cf. Pacs, J. P. Os perigo, da poesia e outro, wsnios. Rio de Janeiro,
Topbooks, 1997, pp. 84-90.
15. Op. cit. , p. 34.

34 35
Convém buscar diretamente num poema dos trário, encara-o de modo realista e de frente em sua
mais significativos de José Paulo - um verdadeiro objetividade problemática para todo ser humano,
poema-síntese da obra toda -, os traços característi­ sem esconder angústias e tumultos do espírito, sem
cos dessa arte que soube incorporar a fundo uma mitigar a ironia, mas tampouco sem alarde descome­
determinada experiência da vida interiorana brasi­ dido ou grandiloqüência: trabalha corno sempre, à
leira, transfigurando-a e condensando-a em formas sua maneira minimalista, enfrentando de perto o
poéticas da brevidade, para de algum modo prestar infortúnio sem tamanho.
contas do destino de um homem. Nota-se apenas, desde logo, uma variação de tom
e mudanças abruptas de ritmo no conjunto: repentinas
A perna e o Juízo Final oscilações, que parecem sinais de turbulências físicas e
espirituais intrínsecas à matéria difícil. Mas há tam­
À minha perna esquerda" abre a seção de odes
11
bém repousos idílicos, quietudes da alma em pro­
que constitui a segunda parte do livro de
111íni111ns visório abrigo, em meio à tempestade fora de controle.
1992 . É um de seus poemas mais longos, mas na
17 É como se o autor se sentisse obrigado a reconsiderar
verdade está formado por um bloco de sete pe­ os seus próprios ritmos e os da existência, partindo do
quenos textos, para os quais é ainda básico o molde próprio corpo. O golpe impõe um novo arranjo àquela
do epigrama, apesar das sensíveis variações de tra­ imperceptível música dos membros que funcionam
tamento da matéria comum que os liga. É difícil sem ruído até a perda fatal: e então irrompem dis­
falar dele, mesmo depois de perceber como é repre­ ritmias violentas, em contraste com sossegadas cal­
sentativo da obra toda e de sua inflexão para os marias, urna verdadeira reavaliação de toda a existên­
temas em que sedimentou a experiência pessoal de cia frente à catástrofe que quebra de repente o deslizar
José Paulo. da rotina.
Trata-se de algo grave e terrível: o poeta vai ter Em princípio, o assunto comporta, portanto, por
sua perna esquerda mutilada e se prepara para sub­ sua própria natureza, urna dimensão trágica, e o poe­
meter-se ao inevitável sacrifício. ma não se desvia da sugestão patética e implacável
Sempre avaliamos mal quando alguma coisa do ritual de sacrifício. Mas realmente se encaminha
assim medonha nos chega, mas o poeta que efetiva­ para o sparagmos, a dilaceração do corpo (e também
mente a viveu, não tem escrúpulos em tratar dela às da alma) que é o arquétipo da ironia e da sátira 18,
claras, e o faz com a maior dignidade, sem qualquer forma de tratamento que dá o tom predominante no
exibicionismo fácil ou excessivo dramatismo; ao con- texto desde o começo.

18. Cf. Frye, Northrop. /\11nto111ia da crítica. Trad. Péricles Eugênio da Silva
17. Como j;í ficou dito, me refiro ils Prosas seg11idns de odes 111i11i1Hns. Ramos. São Paulo, Cultrix, 1973, p. 190.

36 37
Por outro lado, o apoio no modo irônico de tratar Ao mesmo tempo íntimo e genérico, o poema
um fato real, extraído da experiência vivida, não choca pelo teor do tema e desconcerta pela despro­
impede momentos em que a fantasia abre espaço porção contrastante do que põe em jogo. A ironia,
para o espírito satírico, que impregna todo o texto inclusiva, sela os contrastes, articulando os elementos
com sua tendência à miscelânea (sabidamente ligada divergentes no interior da unidade. Como isso se dá,
às origens da sátira) como se observa na mistura de
é tarefa analítica para realizar aos poucos. Convém
chiste com a seriedade romanesca das imagens de
começar pelo mais visível.
pesadelo, na mescla de prosa à poesia, ou na discre­
A desproporção é, com efeito, brutal e poderia
pância fantasiosa e paródica da cena do Juízo Uni­
por si só inverter a principal direção do assunto, tor­
versal, quando a perna, tendo se antecipado ao resto
nando-a tragicômica, mas é de pronto irônica: as
do corpo, é moralmente advertida quanto à própria
eventuais considerações metafísicas começam terra a
inocência frente às faltas cometidas pelas outras par­
tes que com ela hão de se reunir para o veredicto terra, isto é, pela perna, pela perna que ainda vai fal­
final. tar. A conformação despretensiosa que assim se
A visão antecipada de um fim próximo, forçada imprime à matéria é ftmdamental do ponto de vista
pela amputação de um dos membros de um corpo artístico, pois vai permitir lidar com o difícil sem afe­
ainda vivo, não é decerto sem conseqüências para o tação e sem perder a contundência do real, que se
espírito: o terror da morte e seus fantasmas, as refle­ apóia no detalhe concreto. É o pequeno que sustenta
xões que desperta, a meditação sobre o passado ou o grande.
sobre o destino humano em geral, as dúvidas e per­ A perspectiva minimalista de José Paulo, seu fino
plexidades diante da condenação à finitude, as inquie­ senso irônico das desproporções, a força abrevia­
tações com o além, as imagens recorrentes do Juízo dora de seu epigrama, tudo isso que o leitor já co­
Final, tudo isso deriva da mera menção ao assw1to e nhece tão bem, converte uma questão geral em pró­
de fato compõe o complexo quadro de referências do xima, e a uma só vez faz de um problema pessoa 1
poema, para nele receber, entretanto, uma radical uma questão de todos. É esta a ocasião propícia ao
simplificação, própria da sátira e do espírito de José encontro entre a apurada técnica a que chegou e o
Paulo, afeito à perspectiva minimalista. Quer dizer: adensamento de sua experiência pessoal. Estamos
ao escolher para tratar um tema melindroso, vasto e no instante em que pode surgir sua melhor poesia, e
complexo corno o que está em pauta, o poeta vai logo ela de fato surge.
vinculando o grande ao pequeno, trazendo à conside­ O primeiro poemeto da série demarca o registro
ração do leitor uma enorme problemática, presa, con­ da ironia ao tornar a falta irreparável uma absurda
tudo, pela perna, pela sua perna. suficiência, pela conhecida arma do chiste:

38 39
1. A explicação lingüística não faz jus à graça do
Pernas chiste, cuja parte mais importante fica ainda na som­
parn que vos quero? bra, sob o efeito da ironia. Realmente, é a atual
condição do sujeito o lado obscuro e grave, latente
Se já não tenho
por que dançar. sob o brilho verbal do chiste; dela depende a justi­
ficativa de aceitação do aparente absurdo de se que­
Se já não pretendo rer uma perna só, escorada numa estapafúrdia lei de
ir a parte alguma . compensações.
O que está latente é nada menos que a alma do
Pernas?
Basta uma.
poeta, com os complexos sentimentos que decorrem
da impossibilidade de se entregar livremente ao
O chiste, fundado nwn jogo verbal, se baseia movimento - à dança ou à simples locomoção-, o
numa frase feita - a locução familiar e gramatical­ que equivale a uma diminuição física que é de fato
mente incorreta Pernns, pnra que te quero!-, que se usa uma restrição da vida, obrigada a um forçado e, este,
ao fugir correndo do perigo iminente, frisando a sim, absurdo encolhimento. É esse conteúdo, por
necessidade das pernas. O caráter alusivo, que logo assim dizer realista, que está submetido a um trata­
adquire o emprego da frase corriqueira e de todos mento irônico, com uma completa ausência de pose
conhecida num novo e inesperado contexto, desen­ por parte do autor.
cadeia o refinado procedimento construtivo da iro­ O poemeto, que se abre como um diálogo com as
nia. No poema, a frase vem primeiro corrigida na pernas, continua como uma fala próxima da prosa,
gramática, com a passagem do pronome singular te, tendendo quase à métrica regulai� com versos de qua­
mal empregado, ao plural vos, mas com irônica ele­ tro ou cinco sílabas nas estrofes centrais mais enfáticas,
vação do tratamento: parn que vos quero?. A interro­ mas com uma discreta sonoridade (apenas realçada
gação final, em lugar da exclamação, indicia o deslo­ por uma rima consoante entre alguma e u111a com que
camento do c lichê surrado para outro contexto muito se fecha sonoramente o texto). As duas pequenas es­
diverso, onde o destaque é para a perplexidade do trofes do meio reiteram, pelo reforço retórico da aná­
sujeito como parte ativa interessada no objeto pernas. fora, essas obscuras razões de aparente desistência do
O ponto capital, porém, é que agora se inverte o sen­ movimento, deixando entrever, no entanto, o que não
tido, e a frase passa a servir para apregoar o oposto se pode dizer senão pelo chiste e a ironia. E então se
do esperado, ou seja, a irônica aceitação de uma comprova como a ironia é de fato uma forma do deco­
perna só, como se o singular bastasse, diante da inuti­ ro, uma virtude da urbanidade, mas também um
lidade de duas, na condição atual do sujeito que já modo sutil de descobrimento da alma, no mais íntimo
não precisa delas. não falável.

40 41
A seqüência do poema traz um mergulho pro­ e o amigo sem corpo
zomba dos amantes
fundo nessa interioridade indevassável à clareza da a rolar na relva.
fala comum e vem povoada, em diversas modula­
ções, das imagens de um sonho repleto de ansiedade. Por que me deixaste
pé morto
Com efeito, em nítido contraste com o primeiro pé morto
poerneto, o segundo, mais longo, muito mais instável e a sangrar no meio
visivelmente assimétrico em sua forma exterior, já co­ de tão grande sertão?
meça pela afirmação atribulada do movimento que de­ não
pende das pernas. Em seguida, se concentra num monó­ não
logo torturado, opresso pela angústia, carregado da­ NÃO
quelas imagens oníricas e fantasmagóricas, indo desem­
bocar, por fim, num diálogo delirante com a imagem É essa talvez a mais penetrante incursão de José
obsessiva do pé morto, que conduz para dentro da noite: Paulo no reino das imagens noturnas, demoníacas e
recorrentes, provindas daquele veio subterrâneo, de
2.
Desço
enfrentamcnto com o inconsciente, que do Roman­
que subo tismo, por via do Simbolismo e do Surrealismo, acaba
desço que por aflorar quando menos se espera entre poetas
subo modernos, por vezes até afastados dessa tradição.
camas A alma oculta pelo diálogo civilizado e perfeita­
imensas.
mente urbano, sob a guarda da ironia e o fulgor do
Aonde me levas chiste, irrompe de repente desamparada no delírio,
todas as noites perseguida por um roldão de recordações desencon­
pé morto tradas e fantasmais: fezes de infância se grudam a lençóis
pé morto?
hospitalnres, uma cidade insone se enche de sufocantes
Corro entre fezes vozes barrocas, um amigo incorpóreo cobre de ridícu­
de infância, lençóis lo os jogos de desconhecidos amantes, e tudo culmina
hospitalares, as ruas na sensação do sacrifício sangrento em meio a um
de uma cidade que não dorme grande sertão feito de solidão e pesadelo, onde o poeta
e onde vozes barrocas
enchem o ar
apenas pode repetir, num crescendo, seu derradeiro
de p Não!, que de nada vale.
a No conjunto, esse torvelinho de fantasmas múri­
cos desarticula o mundo organizado da Cidade dos
n homens, introduz a dissolução da noite, gera o caos e
a sufocante

42 43
rompe a ordem urbana, tudo o que conta para a poe­ poesia, cuja breve forma epigramática se desfaz nas
sia de José Paulo, cuja ironia é justamente uma pro­ turbulências e contorsões desse poema tortuoso, pu­
jeção da urbanidade. xado para baixo no meio do redemoinho, em viagem
Aí não há chiste e penetramos num mundo dissolvente para dentro da noite e do fundo do ser, de
desconexo e infernal de sacrifício e mutilação, onde o onde crescem, em vão - de profundis clamavi -, os gri­
pé morto, destacado metonimicamente de tudo isso, tos do sofrimento, do desespero e da negação19.
assoma como um símbolo macabro. Grotescamente
separado do corpo, ele reitera, com a ênfase aluci­ 3.
Aqui estou,
natória de um estribilho sinistro, a antecipação do Dora, no teu colo,
fim, pela divisão do ser e a desordem da Cidade, nu
levando o homem ao abandono, ao mais completo como no princípio
desamparo, em meio à selvageria do sertão. de tudo.
O sonho mau é, como se vê, regressivo, uma espé­ Me pega
cie de imaginária descida aos infernos, ao mundo dos me embala
refugos do desejo, impelindo a civilização ao infindo me protege.
mundo selvagem, aonde o sertão ressurge contraposto
à Cidade, como o outro que revém sob o verniz civi­ Foste sempre minha mãe
e minha filha
lizado. Antecipando a morte do corpo, insinua tam­ depois de teres sido
bém a morte do mundo hwnano, sugere a fw1esta fan- (desde o princípio
tasmagoria da destruição da ordem que o trabalho do de tudo) a mulher.
homem impõe à natureza, ou seja, da construção
humana por excelência que é a Cidade, a que está O terceiro poemeto revela ainda o movimento
umbilicalmente ligada toda a poesia da civilidade de regressivo, mas agora num plano oposto ao anterior
José Paulo. Visão infernal da noite para a qual conduz e mais precisamente idílico. É de novo uma lírica e
o pé morto e contra quaI de nada vale o apelo do não. comovente entrega do poeta à musa, Dora (cuja en­
Não é de se estranhar, portanto, que sentimentos trada na poesia de José Paulo, como ficou dito, evoca
extremos de impotência e desamparo - aumentados o quadro de simplicidade da pastoral neoclássica),
equivalendo a uma busca de resgate do mais profun-
pelo sertão sem tamanho em que se sente abandona­
do o poeta -, acompanhem esse momento de anteci­
pação trágica do sacrifício, antevisão do spnmgmos, 19. É interessante not11r como neste momento tào pessoal e forte da poe­
sia de José Paulo se sente m<1is uma vez, e ilinda aqui sem qualquer desdouro,
quando a dilaceração do corpo já se transfigura ter­ a presença vivi! da herança drummondiana e, em ecos mais longínquos, mas
rivelmente em imagens demoníacas da divisão do também perceptíveis, a de Baudelaire. Por outro fodo, sào quase ostensivas <1s
referências à imagem do "boi morto" de Bandeira e ao "sertào" de Guimarães
próprio ser. Elas subvertem a própria ordem dessa Ros11.

44 45
do desamparo vivido antes. Depois do percurso tene­ entrega total: o ser, no limite da absoluta dissolução
broso de descida aos infernos, regressus ad uterum. do não-ser. O pequenino idílio tem, portanto, valor
O contraste faz perceber melhor como as ima­ apocalíptico, de revelação, em contraste e confronto
gens de sonho mau no segmento precedente relem­ com a divisão demoníaca cujas imagens terríveis são
bram o esquema arquetípico da aventura romanesca impostas pelo sentimento da mutilação.
em que o herói batido por um rude golpe se precipi­ Por outro lado, aí se pode observar ainda como a
ta no fundo de um poço infernal; de forma análoga, obra de José Paulo realmente se converte, em seu mo­
ele dali agora reascende ao mundo idealizado do vimento íntimo e aglutinante à medida que progride,
idílio em que o espírito se reconforta com o prazer de numa espécie de mitologia pessoal. Nela, a figura
reencontrar um mundo que corresponde ao desejo. recorrente da amada e musa desempenha um papel
O idílio, termo que na origem significa, como se decisivo, de algum modo assinalando o princípio da
sabe, "pequeno quadro", se aparenta ao epigrama e poesia, pontuando-lhe a cada passo o desenvolvi­
se coaduna com perfeição à simplicidade e à tendên­ mento e acompanhando-a até o fim. A transfiguração
cia à miniatura da poesia de José Paulo. Nele o poeta de um ser tirado da experiência real se completa
pode assumir toda a sua força expressiva propria­ nesse movimento interno de incorporação de uma
mente lírica, em contrapartida à sua verve satírica, musa inspiradora e protetora constante, a que se con­
exprimindo uma conciliação momentânea entre o fere a força do mito. É essa a força que a poesia sem­
ideal e o real, quase sempre apartados por aquela dis­ pre sabe reencarnar e fazer de novo valer, quando
tância que marca a ironia. deseja exprimir os seus próprios fundamentos.
Aqui o quadro em miniatura vem muito mais Assim, o momentâneo idílio exprime o reencon­
realçado pelo contraste com o anterior e se refaz em tro com a Musa, que é também reencontro da poesia
doçuras e suavidades, como numa cantiga de ninar: o consigo mesma, com sua fonte perene, num momen­
Eu, despojado de tudo e feito de novo criança, se to extremo em que o poeta vive a ameaça iminente
abandona à Mulher que é para ele a Mãe e todas as de destruição.
mulheres, à procura de aconchego e abrigo.
O movimento em busca de proteção é aí tão dire­ O quarto poemeto reata o fio das imagens oníri­
to e evidente (quando tantas vezes é um conteúdo cas e demoníacas, acentuando a atmosfera fantástica
latente e disfarçado, só se deixando interpretar por com um togue surreal, ao introduzir a imagem notur­
meio da psicanálise), expõe tanto a fraqueza do ser, na de um morcego na enfermaria de um hospital e
que comove pela força do desnudamento, sinal da inexplicáveis manchas de sangue por toda a parte, na
situação extrema vivida pelo poeta. manhã seguinte:
A nudez, que estava no começo, descobre a imi­
nência do fim, revelando o indivíduo no limiar da

46 47
Dizem que ontem à noite um inexplicável morcego assustou
Esta quinta parte é de novo um diálogo imagi­
os pacientes da enfermaria geral.
nário, mas agora com a perna que vai ser amputada.
Dizem que hoje de manhã todos os vidros do ambulatório A matéria realista e o tratamento irônico são retoma­
apareceram inexplicavelmente sem tampa, os rolos de dos na construção do poemeto. Nele também se re­
gaze todos sujos de vermelho. torna ao corte epigramático e à veia satírica, voltada
para o momento da dilaceração física: cabe à perna a
Como se vê, o texto tende à prosa narrativa e ao
necessária espera até a hora de reunir-se como o
humor negro à maneira de uma historieta insó�ta so­
_ restante do corpo.
bre um grotesco vampiro hosp�talar; p�d1a ter saido �:
Há algo de rabelaisiano nesse movimento paró­
uma página da célebre antologia �r?arnzada por ��re
dico e grotesco para o baixo corporal, cuja conside­
Breton20_ No conjunto da ode m1rnma, exerce, porem,
ração foi imposta ao poeta, pois acaba determinando­
uma função de gradação climática e metafórica, pre�a­
lhe o mmo do destino. Na despedida tragicômica de
rando as composições restantes, à semelhança do efeito
de antecipação do terceiro segmento, que avança pela parte de sua carne, repetindo ecos da hora marcada na
imagem do pé morto rumo à mutilação inapelável. famosa elegia de Lorca e uma suposta etimologia gue
se diria verdadeiramente carnavalesca21, o poeta se
Chegou a hora prepara com um trocadilho - minha cnra/data vermibus
de nos despedumos - para a forçada e eterna separação. Na verdade, o
um do outro, minha cara
data vennibus movimento desse chiste paródico da hora fatal parece
perna esquerda. querer exorcizar pelo riso catártico o horror da ampu­
A las doce en punto tação, que torna no entanto presente o que se oculta
de la tarde
atrás de tudo: o verdadeiro horror da morte. A muti­
vão-nos separar
ad eternitatem. lação efetivamente antecipa na parte o terror do todo.
Pudicamente envolta
num trapo de pano Ainda em ritmo paródico, mas de sinistra marcha
vão te levar
da sala de cirurgia
militar, manquitolando a partir do terceiro verso, o
para algum outro (cemitério sexto poemeto da ode mínima reconhece pela cadência
ou lata de lixo batida os dias contados da própria perna. E martela
que importa?) lugar
onde ficarás à espera
a seu tempo e hora
21. Como se s,1be, d.idil a vocação da etimologi;i para il fant,1sia, il preten­
do restante de nós.
sa origem etimológica do termo cadáver estari,1 11,1 perífrase latina caro dnta ,�'r­
mib11s, assim como a de carn,1val, na expressão cnme, vnle!, propostil por F. Diez,
20. Refiro-me, é cl;iro, à A11t/10/o gie de /'hu111011r noir, que Brct�n _publicou com um vocativo impossível (o correto seria caro e não cnmr) e sem base históri­
pela primeira vez em 1939 e depois reeditou divcrsas vczcs com ac resc1mos. Cf., ca. /\o poeta não escapou, porém, il ocasião para o chiste, grafou cnra e111 lugar
_
por exemplo, a edição de Jean-Jacques Pauvert, P,ms, 1%6. de cnro, destacando carinhosa e ironicamente a perna destinada aos vermes.

48
49
sobre ochão contingente de nosso tempo o alt o e vast o
Na pior d h
as se s
ipót e
tema da elernidadc, ligado ao motivo central do d a se chegare
i s
do Juízo, tomado cada vez ma s próxim o: «nte s de nós
i
diante d
o Juiz
coragem:
6. não tens c
esquerd;i dirc1 , 1 u lp«
t e mbr -
(l «t e
esquerda dirci )
t ;i .
direi da
de n a
ta
direi Os maus passos
ta
qu em osdeu n
a a
vi d
Nenhuma pern foi a arro
a nci;i
g â
é ctcrn;i. da cabl'Çil
a afoi LC/ él
das glândulas
O último pocmeto, com prid o, masde versos cur­
a incur,1v l ce u e
c g ir a
tos, chega por fim ao motivo bíblico, dantesco e meta­ do coração.
físico do Juízo Fina E o faz ainda na forma epig ra ­ O:. tropt•ços
l.
deu-os a alma
mática do chiste, com inflexão paródica, em rela çã o a
ignorante d o ra s
s u co
esse terna quase ::;empre tratado em termos relig iosos b
da estrad,1
e orn retomado pelo diálogo fantasioso, com for ça d as annad
la s
ih
satírica,entr e o poeta esua perna d o m undo.
:

Mas não te prt•ocup s


e
7. que no ins tante
Longe fi n a
l
estaremos juntos
do corpo
prontos p;ira n s e tn e
n ça
terc1s seja ela qua
l for
dornvantc contra n s
ó
de caminha r sozinha lavradn:
até o dia do Juízo . as perplexidades
Niio há de ainda outro I u g a r

pressa ou a
in conceb v
pa z í el
nem o que temer :
haveremos do Nada.

de opor
O fund o m o ra lis ta da sá ti ra, dimensão
tunamente

i J sempre
t n apo es a de osé P aulo, e c
te alcançar nontr a um c a p
. atuan e m o

50

51
perfeito na situação fantasiosa aí desenvolvida, osci­ o que se organiza é urna vida em resumo no poema.
lante entre o grave e o jocoso. É esse fundo que aflo­ A poesia é uma ordem no caos de nossos dias, uma
ra no irônico aconselhamento dado pelo poeta, ao tentativa de organizar na forma breve da arte a expe­
tirar da perna o peso de qualquer possível erro ao riência sem rumo certo. E dá a medida do humano
longo da vida - outras partes é que levam a culpa -, frente ao limite.
e só é posto de lado, quando se chega à consideração O poema sobre a amputação constitui, na ver­
final, à dúvida metafísica quanto ao além, suspensa dade, um testemunho da integridade do poeta en­
frente ao fiel da balança, entre a imanência e a trans­ quanto ser no mundo. Nisso reside a sua maior iro­
cendência de nosso destino. nia, que é um modo de exprimir a pequenez, a fra­
Bem pensadas as coisas, do lado grave, é esse o gilidade, mas também a dignidade de sua condição.
momento da síntese do vivido, do resumo de um Dessa integridade faz parte ainda o desejo de saber o
destino, pela reunião paradoxal de todos os passos, que nos espera, para o qual falta resposta.
quando precisamente o próprio movimento padece o Desse modo, aí se dá a ver em sua máxima ampli­
risco de parar, não só pela perna que falta, mas por tude a busca da poesia toda de José Paulo Paes pelo
defrontar-se com o limite extremo, que é a morte. sentido. A busca a que responde seu cancioneiro co­
Chegando ao Julgamento, o poeta, ao reunir-se com mo a história de um homem que luta por se exprimir
a perna, está irremediavelmente exposto em todas as na brevidade do instante, deixando seu testemunho
suas fraquezas, nomeadas no relatório das faltas que da História. É isso justamente o' que imprime sentido
não cabem à perna. a seu destino enquanto homem e poeta. Por fim, de
Com efeito, ao chegarmos, nós leitores, a esse novo e para sempre, o todo no rn ínirno.
sétimo patamar do Juízo Final, nos damos conta de
que a ode 111í11i111a representa em seu conjunto, pela Davi Arrigucci Jr.
integração das partes no todo, justo no momento da
maior ameaça, que é o momento da mutilação, equi­
valente à retaliação da carne e do espírito, um resu­
mo verdadeiramente completo e notável do destino
do poeta em sua integridade. Ele agora surge por
inteiro e inteiramente exposto, com todas as suas
fraquezas, dúvidas e temores, diante do fim. Ante a
ameaça iminente de destruição, ao prestar contas do
passado, o que se organiza é a vida de um homem,
dispersa e erradia em seu movimento, mas nesse
instante confrontada com a paralisia do fim imposto:

52 53
POEMAS
DE O ALUNO (1 94 7
)
CA NÇ Ã
O D O í- OG O
AD
A

Es ta cord a de forro
me apert a a cabeça,
não deixa meus braços
s e er guerem n o ar.
Ef o mar me ro de ai ,
a oga meus lho .s
o
Ma me sa l ve
ninha
o
n ã posso chora r!
Minha mão e stá presa
na cord a de ferro
e os dedos não tocam
a rosa que desce,
q u e afunda sorrindo
nas águas do mar.
Ma ni nha me sal ve
n ão pos so nada !r
Alg as flutuam
por entre os c abelos ,
me u s lábios de sa ng ue
pa lp ita n
m a sombr a

59
e a voz esma gad
a
não pode f ug r
i.

Maninha me salv
e
não posso falar DRUM M A A
ON D I N
!

E a rosa libert ,
a
a inefável ros ,
a
vai long , vai long
e . Quando as amantes e o ami o
Um gesto é inúti , e g
l te ransformare mn u ,
meu grito e meu prant
t m trap o
o faça um poem ,a

in(1te s também.. .
i a
f um o e ma , J o a
q ui m!
ça p
Maninha me sal v
e
que eu vou naufra gar
!

60
61
Mas a dama morreu,
os castelos se foram
na lnrde cinzenta!

BALADA
O caminho se alonga
por entre montanhas,
or campos e vales.
p
Talvez me conduza

F lh ao roteiro erdido
n
d a
p
o a ga ,
ru
e l no fundo do mar .
.
i
poe ra nos v s
i ro Mas estou tão cansado
A pena se ari raútil sta
na tarde cinzenta
!
no e s
fo
rç o n
ã .
de li r ç o
b t

N e a Não sou lobo da estepe


en tde ;
uma vo n a
h

, amo a todos os homens


e m o des e o
j
n em m s
t de ci t . e suporto as mulheres.
na r nze
n
a
a Contudo não posso
Aá falarcom os lábios ,
vo re
r se c i amar com o sexo ,
a

a se v a
esp er n o
d

orque sinto a tortura


não te m paisagem. p
da tarde cinzenta
N a fre te éo deser o !
t
n
.
c o er to d pedra s
b
e

d Só me restam os livros.
Ne m so
bra á sis
m e o .
P b ár v Vou ficarcom ele
o re s
o re s e ca
es erando que chegue
a a e t p
n t r e c nz n a !
d i

do íundo da noite ,

m a das sombras do tempo


Se hou v s e s e o ,
l
e u
st

c oh! imenso mar,


c om t rres e dama
io vem me liberta
de lo ro sc a e o s , r
b l

da tarde cin1cnta
t a ve z eu fizes s e !
l

alg m ma
d
a l.
rig
u

63
62
O POETA E SEU MESTRE MURILIANA

Tiro da sua cartola Corto a cidade, as máquinas e o sonho


repleta de astros, Do jornaleiro preso no crepúsculo.
mil sobrenaturais Guardo as amadas no bolso do casaco
paisagens de infância. Almoço bem pertinho do arco-íris,
Planto violetas na face do operário.
Sua bengalinha Çonversando com anjos e demônios,
queima os ditadores, E o meu anúncio quem dirige as nuvens.
destrói as muralhas
libertando os anjos.

Calço seu sapato


e eis que percorro
a branca anatomia
de pássaros e flores.

Repito seus gestos


de amor e renúncia,
de música ou luta,
de solidariedade.

Carlitos!

Teu bigode é a ponte


que nos liga ao sonho
e ao jardim tão perto.

64 65
O ALUNO

d d
São meus to os o s v res os já canta os:
l i
A for,i a rua, as mús cas da infân c a,
i

O lí do mo me nto e o s azulado s
l l qu p did s na di tân cia.
or zontcs er
i
o s

In tacto me ó
re v
e j nos mi l ad
o l i o s
Dei um s poe . N lâ as da es tância,
ma ó a s m ub n
DE CÚMPLICES (1951)
lam as mem rias e a s s nc a
tâ i
C rc
De al v u de ges t s iso la d .
p a ras, o os

Sao me s t am

mo
s lír i c o s s a pato s
i u
D R d fu n d o dos me u s atos
Centambdoç au u , e no t
ra r s te de Ban de ira.
i
a a

Dr u mm ond me e mpr e s se mpr e os eu big


ta ode .
b
a, me u p e o explo de
E as m bNe b ru ld tas da n ao re av alg rs ibeira.
Co
or o e ç mn

6 6
MADRIGAL

Meu amor é simples , Dora,


Como a água e o pão .

Como o céu refletido


Nas pup ilas de um cão.

69
De m ai or beleza
É, pois, nada p
re v e
r
CANÇÃO SENSAT E à fina incerteza
A De amor ou viag
e m
Ab ir nossa port .
r a
a , is s oimpor ta.
Do r

Dora, qu e import
a
O ju z que escrev
i
e
Exem plos na arei
a,
Se livres se uimo
g s
O rastro dos faunos
A voz das sereias ,
?

Dora, que im port


a
Aheran a do av
ç ô
Sob apedra nua
, ,
Se do ar colhemo
s
Moedas de sol
,
Guirlandas de lu a
?

Dora ue im porta
, q
Esse frág il muro
Que defende os cautos
Se além do pe ueno ,
q
Há horizontes loucos
,
De que somos arautos
?

70

71
PEQUENO RETRATO POEMA CIRCENSE

Nunca vislumbrei Atirei meu coração às areias do circo corno se atira ao


No momento exíguo, mar urna âncora aflita. Ninguém bateu palmas. O
No dia contigo, trapezista sorriu, o leão farejou-me desdenhosamente,
O dia contíguo. o palhaço zombou de minha sombra fatídica.

Sempre desprezei Só a pequena bailarina compreendeu. Em sua mãos


A estrela sinistra, de opala, meu coração refletia as nuvens de outono,
O falso zodíaco, os jogos de infância, as vozes populares.
A esfera de cristal
E o terceiro aviso Depois de muitas quedas, aprendi. Sei agora vestir,
Do galo matinal. com razoável destreza, os risos da hiena, a frágil polidez
dos elefantes, a elegância marinha dos corcéis.
Como submeter
O desejo ao fado, Todavia, quando as luzes se apagam, readquiro antigos
Se todo prazer poderes e vôo. V ôo para um mundo sem espelhos
Ri da cautela, falsos, onde o sol devolve a cada coisa a sombra natural
Ri do cuidado, e onde não há aplausos, porque tudo é justo, porque
Que o quer prender? tudo é bom.

Vou despreocupado,
Dora, tão despreocupado,
Que nem sei morrer.

72 73
Agora , Dora, a teu lado,
Estou sempre a recompor
ODE PACCFICA Essa verdade tão simples,
De q ue me torno senhor.

Simples verdade de amor.

Leve i c om igo um pun ha l,


Co m m ã os firm e s ,ca ut elo sa s,
C m s e leva um s egre d o,
Co o l
omo se eva m a ros .
u a

en e n e
i o,
A ss m barmad
fr t i
d
As em os ca a s e o s cr imes.
Tos co rr e dor se do ód io ,
C b li, gr ite i e rdi-m e .
om a , p
h
inava
O pu n a l me dom olta ,
F asi nava-me a er v .
ci

(V ve os presos ch ev
a
Que cm i gil
à

m s o no ss o a.)
lt

Mas um d a duma e
i
v rd ade ,
Qu e nega to o punh al,
Pôs br si a s na min ha fac e ,
F tou- à
u r me s vozes do ma l.

74
75
EPIGRAMA

i d z, i c t z s.
En re so nlího i e l u c e e as n er et a
t
En tre de r o e dev r, as t e mpes ades.
seíb mpl re sere o t deu ps r do dne iros
i i isi
ANes, p ara
p
te a t u o am arg e a u a e . ..

DE NOVAS CARTAS CHILENAS (1954)

76
ÉV IA
ODEP R

IIistória, pa sto r a
Do s alfar rábi os.
Mcretri7 do rei,
Ma rt o an do s ábi .o

Lépida meni na,


Múmia astuciosa ,
Miasrna de esgoto,
e de ro sa.
Per fu m

Ba n co de escola,
Enfado, surpr e sa,
Álco o l juvenil,
P ão de m adurez a .

Mármore ab st rato
Que o vent o, lento, rói.
C a lafrio de covard e,
Façanha de he rói.

79
Musa, confusa
Bola de cristal.
Arenade luta
Entreobem e o ma OS NAVEGANTES
l.

Cálcio de esqueleto,
Pó de livraria,
Bronze mentiroso,
Rima de poesia. Tenham scm ha s
, q uere la s , te m pes a
t d s
e ,
Os mare s nun
c a dan es nav eg a os .
t d
Histriã do rico, No rude mai s eali m
Madrasta do pobre, s p a e mais se apu ra
A es ti r e do sb a rõ s a
e s s n a a os .
i l d
Copo de vinag re, p
Moeda de cobre. Ca nte o ve nto na re de das en xá r ci s .
a
Afane-se a a tid .
o
o maruj n p r a
Estrela da manhã,
Impc o vcla m e inqu ie t o , corte a roa
Mapa ainda obscuro. p
O infinito das ág uas tid .
r e e a s
História, mãe e esposa p
De todo o futruro. Ande a e t l ábi .
sre a c ativa d oa ro l
Mostre a bú st o
ss o la válido ac m i nh .
o
Nas ca t s s e se r itu e t d
r a c r o o ach ad
E foma no vir á cm et mp o a i h .o
s s n o

Ac har é nos s lida m i


a a s c o n s ta n t e
E lucro no s o em en h i
o ma s veze ro:
i
s p
Hem os a g la vil d
u o mercad o r
Num co ração fe b il d
e ma r e ro s.
inh i
r

Pene o mo u ro na gle b a,
que bu scam so
Não colheit s de
va s .
i
t err , mas n a
a
a
No com érc i o a íti o f d
m r m u n a m os
Op ulência de stin o a p it i .
, , c a s

80 81
Almejamo s Cipan os m isteriosa
9 s,
Fabulosas Catais Indias lendária .
s
,
As latitudes são-nos desafi
o,
Sendo as ondas do mar nossa alimá i .
r a
A A TA
C R
Diga o zarolho, poi s da grã porfi
, a o oceano a
Da Jusitann grei cont r ,
Recorde embora o velhodo Restel
o
Da fama e da amb ição o ledo engano
.
As galas da te ra
r
Um dia, nos bras s de boa a guad Vo-las contarei,
i a,
Ilavemos nosso ocaso de encontra Se a tanto engenho
r
E, algemado à Con quis ta há de morr e Ou arte me ajudare m ,
r
,
Aquele Im pério que nasceu do ma . o - .
Senh r m e
u EI R ei
r

Po r este mar d
e lo n
go
Navegamos : lei
Éa nossa de servi-lo,
Sem pouso nem re so,
po u
Sen o u El-R c
hr m e i.

De pois da G ã-Can a
r ári
E Cabo Verde, olhei
As águas, demandan
d o
Algum sinal de ter ,
ra
h r meu
Sen o EI-R e
i.

B ot e lho f lut uando


E rabos- d e- asno ach ei .
No mastro um f urab c
u h o
fagueiro se assentou ,

u El-Rci.
no r m e
Se h

82
8 3
Na quarta-feira, alfim, Chantada a cruz de Cristo
Vista de terras hei: No chão, logo atentei
Arvoredos, montanha, praia chã. À gente destas partes
As âncoras surgimos, Saudar-vos a divisa,
Senhor meu El-Rei. Senhor meu El-Rei.

E logo nos topamos Tanta inocência prova


Com u'a estranha grei: O que me afigurei:
Pardos, todos nus, sem coisa alguma Que qualquer cunho neles
Cobrindo-lhes o pêlo, Se há de imprimir, querendo
Senhor meu El-Rei. O Senhor meu El-Rei.

Não houve fala deles, De ouro, ferro e prata


Senão comércio: dei Nada vos contarei,
Barrete e carapuça; mas ganhei Mas terra em tal maneira
Penas de papagaio, Graciosa, é de valia
Senhor meu El-Rei. Ao Senhor meu El-Rei.

A língua se me abrase. Com que nela, em se plantando,


Das donas falarei. Tudo dá, concluirei,
Ai vergonhas tão altas e cerradas, E mais me não alongo
Tão limpas, tão tosadas, Senão para beijar-vos
Senhor meu El-Rei! As mãos, Senhor meu Rei.

Roubando-me a folguedos,
Na missa me ajoelhei,
Que altar bem corregido
Sob esperável armou-se,
Senhor meu El-Rei.

84 85
A M ÃO DE OBRA L 'AFFAIRE SARDINHA
- -

ã O bi spo ensinou ao bugrc


o de por et e finos de feiç o
São b ns Que pão não é pão mas Deus
lh e nsin a, ,
E logosabem o que se s
og d f d e li Presente em eucaristia
.
to sr re s.
Ma s t ê
m ra ve e ei e e v
E como um dia faltasse
Pão ao b ug rc ele comeu
,
O bi spo eucarísticamente
, .

87
86
A CRISTANDAD
E
PALMA R
E S

Padre açúcar,
Que estais no céu I
Da monocultura
, o a t o da serra,
Santificado l
Seja o nosso lucro
A
pal me irn ao ven o t.
, P a meira, mastro
Venha a nós o vosso reino l
D e band ei ra, cr u
De lúbricas mulatas z
De mad eira, páli
E lídimaspatacas o
, D e fúnebre lite ira ,
Seja feita
Q u e n egr o u ao,
A voss vontade s d
a , Cu
r ci ficado,
Assim na casa-g rande
Traído, mor o,
Como na senzala. t
Vela s a nda
i ?
Não sei , nã o sabes ,
O ouro nosso
Não sabem. Os rn to s
De cada dia
Roem seu livro,
Nos da hoje
i Comem seu quei o
E perdoai nossas dívidas j
E calam- se, que o te m o
Assim como perdoamos p
Apaga a manc ha
O escravo faltoso
D sangu no ta e te
p
e
Depois de puni -lo.
e

E perd oa o gato
Não nos deixeis cair cm tentação
Pu n it i vo. Os ratos
De liberalismo,
Nã o clamam, os ra tos
Mas l ivrai-nos de todo
N ão ac usa m , o s t o
s
Remorso, amém. rn
Es c o nde m
O c r me e es.
i d Palm ar

88
8 9
Neg ra cida de
II
Dos negros casti ada
, g
Sobre a pedra rude

Negra cidade E elementar e amarga .

Da lib er da de Negra cidade

Forj ada n a sombra Do velho enforcado


,
Da s enzal a , no me o Da virgem violada
d ,
Da flores , no sal Do infante queimado
ta ,
Do tronco, no v rde
e
d
De Zumbi traído .

Cáust co da , n a Neg ra cidade


i ca n a s ro a s
Da mo e nda. Dos túmulos Palmares.
,
Sonhada no ba n zo,

Dançada no bumba , III

R ezad a n a ma c
u mba .
N gra cid ade Domingos Jorge velho
e ,
Da felicid a de, Chacal a barba
,
Onde a chaga se c u , Sinistramente g ra ve
ra
O gri hão se par t ,e E o sangue
l
O pão se r e pa r te Curtindo-lhe o couro

E o re de O u nino
, Da alma mercenária.
g
Sangô , Oloru , Dom ngo s Jorge velho
,
n
i
I stala - na er ra Verdugo ua
t q
n s e
, l
E o negro sem dono, A tua pa ga ?

O negro sem feit r


o, Um unhado de ouro
p ?
Semeia seu millio Um reinode vento
, ?
Esprem sua ca a, Um brasão de horror
e
n ?
Ensina seu fil ho Um brasão: abutr e

A olha r para o céu Em ca m o ne gro


p ,
Sem ódioou . Palmeira dece pad a
e or
t m ,
Neg ra cid a de Por timbre ne gro es qu ife .
,
Dos negros, obstinad Domin go s Jor e Velho
i
a g ,
Em sua força de t gr , e Teu nome guardou-
o
Em seu orgulh o de p m u A memória dos justo .
d h a, s
e
a

Em
su pa z ov e l a.

91
9 0
Pal ma s,
Umdia, cm rei
o do c r m
hã e

No mesm o c ,
Terás teu mau s oléu :
AFUGA
Lápide en te rra da
l a
ob
Na areia e, s re e ,
s
,
A urina d s o
cã e
O v ômito do s cor v o s
E d sp
e z
re o ete o.
rn
o Tendo a espada renegada
De Napoleão sem medir
,
O desmedido da afronta
,
Picado nossos fundilhos
,
!louvemos por bem partir.

I louvemos e nos partimos


,
Erário Corte e monarca
, ,
Deixando opovo no cais.
Não há luga r
pa ra o povo
Nas galcotas reais .

Pizemos longa viagem


Sobre mar tempestuoso
,
To muitos escolhos.
p
ando

As damasda comitiva
Sofreram muitos piolhos.

Arribamos finalment
e
A porto certo e destino
,
As gentes se jubiland
o
DestaColônia cm que temo
, s
Pirmc assento e inteiro mando.

93
92
I louve folgan a nas rua ,
ç s
Minue o no aláci , Ga nhais bancos, on e
t p o d a rend a,
Salva s , missa s bandeirola .
, s Bíblicament e avisada,
Com nua munificênc Se cre sce e se mult
i ip lica .
a
Distribuíram-se esmola . E l iceus de sapiência
s
O nde a .
te fruti fic a
me n
Sendo nossa vol a ao Rein
t
Coisa do mbítr o divino o E ma is: doutores, legistas
i ,
J íouvcmos então o r bem E mestres de muito ofício.
p
Fundar aqui pa ç o di gn E o áureoclarim da impr n s a
o e ,
De tão subido in quilino Cu o s om, de forte e grave,
. j
N ã
o há rda a
m o ç guc e.
tra v
Abrimos os ortos
p à
Mercancia universa , estrela da liberdade
l A

Que a ceifa de im ostos cobr Ao cabo tendes na mão.


p
e
E pa ga o luxo devido Lembrai-vos, pois, dest e re
i
Ao nosso fausto de nobres Gord o, pávi do, rison ho ,
.
Q e u iu e
u f g d Nap ol eão.
(Posto guc muilos barõe
s
E inumeráveis visconde
s
Devorem todo oor çamenlo
Haveis de convirque são
Fonte de extremo ornamento!
)

Por esses ralos cruzados


Que vos custamos, g anhais
Benefícios de ta monta
l
,
Que fora em resa afanosa
p
Deles prestar boa conta
.

94

9 5
CEM ANOS DEPOIS PORQUE ME UFANO

Vamos passear na floresta A caravela sem vela, testemunho


Enquanto D. Pedro não vem. De antigos navegantes, ora entregues
D. Pedro é um rei filósofo, Ao comércio de secos e molhados.
Que não faz mal a ninguém.
O cadáver do bugre, embalsamado
Vamos sair a cavalo, Em trecho d' ópera e tropa de retórica,
Pacíficos, desarmados: Amainado o interesse antropológico.
A ordem acima de tudo,
Corno convém a um soldado. O escravo das senzalas na favela
Batucante, pitoresca, sonorosa,
Vamos fazer a República, A musa castroalvina estando morta.
Sem barulho, sem litígio,
Sem nenhuma guilhotina, Os mamelucos malucos alistados
Sem qualquer barrete frígio. Na milícia das fardas amarelas,
Para exemplo dos frágeis Fabianos.
Vamos com farda de gala,
Proclamar os tempos novos, As sotainas jesuítas no cabide,
Mas cautelosos, furtivos, Cativado o gentio e pleno o cofre
Para não acordar o povo. Encourado da santa companhia.

As monjas de Gregório, tão faceiras,


Compelidas ao mister destemeroso
De lecionar burguesas donzelonas.

96 97
enfar elados Mas, sal da terra, reverso da medalha,
O
gera s,
ido es i
uv r p
O ut ro a a s marlo ta s doutora i s, Balaiadas, Praiei ras, Sabinadas,
r n
O a r bit ndo rui d osos lu d op édios . Palmares, Itambés, Jnconfidências.
r a ra

b n eira te h ris continuados Tudo ajuizado em boa aferição,


Os a d n s c ,
i ães de in d ústr ia O fruto podre a rosa ainda cm botão,
Em cap t
reterindo
,
, p
O s c t a n is o p ela ma is -valia O sol do grão, a esperança da raiz,
r m .

de a el Sob o signo do Cruzeiro insubornável,


O s b a c ha r is, ca eça
é b
p p ,
Tendo em conta passados e futuros,
R a bo de p lha ta lim de mosquetei ro
a , , Sempre me ufano deste meu país .
S l a do a pát i a ada sem cobrar.
a v n r a m

flib st e i ros na co t a cm diuturna


Os u s
,
c st eira floresc ncia
ê
Vg a à o
íli
i
um
D s c ap ita is pl a ntados no ultramar
o .

fid l o s d rol ensolarados


Os a g e p , ,
h n el d cart e brasão
c a a d
Co m a c a ,
Mo d ndo t o ulentos cafezais.
or ra en re p

L e
it ra t
o s de t ru z , j á vacinados
ntra a do vil enga jamento
Co febre ,
À fe e str das torres-de-marfim .
n a

l ri o d zéis atr ibulados


Os í c s on ,
o sg dea nos d esc
m i obrindo
P ro de , d Sod o ma
As p i m e i s de lícias .
r ra e

sele i t os no timão
Os c ama re iro ,
úblic a c u idosos
Da bar ca da Rep , cntários
Àbús s la de vári o s arg .
o

99
98
DE (1
9 5 8)
EPIGRAMA
S
É
P O TI C
A

Não sei p alavras d úbias. Meu sermão


C
o b v e rdu o e ao cord ro
ha am ao l o g ei irmão.

C oilm duas mãos frater na s, cump c o


A a roa do navi l.oi i
à

a ro
h p m et di p
A posse
Só é- me a,·entura sem sentid .
m reendo o ã o e d v i do.o
co p s i di
p

Nã o brinco de juiz, não me disfa rço em ré .u


e o o as o
Ac it m eu infern , m fal o d n1e ucéu
.

103
A EDGAR ALLAN POE BUCÓLICA

Fecha-se um homem no quart o Oca m ponês s me te rra


E esquece a janela aberta. De tém a h a
c r ru a
Pela janela entra um corvo.
p e ns cm c o lhe itas
E a
O homem se desconcerta. Qu e nun a se r ão s u a.
c s

Desconcertado, invecliva-o
De anjo, demônio, adivinho.
Pede-lhe mágirns, mapas,
Soluções, chaves, caminhos.

Mas, ave de curto vôo,


O corvo sorr de pena.
i
Murmu ra vagas palavras.
Não absolve, não condena.

Cala-se o homem, frustrado,


(O egocentrismo desgosta)
C, a contragosto, percebe
Que o eco não é resposta.

10-l
10 5
BALADILHA
IL P OVERELLO

Morre o boi
De sg e h d o m
r n a e ava n a flo r a.
ig o , an d es t
Quando chega ao fim
e
0> ás s ro
a s d am em s e us ca e o s.
or m
i
p
b l
A paciência bovina
As feras ose gu a m . ma nsa m en e.
i t

O p ix b bi m-lh De mascar capim,


a v ras.
es e as pa a
l
s e e De puxar o carro,
De servir ao homem
nt ro del t o o o ca so s e res v era
l
D e
d o

e Que o mata e come .


- "P egu e a paz,
a certe z a : r
ê
N u m a ing n u i

e
r , do m e i a força, cu r i o mal. a m r
M o str e o e ro Morre o cão
A di cr i m . De i d mim o o ."
e o e ,
nt se e m , o p s
i m

No meio da rua
d ia Sob él luz da lua
s e squece
u
,no outro ,
a s a
M bíbli flo re ta ã A que tanto uivou.
O co serm o e, nov a m e nte,
Guardou fielmente
O lobo com ue a ov e
lha , a ág c
u a om u e a p
omba
,
i

C hu O celeiro do homem,
m ca ve ra s n os n em s e
r .
mõe s
e n
o o s nu
t
o a Mas morreu de fome.

Morr e o pássaro
Dentro da gaiola
Quando é noite eo canto
Já não o consola.
Pela últim a vez
Canta para o homem
Que, embora livre, dorm e.

10 7
1 06
E11v o :
y

l lomem não seja


s
P,1ssaro , nostá l ic
g o,
Cão ou boi serv
i l. IVAN C , 1 5
lLI T ll 9 8
Levan a o fuz
t il
Contra o outro homem
Que e quer escrav .
t o
Só depo s disso morr .
i e Trrrim, bocejo,
R oupão, chin ,
e lo s
Gilet e, esc o v a ,
Água, sabão,
Café com pão,
Chapéu, gravat ,
a
Beijo, autom ve ,
ó l
A de u ,
s e
a d u
b .

Gente, trâns to,


i
Sol, bo m- i ,a
d
Escritório,
Relatório,
Telefon es,
A lmoço, arroto,
Con tas , desgos to,

eus
A d e s.
, ad u

Clube, ven to,


G r ama, t ê nis,
Ducha, alen to,
Bar, escânda ,
lo s
Pedro, Paulo,
Mulher de Pedro,
Mulhe r de Pau lo ,

eus, ade u .s
A d

108
1 09
La r, espos a,
Filhos, pija ma,
Jant a, livin ,
g
Jorna l, cismares,
Tric ô, vagare ,
W Z
A CL AU SE IT
s
1 liato, ausências,
Boc e j o, escad ,
a
Adeu ,s adeu .
s

Om rechal de cam
po
a
Quarto, cama ,
Sonha um un iverso
Glândulas, êxtase
,
m

rró idas.
m o
Dois em um, Se pa z n e
m h e

Do s em nada
i ,
Dever cum prido ,
Luz a p a ada
g ,
Adeus, adeus.

I Toras, dias
,
Meses, anos
,
Cãs, eng anos,
Deseng anos
,
Vácuo, náusea
,
lnd i feren ç a,
Cipreste, olvido,
1 Tá Deus? adeus.

110
111
DE (1
9 6 7)
ANATOMIA
S
Á
E P TI FIO PAR A UM B N
A QUE
IR O

neg
óc o
go i
e óci
ioo
c
o

11 5
DESENECTUT
E TROVA D OP O ETA D E
VAN G U A R D A
ou
E
T H MEDI U MIS T EH M A
S SA G E
já anteci pa a lín gu
a
afeita à alegor a
i
na carne da vid se me
a dec ifrarem
o verme da a goni recifro
a
se me d
esrc c a re
i fr m
já tritura o olh re rr ec i o
o fr
no gral da a pati
a
o carvão da noit se m
e e d esrrerrcc fra re
então i m
a brasa do dia
meu o
s c rrerrerrec frn orcs
i d
já se juntaum p se rão
é
a outro em simetria
de viag em além
da cronologia

já por metafísico
o medo anuncia
sua máquina de espantos
à alma vazia

116
117
EPITALÂMI
O
O C
ID E
NTAL

uv
a
p ensc1 d a miss a
a
concha oclus amiss
a
entre coxas abru
o mís s
il
pta
s

te
u
vinho sab
e
à tinta cspes�
a
de polvos noturno
s

(falo
da noit e
primeva nas ág uas
do amor da m orte
)

118
119
AMAIACÓVSKI
À
M O D AD /\ C/\ S
A

uns e preferem suicid


t a feijoada
marme a
cu te quero pela vid l da
a goleada
que celebraste na flaut
a
de uma vértebra patétic qu a r telada
a
molhada no san gu e rubro
de um cre púsculo de outubro

120
121
EU?

U E
?

O POETA AO ESPELHO, BARBEANDO-S


E ma s íl bmba
feita

a m á sc a
ra
re feit a
mais um
o ri t d ia
o
do di ita
ace
a
o rictu
s EU
do di
a
o risc E U
o
do di
a

EU
?
UE
?

o lho
por o ho
l
dente
po
r dente

ru ga
por ruga

EU
?

UE
?

o fio
da barba
o fio da navalha
a vida
por um fio

122
12 3
ANATOMIA DA MUSA
c,1p1 th d1mmu :
io
t 11
.uc , 1 11011 , wdific
a d1
O SU IC IDA O UD ES A
C RTES ÀS AVE S SAS

abu,us 11011 tollit usum


: c go it o
,1 d II umtit-lphi
ni

ergo
pu !m
mullum in p ,irvo : mut a ndb:
m ut a
t
is
m ho.: signo nnces od
us in re bu s !
m

II
r ig h l"\'L>d
,1 ts n. '!' C

124

125
-

DE MEIA PALAVRA (1 9
7 3)
LIBERDADE

INTERDITADA

PARAISO

V. MARIANA

1
1

l
1
12 9
1
CANÇ ÃO DE EXÍLIO FACILITADA SEU META LÉXICO

lá? cconomio pia

ah! dcsenvolvimcntir
ulopiada

s biá
consumidoidos
.
a .. pa triotários
á
.
pap . . suicidadãos
maná . .
.
sofá
.. .
inhá
.
s ..


?
b h
a !

130 131
MINICANTIGA D'AMIGO
ARSAMAN D
I

coyta
amar
amar
a ma r co yto

qu al am a
o nascituro a mama
o incen d iário a cha am
o op ilado a lama

13 3
13 2
VÊ US LIÇÃO DE CASA SOBRE UM
TO-ES C
A U A
O L N
TEMA DE APOLLINAIRE

c o
ntat o
la vu lverrosc
je t'le rappcle
para trás
qu oique royale n'est pas la seulc
(devagar)
fleur possible à ton jardin ma belle
para frente
(devagar
)
pa ra trás
(ACELERE
)
para frente

( ACE LE R )E

e d se gar
li
po d

134 13 5
SALDO
E T
N O
R P IA

L' 1llll<lr c/1 '< mor >e i l :;e/(',. /'11//n• s tell t •

a torneira seca
não que a chama não ( ma pior: a falla
s

queime a luz perd e s s de sede


e
)
ra z
ão de ilum ina r
a luz a pag ada
não que a boca não (mas pior: o go slo
morda ao fruto falle do escuro
)
o b l a or
íbic o s b
a parla fechad
a
mas e a crescente (mas pior: a chave
sensação de m orn o? por dentro
)
o ve rse ? um
mver fel

vagomelancólico
a perturbar agor a
di e t e
a g s ão d ad ã
o?

13 7
136
DECLARAÇÃO DE BENS
ANTITURÍSTICA

meu deus
via
minha pátria
ge s e m olhos
por cimm: a do m br o
minha família o

mirage m e m
minha casa n nhu
ne n hu m e s cmo broa
meu clube
meu carro
n a mala ( v l a
a
inc mu m) s ó
minha mulher o um
minha escova de dentes
be o se m
m
meus calos :
o ne m o na d
a

minha vida
v i o n nca
age m
meu câncer u :
mapa a e m re es t d
meus vermes s p ra a

138
13 9
TERMO DE RESPONSABILIDADE

mais nada
a dizer: só o vício
de roer os ossos
do ofício

já nenhum estandarte
à mão
enfim a tripa feita DE RESÍDUO (1980)
coração

silêncio
por dentro sol de graça
o resto literatura
às traças!

140
EPITÁFIO PARA RUI

... e tenho dito


bravos!
(mas o que foi mesmo que ele disse?)

143
UM SONHO AMERICAN
O
LE S MAIN S SA L
E S

CIA limitada
m ão s à ob !ra

144
14 5
NEOPAULÍSTl CA
B R E C TH R E
VI S A
IT D O

pelo mesmo tie



onde outrora vi ajavam
part do : o que a r t u
i p i
bandeira ntes her is
rumo ao futuro
mas no caminhoe su ce
e u
q
só viajam agor
a a ra ã ti a
z o da pa r
os dejetos: bandeira d

de seus filhos fabri (só perdemos


s
a viagem cam a
rada s
não a estra a
d
nem a v ida)

146
14 7
H1NOAOSONO Í
D O N O V S S IMO T E STAM ENTO

sem a pequena mort


de toda noit e e le avram-n omani taado
e
como sobreviver à vid
a e despindo-o o cobrir am com um a c apa de
de cada dia?
csc arlata

etecendouma coro a d'espinhos puseram-lha n a


cabe ça e cm sua m ão direita uma can ae
o n odiant edele o escarn eciam
aj elh a d
e cuspindo nele tir a r am-l e
h a c an ae batiam-l h
e
com ela na c abeça

e de p ois de o hav e rem escarnec ido tiraram-lhe


a ca p a ves ra-lhe o ss e u
fi ti m s v e st idos e o le avram
a c ruci c a r
o secretário da segurança admitiu os excesso s
d oqs pol ic iais e afirm ou que já m andara abr ri
in uéri ot para pun ir o s responsávei s

148
149
GRAFIT
O

nes e luga r solitári


t o
o homem toda manh
ã
tem o port e estatuári
o
de um pensador de rodi
n

neste lu gar solitári o

DE CALENDÁRIO (1 9 8 3
extravasa sem sursi
s
PE RP
como num confessionári
o LE OX )
o mais íntimo de s
i

neste lugar solitário


arúspic desentranha
e

o aflito vocabulário
de suas própria s entranhas

neste luga r solitário


faz a con ta mais doída
:
cm lançamentos diários
a soma de sua vida

150
1� ,fr j,mdro

BRINDE

ano no v :o v ida
nov a
dív ida s novas
dú v i ad s nov rts
ab ovo out rn
vez: do revé s
ao talvez (ou
ao t a tno faz como fez)
hora z er o: soma
do velho?
idade do novo?

o nada: um o ov

s alvc(-se) o an o no v !o

153
11
19 de abril
1

31 � de março/ 12 de abril

DIA DO ÍNDIO
DÚVIDA REVOLUCIONÁRIA

o dia dos que têm


ontem foi hoje?
os seus dias contados
ou hoje é que é ontem?

154 155
12 , fr maio
12 dt' j1 /111w, dia d,is 1 10 ,111,rn,fos

ETIMOLOGI
A A VE R D A
IJE AIR F E STA

no suor do ros to
mas ra
o gosto p qu e fogue ira
rojão
do nosso pão diário
q ue t
n oã ?
sal: salário
ba sta o fogo n a s v e a
is
e a esc ri ão
u d
c o
raçã o

156
157
15 de novembro

A MARCHA DAS UTOPIAS

não era esta a independência que eu sonhava

não era esta a república que eu sonhava

não era este o socialismo que cu sonhava

não era este o apocalipse que eu sonhava


DE A POESIA ESTÁ MORTA MAS
JURO QUE NÃO FUI EU (1988)

158
AC E QU L
I AM D R SUSP E
A QU E ITA

a i á
o s a est morta
e
p
sj fui
ma uro que n ão c u
é fa -
c uat qu etentei zer o me lh or que podia para sa lvá la
i i i
m te dili gente me nte au gu sto d o sanjospaulo torre s
carlo ils drum mo nd de and r ade m <1n uel bandei ra
mur o meo ndes vladimir maia kóv s k i jo ã o cab ral d
e
elo n
m li i a í le t p u! é uar d osw ald de a n
d ra de guillaum e
a po na rc sos enes c o� ta b ertolt brech t au u sto
de c a m s g g
p o
ã di d
n o a a nt uo na a

em dese sp ero de cau s a cheguei a imita r um c ert o (ou


inc erto j sé paul o pac� poeta de ri eb ir ãozin oh
d ) do f
s
et ra a e erro ar a rnq ua re n
se
ib
p orfeé m r eirãozinh o mud o u de nome a estrada de
r ro araraqu ar cns c fo e txinta e os au o aes
i j é p l p
pare c e nun c a ter exi st ido

n e meu

16 1
POÉTICA FÊTES GALANTES
. '.

conciso? com siso um dia é da calça


pro 1.lXO.7 pro lixo o outro do caçador

162 163
TAQUARITINGA CURITIBA

cidade: o interventor do estado


nas ruas em pé era um pinheiro inabalável
eternas namoradas
rne espreitam inabaláveis pinheiros igualmente
o secretário da segurança pública
eu é que não posso vê-las o presidente da academia de letras
o dono do jornal
cidade: o bispo o arcebispo o magnífico reitor
no jardim a fonte
insiste em jorrar ah se naqueles tempos
suas águas luminosas a gente tivesse
(armando glauco dalton)
só que me falta a sede um bom machado!

cidade:
agora nem as pedras
me conhecem

164 165
LISBOA: AVENTURAS
PISA: A TORRE

tomei um expresso
em vão te inclinas pedagogicamente
cheguei de foguete
subi num bonde
o mundo jamais compreenderá a obliqüidade dos
desci de um elétrico
bêbados ou o mergulho dos suicidas
pedi cafezinho
serviram-me uma bica
quis comprar meias
só vendiam peúgas
fui dar à descarga
disparei um autoclisma
gritei "ó cara!"
responderam-me "ó pá!"

positivamente
as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá

166
167
FLORENÇA:ANTEDILUVIANJ\
DUAS ELEGIA S BIBLIOGR Á FIC
A S

A Oswnld ,li' A11dmd!'


se um dilúvio levasse Ludo menos esta
galleria dcgl i uffiz agora
i á
aque l a palha
seria muito fáci l reconstruiro mundo: por dá c
i
mu os n v c oa
u n o
it
não como era m o t e me
cm vã
mas como deveria ter sido o

sem nen um
h
m
e a or

o qu e épior :
sem ne nh m hu mr
u o

168

169
A /. P Sartre Á
E PIT FIO PAR A U M S C
O IÓLOG O

mort
o
sem filho nem deus t e m agora
árvor sé ri o co n c r
orente
um
e

livros s
ó

enfim
a existênci
a
feita essência
:

170
17 1
DEPROSAS SEGUIDAS E
ODES MÍNIMA S (1 9 9 2 D
)
ES C
O LHA MULO
D ET Ú

ª"
Mais /11t•11 jc t•c11x q11'1111 mine

' d',111 mm/ire


111 0 /Jmsc
111 lit 'II

Ro n �ard

Onde os cavalos do so on
ba te m cas c o smati anis .
Onde o mw1do se entre abr e
e m c asa, pomar e galo.
Ondeao espelho duplicam -s e
to.
as anêm o n as do pra n
Onde um lúcido menino
prop õe uma nov ainfân cia.
A li repous ao po eta.
Al i um vôo termina,
outro vô os ein icia.

17 5
CANÇÃO DE EXÍLIO

NOTURNO

Um d ia segu viagem
i
O apito do trem perfura a noite. sem olhar sobre o meu ombro.
As paredes do quarto se n o m.
e c lh e
i vi terras de passagem
. N
O mundo fica m as vasto
ão

Não vi glória s nem escombros.


Tantos livros para ler
tantas ruas por andar G arde i no fundo da mala

. . u
um raminho de alecrim.
t as mulheres a
t a n s iur .
po s

Quando chega a madrugada A a ue i a luz da sala


g
o adolescente adormece por
fim qup e ainda brilhava por mim.
e
c e tro de que o di a v a sc e respec a nte para e l .
i lm e
i n a
Fe che a porta da ru
a
i

a chave jo gue i ao mar.

Andei tanto nc&ta ru


a
quejá não sei ma voltar.
i
s

177

17 6
Falava pouco comigo.
Estava sempre
noutra parte: ou trabalhando
UM RETRATO ou lendo ou conversando
com alguém ou então saindo
(tantas vezes!) de viagem.

Só quando adoeceu e o fui buscar


Eu mal o conheci em casa alheia
quando era vivo. e o trouxe para a minha casa (que infinitos
Mas o que sabe os cuidados de Dora com ele!)
um homem de outro homem? estivemos juntos por mais tempo.
Mesmo então dele eu só conheci
Houve sempre entre nós certa distância, a luta pertinaz
um pouco maior gue a desta mesa onde escrevo contra a dor, o desconforto,
até esse retrato na parede a inutilidade forçada, os negaceios
de onde ele me olha o tempo todo. Para quê? da morte já bem próxima.

Não são muitas as lembranças Até o dia em que tive de ajudar


que dele guardo: a aspereza a descer-lhe o caixão à sepultura.
da barba no seu rosto quando eu o beijava Aí então eu o soube mais que ausência.
ao chegar para as férias; Senti com mjnhas próprias mãos o peso
o cheiro de tabaco em suas roupas; do seu corpo, que era o peso
o perfil mais duro do queixo imenso do mundo.
quando estava preocupado; Então o conheci. E conheci-me.
o riso reprimido
até soltar-se (alívio!) Ergo os olhos para ele na parede.
na risada. Sei agora, pai,
o que é estar vivo.

178 179
A CASA INICIAÇÃO

Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas. Com os olhos tapados pelas minhas mãos, os dois
seios de A. tremiam no antegozo e no horror da
Na livraria, há um avô que faz cartões de boas-festas morte consentida.
com corações de purpurina.
Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e De ventosas aferradas à popa transatlântica de B., eu
programas de circo. conheci a fúria das borrascas e a combustão dos
Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais sóis.
até o fim dos tempos.
No quarto, uma mãe que está sempre parindo a Pelas coxas de C. tive ingresso à imêmore caverna
última filha. onde o tneu desejo ficou preso para sempre nas
Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente sombras da parede e no latejar do sangue, reali­
o seu próprio caixão. dade última que cega e que ensurdece.
Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mor­
talhas da família.
Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias
do outro mundo.
No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do
Paraguai rachando lenha.
E no telhado um menino medroso que espia todos
eles; só que está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos
sonhos.
Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, ven­
dam-na depressa.

Antes que ele acorde e se descubra também morto.

182 183
NANA PARA GLAUR
A B L
A AC
NETE

Dorme como quem A esperança: flo r


por ue nunca nascid seca mas (aca so
q a
dormisse no hiat ou precaução?) guardada
o
entre a morte e a vida. á
n
e tre as p ginas de u m livro.

Dorme como u< 'm


q A incerteza: fr i o
nem os olhos abrisse de faca cortando
por saber desde sem r c m por ções cada v e
pe z menores
quanto o mundo é triste.
a aran a os i a
l j d d s.
Dorme como O amor: late jo
q
uem

cedo achasse abri de arté r a entupida


go i
que nos meu s desabriga por ond o s a
s e ngue se obsti na
dormirei contigo. .
u
c m fl i r

A mo rte: esquina
ainda por virar
quando já estava q s
u ae esqu e o
ci d
o o so e v r - a s
.
g t d i á l

184
185
j
BALJ\DA DO BELJ\S-ARTES
RE NCONTRO
E

me Sobre o mármore das mesas


t ,e vo e a
ll i

ntem, treze anos depois da sua m or do Café Belas-Artes


O Lin .
O
n
contrar c o
m sm a
n s os problemas se reso lviam
e
como cm passe de mágica.
antigo con ent o, os b
v

o tro fo i no po rão de um
O en c n
i i eça do se u
a r a
cujo t eto ba ixo eleen c a a p me r p
en v Não que as leis do rea
J fin i o. l
Tea lro do n t se abolissem de todo
mas ali dentro Curitiba
, Vitórin dn dig11i n
d d
e s obre n vioh 111 cin, não tinha
era quase Paris :
A peça d l
l
pa avr as: e l já n ã
e o pr
i
ec sava e as.

f O verso vinha fáci


ui c u m p l
a
ampo u co disse cois algum a quã ando o i q rci­ o conto tinha gra ça
T r a s e o r i so era t o lum nos o u e u
r
menta . M o s u s a música s e compun ha
c o o quadro se pintava.
a rdei.

Doía muito menos


a dor-de-cotovelo ,
nem chegava a incomodar
a falta de dinheiro.

Para o sedento havia


um co po de água fresca,
média pão e manteig
a
consolavam o faminto .

187
186
Não se desfazia nunc
a
a roda de amigo
;
o tempo congelasr a -se
no seu melhor minuto.
À IN H A E
M P RNA E Q
SUERDA
Um d a foi fechad
i o
o Ca é Belas- Artes
f
e os amigos não acharam 1
outro luga r de encontro.
Pernas
Talvez porqu ejá não tivessem
ra
a
p qu e v os quero?
(adeus Paris adeus
) Se já não tenho
mais razões de encontrar- se
.
mais nada ase dizer. p o nar
r que da ç

Se já não preten
a ar d o
ir
p te a guma.
l

Pernas?

Ba s at um a
.

2
D s ço
e
e subo
qu
e sço q u e
d
subo
camas
n s a s.
im e

Aonde me levas
as noites
da s
t o
pé morto
m
p é o r to?
188
189
Foste sem minha mãe
p
re
Corro, entre fezes
minha filha
de infância, ençóis e
l
hospitalar es, a s ruas depois de teres sido
desde o princíp io
de uma cidade que nã o m
re (
o d
e onde vozes de tudo) a mulher.
bar
c
roa s
ench e m
o a r
e p 4
d
a
i Di ontem à noite um inex licáve morcego
z m qu e p l
e
as s s t u os pacientes da enfermaria geral.
n
u o
a sufocante
e o amigo sem corp D ho de manhã todos os vidros do ambu ­
o iz m que j
e e
zomba os am a l tó i a a eceram inex lic avelmente sem tampa
ntes ro p ,
d
a pr
rol de g todos su jo s d vermelho .
a ro lar n a r l
eva . s e
az
o os e

o u m deixaste
P r q e
e
5
pé morto

pé morto
Che go u a hora
a sangrar no meio
de de pedirmo
s n s
o s

de tão gran de e tr um do outro minha car


ã ?o a
,
não data vermibu
s
erna es querda
não à .
p
Alas doce en punt
N O de la tard
o

e
3 v
ã o -nos se para
r
ad cternitatcm.
Aqui estou,
P dicamen e envolt
D ra, no eu u a
o t co lo I t
nu m trapo de pan
nu o

vão e leva r
como n o r i
p n pi o t a de c
da sa iru r g
e u . l
d t do ia
ara a lgum outr o (cemitér
p io
Me pega ou la ta de 1ixo
me embala que import a ?)
lug r
a
.
me pro tege

191
190
cora gem :
onde ficarás à espe
ra
não tens culpa
a seu tempo e hora
(l embra - te)
do rest a
nte d e nós .
de nada
.

6 Os maus
passos
direita q uem os deu na vida
esquerda
f o a arrog ância
es ue rda direita
q i
da cabeç a
direita
a afoiteza
d ireita das glândulas
incurável cegueira
Nenhum a e rna
a
p
do c ora ção .
é et rna
e .
O tro p eço
s s
deu- o s a alm
7 ignora nte doas buraco
s
da estrad
Longe a
das armadilha
d o co r o s
p do mundo
terás .
doravante
Mas não te re ocu e
de caminhar soz n a p p s
i h
até o dia o u z o q u e no instante fina
í . l
d J estaremosjunto
Não s
h á
pressa pronto s par a a sentenç
a
se a ela qual fo
nem o qu t e e r r
e m : con j tra nó
haveremos s
lavrad
de oportun m a ente a:
as pe rplexida de
a a . s
te lca n
ç r de ainda outro
L uga r
ou a inconcebív
Na pior das h e e
t s el
ip ó
se chegares pa
z
do Nad
an tes de nós a.

ne do u iz
d ia t J

192 19 3
À BENGALA
A O S ÓCU LO S

Contigo me faço Só fing em que põem


pastor do rebanho od mundo ao alcance
de meus pró prio s passos . s m us ol oh s ío s
o e m p e.

N a verdade me exila m
dele com filtrar-l eh
o
a m n r imag em .
e

não vejo as coisas


á
J
s u r
como são: v eo-as c o o
me le q e em
s j
que a v je .a
Lo go, são eles gue vêem,
não
do l eur qu e, mesmo côns
o, lh s so u r to c io
og e ga

por anteciparem e mim


m
o Édipo cu ri oso
d e su s r ó ria strevas.
a p p

194 195
À TINTA DE ESCREVER AO SHOPPING CENTER

Ao teu azul fidalgo mortifica Pelos teus círculos


registrar a notícia, escrever vagamos sem rumo
o bilhete, assinar a promissória nós almas penadas
esses filhos do momento. Sonhas do mundo do consumo.

mais duradouro o pergaminho De elevador ao céu


onde pudesses, arte longa em vida breve pela escada ao inferno:
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima os extremos se tocam
a elegia, bronze a epopéia. no castigo eterno.

Mas já que o duradouro de hoje nem Cada loja é um novo


espera a tinta do jornal secar, prego em nossa cruz.
firma, azul, a tua promissória Por mais que compremos
ao minuto e adeus que agora é tudo História. estamos sempre nus

nós que por teus círculos


vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação.

196 197
AO ESPELIIO
A O A L F IN ET E

O que ma is me aprovei
la
cm nosso tão fre qüent A tua cabeça
e
comércio é a tu é um in finito às avessa .
s
a
peda g o gia de avesso Com tua ponta apren
s de
.
Fazem-se cm nós defeito lín u am a r
s a g is pe v e
rsa.
as virtudes que ensinas
:
o brilho de su perfíci Pied osa mente. ' es c o n
e d e
s
a profundidade mentiros obs ce nos rasgões.
a
o exist r apena Com prender o molde a o a on
i
s p
no reflexo alheio. a i
um a roup lhe mpões .
No entanlo, sem L
i
sequer nos saberíamos No idioma da ambição
o outro de um outro só ao módico dás nome:
"
outro por sua vez Algum para os alfinetes "
de algum outro,cm infinito e
l e .m
pede a m uh r a o ho m
corredor de espelhos .
Isso até o último Mas se cais ao chão ni
n guém
vazio de toda imagem s e rebaixa em colher-te.
espelho de um s mesmo Com "um mu xoxo de desdé
m

i d : u s im l a lf
iz "
É
anterior , posterio p inete .
r m e s
a tudo, isto é, a nada .

198
19 9
Que bichinho é este
que por milagre cessa
o choro assim que pode
mamar numa teta
A UM RECÉM-NASCIDO túrgida, madura?

para José Paulo Naves - É o filho da fartura.

Que bichinho é este


Que bichinho é este
cujos pés, na pressa
tão tenro
de seguir caminho
tão frágil
não param de agitar-se
que mal agüenta o peso
sequer por um segundo?
do seu próprio nome?
- É o filho do mundo.
- É o filho do homem.
Que bichinho é este
Que bichinho é este
que estende os braços curtos
expulso de um mar
como se tivesse
tranqüilo, todo seu
já ao alcance da mão
que veio ter à praia
algum dos sonhos seus?
do que der e vier?
- É um filho de Deus.
- É o filho da mulher.

Que bichinho é este


de boca tão pequena
que num instante passa
do sorriso ao bocejo
e dele ao berro enorme?

- É o filho da fome.

201
200
DE A MEU ESMO (1995)
REVISITAÇÃ
O

Cida de q
, por ue m e
pers egu e ?s

Coá m ã os dedo s sa ngran do


n v
j o ca e cm te u c ão
i h

os s et e pa lmos r egulamen t s
a
para en ter rar meus mo r tos? re
Não fic m a os qu ites de sde então?
Por q in i
u e s st eds
cm lacender to a noii t e
as uzes de tu a s vilr n as
co m as me r c ador ias do son ho
a tão bo
m pr eço?
Não é
mai ste mpo deco mp rar.
Log ser tempo d e viajar
o á

pabr ã se be o de.
a n o sa n
Sda e-sã e apenai s que é prec so ir
i

e m o s vaz as.

E mv o a ongas tuas ru sa
ã l

Como nos dias de infânc ai ,


com a feé ic a p m s sa
r t ro e d
e
d uão a a ca a es q uina.
ma avt ievn u rd

n as e to a s ?

205
Em vão os conhecidos me saúdam
do outro lado do vidro,
desse umbral onde a vo
z
se detém interdil
a FOLHA CORRIDA

entre o que é e o que fo


i.

Cidade, por que me persegues


?
Ainda que cu pegasse
o mesmo velho trem, Vão- s e a s a a d
m as
ele não me levaria d
e t a la d
as
s
a t , que não és mais .
i pe h
no u
e o ex-a t rb il ão
o le scen t
d
As cidades, sabemos, e
n t elh
a oe p
s
são no tempo, não no espaço, co a o
ru as.
e delas nos perdemos a prim ei
ras
s
g
a cada longo esquecimento
de nós mesmos.

Se já não és e nem eu posso


ser mais cm ti,então que ao menos
atrnvés do vidro
atrnvés do sonho
um menino e sua cidade saibam-se afina
l

intemporais, absolutos.

206
207
CENTAURA PÓS-EPITALÂMIO

A moça de bicicleta many many gloves


parece estar correndo
sobre um chão de nuvens. um dia você faz sol
no outro dia você chove
A mecânica ardilosa
dos pedais multiplica
suas pernas de bronze. many many gloves

O guidão lhe reúne hoje você me irrita


num só gesto redondo amanhã você me comove
quatro braços.
many many gloves
O selim trava com ela
um íntimo diálogo uma prova dos nove?
de côncavos e convexos. or just love? love

Em revide aos dois seios with its many many gloves?


em riste, o vento desfaz
os cabelos da moça

numa esteira de barco


- um barco chamado
Desejo onde, passageiros

de impossível viagem,
vão todos os olhos
das ruas por que passa.

208 209
Re etiu- o o dia inteiro diante d vidro im í
p o a ss e l.
p
Porém ela continuou para tod o s e m p e p isi v i
do espelho
o r r one ra
.
ORFEU

O jabut i perdeua companheira por causa de um ovo


atravessado que nem o veterinário conseguiu Lira r.

Durante meses, ficou a percorreraflito o jardim,de cá


para lá, de lá para cá,procurando-a.

Nas épocas de cio, soltava angustiado e cavo o seu


, ,
chamado de amo r.

À falta de resultados concretos acabou por fina l­


,
mente desistir da busca.

Voltou a andar no passo habitual e é'\ ficar, como


antes, longas horas imóve aquentando sol.
l

Jsso até o dia em que deixaram encostado ao muro do


fundo do quintal um velho espelho
.

Assim que topou com ele, estacou e se pôs a balançar


a cabeça de um para outro lado no esforço de reco­
nhecimento.

Quando julgou distinguir ali a companheira, soltou


,
mais angustiado e cavo do que nunca, seu chamado
de amor.

210 21 1
MEIO SONETO EPITÁFIO PROVISÓRIO

a borboleta sob um alfinete Está completamente morto agora,


o morcego no bolso do poeta lagarto empalhado, múmia do Egito.
chacais cotidianos de tocaia
um enxame de moscas sobre o pão Nascido num país em cujos ares
poetas voejavam aos milhares,
entretanto mais livres do que nunca
pombas ficou no chão, nada fez de inaudito:
pombas disse apenas um verso e foi-se embora.
pombas

212 213
ÉCLOGA METAMORFOSES

lentos bois, sou o que sou:


passam por mim o silêncio após o mas
os dias eo ou

fui o que fui:


um ruído entre
o constrói e o rui.

fosse o que fosse:


a ponte (que pena!)
quebrou-se

ser o que seria:


já crepúsculo mal
começa o dia?

214 215
DE DE ONTEM PARA HOJE (1996)
GONZAGUIANA

Em tronco de velho freixo


exposto à lixa dos ventos
ao vitríolo do tempo
não gravo teu nome não:

gravo-o no meu coração.

219
ÍTACA

Na gaiola do amor
não cabem asas de condor.
Penélopes? Cefaléias!
Quanta saudade, odisséias...

DE SOCRÁTICAS (INÉDITO)

220
MOMENTO

Visto assim do alto


no cair da tarde
o automóvel imóvel
sob os galhos da árvore
parece estar rumo
a algum outro lugar
onde abolida a própria
idéia de viagem
as coisas pudessem
livremente se entregar
ao gosto inato
da dissolução - e é noite.

223
PREPARATI VOS DE VIAGEM
U -E P
A TO JÁT F IO N!:! 2

Vários dos seus amigos mortos dão h oj e nome a rua


s para qu em pe d iu
e praças. sempre tãopouc
o
Ele próprio se sente um pouco póstumo quando co n
­ a a é a
o n d itiv m e
po s nte um exa ro
g e
versa com gentejovem.
Dos passeios, raros, a melhor arte é a volta pa r a
p ca s a.
As pessoas lhe parecem barulhentas e vul a re s. El
g e
sabe de antemão tudo q uanto ossam dizer.
p
Nos sonhos, os dias da inf ância são cada v e z mai
nítidos e fatos apar entement e banais do seu s s ­s
do assumem uma sig nificância q u e intrig a . pa a
O vivido e o sonhado se misturam a gora se m lh
e
causar espécie.
É como se anunciassem um estado de coisas cu j a pos­
sível iminência não traz susto.
Só curiosidade. E um estranho sentimento de ju s te z
a .

224
225
BIOGRAFIA

José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga, no inte­


rior de São Paulo, no dia 22 de julho de 1926. Corno
gostava de dizer, parece que foi destinado aos livros,
pois na casa em que veio ao mundo ficava também a
livraria do avô materno, J. V. Guimarães. Seu pai,
Paulo Artur Paes da Silva, português de nascimento,
era caixeiro-viajante e se encontrou e casou com Diva
Guimarães em Taquaritinga, em 1925. As recordações
da casa, da vida familiar, dos dias de infância, serão
matéria de muitos poemas, sobretudo nos últimos
livros, e de um capíh1lo da autobiografia Quem, eu?,
publicada em 1996.
Na pequena cidade da antiga Araraquarense, fez
os primeiros esh1dos, até o início do ginásio, trans­
ferindo-se depois para Araçatuba, no noroeste do
Estado, onde concluiu o secw1dário. Quis logo cuidar
da própria vida e decidiu arriscar-se na capital;
prestou o exame de ingresso no curso de química
industrial do Mackenzie, mas não conseguiu passar.
Deixou-se ficar por algum tempo ainda em São
Paulo, mas já no começo de 1944 se achava em
Çuritiba, Ot_lde faria o almejado curso técnico e fir­
maria sua vocação de escritor, revelada antes no
gosto precoce e intenso da leitura e nos escritos de
menino em jornaizinhos de escola.

227
A fase curitibana, pelo convívio com a roda de nos anos seguintes, enriquecido pela expenencia
escritores e artistas do Café Belas-Artes, que freqüen­ vivida intensamente sob uma perspectiva histórica
tou com assiduidade, pelas primeiras colaborações nova, alargada pela visão mundial do pós-guerra.
em jornais e revistas, pelas muitas e variadas leituras Pouco antes da viagem a Minas, em 1947, josé
que fez, pela descoberta do vasto mundo que ali se Paulo publica O aluno. Era o seu primeiro livro e foi
deu, foi de fato decisiva para a sua formação e para a bem acolhido pela crítica de Sérgio Milliet, mas visto
carreira literária posterior. Conviveu então com um com rigor por Carlos Drummond de Andrade, que
crescente círculo de amigos, de que fizeram parte o observa, com agudeza, o jovem poeta ainda se procu­
poeta Glauco Flores de Sá Brito, o contista e crítico de rando através dos outros, sem se encontrar dentro de
cinema Armando Ribeiro Pinto, o jornalista e ensaís­ si mesmo. A procura de si mesmo se estendia tam­
ta Samuel Guimarães da Costa, o crítico de arte bém ao campo social. O poeta se entusiasmara com
Eduardo Rocha Virmond, o pintor Carlos Scliar. os ventos renovadores que se seguiram à derrota do
Aproximou-se também do grupo da Livraria Ghig­ nazi-fascismo, e internamente, à queda do Estado
none, freqüentada pelos críticos Wilson Martins e Novo, com o movimento de redemocratização do
Temístocles Linhares e por Dalton Trevisan, o grande País, a libertação de Luís Carlos Prestes e a reorgani­
contista e fundador da revista Jonquim, em que José zação do partido comunista. Empenhara-se na luta
Paulo pouco depois colaboraria. Era o mundo cultu­ pelas questões sociais em prol de "um mundo só",
ral da província, mas siderado pelos grandes centros, como então se dizia. A arte de propaganda e a pre­
bem-informado sobre as correntes principais do pen­ gação stalinista do realismo socialista, no entanto,
samento e da literatura da época. logo o desencantaram, deixando-o com as perplexi­
Junto com Dalton e outros jovens intelectuais dades dos conflitos irresolvidos entre arte e ideologia
paranaenses comporia uma frente comum por que partiram ao meio o século. As simpatias de
ocasião do II Congresso Brasileiro de Escritores, de esquerda, porém, não desfalecerão, retornando no
importante atuação política no combate final, em miolo de uma poesia empenhada na defesa da
1947, ao que restava da ditadura do Estado Novo. O cidadania, dos valores da civilidade, dos direitos
encontro com os grandes nomes da literntura plenos do homem na cidade.
brasileira então retmidos em Belo Horizonte e os Em 1949, após tentar um estágio numa usina de
novos contactos que fez com James e Jorge Amado, álcool em Taquaritinga, o poeta se muda para São
com Graciliano e Ricardo Ramos, na breve estada no Paulo, a fim de trabalhar numa indústria farmacêuti­
Rio de Janeiro, após a reunião do Congresso em ca, onde aos poucos consegue exercer seu ofício de
Minas, toda essa emocionante aventura para o químico, no cargo de analista. Começa uma vida
mocinho provinciano se tornaria inesquecível. Foi, cheia de novidades e descobertas: amigos como
além disso, muito fecunda para o trabalho do escritor Edgar Cavalheiro ou o ferino e fulgurante Oswald de

228 229
Andrade; e, de repent e, Dom, que se converterá na
t poc me t s
o o mo tra m a for ça que tê m no co n ­
do
musa de toda c1 sua poesia. Dora em Dorinha Costn, o s, s
s
junto, c m diag
bailarina clássica de 18 anos , aluna de balé de Maria mos a i o deo u ra m a de uma vida e i n ac a�a_do
c o ma mito lo gia pes al. Segue -s e van o
Olencwn, com quem José Paulo se casaria em 1952. so m s
outros li ros,
Fo sua companheira inseparáve de todos o v com oA po e s,n está 111 or tn 111ns juro que 1u 1
i l s f u i c11 em 1988, i da o
momentos. , mas o pri nc pal produção mai s
r ec nt e d
Em fevereiro de 1952, publica Cií111plices, poema e e o m e lh or J o s é P aulo surge cm Prosas
s segu i da s de o des
í i 2
inspirados nesse amor qu e vei o para fica . A nov de 199 d, e A 111 e11 esm o , de
n
111 111 s ,
11
r a 1995. E p et t
plaquete representa um salto qualitativo grande com o o a me promet i a no v a col et ânea,
S oc át icns, d que j d ,
á eu a con ecer vár o poe m
h
relação à anterior, um a vez que já nno se tratava de r e s
a s
alguns aq ui r un i
dos . i
um aprendiz do ofício, dependente dos grandes e
A r t a alt de sua v ida , Jos é Pa lo se afa
mestresdo Modernismo - d Drummond, Bandeira c e u ra u stou
e s
do mund o d laboratór o, pa
o i
ou Murilo -, mas de um poeta que tem rumo próprio
mais d li\ ra e apro xi mar ainda
e caminha com simplicidade e ironiê1, sem qua lque r o s i·os, trn balha nd nu a m edit ora por mais
o
d vi n te an o s. Grnn de il são .
altissonância, cm busca da poesia condensad n e u Ao sair, sentiu- se con-10
a a i d
forma concisa do epigram a. O modelo d humor que alforr n do ecom vonta e de se ded ca r ape as às
e t r cfa lit á i s q i i n
oswaldiano, muito presente em certo momento, a s er r a , u e eram muit o ma s ex ten sas, em­
ra ã
quando o poeta se aproxima tnmbém da vanguarda b o n o menos mc1l pagas qi e u as d o poeta. A esse
tempo, o gos to v
i
concrctista, é logo superado na fórmula pessoa de a ra d odo le tor co tuma/ o lev a ra a
n
l e
apre n er línguas a ded ar- se à traiçoeira la buta �o
d ic
grande contundência com que trabnlha o epig rama tradut r, s i
para nfeiçoá-lo a um orig ina l tratamento minimalistél o c1 s m c o m o à imper ceptív e l arte do en sa1s ­
ta, te nd qu e c n i de rar de m is
em que a vcrvc satírica, a ironia e o chiste escondem os p rt o q uãa ntocu s­
d c iaa á ve r o
o
tav o ofíci e
t i
ro r n , s
uma latente gravidade. a o r a s e r r o e s a s em a
b nção dos bo n z
ê
os.
O caminho poético estava aberto e a viagem
J é Pa l f
ã
começa, delineando uma traJetória cada vez m ais o s u o se z ent o muit o conheci do c m
n s s mei c lt ral,e
voltada para a experiência resguardada ao longo dos o o o u u mos trando- s e sempre avesso, à s
e
v es injustam en te, a os a b re a cc1dêmico e descon fia­
anos: os pequenos poemas vão com pondo a fisiono­ d zdo rit i
s u a s un ve rs t r o i s, masdispostoao d ál o
i i á
o
mia de um homem, cujos passos são resg a tados na i og
cr ítico c m os ov o s e a tra diç l e á ia, c
formc1 precisa de um cancioneiro único, cm que a o id n d ão i t r r u j s valo ­
o

poesia se torna a imagem do ser e seu destino. Desse re s esq u ec o s uo ignora o s ajudou c1 re v e r pe lo t a
b lho de diç
ã
e
li � ­
percurso são marcos rclevc1ntcs os livros A11nto111ins a e ru o a ç o
re va a ã crít ci a, c omo foi o
s
(1967), Mein pnlnvrn (1973) e Resíduo (1980). Quando ca o de Sos íg e n cs C osta. Tornou-se, assim,�) trad or
d Ar tin o, de K v á fis, de St ut
se reúnem, cm 1986, sob o título sugestivo de U111 por e e d m it a t e rn , de G 1 bbo n, d e
d
u os o ros, dc1 li rat ra fan á tica, c1
e
Audc n
, e u t e u t s
230
231
poesia erótica edos poetasgregos modernos que deu
a conhecer emnosso idioma, como o notável Ritsos
.
Foi também o ensaísta que estudouAugusto dosAnjos
BIBLIOGRAFIA
Graça Aranha, Jorge Amado e tantos mais de nossa ,
,
literatura e estrangeiros, sempre com a mes ma
dig­
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Gregos e baianos, São Paulo, Brasiliense, 1985. Letras, 1991.
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De "Cacau" a "Gabriela": um percurso pastoral, Salva- Ascese, de Nikos Kazantzákis, São Paulo, Ática, 1997.
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Poemas, de Konstantinos Kafávis, Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1981.
Trisfmm Slznndy, de Laurence Sterne, Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1984.
Os buracos da máscara, antologia de contos fantásticos,
São Paulo, Brasiliense, 1986.
Poesia moderna da Grécia, Rio de Janeiro, Guanabara,
1986.
Poemas, de W. H. Auden (em colaboração com João
Moura Jr.), São Paulo, Cia. das Letras, 1986.
Às avessas, de J. K. Huysmans, São Paulo, Cia. das
Letras, 1987.

234 235
ÍNDICE

, . , .
A gora tud o eh1stona ............................................. 7

De O a/11110 (1947)

Canção do afogado........... ...................................... 59


Drummondiana.......................... ............................. 61
Balada....................................................................... 62
Opoeta e seu mestre ............................................. . 64
Muriliana .................................................................. 65
O aluno..................................................................... 66

De CIÍ111plíces (1951)

Madrigal ................................................................... 69
Canção sensata........................................................ 70
Pequeno retrato....................................................... 72
Poema circense........................................................ 73
Odepacífica............................................................. 74
Epigrama.................................................................. 76

De Novas cartas chilenas (1954)

Odeprévia.......................................... ..................... 79
Os navegantes......................................................... 81
A carta...................................................................... 83

237
A mão-de-obra. ........................................................ 86 De Meia palavra (1973)
L' affaire sardinha..................................................... 87
A cristandade........................................................... 88 Sick tra11sit................................................................ 129
Palmares................................................................... 89 Canção de exílio facilitada..................................... 130
A fuga....................................................................... 93 Seu metaléxico......................................................... 131
Cem anos depois..................................................... 96 Ars amandi............................................................... 132
Porque me ufano..................................................... 97 Minicantiga d' amigo ................ ..... .......................... 133
Auto-escola Vênus .................................................. 134
De Epigramas (1958) Lição de casa sobre um tema deAp9llinaire...... 135
Entropia... ............... .... ................................... ........... 136
Saldo.......................................................................... 137
Poética....................................................................... 103
Declaração de bens................. ............................. ... 138
A EdgarAllan Poe.................................................. 104
Antiturística ............................................................. 139
Bucólica.................................................................... 105
Termo de responsabilidade................................... 140
Il poverello ......... ...................................................... 106
Baladilha................................................................... 107
De Resíduo (1980)
Ivan Ilitch, 1958 ....................................................... 109
AClausewitz ............................................................ 111 Epitáfio para Rui..................................................... 143
Um sonho americano ............................................. 144
De Anatomias (1967) Les mains sales......................... .... ........................... 145
Neopaulística........................................................... 146
Epitáfio para um banqueiro .................................. 115 · Brecht revisitado..................................................... 147
DeSenectute............................................................ 116 Hino ao sono.......... .................................................. 148
Trova do poeta de vanguarda ou Do novíssimo testamento...................................... 149
T11e medium is the massage.................................. 117 Grafito ............................................................... ........ 150
Epitalâmio................................................................ 118 /
Ocidental.................................................................. 119 De Calendário perplexo (1983)
AMaiacóvski..... ...................................................... 120 "
À moda da casa. ...................................................... 121 Brinde........................................................................ 153
O poeta ao espelho, barbeando-se ....................... 122 Dúvida revolucionária........................................... 154
Anatomia da musa................................................. í24 Dia do índio ............................................................. 155
O suicida ou Descartes às avessas....................... 125 Etimologia................................................................ 156

238 239
A verdadeira festa ................................................... 157 Ao shopping center ................................................. 197
A marcha das utopias .................. .................. ......... 158 Ao espelho ................................................................ 198
Ao alfinete ................................................................ 199
De A poesia está morta mas juro q11e não fiâ eu (1988) A um recém-nascido ............................................... 200

Acima de qualquer suspeita .................................. 161 De A meu esmo (1995)


Poética ....................................................................... 162
Fêtes galantes ........................................................... 163 Revisitação ............................................................... 205
Taquaritinga ............................................................. 164 Folha corrida ............................................................ 207
Curitiba ..................................................................... 165 Centaura ................................................................... 208
Lisboa: aventuras ................................. ................... 166 Pós-epitalâmio ......................................................... 209
Pisa: a torre ............................................................... 167 Orfeu ......................................................................... 210
Florença: antediluviana .......................................... 168 Meio soneto .............................................................. 212
Duas elegias bibliográficas .................................... 169 Epitáfio provisório .................................................. 213
Epitáfio para um sociólogo ................................... 171 Écloga ........................................................................ 214
Metamorfoses ........................................................... 215
De Prosas seguidas de odes míui111as (1992)
De De 011tem pnrn hoje (1996)
Escolha de túmulo .................................................. 175
Gonzaguiana ............................................................ 219
Noturno .................................................................... 176
Ítaca ........................................................................... 220
Canção de exílio ...................................................... 177
Um retrato ................................................................ 178
De Socráticas (inédito)
Outro retrato ............................................................ 180
A casa ........................................................................ 182
Momento .................................................................. 223
Iniciação .................................................................... 183
Preparativos de viagem ......................................... 224
Nana para Glaura .................................................... 184
Auto-epitáfio n2 2 .................................................... 225
Balancete ............. ...................................................... 185
Biografia .................................................................... 227
Reencontro ................................................................ 186
Bibliografia ............................................................... 233
Balada do Belas-Artes ............................................. 187
À minha perna esquerda ........................................ 189
À bengala .................................................................. 194
f Aos óculos ................................................................ 195
À tinta de escrever .................................................. 196

240 241

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